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Setembro de 2019
Novembro de 2019
Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção
do grau de Mestre em Ciências Musicais, variante de Etnomusicologia, realizada sob a
orientação científica do Professor Doutor Pedro Roxo.
Agradecimentos
i
A Recepção e a Prática do Jazz entre as Décadas de 1940 e
1960 na Ilha Terceira (Açores)
Resumo
Nesta medida, este estudo visa apresentar uma narrativa alternativa não só às
narrativas dominantes focalizadas no jazz enquanto “objecto estético” (DeVeaux, 1998),
mas pretende também contribuir para o realce de outros significados e valores sociais e
culturais atribuídos ao jazz em Portugal (Roxo, 2009) ao longo do período abordado,
uma vez que a interacção entre a população e os militares originários dos EUA e do
Reino Unido desencadeou experiências e percepções, relacionadas com o universo
musical sob observação, divergentes das que se presenciavam no resto do país,
nomeadamente processos e valores conotados com a “modernidade”. A presença de
músicos/militares estrangeiros na ilha irá proporcionar novos contextos de performance
“ao vivo” permitindo aos habitantes entrarem em contacto com produtos musicais
provenientes da cultura “popular” e música de entretenimento norte-americana,
incluindo com celebridades e artistas popularmente reconhecidos tais como Bob Hope,
Frank Sinatra, Glenn Miller e Stan Kenton. Estas circunstâncias levariam à formação de
alguns agrupamentos locais contratados para entreterem os militares no interior da base
das Lajes. A esta visão é articulada a análise musical de diversos excertos gravados no
ii
Rádio Clube de Angra, principalmente por dois grupos que alcançaram alguma
popularidade na ilha e que actuavam regularmente na base aérea das Lajes, sendo estes
os Flama Combo e a orquestra Olmmar Band.
Um dos objectivos principais deste trabalho passou por mostrar novos contextos
de recepção do jazz em Portugal, uma vez que a ocupação militar britânica e norte-
americana em território português durante os anos da ditadura colonial torna
particularmente relevante o estudo deste caso. Para esse fim, foi necessária a pesquisa
de diversa bibliografia referente às circunstâncias políticas e históricas que permitiram o
estabelecimento da base das Lajes e que viabilizaram a propagação do jazz na ilha. No
mesmo sentido, foi também essencial a consulta de outras referências bibliográficas que
demonstrassem a relação entre o jazz e as indústrias fonográficas e de broadcasting, no
âmbito da expansão norte-americana e do mercado globalizado. Por fim, além da visita
a diversas instituições na ilha Terceira que possibilitaram o acesso a jornais e
periódicos, bem como de fonogramas e outros materiais, a perspectiva adotada nesta
dissertação envolveu a conduta de entrevistas etnográficas com músicos, familiares de
músicos, e outros agentes associados ao universo do jazz da década de 1940 à década de
1960.
iii
The Reception and Practice of Jazz in Terceira Island
Between the Decades of 1940 and 1960
Abstract
This study aims to present an alternative narrative not only to the dominant
narratives focused on jazz as an "aesthetic object" (DeVeaux, 1998), as also to
contribute to the highlighting of other social and cultural meanings and values attributed
to jazz in Portugal (Roxo, 2009) throughout the period covered. The interaction between
the population and the military originating in the United States and the United Kingdom
triggered experiences and perceptions, related to the musical universe under
observation, which differed from those occurring in the rest of the country, namely
processes and values connoted with "modernity". The presence of foreign musicians /
military personnel on the island provided new "live" performance contexts enabling
residents to get in touch with music products from "popular" culture and US
entertainment music, including the visit of celebrities and popularly recognized artists
such as Bob Hope, Frank Sinatra, Glenn Miller and Stan Kenton. These circumstances
would lead to the formation of some local groups hired to entertain the military within
the Lajes military base. The analysis of this processes is articulate with the musical
analysis of several excerpts recorded at the Radio Clube de Angra, mainly by two
iv
groups that reached some popularity in the island and that regularly performed in the
Lajes air base - the Flama Combo and the Olmmar Band Orchestra.
Keywords: jazz, entertainment music, Terceira, Second World War, Lajes Field,
modernity
v
Índice
Agradecimentos..................................................................................................................i
Resumo..............................................................................................................................ii
Abstract............................................................................................................................iv
Índice................................................................................................................................vi
Lista de Abreviaturas.........................................................................................................x
Lista de Imagens..............................................................................................................xii
Introdução........................................................................................................................15
Métodos e técnicas...............................................................................................19
Desafios...............................................................................................................21
Organização do texto...........................................................................................23
1. Enquadramento teórico...............................................................................................27
2.1.3 Recepção do jazz na base das Lajes através da presença da ocupação militar
britânica: prática do jazz, swing, boogie-woogie;.............................................58
3.3.2 Música sinfónica, moderna e para dançar no Rádio Clube de Angra (anos 40 e
50)......................................................................................................................97
vii
4.3 Instrumentalização política do jazz a encargo do governo norte-americano
e as consequências da sua recepção na ilha..............................................134
4.3.1 A manutenção das orquestras de swing na base das Lajes e relação com a
política dos EUA e o mercado fonográfico.....................................................138
4.6 Conclusão.................................................................................................150
6 Conclusão..................................................................................................................194
Referências bibliográficas.............................................................................................204
Webgrafia......................................................................................................................216
Entrevistas.....................................................................................................................218
V-Disc................................................................................................................219
viii
Restantes referências discográficas e musicais..................................................222
Anexo A.........................................................................................................................225
Anexo B.........................................................................................................................228
Lista de Abreviaturas
Cpl. – Corporal
Sgt. – Sergeant
ix
NCO – Non-Commissioned officer
RI – Relações Internacionais
FO – Foreign Office
x
Lista de Imagens
Img. 2: Station Band ou RAF Quintet com Hall Rutter, Martins Lukins, Jimmy Bassett,
Geroge Pawsey, George Thomas....................................................................................63
Img. 4: Lado A do V-Disc com a gravação de “Cocktails for Two” e “Liza” por Art
Tatum...............................................................................................................................87
Img. 6: Lado A do V-Disc com a gravação de” I’ve Got you Under My Skin” pela
orquestra de Vaughn Monroe..........................................................................................88
Img. 7: Lado B do V-Disc com a gravação de “South Side” pela orquestra de Vaughn
Monroe............................................................................................................................89
Img. 11: Cartão publicitário do Flama Combo (fornecido por João Soares)................120
Img. 13: Olivério e orquestra OPAR na esplanada dos brancos – Luciano Ferreiro,
Artur, José Gomes, Olivério (voz), Ezequiel Bettencourt, Afonso, Manuel Bento (sax-
alto), Ernesto (saxt), Manuel (vl.).................................................................................126
Img. 15: Guido Fernandes e a orquestra Art Carneiro na festa do Rádio Clube de Angra
em 1958.........................................................................................................................127
xi
Img. 16: Copacabana Combo – Ezequiel Bettencourt (acord.), Manuel (bx.), António
(Sax-T), Ernesto Barcelos (trp.), Vasco Gomes (btr.) e Manuel Bento (Sax-A)...........131
Img. 17: AeroJazz no Café Royal - Álvaro Carreiro (vl.), José Duarte (acrd.), Ezequiel
Bettencourt (sax-alto), Palmira Enes (pn.)....................................................................131
Img. 20: Glenn Osser and His Orchestra – “Night and Day”........................................150
Img. 22: Orquestra de Manuel Reis dirigida por oficiais norte-americanos no Palácio
dos Capitães-Generais na freguesia da Sé, em Angra do Heroísmo.............................156
Img. 23: Quarteto de Art Carneiro com Art Carneiro, Alberto Mateus, Alberto Coelho e
Luís Soares em final de 1940........................................................................................158
Img. 24: Foto e legenda retirada do livro Rádio Clube de Angra (1972) de Pedro
Merelim.........................................................................................................................159
Img. 25: “A Revoltosa” com Mário Coelho (último a contar da esquerda para a direita
da última fila)................................................................................................................162
Img. 27: Orquestra “Manuel Reis” dirigida por Art Carneiro com Alberto Mateus,
Fernando Soares (Luís Soares encontrava-se ausente por motivos de doença.) e Alberto
Coelho............................................................................................................................173
Img. 29: Orquestra de “Manuel Reis” já dirigida por Luís Soares ilustrando a descrição
da constituição da orquestra de Mariano Lima (pn.).....................................................175
Img. 31: João Moniz ao piano com Oldmar Band (curiosamente com Luís Soares no
contrabaixo)...................................................................................................................177
Img. 33: Luís Soares, Alberto Coelho (pno) e Alberto Mateus (bx) em 1953..............180
xii
Img. 34: Luís Soares com Carlos Saloio.......................................................................181
Img. 35: Alberto Mateus (bt), Mário Coelho (ctbx), Art Carneiro (pn.) Alberto Coelho
(acrd.), Luís Soares (gt.), Max (voz) no Teatro Angrense............................................182
Img. 36: Flama Combo possivelmente com um trompetista militar norte-americano nos
anos 1960.......................................................................................................................183
Img. 41: Flama Combo com Alberto Coelho (pn.), Mário Coelho (saxt), Alberto Mateus
(bt.) e Luís Soares (trp.), Fernando Soares (ctbx.).......................................................193
xiii
Introdução
1
De acordo com Moreira dos Santos (2008: 93) os anos de 1970 “constituíram uma autêntica travessia do
deserto para os amadores de jazz na Terceira”, acrescentando que “a oferta de concertos foi praticamente
nula, à excepção dos espetáculos pontualmente realizados por bandas militares norte-americanas ou
transmitidas pela estação de televisão das Lajes e pela RTP Açores.”
14
que no primeiro momento o jazz emerge com bastante assertividade no contexto da 2ª
Grande Guerra2 e durante a Guerra Fria, e ocupa um lugar destacado no domínio da
música popular americana, enquanto num segundo momento nasce de uma
revalorização da música, especialmente através do meio académico e de divulgação. No
entanto, tal como no passado, as diversas e frequentes práticas musicais actuais,
sobretudo o rock, também podem ser compreendidas à luz do contacto próximo com o
mundo anglo-saxónico ao longo dos anos, sobretudo através da construção e
inauguração da Base Aérea das Lajes.
15
interdisciplinaridade recorre-se a ferramentas da Musicologia, da Antropologia, dos
Popular Music Studies3, das Relações Internacionais, dos Jazz Studies etc. Portanto,
será através dessa interdisciplinaridade que fornece, por um lado, as ferramentas
teóricas e metodológicas para o enquadramento e abordagem do objecto de estudo e, por
outro, a possibilidade de contextualizar social e historicamente os eventos tratados nesta
dissertação, que se poderá investigar as seguintes propostas:
3
Parafraseando Matt Brennan (2017): “New Jazz Studies is hardly new anymore and shares many similar
approaches and concerns with the rest of popular music studies. This makes it all the more strange that the
two fields continue on the whole to operate independently of one another.”
16
De um modo mais específico e de acordo com os dados e informação recolhida
assim como as preocupações teóricas expostas, pretende-se também abordar as
seguintes questões:
Apesar das restrições de acesso de civis à base das Lajes, de que forma o jazz
circulava na ilha considerando a possibilidade de algum contacto entre
autóctones e militares ingleses e norte-americanos, e ainda o papel das
tecnologias de disseminação da música (p.ex. aparelhos radiofónicos e
fonógrafo)?
17
Métodos e técnicas
18
musicais, incluindo a visita de celebridades como Frank Sinatra, Glenn Miller, Stan
Kenton etc. O desenvolvimento económico e comercial posterior à construção da Base
Aérea das Lajes espoletou uma proliferação do mercado discográfico na cidade de
Angra do Heroísmo, pelo que foi também relevante pesquisar as suas organizações
comerciais e o tipo de consumidores que acediam a estes produtos. Para a concretização
dessa tarefa recorri principalmente à consulta de jornais da época para conhecer que tipo
de fonogramas e aparelhos de reprodução sonora eram vendidos, a partir dos cartazes
publicitários das respectivas lojas, complementando com conversas informais com
alguns dos habitantes na cidade de Angra. A investigação relacionada com alguns
estabelecimentos comerciais levou a que fosse possível entrar em contacto com alguns
dos familiares dos lojistas, como foi no caso da família Cristovám. 5 Com efeito, esses
produtos podiam ser adquiridos na base norte-americana reconhecendo que o seu acesso
era restrito a trabalhadores – nesse grupo de trabalhadores constavam músicos que
tocavam regularmente na base, e os respectivos familiares.6
5
Esta família possibilitou o acesso a discos e outros materiais da época, além de ter contribuído para a
contextualização e densificação da recepção do jazz na ilha, visto que Fausto Cristovám (lojista) era
igualmente um dos fundadores do Rádio Clube de Angra.
6
De outra forma, a dinâmica inerente às redes de sociabilidade construídas entre a população e os
militares norte-americanos não tornava a aplicação desta restrição algo unilateral.
19
Desafios
Para concluir, foi necessário despender algum tempo para se aceder a um certo
tipo de material. Por um lado, por razões relacionadas com o transporte – isto é,
relativamente às viagens entre a ilha Terceira e Lisboa, e depois entre a Praia da Vitória
e Angra do Heroísmo – e, por outro, os constrangimentos causados pelas políticas das
instituições, quer para entrar na base aérea das Lajes e na discoteca da Rádio Lajes,
como também no Rádio Clube de Angra, especialmente no que toca ao ter tido
permissão para aceder a gravações efectuadas pelos músicos locais. No primeiro caso, o
problema devia-se sobretudo à restrição do local a civis. Esse impasse foi contornado
pelas várias relações estabelecidas de amizade dos meus pais 8 com trabalhadores e
militares portugueses da base que obtiveram autorização para entrar no espaço. Já no
7
Por exemplo, no caso de Mário Coelho, um dos músicos de jazz na Terceira, foram guardadas no
arquivo regional de Angra algumas marchas e tangos, e ainda alguns escritos académicos sobre a “história
da música” em que são mencionados os nomes de Luís de Freitas Branco, Ruy Coelho, Vianna da Motta
etc.
8
Principalmente através do meu pai que foi um antigo trabalhador na base militar das Lajes.
20
caso do Rádio Clube de Angra, as preocupações dos responsáveis estavam relacionadas
com o uso público das gravações. Como habitualmente sucede noutros trabalhos de
investigação, o problema seria que essas faixas fossem publicadas para fins
jornalísticos, situação que se resolveu após o seu devido esclarecimento.
21
Organização do texto
9
Para a descrição de eventos e negociações geopolíticas e geoestratégicas que envolveram o arquipélago
dos Açores e a ilha Terceira, quanto às conversações entre o estado português com o norte-americano e
britânico, foram, em grande parte, consultados textos da área das Relações Internacionais.
22
recepção do jazz em Portugal, assim como outros importantes trabalhos na
historiografia do jazz. As referências aqui mobilizadas preocupam-se inicialmente em
delimitar a noção de jazz, levando em conta as práticas e significados diversos
atribuídos tanto pelos consumidores em determinado período histórico, como pelo meio
académico. Além disso, na bibliografia trabalhada procura-se articular, novamente, a
dimensão globalizada do jazz no quadro da modernidade e a sua recepção. Por fim,
procede-se a uma explicação das principais ferramentas da etnomusicologia histórica
utilizadas. Desse modo, explica-se a relevância das entrevistas etnográficas e de outros
materiais recolhidos tais como iconografia, documentos, fonogramas etc. e como estes
contribuem frequentemente para a modificação e construção do objecto de estudo. De
outra forma, aproveita-se nesta secção para fazer uma leitura crítica sobre os textos das
Relações Internacionais tendo em atenção como alguns dos discursos e posições
tomadas pelos autores podem ser ideologicamente marcadas.
23
o estabelecimento militar norte-americano torna-se o mais relevante para a
institucionalização do jazz na Terceira. É abordado a forma como o jazz e a música
popular americana era compreendida e tocada entre os militares. Para isso explica-se a
relação do fabrico e da distribuição de fonogramas em contexto militar e a que valores
simbólicos, políticos e sociais estavam associados. Também através das suas
organizações privadas e governamentais, cujo objectivo seria entreterem os soldados,
chegam diversos músicos na fase final da segunda guerra, entre eles algumas
celebridades, tais como Glenn Miller e Frank Sinatra. Os concertos por estes realizados
conjugam-se com a divulgação do jazz e do swing através da imprensa regional e do
cinema. De igual modo, investigam-se quais as estações de rádio construídas após o
estabelecimento da base aérea das Lajes, que além de terem tido um papel relevante na
disseminação do jazz, através da reprodução de fonogramas, foram também
responsáveis pelo planeamento de festas em que participavam diversos músicos. Ainda
é mencionada a importância da tradição filarmónica e militar na ilha que seria a base
para a formação musical de muitos desses músicos.
24
destacando-se o regresso da orquestra de Stan Kenton. O texto finaliza com uma
pesquisa das principais lojas que comercializavam fonogramas e aparelhos de
reprodução sonora.
25
popular music e do jazz em Portugal, particularmente alusivo às décadas de 1940 e
1960, em que vigorava o governo autoritário do Estado Novo.
26
1. Enquadramento teórico
10
Assume-se que o estabelecimento dos Jazz Studies como campo legítimo de estudo tenha iniciado com
Marshall Stearns, primeiro director do Institute Jazz Studies e uma das principais figuras na historiografia
do jazz após a década de 1970. A contribuição mais significativa nesse sentido realizou-se após o
falecimento do autor com o lançamento do Journal of Jazz Studies sob a editoria de Charles Nanry e
David Cayer, primeira publicação académica revista por pares dedicada exclusivamente ao jazz (Poutry,
2011: 95)
11
Em todo o caso, esta afirmação não significa abandonar a pertinência da análise histórica e diacrónica
em relação ao jazz e a contribuição das “comunidades” da diáspora africana para o seu surgimento e
desenvolvimento (Ake, 2001: 13). Pretende, sim, alertar para a complexidade e contradições que
implicam uma identidade grupal e etnicamente circunscrita africana e africano-americana que pode,
eventualmente, levar aso a interpretações raciais do jazz, mesmo que estas estejam sob a forma de
narrativas históricas afrocêntricas. Ake (ibid) detecta este problema explicando: ““However, such
narratives tend to ignore the fact that racial identity among jazz musicians and their attendant audiences
within the various camps of this supposed black/white dichotomy has been marked by contradiction and
antagonism as well as by cultural pride and unity. And what I hope to demonstrate in this chapter is that
lived realities in the jazz world—as in the broader American social and cultural world—are more
complex than our simple biracial categories would lead us to believe.”
27
trabalhos na academia já tenham sido produzidos com esta reserva, Scott DeVeaux
(1991) alerta para o seguinte:
12
Para Thomas Turino (2008: 23) as categorias musicais construídas pelos músicos, críticos, fãs, pela
indústria musical e académicos servem para distinguir estilos e produtos musicais mas dizem pouco sobre
o como e o porquê de indivíduos criarem aquela música em particular e os valores que a englobam.
13
Dado que os militares “estrangeiros” deteriam certamente significados divergentes colectivamente
partilhados que estivessem em consonância com a situação de estado de guerra das respectivas nações e
regiões que representavam e dos quais eram oriundos, neste caso os EUA e o Reino Unido.
28
“Existing studies of jazz under these two regimes make it abundantly clear that the
relationship is both more complex and more instructive than a simplistic model of
resistance (…) both regimes entered into ambivalente relationships with jazz.”
(ibid).
29
transnacional. O jazz é então incluído nas discussões do domínio dos popular music
studies e da etnomusicologia, entendido tanto como comodidade e tecnologia, mas
também como prática e discurso envolvendo materiais, redes e relações sociais. 3) A
propagação do jazz sucede-se conjuntamente com os desenvolvimentos nas tecnologias
de gravação e com a crescente popularização da rádio e do cinema, logo desde a década
de 1920, ao mesmo tempo que faz emergir uma série de valores conotados com a
“modernidade” e de novas percepções associadas a produtos musicais provenientes da
cultura africano-americana. Aqui também será apresentado um estado da arte dos
estudos de recepção do jazz em Portugal e que revelem a importância deste trabalho e a
sua contribuição para essa mesma área.
30
1.1 A questão do “poder” nas ciências sociais e humanas e
“poder político” na área das Relações Internacionais
O papel do poder e a sua intervenção na vida social dos indivíduos tem sido um
tema permanente e amplamente debatido no âmbito das ciências sociais e humanas. Um
dos problemas levantados e transversais à literatura influente deste universo intelectual
lida com a identificação de dicotomias como agência-estrutura, dominação-resistência,
individuo-sociedade, ou ainda sob a forma de metodologias, presenciando-se debates
entre perspectivas macro e micro sociológicas e a articulação entre métodos
quantitativos e qualitativos. Michel Foucault, Pierre Bourdieu e Anthony Giddens são
alguns dos autores de referência que retratam o carácter dinâmico e imprevisível deste
dualismo ao introduzirem a noção de “praxis social” nos seus modelos teóricos
(Castellani & Hafferty, 2009: 37). Geralmente situados na escola pós-estruturalista,
distanciam-se deliberadamente dela, principalmente os dois primeiros, dada a
discordância de ambos com o desconstrutivismo de Derrida, no qual apenas se centra
em “representações de significação” partindo da linguagem em vez de contar,
igualmente, com “estruturas sólidas” e instituições “materiais”15 (Milner, 1993: 106) Na
perspectiva de Bourdieu e Foucault a dialéctica entre a formação de subjectividades e a
estrutura cultural e social pré-determinada é continuamente renovada por mecanismos
de poder relacional, simbólico ou invisível – respectivamente, sob a forma de habitus ou
da vinculação de poder/saber – distinto de uma suposta hegemonia centralizada. Na
obra de Bourdieu a dominação tem um papel omnipresente e fundamental para a
reprodução da vida social, por outro lado, permite também a possibilidade de momentos
criativos de resistência ligados à praxis colectiva “não-racional”, isto é, “disposições
que podem permitir novas necessidades, solidariedades e processos de acção pós-
hegemónica sem uma supervisão central.” (McDonell, 2013: 1) De outra forma, os
15
Apesar de ambos os autores serem influenciados pela tradição marxista e, eventualmente, pelo
materialismo histórico, diferenciam-se significativamente dela. Para Foucault (2008: 26, 27) as condições
políticas e económicas de existência não se impõem e impedem a relação do sujeito com a verdade, mas
produzem e constituem esse mesmo sujeito de conhecimento. Bourdieu demarca-se de Marx sem nunca o
declarar expressamente. Dos muitos pontos que podem ser considerados, a divergência está quando o
autor concebe o conflito de classes como uma luta sobre a distribuição de capital e entre proprietários de
diferentes capitais (simbólico, social, cultural e económico) desconsiderando a ideia marxista de
exploração de valor excedente. (Desan, 2014: 335)
31
problemas colocados por Bourdieu e Foucault procuram igualmente decifrar como
opera e se dispersa o poder político na sociedade moderna (Cronin, 1996). Bourdieu
observa que as relações de dominação simbólica estão intimamente ligadas à
emergência de um Estado moderno que produz e impõe categorias de pensamento que
os agentes aplicam espontaneamente ao mundo social (ibid: 71). Assim como Bourdieu,
Foucault observa que o poder político se exerce por instituições aparentemente neutras
como o sistema escolar, a medicina, a psiquiatria, etc. com fins a concentrar e a manter
instrumentos simbólicos e culturalmente legítimos numa determinada classe social em
detrimento de outra. Apesar disto, atendendo ao contexto abordado na dissertação,
tratar-se-á de ver formas de poder político mais “explícitas” tendo em conta as
características que normalmente a ele estão associadas, como a relação entre nação e
Estado, a intervenção militar e o processo diplomático envolvendo Portugal no quadro
internacional da Segunda Grande Guerra.
32
1.1.1 Poder dos Estados e diplomacia na modernidade
Na obra The Nation-State and Violence (1984), o autor Anthony Giddens mostra
que a sociedade moderna se caracteriza e se edifica pela convergência de vários pontos,
tais como o aparecimento da nação-estado, a expansão do capitalismo, a
industrialização da guerra e o aumento das conexões globais. Na sua óptica, as relações
internacionais vão decorrer da integração de uma nação numa relação sistémica com
outras nações contribuindo para o alargamento das fronteiras nacionais e reforçando,
simultaneamente, as soberanias de Estado (Giddens, 1984: 235). O desenrolar da I
Guerra Mundial acompanhou progressivamente o desenvolvimento da produção
industrial e da legitimidade das autoridades governamentais, como representantes do
Estado e da nação, deterem o controlo sobre o monopólio dos meios de violência 16,
veiculado pelos ideais do nacionalismo e pelos direitos de cidadania (ibid: 265). Além
disso, Giddens refere que a segunda guerra mundial funcionou apenas como uma
extensão da guerra precedente, no que toca à expansão militar e à dependência das
capacidades industriais dos Estados (ibid). É de assinalar que a compreensão do
desenrolar e do resultado destes “grandes” eventos históricos descritos pelo autor devem
ser interpretados tendo em vista a sua “teoria de estruturação” 17, e não como momentos
radicais de ruptura social provocados por um movimento contra-hegemónico. A
resposta a um determinado poder ou estrutura social produz-se também através dessa
mesma estrutura, isto é, trata-se de um processo dialéctico e em constante mudança:
“A estrutura não deve ser concebida como uma barreira à acção, mas sim como
encontrando-se envolvida na sua produção, mesmo que nos encontremos em
presença dos mais radicais processos de mudança social (...)” (Giddens, 1979: 44)
16
Giddens na sua obra retoma a ideia clássica de Max Weber sobre o tipo de poder coercivo da nação-
estado enfatizando que “lays claim to the monopoly of legitimate physical violence within a particular
territory” (Weber, 1994:310, 311)
17
Ao divergir da sociologia estrutural de Émile Durkheim, Giddens (1986: 169) esclarece: “In contrast to
this view, structuration is based on the proposition that structure is always both enabling and constraining,
in virtue of the inherent relation between structure and agency (and agency and power).”
33
Análoga a esta preocupação, Thomas Eriksen e Iver Neumann (1993) ilustram
como a ideologia nacionalista, em momentos de confronto e conflito mundial, sustenta e
capacita a negociação e reciprocidade entre o Estado, uma vez que este se compromete
a proteger a propriedade e vida dos habitantes, e os cidadãos, que contribuem, por sua
vez, para a reprodução do Estado. Ernest Gellner (1983: 1, 86) compreende que o
nacionalismo, como teoria de legitimação política aliado com a emergência da
modernidade, sobrepõe-se às barreiras étnicas e à diversificação cultural que,
contrariamente ao realce que o marxismo atribui na luta e diferenciação de classes
promovida pela industrialização e relações económicas sociais reificadas, tem como
objectivo principal assegurar a diferenciação com os outros Estados e nações.
18
Segundo o autor, na teoria neorrealista os Estados são considerados actores sociais que detêm
responsabilidade e capacidade “individual” de tomar decisões assentes na maximização dos seus recursos
num panorama internacional anárquico, em que as instituições não-estatais assumem um papel pouco
relevante na “sobrevivência” de cada um dos Estados. Em termos estruturalistas, teóricos do sistema-
mundial definem o sistema internacional de acordo com os princípios organizadores da economia global
capitalista que subjazem à formação e constituição dos actores estatais (Waltz, 1979).
34
“If the proprieties of states and system structures are both tought to be causally
relevant to events in the international system, and if those proprieties are somehow
interrelated, then theoretical understandings of both those units are necessary to
explain state action.”
19
Termo usado por Foucault (2008: 4, 5) para representar um dispositivo cuja articulação do poder militar
com a diplomacia tem o objectivo de manter a pluralidade dos Estados livre da absorção imperial, de tal
maneira que um equilíbrio pode ser estabelecido entre eles sem a produção dos tipos imperiais de
unificação através da Europa. Este tópico está incluído nos três pontos que o autor enuncia associados
com a nova racionalidade governamental, ou Raison d’Etat, construída no séc XVI, que define a
especificidade e a realidade relativamente autónoma do Estado.
35
1.2 Modernidade, indústrias culturais e o jazz
20
Sabe-se que o pensamento de Adorno ocupa um lugar central nos estudos da popular music e do jazz no
âmbito das ciências sociais e humanas e para este caso é inevitável uma breve passagem pelo seu ideário,
principalmente porque levanta questões pertinentes sobre as relações de poder implícitas na sociedade
industrial com eventuais efeitos sociais e psicológicos na recepção musical. Conhecida a importância e a
enorme bibliografia escrita pelo autor e sobre o autor apresento apenas algumas preocupações que
esclarecem a posição crítica enveredada nesta dissertação quanto a esta visão.
21
Vários estudos contextualizam o jazz que Adorno experienciou ao longo da sua vida. (p. ex. o artigo
“The Jazz Essays of Theodor Adorno: Some Toughs on Jazz Reception in Weimar Germany” de
Bradford Robinson, ou ainda o livro de Jonathan Wipplinger intitulado The Jazz Republic: Music, Race,
and American Culture in Weimar Germany). Segundo Leppert (2002: 357) “the jazz in question was the
popular dance music produced in the waning years of the Weimar Republic and also in England during
Adorno ́s exile years there.” Em contrapartida a crítica aqui referida não deve subscrever a ideia de que o
jazz “não-comercial” ou não massificado desconhecido por Adorno seria efectivamente emancipador e
visto a bons olhos pelo autor. Uma crítica desta natureza estaria assente numa pressuposição ideológica
que coloca a música de arte como oposição a uma música de massas/comercial (ironicamente demasiado
adorniana).
36
exemplo na relação da sincopação com os imperativos da produção moderna do horário
de trabalho mecanizado e repetitivo (Lewandowski, 1996). O carácter normativo e
homogeneizante da industrial cultural é tal que, para Adorno, a introdução de um novo
idioma musical assim como as atitudes e experiências não-conformistas dos ouvintes do
jazz na época apresentam-se como ilusórias pois estes sujeitos são “less and less
themselves. Individual features which do not conform to the norm are nevertheless
shaped by it, and become marks of mutilation” (1997: 125) Tia DeNora (2005) oferece
uma perspectiva alternativa à de Adorno - cuja visão para a autor é “estruturalista” e
demasiado determinista22 - ao reconhecer a incorporação e emoção como partes centrais
na produção de agenciamento pessoal. Portanto, além do uso da música como
instrumento político, tal como Adorno considera, é possível conceber a música, e em
particular o jazz, como prática cultural expressiva, ou seja, quando esta apresenta uma
função capital na construção de identidades colectivas e, portanto, na criação e
manutenção de grupos socialmente constituídos (Turino, 2008: 2).
22
DeNora refere que Adorno fundamenta-se a partir da premissa de que a música preexiste a consciência,
o que permite com que o autor se concentre na forma musical sem investigar o modo de produção,
recepção e disseminação. No entanto, DeNora não menciona que a música para Adorno, como todos as
restantes mercadorias e produtos culturais, encontram-se integrados num sistema de produção capitalista
assente na procura do lucro e na apropriação do valor acrescentado pelo trabalho. Será nesse sentido que
Adorno sublinha a importância do valor de troca sublinhando que “What might be called use value in the
reception of cultural commodities is replaced by exchange value in place of enjoyment there are gallery-
visiting and factual knowledge: the prestige seeker replaces the connoisseur (...) Everything is looked at
from only one aspect: that it can be used for something else, however vague notion of this use may be. No
object has an inherent value; it is valuable only to the extent that it can be exchanged. (1993:20)
37
“This dialectic of similarity and difference, of convergence of contents and
divergence of schemes, is a normal mode of cultural production. It is not unique to
the contemporary globalizing world. On the contrary, its precolonial and
extracolonial occurences help explain the colonial and postcolonial.” (ibid: 410)
38
1.2.1 Jazz e processos de ocupação militar americana
Retomando Adorno, apesar das suas duras criticas dirigidas à forma que o jazz
foi colonizado e apropriado pelas indústrias culturais, a sua perspectiva dá também
alguns indícios que ajudam a situar historicamente as relações de poder inerentes à
configuração do jazz na modernidade. Uma das analogias que o autor insiste fazer no
decorrer da sua obra prende-se com a relação das “origens” do jazz moderno com
algumas das especificidades musicais e valores políticos subentendidos na marcha
militar. Itikawa Tanaka (2012) cria um diálogo entre Adorno e os seus críticos em que
estes apontam para a relevância do impacto da militarização na emergência e
formulação do jazz nos Estados Unidos. Mesmo que não interesse fazer nesta
dissertação uma história deste domínio musical, Peretti (1994: 26) comprova, por
exemplo, que as bandas de metais constituídas por negros, reconhecidas como
precursoras dos grupos de jazz, na década de 1970 do séc. XIX, tomaram o modelo das
bandas militares francesas que detinham uma forte tradição na cidade de Nova Orleãs.
A existência de inúmeras bandas de metais nessa cidade também se devia à ampla
disponibilidade de instrumentos das bandas dos Confederados após a guerra civil. (ibid).
Como este exemplo pode indicar, entre vários no decurso da história do jazz em
diferentes sociedades e locais, a frequente relação deste com o universo da música
militar demonstra a sua relação íntima com períodos e contextos coloniais e pós-
coloniais23. Suzel Reily e Katherine Brucher (2013: 1) vêem a vasta dispersão de bandas
de instrumentos de sopro pelo mundo como resultado de uma interligação entre
fenómenos globais - como a militarização e o colonialismo - e localizados - assegurados
pela flexibilidade e adaptabilidade da instrumentação a uma larga gama de estilos e
géneros musicais e contextos performativos. As actividades das bandas militares
acabam frequentemente por ir além do campo de batalha e da parada militar e
sobrepõem-se com outras instituições tal como se sucedeu no passado nos
agrupamentos filarmónicos como é o exemplo da corte, igreja, ou em eventos
comerciais e recreativos etc. (Reily & Brucher, 2013: 7). O estudo da modernidade,
23
Várias bandas militares activas no início do séc. XX e no fim do séc. XIX incorporavam repertório de
ragtime tal como a John Philip de Sousa Band e James Reese Band.
39
política e o jazz identifica-se com os tópicos entrecruzados que ambos os autores
sugerem relativamente às bandas de instrumentos de sopro:
“In bands, there is a rich space for the academic exploration of various themes that
have become the focus of current debate, such as globalization and its counterpart,
localization (or “glocalization”) colonialism, post-colonialism and modernity; space,
place and the ecology of sound; community musicking and music sociability among
other themes.” (ibid: 6)
Serão de seguida enunciados alguns estudos na área dos popular music studies
que foram dedicados a alguns dos problemas anteriormente expostos. De entre estes, a
questão mais relevante, que acaba por articular diversos tópicos, concentra-se no
impacte da ocupação militar globalmente dispersa como agente de mudança nas práticas
musicais, também afectando o plano social e económico por via da implementação de
novas tecnologias, produzindo novos valores e percepções, resultante da interacção
entre militares e locais.
40
Japão. A introdução da emissão televisiva regular em 1953, coincidindo com a
ocupação dos militares norte-americanos, permitiu o acesso dos autóctones com práticas
musicais do universo popular anglo-saxónico, para além daqueles que tinham acesso aos
clubes e às zonas militares e, portanto, contacto directo com as mesmas.
41
1.2.2 Estudos de recepção do Jazz em Portugal, Historiografia do
jazz,
popular music e modernidade
Antes de passar propriamente aos estudos de Jazz em Portugal irei indicar alguns
dos pressupostos teóricos que tratam do processo musical em contexto industrial, tendo
em conta as transformações sociais e tecnológicas que acompanharam o surgimento do
jazz na modernidade. A historiografia do jazz terá, por conseguinte, de encarar
inquietações etnomusicológicas como a construção de uma categorização musical, cuja
maleabilidade é indissociável dos significados e práticas diversas que subjazem a essa
categoria e aos produtos musicais industrialmente fabricados e distribuídos.
“The accepted historical narrative for jazz serves this purpose. It is a pedigree,
showing contemporary jazz to be not a fad or mere popular music, subject to the
whims of fashion, but an autonomous art of some substance, the culmination of a
long process of maturation that has in its own way recapitulated the evolutionary
progress of Western art.” (DeVeaux, 1991: 526)
42
to 70 percent of recording industry’s market share.” (referindo-se neste caso aos EUA).
Contudo, o mesmo autor relembra que estes “discos de jazz” estavam frequentemente
associados à música de dança. Na cultura popular norte-americana dos anos de 1930 até
à década de 1950 do pós-guerra os conjuntos de dança ou de baile mantiveram um papel
central para a “indústria musical como um todo” (DeVeaux, 1997: 253). DeVeaux
chama atenção para o facto das orquestras de swing serem ainda, no início dos anos da
década de 1940, sobretudo, orquestras de dança, ou como o autor melhor esclarece24:
“We tend now to think of swing as a form of jazz and to reduce it to its music – the
solos and arrangements carefully preserved in shellac (…) Swing bands were still
dance bands, playing in ballrooms to publics that might dance to Count Basie or
Jimmie Lunceford one week and Kay Kyser or Guy Lombardo the other.” (1997:
300)
24
Uma das propostas do autor na monografia aqui referenciada centra-se em refutar a ideia perpetuada na
tradição do jazz sobre a revolução do bebop e a sua ruptura abruta com estilos e géneros musicais
anteriores, neste caso com aqueles que subsistiam na “era do swing”. Em vez de músicos como Gillespie
e Parker terem reagido contra o swing estes foram incorporando progressivamente novas técnicas e
recursos musicais e, desta forma, divergiram progressivamente dele (DeVeaux, 1997: 7). Art Blakey and
The Messengers, mais o trabalho do pianista e compositor Horace Silver no grupo, são um exemplo
ilustrativo de músicos bebop que repercutiram sonoridades que estavam associadas aos estilos musicais
concomitantes na época, combinando a “complexidade” do bebop com “simplicidade contundente” com
temas “bluesy” e inspirados no gospel assim como ritmos dançantes de proveniência latina e negra
(DeVeaux & Giddins, 2009: 326, 444)
43
corpo ligados à ideia do “selvagem”, “extraeuropeu” e de identidade “negra”. O
“primitivismo” aparece, da mesma forma, na construção de narrativas românticas
transversais à própria literatura da história do jazz nos anos 20, ao lado de discursos de
legitimação de práticas musicais africanas. Segundo Ted Gioia (1989) críticos franceses
como Robert Goffin e Hughes Panassié estabeleciam esta forte relação entre cultura
“primitiva” do negro e a autenticidade do músico de jazz.
44
originais e/ou populares cuja orquestração e interpretação eram inspiradas no jazz norte-
americano” (Martins, 2006: 78). De outro ponto de vista o termo jazz-band aludia a
esses agrupamentos musicais – também entendidos como “orquestras de jazz”, ou de
“música moderna” – perdurando, nalguns casos, bem depois da década de 1950 (Roxo,
2009: 245)
25
É fundamental por em confronto os estudos etnográficos sobre as regiões insulares açorianas (por
exemplo as obras do etnógrafo Luís da Silva Ribeiro e do etnomusicólogo Artur Santos, entre outros). A
influência desses estudos no pensamento antropológico e etnomusicológico sobre o arquipélago é de
enorme relevância visto que se sobrepôs a outras preocupações fundamentais, como a relação da vida
cotidiana das populações com as tecnologias. Sendo o arquipélago, naturalmente, de geografia insular
encontra-se propicio à fabricação de discursos por parte de investigadores e intelectuais de um “outro”,
isolado e periférico, em que a defesa da “idiossincrasia” cultural e dos valores “rurais” são altamente
valorizados em oposição ao “contágio” da modernização.
45
1.3 Metodologias: entendimento teórico e método sobre as
Relações Internacionais e Etnomusicologia Histórica
26
A premissa que fomentou o Terceiro Debate nas Relações Internacionais, em contraste com os debates
anteriores ontologicamente orientados, foi de carácter epistemológico questionando o conhecimento
construído no interior da disciplina e para uma perspectiva que adotasse uma maior reflexividade por
parte dos investigadores. Sucedeu-se assim uma discussão entre teóricos realistas e idealistas, ou mais
concretamente, entre racionalistas e reflexivistas. Preocupação esta que se reproduziu nas diversas
disciplinas das ciências sociais e humanas.
47
da introdução da noção de reflexividade no início da década de 1950 27, que levaria, no
olhar sobre a relação entre o passado e o presente, a uma atenção especial à
interpretação e conceptualização da sociedade sobre o seu próprio passado (conceitos
emic) (Nettl, 1996).
27
Nettl parece distinguir dois momentos no trabalho antropológico relativos à noção de reflexividade. O
primeiro período é confinado à década de 1950, possivelmente referente à investigação de Levi-Strauss
(1955), e o segundo aos anos de 1980, marcados pela escrita de Writing Culture: The Poetics and Politics
of Ethnography (1986) de James Clifford e George Marcus.
48
Em todo o caso, é preciso ter em especial atenção à validade do discurso
enunciado pelos interlocutores. Entre os vários problemas que podem se suceder estão
as falhas de memória, formas de auto-legitimação, dificuldades na comunicação etc.
(Herbet & McCollum, 2014: 51)28, e, por esse motivo, o interesse do investigador em
cruzar fontes impressas com os discursos pronunciados.
28
Ambos os autores enumeram estes problemas na orientação de uma entrevista com indivíduos mais
idosos, no entanto, penso que estas razões se estendem a grupos de uma faixa-etária inferior.
49
2 Primeiro impacto do jazz na ilha Terceira através da
ocupação militar britânica e norte-americana;
29
Os membros que colaboravam na sua produção eram os militares LAC J. Kaye, B. Tonry e C. Wckham.
30
Será dedicado exclusivamente um capítulo (capítulo 5) sobre a constituição de orquestras como a de
Manuel Reis e Olmar Band, que viriam a constituir-se, respectivamente em 1945 e 1946 devido ao
estabelecimento da base das Lajes.
51
2.1 Os Açores e a Ilha Terceira no contexto da
Segunda Guerra Mundial
53
exclusiva, tendo sido esta estabelecida através da legitimação conferida pela Aliança
Luso-Britânica31. Por outro lado, Winston Churchill, primeiro-ministro de Inglaterra
nestes anos, tinha dúvidas se Portugal manteria as suas políticas de neutralidade devido
aos vários rumores nos círculos diplomáticos que colocavam a possibilidade de um
golpe de Estado em Lisboa engendrado pela Alemanha, ou de um ataque proveniente de
Espanha segundo os interesses da Itália e Alemanha, o que implicaria a perda de
importantes pontos estratégicos - neste caso, as colónias portuguesas e o arquipélago -
arruinando em grande parte a troca Atlântica dos ingleses delineada pela rota do Sul do
Atlântico ao Reino Unido (Stone, 1975: 740). A par da preocupação que Inglaterra tinha
em facilitar as ligações marítimas no Atlântico Norte, esta preocupava-se igualmente,
como é notório na vasta historiografia sobre o tema, com a ameaça dos submarinos
alemães, sendo também um factor de enorme relevância para os Aliados.
31
Trata-se de uma aliança entre Portugal e Inglaterra diplomática e comercial realizada depois de uma
sucessão de vários tratados na segunda metade do séc. XIV, ao culminar no Tratado de Windsor.
54
aliados; os claros sintomas de colapso por parte da Itália e de desmoralização por parte
da Alemanha, comunicados pelos representantes portugueses (…) a situação interna
portuguesa, com a Oposição em evidente crescimento; as preocupações do pós-guerra,
que são cada vez mais as de sobrevivência do regime” (ibid: 151).
55
2.1.2 Chegada dos militares e músicos britânicos à ilha Terceira
32
Sargento este que vai aparecer recorrentemente na organização de eventos vários que visavam construir
uma aproximação e relação positiva com a população da Terceira. Segundo Moreira dos Santos (2008:
35), a divulgação desses eventos na imprensa foram uma “notável acção de relações públicas”, dada a
difícil negociação precedente entre os governos britânico e português sobre a cedência da Base das Lajes.
56
associada exclusivamente à presença dos britânicos resultou em alterações das relações
laborais na ilha Terceira com o “aumento do mercado de trabalho e consequente procura
de mão-de-obra acoplada a um novo painel salarial” de um lado e, do outro, um “desvio
de mão-de-obra da produção local” com a perda de trabalhos agrícolas e maior
instabilidade na indústria da pesca (ibid: 416). A centralização dos trabalhos assim
como a absorção dos recursos locais provocados pela militarização britânica, levou o
Comandante Militar da Terceira a reduzir o número de trabalhadores na base militar. O
poder do comandante para a execução desta medida justificava-se pelo facto de a base
das Lajes pertencer ao governo português33.
33
Encontravam-se estacionadas unidades da Aeronáutica Militar do exército português. A partir de 1952,
e depois da adesão de Portugal à OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) a base das Lajes
ficou entregue à Força Aérea Portuguesa que resultava da fusão entre a Aeronáutica Militar e a Força
Aérea Armada. (Fraga, 2001)
57
2.1.3 Recepção do jazz na base das Lajes através da presença da
ocupação militar britânica: prática do jazz, swing, boogie-woogie;
Os teatros edificados para o entretenimento das tropas inglesas, mas não só,
eram chamados de Garrison Theatre e Azoria, localizados na base. Em ambos era usual
ocorrerem performances de teatro de variedades influenciadas pela revista e comédia
musical, complementadas com a presença de músicos de swing e tap-dancers. A Station
Band – um agrupamento musical constituído por militares criado no contexto da base
militar – performava frequentemente nestes espaços e abrangia no seu repertório
diversos estilos e géneros musicais associados ao mercado da cultura popular anglo-
saxónica. Entretinham as audiências com “boogie-woogies”, swings e cantores imitando
os crooners da época, estes acompanhando versões de músicas de orquestra de cinema
entre outros temas clássicos, muitos deles composições das indústrias “Tin Pan Alley” 34
e do teatro da Broadway. A recepção britânica do jazz entre a década de 1920 até ao
final da II guerra – porque será também importante para compreender as práticas
musicais incitadas pelos militares britânicos no interior da base e a sua influência na ilha
Terceira - está inteiramente relacionada com a música de dança e as transformações que
esta provocou na dança “popular” do Reino Unido. John Lyons (2013: 17) sobre essa
fase descreve: “Jazz dancing revolutioned popular dance in Britain by emphasizing
animated and individually expressive body movements rather than the restrained and
restricted forms of traditional dancing.”
34
Termo que designa o conjunto de editores e compositores, situados na cidade de Nova Iorque, que
dominaram o mercado da música popular americana no fim do séc. XIX e primeira metade do séc. XX
(Wise, 2012)
35
Nome atribuído pelos escritores do jornal a grupos musicais diferentes. Como se vai perceber no
decorrer deste capítulo é apenas uma referência a conjuntos que permaneciam na base durante um
determinado tempo.
58
Rampart Street Parade”36, uma marcha e um clássico do estilo dixieland composta em
1937 por Ray Bauduc e Bob Haggart, nomes reconhecidos da era do swing. Os
elementos que se conhecem deste agrupamento musical são Melv Harris (trompete),
Geoff. Richmond (voz) e Len Barber (voz). Estes músicos diversas vezes substituíam
artistas que não conseguiam viajar até à Terceira, como foi o caso de Will Fyfe 37, tendo
o grupo (nesse evento sob o nome de Len Cooper’s 38 Station Orchestra) actuado para
uma audiência de 1.000 pessoas39 no teatro Azoria40. O concerto foi divido em duas
partes sendo que na primeira tocaram, aquilo que os britânicos se referiam como light
classics, liderada pelo violinista Cpl. Griffiths e a segunda parte dedicada ao swing e à
música de dança, ao som de temas como “Bugle Call Rag” (Pettis, Meyers, & Schoebel,
1922) “Wrappin’it Up” (Henderson, 1934) e “920 Special” (Warren, Palmer, &
Engvick, 1941). Nesta última parte destacou-se o solo de trompete preenchido por “hot
licks”41 de Melvin Harris e a participação dos crooners Geoffrey Richmond e Len
Barber.
36
Atlanthic Echo Vol. 2, no. 14, 11 de Maio de 1944
37
Performer de music hall (considerado um tipo de representação teatral britânica equiparável ao teatro de
revista em Portugal) ficou popularmente conhecido por interpretar a sua composição “I Belong To
Glasgow”.
38
Militar que detinha o estatuto de cabo e chegou a ser responsável pela organização de eventos que
envolviam música.
39
Apesar de pouca informação sobre quem se encontrava presente, em comparação com outras actuações
neste teatro, poderiam estar na plateia militares portugueses e ingleses, assim como os respectivos
familiares que acompanhavam os mesmos.
40
Atlanthic Echo, 14 de Setembro Vol. 3, no. 12 e a 5 de Outubro Vol. 3, no. 15, pp. 3 de 1944
41
“Lick”, num sentido abrangente, pode ser considerado como uma breve ideia ou frase melódica
introduzida durante um solo ou um momento de improvisação. No contexto do jazz, normalmente está
associado a frases que são copiadas e constantemente reproduzidas por músicos que admiram outros
músicos, e de quem essas ideias musicais foram retiradas (Carr & Fairweather & Priestley, 2004: 911)
Paul Berliner (1994) define como “reworking precomposed material and designs in relation to
unanticipated ideias conceived, shaped, and transformed under the special conditions of performance.”
Relativamente à noção de “hot licks” seria referente aos “clichés” motívicos que se utilizavam durante a
década de 1920 e 1930 e associados ao “hot” jazz, isto é, com uma linguagem mais próxima do blues e
fortemente ancorado em improvisação.
42
Nome coloquial atribuído ao Jardim Duque da Terceira.
59
programação e o militar Parry pelo sistema de amplificação. A Station Band, de
constituição variável apresentava-se com dez músicos exibindo um reportório variado
“apelando a todos os gostos”43 desde tangos, valsas, light classics ao swing44. Quanto a
esta actuação vale a pena referir que ainda na primeira metade da década de 1940 o
microfone, possibilitado pela amplificação elétrica, desempenha um papel fundamental
para a captação do som da performance musical (instrumentos e voz) em estúdio e ao
vivo. Será por isso que antes do fim da II Guerra o contrabaixo poderá substituir a tuba
ou se desenvolverá um novo estilo vocal intimista reconhecido como “crooning”. Com
os desenvolvimentos tecnológicos, os performers adaptam-se às novas capacidades
tímbricas do microfone como foram os exemplos dos casos de Bing Crosby e Frank
Sinatra45. No entanto, a técnica de amplificação partia apenas de alguns microfones
dispostos em palco sem a preocupação de captar isoladamente cada um dos
instrumentos. A electrificação da guitarra solucionou em parte a necessidade de os
guitarristas se fazerem ouvir nas grandes orquestras de swing que nos finais dos anos 30
se encontravam em expansão, alcançando-se, deste modo, um equilíbrio de volume com
os instrumentos à sua volta (Waksman & Corrado & Sauvalle, 2003: 285). Esse ideal
concretizou-se sobretudo após o fabrico do modelo ES-150 da Gibson em grande parte
popularizada por Charlie Christian e as suas gravações com as formações musicais mais
reduzidas de Benny Goodman (ibid). Nas fotografias publicadas no Athlantic Echo é
visível, embora com alguma dificuldade, a utilização deste modelo de guitarra pelos
militares ingleses (Img. 1).
43
Volta-se a verificar um foco no general Bromet pela imprensa que nesse mesmo dia se encontrava na
audiência acompanhado por Col. Charles, W/C Tuke e W/C Thomson.
44
Atlanthic Echo, Vol. 2, No. 16, 25 de Maio de 1944
45
Assunto que será tratado mais detalhadamente no próximo capítulo referente a Sinatra, Bob Hope e
Bing Crosby que visitaram a Ilha Terceira por iniciativa dos norte-americanos. Esse assunto será
articulado em a análise dos discursos de recepção sobre os mesmos na imprensa regional.
60
Img. 1: Músicos contratados pela ENSA (Entertainments National Service Association). Foto retirada do
jornal Atlantic Echo
Nos anos de 1944 e 1945 estreou-se no Teatro Angrense uma nova sala de
cinema por responsabilidade do Comando Britânico e aí realizaram-se diversos
espetáculos musicais46. No dia 25 de Abril se sucedeu um concerto neste mesmo teatro
com a colaboração da Station Band e o coro masculino da RAF (Royal Air Force), um
acontecimento que novamente fortalecia as relações socialmente estabelecidas entre os
militares britânicos e os autóctones47. No entanto, o foco da notícia relativamente à
aprovação do programa de concerto dos que se encontravam presentes na audiência,
desde comandantes das forças britânicas e portuguesas, o restante staff, bem como os
representativos das autoridades civis portuguesas, parece ter o intuito de demonstrar
46
A União, 1 24-03-1944, p. 2
47
Atlanthic Echo, Vol. 5, No. 6, 28 de Abril de 1945
61
“boas relações públicas” entre os dois países. Dessa forma, se analisado
contextualmente, escamoteia em certo sentido, os atritos que se vivenciaram entre as
autoridades civis e militares portuguesas48 potenciados pela ocupação inglesa (Grave,
2001: 414). É plausível que nesse dia a Station Band fosse na realidade o quinteto RAF
(Img. 2) que tinha chegado à Terceira em Janeiro de 1945.
Img. 2: Station Band ou RAF Quintet com Hall Rutter, Martins Lukins, Jimmy Bassett, Geroge Pawsey,
George Thomas. Foto retirada do jornal Atlantic Echo
Este grupo começou desde logo em activo nesse mesmo mês numa ocasião em
que os militares (neste caso foi a pedido dos aviadores) pediam aos músicos para
48
Os atritos que se sucederam entre os dois grupos foram descritos no relatório do Governador Civil Dr.
Pestana da Silva. No entanto, mesmo que as relações institucionais entre as autoridades civis dos distritos
e as autoridades militares portuguesas não fossem ideais, estes colaboravam “na persecução dos interesses
da coisa pública” (Grave, 2000)
62
executarem números de dança, entre estes, boogie-woogie. Os músicos que pertenciam a
este quinteto eram o líder Hall Rutter (guitarrista e baixista) que tinha anteriormente
tocado com Howard Baker, líder de diversas orquestras de dança e reconhecido por ter
“descoberto” imensos músicos que ficaram posteriormente populares tais como o Don
Carlos ou as cantoras Vera Lynn e Dorothy Squires 49; o pianista e acordeonista Martin
Lukins da orquestra de Jack Hylton; Jimmy Bassett no sax-tenor e clarinete tendo
pertencido à Edmundo’s Ross Rumba Band participando igualmente em outros
projectos com Harry Roy; George Pawsey na bateria, que tocava para Johnny Rose; e,
por fim, o trompetista e saxofonista barítono George Thomas que se apresentava
frequentemente como membro da Berlini’s Band. Foi depois de sucessivos pedidos por
parte dos militares aquartelados na base para que se organizassem shows da ENSA
(Entertainments National Service Association) no Azoria que o quinteto da RAF
finalmente conseguiu chegar à ilha. Depois das constantes críticas e exigências
apresentadas pelas tropas o general Bromet e o comandante Mead encarregaram-se de
construir uma campanha com fins de melhorar as instalações de entretenimento na base.
Estes pedidos resultaram na introdução de entrada gratuita para todos os filmes no
Azoria, bem como o aumento do número de vezes que estes eram projectados por
semana50. Quanto aos concertos ao vivo foram feitos preparativos no sentido de
fornecerem os transportes aéreos necessários aos artistas que viajassem até à Terceira.
63
ENSA para entreterem tropas e trabalhadores. A fundação contratava sobretudo artistas
“não-profissionais” – apesar de celebridades como Gracie Fields (actriz e cantora
tornando-se Comandante da Excelentíssima Ordem do Império Britãnico responsável
pelos serviços de entretenimento) e George Formby (actor, cantor e compositor e
trabalhou extensivamente para a ENSA) terem performado sob as suas condições – e em
quem confiavam, pois havia uma maior certeza de que estes grupos de artistas
assegurassem os contratos com a organização (ibid). Fica patente as críticas dirigidas
tanto às “estrelas” como à própria fundação no jornal Atlanthic Echo: ”while some of
the unknows of the profession are doing great work, this cannot be said of the
“stars”(…)”one star recently objected to making a four-day journey to entertain a small
unit: “Is it worth it?”51 Por essa razão poucas celebridades do Reino Unido passaram na
Ilha Terceira a não ser o caso de Phyllis Robins que ficou alojada na Rua da Sé 52, em
que referiu numa entrevista para o jornal A Pátria que ia em direcção a Inglaterra
trabalhar para a rádio, deixando em aberto a possibilidade de um retorno à ilha de
férias53. Jimmy’s Green, artista que também trabalhou para a ENSA, foi responsável
pela organização de um evento chamado “Search for Talent” com um prémio de 500
escudos para o vencedor, dentro do perímetro da base no teatro Azoria. Esse espetáculo
de variedades foi assinalado pela comparência de uma quantidade considerável de
performers desde músicos e actores, a dançarinos54, com Jimmy Green a servir de
anfitrião assim como de performer, exibindo um número de comédia. Será sob alçada
deste artista que o sargento Dennis Booty, W. Naylor, Skinner, acompanhados pela
Station Band deram um concerto em Cinco Picos na Serra da Ribeirinha, quando iam a
caminho de Angra do Heroísmo55. Este formato de concerto é ilustrativo de como os
militares ingleses por vezes viajavam pelas freguesias transportando um trailer nos seus
51
Atlanthic Echo, Vol. 3, No. 20, 20 de Novembro de 1944, pp. 2
52
Cantora e actriz que realizou uma tournée pela ENSA em 1946, gravou para a Columbia Records a solo
com bandas de dança como a de Percival Mackey e ficou conhecida pelas transmissões de rádio com a
Henry Hall BBC Dance Orchestra, etc. (“Two-Tone Boogie”, 2014: 12, 13)
53
A Pátria, nº 1843, Quinta-feira, 9 de Fevereiro de 1945
54
Alguns dos artistas e músicos presentes eram: Jimmy Green; Lac. Skinner; Martin Lukins; Lac. Leroyd;
Lac. Griffiths; quarteto de Bassett e Dawsey; Sgt. Allen; Lac. Leroy; Lac. Jones; Lac. Naylor; Cpl.
Tolhurst; Station Band constituída por Lac, Peffer, F/L Harvey, F/O. Padbury, Lac. Thorpe, Station Vocal
Quintet constituido por S/L Hayter, F/O Jones, Cpls. Groves e Pitts e Lac. Thorpe etc.
55
Atlantic Echo, Vol. 6, No. 12, 8 de Setembro de 1945
64
veículos que utilizavam como palco. Este acontecimento de certo modo caracteriza o
que seria a interacção peculiar entre habitantes e ingleses e que se perpetuou na
memória colectiva até os dias de hoje. O texto redigido pelo jornalista Henrique Dédalo
para o Diário Insular é um exemplo de como a estadia inicial dos ingleses tornou-se um
acontecimento importante para servir de justificação a uma determinada “herança”
musical associada ao “jazz” – que na época se denominava por “dixie”56, isto segundo o
autor - na Praia da Vitória. O texto oferece alguns factos importantes que se sucederam
nesses anos tal como os acampamentos dos militares ingleses na Serra do Facho, lugar
onde se ouviria “os primeiros acordes” dos soldados estrangeiros que possivelmente
“serviriam para matar as saudades da terra, com a música que melhor lhes sabia” 57. Os
cafés Royal e Atlântico referenciados pelo autor tornaram-se sítios essenciais para a
vida social e cultural da então vila da Praia da Vitória ao receberem orquestras de
músicos ingleses e agrupamentos locais. O café Royal estreou em 1946 sendo o “único
com esplanada anexa” na Praia, estreando juntamente com a Casa Royal, na rua da
Alfândega, com a orquestra de Manuel Reis a tocar no dia da abertura ao público 58.
Descrito como um “moderno recinto de diversão” deduz-se a constante presença de
estrangeiros no café Royal, possivelmente militares ingleses, dado que a orquestra
Manuel Reis “foi bastante aplaudida pelo grande número de frequentadores nacionais e
estrangeiros.”59 Segundo a informação que o interlocutor Carlos Barcelos
disponibilizou, o café Atlântida foi fundado em 1937. O seu pai José Herminio Barcelos
era pianista e tocava regularmente neste café no “tempo dos ingleses”. Posteriormente
em 1951, o avô José Silveira Barcelos viria a abrir outro café, mesmo ao lado do
Atlântico, chamado Arcada60. Esta informação foi primeiramente indicada por Luís
Bettencourt, filho de Ezequiel Bettencourt e neto de Palmira Enes, ambos músicos que
pertenceram aos Aerojazz, um dos principais conjuntos de jazz na Terceira nos anos
56
Não muito longe do que é historicamente comprovado dado que nos Rhythms Clubs formados pelos
militares ingleses no interior da base valorizavam este tipo de música “hot”, tocada por orquestras e com
um tipo de discurso que exaltava o jazz do passado, especificamente aquele que era produzido e praticado
nas décadas de 1910 e 1920 em Nova Orleãs.
57
Diário Insular, Domingo, 17 de Agosto de 2003
58
A Pátria, Sábado, nº 1878, 24 de Março de 1945, pp. 6
59
A Pátria, nº1637, Quinta-feira, 25 de Maio de 1945, pp. 2
60
Conversa por email com Carlos Barcelos, que reside neste momento em Modesto nos EUA a
20/03/2016
65
1950 que se apresentava frequentemente nesses cafés (Royal e Arcada) no final dessa
década, onde também Luís Bettencourt tocaria mais tarde, nos anos 1960, já com grupos
de rock.
63
Atlantic Echo, Vol. 2, No. 11, 20 de Abril de 1944
64
Ibid
65
Porventura, rivalizando em tom de brincadeira com o Classical Music Circle com quem faziam par ao
substituírem os três B’s que normalmente representam os três “grandes” compositores (Brahms, Bach,
Beethoven) pertencentes ao cânone da música erudita.
66
Atlantic Echo, Vol. 3, No. 25, 16 de Dezembro de 1944
67
No âmbito deste clube, estes músicos e líderes de orquestras eram considerados pelos seus membros
como instrumentistas “jive”, noção esta usualmente empregue para descrever um tipo de “jargão” ligado
às comunidades africano-americanas, e especialmente desenvolvido em Harlem.” Esta “linguagem”
também sofreria uma apropriação das audiências brancas e entusiastas do jazz durante o auge do sucesso
de Benny Goodman. DeVeaux & Giddins (2009: 178) referem o seguinte quanto ao clima que se vivia
entre as audiências nos EUA nos anos 30: “The more extreme enthusiasts, known as “jitterbugs”, adopted
black dancing and “jive” slang, driving their parents and even musicians over the edge.”
67
pertenciam à Original Dixieland Jass Band68. A partir dos temas ouvidos na sessão é
possível demonstrar que os membros do No. 1 Rhythm Club promoviam um certo
“revivalismo” que remetia para o jazz da década de 10 e 20 em Nova Orleãs,
popularmente reconhecido por Dixieland ou “hot” jazz 69. A opinião dos críticos e
observadores britânicos sobre este domínio musical sofreu várias transformações a
partir e ao longo dos meados da década de 1930 relativamente ao debate centrado na
“verdadeira” identidade do jazz, ainda associado à música praticada pelos conjuntos e
orquestras de dança. Os aficionados produziam assim discursos que colocariam em
campos opostos a música “hot” – associada com o swing e o jazz – e a música de dança
comercial (Nott, 2002: 198). Chegaram inclusive a debater no No. 1 Rhythm Club os
“contrastes” entre “old time” jazz e o swing moderno, com esta discussão a ser
orientada por Richmond e Deyong, no escritório do M. T.70 A formação deste Rhythm
Club não era exclusiva da base das Lajes, tendo sido formados diversos deste tipo no
Reino Unido durante o período entre guerras. James Nott (ibid) mostra que será no
contexto destes clubes, constituídos maioritariamente por indivíduos de classe-média da
sociedade britânica, que surgiram preocupações em encontrar uma “autenticidade” no
jazz, ou mais especificamente na música “hot” 71. O autor coloca o assunto do seguinte
modo:
The Rhythm Clubs were the creation of devoted dance music enthusiasts. They were
a spontaneous reaction against mass tastes in dance music. These clubs rejected
highly commercialized ‘pop’ tunes in favour of ‘hot’ dance music and jazz. A
minority interest catering for specialist tastes, they were linked with the
professional and semiprofessional dance bands and an important element in dance
music culture. (ibid)
68
Atlantic Echo,Vol. 4, No. 1, 23 de Dezembro de 1944, pp. 2
=
69
Com o aparecimento do revivalismo Dixieland os dois termos para alguns autores vão acabar por ter o
mesmo significado, pois tal como diz Alyn Shipton: “Eventually, “hot” jazz came to mean Dixieland or
swing, defined by Hughes Panassié in his book Le Jazz Hot” (1934) (…) Panassié was a prime mover in
the Hot Club de France, an organization supporting his definition (…)”. Por outro lado, enquanto a
origem do nome Dixieland viria da Original Dixieland Jass Band – em que o estilo estaria mais este estilo
ficou popularizado nos anos de 1920, e aparece num período de transição entre o Dixieland e a música de
Big Band que viria a emergir nas décadas posteriores.
70
Atlantic Echo, Vol. 4, No. 2, 30 de Dezembro de 1944
71
Diferente dos discursos que se produziam em paralelo no início dos anos 40 nos EUA ligados à
emergência do bebop e a uma defesa de música de “arte”, por oposição ao aparecimento e sucesso do
rhythm and blues: “But bop quickly became eclipsed at the jukebox by an emergent rhythm-and-blues
style that gradually shed its roots, leaving bop to retreat to a precarious position on the margins of the
business as an art music without porfolio.” (DeVeaux, 1997: 301) Se bem que as indústrias capitalizaram
de igual forma com a música bebop e pós-bob no pós-guerra, tal como será demonstrado no capitulo IV
68
A seguir à sessão em que se ouviram discos de orquestras de jazz – aqueles que
foram anteriormente referenciados - deu-se um intervalo em que o padre Sully discursou
para os presentes membros do clube, antecedendo a formação de um comité com
representantes da RAF e da Navy, entre eles alguns músicos que participariam mais
tarde numa “jam-session” denominada por “Le Jazz Hot” 72, e que teria lugar no final
desse mesmo dia. Esta era composta pelos seguintes músicos: Jim Teresi no sax-tenor e
no clarinete; Artie Wooley e Austin Fletcher nas trompetes; George “Boogie Woogie
Stomp” Panoff no piano; Al Palace na guitarra73. Um pouco mais tarde volta-se a
organizar novamente uma jam com músicos da “secção de swing” da RAF Gang Show,
no Old Caleodonian Club, este sendo um espetáculo de variedades com canções, dança
e sketches de comédia do Reino Unido originalmente organizado pelo líder de
esquadrão da RAF Ralph Reader, actor britânico e produtor de teatro que circulou por
diferentes países durante a II guerra para entretenimento dos militares ingleses (Rowan,
2012: 175). Foi numa Quinta-feira à noite de 1946 que músicos deste grupo de teatro
decidiram se juntar ao Rhythm Club com o propósito de participarem numa disputa pela
supremacia auditiva contra o Music Circle 74. De um lado no Education Hut situavam-se
os entusiastas de música “clássica” combatendo com a audição de fonogramas com
composições de William Walton, e do outro lado no Old Caledonian Club os fãs de
swing replicavam com o som da bateria. Regista-se o seguinte momento curioso:
“During the periods of record changing in the Education Hut, the drums seemed to
increase both in volume and tempo in an attempt to press home their advantage
while they could.”75
72
Nome baseado na revista francesa Le Jazz Hot, fundada em 1935 por Hugues Panassié e Charles
Dalaunay.
73
Atlantic Echo,Vol. 4, No. 1, 23 de Dezembro de 1944, pp. 2
74
Atlantic Echo, Vol. XVIII, No. III, 5 de Janeiro de 1946, pp. 3
75
Ibid.
69
“alastrava” intensamente pela base militar. Um autor anónimo do jornal comparava
assim os “grandes mestres” e compositores como Beethoven, Tchaikovsky, entre outros
com as “pastagens sintéticas” de Tin Pan Alley e caracterizava o ambiente vivido dentro
do perímetro militar:
“Bing for breakfast; Dorsey for dinner; Johnny for Teat-in-the-Garden; Sinatra for
supper, interspersed with liberal and extremly obtrusive helpings of Duke Ellingon,
Count Basie and a horde of lesser known but equally pseudo noblemen. (…) It is
their devotees, worshipping with fanatical fervour at the shrine of Swing and Jive
and Let’s-shake-everything-including-the bloques-next-door who undertake that
service.”76
76
Atlantic Echo, Vol. VII, No. XI, 1 de Dezembro de 1945, pp. 3
77
Atlantic Echo, Vol. 7, No. 3, 6 de Outubro de 1945
78
Ibid
70
cinematográficas britânicas eram visualizadas por militares norte-americanos e outros
funcionários antes da estreia nos EUA, como por exemplo os filmes Way Ahead (Reed,
1944), One Exciting Night (Forde, 1944) e A Canterbuly Tale (Powell & Pressburger,
1944)79. No caso do cinema de Hollywood este tornou-se um meio essencial de
divulgação para as orquestras de swing num processo que envolvia uma cooperação
entre empresas discográficas e a rádio. A lógica de produção das indústrias de
broadcasting contribuiu para que o swing conseguisse assegurar uma posição
dominante no mercado quase por 20 anos (de 1935 a 1955), englobando assim o período
da segunda guerra (Tschmuck, 2012: 91). Nos Estados Unidos a RCA (Radio
Corporation of America) e a CBS (Columbia Broadcasting System) destacaram-se
como as companhias responsáveis pelo controlo de uma vasta rede de interesses
comerciais em termos de tecnologia e criatividade, e ambas se tornaram as principais
gatekeepers da “indústria musical” nas décadas de 1930 e 1940, afectando e
contribuindo para a popularidade de estilos musicais como o Big Band Jazz, música de
dança, sucessos comerciais (“musical hits”) etc. (ibid: 78). Relativamente à importância
que o cinema de Hollywood deteve para as orquestras de jazz ou swing, na época
abordada, Pete Towsend (2007: 187) indica: “Films were part of the popular music
process, and popular music was part of the movie process. Each supported the other by
enlarging the circle of publicity. Musicians were both agents and beneficiaries of this
circle.” Estas orquestras dirigidas pelos seus líderes, envolvendo muitas vezes um
cantor ou cantores, que iam desde Count Basie, Duke Ellington, Benny Goodman etc.
estavam ajustadas ao universo de entretenimento de massas onde os filmes,
especialmente os que retratavam a guerra, tornavam explícita a ligação entre o swing e
os “valores Americanos”, enaltecendo a democracia, o pluralismo, e a liberdade pessoal
(Erenberg, 1992: 184). Diversos filmes deste tipo passaram na base das Lajes como:
Broadway Rhythm (1944), este sendo inspirado no musical Very Warm for May de
Jerome Kern e Oscar Hammerstein, com a participação da orquestra de Tommy Dorsey;
The Girl He Left Behind (1943) com a orquestra de Benny Goodman; e ainda a
participação da orquestra de Glenn Miller no Orchestra Wives (1942), filme
particularmente relevante pelo enredo centrado na vida dos músicos de big-bands e em
que o próprio Glenn Miller seria um dos protagonistas. Neste filme – tal como se vinha
79
Respectivamente, Vol. 3, No. 14, 28 de Setembro; ibid; Vol. 3, No. 16, 12 de Outubro de 1944, pp. 4
71
a observar em temas como “Can’t We Be Friends?” escrito em 1929 e gravado pela big-
band de Muggsy Spanier e “Darn That Dream” escrito em 1939 – encontrava-se patente
uma certa mudança que vinha a ocorrer ao longo da décadas de 1930 e 1940 na
concepção harmónica e melódica das canções populares compostas no âmbito das
indústrias Tin Pan Alley, particularmente no que diz respeito à substituição do
encadeamento de acordes dominantes secundários pelo cromatismo, como se pode ouvir
no tema “Serenade in Blue” deste mesmo filme (Townsend, 2007: 49, 50). Seriam
igualmente projectados alguns musicais importantes como Dixie, com a actuação de
Bing Crosby e Dorothy Lamour, e ainda Hit Parade of 1943 que contava com a
presença de várias orquestras, nomeadamente a de Count Basie, de Freddy Martin e a de
Ray McKinley. É fundamental realçar que alguns dos actores, músicos e cantores que
representavam no cinema norte-americano, mais tarde, realizariam tournées organizadas
pela USO, e, portanto, alguns deles passariam pela base das Lajes, já no período da
guerra fria. Destes exemplos demarcam-se Irving Berlin, que se destaca como o
principal compositor das canções, e participando como cantor nalguma delas, presentes
em This is The Army80, filme de sucesso que lançou o músico no ano de 1945 numa
tournée pelas bases americanas (Young: 2008: 131); Bob Hope, cantor e actor em Let’s
Face It81.
80
Atlantic Echo, Vol. 2, No. 13, 11 de Maio de 1944
81
Atlantic Echo, Vol. 2, No. 6, 16 de Março de 1944
82
Atlantic Echo, Vol. 3, No. 8, 17 de Agosto de 1944
72
Img. 3: militares e jogadores de futebol ingleses no Club Musical Angrense. Foto retirada do jornal
Atlantic Echo
74
negociações políticas que se seguiram no contexto do pós-guerra, que os norte-
americanos alcançam mais proeminência na vida dos terceirenses.
84
Entrevista realizada por Moreira dos Santos (2008: 49)
85
Jornal A Pátria, nº 1966, Sexta-feira, 13 de Julho de 1945, pp. 2
86
Texto “Jazz nos Açores” - http://www.jazzportugal.ua.pt/web/ver_escritos.asp?id=1298&
87
A União, 15 de Julho de 1998, pp. 5
88
Em 1945 pertencia à Fanfarra Operária e permaneceu na mesma alguns anos até transitar mais tarde
para a Filarmónica Recreio dos Artistas.
75
designadamente a orquestra de Manuel Reis – que actuava já nos clubes dos militares
ingleses e continuou a performar nos estabelecimentos construídos pelos norte-
americanos – e a Jazz Futurista, mas também na orquestra do Sargento Alberto Cunha,
posteriormente na orquestra Art Carneiro mais Durval Pereira, conjunto Açor, RivalJazz
etc.89 sendo que esta última seria formada e dirigida pelo próprio Dimas Matos, mas já
numa fase tardia, no final dos anos de 1950. Estes dois músicos foram os principais
actores que ajudaram a localizar o universo musical na Ilha Terceira, quer através da
documentação fornecida pelos seus familiares, quer pelos discursos produzidos. O
entendimento e introdução do jazz no repertório dos músicos da ilha Terceira estaria na
base de um conhecimento musical disseminado e reproduzido além da Academia
Musical que se edificara na década de 1950, nas sociedades filarmónicas e eclesiásticas
(por exemplo no Seminário Episcopal de Angra), dado que o conservatório Regional de
Angra do Heroísmo só é fundado na década de 1970, onde curiosamente Luís Soares e
Mário Coelho, músicos relevantes para se perceber a disseminação e prática do jazz na
ilha, iriam leccionar.
89
http://www.bparah.azores.gov.pt/html/bparah-historia+fundos02.html
76
3 Relação entre a disseminação do jazz e música “popular”
americana no contexto da segunda guerra e o
estabelecimento da base militar das Lajes
Este capítulo parte de uma análise das negociações políticas que se procederam
entre os governos de Portugal e Estados Unidos e a posição que os Açores e
particularmente a Ilha Terceira viria a tomar no plano geoestratégico e geopolítico no
cenário da II Guerra e pós-guerra. Após a partida dos britânicos em 1946 os norte-
americanos permanecem como a única força militar ao lado das portuguesas
responsáveis pela ocupação na base das Lajes. Vale analisar o que se sucedeu no ano de
1944 aquando do estabelecimento da base norte-americana em Santa Maria – que
equivale à estreia das facilidades alcançadas pelos militares norte-americanos ao
governo português e a sua presença ao lado dos britânicos na base das Lajes. Até o
controlo desta haverá complexas e duradouras negociações entre os governos que
resultam de uma série de acordos antes e após o fim da guerra. Esta análise da evolução
política irá até ao final dos anos 40 que marca a abordagem bilateral dos EUA e o
encerramento de um acordo, sucedido de outro em 1945 com os mesmos objectivos de
prolongar e manter permanentemente a presença norte-americana na ilha Terceira, no
contexto da guerra fria. A presença duradoura destas forças militares que se estendem
pelos anos seguintes até os dias de hoje, e portanto, inserindo-se na baliza temporal
definida para esta dissertação, irá provocar um impacto bastante significativo nas
práticas culturais diversas que vão surgindo na ilha associadas à cultura de massas de
proveniência norte-americana, e, por sua vez, na música ouvida e praticada.
O jazz continua a ter como principal centro de divulgação a base das Lajes,
agora controlada pelos norte-americanos. A informação recolhida da segunda metade da
década de 1940 e inícios da década de 1950 provém fundamentalmente da recepção na
imprensa regional, ao contrário do capítulo anterior cujas fontes provinham
principalmente da base das Lajes. Será neste perímetro militar que se concentram uma
série de questões, e sobre as quais o jazz estará intimamente associado, tais como a
relação entre as indústrias culturais e o poder governativo, o uso da música e a sua
77
função política com objectivos de propaganda e instrumentalização ideológica, e o
impacto social e económico que se alarga além da base, assim como o acesso à
tecnologia (p. ex.: fonogramas e aparelhos de reprodução sonora) por uma parte da
população e, evidentemente, também por parte dos músicos que eram convidados a
tocar no seu interior.
78
3.1 Negociações entre os EUA, Inglaterra e Portugal sobre o
arquipélago dos Açores
79
expensas do tesouro português custando 3 milhões de dólares, o que cobria apenas uma
parte da totalidade do preço da obra, esta valorizada em 30 milhões de dólares
(Monjardino, 1993: 59). A 14 de Outubro de 1943, segundo Nuno Rodrigues (2003),
Roosevelt informa Churchill que terá uma abordagem directa com Portugal. Este
acontecimento diplomático autónomo que viria a suceder-se – visto que os EUA vão
dispensar Inglaterra como interlocutor das negociações, pela primeira vez na história
política e diplomática entre os dois países – na interpretação do autor, indicaria uma
mudança fundamental de poder no Ocidente, com os Estados Unidos a desenvolver um
novo papel hegemónico, e o afastamento de Inglaterra desse mesmo papel. Salazar viu a
abordagem dos EUA como um indício desta realidade e compreende que os Açores são
a fronteira que importa bloquear no avanço dos americanos à Europa (ibid).
80
militares norte-americanos na ilha Terceira, concedendo-os a função de assegurar o
trânsito de aviões de transporte para a Alemanha (Telo, 89: 1996). Esta estadia
americana estava planeada inicialmente para um curto periodo de tempo (ibid). A partir
deste mesmo ano os EUA pressionam continuamente as autoridades portuguesas,
através de vários pedidos que se estendem ao longo da guerra fria, para a permanência
prolongada das suas forças nas Lajes (ibid). Do lado do governo português subsistiu
com frequência uma posição de assegurar que as relações com os EUA fossem sempre
mediadas por Inglaterra em conformidade com a aliança luso-britânica.
81
com Portugal e a aceitação do país no quadro “internacional”, expresso na sua adesão ao
Tratado do Atlântico Norte, que vem a dar origem à NATO, e à OECE (Organização
Europeia de Cooperação Económica) justificava-se essencialmente pelo papel
preponderante que os Açores poderia vir a desempenhar em matéria de defesa do “bloco
ocidental” no contexto da guerra fria, facto que ficaria consumado num acordo de
defesa entre os EUA e Portugal em 1951 (Pereira, 2006: 245). Será desse modo que a
posição geo-estratégica do arquipélago e as circunstâncias políticas e económicas
internacionais no pós-guerra levam a uma maior influência anglo-americana em
Portugal.
82
3.2 USO, V-Disc e celebridades no âmbito da música popular
americana e do jazz;
Apesar do jazz ter surgido primordialmente na ilha através das forças armadas
britânicas e durante a sua estadia de 1944 a 1946, os norte-americanos nesse primeiro
ano já traziam e recebiam celebridades e músicos do domínio da música popular
americana e do jazz na base das Lajes. Desses casos destaca-se particularmente a
passagem do bandleader e trombonista Glenn Miller, que na época tinha sido
promovido a major e depois a director da Army Air Force Orchestra, constituída por 42
elementos e com um reportório que incluía normalmente 19 peças de música de dança.
Esta orquestra militar realizou diversos espetáculos para a rádio e gravações em V-Discs
(Victory Disks), em exclusivo para entretenimento das tropas americanas.
83
construção de instalações de centros de serviço, e, por conseguinte, através dos rádios e
fonógrafos importados (McClellan, 2004: 1). Apesar de se solicitar que os V-Disc
incluíssem um vasto e diverso repertório no sentido de apelar aos gostos vários dos
militares norte-americanos a música popular americana e o jazz dominavam no número
de ofertas (Fauser, 2013: 116, 118). Estes discos foram fabricados entre 1943 e 1946 92
nos armazéns da RCA Victor em New Jersey e enviados quase na totalidade (90%) para
bases americanas estabelecidas no estrangeiro, e por essa razão, requerer-se-á que
alguns sejam feitos em Vinylitte, um tipo de material precursor do Vinyl com maior
resistência do que a goma-laca e próprio para viagens aéreas 93 (Young, 2008: 101). Para
algumas zonas mais isoladas e com problemas de energia elétrica o exército
desenvolveu um fonógrafo portátil nomeado por “portable hand-wound records players”
transportados em caixas especiais e sequentemente largados em paraquedas junto com
os V-Disc (Smith, 2003: 41).
92
O suporte de música gravada, e alguns aparelhos de reprodução sonora como os fonógrafos portáteis
enviados juntamente com os V-Disc, exclusiva a circular em zonas militares norte-americanas altera-se
em 1949 quando a Voice of America decide substituir a distribuição de V-Disc pelos gravadores de fita
magnética (Young, 2008: 101)
Material que também foi substituído por falta de abastecimento pois era prioritário o seu uso para fins
93
militares. A solução foi desenvolver a resina de acetato de polivinila através de uma subsidiária da
Monsanto Chemical Company chamada Canadiana.
94
Estes discos entre muitos outros encontrados no arquivo de discoteca não estão organizados nem
enumerados.
95
http://radiolajes.pt/historia
84
Img. 4: Lado A do V-Disc com a gravação de “Cocktails for Two” e “Liza” por Art Tatum
Img. 5: Lado B do V-Disc com a gravação de “Sweet Lorraine”e “Hallelujah”por Teddy Wilson
Além da música usual que continha os V-Disc tocada por big-bands ou/e
orquestras de música de dança, tal como se assiste no exemplo do disco da orquestra da
fig. 1, eram recorrentes mensagens patriotas enunciadas pelos líderes de orquestra, ou
ainda “transcrições eléctricas” de espetáculos e peças de rádio, banda sonora de filmes
ou até gravações com literatura recitada (Tschmuck: 2012: 95). Por exemplo, no disco
apresentado (Img. 6 e Img. 7) no qual contém temas como “I’ve Got You Under My
Skin” (lado A), “Time Like These” e “South Side” (lado B) tocados pela orquestra de
Vaughn Monroe há a oportunidade de se ouvir no início da primeira faixa uma
mensagem de apoio moral às tropas entregue pelo próprio Monroe.
Img. 6: Lado A do V-Disc com a gravação de” I’ve Got you Under My Skin”
pela orquestra de Vaughn Monroe
86
Img. 7: Lado B do V-Disc com a gravação de “South Side” pela orquestra de Vaughn Monroe
Quanto a Glenn Miller e a sua orquestra, esta estreou-se no final de 1944 na base
aérea nº 4 durante a sua digressão pelas bases norte-americanas. Destacaram-se na
imprensa regional ao apresentar músicos que se caracterizavam por tocar em
“instrumentos de oiro” os apreciados “novos ritmos” da época, a par da orquestra de
Harry James96, numa altura em que se especulava o seu desaparecimento decorrido
numa viagem de avião entre França e Inglaterra, confirmado nos jornais da ilha em
Janeiro do ano ulterior97. No concerto de Glenn Miller esteve entre a plateia Pedro
Martins de Lima98, que teve aí o seu primeiro contacto com o jazz, ainda retêm algumas
memórias do sucedido. Lembra-se especialmente do fardamento militar e da
constituição da orquestra (“viola”, piano, contrabaixo, bateria, dois naipes de saxofone
alto e tenor, trombone e clarinete), cuja sonoridade se caracterizava pelo clarinete na
melodia, substituindo a trompete, em uníssono com o saxofone tenor. A partir da
96
A União, nº 16.258, 7 de Dezembro de 1944, pp. 4
97
A Pátria, nº 1823, 15 de Janeiro de 1945
98
Um dos agentes fundamentais para a compreensão da rede de sociabilidades em torno do jazz em
Portugal e em particular do HotClub Portugal. Devido ao seu pai (Martins de Lima, neto e bisneto de
oficiais de cavalaria) ter sido readmitido nos Açores para Oficial de ligação com as tropas estrangeiras, e
sua mãe ter sido escolhida depois de concorrer a ajudante miliar, permaneceu um ano no Faial e um ano
na Terceira. Como Martins de Lima menciona, as relações que estabeleceu com oficiais americanos (em
particular com um oficial americano que era seu companheiro de vela) permitia com que visitasse muitas
vezes a messe de oficais nas Lajes onde ocorria vários eventos musicais, ou concedia acesso a revistas
americanas onde mostravam notícias sobre o jazz e referências da cultura popular americana e
“internacional”. Também conheceu o jazz através da captação da rádio dos militares Voice of America.
87
experiência de Martins de Lima observa-se que a música de Miller era reproduzida
pelas orquestras locais fora do perímetro militar. Como exemplo desse fenómeno este
recorda-se de ter assistido a um concerto no “jardim onde se dançava, em Angra” 99, com
a apresentação de uma orquestra (constituída por piano, “viola”, saxofone e bateria) em
que do repertório tocado constava alguns dos temas que “lançaram” Glenn Miller tais
como In the Mood e Stardust100.
99
Possivelmente no jardim público de Angra em que ao longo dos anos, desde da ocupação inglesa,
também se apresentaram bandas militares e orquestras estrangeiras.
100
Entrevista a Pedro Martins de Lima via telefone a 5 de Novembro de 2016
101
Esta incluía diversos circuitos nos quais valem referir: Victory circuit, descrito como um “full-sized
revues and concerts to larger military installations” e o Blue Circuit, “smaller touring companies to
perform at Navy and Army installations”.
88
3.2.2 Frank Sinatra na Terceira durante o fim da II Guerra
102
Modern Screen, Janeiro de 1946, pp. 41 e 84, revista acessível online em
http://archive.org/stream/modernscreen3233unse#page/n9/mode/1up
103
A Pátria, nº 1943, Quinta-feira, 14 de Junho, pp. 1 e 2
104
Ibid.
89
“homens de uniforme” considerando-os críticos e apreciativos, antes de anunciar que se
encontrava expectante para actuar no teatro Azoria105.
105
Atlantic Echo, Vol V, No. XIII, 16 de Junho de 1945
90
3.3 Jazz na imprensa, rádio e cinema, circulação de
fonogramas e orquestras locais terceirenses
91
rumba, o foxtrot e o charleston, distintos da música de concerto, na qual, segundo o
autor, era possível ouvir através da Rádio Colonial, onde ouviu uma “admirável
execução de obras de Debussy”110:
“Correu o tempo e veio a vitrola americana com música gravada em discos. Foi um
deslumbramento. Que maravilha e que felicidade poder ouvir aqui as melhores
orquestras e os maioresartistas! Mais dobraram e apareceu a rádio com todos os seus
aperfeiçoamentos (…) Afinal, nesse benigno processo estava latente um terrível
instrumento de tortura. Por toda a gente a infernal zaragata dos aparelhos ultra-
potentes a debitarem insuportável fadaria (…) a vazarem jorros de ritmos
percucientes obsidiantes de foxtrot, charleston, rumba, traumatizantes pela
monótona insistência, arrepiantes pelos guinchos siamescos de cornetins com
surdina, gaitinhas e lâminas, duras como certa iguaria dura, pelo ruido musical de
banjos, marimbas, xilofones e matracas; o arraste de gramofones ligados a alto-
falantes, associando os dois numa simbiose diabólica, expiatória, perturbadora do
repouso, num inferno frio, mas sonoro, com os reclamos de loja de modas e
alfaiataria, vendedores ambulantes de ervas e pós de perlimpimpim, fenómenos
raros e preciosos, entreamados de canções cantadas por etílicas vozes, mais
venenosas que a recente gasolina estilizada (…) É possível que nem sinta o ruido
dos motores e as buzinas implicantes dos automóveis, o escape livre das
motocicletas (…) Se já ninguém se incomoda a levantar os olhos quando por sobre
nós voa um avião!”
92
Estou farto de tua grandeza mecânica,
Assobiava o “Kalamazoo”…!
93
Levei-o até casa no meu carro”
“Mas o tambor rufa agora mais vivo por entre o gargalhar dos pratos e as escalas
cromáticas do clarinete. O swing, com seu rodopio de voltas, seus vai vens de
patinadores deslisando sobre esquis imaginários em supostas pistas de neve, dá
outra nota de leveza e graça aos pares que se cruzam”
112
Parece que o autor emprega a noção de jazz para se referir também ao grupo ou ao espaço onde os
músicos tocavam tais como o “recinto do jazz”, ou quando anuncia a primeira música do concerto
dizendo “O Jazz rompe um foxtrot…”. O conceito de “jazz” poderia aludir a outras dimensões que não
propriamente o estilo ou género musical, já que segundo Roxo e Castelo-Branco (2016) também poderia
denominar, respectivamente, o conjunto musical incumbido de animar a festa, a bateria (instrumento
musical ligado à modernidade), ou, ainda, ao próprio eventos festivo e performativo.
113
Infelizmente não foi possível juntar informação suficiente que suporte a passagem de Stan Kenton
pelas Lajes neste ano.
94
“O swing é mais português, mais baile-de-roda, mais romaria-minhota. A alegria
sobrenada, sobe de ponto, tende para a fluidez e expansão – mas não consegue
destronar a correcção e o porte que são nota permanente a distinguir a festa.”
95
3.3.2 Música sinfónica, moderna e para dançar no Rádio Clube de
Angra
(anos 40 e 50)
114
A União, nª 16.272, 25 de Dezembro de 1949, pp. 8
96
pertencente à União Nacional e governador civil da cidade de Angra - ou ainda Carlos
Rego da Silva, filho de um visconde e, portanto, originário de famílias nobres, ou ainda
de militares como Frederico Lopes Jr. (conhecido pelo pseudónimo João Ilhéu) que
exerceu igualmente diversas funções de índole social, tendo colaborado com a orquestra
de Henrique Vieira da Silva e servido na reserva como presidente do Conselho
Administrativo na Base das Lajes115. Desse modo a escolha dos discos transmitidos no
RCA indica que tipo de música circularia no seio das elites e de outros grupos sociais
economicamente mais abastados. O gosto musical destes diferentes indivíduos mostra
uma valorização pelo jazz sinfónico e orquestral, este último até então na base do
modelo da orquestra de Paul Whiteman, tratando-se em simultâneo de música séria e de
concerto e, por sua vez, contendo traços de música de dança “africano-americanos”.
Será por essa razão que ao longo da década de 1950 o RCA apresentará compositores
como George Gerswhin, considerado um dos compositores “modernos” mais populares
na época, visto que adicionava elementos do jazz às suas obras, o que para certos
críticos legitimaria este estilo musical a ser apresentado em concerto, no contexto da
música erudita. Destas fizeram parte da emissão do RCA as peças Um americano em
Paris (1928) e concerto em Fá de George Gershwin (1925) interpretado pela orquestra
de Paul Whiteman acompanhada pelo Roy Bargay no piano. Além disto outras
orquestras de dança tiveram especial destaque. Entre estas encontram-se a de Victor
Silvester116, e outras de nacionalidade francesa e holandesa.
97
a sua orquestra de música ligeira, constituída por seis elementos, entre eles italianos e
austriacos com uma vocalista, por altura da sua actuação no Clube dos Oficiais em
1957, e com a cooperação de artistas “amadores locais” (ibid: 46). O concerto chega
também a ser transmitido na Rádio Lajes (estação CSB-82)117. Sendo assim, entende-se
que nessa rádio tanto a música popular americana e/ou de cinema e o jazz preenchiam
uma parcela essencial da programação, com particular enfase em compositores da
Broadway, por exemplo Cole Porter, ou em cantores como Bing Crosby, e ainda temas
interpretados por “orquestras de jazz”. Sob esta ultima designação será susceptivel de
afirmar que nos anos de 1950 e 1960 faziam-se cumprir as seguintes obras
discográficas: Music of Irving Berlin: Andre Kostelanetz and his Orchestra (1950);
Andre Kostelanetz and his Orchestra - George Gerswhin (1955); Percy Faith and His
Orchestra (1960); Jazz from Scandinavia – Svend Asmussen and his Orchestra (1955);
Bing Crosby- In A Little Spanish Town (1958); Things To Come – Ted Heath and His
Music (1959); the biggest Hits of 56’s Vol. 1 (1956) incluindo uma variedade de
orquestras.
117
Diário Insular, nº 3230, 7 de Janeiro de 1957, pp. 4
98
3.3.3 A divulgação do jazz e do swing através do cinema na
Terceira
na segunda metade dos anos 40;
118
Marcelo Pamplona é um nome que aparece recorrente quando se trata da aquisição de equipamento
para a realização de sessões de cinema. Comprou ainda mais tarde o teatro Angrense e a Praça de Touros
de S. João. Este empresário e proprietário adquiria também as várias películas que estreavam na
esplanada das sociedades filarmónicas.
119
Cartaz fornecido por Francisco Jorge da Silva Ferreira (Img. 8).
120
Diário Insular, nº 75, 19 de Maio de 1946
99
Img. 8: Cartaz publicitário do filme Bom Pastor no teatro Praiense fornecido por Luís Bettencourt
100
Tal como foi referido no capítulo anterior, no período da segunda guerra o
cinema produzido nos EUA contava com a participação de cantores e orquestras de
swing, nomeadamente músicos em digressão e propagandeados pela USO. A influência
da base das Lajes leva a que grande parte dos filmes divulgados e projectados a partir de
1945 nas salas de cinema na Terceira tenham sido produzidos e distribuídos nos EUA
durante a segunda guerra. Por exemplo, em 1946 novamente no teatro Angrense
assistiu-se uma comédia musical intitulada Bom Dia Soldados (Reveille with Beverly)121
com a colaboração de vários cantores, grupos musicais e orquestras. Entre os muitos
cantores e artistas que se apresentaram destacam-se Bob Crosby, Frank Sinatra, as
orquestras de Count Basie, Duke Ellington e Freddie Slack e o quarteto vocal Mills
Brothers. Além desse projectaram-se, nesse mesmo teatro, O Caminho da Glória
(Presenting Lily on Mars)122, também com Bob Crosby e a orquestra de Tommy Dorsey,
O A-B-C da Folia e 4 raparigas encantadoras (Four Jills in a Jeep)123, em que a sua
narrativa baseava-se na real experiência dos protagonistas durante a tournée sob a
USO124; Forja de Heróis (This Is The Army)125 realizado por Irving Berlin, e, por último,
Marido Por Acidente (I Dood It)126 protagonizando a orquestra de Jimmy Dorsey.
Apresentou-se igualmente nesta época filmes mais antigos como Os Reis do Jazz (King
of Jazz)127 dos anos 30, cuja banda sonora ficava a encargo da orquestra de Paul
Whiteman e Bing Crosby.
121
Diário Insular, nº 131, 29 de Julho de 1946
122
Diário Insular, nº 502, 30 de Outubro de 1947
123
A União, nº 15.339, 30 de Outubro de 1946
124
Diário Insular¸ nº 222, 17 de Novembro de 1946
125
Diário Insular, nº 288, 6 de Fevereiro de 1947, pp. 4
126
A União, nº 15.416, 1 de Fevereiro de 1947
127
Diário Insular, nº 133, 1 de Agosto de 1946
101
do mesmo género, de procedência americana” 128. No mesmo ano passou na tela da
Recreio dos Artistas O Luar de Hawai (Hawai Moonlight) 129, assinalando-se neste caso
a performance dos The Merry Macs, quarteto vocal este que cooperou com as orquestras
de swing nos anos 30 e 40 tendo como exemplo a de Paul Whiteman e a de Glenn
Miller. Por sua vez no ano seguinte no mês de Agosto no Cine São João a orquestra de
Bob Crosby actuaria em Ritmo Diabólico (Pardon My Rythm)130 e em Setembro
Gangsters do amor (Always a Bridesmaid), com outro trio vocal denominado por
Andrews Sisters131. O mesmo grupo vocal actuou em Marinheiros de Água Doce (In the
Navy), filme que tinha sido projectado em Abril de 1946 no teatro Angrense 132. No final
da década de 1940 estreou Dubarry Era Uma Senhora (Dubarry was a Lady)133, com a
orquestra de Tommy Dorsey.
128
Diário Insular, nº 240, 7 de Dezembro de 1946, pp. 4
129
Diário Insular, nº 62, 3 de Maio de 1946, pp. 4
130
A União, 15.553, 27 de Agosto de 1947
131
A União, nº 15.586, 2 de Setembro de 1947, pp. 4
132
A União, nº15.165, 1 de Abril de 1946, pp. 4
A União, nº 1949
133
102
3.3.4 Mercado discográfico
“Com o aparecimento dos gramofones que nos vinham do Brasil, trazidos pelos
imigrantes que regressavam à terra, a nossa gente foi-se habituando à música
roufenha daqueles aparelhos, pondo de parte a viola, a rabeca, a harmónica e outros
instrumentos populares que, durante séculos, haviam constituído o melhor
passatempo das antigas gerações.” (1960: 130)
137
Diário Insular, no 329, 6 de Dezembro de 1946, pp. 3
138
A frase publicitária seguia-se da seguinte forma: “Ouça quando quizer a música que quizer e não a que
as estações de rádio querem que ouça.”
139
Aqui podem ter pertencido alguns discos da Swing Music Series iniciada em 1935 e terminada em
1952. Nessa série encontrar-se-iam temas interpretados pelas orquestras de Benny Goodman, Duke
Ellington, Louis Armstrong, Bunk Johnson etc.
104
105
3.3.5 Importância do universo militar e movimento filarmónico
na constituição de orquestras de jazz
Uma das primeiras orquestras que se tem conhecimento a formar-se para esse
propósito seria a de Manuel Reis em 1945. Naturalmente muitos dos principais músicos
que a constituíram pertenciam a bandas militares. Por isso, além da educação musical
providenciada pelas instituições religiosas, como na Diocese de Angra, baseada em
conhecimentos derivados do universo da música erudita, era no exército que grande
parte podia adquirir e aprofundar esse conhecimento. Muitos destes tornar-se-iam
regentes de várias filarmónicas no arquipélago, aumentando a rede de contactos com
estas. Sendo um fenómeno que tem início no séc. XIX e que prossegue ao longo do séc.
XX permanecesse uma constante relação entre músicos do universo militar e das
filarmónicas, no que terá tido particular relevância na formação de agrupamentos
musicais direccionados para contextos de baile e de festas recreativas 142. Desse modo,
141
Entrevista ao filho Duarte Pereira a 16 de Julho de 2015, Angra do Heroísmo
Não é possível aprofundar muito a vida musical das filarmónicas devido ao foco da tese (jazz). Paulo
142
Sousa (2004) sublinha a pouca investigação sobre a criação e desenvolvimento destas colectividades em
que nas principais vilas, na segunda metade do séc. XIX, estavam afiliadas a partidos políticos
monárquicos.
106
encontram-se na origem das orquestras de jazz e particularmente na orquestra de
Manuel Reis alguns elementos da Banda Militar de Angra do Heroísmo, desagregada
nos anos 30, como o 1º sargento Manuel Perdigão, cuja regência passou pela
Filarmónica da Sociedade Recreio dos Lavradores da Ribeirinha, e Alberto Alves,
contramestre da Banda Militar, tendo sido regente na mesma filarmónica143. Do mesmo
modo, alguns desta banda militar formariam as suas próprias orquestras, de maneira que
o 1º sargento Diamantino Borges (juntar-se-ia a Art Carneiro quando este tomasse a
liderança da orquestra de Manuel Reis anos mais tarde) forma a “Celestial Jazz da
F.O.”144 , ou ainda a orquestra do sargento Alberto Cunha, e na qual Dimas Matos
145
integrou.
143
Catálogo do fundo da Banda Militar de Angra do Heroísmo (2013)
144
F.O. Sigla em inglês que significa Flying Officer, isto é, oficial de voo, o que pode demonstrar que a
orquestra seria constituída por militares da Força Aérea, talvez incluindo ingleses e portugueses (visto que
segundo a data ainda permaneciam como a força militar principal, pelo menos até ao seu abandono em
Outubro desse mesmo ano).
145
A União, no 84, 1 de Junho de 1946, pp. 2
107
instrumentos, que muito beneficiarão a música moderna. Será ainda uma orquestra
típica em tangos e rumbas.”146 Porventura criava-se a necessidade do grupo se
modernizar para a apresentação de novo repertório que incluísse música popular
americana e jazz, possivelmente orquestrado por Oldemiro Pimentel, preparado para os
bailes realizados nos clubes militares da base das Lajes:
“O “club” como todos o conhecem, acaba de incluir nas suas actividades uma
orquestra de sócios e simpatizantes, rapazes e conhecedores dos ritmos novos, entre
os quais até não falta um compositor, onde o talento cedo despertou e cuja orquestra
foi acordada para as melodias e andamentos musicais modernos.”147
108
escala para os aviões transatlânticos consolida-se até a essa data na cidade da Horta na
ilha do Faial (ibid). Por consequência com a construção da base das Lajes aumenta
substancialmente o número de orquestras provenientes de outras ilhas no arquipélago e
do continente. Desses exemplos destaca-se em particular o trio Julmar’s, constituído por
músicos e artistas de Lisboa, contratados pela secção dos Comandos para o
entretenimento de expedicionários portugueses149. Apesar do reportório tocado por eles
fosse sobretudo fado e baseado em espetáculos de revista e variedades indicava, por um
lado, a proximidade da população da ilha Terceira com grupos portugueses que se
apropriavam de estilos musicais importados e mediavam novas tipologias musicais
como por exemplo fado-swing 150 151.
http://aprenderamadeira.net/madeira-noites-da/
153
109
Lemos Junior (bateria, contrabaixo, viola e violino), Eduino Bulcão Ávila (saxofone-
alto, clarinete e violino), Eduino Bulcão Ávila Junior (saxofone-alto, clarinete e
vocalista), Francisco da Rosa (saxofone-alto e clarinete), Manuel Madruga da Silva
(trompete e bateria), Daniel da Ponte Simão (trompete e viola) e Alexandre C. Lacerda
(Vocalista). A critica no jornal à prestação da orquestra dizia que:
De acordo com Victor Dores (2009: 427, 428) a formação da orquestra Sem rei
nem roque derivava da preponderância da “cultura norte-americana e europeia” através
da presença de estrangeiros na década de 1920 dos Cabos Telegráficos Submarinos na
ilha do Faial. Por consequência, num primeiro momento é criada a orquestra de
Francisco Xavier Simaria, originando-se a partir desta a orquestra da D.A.T. (Deutsche
Atltantishe Telegraphengeselshaft), pertencente à Colónia Alemã, seguindo-se da
criação de duas orquestras inclusive a Sei rei nem roque e a orquestra João de Deus
(ibid). Como se demonstra da composição dos seus elementos e dos respectivos
instrumentos, assim como do passo-doble Islas Canárias tocado pelos mesmos, existia
uma conjugação de um repertório de tradição filarmónica com música moderna ou de
dança. Á semelhança do que ocorre na Terceira muitos desses agrupamentos formam-se
à parte das filarmónicas para saraus dançantes e animação de festas. Tendo isso em
conta, em o próximo capítulo irá incindir sobre alguns desses agrupamentos locais.
110
4 Recepção do jazz na Terceira nas décadas de 1950 e 1960 e
formação de agrupamentos por músicos locais
As décadas de 1950 e 1960 abordadas neste capítulo referem-se aos anos em que
o jazz deteve maior expressão na ilha através da presença regular nos jornais,
especialmente no Diário Insular, ao mesmo tempo que se observava uma crescente
dinamização militar e civil na base aérea das Lajes, dinamização essa que impulsionou a
formação de importantes grupos locais, além das orquestras, como por exemplo o
quarteto de Art Carneiro e os Flama Combo. No entanto, falar-se-á igualmente de outros
agrupamentos, menos destacados por músicos e críticos como praticantes do jazz na
Terceira, principalmente aqueles que se estabeleceriam na vila da Praia da Vitória.
154
Scott DeVeaux (1998: 544) sublinha que é na década de 1950 que se começa a estruturar uma
historiografia oficial do jazz enquanto música “arte”: “The mode of historical explanation that emerged
by the 1950s was increasingly conventional and academic in shape: a continuous artistic tradition
encompassing several clearly differentiated “periods” or “styles”, with an implied movement away from
the naiveté of folk culture (…) toward the sophistication and complexity of art.”
111
normalmente o jazz era tocado. A noção de bebop que já circulava no continente
americano e europeu era praticamente inexistente na ilha Terceira, pelo menos a partir
da documentação recolhida, sendo que deverá ser ponderada a hipótese de ter sido
possível o contacto com esse estilo musical através dos músicos locais que se juntavam
com os músicos e militares norte-americanos para os acompanhar durante uma actuação
ou para a realização de jam-sessions.
“(…) but that story papered over the fact that democracy had not yet been made real
for many African Americans in their everyday lives. Equating jazz with democracy
nonetheless affirmed the centrality of African American contributions to American
culture and offered a tangible demonstration of African American progress. These
statements harmonized well with U.S. propaganda goals.”
112
do outro o bloco “ocidental”. Nesse sentido a base das Lajes seria sempre necessária
como ponte para o continente europeu e favorável ao expansionismo norte-americano.
113
4.1 Modernização da base das Lajes e a introdução de novas
tecnologias
155
A União, nº 12.313, 12 de Fevereiro de 1950, pp. 4
156
http://www.emfa.pt/www/unidade-27-base-aerea-n-4
157
Conversa informal com José Tristão a 22 de Junho de 2015. Tristão tinha alguma memória de algumas
celebridades e músicos que teriam passado na base das Lajes como por exemplo Bob Hope acompanhado
de uma cantora na qual não se recordava o nome. Na verdade, Bob Hope estacionou diversas vezes nas
114
encontravam- se 1000 trabalhadores portugueses operacionais na base 158. Segundo
constava nos jornais a escala de salários era superior à da cidade de Angra e que apesar
da subida do custo de vida a entrada de dólares na economocia local levava a um maior
gasto em artigos de consumo159. No entanto, com a consolidação norte-americana na
Terceira muitas famílias instalaram-se fora da base militar dado que não tinham
alojamento garantido no seu interior (Monjardino, 1993: 64). Marca disso ficou o bairro
de habitação degradada (conhecido, por “bairro da lata”) na serra de Santiago,
caracterizado pela falta de condições sanitárias e de manutenção das habitações.
Por outro lado, durante a época de Eisenhower na presidência dos EUA criou-se
o programa People-to-People, precisamente em 1956, iniciado no arquipélago dos
Açores onde as forças norte-americanas estavam estacionadas. O programa tinha o
propósito de ajudar as comunidades nas ilhas e isso reflectiu-se, por exemplo, através da
Lajes, sendo a última na década de 1980.
158
Diário Insular, nº 2116, 15 de Abril de 1953
159
Ibid.
115
construção de vários poços de água locais, do armazenamento de truta nas Furnas em
São Miguel, e do transporte aéreo de novas raças de gado para a ilha. Na ilha Terceira
teve particular importância a Organização de Caridade da Capela da base das Lajes que
foi responsável pela junção e distribuição de comida, assim como de diversos artigos
pelas famílias mais carenciadas160. Além do melhoramento das instalações que
incluíram novos campos desportivos e emissores de rádio, a 16 de Outubro de 1954
seria fundada a primeira estação televisiva em território português pelos militares norte-
americanos (Merelim, 1984: 293). Segundo José Borges, trabalhador no departamento
de logística da AFN (American Forces Network das Lajes), as primeiras emissões da
televisão americana sucederam-se a partir dos aquartelamentos dos oficiais, e só em
1957 se decidiu comprar novo equipamento e mudar a estação de local para o edifício
T-252 no topo da montanha na freguesia de Santa Rita 161 (Img. 9). De acordo com José
Mendes, pelo menos relativamente aos anos de 1960, parte da população que residia nas
freguesias próximas da base das Lajes tinha possibilidade de entrar em contacto com
entretenimento norte-americano, em particular com o cinema, por via da emissão do
canal AFN (American Forces Network Europe) 162. Eventualmente, segundo alguns
depoimentos na Praia da Vitória isto sucedia-se através de pedidos aos norte-americanos
para comprarem as televisões no interior da base ou quando, por alguma razão, estes as
vendiam directamente aos habitantes163. Mesmo que a televisão e a AFN também
emitissem notícias, esse papel restava sobretudo para a rádio (Img. 10).
160
http://www.lajes.af.mil/shared/media/document/AFD-110621-022.pdf
161
Crossroads Extra, Vol. 16, No. 48, 16 de Dezembro de 2011
162
Ibid.
163
Mais informação será necessária para delinear os anos em que isso se sucedeu, e como as pessoas
adaptavam os aparelhos eletrónicos do mercado norte-americano ao sistema elétrico das suas casas, algo
que ainda acontece nos dias de hoje. Segundo um artigo publicado no Diário Insular a 9 de Fevereiro de
2004 as “emissões americanas mexeram com quase todo o concelho da Praia da Vitória, entre as
freguesias de Agualva e São Sebastião, sendo que já nesse tempo eram raras as casas que não tinham o
pequeno receptor de televisão. Os trabalhadores da Base das Lajes adquiriam novas, em segunda ou
terceira mão, a caixinha mágica, pelo menos para assistir aos filmes que preencheram muitos serões até à
chegada da RTP 20 anos depois. Bastava comprar o aparelho, colocar a antena e pronto. Ainda hoje
existem muitos locais que ainda são espectadores da TV americana, e com o aparecimento dos televisores
multisistema, esse número terá aumentado ainda mais, já que no passado, aos aparelhos adquiridos no
mercado local era necessário colocar uma peça para adptar a diferença de sistemas de PAL para NTSC.”
116
Img. 10: AFN News
músicos em Nova Iorque e as jam-sessions que se organizaram sublinhando que “the peculiar dynamics
of the jam session suggested a new shape and purpose for their intellectual and artistic aspirations”
118
4.2 Alguns apontamentos sobre a formação de
agrupamentos musicais autóctones
Img. 11: Cartão publicitário do Flama Combo (fornecido por João Soares)
166
Entrevista a Batista Ávila a 15 de Maio de 2016 no Porto Martins
120
Era de facto importante para que as festas e bailes se concretizassem nos clubes
(Airman’s Club, NCO Club, Clube dos Sargentos 168, etc.), que os patrões (responsáveis
pelos clubes) exigissem um número considerável de músicas populares preparadas para
as pistas de dança. Em adição a isto, naturalmente a redução do número de membros a
partir dos anos de 1960 reflecte o declínio das orquestras de swing, em grande medida,
provocado pelas transformações no mercado anglo-saxónico e nos gostos das
audiências, com a particularidade de que na Terceira essas audiências seriam
essencialmente mediadas pelo universo militar. Em primeiro lugar, o prolongamento
deste tipo de orquestras até tarde justifica-se simplesmente pela reserva de músicos
disponíveis naturais da Terceira e de outras ilhas, isto é, na sua maioria tocavam sopros
por influência das bandas militares, orquestras de baile, e filarmónicas assim como de
outros grupos procedentes das mesmas. Instrumentação esta que por sua vez coadjuvava
com a do mundo militar. Numa perspectiva mais abrangente, durante as décadas de
1950 e 1960, na continuação daquilo que vinha da década anterior, o problema do
racismo nos EUA acentuava um paradoxo no uso diplomático e de propaganda do jazz
pela ECA (State Department’s Bureau of Educational and Cultural Affairs) no
confronto com a USRR. Na criação dos programas culturais o jazz mainstream era o
preferido para representação dos ideais democráticos dos EUA. Os novos estilos
musicais emergentes eram vistos pela ECA como subversivos e “radicais”169, visto que:
“Aditionally, the United States strove to endorse the status quo; as it sought to
promote the message of integration, it did not seek to encourage radicalism through
its cultural programs, especially when sponsoring activities in tumultuous Cold War
arenas. Mainstream style of jazz, not the jazz avant-garde, safely represented
democratic ideals and the dynamism of American cultural traditions and, most
important, the move toward integration and racial harmony in American society that
was mocked in Soviet propaganda.” (Davenport, 2009: 59)
Portanto, partir dos anos 1960, no caso dos Flama Combo, ao invés de se
compreender como uma mudança estilística radical do grupo (do jazz para o rock), teria
168
Alguns desses clubes foram reaproveitados pelos norte-americanos e portugueses. O clube dos
Sargentos é fundado em 1946 onde era situada a messe dos ingleses nos edifícios em que se designavam
Nissans (barracas de grandes dimensões dispondo de um bar, salão de festas, salas de jogos etc.)
169
Estilos musicais como o bebop também envolveram valores de contestação e oposição perante o
racismo institucionalizado na sociedade norte-americana. Além disso, em contraste com Louis
Armstrong, Cab Calloway e Duke Ellington os bebopers (incluíndo Charlie Parker nos anos de 1940)
pretendiam contrariar o que para eles seriam as características de um “negro entertainer” que ia de
encontro às expectativas das audiências “brancas” (Panish, 1997: 66)
121
sido uma mudança progressiva, e que ia de encontro aos gostos das audiências e da
música popular e massivamente distribuída. Ao seguirem também as exigências dos
militares norte-americanos, cujo objectivo seria contratar grupos musicais que
detivessem um repertório adequado aos clubes, e, portanto, à “pista de dança”, teriam de
tocar variados estilos e géneros musicais procedentes do domínio da música popular de
entretimento. Por conseguinte torna-se difícil a tarefa de aplicar categorias estanques
aos músicos e à música que praticavam, considerando os diferentes gostos, experiências,
backgrounds, e envolvimento em diversos contextos performativos. Ajustada ao
contexto terceirense, a citação de Ingrid Monson serve para ilustrar um pouco a
constante transgressão de barreiras estéticas usualmente estipuladas e quais as
referências musicais assimiladas por parte dos músicos de jazz:
“In the late 1940s and early 1950s jazz musicians drew upon a multiplicity of
aesthetic perspectives in fashioning individual sounds, including the African
American vernacular aesthetics, the aesthetics of the American popular song, the
aesthetics of classical music, and, for some artists, Carribean sounds such as Cuban
Music…Individual musicians, regardless of their ethnic home base, can and did
infuse their playing with musical aesthetics from both within and beyond their
expected social categories. (Monson, 2009: 32)
Daí que a perspectiva adotada nesta dissertação divirja da ideia de que o grupo
teria abandonado a “boa” música e enveredado pela “música comercial” (Santos &
Rubio, 2008: 86). Daí também que o Flama Combo adaptasse facilmente as “novas
sonoridades” num período em que a guitarra eléctrica era progressivamente
disseminada, no Flama Combo tocada por Luís Soares, acompanhado por Mário Coelho
no baixo eléctrico (este instrumento muito mais presente depois de 1960 já que na
década anterior seria o contrabaixo o instrumento escolhido).
122
Img. 12: Vasco Gomes e músicos militares em 1959
170
A resolução desse problema encontra-se no último capítulo através da análise musical das gravações
realizadas pelo Flama Combo no RCA no início da década de 1960.
123
entretenimento e colocasse a audiência a dançar 171, e isso reflectia-se, por exemplo, no
Flama Combo ao conter temas tocados com esse intuito, que além do swing, incluíam
elementos do rhythm & blues e ainda pasodobles. Quanto à referência do jazz em
Portugal os jornais faziam questão de enfatizar a relação entre o jazz e o mundo militar,
em reflexo daquilo que se passava na ilha Terceira, ao anunciar que “algumas das
melhores sessões” de jazz eram promovidas pelo Hot Clube de Portugal, e que isso só
era possível devido á colaboração das “orquestras norte-americanas e inglesas” 172.
Ainda na mesma notícia, dizia que nessas sessões os “preconceitos raciais” não se
manifestavam, por certo, assunto que estaria mais uma vez ligado á instrumentalização
do jazz na guerra fria e a preocupação em disseminar os valores democráticos dos EUA.
171
Pode-se afirmar que além das verbenas e os diversos bailes que se realizavam em Angra os contextos
performativos dominantes eram compostos por música fado, filarmónicas e os restantes agrupamentos, e
música erudita.
172
Diário Insular, nº 3241, 7 de Agosto de 1957
Para uma perspectiva sobre a disseminação da guitarra eléctrica em Portugal continental consultar
173
124
Img. 13: Olivério e orquestra OPAR na esplanada dos brancos – Luciano Ferreiro, Artur, José Gomes,
Olivério (voz), Ezequiel Bettencourt, Afonso, Manuel Bento (sax-alto), Ernesto (saxt), Manuel (vl.)
Img. 15: Guido Fernandes e a orquestra Art Carneiro na festa do Rádio Clube de Angra em 1958
175
Como se observou no último capítulo, a tradição filarmónica e os agrupamentos (por exemplo a
orquestra “sem Rei nem Roque”) e os respectivos grupos influenciados pela mesma era uma prática
preponderante na ilha do Faial.
176
Palmira Mendes Enes, avó de Luís Bettencourt e mãe de Ezequiel Bettencourt do Aero-Jazz compôs
várias peças para orquestras. Uma delas seria um “baião” com a dedicatória a Manuel da Rosa Goulart
(Img. 14)
177
Entrevista a Olivério a 7 de Fevereiro de 2017 na Praia da Vitória
126
No entanto, Olivério só cantava em português, pois, a par de outros 178, havia
alguma dificuldade em encontrar vocalistas que cantassem em inglês, o que levava a
que o jazz e outro tipo de música norte-americana fosse preponderantemente
instrumental, quer se tratasse de Angra ou da Praia 179. A importância da vinda em 1959
de Miss Zabilka para Terceira é ainda reconhecida nos dias de hoje. A sua contribuição
foi determinante para a dinamização e desenvolvimento da filarmónica União Praiense e
o ensino da música na ilha, principalmente na vila da Praia. Gladys Zabilka, professora
e directora de várias escolas de ensino primário e secundário nas bases militares norte-
americanas denominadas por DoDDS (Departament of Defense Dependent Schools) 180,
foi autora de inúmeros artigos sobre as “especificidades culturais” de cada região onde
permanecia algum tempo ao serviço do governo norte-americano e diversas publicações
e colaborações em revistas sobre pedagogia. As actividades sociais e culturais
incentivadas por Zabilka e a sua cooperação com as organizações locais desde a Escola
Básica da Base Áerea Nº 4, a Escola Técnica e Comercial de Angra, no Hospital da
Praia, na Casa de Saúde S. Rafael etc. tinham também o objectivo de demonstrar
diplomaticamente as “boas” relações dos EUA com os países onde intervinha
militarmente ao ser destacado no Crossroads181 que “the purpose of her work with these
organizations has been to foster better understanding between American and Portuguese
peoples.”182 Também sob a supervisão de Zabilka formou-se uma orquestra de jazz
intitulada “The Down Beats” constituída pelos seus alunos que frequentavam a escola
básica e secundária na base das Lajes. Por fim, em 1962 concretiza-se um concerto no
Salão Teatro Praiense juntamente com o grupo coral, igualmente formado por alunos do
básico e secundário e dirigido novamente por Zabilka, cujo destaque da performance foi
178
Problema que se manifestava até na cidade de Angra, mesmo entre os vocalistas mais populares na
região que colaboravam com orquestras de jazz, como fora o caso de Guido Fernandes (Img. 15).
179
Entrevista a Batista Ávila a 6 de Agosto de 2015
180
Rede de escolas para familiares dos militares em zonas que o State Department considera que não
proporcionam um ensino escolar segundo as suas expectativas. Isto consta de diversos benefícios e
serviços viabilizados por parte do governo norte-americano a “militares dependentes” (categorias
possíveis de relações familiares que podiam usufruir destes serviços).
181
Jornal criado pelos militares norte-americanos e semelhante ao dos ingleses no período em que a base
era principalmente da força aérea britânica. No entanto, este relato é bem menos informativo no que
concerne às actividades que ocorriam no seu interior e apenas começou a ser impresso em 1959.
182
Crossorads, Vol. 3, No. 9, 3 de Julho de 1964, pp. 1 e 4
127
para o solista e trompetista Joe Williams183. Na verdade, a sua contribuição é ainda
recordada por alguns intervenientes como José Henrique Borges da FUP (saxofonista
que substituiu “Mestre” Ernesto quando este abandonou o Copacabana no final de 50)
sendo inclusivamente enfatizada pelo jornal norte-americano:
“…contributed time and money to supply sheet music, music stands and musical
instruments to the band…in addition she assisted in the remodeling of the band’s
concert hall in Praia”184.
128
Olmmar’s Band tinha uma maior regularidade e muito mais anos de existência, fundada
e contratada para bailes organizados pelos ingleses desde 1946, apesar das trocas
constantes de elementos como era normal na época, sobretudo em contexto insular.
Mas tal como sucedia na maioria das orquestras, seria possível delinear uma
vasta rede de sociabilidades entre os diversos músicos, em que, naturalmente, os que
viviam próximos da vila da Praia e das freguesias próximas tinham o hábito de tocarem
juntos, e respectivamente, o mesmo processo sucedia em Angra. Por isso encontram-se
músicos como Ezequiel Bettencourt, acordeonista, pianista e saxofonista, do AeroJazz,
ou Palmira Enes, fundadora desse mesmo grupo e mãe de Ezequiel, cujas várias
composições foram dedicadas e oferecidas ao “Chefe” de orquestra Manuel da Rosa
Goulart, que da mesma forma tanto pertencia à orquestra OPAR como ao Copacabana
(Img. 16) A essas orquestras pertenceram Artur Gaito (“viola eléctrica”), Manuel “Pinta
a Manta” (baixo ou rabecão), Ernesto Barcelos (trompete), António (trompete, vindo de
São Miguel para exercer funções como militar na base das Lajes). Outros músicos
foram referenciados por José Borges, como Afonso (baixista), Eliseu, natural do Faial, e
José Gomes.
Img. 16: Copacabana Combo – Ezequiel Bettencourt (acord.), Manuel (bx.), António (Sax-T),
Ernesto Barcelos (trp.), Vasco Gomes (btr.) e Manuel Bento (Sax-A)
129
Img. 17: AeroJazz no Café Royal - Álvaro Carreiro (vl.), José Duarte (acrd.),
Ezequiel Bettencourt (sax-alto), Palmira Enes (pn.)
186
Entrevista a Luís Bettencourt a 16 de Agosto de 2015, Praia da Vitória
187
Infelizmente como é normal em grupos do género não existem partituras disponíveis, nesse caso
permanecem as memórias de alguns dos músicos que tocaram com os mesmos, como Vasco Gomes.
130
frequentados recorrentemente por estrangeiros, na sua maioria militares e civis norte-
americanos. Porém não permaneciam somente na Praia, mas também realizavam
concertos em Angra, como, por exemplo, nas esplanadas ou nos salões das sedes
filarmónicas, no Teatro Angrense e ainda no Lawn-Tennis Club188.
188
Diário Insular, nº 2527, 29 de Agosto de 1954
131
imprensa referia que “para isso tiveram que pôr de parte – sabe Deus com que mágoa –
o bailado clássico, e “modernizar” as danças, introduzindo-lhes um pouco de acrobacia”
e que não se notava nos artistas “aquela beleza dos artistas de “ballet” a graça”190.
Na ilha da Graciosa de onde era original Palmira Enes e o seu filho, da freguesia
de Santa Cruz, a primeira teria desenvolvido aptidões no domínio de várias artes indo
além da música, em particular no âmbito da pintura. À parte da animação de bailes, na
ilha Graciosa também sonorizava cinema mudo ao piano. É com esse passado que
Palmira chega à ilha Terceira no final dos anos 1940 a convite do Comando Americano
da base das Lajes, local onde viria a dar aulas de piano na secção Recreativa do Teatro
Azoria e a partir da qual forma a sua orquestra.
190
Diário Insular, nº 2548, 21 de Outubro de 1954, pp. 1 e 4
191
Porventura não deixou de existir uma pequena tensão ou “rivalidade” entre os músicos, como lembra
Ilídio Gomes na altura em que Os Sombras, grupo de rock onde era vocalista e guitarrista, começaram a
actuar na base. Isto ocorre também num período em que emergem alguns grupos de rock criados por
músicos praienses.
132
4.3 Instrumentalização política do jazz a encargo do
governo norte-americano e as consequências da sua recepção na ilha
Para a ECA, responsável pela organização das tournées, o jazz era visto
inicialmente como um tema controverso pelas contradições que revelava da sociedade
americana situada entre o regime democrático e as leis de Jim Crow que vigoraram até à
década de 1960. Ao longo da década de 1950, durante a Guerra Fria, intensifica-se o uso
do jazz como instrumento diplomático e político. A ECA observa que o “jazz americano
e a música de dança” tinham uma forte aderência na Europa do Leste, isto ao mesmo
tempo que se começa a considerar o jazz como a “música clássica” americana por
excelência192 (Davenport, 2009: 44). De outro modo, a razão mostrava-se
profundamente política e era expressa pela maioria dos oficiais que demonstravam
atitudes elitistas jazz mainstream dado que outras formas de jazz, segundo Davenport
(2009: 84), podiam incitar à rebelião “contra as estruturas políticas e sociais do
Ocidente”. Do mesmo modo, a organização contava que os músicos mais populares
tivessem uma noção de liberdade que compactuava com a ideologia dominante dos
EUA, isto é, endereçada na defesa da “propriedade privada” e da liberdade individual,
ao contrário dos que praticavam outras formas de jazz consideradas “revolucionárias”
(ibid: 84, 85).
Por outro lado, o pós-guerra é entendido também como um período de recuo das
orquestras de swing no mercado anglo-saxónico e da sua posição secundária
relativamente aos cantores que as acompanhavam. Mesmo assim, como refere Peter
Tschmuck (2012: 229), no fim dos anos 1940: “the record market was oriented towards
a mass taste defined by the the lowest denominator, Swing and Hollywood Music. The
majors did not meet the Baby Boom generation’s latent demand for alternative dance
and entertainment music”193. Esses géneros e estilos musicais derivados do swing
192
A banda de Gillespie simbolizou e viajou sob o mesmo lema: “His band came to symbolize the fruits
of American democracy and the vitality of “America’s classical music” traveling to Latin America, the
Middle East, and Southeast Asia” (Davenport, 2009, 195). Também músicos como Duke Ellington foram
valorizados diplomaticamente ao promoverem a música “clássica Americana” numa tentativa de colocar
o jazz de novo no mainstream da cultura popular (Von Eschen, 2009: 17).
193
Isto porque para o autor as indústrias (as “major”, ou seja, RCA Victor, CBS-Columbia, Capitol
Records e Decca U.S.) rejeitaram, num primeiro instante, o rock e o r&b, enquanto as companhias
fonográficas de pequena dimensão concretizavam o desejo do público na procura de estilos musicais
133
também se reflectem na distribuição dos fonogramas nas bases militares e pela compra
de alguns discos nas lojas da base militar, especificamente na PX ou BX (Post e Base
Exchange respectivamente) por parte de músicos locais, trabalhadores e habitantes
como será demonstrado posteriormente (Img. 19). Por consequência, a influência desta
música do cinema de Hollywood e da propaganda dos Estados Unidos por via da rádio
manifesta-se de igual modo no repertório dos grupos musicais constituídos na ilha,
sendo o caso mais evidente na orquestra Olmmar’s Band.
alternativos. Assim, até o final da década de 1950 a situação do mercado seria bastante diversa e
heterogénea: “Increased competition enforced a differentiation of the available repertoire. Thus, there
were radio stations that specialized in rock music, Jazz, Soul, Country, “classic”, religious music, or
middle-of-the-road music. Specialized labels recorded this music, which was then distributed by regional
and local radio stations.” (Tschmuck, 2012: 229)
134
De facto, de acordo com Peter Tschmuck (2006: 98), o swing reemerge no
continente europeu como sucesso comercial, com um atraso de dez anos relativamente
aos Estados Unidos, na década de 1950. Mais uma vez a “Voice of America” prossegue
as suas actividades para depois do término da segunda guerra. Segundo o autor a
familiaridade do público de alguns dos países derrotados com os sons Tin Pan Alley e
do swing devia-se sobretudo à popularização dessa música através das estações militares
da rádio dos Aliados (Tschmuck, 2006: 121). Além disso e como já foi referido, assim
como acontece na Ilha Terceira vão se estabelecer diversas bases militares pela Europa.
A partir dai também houve uma aproximação desses países com o jazz proveniente dos
EUA194. O swing ainda se manteve activo ao longo da década de 1950 no continente
europeu. Em termos de objectivos e de propósitos políticos Peter Tschmuck acrescenta
que:
Será por essa razão que na generalidade dos jornais publicados na ilha se
observava uma forte componente ideológica demarcada, por um lado, de um ataque
constante á União Soviética e ao comunismo, e por outro o enaltecimento ao sistema
político e da sociedade norte-americana. Esses valores eram por vezes associados com o
jazz, tal como é reflectido em organizações como a USO. Por exemplo, num excerto
noticiário de um jornal local, Armstrong refere que Kruschev deveria “visitar um clube
de jazz nos Estados Unidos para se aperceber do sentimento, tipo, swing, da liberdade”,
discurso expressamente associado à disseminação e instrumentalização política do jazz
durante a administração Truman e de Eisenhower no pós-guerra pelo continente
europeu e asiático, nomeadamente onde as bases americanas se estabeleciam. O foco
dos EUA de conduzir as actividades de propaganda e política cultural culminou na
criação da USIA (United States Information Agency) em 1953. Como diz Davenport
194
Fenómeno militar que se tornou globalizado estendendo-se até ao continente asiático. Tal como foi
mencionado no enquadramento teórico serve de exemplo o estudo de Heeijin Kim (2016) sobre a
influência da música e da cultura popular de proveniência norte-americana nas bandas militares e na
sociedade em geral na Coreia do Sul.
135
esta organização do Departamento de Estado americano tinha controlo sob a escolha dos
músicos e de um conjunto amplo de mecanismos que tornava isso possível na
disseminação por outros países:
“The USIS195 promoted cultural contacts through various cultural media – the press,
brochures, posters, pamphlets, photos, films, and newsreels. Moreover, it assisted in
determining what types of artists would perform and which themes performers
would emphasize. It also organized receptions, jam sessions, and other social
events” (2009, 39).
195
A USIS seria o palco das operações através dos vários postos disseminados pelo mundo que colocava
em prática as políticas culturais dirigidas pelo departamento de Estado: “Overseas, existing United States
Information Service (USIS) posts became the field operations offices of the new agency. The exchange of
persons program conducted by IIA remained in the Department of State, but USIA administered the
program overseas. The Department of State provided foreign policy guidance.” (The U.S. National
Archives and Records Administration, 2017)
136
4.3.1 A manutenção das orquestras de swing na base das Lajes e
relação com a política dos EUA e o mercado fonográfico
A orquestra de Stan Kenton regressa uma vez mais à base das Lajes e desta vez é
destacado esse acontecimento no jornal Diário Insular ao referir que o concerto se
realizaria por duas vezes no ginásio do destacamento americano, e como a música de
Kenton teria “revolucionado” a música “moderna”. Será por consequência dessa
digressão europeia196 iniciada a 22 de Agosto de 1953, cuja estreia realizou-se em
Copenhaga, na Dinamarca, que o músico ganha reconhecimento internacional, num
momento particularmente difícil para as orquestras de swing (Sparke, 2010: 111). Este
viria acompanhado de Lee Konitz (saxofonista), Zoot Sims (Sax-tenor), Sal Salvadore
(guitarrista) e Conte Candoli (trompetista). Apesar de serem apenas esses os nomes
mencionados, sabe-se que durante a digressão pela Europa estiveram também Frank
Rosolino (trombonista) e Stan Levey (baterista), e ainda a popular cantora June Christy
(ibid.). Pelo menos daquilo que é de conhecimento oficial, a orquestra teria performado
dias antes em Paris apresentando vários temas, frequentemente tocados por músicos de
jazz, e composições e arranjos de William Russo 197 dos quais uns seriam totalmente
instrumentais como Love for Sale ou The Peanut Vendor (Simon, 1930), e outros
196
Stan Kenton realizou vários concertos exclusivamente nas bases americanas na Dinamarca, Suécia,
Alemanha, Holanda, Bélgica, Suíca, França, Inglaterra, e ainda na Irelanda e na Itália.
137
interpretados por June tais como How High The Moon (Hamilton & Lewis, 1940), I’ll
Remember April e Taking A Chance On Love198.
No ano seguinte do mesmo mês, a Ilha Terceira é de novo visitada por uma
orquestra composta de 100 “figuras” (cujo nome não é mencionado), num recinto da
base localizado na frente do Clube dos Oficiais Portugueses. Com uma orquestra que
detinha uma composição “moderna” de naipes seguiu-se um concerto divido numa
primeira parte por música “clássica” e “quase clássica” que incluiu O’l Man River de
Jerome Kern, e uma segunda parte com marchas de John Philip de Sousa e finalizou
“em jazz”. Desse acontecimento sabe-se também que aderiram algumas pessoas de
Angra ao terem-se descolado às Lajes para “assistirem ao memorável espectáculo,
naquele recinto ao ar livre e numa noite bem açoreana.”200
197
Popularmente conhecido por Bill Russo foi um compositor norte-americano, arranjador e compositor
de jazz, tendo sido fundador do Chicago Jazz Ensemble também fundador e director do Chicago Free
Theater, e director do High School Jazz Festival.
198
https://www.discogs.com/Stan-Kenton-Artistry-In-Paris-The-Legendary-Concert-At-The-Alhambra-
Theatre-18-September-1953/release/6916186
199
Ibid.
138
4.3.2 Guerra da Coreia e política dos EUA no pós-II Grande Guerra
Em 1950, foi mais uma vez noticiado na imprensa a presença de Bob Hope na
Ilha Terceira acompanhado novamente de uma série de celebridades e ““pin-up” girls”.
Nesse grupo presenciavam-se a argumentista Hedda Hopper e o actor Jerry Colona, e a
orquestra de Les Brown ou intitulada por “Renown” constituída por 20 figuras, no final
da década de 1950203. O espectáculo realizou-se no hangar de Busca e Salvamento.
201
Tratava-se de Marilyn Maxivell (actriz que participou e entreteve as tropas durante a Segunda Guerra e
no pós-guerra durante Guerra da Coreia em tournées com Bob Hope organizadas pela USO), Tex Mac
Crary (jornalista e apresentador cuja importância ficou marcada pela popularização do género televisivo
talk show com o programa “Tex and Jinx”), Jin Falkenberg (muito possivelmente tratar-se-á de Jinx
Falkenburg. Foi uma das apresentadoras ao lado de Tex Mac Crary em “Tex and Jinx”), Tomy Romano
(tratar-se-á de Tony Romano, guitarrista e cantor de jazz que ficou conhecido ao participar como músico
acompanhador de Bob Hope e Frances Langford em variadas tournées organizadas pela USO na segunda
guerra, Guerra da Coreia e na guerra do Vietnã), Dolores Hope (casada com Bob Hope foi também
cantora e filantropa), Billy Farrel (Bill Farrell foi um cantor que performou ao lado de Bob Hope a partir
de 1948 e um frequente convidado depois de 1957 no programa de Frank Sinatra), Irene Ryan (fez parte
do The Bob Hope Show na década de 1950), Hy Averback (actor que mais tarde se tornou produtor e
director integrou durante algum tempo na Armed Forces Radio Service ao entreter tropas no Pacifico com
um peça de comédia), Jean Wagner, James Saphier (agente de negócios de Bob Hope), Don’O Brien, Jay
Scott, Mort Lachman (escritor e produtor que trabalhou para Bob Hope durante vinte anos), Larry
Gelbhardt (também um dos membros da equipa de Hope que acompanhou durante os vários espetáculos
de natal que ocorrerem depois de 1948), Al Jeremy, Simon Rose, Charles Cobley.
202
Diário Insular, nº 845, 31 de Dezembro de 1948, pp. 1 e 4
139
Teriam sido tocados temas do álbum Dance to South Pacific (1958) baseado no musical
South Pacific, composição de Richard Rodgers e Oscar Hammerstein II.
140
a Portugal para pressionar e convencer o governo norte-americano a alterar a sua
posição quanto às guerras de libertação em África (Telo, 1999: 74).
141
4.4 As principais discussões teóricas sobre o jazz e a sua
recepção na imprensa
204
Diário Insular, nº 2578, 3 de Novembro de 1954, pp. 6
205
Diário Insular, nº 1467, 10 de Fevereiro de 1951
142
O texto “Impressionismo, Atonalismo e Jazz-sinfónico” publicado no ano de
1958 escrito pelo padre Jaime Luís da Silveira, natural da Fajã Grande da ilha das
Flores, é ilustrativo do tipo de intelectualização que o jazz esteve sujeito por parte de
alguns académicos formados em instituições religiosas na ilha. Tendo terminado o seu
curso de Teologia no Seminário de Angra enveredou pela actividade sacerdotal e era
também professor de música de estudantes que frequentavam os primeiros anos de curso
no seminário. Algumas passagens deste texto indicam como o jazz podia ser integrado
numa perspectiva evolucionista da história da música ocidental. Esse momento que dá
início à época moderna é demarcado pela ópera Tristão e Isolda de Wagner. Assim
encerrava um “importante ciclo da história da harmonia diatonal e diatónica” (Silveira,
1958: 2) e abria um novo período caracterizado pela desagregação da harmonia
tradicional, ainda com a conservação do elemento rítmico “submisso à métrica-
clássica”:
Para o autor a história deste “género” musical inicia com a migração dos
escravos negros do continente africano para os Estados Unidos e surge em primeiro
lugar sob a forma de ragtime:
“(…) contém o jazz entre outros elementos de origem não especificamente negra, o
elemento harmónico, enriquecido na segunda década do nosso século pela Melodia
Mágica de Jerónimo Kern, com um colorido tal que foi classificado de blue (azul),
dando origem ao “acorde blue” ou “acorde melancólico”, cuja missão não era outra
senão adoçar o de tónica do modo maior e a nota correspondente ao 7º grau da
fundamental” (ibid: 13)
144
“O baixo marca um metro regular, dos mais simples da métrica grega, enquanto que
o movimento das vozes se ordena segundo ritmos particulares, ás vezes dos mais
complicados, oferecendo certas analogias com alguns cantos religiosos espirituais
do jazz negro-americano, nos quais contrasta a insistência regular do ruido com os
ritmos independentes das vozes melódicas (…) o jazz oferece ainda certas analogias
com a métrico-rítmica do mestre de Eisenach.” (ibid: 15)
Mais uma vez é reforçada a ideia de que a contribuição do jazz passa sobretudo
por um processo de estilização rítmica da música europeia com ênfase na pulsação
sincopada. Por isso compreende-se que o jazz vai incitar a um predomínio dos
instrumentos de percussão em que o piano, por exemplo, é utilizado como “fundo
rítmico” marcando “ininterruptamente os acentos métricos com monotonia semelhante
ao antigo baixo contínuo” (ibid: 13). Quanto à influência do jazz e dos “negros” ao nível
melódico Jaime Silveira acrescenta o seguinte:
“Outro elemento menos característico é a melodia que fundindo as mais puras frases
clássicas ou modernas, mantém um ritmo horizontal de grande riqueza, produzindo
a sincopa no conflito com o ritmo horizontal do baixo, tornando-se propícia às
variações e virtuosismo de que os negros se tornaram universalmente célebres”
Perante esta perspectiva é igualmente feita uma crítica pelo historiador e músico
Henrique Vieira Borba207 relativamente às mesmas questões e incidindo em particular
sobre a comunicação do padre Jaime Silveira. Henrique Borba, considerado um
importante divulgador da música erudita na ilha Terceira e 1º violinista da orquestra
Henrique Vieira da Silva, tinha uma opinião um pouco divergente de Jaime Silveira.
Assim sendo estipulava uma diferença clara e hierarquizada entre o jazz, assim como a
música popular, da “música culta”, e mostrava-se menos adepto das adaptações das
“formas tradicionais do jazz” por Gerswhin ao referir que:
207
Não podendo aprofundar este tópico é certo que Henrique Borba juntamente com outros músicos de
origem de classes aristocratas ou/e abastadas da ilha estiveram envolvidos nos primeiros movimentos de
foclorização da cultura terceirense durante o governo salazarista. Nos anos 30 tanto a orquestra de João
Carlos da Costa Moniz (foclorista originário da ilha Terceira) que se focava especialmente nesse aspecto
e que contava com a participação de Manuel Reis e de músicos militares da Banda Regimental de Angra
tais como Quirino (B.P.A.R.A.H: Câmara Municipal, 1993) ou conhecidos improvisadores no
instrumento desses anos como José Inácio Bettencourt, como a orquestra de Henrique Vieira da Silva, na
qual pertenciam alguns da primeira (B.P.A.A.H., 1993) sendo esta essencialmente de baile. Apesar dos
poucos dados recolhidos em torno deste assunto compreende-se a razão pela qual quer do lado de
indivíduos do meio religioso quer alguns músicos como Henrique Vieira Borba não viam a modernização
e a música moderna como algo de positivo ou a ser bem aceite pela sociedade.
145
Por isso como cientista da harmonia chega a ser medíocre, mas excede-se como
mestre do ritmo e do sentimento melódico. Adaptou às formas tradicionais do jazz,
a música culta e inspirando-se nos temas do foclore americano compôs músicas que
correm o mundo e são ouvidas com agrado.
146
4.5 Mercado e distribuição local de fonogramas
No entanto, estes tanto podiam ter pertencido ao RCA, comprados para uso
pessoal ou ainda pertencer à colecção de discos para venda. Para adquiri-los era
necessário tornar-se subscritor da Silvertone Record Club 211, e tratar-se-ia de uma
edição limitada (Img. 20 e Img. 21). Em todo o caso, enquadravam-se no género de
música orquestral ou do jazz 212 que era transmitido no RCA. Produzidos e provenientes
dos EUA (nestes vem assinalado “registered with the United States patente office”) de
208
A União, nº 12.313, 12 de Fevereiro de 1950, pp. 4
209
Tal como se irá visualizar em diversas fotografias expostas no próximo capítulo a Rádio Som era
patrocinada nas festas do RCA.
211
“The Silvertone name was revived for 78s one last time, in 1950. The red vinylite pressings, using a
completely redesigned Silvertone Record Club label in 1950, were produced by Mercury Records.”
(Sutton, 2009)
212
Ou seja, música ligeira ou “jazz para concerto”, levando em linha de conta as categorizações
efectuadas pelos agentes do RCA, tratava-se de um estilo próximo de Paul Whiteman, e orquestras de
Ray Martin, Victor Silvester, etc. Como se verá no capítulo posterior, sobre o programa Vamos Dançar, a
escolha da música e dessas orquestras em particular tinha como base o programa de rádio Let’s Dance,
que os responsáveis pelo RCA tentavam imitar.
147
certa maneira indica que o RCA mantinha relações com a base das Lajes, especialmente
neste caso em que se trata de um dos fundadores dessa central radiofónica. No final da
década de 1940 é notória a colaboração entre as duas partes evidente no agradecimento
do presidente do RCA à base aérea pela aquisição de material e pela montagem de um
“sistema de long- playing de discos.”213 Ao lado disso, eram abundantes os anúncios e a
utilização de aparelhos radiofónicos, especialmente da marca Bush e Philips. A
preferência por esses de grande parte da população e a procura dos mesmos leva a que,
por exemplo, vitrolas sejam trocadas por rádios214.
Img. 20: Glenn Osser and His Orchestra – “Night and Day”
213
Diário Insular, nº 2180, 4 de Julho de 1953, pp. 4
148
4.6 Conclusão
149
5 “Orquestras e “conjuntos” de jazz na Ilha Terceira”:
reconfiguração do jazz do final da década de 1940 até 1960
150
evidente também nalgumas das composições originais do agrupamento, neste caso dos
Flama Combo.
151
5.1 Trajectória histórica dos Flama Combo
Documento com fontes primárias e outras informações de carácter biográfico em torno de Art Carneiro
215
Ibid.
216
152
Lajes, ao descrevê-lo como uma mais-valia para a vida musical na ilha, e que se juntava
assim, segundo a descrição da imprensa, com “as orquestras “Olmar Band” e “Manuel
Reis” que tanto tem contribuído para as horas de folga dos americanos, no nosso
aeroporto.”217 Art Carneiro ainda foi mencionado pelo actor Walter Pidgeon, durante a
sua passagem pelo aeroporto das Lajes juntamente com os músicos Herb Jeffries,
Bobby Tucker e Kenan Wynn. Mais uma vez a crítica ideológica pela imprensa
regional, em consonância com a posição política do governo norte-americano, é
expressa no modo que o discurso do actor canadense é apropriado, dado que ao elogiar
Art Carneiro referiu que “«agradeçamos» (…) aos comunistas porque doutro modo não
estaria aqui tão bom artista!.” A actuação destes artistas na base ficou marcada pelas
actuações de Bobby Tucker ao piano e de Kenan Wynn na voz dos temas “Flamingo”
(escrito por Ted Grouya e Edmun Anderson e publicada em 1940) e “I Can’t Get You
Anything But Love” (música composta por Jimmy McHugh e letra escrita por Dorothy
Fields, publicada e gravada em 1928).218
217
Diário Insular, nº 1418, 10 de Dezembro de 1950
218
Diário Insular, nº 2330, 5 de Janeiro de 1953
219
Entrevista a Dimas Matos no Porto Martins, Ilha Terceira, a 17 de Maio de 2015
220
Ibid.
221
Diário Insular, nº 1464, 7 de Fevereiro de 1951
153
Good Night (Martin, 1951)222. A primeira dessas composições, da autoria de Charles
Trenet, acabou por se estabelecer como um jazz standard e tornou-se um êxito na
Europa após a segunda guerra. A origem do segundo tema provém de uma trilha sonora
do filme de produção britânica The Third Man em que a história remetia alegoricamente
ao contexto da guerra fria. Mais uma vez o contacto com a base das Lajes implicava a
recepção de produtos de entretenimento anglo-saxónicos ideologicamente em sintonia
com a política cultural dos EUA. Também demonstra como o RCA foi útil como ponte
de ligação e de intermediação entre a música que ensaiavam e tocavam na base das
Lajes com o público que vivia fora dela.
Img. 22: Orquestra de Manuel Reis dirigida por oficiais norte-americanos no Palácio dos Capitães-
Generais na freguesia da Sé, em Angra do Heroísmo
222
Diário Insular, nº 1480, 27 de Fevereiro de 1951
154
A reacção de Dimas Matos demonstra um pouco a admiração que terá sido
partilhada por muitos músicos da ilha, quanto ao impacto que alguma da linguagem do
jazz, pelo menos as formas estilísticas de jazz mais centradas na improvisação e em
tempos mais acelerados e ritmos sincopados. Também mostra que alguma da música
tecnicamente mais exigente poderia não ser possível ser tocada por parte de muitos
músicos na Ilha Terceira, o que limitava e determinava a escolha, assim como o modo
de tocar o repertório. A dificuldade sentida pelos músicos que levou à desagregação da
primeira orquestra de Manuel Reis, segundo o pianista Mariano Lima (sobrinho de
Manuel Reis) encontrava-se relacionada com a cultura musical herdada das bandas
militares e filarmónicas, apesar da existência de elementos que tinham mais facilidade e
interesse pela música moderna e o jazz, como por exemplo Alberto Mateus e Luís
Soares – que também integraram instituições filarmónicas, em particular a instituição
filarmónica Recreio dos Artistas, de que vários músicos faziam parte 223. Pode-se decerto
afirmar a veracidade dos discursos reproduzidos sobre este problema enunciado por
familiares, músicos e agentes de produção cultural (por exemplo investigadores como
Moreira dos Santos ou interlocutores como Ribeiro Pinto224)
223
Como por exemplo Eusébio Ramos, trompetista da orquestra Art Carneiro, ou Diamantino Borges que
começou a tocar cornetim aos oito anos na Recreio sendo posteriormente 1º Sargento e integrante da
Banda Militar de Angra, e ainda, mais tarde baterista também da orquestra de Art Carneiro. Associado a
esta, nas memórias do militar e historiador Pedro Merlim (1967: 102) na segunda metade dos anos 1940,
a instituição “além da Filarmónica”, dispunha da “Sociedade do grupo de jazz REARTE”.
224
Locutor do programa de rádio “Sabores do Jazz” e um dos fundadores do Angra Jazz e impulsionador
da orquestra “AngraJazz”.
155
Img. 23: Quarteto de Art Carneiro com Art Carneiro, Alberto Mateus, Alberto Coelho e Luís Soares
em final de 1940
Ibid.
225
156
Img. 24: Foto e legenda retirada do livro Rádio Clube de Angra (1972) de Pedro Merelim
De facto, alguns dos músicos da Olmmar’s Band mais importantes dessa última
orquestra viriam a colaborar com a orquestra Art Carneiro tais como, novamente, Luís
Soares, em que o contrabaixo era um dos instrumentos também executava, enquanto
Oldemiro Pimentel, um dos fundadores da mesma, ocupava-se da guitarra, e Alberto
Moniz no piano, apesar da possível troca de membros como era frequente (por exemplo,
Art Carneiro tocou regularmente com o pianista Ângelo até à década de 1960 – Img.
24). De qualquer das formas fica mais ou menos definido o agrupamento de Art
Carneiro que continuava a ser intitulado muitas vezes por orquestra de Manuel Reis226 e
que começou a ser bastante divulgado na Terceira na década de 1950. Os músicos eram
Alberto Reis (contrabaixo), Dimas Matos (sax-tenor), Durval Pereira (sax-tenor),
226
Este nome manteve-se dada a permanência e a importância do fundador da orquestra.
157
Eusébio Ramos (trompete), Manuel Reis (violino), Diamantino Borges (bateria),
Manuel Basílio (sax-alto), Ângelo (pianista), Manuel Arrayal (violino), José da Rocha
(trompete), António Botelho (barítono?). Era normal que alguns destes tenham sido
contratados para exercer outras funções na base das Lajes que não estivessem
relacionadas com a música, pois dedicavam-se profissionalmente a outras áreas, ou na
procura de estabilidade económica tinham de encontrar outros empregos. Além de
Durval Pereira que exerceu funções de telegrafia na marinha e entre outros com laços
profissionais ao universo militar, serve como exemplo distinto o violinista Manuel
Arraial que chegou à ilha Terceira em 1947, regressado dos EUA. Ao contrário do
movimento predominante do fluxo de migrações entre os Açores e o continente
americano, Arraial, natural de São Miguel e trabalhador de uma fábrica de algodões nos
EUA, parte para a Terceira depois de ser contratado pela força aérea americana para
trabalhar na secção de manutenção dos aviões na base das Lajes227.
227
A União, 9 de Junho de 2008
158
5.2 O agrupamento Olmmar’s Band na década de 1950
A orquestra Olmmar’s Band (ou Olmar Band, como era referido por vezes nos
jornais), ou muitas vezes conhecida por Oldmar Band, devido à semelhança das três
letras iniciais com as do nome do seu fundador Oldemiro Pimentel, actuava fora da base
americana. A primeira actuação “completa” da orquestra deu-se numa festa “artística”
em Dezembro de 1946 no Salão da Caridade em Angra onde os preços de entrada eram
estipulados em 15$ para os “cavalheiros” e 7$50 para os estudantes228. Como lembra
Marcelo de Lima229, os músicos tinham por hábito intitular a Olmmar’s Band de
orquestra “grande” que servia para distinguir dos restantes grupos pequenos aos quais
pertenciam. Isto também mostra a existência de uma rede considerável de músicos que
tocavam uns com os outros em diversos contextos performativos e formações musicais.
Marcelo de Lima, que tinha apenas 16 anos quando Art Carneiro estava em actividade,
lembra que nos anos da sua colaboração com a Olmmar’s Band, esta formação, ao
contrário das restantes, actuava frequentemente fora da base no Clube Musical
Angrense e em sociedades filarmónicas. Entre os vários exemplos possíveis fica o
depoimento de Carlos A. Reis para o jornal Tribuna Portuguesa ao referir que “os
conjuntos a que me refiro eram Art Carneiro e Flama Combo, que actuavam única e
exclusivamente para os Clubes Americanos.”230
228
Diário Insular, nº 250, 19 de Dezembro de 1946
Entrevista a Mariano Bettencourt de Lima via telefone a 6 de Novembro de 2016. Reside actualmente
229
nos EUA.
159
Img. 25: “A Revoltosa” com Mário Coelho (último a contar da esquerda para a direita da última fila)
Lúcia Coelho, filha de Mário Coelho, lembrou o seu gosto vasto que ia desde orquestras de swing a
231
160
violino), Dimas Matos, Durval Pereira, Eusébio Ramos, Manuel Coelho, Manuel
Arraial, Álvaro Carreiro (dos AeroJazz), Oldemiro Pimentel e Mário Coelho no
contrabaixo232. A filarmónica também actuou nas Lajes, no teatro Azória regida por
Raúl Coelho233. O passado de Mário começara ao lado do seu pai e irmãos e já detinha
nesta época alguma prática em orquestras de dança que eram formadas à parte das
formações filarmónicas, como foi o caso da orquestra Revoltosa da FUP, nos anos de
1930 (img. 3).
232
Diário Insular, nº 2632, 8 de Janeiro de 1955
Ibid.
233
161
5.2.1 Análise do repertório, elementos e características musicais
e popularidade da Olmmar’s Band
234
Não está identificado o músico que se encontra a vasculhar nas partituras.
235
Composição original de Raúl Coelho relativo a uma história sobre um toureiro espanhol que visitara a
Ilha Terceira para uma tourada na praça em Angra. Na voz ouve-se Luís Soares.
236
É possível que seja um arranjo de Luís Soares da canção popular portuguesa “Tiro-liro-liro”, ou pelo
menos como fonte de inspiração, proporcionado para dança e próximo dos sons modernos (sonoridade
que remete para estilos musicais “latinos” e “cubanos”) de que a orquestra era reconhecida, pertencendo
outros estilos musicais além do jazz.
237
Para uma audição da interpretação destes e de outros temas, consultar links para o Youtube indicados
em Anexo A.
238
Consultável em https://youtu.be/ks7pWJp-OLQ
162
orquestrada teria semelhanças com o arranjo da Percy Faith and his Orchestra 239 lançado
em 1957 que alcançou 64º lugar no Billboard Chart. No entanto, apesar da Olmar Band
manter o mesmo tempo lento esta toca o tema completo exclusivamente em
instrumental e adiciona um walking bass depois do regresso à melodia que abre a faixa
e transita de uma marcação de semínima para mínima 240 – opção que se encontrava mais
próximo da sonoridade de big-band e do jazz.
239
A audição desta faixa pode ser consultada em https://www.youtube.com/watch?v=bFprvXW5Tw4
240
Depois do 1:00 min. no disco 1 em anexo.
241
Consultável em https://youtu.be/0u6SXY7FAGg
242
Tal como é explicado no capítulo 3 relativamente às condições económicas e sociais em que se
gravaram e distribuíram os V-Disk pelas bases norte-americanas, uma das razões principais para essa
mudança teria sido a greve de 1942 e 1944 instigada pela American Federation of Musicians.
243
Diário Insular, nº 3965, 24 de Junho de 1959
163
no filme “Around the World in 80 Days” (1956), ou ainda “You’re Cheating Yourself”,
de Al Hoffman e Dick Manning, também gravado por Sinatra e lançado em 1958 no
disco This Is Sinatra Volume 2.
164
5.2.2 Relação entre o repertório da Olmmar’s Band e o cinema
Por último interessa fazer um breve comentário sobre o tema “Pennsylvania Six-
Five Thousand”244, referência da cultura popular dos anos 1940 cuja letra foi escrita,
mais uma vez, por Carl Sigman e a música composta por Jerry Gray 245. O arranjo da
Olmmar’s Band (parte da tentativa em termos de estrutura e harmonia trata-se de uma
progressão muito próxima e representativa do blues nalguns segmentos com cadências
de I7-V7-IV7) de reprodução exacta da gravação de Glenn Miller executada justamente
em 1940 e lançada pela RCA Bluebird no mesmo ano246. Mesmo que se note um tempo
mais lento pelo agrupamento de Oldemiro Pimentel a principal diferença que sobressai
entre os arranjos situa-se, em primeiro lugar, no momento anterior à modulação de uma
quinta abaixo (Láb para Réb) a substituição do conhecido solo de trompete de John Best
pela repetição da melodia do tema. A partir daqui sucede-se novamente um solo no sax-
tenor, possivelmente por Paulo Cunha, na nova tonalidade, também distinto do
improviso mais livre247 presente no disco de Miller, e ao qual opta meramente por algum
ornamento em torno da melodia, colocando mais enfâse nas sétimas menores e terceiras
da tónica. Evidentemente essas escolhas podiam ser condicionadas pela própria
dificuldade de os músicos improvisarem. Ao invés disto, curioso verificar que o
acompanhamento de Alberto Coelho ao piano é bastante mais espontâneo e bem menos
“focado” em preservar a estabilidade do ritmo (alusão ao “comping”). Ou seja,
divergente da marcação cerrada de Chummy MacGregor248 ou do que era característico
de muitos pianistas da era do swing até a década de 1940 que concebiam o piano
principalmente como um instrumento percussivo em sincronia com o baixo e a bateria,
explicitamente influenciado pelo estilo stride e quase sempre com a batida (“beat”) no
segundo e quarto tempo do compasso. No entanto, Alberto não deixava de recorrer
algumas vezes a essa forma de marcação regular. A sua característica pianística de
244
Consultável em https://youtu.be/ziyKnEpxH3s
245
Além de ter colaborado com Glenn Miller, Jerry Gray era compositor, violinista, arranjador, e um dos
líderes das diversas orquestras de dança e swing nos anos de 1930 e 1940
246
Consultável em https://www.youtube.com/watch?v=fbeQnYbZisI
247
Supostamente também um arranjo escrito com partes a mimetizarem momentos de solo improvisado.
165
acompanhador - expressa em momentos que mostram uma certa independência
relativamente à percussão – demonstra também que seria um dos poucos pianistas
existentes na Terceira que não achasse estritamente necessário recorrer à partitura.
249
Diário Insular, nº 3205, 4 de Dezembro de 1956
250
Para uma audição da interpretação deste e de outros temas, consultar links para o Youtube indicados
no Anexo A.
251
Diário Insular, nº 1886, 9 de Julho de 1952, pp. 4
252
Diário Insular, nº3267, 20 de Novembro de 1957
166
Ella Fitzgerald. Por sua vez no cine-teatro Recreio dos Artistas projectaram-se Alta
Sociedade (High Society)254, de 1956 com música de Cole Porter protagonizando Frank
Sinatra, Música Maestro (Make Mine Music) de 1946 foi projectado no início de década
de 1950, cuja orquestra de Benny Goodman está envolvida. Outros também passaram
na mesma sala de cinema como Rapsódia Azul (Rhpasody In Blue de 1945 e realizado
por Irving Rapper)255 sobre George Gershwin e “Até as Nuvens Passarem” (Till the
Clouds Roll By, realizado por Richard Whorf) com a participação de Sinatra e de Dinah
Shore256.
254
Diário Insular, nº 3524, 1 de Janeiro de 1958
255
Diário Insular, Outubro do 6 de 1950, pp. 4
Vocalista que alcançou grande sucesso a era do Swing entre as décadas de 1930 e 1940.
256
167
produtos da cultura popular e de entretenimento norte-americano politicamente
orientadas, em particular no cinema.
168
5.3 Sucesso das orquestras de jazz na ilha
169
“Gostaram, e ao regressarem à Cidade Universitária, os estudantes levaram, no
ouvido, o ritmo da música. Não o esqueceram, e passado um ano, escrevem para os
rapazes, ou, mais explicitamente, para aquele que consideram o “leader” – Oldemiro
Pimentel.”257
“vamos dançar” (um programa sobre dança a mimetizar o que ocorria nas Rádios
americanas261) no RCA apesar da dificuldade inicial da captação do som para a
transmissão em directo262.
257
Diário Insular, nº 1171, 8 de Fevereiro de 1950, pp. 1 e 4
258
Diário Insular, nº 988, 26 de Junho de 1949, pp. 4
259
Diario Insular, nº 994, 5 de Julho de 1949
O Emissor Regional dos Açores da Emissora Nacional foi inaugurado em 1941 na cidade de Ponta
260
170
Img. 27: Orquestra “Manuel Reis” dirigida por Art Carneiro com Alberto Mateus, Fernando Soares
(Luís Soares encontrava-se ausente por motivos de doença.) e Alberto Coelho
Img. 28: Orquestra de Art Carneiro no Clube dos Oficiais. Foto fornecida
“Há uns anos atras era arrojo pensar que Angra viria a ter uma “orquestra de jazz”,
melhor diremos de ritmos modernos, assinaladamente bem modelados. Pois bem, à
orquestra “Olmar Band” – realidade tao vibrante e digna que bem pode ser colocada
ao lado das melhores orquestras portuguesas de música de dança moderna – junta-se
outro agrupamento – a Orquestra “Manuel Reis” – mais recente e já a caminho dum
bom futuro, criando-se dentro de uma índole própria que significa personalidade. É
igualmente dotada de esforçados elementos…Pela coesão, disciplina, estudo e treino
em conjunto ambas actuam para exigentes “dançarinos” estrangeiros e também…
para os angrenses!”263
Ainda sobre estas é publicado outro artigo no final da década de 1940 que
especifica a emergência dos “3 ou 4 conjuntos musicais” aludindo ao agrupamento
liderado pelo “músico experimentado” Alberto Cunha que se encontrava ainda “em
ensaios no RCA”, a orquestra de variedades do RCA, a Olmmar Band e a de “Manuel
Reis”:
“Não nos consta que, ao mesmo tempo tenham jamais coexistido e vivido
plenamente, em Angra tantas orquestras e tão boas, esclareçamos, ainda que todas
elas dedicadas à música de estilo ligeiro. Não há quem desconheça e aos seus
componentes. Três delas actuam, entre nós, periodicamente no microfone do Rádio
Clube e a outra encontra-se ainda em ensaios para que a sua futura apresentação seja
condigna das restantes – A “Olmmar Band” – a mais antiga – caracterizou-se pelos
ritmos de danças modernistas, em que é inconfundível a vastíssima programação de
que dispõe e de excelente execução e sempre actual. Tem recebido encomiástico
aplauso de nacionais e estrangeiros e trabalha há anos para “N.C.O. 406 Clube” (…)
A orquestra “Manuel Reis” de que é titular um dos melhores violinistas açorianos
tem no artista Art Carneiro um director de rara competência. A sua música
distingue-se e atingiu um nível altamente apreciado. Um gosto muito especial por
ritmos não excessivamente modernos empresta-lhe personalidade bem determinada
(…)”264
263
Diário Insular, nº 1484, 4 de Março de 1951
264
Diário Insular, nº 1804, 30 de Março de 1947
172
Img. 29: Orquestra de “Manuel Reis” já dirigida por Luís Soares ilustrando a descrição da constituição
da orquestra de Mariano Lima (pn.). Foto fornecida por João Soares
265
Isto é, os militares que eram incumbidos dos encargos das tarefas no clube tinham de encomendar ou
vasculhar no conjunto de partituras disponíveis.
173
ao swing com canções que alcançaram sucesso nas décadas anteriores, e a habilidade
“única” de Luís Soares na guitarra, mas também como músico e multi-instrumentista:
“Nós executávamos Glenn Miller como por exemplo o “In The Mood”, também
Count Basie e Tommy Dorsey e eram tudo arranjos da América… Na minha altura
tínhamos quatro saxes, três trompetes, o Luís Soares na guitarra, mas que era
violinista…uma maravilha...contrabaixo e piano…” (Img. 29)
“The officer’s club has scheduled its dinner room from 3 to 8 p.m. in the Lisbon
Room, with music by Art Carneiro and his violins. Price is 2.50$ per couple and 75
cents form children from 3 to 12”.
266
Por exemplo o Lawn Tennis Club onde a orquestra dirigida por Art Carneiro actuou (Img. 30).
174
Img. 30: Art Carneiro e a sua orquestra no Lawn Tennis Club. Foto fornecida por João Soares
Img. 31: João Moniz ao piano com Oldmar Band (curiosamente com Luís Soares no contrabaixo). Foto
fornecida por Carlos Alberto Moniz
175
Além de agrupamentos, outros músicos como o pianista Alberto Moniz, filho de
João Moniz268 (Img. 31), tocavam também a solo ao executarem canções solicitadas
pelos soldados que “desfrutavam do tempo livre”269. Com outro objectivo mas também
no contexto da base, que seria acompanhar músicos estrangeiros 270, Luís Soares poderia
tocar nesse formato “quase solista” (Img. 32).
Img. 32: Luís Soares com mrs. “Rollings”. Foto fornecida por João Soares
268
Era filho de João Moniz, músico, etnógrafo e historiador que em parceria com Gervásio Lima
recolheram registos orais e tentarem reconstituir um cancioneiro açoriano.
269
Entrevista a Carlos Alberto Moniz a 5 de Outubro de 2015 em Lisboa
Que será explicado de seguida em relação à necessidade da formação de um grupo como os Flama
270
176
5.4 Flama Combo
Provavelmente Fernando Alberto Mateus (filho) referia-se aos “tape deck de rolo” de fita magnética
271
Img. 33: Luís Soares, Alberto Coelho (pno) e Alberto Mateus (bx) em 1953. Foto fornecida por João
Soares
Img. 34: Luís Soares com Carlos Saloio. Foto fornecida por João Soares
179
mais marcantes sucedera no teatro Angrense na década de 1950, em que os Flama
Combo e Art Carneiro realizaram um concerto com Maximiliano de Sousa (Img. 35).
Max, reconhecido por cantar fado, música popular, e também por ter concretizado
números humoristas e de teatro de revista, estava habilitado a improvisar (scat) e a
imitar instrumentos com a voz. Originário da Funchal, actuou no Flamingo como
membro do quinteto de Tony Amaral, ao lado do guitarrista Carlos Menezes, hotel onde
o dono, Fred Jones, incentivava à prática da improvisação e fornecia, assim como
possibilitava, a audição de discos dos “grandes nomes do jazz americano” (Sardinha &
Camacho, 2006).
Img. 35: Alberto Mateus (bt), Mário Coelho (ctbx), Art Carneiro (pn.) Alberto Coelho (acrd.), Luís
Soares (gt.), Max (voz) no Teatro Angrense. Foto fornecida por João Soares
180
Por sua vez, Luís Soares tocara e criara igualmente relações com músicos da
Madeira, tal como aconteceu com o pianista Tony Amaral, ao viajar por diversas vezes
até arquipélago madeirense juntamente com o seu violino273. Será igualmente
importante mencionar a colaboração dos Flama Combo com o maestro Jorge Costa
Pinto para uma actuação no RCA (Merelim, 1972). De vários projectos assinaláveis,
Costa Pinto teria sido um dos membros da orquestra de Ray Martino e participara na
célebre jam-session no “Café Chave d’Ouro” (Santos, 2007: 30)
Img. 36: Flama Combo possivelmente com um trompetista militar norte-americano nos anos 1960. Foto
fornecida por Lúcia Coelho
273
Entrevista a João Soares 2 de Julho de 2016 no Porto Martins
181
5.4.1 Repertório dos Flama Combo
274
É igualmente curioso que ao se comparar as gravações de Oldmar Band e as do Flama Combo (que são
mais tardias), as segundas não se encontrem na afinação standard, o que indica que a frequência pode ter
sido modificada no processo de digitalização.
182
características musicais desde o acorde aumentado na abertura, ao invés do dominante,
assim como o uso frequente de cromatismos se encontram associados ao significado do
texto, ou em concreto, do título.
“The dance beats of the Caribbean, which are closely related to the actual West
African sources, have always exerted a powerful influence on jazz history,
beginning with New Orleans (…) Cuban music maintained a large following in the
United States in the big-band era and after, spurring a fashionable a series of dances:
the rumba in the 1930s, the mambo in the 1940’s, and the cha-cha-cha in the
1950’s”
277
Consultável em https://youtu.be/8vZtehFo02c
278
Para uma audição da interpretação destes e de outros temas, consultar links para o Youtube indicados
no Anexo A.
184
A harmonia da introdução percorre IΔ – II-7 – III-7 – II-7 – V7 a um ritmo e
andamento que se assemelha a um bolero. Também como no último tema os solos e
improvisações são meramente ornamentais e apoiados na melodia principal (com enfase
na 7ªM e 6ªM do acorde do I). A estrutura pode ser divida de acordo com os dois
primeiros versos e os dois últimos da quadra. A primeira secção ou o primeiro e
segundo verso tem a forma de I – bIIº (um substituto do dominante do II) - II
(permanecendo vários compassos neste grau) – V – I, enquanto a segunda secção
estrutura-se como I7 – IV – IVm – I – bIIIº (diferente do substituto do dominante na
primeira secção que segue para o II) – II – V7- I. De igual modo é importante assinalar
a importância das vozes na criação das tensões dos acordes e a atmosfera própria que
estas fabricam (poder-se-á dizer com um carácter “jazzístico”) a par das extensões que
Luís Soares e Alberto Coelho adicionam durante os curtos momentos de improvisação.
Consultável em https://youtu.be/1nduN9zTd-o
279
185
Img. 38: Melodia e forma de “Outono nos Açores”
280
Para uma audição da interpretação destes e de outros temas, consultar links para o Youtube indicados
no Anexo A.
186
nota da melodia, isto é, a 3ª menor de Fá (no cp. 1 serve unicamente de blue note281 para
cair na 3ª Maior do acorde e arpejar a partir daí até â 9ª). Mais uma vez em comparação
com o caso anterior o diminuto aparece com uma função semelhante ao bIIIº, Isto é, em
“Manuela” mostram-se respectivamente o primeiro como dominante ao deslocar-se de
modo cromático ascendente partindo do bIIº, e o segundo com outra função (bIIIº), essa
de carácter descendente e já sem esse efeito apesar da distância de ½ tom para o II.
Neste tema permanece como I282. Logo de seguida isso é confirmado, de forma bastante
clara, ao ser introduzido na melodia no cp. 5 com um arpejo que perfaz um Iº7. No B a
ideia melódica mais importante prende-se a uma antecipação do acorde seguinte, algo
que se repete por duas vezes (cp. 17 e 21).
281
A noção de “blue note” serve para assinalar o uso da terceira menor e a sequente aproximação à nota
alvo do acorde, portanto, à sua terceira maior. O emprego dessa noção apenas indica de que se trata de um
artifício musical ou “dissonância”, isto é, se a organização harmónica for compreendida segundo a escala
diatónica. No entanto, neste contexto sonoro, tal como se sucede em diversos géneros musicais populares
e principalmente no jazz, o idioma e os recursos musicais utilizados herdados do blues não correspondem
linearmente aos preceitos da análise funcional harmónica, ou como esclarece Hans Weisethaunet (2001)
“(…) my argument is that what is at stake in blues is not simply a major/minor Western concept of
diatonic practice with the addition of “blue notes”, but rather a completely different concept or reworking
of functional harmony as regards the comprehension of dissonance/consonance. The simplified
conceptualization of what “blue notes” are about partly stems from the intense musicological insistence
on separation of elements of musical “structure” derived from Western music theory”. O autor sugere a
ideia de “blue harmony” para abranger a combinação ampla de escalas e ideias harmónicas e melódicas
de um vocabulário reminiscente do blues em virtude da constante interação entre terceiras menores e
maiores, ou entre quintas bemóis e quartas e quintas perfeitas etc., Por outras palavras, “blues phrases
rarely seem to bem made out of “one scale”, rather they will be based on interplay, bends, slurs, trasting
chords, a practice which has not yet been adequately described from the point of view of music theory”
(ibid.).
282
A título de exemplo, surge esse tipo de textura no arranjo de “I Remember You” para o filme The
Fleet’s In (1942), cantado por Dorothy Lamour, na qual a função harmónica é de I meio diminuto com a
sétima maior se se tiver e. Em Fake Books ou no Real Book encontra-se a substituição desse grau por uma
progressão VII- #IV (seria II-V para um eventual III), porventura, por exigência e influência do nível de
“complexidade” no universo do bebop e eventualmente perpetuado pela academia. Em “Stella By
Starlight”, canção originalmente escrita para o filme The Uninvited (1944), logo no primeiro compasso,
ocorre um processo de reharmonização semelhante (apesar da nota da melodia resolver para a quarta do II
grau, ao contrário do que acontece em “I Remember You” cuja sétima maior do acorde e da melodia
repete novamente no I).
187
Quanto aos instantes de improvisação será útil destacar os de Alberto Coelho e
de Luís Soares. O primeiro recorre por diversas vezes a um idioma musical próximo do
blues através do emprego frequente de escalas pentatónicas e de block chords (acordes
em bloco) em “posição fechada”283. Esse último recurso implicava duplicar a melodia e
adveio da escrita de arranjos para big-bands e orquestras: “Big Bands depend on block
chords; when the entire trumpet section plays, one trumpet will state the main melody,
while the others play the same rhythm with harmonically complementary notes
(DeVeaux & Giddins, 2009: 27)284. Assim sendo, as características musicais expressas
por Alberto Coelho coincidiam com a linguagem de um domínio musical mais lacto 285
no qual pertenceria o rhythm & blues, e que se reflectia também na escolha de alguns
dos temas tocados pelos Flama Combo tais como “Stupid Cupid” 286 (Greenfield &
Sedaka, 1958) e “St. Louis Blues”287 (Handy, 1914), demonstrando que se encontravam
alinhados com a música no domínio da música popular e para dançar.
283
Devido à qualidade de som das gravações torna-se difícil a transcrição destes, no entanto, a sua
sonoridade torna-se evidente. Neste formato a técnica era frequentemente usada por Gerswhin, Oscar
Peterson, Bill Evans etc. e extendida para Drop 2 e variantes do mesmo.
284
Os block chords são reminiscentes de Milt Buckner mas foram popularizados por George Gerswhin
que levou com que este tipo de sonoridade ficasse reconhecida por “Shearing Sound”. Esse sucesso
despoletou depois deste quinteto ter gravado o tema “September in Rain” em 1949, lançado nesse mesmo
ano, em que se destacava também pelo reforço da melodia do vibrafone e guitarra em simultâneo com os
block chords no piano (Gioia, 253: 1998).
285
As várias companhas fonográficas nos EUA no início da segunda metade da década de 1940 não viam
o jazz como um género separado mas “as one manifestation of the broader phenomenon of “race music” –
touching at various points on the decades-old category blues, the current swing mainstream, and the
nascente rhythm-and-blues revolution” (DeVeaux, 1997: 412).
286
Consultável em https://youtu.be/Z6cI8v4tjgQ
287
Consultável em https://youtu.be/m9eY3uu046A
188
Img. 39: Solo de Luís Soares em “Outono dos Açores”
Consultável em https://youtu.be/YafY9wx01RY
289
189
Esta expressão indicava uma prática reproduzida pelos músicos de jazz que envolvia a
invenção de uma nova melodia sobre a mesma progressão harmónica que “I Got
Rhythm” mas com a exepção de que retiravam os dois compassos adicionais desta em
prol de manter a usual forma AABA com 32 compassos. A ponte como acontece neste
caso viaja por um ciclo de dominantes de dominantes (“dominantes por extensão”) ao
terminar no dominante da tónica do tema. Este tipo de escrita foi frequente
experimentada durante a era do Swing nos anos 40, e também adaptada pelos músicos
bebop durante os anos 50. Além da harmonia que é muito semelhante ao tema de
Gershwin também a estrutura melódica acaba por ser próxima apesar de um maior
número de notas. Em “Um Número de Jazz” os intervalos que terminam cada secção
melódica, como se observa nos dois primeiros compassos, consistem respectivamente
na 5ª do II (cp. 2) e a fundamental de V7 se for entendida como nota de antecipação do
mesmo (cp. 4) assim como se sucede em “I Got Rhythm”. A melodia tem de igual modo
o mesmo desenvolvimento ao subir descer e estabilizar na tónica e fundamental, apesar
de neste tema o Mi (cp. 8) deixar em aberto para a repetição do tema e a sua conclusão
no cp. 16. Na análise da transcrição apresentada os intervalos marcam de forma mais
expressa a função harmónica fundamental que está a ocorrer. Ou seja, através das notas
da melodia é possível simplificar a progressão como um I – IV – I – V / I7 – IV – I – V.
Essa observação é facilitada pelo contornar de alguns acordes como por exemplo a
tríade de Ré e Lá ( p.e. cp. 1 e 2/3).
190
De acordo com a informação recolhida, a gravação terá sido realizada pelo
menos entre os anos de 1960 e 1965, no RCA. No entanto a audição da trompete e do
sax-tenor não indica precisamente de que se tratasse de Manuel da Silva Fernandes e
Alberto Cunha cujas participações iniciaram em 1965. Uma vez que tanto a guitarra e o
vibrafone se encontram ausentes, pois, porventura, seria Luís Soares na trompete e
Fernando Soares no contrabaixo. Apesar de alguma especialização em determinado
instrumento eram todos multi-instrumentistas à excepção de Alberto Coelho, pois este
dedicava-se principalmente ao piano (Img. 41).
Img. 41: Flama Combo com Alberto Coelho (pn.), Mário Coelho (saxt), Alberto Mateus (bt.)
e Luís Soares (trp.), Fernando Soares (ctbx.). Foto fornecida por João Soares
191
A par do ecletismo musical que se pode observar dos músicos, isto é, tanto pelos
diversos géneros e estilos musicais que tocavam e ouviam, como também pela
capacidade de tocarem vários instrumentos, incluíam, do mesmo modo, música
considerada música “tradicional” ou regional, à semelhança de outras orquestras 290.
Assim se compreende a incorporação de canções como a “Marcha de João Moniz” e “Ó
Meu Bem”291. De qualquer modo, sucede-se neste último tema gravado, ao minuto
4:04s, uma modulação de uma 3ªm abaixo inaugurando um pequeno segmento de swing
ou jazz com a melodia principal da música, seguindo-se de uma secção final num estilo
semelhante a um paso-doble com todo o agrupamento a cantar “Ó Meu Bem” para
finalizar. Isso demonstrava o lado propositadamente estilístico do grupo, podendo ser
considerado como uma “imagem de marca” que enfatizava expressamente a sua
identidade musical. Em adição, esse segmento mostra na prática quais eram os traços
centrais que caracterizavam determinada música como jazz.
290
Por exemplo, no Diário Insular ficou noticiada a actuação de “São Macaio” pela Oldmar Band, uma
das canções pertencentes ao folclore açoriano.
291
Consultável em https://youtu.be/Tj45owrf04w
192
6 Conclusão
194
nove bases principais, em que constava como prioridade o arquipélago dos Açores. Nos
anos seguintes o governo português assume o erro da sua posição inicial – isto é, a
dificuldade em aproximar-se politicamente dos EUA, e conceder totalmente facilidades
militares em território português, tendo sempre como mediador Inglaterra - e utilizará o
arquipélago dos Açores para garantir a defesa, não só de Portugal e das ilhas, mas de
todo o império colonial. A mudança de política externa portuguesa alinhava, desse
modo, com as alterações económicas e políticas entre a América e a Europa, sobretudo
provocadas pelos resultados da Segunda Guerra, e, agora, com a execução do plano
Marshall. As condicionantes externas e o novo cenário global obrigavam a que Portugal
participasse nas discussões internacionais com os vitoriosos da guerra, neste caso com
os Aliados. Efectivamente, a aceitação de governo de Portugal no “quadro
internacional”, desde a participação no Tratado do Atlântico Norte e a entrada na
Organização Europeia Económica, justificava-se fundamentalmente no papel que o
arquipélago dos Açores poderia desempenhar na defesa do “bloco ocidental” (Pereira,
2006: 245). Em 1950, a integração de Portugal no plano Marshall consuma esse facto.
Apesar da rejeição inicial de Salazar em participar neste programa de ajuda financeira
norte-americano, evidencia-se uma vez mais a sujeição do governo às políticas tomadas
pelos EUA e às condições económicas vigentes no pós-guerra.
Assim sendo, mesmo com as várias restrições de acesso aos civis na base das
Lajes, o seu estabelecimento aproximava e apresentava inevitavelmente a cultura e
produtos do universo anglo-saxónico às populações locais. Militares portugueses e
respectivos familiares podiam igualmente entrar em contacto directo com a música,
tendo em conta, em primeiro lugar, os diversos grupos musicais estrangeiros que
performavam no interior da base das Lajes, ou ainda por via do cinema, através da
projecção de peliculas cinematográficas nos teatros construídos pelos ingleses, tais
como o teatro Garrison e o teatro Azoria. Alguns desses filmes eram posteriormente
projectados nas esplanadas das sociedades filarmónicas na vila da Praia e na cidade de
Angra do Heroísmo. Como se observa nos jornais desse período, esse contacto também
se realizava por intermédio da organização de eventos públicos pelas forças aéreas
britânica e norte-americana. Para esse efeito, contribuíam os clubes construídos fora da
base militar como o Bromet Club e as actuações públicas feitas por músicos militares
estrangeiros (como por exemplo as viagens pelas freguesias da ilha em veículos que
195
teriam um trailer anexado, e onde seria possível a actuação de orquestras, ou ainda de
outros espectáculos musicais e de variedades), quer na cidade da Praia da Vitória, ou na
cidade de Angra do Heroísmo. No início da segunda metade da década de 1940, alguns
espaços como o café Royal e Atlântico, onde actuavam orquestras locais (como é
exemplo a orquestra de Manuel Reis, e mais tarde o grupo AeroJazz) e agrupamentos
estrangeiros, ficaram marcados na historiografia local e na memória colectiva da
população terceirense até aos dias hoje, visto que foram fundamentais no
desenvolvimento da vida social e cultural na ilha Terceira.
196
centro de difusão do jazz. Isso sucedia por via da divulgação de música como parte
integrante da programação Vamos Dançar – cujo objectivo seria imitar o reconhecido
programa de rádio norte-americano Let’s Dance. Dessa forma, a população entrava em
contacto com música diversa advinda da cultura anglo-saxónica, podendo ser esta,
consoante os indivíduos, denominada por jazz, e/ou música de dança, e/ou música
“moderna”.
197
Mendes Enes, que viria da Ilha Graciosa exercer docência em música na base das Lajes
e fundar o grupo AeroJazz.
“From This Moment On” (Cole Porter, 1950), “Around The World” (Harold Adamson e Victor Young,
1956), “Pennsylvania Six-Five Thousand” (Jerry Gray & Carl Sigman, 1940), “You’re Cheating
Yourself” (Al Hoffman & Dick Manning, 1958) “Ça C’est L’mour” (Cole Porter, 1957), “Till” (Charles
Denver & Carl Sigman, 1957).
198
progressões harmónicas de II-V-I e ainda um momento modulatório ao IV grau na
secção B. No entanto, segundo outros exemplos musicais, como é o caso da canção
original e intitulada por “Manuela”, demonstra que há um cruzamento de estilos e
géneros musicais derivados da dança, em que fazem parte o jazz e outros ritmos
“latinos”, incluindo ritmos “cubanos”, provenientes da América do Sul. Ou seja, mais
uma vez os músicos apresentam-se como versáteis ao abranger diversos estilos musicais
no seu repertório, normalmente preparados para entreterem as audiências em
festividades. Algumas particularidades locais devem ser sublinhadas como se verifica
nos arranjos de músicas “tradicionais” (p.ex.: “Ó Meu Bem” e a “Marcha de João
Moniz”) que contêm vários elementos de marcha, e característicos musicais
provenientes da cultura filarmónica (paso-dobles), bem como elementos do jazz (o
usual “walking bass”, a pulsação do swing acompanhada pela bateria, e no modo de
tocar a melodia).
199
por pequenos comerciantes, militares e outros agentes pertencentes a elites e classes
sociais abastadas. Efectivamente, o gosto musical destes últimos reflectia-se, de igual
forma, na música emitida pelo RCA.
201
Por outro lado, observa-se que os principais músicos terceirenses que tocavam
jazz tinham assimilado um vasto repertório com diferentes estilos e géneros musicais
especialmente preparado para entreter militares estacionados na base. Assim, o jazz
encontrava-se intimamente associado ao swing e à música de dança. Mesmo que alguns
dos músicos fossem aptos a improvisar, a tradição musical dominante estaria assente na
prática da música escrita, procedente do ensino nas instituições filarmónicas, de aulas
privadas entre músicos, e de instituições de música erudita. Por outro lado, como se
denota pela iconografia recolhida, a base militar serviria de ponto de encontro entre
músicos portugueses e norte-americanos.
Por fim, o universo musical descrito nesta tese pretendeu apresentar novos
contextos de recepção do jazz em Portugal. De outro modo, pretendeu demonstrar que
apesar da repressão política do Estado Novo e da tentativa de isolamento social e
económico do país, este não se encontrava isolado das forças exteriores e da expansão
do mercado global. Com o espoletar da Segunda Guerra e as transformações políticas e
económicas do pós-guerra, inevitavelmente Portugal adapta-se às novas condições
internacionais, sendo a construção da base militar na Terceira um dos exemplos de
cedência do governo português nesse aspecto. Também diferente da ideia de resistência
como um ideal associado ao jazz no período do Estado Novo, este estudo demonstra,
por outro lado, que este domínio musical fazia parte de um emaranhado complexo de
processos envolvendo autoridades governamentais, indústrias de entretenimento, e
ainda, práticas e valores reconfigurados localmente em contexto de modernidade.
202
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Carlos Barcelos (23 de Março de 2016, via email, Modesto, EUA) Dimas Matos (17 de
Maio de 2015, Praia da Vitória)
Fernando Alberto Mateus (12 de Agosto de 2015, Angra do Heroísmo) Ilídio Gomes (2
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Vasco Gomes (21 de Junho de 2016, via email, Oklahoma, EUA) Pedro Martins de
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219
Referências discográficas e musicais citadas
V-Disc293
Burwell, Cliff & Parish, Mitchell (1928), “Sweet Lorraine”: Teddy Wilson and his
Orchestra, V-Disk 456B (VP 1237), gravado em Junho de 1945
Fain, Sammy & Harburg, Edgar Yipsel (1943), “In Times Like These”: Vaugh Monroe
and his Orchestra, V-Disk 209B (VP 535), gravado em Novembro de 1943
Gershwin, George; Gershwin, Ira; Kahn, Gus (1929), “Liza”: Art Tatum with guitar and
bass, V-Disk 456A (VP 1234), gravado a 26 de Outubro de 1945
Johnston, Arthur & Coslow, Sam (1934), “Cocktails for Two!: Art Tatum with guitar
and bass, V-Disk 456A ( VP 1234), gravado a 26 de Outubro de 1945
Porter, Cole (1936), “I’ve Got You Under My Skin”: Vaughn Monroe and his
Orchestra, V-Disk 209A (VP 309), gravado em Novembro de 1943
Ram, Buck & Ebbins, Milton (1943), “South Side”: Vaugh Monroe and his Orchestra,
V-Disk 209B (VP 535), gravado em Novembro de 1943
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Em paralelo ao trabalho realizado para esta dissertação sobre os V-Discs encontrados na discoteca
Rádio Lajes, foi também desenvolvida uma investigação no âmbito do projecto de investigação sobre o
jazz em Portugal: os legados de Luiz Villas-Boas e do Hot Clube de Portugal (2012, 2015, FCSH e HCP).
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Outra Discografia recolhida
(1956), The Biggest Hits of 56’s Vol. 1 (LP), G3PP-4129/G3PP-4130, Camden, New
Jersey: RCA Camden – CAL 318
Atkins, Chet (1955), Chet Atkins In 3 Dimensions: Volume 3, EPA 687, New York:
RCA Records
Carmichael, Hoagy & Parish, Mitchel Parish (1929), “Stardust”: Glenn Osser and His
Orchestra, S-10A (Red Vinyl), Roebuck: Silvertone Record Club
Caryll, Ivan & McLellan, Charles Morton (1911), “Beautiful Lady”: Ted Dale and All-
String Orchestra, S-4B (Red Vinyl), Roebuck: Silvertone Record Club
Crosby, Bing (1958), Bing Crosby – In A Little Spanish Town (LP), DL 8846, London:
Decca
Garland, Hank (1960), Hank Garland – Velvet Guitar, HL 7231, USA: Harmony
Records
Heath, Ted (1959), Things To Come – Ted Heath and His Music(LP), LL3047, London:
London Records
Kaye, Sammy (1967), Sammy Kaye and His Orchestra – Let’s Face The Music and
Dance (LP), 7-34421, Londo: Decca
Kostelntz, Andre (1950), Music of Irving Berlin: Andre Kostelanetz and his Orchestra,
ML 4314, New York: Columbia Masterworks Records
Kostelntz, Andre (1955), Andre Kostelanetz and his Orchestra – Music of George
Gershwin, CL 770, New York: Columbia
Porter, Cole (1929), “What Is This Thing Called Love?”: Glen Osser and His Orchestra,
S-17B (Red Vinyl), Roebuck: Silvertone Record Club, gravado em 1950
Porter, Cole (1932), “Night and Day”: Glenn Osser and His Orchestra, S-17A (Red
Vinyl), Roebuck: Silvertone Record Club, gravado em 1950
Rasbach, Oscar & Kilmer, Joyce (1922), “Trees”: Ted Dale and All-String Orchestra, S-
4A (Red Vinyl), Roebuck: Silvertone Record Club
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Rodgers, Richard & Hart, Lorenz (1927), “My Heart Stood Still”: Glenn Osser and His
Orchestra, S-22B (Red Vinyl), Roebuck: Silvertone Record Club, gravado em
1950 Rodgers, Richard & Hart, Lorenz (1937), “Where and When”: Glenn Osser
and His Orchestra, S-22A (Red Vinyl), Roebuck; Silvertone Record Club,
gravado em 1950 Rodriguez Albert, Rafael (1957), “Orquesta Popular e Madrid
de La O.N.C.E.; One Hundred Guitars” (LP), WL 143, New York: Columbia
Schonberger, John; Coburn, Richard; Rose, Vincent (1920), “Whispering”: Glenn Osser
and His Orchestra, S-10B (Red Vinyl), Roebuck: Silvertone Record Club,
gravado em 1950
Shearing, George (?), George Shearing: I Hear Music (LP), M-534, USA: Metro
Records
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Restantes referências discográficas e musicais
“Wrappin’it Up”: Fletcher Henderson and his Orchestra (78rpm), 157 B, London:
Decca, gravado a 12 de Setembro de 1934
Adamson, Harold & Young, Victor (1956), “Around The World”: Bing Crosby, Bing
Crosby – Around the World With Bing!(LP), DL 8687, lançado em 1958
Brown, Lester Raymond “Les” (1958), Les Brown and His Band of Renown – Dance to
South Pacific (LP), ST-1060, California: Capitol Records
Danvers, Charles & Sigman, Carl (1957), “Till”: Percy Faith and His Orchestra, 4-
40826, New York: Columbia, gravado em 1957
Duke, Vernon; La Touche, John; Fetter, Ted (1940), “Taking a Chance On Love”,
Cabin in the Sky [Broadway], estreado a 25 de Outubro de 1940 Garner, Erroll (1954),
Contrasts, MG 36001, EmArcy Records
Gershwin, George (1925), Concerto in Ffor piano and orchestra, Pub (SS): New
World, Warner Bros
Gershwin, George (1934), “I Got Rhythm”, Variations for Piano & Orchestra (or 2
pianos), Pub: New World
Gray, Jerry & Sigman, Carl (1940), “Pennsylvania Six Five Thousand”: Glenn Miller
and His Orchestra, B-10754 A, Camden: RCA Victor Bluebird, gravado a 28 de
Abril de 1940
Greenfield, Howard & Sedaka, Neil (1958), “Stupid Cupid: Connie Francis, Connie
Francis – Stupid Cupid, M 21009, USA: MGM Records, gravado em 1958
Grouya, Ted & Anderson, Edmun (1940), “Flamingo”: Herb Jeffries e Duke Ellington,
27326-B, Camden: Victor, gravado em 1941
Hamilton, Nancy & Lewis, Morgan (1940), “How High The Moon”, Two for the Show
Handy, W.C (1914), “Saint Louis Blues”, Pub: Handy Bros. Music
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Karas, Anton (1949), “The Third Man Theme”, The Third Man [filme], estreado a 2 de
Setembro de 1949
Kern, Jerome & Hammerstein II, Oscar (1927), “O’l Man River”, Show Boat
Manning, Dick & Hoffman, Al (1957), “You’re Cheating’ Yourself”: Frank Sinatra,
This Is Sinatra Volume 2 (LP), W-982, California: Capitol Records, lançado em
1958 McHugh, Jimmy & Fields, Dorothy (1928), “I can’t get you anything but
love”: Adelaide Hall, Blackbirds of 1928 [teatro da Broadway], estreado em
1928
Oliver, Joe “King” (1928), “West End Blues”: King Oliver and Dixie Syncopators
(78rpm), 1189, gravado a 11 de Junho de 1928
Paul, de Gene; Johnston, Patricia; Raye, Don (1942), “I’ll Remember April” [cantado
por Dick Foran], Ride ‘Em Cowboy (filme), estreado a 20 de Fevereiro de 1942
Pettis, Jack; Meyers Billy; Schoebel, Elmer (1922), “Bugle Call Rag”: The New
Orleans Rhythm Kings (78 rpm), 9304-B, gravado a 29 de Agosto de 1922
Porter, Cole (1930), “Love for Salte”, The New Yorkers [teatro da Broadway], estreado
a 8 de Dezembro de 1930
Porter, Cole (1950), “From this Moment On”, Kiss Me Kate (filme), lançado a 26 de
Novembro de 1953
Porter, Cole (1957), “Ça C’est L’amour”, Les Girls (filme), lançado 3 de Outubro de
1957
Prado, Pérez (1958), “Patricia” (Single), 45-RCA 1067, New York: RCA Records Roll
Morton, Jelly (1905), “King Porter Stomp”:
Shields, Larry; Ragas, Henry (1918), “Clarinet Marmade”: Original Dixieland Jazz
Band (78 rpm), 18513-B, Camden: Victor, gravado a 17 de Julho de 1918
Simons, Moisés (1930), “The Peanut Vendor”: Don Azpiazú and his Havana Casino
Orchestra, 22483-A, Camden: Victor, gravado a 13 de Maio de 1930
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Trenet, Charles (1945), “La mer”: Charles Trenet, Orchestra direction A. Lasry, DF
3096, Londres: Columbia, gravado em 1946
Warren, Earle; Palmer, Jack; Engvick (1941), “920 Special”: Count Basie and his
Orchestra (78 rpm), 6244, New York: Okeh, gravado a 10 de Abril de 1941
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Anexo A
Gravações e faixas:
Orquestra Olmmar Band (ou Oldmar Band) (bobines digitalizadas pelo Rádio
Clube de Angra)
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“Conjunto” RivalJazz (bobines digitalizadas pelo Rádio Clube de Angra)
https://youtu.be/CD9Mkuppsjo
https://youtu.be/YaYX2AwqLvg
https://youtu.be/m9eY3uu046A
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Anexo B
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