Você está na página 1de 233

André Reis Gomes

A Recepção e a Prática do Jazz

entre as Décadas de 1940 e 1960 na Ilha Terceira (Açores)

Dissertação de Mestrado em Ciências Musicais (ramo de Etnomusicologia)


André Reis Gomes

Setembro de 2019

Dissertação de Mestrado em Ciências Musicais

Área de especialização: Etnomusicologia

Novembro de 2019
Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção
do grau de Mestre em Ciências Musicais, variante de Etnomusicologia, realizada sob a
orientação científica do Professor Doutor Pedro Roxo.
Agradecimentos

Quero agradecer a todas as pessoas que contribuíram, de alguma forma, para a


realização desta dissertação. Em primeiro lugar, pretendo agradecer a todos os
colaboradores que se disponibilizaram para entrevistas e que forneceram diverso
material iconográfico e discográfico. Agradeço especialmente ao João Soares, pois,
além de ter fornecido imensas fotografias e fonogramas, disponibilizou grande parte do
seu tempo para frequentes e longas conversas sobre o seu pai Luís Soares, e os restantes
músicos que o acompanharam a tocar. Agradeço igualmente ao Luís Gil Bettencourt
pelas fotografias disponibilizadas, bem como pelas críticas e sugestões expressas e,
ainda, pelo forte incentivo e amizade demonstrada. Gostaria de agradecer, por um lado,
ao José Silva por ter facilitado o acesso à discoteca da estação Rádio Lajes, situada no
interior da base aérea das Lajes, e por outro, ao José Silveira que permitiu o acesso à
discoteca do Rádio Clube de Angra e às gravações digitalizadas das orquestras e
agrupamentos formados por músicos autóctones. Desejo também agradecer ao meu
orientador e professor Pedro Roxo pela proposta e encorajamento na escolha do objecto
de estudo, pelas críticas construtivas e diversas sugestões durante o processo de
investigação e na redacção do texto, pela valiosa contribuição para a dimensão teórica
desenvolvida nesta dissertação, pelo trabalho de edição e, finalmente, pelo incentivo e
amizade demonstrada. Por fim, um especial agradecimento aos meus pais pelo apoio
emocional ao longo deste trabalho e escrita desta dissertação, mas também pela
colaboração no trabalho de investigação através do conhecimento de pessoas e
estabelecimento de redes de contacto, nomeadamente com intervenientes essenciais para
o desenvolvimento da temática abordada.

i
A Recepção e a Prática do Jazz entre as Décadas de 1940 e
1960 na Ilha Terceira (Açores)

Resumo

Esta dissertação pretende fazer uma análise dos discursos de recepção e


produção musical do jazz e tecnologias associadas (p.ex: fonogramas e aparelhos de
reprodução musical), na ilha Terceira, situada no arquipélago dos Açores, após o
estabelecimento da base aérea na freguesia das Lajes na segunda metade da década de
1940 e ao longo dos décadas de 1950 e de 1960. O aeródromo das Lajes, primeiramente
sob comando britânico e mais tarde norte-americano, é encarado neste aspecto como
fundamental para a disseminação e a reconfiguração pelos músicos autóctones de
práticas musicais vinculadas ao jazz e categorizadas de modos diversificados (p.ex.:
swing, música “moderna”, música de “dança”) por parte da imprensa local, músicos e
outros agentes envolvidos na recepção e disseminação destes produtos musicais.

Nesta medida, este estudo visa apresentar uma narrativa alternativa não só às
narrativas dominantes focalizadas no jazz enquanto “objecto estético” (DeVeaux, 1998),
mas pretende também contribuir para o realce de outros significados e valores sociais e
culturais atribuídos ao jazz em Portugal (Roxo, 2009) ao longo do período abordado,
uma vez que a interacção entre a população e os militares originários dos EUA e do
Reino Unido desencadeou experiências e percepções, relacionadas com o universo
musical sob observação, divergentes das que se presenciavam no resto do país,
nomeadamente processos e valores conotados com a “modernidade”. A presença de
músicos/militares estrangeiros na ilha irá proporcionar novos contextos de performance
“ao vivo” permitindo aos habitantes entrarem em contacto com produtos musicais
provenientes da cultura “popular” e música de entretenimento norte-americana,
incluindo com celebridades e artistas popularmente reconhecidos tais como Bob Hope,
Frank Sinatra, Glenn Miller e Stan Kenton. Estas circunstâncias levariam à formação de
alguns agrupamentos locais contratados para entreterem os militares no interior da base
das Lajes. A esta visão é articulada a análise musical de diversos excertos gravados no
ii
Rádio Clube de Angra, principalmente por dois grupos que alcançaram alguma
popularidade na ilha e que actuavam regularmente na base aérea das Lajes, sendo estes
os Flama Combo e a orquestra Olmmar Band.

Um dos objectivos principais deste trabalho passou por mostrar novos contextos
de recepção do jazz em Portugal, uma vez que a ocupação militar britânica e norte-
americana em território português durante os anos da ditadura colonial torna
particularmente relevante o estudo deste caso. Para esse fim, foi necessária a pesquisa
de diversa bibliografia referente às circunstâncias políticas e históricas que permitiram o
estabelecimento da base das Lajes e que viabilizaram a propagação do jazz na ilha. No
mesmo sentido, foi também essencial a consulta de outras referências bibliográficas que
demonstrassem a relação entre o jazz e as indústrias fonográficas e de broadcasting, no
âmbito da expansão norte-americana e do mercado globalizado. Por fim, além da visita
a diversas instituições na ilha Terceira que possibilitaram o acesso a jornais e
periódicos, bem como de fonogramas e outros materiais, a perspectiva adotada nesta
dissertação envolveu a conduta de entrevistas etnográficas com músicos, familiares de
músicos, e outros agentes associados ao universo do jazz da década de 1940 à década de
1960.

Palavras-Chave: jazz, música de entretenimento, Ilha Terceira, II Guerra Mundial, Base


Aérea das Lajes, modernidade

iii
The Reception and Practice of Jazz in Terceira Island
Between the Decades of 1940 and 1960

Abstract

This dissertation intends to analyze jazz reception and production discourses


(and American Popular Music in general) in Terceira Island, located in the Azores
archipelago, Portugal. The temporal focus of this dissertation is the the establishment of
the air base in the parish of the Lajes airfield in the second half of the 1940s and
throughout the 1950s and 1960s. The Lajes aerodrome, first under British command and
later North American, is seen in this respect as central to the spread and reconfiguration,
by indigenous musicians (eg swing, "modern" music, "dance" music) by the local press,
musicians and other agents involved in the reception and dissemination of these musical
products.

This study aims to present an alternative narrative not only to the dominant
narratives focused on jazz as an "aesthetic object" (DeVeaux, 1998), as also to
contribute to the highlighting of other social and cultural meanings and values attributed
to jazz in Portugal (Roxo, 2009) throughout the period covered. The interaction between
the population and the military originating in the United States and the United Kingdom
triggered experiences and perceptions, related to the musical universe under
observation, which differed from those occurring in the rest of the country, namely
processes and values connoted with "modernity". The presence of foreign musicians /
military personnel on the island provided new "live" performance contexts enabling
residents to get in touch with music products from "popular" culture and US
entertainment music, including the visit of celebrities and popularly recognized artists
such as Bob Hope, Frank Sinatra, Glenn Miller and Stan Kenton. These circumstances
would lead to the formation of some local groups hired to entertain the military within
the Lajes military base. The analysis of this processes is articulate with the musical
analysis of several excerpts recorded at the Radio Clube de Angra, mainly by two

iv
groups that reached some popularity in the island and that regularly performed in the
Lajes air base - the Flama Combo and the Olmmar Band Orchestra.

British and American military occupation in Portuguese territory during the


years of the Portuguese dictatorship turns this study particularly relevant. For this
purpose, it was necessary to search for a diverse bibliography regarding the political and
historical circumstances that allowed the establishment of the Lajes military air base
that made possible the propagation of jazz on the island. In the same vein, it was also
essential to consult other bibliographical references demonstrating the relationship
between jazz and the phonographic and broadcasting industries, in the context of the
North American expansion and search for a globalized market. Finally, in addition to
visiting various institutions on Terceira Island that allowed access to newspapers and
periodicals, as well as phonograms and other materials, the perspective adopted in this
dissertation involved the conduct of ethnographic interviews with musicians, family
members of musicians, and other agents associated with the jazz universe from the
1940s to the 1960s.

Keywords: jazz, entertainment music, Terceira, Second World War, Lajes Field,
modernity

v
Índice

Agradecimentos..................................................................................................................i

Resumo..............................................................................................................................ii

Abstract............................................................................................................................iv

Índice................................................................................................................................vi

Lista de Abreviaturas.........................................................................................................x

Lista de Imagens..............................................................................................................xii

Introdução........................................................................................................................15

Problemática de estudo e motivações..................................................................15

Métodos e técnicas...............................................................................................19

Desafios...............................................................................................................21

Organização do texto...........................................................................................23

1. Enquadramento teórico...............................................................................................27

1.1 A questão do “poder” nas ciências sociais e humanas e “poder político” na


área das Relações Internacionais................................................................31

1.1.1 Poder dos Estados e diplomacia na modernidade.............................................33

1.2 Modernidade, industriais culturais e o jazz.............................................36

1.2.1 Jazz e processos de ocupação militar americana...............................................39

1.2.2 Estudos de recepção do Jazz em Portugal, Historiografia do jazz, popular


music e modernidade.........................................................................................42

1.3 Metodologias: entendimento teórico e método sobre as Relações


Internacionais e Etnomusicologia Histórica..............................................46

2 Primeiro impacto do jazz na ilha Terceira através da ocupação militar britânica e


norte-americana;..............................................................................................................50

2.1 Os Açores e a Ilha Terceira no contexto da Segunda Guerra Mundial.....52


vi
2.1.1 Negociações com Reino Unido.........................................................................52

2.1.2 Chegada dos militares e músicos britânicos à ilha Terceira..............................56

2.1.3 Recepção do jazz na base das Lajes através da presença da ocupação militar
britânica: prática do jazz, swing, boogie-woogie;.............................................58

3 Relação entre a disseminação do jazz e música “popular” americana no contexto da


segunda guerra e o estabelecimento da base militar das Lajes........................................78

3.1 Negociações entre os EUA, Inglaterra e Portugal sobre o arquipélago dos


Açores.........................................................................................................80

3.2 USO, V-Disc e celebridades no âmbito da música popular americana e do


jazz;............................................................................................................84

3.2.1 A disseminação de V-Disc, a importância de artistas como Glenn Miller e a


relação desses produtos e figuras com os valores americanos, assim como a
organização de eventos norte-americana denominada por USO (United State
Organization).....................................................................................................84

3.2.2 Frank Sinatra na Terceira durante o fim da II Guerra.......................................90

3.3 Jazz na imprensa, rádio e cinema, circulação de fonogramas e orquestras


locais terceirenses.......................................................................................92

3.3.1 Recepção do jazz na imprensa nos 40...............................................................92

3.3.2 Música sinfónica, moderna e para dançar no Rádio Clube de Angra (anos 40 e
50)......................................................................................................................97

3.3.3 A divulgação do jazz e do swing através do cinema na Terceira na segunda


metade dos anos 40;........................................................................................100

3.3.4 Mercado discográfico......................................................................................104

3.3.5 Importância do universo militar e movimento filarmónico na constituição de


orquestras de jazz............................................................................................107

4 Recepção do jazz na Terceira nas décadas de 1950 e 1960 e formação de


agrupamentos por músicos locais..................................................................................112

4.1 Modernização da base das Lajes e a introdução de novas tecnologias....114

4.2 Alguns apontamentos sobre a formação de agrupamentos musicais


autóctones.................................................................................................119

vii
4.3 Instrumentalização política do jazz a encargo do governo norte-americano
e as consequências da sua recepção na ilha..............................................134

4.3.1 A manutenção das orquestras de swing na base das Lajes e relação com a
política dos EUA e o mercado fonográfico.....................................................138

4.3.2 Guerra da Coreia e política dos EUA no pós-II Grande Guerra.....................140

4.4 As principais discussões teóricas sobre o jazz e a sua recepção na


imprensa...................................................................................................143

4.5 Mercado e distribuição local de fonogramas............................................148

4.6 Conclusão.................................................................................................150

5 “Orquestras e “conjuntos” de jazz na Ilha Terceira”: reconfiguração do jazz do final


da década de 1940 até 1960...........................................................................................151

5.1 Trajectória histórica dos Flama Combo...................................................153

5.1.1 Chegada de Art Carneiro.................................................................................153

5.2 O agrupamento Olmmar’s Band na década de 1950................................160

5.2.1 Análise do repertório, elementos e características musicais e popularidade da


Olmmar’s Band...............................................................................................163

5.2.2 Relação entre o repertório da Olmmar’s Band e o cinema..............................166

5.3 Sucesso das orquestras de jazz na ilha.....................................................170

5.4 Flama Combo...........................................................................................178

5.4.1 Repertório dos Flama Combo.........................................................................183

6 Conclusão..................................................................................................................194

Referências bibliográficas.............................................................................................204

Webgrafia......................................................................................................................216

Entrevistas.....................................................................................................................218

Referências discográficas e musicais citadas................................................................219

V-Disc................................................................................................................219

Outra Discografia recolhida...............................................................................220

viii
Restantes referências discográficas e musicais..................................................222

Anexo A.........................................................................................................................225

Anexo B.........................................................................................................................228

Lista de Abreviaturas

Cpl. – Corporal

F/O – Flying Officer

LAC – Leading aircraftman S/L – Squad Leader

Sgt. – Sergeant

W/C – Wing Commander

ENSA – Entertainments National Service Association

NAAFI – Navy, Army and Air Force Institute

BBC – British Broadcasting Corporation

USO – United Service Organizations

URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

CBS – Columbia BroadcastingSystem

OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico

RCA – Radio Corporation of America

NATO – Organização do Tratado do Atlântico Norte

OECE – Organização Europeia de Cooperação Económica

AFM – American Federation of Musicians

OWI – Office of War Information

AFN – American Forces Network

ECA – State Department’s Bureau of Educational and Cultural Affairs

USIA – United States Information Agency

ix
NCO – Non-Commissioned officer

AFTR – American Federation of Television and Radio

PAL – Phase Alternating Line

NTSC – National Television System Committee

RDP Açores – Radiodifusão Portuguesa

RTP – Rádio e Televisão de Portugal

EUA – Estados Unidos da América

RCA – Rádio Clube de Angra

RDC – República da Coreia

RI – Relações Internacionais

RAF – Royal Air Force

FO – Foreign Office

OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte

x
Lista de Imagens

Img. 1: Músicos contratados pela ENSA (Entertainments National Service Association)


.........................................................................................................................................62

Img. 2: Station Band ou RAF Quintet com Hall Rutter, Martins Lukins, Jimmy Bassett,
Geroge Pawsey, George Thomas....................................................................................63

Img. 3: militares e jogadores de futebol ingleses no Club Musical Angrense................74

Img. 4: Lado A do V-Disc com a gravação de “Cocktails for Two” e “Liza” por Art
Tatum...............................................................................................................................87

Img. 5: Lado B do V-Disc com a gravação de “Sweet Lorraine”e “Hallelujah”por Teddy


Wilson..............................................................................................................................87

Img. 6: Lado A do V-Disc com a gravação de” I’ve Got you Under My Skin” pela
orquestra de Vaughn Monroe..........................................................................................88

Img. 7: Lado B do V-Disc com a gravação de “South Side” pela orquestra de Vaughn
Monroe............................................................................................................................89

Img. 8: Cartaz publicitário do filme Bom Pastor no teatro Praiense.............................102

Img. 9: CSB-83 em Santa Rita......................................................................................116

Img. 10: AFN News......................................................................................................118

Img. 11: Cartão publicitário do Flama Combo (fornecido por João Soares)................120

Img. 12: Vasco Gomes e músicos militares em 1959...................................................124

Img. 13: Olivério e orquestra OPAR na esplanada dos brancos – Luciano Ferreiro,
Artur, José Gomes, Olivério (voz), Ezequiel Bettencourt, Afonso, Manuel Bento (sax-
alto), Ernesto (saxt), Manuel (vl.).................................................................................126

Img. 14: Composição de Palmira Mendes Enes – Baião...............................................126

Img. 15: Guido Fernandes e a orquestra Art Carneiro na festa do Rádio Clube de Angra
em 1958.........................................................................................................................127

xi
Img. 16: Copacabana Combo – Ezequiel Bettencourt (acord.), Manuel (bx.), António
(Sax-T), Ernesto Barcelos (trp.), Vasco Gomes (btr.) e Manuel Bento (Sax-A)...........131

Img. 17: AeroJazz no Café Royal - Álvaro Carreiro (vl.), José Duarte (acrd.), Ezequiel
Bettencourt (sax-alto), Palmira Enes (pn.)....................................................................131

Img. 18: AeroJazz no Clube dos Oficiais na base das Lajes.........................................133

Img. 19: Interior do Base Exchange..............................................................................136

Img. 20: Glenn Osser and His Orchestra – “Night and Day”........................................150

Img. 21: Ted Dale and All-String Orchestra – “Trees”.................................................150

Img. 22: Orquestra de Manuel Reis dirigida por oficiais norte-americanos no Palácio
dos Capitães-Generais na freguesia da Sé, em Angra do Heroísmo.............................156

Img. 23: Quarteto de Art Carneiro com Art Carneiro, Alberto Mateus, Alberto Coelho e
Luís Soares em final de 1940........................................................................................158

Img. 24: Foto e legenda retirada do livro Rádio Clube de Angra (1972) de Pedro
Merelim.........................................................................................................................159

Img. 25: “A Revoltosa” com Mário Coelho (último a contar da esquerda para a direita
da última fila)................................................................................................................162

Img. 26: Oldmar Band no N.C.O. Club.........................................................................171

Img. 27: Orquestra “Manuel Reis” dirigida por Art Carneiro com Alberto Mateus,
Fernando Soares (Luís Soares encontrava-se ausente por motivos de doença.) e Alberto
Coelho............................................................................................................................173

Img. 28: Orquestra de Art Carneiro no Clube dos Oficiais...........................................173

Img. 29: Orquestra de “Manuel Reis” já dirigida por Luís Soares ilustrando a descrição
da constituição da orquestra de Mariano Lima (pn.).....................................................175

Img. 30: Art Carneiro e a sua orquestra no Lawn Tennis Club.....................................177

Img. 31: João Moniz ao piano com Oldmar Band (curiosamente com Luís Soares no
contrabaixo)...................................................................................................................177

Img. 32: Luís Soares com mrs. “Rollings”....................................................................178

Img. 33: Luís Soares, Alberto Coelho (pno) e Alberto Mateus (bx) em 1953..............180
xii
Img. 34: Luís Soares com Carlos Saloio.......................................................................181

Img. 35: Alberto Mateus (bt), Mário Coelho (ctbx), Art Carneiro (pn.) Alberto Coelho
(acrd.), Luís Soares (gt.), Max (voz) no Teatro Angrense............................................182

Img. 36: Flama Combo possivelmente com um trompetista militar norte-americano nos
anos 1960.......................................................................................................................183

Img. 37: Piano - Alberto Coelho...................................................................................185

Img. 38: Melodia e forma de “Outono nos Açores”......................................................188

Img. 39: Solo de Luís Soares em “Outono dos Açores”...............................................191

Img. 40: Melodia do A em “Um Número de Jazz”.......................................................192

Img. 41: Flama Combo com Alberto Coelho (pn.), Mário Coelho (saxt), Alberto Mateus
(bt.) e Luís Soares (trp.), Fernando Soares (ctbx.).......................................................193

xiii
Introdução

Problemática de estudo e motivações

A seguinte dissertação visa estudar a recepção do jazz entre a década de 1940 e


1960 na ilha Terceira, precisamente após a construção e o estabelecimento da base aérea
das Lajes. A razão que me conduziu à escolha desta localização geográfica prende-se,
em primeiro lugar, com uma intimidade estabelecida com o lugar e os seus habitantes,
dado que se trata do lugar onde nasci e vivi grande parte da minha vida. Assim, este
interesse surge também das afinidades e do contacto com alguns dos vários músicos da
ilha, em articulação com a minha própria experiência enquanto músico. Ainda sob uma
perspectiva pessoal, o foco no jazz partiu da curiosidade em entender os antecedentes da
sua dinamização, institucionalização e mediatização nas últimas décadas na Ilha
Terceira, visto que inúmeras iniciativas são realizadas todos os anos pela Associação
Cultural AngraJazz e pela Câmara Municipal de Angra do Heroísmo. Estas entidades
são também responsáveis pela organização de um dos mais importantes festivais de jazz
nos Açores denominado por “AngraJazz”. Mais recentemente a Associação Cultural
AngraJazz foi responsável pela abertura do primeiro curso livre de jazz em Angra do
Heroísmo, na escola Tomás de Borba. A par disto foram criados programas de rádio
dedicados especificamente ao jazz tal como “Sabores do Jazz”, emitido pela RDP
Açores desde 1992, com José Ribeiro Pinto na locução. A meu ver, apesar disso, não se
observa uma continuidade histórica significativa da presença activa do jazz na
sociedade terceirense, entre a década de 1960 até os dias de hoje, sendo que nos anos de
1970 e 1980 se verificou uma quebra bastante acentuada 1. Ademais, as razões que
justificam o interesse renovado pelo jazz por parte de pedagogos, críticos e músicos nas
décadas recentes, serão bastante divergentes daquelas que impulsionaram a propagação
do jazz no passado. Se se tiver em conta as suas particularidades históricas, considera-se

1
De acordo com Moreira dos Santos (2008: 93) os anos de 1970 “constituíram uma autêntica travessia do
deserto para os amadores de jazz na Terceira”, acrescentando que “a oferta de concertos foi praticamente
nula, à excepção dos espetáculos pontualmente realizados por bandas militares norte-americanas ou
transmitidas pela estação de televisão das Lajes e pela RTP Açores.”

14
que no primeiro momento o jazz emerge com bastante assertividade no contexto da 2ª
Grande Guerra2 e durante a Guerra Fria, e ocupa um lugar destacado no domínio da
música popular americana, enquanto num segundo momento nasce de uma
revalorização da música, especialmente através do meio académico e de divulgação. No
entanto, tal como no passado, as diversas e frequentes práticas musicais actuais,
sobretudo o rock, também podem ser compreendidas à luz do contacto próximo com o
mundo anglo-saxónico ao longo dos anos, sobretudo através da construção e
inauguração da Base Aérea das Lajes.

Do ponto de vista etnomusicológico este trabalho pretende contribuir para o


conhecimento de novos contextos de recepção musical em Portugal, durante o regime
ditatorial e colonialista do Estado Novo. No entanto, ao contrário do que se poderá
depreender de forma imediata, esse período coincide com a abertura a novos produtos
culturais de proveniência norte-americana em território nacional, particularmente na ilha
Terceira. Desse modo, a complexidade subjacente à prática do jazz relativamente à
época abordada implica uma articulação dos vários ramos da vida social, levando em
consideração as circunstâncias políticas, sociais e económicas, bem como uma
discussão sobre o significado do jazz e a mudança do seu significado e das suas próprias
características estilísticas ao longo do tempo. Por estas razões, a recepção musical na
ilha Terceira torna-se um terreno histórico ideal a ser investigado ao nível antropológico
e etnomusicológico. Na verdade, este estudo de caso específico articula processos à
escala transnacional e global com as mudanças proporcionadas pelas circunstâncias
políticas em 1944 e após 1945, em Portugal, envolvendo poderes entre Estados e a
expansão da influência norte-americana no mundo, particularmente na Europa. Por
outro lado, observam-se importantes modificações à escala local com a base aérea das
Lajes a servir de intermediária de diversas práticas, políticas e tecnologias dos EUA.
Por conseguinte, do ponto de vista bibliográfico e metodológico intercalam-se estudos
de áreas disciplinares diversas. A articulação das mesmas atribuirá uma perspectiva
mais abrangente sobre a recepção e a prática do jazz na Terceira. Apelando à
2
Já se encontram algumas referências ao jazz nas décadas de 1920 e 1930 na imprensa local. Em especial
destacam-se as críticas pejorativas a esse género musical no jornal conservador e de raíz católica A União,
o texto do escritor e poeta Vitorino Nemésio no jornal ABC, e ainda os vários textos de opinião de
Zíngaros (pseudónimo do autor) inseridos numa coluna intitulada por Jazz-Band no jornal Vanguarda,
onde era frequente críticas tanto à igreja local, particularmente à Sé de Angra do Heroísmo, como ao
Vaticano. A par disso, o jazz também podia ser ouvido através da projecção de peliculas cinematográficas
no teatro Angrense.

15
interdisciplinaridade recorre-se a ferramentas da Musicologia, da Antropologia, dos
Popular Music Studies3, das Relações Internacionais, dos Jazz Studies etc. Portanto,
será através dessa interdisciplinaridade que fornece, por um lado, as ferramentas
teóricas e metodológicas para o enquadramento e abordagem do objecto de estudo e, por
outro, a possibilidade de contextualizar social e historicamente os eventos tratados nesta
dissertação, que se poderá investigar as seguintes propostas:

 De que forma a recepção do jazz na Terceira está ligada às transformações no


âmbito das indústrias fonográficas e de broadcasting, e à internacionalização
da música de entretenimento norte-americana no período da segunda guerra
mundial e no pós-guerra?

 A disseminação do jazz em território nacional partiu de que dinâmicas entre


nações-estado e que interesses político-económicos se evidenciavam e que
permitiram a construção da base aérea das Lajes? Por outro lado, qual o papel
cultural e político da música popular americana, e especificamente do jazz
nesse universo?

3
Parafraseando Matt Brennan (2017): “New Jazz Studies is hardly new anymore and shares many similar
approaches and concerns with the rest of popular music studies. This makes it all the more strange that the
two fields continue on the whole to operate independently of one another.”

16
De um modo mais específico e de acordo com os dados e informação recolhida
assim como as preocupações teóricas expostas, pretende-se também abordar as
seguintes questões:

 Quais os acontecimentos mais relevantes nas negociações entre Portugal,


Inglaterra e os Estados Unidos que possibilitaram o início da construção e a
permanência da base aérea das Lajes na Terceira, principal centro de difusão
do jazz na ilha?

 Apesar das restrições de acesso de civis à base das Lajes, de que forma o jazz
circulava na ilha considerando a possibilidade de algum contacto entre
autóctones e militares ingleses e norte-americanos, e ainda o papel das
tecnologias de disseminação da música (p.ex. aparelhos radiofónicos e
fonógrafo)?

 Em que contextos performativos esta música seria valorizada e tocada? Quais


são os principais músicos terceirenses que aderem ao jazz? E a que tipo de
repertório este domínio musical estava associado?

 Levando em consideração a localidade de processos e a reconfiguração do


jazz em contexto de modernização insular, quais os eventos mais importantes
reportados sobre o jazz na imprensa e quais os discursos que o formavam? O
estabelecimento da base das Lajes teve alguma relevância neste aspecto?

17
Métodos e técnicas

Para esta investigação foram utilizados predominantemente métodos


qualitativos. Sendo de carácter histórico obrigou a uma recolha de documentação, desde
fotografias, a outro tipo de fontes primárias, secundárias etc. As redes sociais, em
particular o Facebook, permitiram dialogar, estabelecer e manter o contacto com
intervenientes emigrantes, e com alguns residentes na ilha Terceira. De seguida, foi
indispensável visitar diversas instituições locais para a consulta do arquivo da
instituição e de alguma bibliografia, especialmente a que estaria relacionada com
particularidades da região. Destas constaram a Casa das Tias de Vitorino Nemésio, a
Câmara Municipal da Praia da Vitória e a Biblioteca Pública e Arquivo Regional Luís
da Silva Ribeiro, em Angra do Heroísmo. O objectivo seria investigar os
acontecimentos políticos e as condições económicas e sociais na ilha Terceira e no
arquipélago dos Açores. Complementando essa perspectiva, pretendeu-se procurar o
passado de alguns dos músicos mais relevantes no panorama musical da ilha e que
mantiveram, de alguma forma, uma relação com o jazz. Além das fontes escritas
acedeu-se ao arquivo sonoro do Rádio Clube de Angra e da Rádio Lajes, este último
localizado na base militar da Lajes. Ao longo da dissertação é por vezes exibido
material iconográfico dada a sua pertinência para o desenvolvimento do texto
(justamente quando se trata de aspectos descritivos), assim como para a compreensão
global dos assuntos. O material iconográfico utilizado nesta dissertação é inédito e
resulta da investigação elaborada de raiz4.

Reconhece-se igualmente a importância da história oral para o tratamento de um


objecto de estudo deste tipo. Desse modo, foram realizadas entrevistas com diversos
agentes que se envolveram de alguma forma com as práticas musicais relativas ao
período estipulado. A abordagem, ao estender-se até à década de 1960, possibilita a
interacção com músicos e outros agentes que experienciaram em primeira mão as
transformações causadas pela ocupação dos norte-americanos e britânicos, que
testemunharam a presença das suas orquestras militares e de outros diferentes grupos
4
Apesar de algumas fotografias que constam desta dissertação integrarem também o livro Jazz na
Terceira: 80 Anos de História (Santos & Rubio, 2008), o material empregue neste trabalho foi adquirido
de forma independente, fruto de pesquisa de arquivo e do contacto com interlocutores.

18
musicais, incluindo a visita de celebridades como Frank Sinatra, Glenn Miller, Stan
Kenton etc. O desenvolvimento económico e comercial posterior à construção da Base
Aérea das Lajes espoletou uma proliferação do mercado discográfico na cidade de
Angra do Heroísmo, pelo que foi também relevante pesquisar as suas organizações
comerciais e o tipo de consumidores que acediam a estes produtos. Para a concretização
dessa tarefa recorri principalmente à consulta de jornais da época para conhecer que tipo
de fonogramas e aparelhos de reprodução sonora eram vendidos, a partir dos cartazes
publicitários das respectivas lojas, complementando com conversas informais com
alguns dos habitantes na cidade de Angra. A investigação relacionada com alguns
estabelecimentos comerciais levou a que fosse possível entrar em contacto com alguns
dos familiares dos lojistas, como foi no caso da família Cristovám. 5 Com efeito, esses
produtos podiam ser adquiridos na base norte-americana reconhecendo que o seu acesso
era restrito a trabalhadores – nesse grupo de trabalhadores constavam músicos que
tocavam regularmente na base, e os respectivos familiares.6

5
Esta família possibilitou o acesso a discos e outros materiais da época, além de ter contribuído para a
contextualização e densificação da recepção do jazz na ilha, visto que Fausto Cristovám (lojista) era
igualmente um dos fundadores do Rádio Clube de Angra.
6
De outra forma, a dinâmica inerente às redes de sociabilidade construídas entre a população e os
militares norte-americanos não tornava a aplicação desta restrição algo unilateral.

19
Desafios

Uma das primeiras dificuldades sentidas na prossecução da investigação


prendeu-se com a tentativa de aceder a testemunhos que tivessem tocado e assistido a
concertos de jazz no período abordado, especificamente na década de 1940. Mesmo
quando se tornou uma possibilidade o encontro com alguns desses indivíduos, ou
encontravam-se imigrados - situação muito frequente provocada pela natureza
económica e insular da região - ou teriam dificuldades em recordarem-se desses
momentos, ou ainda, na sua grande maioria, teriam falecido. Nesta medida, foi
complexa a tarefa de contactar com músicos que marcaram fortemente a sua presença
como executantes do jazz na Terceira, e que se destacam no último capítulo.

Adicionalmente, a existência de material extraviado revelou-se também como


uma dificuldade. Seria talvez natural esperar que isso ocorresse já que provavelmente
não subsistia grande interesse em preservar partituras, bobines, discos etc. para gerações
futuras, de uma música que na época estaria associada ao que era considerado
entretenimento ligeiro, ao contrário de obras compostas para música sacra, ou para
filarmónica, marchas etc.7

Para concluir, foi necessário despender algum tempo para se aceder a um certo
tipo de material. Por um lado, por razões relacionadas com o transporte – isto é,
relativamente às viagens entre a ilha Terceira e Lisboa, e depois entre a Praia da Vitória
e Angra do Heroísmo – e, por outro, os constrangimentos causados pelas políticas das
instituições, quer para entrar na base aérea das Lajes e na discoteca da Rádio Lajes,
como também no Rádio Clube de Angra, especialmente no que toca ao ter tido
permissão para aceder a gravações efectuadas pelos músicos locais. No primeiro caso, o
problema devia-se sobretudo à restrição do local a civis. Esse impasse foi contornado
pelas várias relações estabelecidas de amizade dos meus pais 8 com trabalhadores e
militares portugueses da base que obtiveram autorização para entrar no espaço. Já no
7
Por exemplo, no caso de Mário Coelho, um dos músicos de jazz na Terceira, foram guardadas no
arquivo regional de Angra algumas marchas e tangos, e ainda alguns escritos académicos sobre a “história
da música” em que são mencionados os nomes de Luís de Freitas Branco, Ruy Coelho, Vianna da Motta
etc.
8
Principalmente através do meu pai que foi um antigo trabalhador na base militar das Lajes.

20
caso do Rádio Clube de Angra, as preocupações dos responsáveis estavam relacionadas
com o uso público das gravações. Como habitualmente sucede noutros trabalhos de
investigação, o problema seria que essas faixas fossem publicadas para fins
jornalísticos, situação que se resolveu após o seu devido esclarecimento.

21
Organização do texto

Esta dissertação divide-se em cinco capítulos. O primeiro dedica-se a enquadrar


teoricamente e metodologicamente a perspectiva adotada neste trabalho no âmbito das
ciências sociais, da etnomusicologia e dos Jazz Studies. Decidiu-se organizar este
capítulo partindo do geral para o particular. Para esse efeito este subdivide-se em várias
secções. O primeiro tópico começa por discutir a importância da noção de poder nas
ciências sociais e humanas e como este opera, usando as perspectivas de autores como
Pierre Bourdieu e Michel Foucault. A dialética entre pólos opostos como
estrutura/agente, subjectividade/objectividade, etc. e a crítica à modernidade, trabalhada
por estes autores, serão aspectos transversais a todos os tópicos posteriormente
propostos. Isso servirá de ligação a uma hermenêutica que se centra especificamente no
poder político, cujo funcionamento envolve as relações entre Estados no período
“moderno” e processos diplomáticos. Para o desenvolvimento desta secção foi
mobilizado o trabalho de Giddens bem como de outros autores no campo das Relações
Internacionais. Apesar deste assunto não pertencer propriamente à musicologia e à
etnomusicologia, o estabelecimento da base aérea das Lajes e os processos negociais e
eventos históricos que ocorreram durante a segunda grande guerra exige que se
apresente e se contextualize a base histórica destes acontecimentos políticos 9. Portanto,
a prática do jazz na Terceira é também, em larga medida produto do impacto político e
da modernização na ilha. O capítulo prossegue com a crítica do sociólogo Theodor
Adorno à modernidade e ao jazz enquanto música mercantilizada resultado da sociedade
moderna. O jazz é aqui compreendido como mercadoria e resultado do desenvolvimento
capitalista, numa época em que se verifica a constituição de um mercado de distribuição
e reprodução em massa de mercadoria e da emergência de indústrias culturais. A partir
da produção teórica do autor também é possível delinear uma relação histórica entre
jazz e o contexto militar, algo que faz paralelo com a ocupação militar norte-americana
na ilha Terceira, sendo esta responsável pela introdução efectiva do jazz na sociedade
terceirense. De seguida, são dados como exemplos alguns estudos relacionados com a

9
Para a descrição de eventos e negociações geopolíticas e geoestratégicas que envolveram o arquipélago
dos Açores e a ilha Terceira, quanto às conversações entre o estado português com o norte-americano e
britânico, foram, em grande parte, consultados textos da área das Relações Internacionais.

22
recepção do jazz em Portugal, assim como outros importantes trabalhos na
historiografia do jazz. As referências aqui mobilizadas preocupam-se inicialmente em
delimitar a noção de jazz, levando em conta as práticas e significados diversos
atribuídos tanto pelos consumidores em determinado período histórico, como pelo meio
académico. Além disso, na bibliografia trabalhada procura-se articular, novamente, a
dimensão globalizada do jazz no quadro da modernidade e a sua recepção. Por fim,
procede-se a uma explicação das principais ferramentas da etnomusicologia histórica
utilizadas. Desse modo, explica-se a relevância das entrevistas etnográficas e de outros
materiais recolhidos tais como iconografia, documentos, fonogramas etc. e como estes
contribuem frequentemente para a modificação e construção do objecto de estudo. De
outra forma, aproveita-se nesta secção para fazer uma leitura crítica sobre os textos das
Relações Internacionais tendo em atenção como alguns dos discursos e posições
tomadas pelos autores podem ser ideologicamente marcadas.

O segundo capítulo aborda o primeiro impacto social e económico da presença


dos militares estrangeiros sobre a população na ilha Terceira. De acordo com
investigação feita em periódicos, ter-se-á em vista os primeiros eventos publicitados
associados ao jazz e à música “moderna”. Em primeiro lugar, foram analisadas as
negociações e as circunstâncias histórico-políticas que levaram à intervenção militar
norte-americana e inglesa em Portugal, particularmente na freguesia das Lajes, em
1942, durante a Segunda Guerra Mundial. Neste período, a presença britânica na ilha
faz-se sentir com maior evidência em relação aos norte-americanos, pelo menos até à
saída dos britânicos em 1946. Será igualmente importante referir e enfatizar a relação
dos concertos e dos músicos contratados que actuavam para as tropas inglesas e a
política cultural do governo britânico. Por razões de cronologia, foi útil organizar o
capítulo em diferentes secções iniciando pelas negociações de Portugal com o Reino
Unido, seguido de algum esclarecimento sobre as mudanças sociais e económicas na
vida dos habitantes na ilha, ao finalizar com uma explicação das principais práticas
musicais “modernas” e ligadas ao jazz introduzidas pelos ingleses, que tanto ocorriam
no interior na base, assim como no seu exterior.

O terceiro capítulo começa mais uma vez pela contextualização política no


âmbito da diplomacia e o processo negocial para o estabelecimento da base aérea das
Lajes, desta vez entre Portugal e os EUA, durante a guerra e no pós-guerra. Por sua vez,

23
o estabelecimento militar norte-americano torna-se o mais relevante para a
institucionalização do jazz na Terceira. É abordado a forma como o jazz e a música
popular americana era compreendida e tocada entre os militares. Para isso explica-se a
relação do fabrico e da distribuição de fonogramas em contexto militar e a que valores
simbólicos, políticos e sociais estavam associados. Também através das suas
organizações privadas e governamentais, cujo objectivo seria entreterem os soldados,
chegam diversos músicos na fase final da segunda guerra, entre eles algumas
celebridades, tais como Glenn Miller e Frank Sinatra. Os concertos por estes realizados
conjugam-se com a divulgação do jazz e do swing através da imprensa regional e do
cinema. De igual modo, investigam-se quais as estações de rádio construídas após o
estabelecimento da base aérea das Lajes, que além de terem tido um papel relevante na
disseminação do jazz, através da reprodução de fonogramas, foram também
responsáveis pelo planeamento de festas em que participavam diversos músicos. Ainda
é mencionada a importância da tradição filarmónica e militar na ilha que seria a base
para a formação musical de muitos desses músicos.

O quarto capítulo abordará mais aprofundadamente o plano da actividade


musical local revelando a importância dos agrupamentos locais para a popularização do
jazz. De outro ponto de vista, o jazz será instrumentalizado para fins de propaganda de
acordo com a nova estratégia adotada pelo governo norte-americano no pós-guerra,
nomeadamente no âmbito da política do “soft power”. A crescente dinamização do jazz
nas décadas de 1950 e de 1960 acompanha o processo de modernização da base das
Lajes e a emergência de novos agrupamentos musicais, além dos que mantinham a sua
actividade desde a década anterior. A sua popularização produzirá respostas várias e
contraditórias de diferentes sectores da sociedade. Isto é, por um lado, podem se
observar as opiniões de alguns intelectuais do campo religioso que legitimam ou
condenam o jazz. Ao mesmo tempo que este conjunto de ideias se começava a formar
nesse contexto, o jazz era incluído no repertório de grupos musicais e de orquestras que
em termos práticos e discursivos não se estabelecia como um género musical autónomo.
Mesmo que as principais destas orquestras tenham tido origem na cidade de Angra, este
capítulo focar-se-á naquelas que se reuniam na vila da Praia, ou por pessoas que
acabariam por lá residir, como os agrupamentos AeroJazz e Copacabana. Depois de
alguns anos de intervalo a base continuaria a receber diversos músicos estrangeiros,

24
destacando-se o regresso da orquestra de Stan Kenton. O texto finaliza com uma
pesquisa das principais lojas que comercializavam fonogramas e aparelhos de
reprodução sonora.

O quinto e último capítulo, de natureza contextual mais específica, descritiva e


analítica, menciona os agrupamentos mais populares e bem recebidos pela crítica
regional tais como Flama Combo, Orquestra de “Manuel Reis” e Oldmar Band. No
sentido de reter uma ideia sobre que elementos musicais representavam e constituíam
determinada prática musical como “jazz”, procedeu-se à análise musical das gravações
realizadas por alguns destes agrupamentos. Através das mesmas, procura-se entender
qual o conhecimento que as enformava e que as distinguia das restantes em termos
musicais, reconhecendo, por um lado, as suas limitações de acordo com o ideal sonoro
que se pretendia atingir, e por outro, a capacidade colectiva e individual de alguns
músicos. Igualmente, divido este capítulo em várias secções, que se inicia pela
trajectória histórica dos Flama Combo, que inevitavelmente envolve a relação com
outras orquestras, e com importantes agentes no desenvolvimento do jazz na Terceira,
como por exemplo o maestro e instrumentista Art Carneiro. Por conseguinte,
apresentam-se redes de sociabilidade que cruzavam vários músicos de diferentes
contextos performativos, sendo que alguns deles deslocavam-se constantemente entre os
mesmos. A parte final do capítulo tem como análise o repertório das orquestras e que
relação este repertório deteria com a base militar, tendo em conta de que modo a música
popular americana e o jazz seriam difundidos (p.ex. intermediários culturais como a
rádio e televisão, ou a compra de discos na base, ou ainda através de concertos ao
“vivo” por militares estrangeiros, etc.). Isso foi possível dada a recolha de materiais
inéditos como por exemplo as gravações realizadas no Rádio Clube de Angra,
posteriormente digitalizadas, assim como a recolha de material iconográfico referente às
diversas orquestras e agrupamentos locais. A partir da observação e análise desses
materiais aliado à compreensão do papel das indústrias musicais e da música
massificamente produzida e distribuída, bem como as acções das políticas culturais,
neste caso, administradas pelo governo dos EUA, permite-se ter uma visão mais ampla
sobre o objecto de estudo (cingindo-se à recepção do jazz na Ilha Terceira). Portanto,
este trabalho de investigação contribui efectivamente para o estudo de recepção da

25
popular music e do jazz em Portugal, particularmente alusivo às décadas de 1940 e
1960, em que vigorava o governo autoritário do Estado Novo.

26
1. Enquadramento teórico

Para a concretização desta dissertação decidi aplicar uma perspectiva


etnomusicológica a um objecto usualmente enquadrado no âmbito dos Jazz Studies10.
Considerando a relevância desta área de estudo para o caso, segundo a perspectiva de
Sherrie Tucker (2012: 264), a produção teórica adotada neste trabalho procede do
mesmo ideário produzido e impulsionado por autores como Scott DeVeaux e Kin
Gabbard. Pretendo apresentar algumas preocupações da etnomusicologia e, em geral,
das ciências sociais e humanas a uma área de estudo que, de acordo com Timothy
Taylor, adopta frequentemente métodos e orientações da área da musicologia histórica
como meio de legitimação do seu objecto (jazz), enquanto negligencia “questões de
raça, urbanismo, classe social”, e de “cultura” no sentido etnomusicológico e
antropológico (Taylor: 2005). Tal como assume este autor, esta crítica e tentativa de
delimitação das áreas disciplinares é direcionada, em exclusivo, ao contexto académico
e científico norte-americano. Contudo, esta serve para demonstrar que neste trabalho é
necessário fazer distinguir a concepção do jazz estudada no âmbito da etnomusicologia
e a que se encontra institucionalmente estabelecida em Portugal no ensino e no campo
jornalístico e/ou de divulgação.11 Eventualmente, procura-se uma visão alternativa ao
entendimento do jazz como um processo orgânico evolutivo que se direcciona
supostamente para um maior grau de “complexidade musical”. Mesmo que inúmeros

10
Assume-se que o estabelecimento dos Jazz Studies como campo legítimo de estudo tenha iniciado com
Marshall Stearns, primeiro director do Institute Jazz Studies e uma das principais figuras na historiografia
do jazz após a década de 1970. A contribuição mais significativa nesse sentido realizou-se após o
falecimento do autor com o lançamento do Journal of Jazz Studies sob a editoria de Charles Nanry e
David Cayer, primeira publicação académica revista por pares dedicada exclusivamente ao jazz (Poutry,
2011: 95)
11
Em todo o caso, esta afirmação não significa abandonar a pertinência da análise histórica e diacrónica
em relação ao jazz e a contribuição das “comunidades” da diáspora africana para o seu surgimento e
desenvolvimento (Ake, 2001: 13). Pretende, sim, alertar para a complexidade e contradições que
implicam uma identidade grupal e etnicamente circunscrita africana e africano-americana que pode,
eventualmente, levar aso a interpretações raciais do jazz, mesmo que estas estejam sob a forma de
narrativas históricas afrocêntricas. Ake (ibid) detecta este problema explicando: ““However, such
narratives tend to ignore the fact that racial identity among jazz musicians and their attendant audiences
within the various camps of this supposed black/white dichotomy has been marked by contradiction and
antagonism as well as by cultural pride and unity. And what I hope to demonstrate in this chapter is that
lived realities in the jazz world—as in the broader American social and cultural world—are more
complex than our simple biracial categories would lead us to believe.”

27
trabalhos na academia já tenham sido produzidos com esta reserva, Scott DeVeaux
(1991) alerta para o seguinte:

“The envisioning of jazz as an organic entity that periodically revitalizes itself


through the upheaval of stylistic change while retaining its essential identity
resolved one of the fundamental problems in jazz history (…) this requires a
conscious decision to overlook the obvious discontinuity in musical language – to
say nothing of the social and cultural contexts for the music – in favor of a
transcendent principle continuity.”

Portanto, ao invés de concentrar as atenções em delimitar ou categorizar


determinada prática musical como jazz ou não, considera-se a sua natureza dinâmica e
os valores que a subjazem12. Assim, o foco da origem de um “género” ou “estilo”
musical é deslocado para o modo como os grupos manipulam (em termos práticos, isto
é, quanto à forma que adaptam a instrumentação e tocam) e interpretam o produto
sonoro, de acordo com os seus ideais estéticos que são por vezes contrários, contestados
e confrontados por disposições de poder político e social, ou também gerado por elas.
Assim sendo, isto evidencia que o jazz practicado por “terceirenses” 13 não constitui um
exemplo de instrumentalização política como meio de efectiva resistência, como se
sucede anos mais tarde no período do Estado Novo, tal como sugerido e interpretado
nalguns estudos sobre o jazz em Portugal (ver: Cravinho, 2012; Martins, 2008). Ao
contrário disso, este trabalho está intimamente ligado à observação de Bruce Johnson
(2017: 9) no que concerne à relação de cada uma das componentes da diáspora que o
jazz simbolizava (p.ex. cultura “norte-americana”, “negritude”, sexualidade, género,
cultura de massas, urbanização) com a história e o contexto local. Ainda este autor ao
falar sobre a recepção do jazz em sociedades cujo sistema político do tipo totalitário, em
particular sobre a União Soviética e a Alemanha do Terceiro Reich aponta que:

12
Para Thomas Turino (2008: 23) as categorias musicais construídas pelos músicos, críticos, fãs, pela
indústria musical e académicos servem para distinguir estilos e produtos musicais mas dizem pouco sobre
o como e o porquê de indivíduos criarem aquela música em particular e os valores que a englobam.
13
Dado que os militares “estrangeiros” deteriam certamente significados divergentes colectivamente
partilhados que estivessem em consonância com a situação de estado de guerra das respectivas nações e
regiões que representavam e dos quais eram oriundos, neste caso os EUA e o Reino Unido.

28
“Existing studies of jazz under these two regimes make it abundantly clear that the
relationship is both more complex and more instructive than a simplistic model of
resistance (…) both regimes entered into ambivalente relationships with jazz.”
(ibid).

Mesmo tendo em conta a influência das decisões procedentes do espaço político,


requer-se uma atenção às particularidades locais e à criatividade dos principais agentes e
do público. De acordo com o contexto e época histórica analisada nesta dissertação as
apresentações ao “vivo” de jazz poderiam ser classificadas como do tipo “participativo”
(ibid: 26), posto que este domínio musical era usualmente percepcionado como música
para dançar14.

Nesta medida, quando se faz sentir efectivamente o impacte do jazz na Ilha


Terceira na década de 1940, possível de ser designado como um momento de
“modernização” insular indiciada pela ocupação militar britânica e norte-americana, três
problemas se destacam e se articulam entre si que são relevantes para este
enquadramento teórico: 1) partindo da ótica de alguns autores importantes das ciências
sociais e humanas, pretendo realizar uma discussão teórica em torno da noção de poder
e, em particular, de poder “político”, expondo as potencialidades e dimensões do
conceito, tanto quanto a sua utilidade como ferramenta de análise sociológica,
antropológica e histórica. Visto que a influência do poder político nacional/estatal pode
alterar radicalmente a paisagem cultural, social e económica das sociedades, sobretudo
numa conjuntura de conflito mundial, com o aumento do intervencionismo militar a
mandato dos estados, requer-se problematizar o empoderamento político de
determinados actores na participação de processos de diplomacia internacional. Ter-se-á
em conta como alguns mecanismos sociais são engendrados na legitimação da acção de
política externa, especialmente em situações de conflitos entre nações/estados. 2) Por
consequência, partindo desta reflexão sobre poder, é pertinente inserir a ideia de
“modernidade” como representativa de um momento de alterações na organização
económica nas sociedades e no modo de produção de produtos culturais caracterizada
pela venda de mercadoria massivamente distribuída num mercado industrializado e
14
Turino (2008: 52) afirma mesmo que no caso de um “swing, zydeco, contra, ou de uma banda de rock
para dançar” podem ser representados alguns aspectos de uma performance do tipo “apresentativa”, mas
que na verdade, “if the main goal and effect of the music are to get everyone dancing, it is a participatory
performance that simply involves different functional roles – instrumentalists, singers, and dancers”.

29
transnacional. O jazz é então incluído nas discussões do domínio dos popular music
studies e da etnomusicologia, entendido tanto como comodidade e tecnologia, mas
também como prática e discurso envolvendo materiais, redes e relações sociais. 3) A
propagação do jazz sucede-se conjuntamente com os desenvolvimentos nas tecnologias
de gravação e com a crescente popularização da rádio e do cinema, logo desde a década
de 1920, ao mesmo tempo que faz emergir uma série de valores conotados com a
“modernidade” e de novas percepções associadas a produtos musicais provenientes da
cultura africano-americana. Aqui também será apresentado um estado da arte dos
estudos de recepção do jazz em Portugal e que revelem a importância deste trabalho e a
sua contribuição para essa mesma área.

30
1.1 A questão do “poder” nas ciências sociais e humanas e
“poder político” na área das Relações Internacionais

O papel do poder e a sua intervenção na vida social dos indivíduos tem sido um
tema permanente e amplamente debatido no âmbito das ciências sociais e humanas. Um
dos problemas levantados e transversais à literatura influente deste universo intelectual
lida com a identificação de dicotomias como agência-estrutura, dominação-resistência,
individuo-sociedade, ou ainda sob a forma de metodologias, presenciando-se debates
entre perspectivas macro e micro sociológicas e a articulação entre métodos
quantitativos e qualitativos. Michel Foucault, Pierre Bourdieu e Anthony Giddens são
alguns dos autores de referência que retratam o carácter dinâmico e imprevisível deste
dualismo ao introduzirem a noção de “praxis social” nos seus modelos teóricos
(Castellani & Hafferty, 2009: 37). Geralmente situados na escola pós-estruturalista,
distanciam-se deliberadamente dela, principalmente os dois primeiros, dada a
discordância de ambos com o desconstrutivismo de Derrida, no qual apenas se centra
em “representações de significação” partindo da linguagem em vez de contar,
igualmente, com “estruturas sólidas” e instituições “materiais”15 (Milner, 1993: 106) Na
perspectiva de Bourdieu e Foucault a dialéctica entre a formação de subjectividades e a
estrutura cultural e social pré-determinada é continuamente renovada por mecanismos
de poder relacional, simbólico ou invisível – respectivamente, sob a forma de habitus ou
da vinculação de poder/saber – distinto de uma suposta hegemonia centralizada. Na
obra de Bourdieu a dominação tem um papel omnipresente e fundamental para a
reprodução da vida social, por outro lado, permite também a possibilidade de momentos
criativos de resistência ligados à praxis colectiva “não-racional”, isto é, “disposições
que podem permitir novas necessidades, solidariedades e processos de acção pós-
hegemónica sem uma supervisão central.” (McDonell, 2013: 1) De outra forma, os

15
Apesar de ambos os autores serem influenciados pela tradição marxista e, eventualmente, pelo
materialismo histórico, diferenciam-se significativamente dela. Para Foucault (2008: 26, 27) as condições
políticas e económicas de existência não se impõem e impedem a relação do sujeito com a verdade, mas
produzem e constituem esse mesmo sujeito de conhecimento. Bourdieu demarca-se de Marx sem nunca o
declarar expressamente. Dos muitos pontos que podem ser considerados, a divergência está quando o
autor concebe o conflito de classes como uma luta sobre a distribuição de capital e entre proprietários de
diferentes capitais (simbólico, social, cultural e económico) desconsiderando a ideia marxista de
exploração de valor excedente. (Desan, 2014: 335)

31
problemas colocados por Bourdieu e Foucault procuram igualmente decifrar como
opera e se dispersa o poder político na sociedade moderna (Cronin, 1996). Bourdieu
observa que as relações de dominação simbólica estão intimamente ligadas à
emergência de um Estado moderno que produz e impõe categorias de pensamento que
os agentes aplicam espontaneamente ao mundo social (ibid: 71). Assim como Bourdieu,
Foucault observa que o poder político se exerce por instituições aparentemente neutras
como o sistema escolar, a medicina, a psiquiatria, etc. com fins a concentrar e a manter
instrumentos simbólicos e culturalmente legítimos numa determinada classe social em
detrimento de outra. Apesar disto, atendendo ao contexto abordado na dissertação,
tratar-se-á de ver formas de poder político mais “explícitas” tendo em conta as
características que normalmente a ele estão associadas, como a relação entre nação e
Estado, a intervenção militar e o processo diplomático envolvendo Portugal no quadro
internacional da Segunda Grande Guerra.

32
1.1.1 Poder dos Estados e diplomacia na modernidade

Na obra The Nation-State and Violence (1984), o autor Anthony Giddens mostra
que a sociedade moderna se caracteriza e se edifica pela convergência de vários pontos,
tais como o aparecimento da nação-estado, a expansão do capitalismo, a
industrialização da guerra e o aumento das conexões globais. Na sua óptica, as relações
internacionais vão decorrer da integração de uma nação numa relação sistémica com
outras nações contribuindo para o alargamento das fronteiras nacionais e reforçando,
simultaneamente, as soberanias de Estado (Giddens, 1984: 235). O desenrolar da I
Guerra Mundial acompanhou progressivamente o desenvolvimento da produção
industrial e da legitimidade das autoridades governamentais, como representantes do
Estado e da nação, deterem o controlo sobre o monopólio dos meios de violência 16,
veiculado pelos ideais do nacionalismo e pelos direitos de cidadania (ibid: 265). Além
disso, Giddens refere que a segunda guerra mundial funcionou apenas como uma
extensão da guerra precedente, no que toca à expansão militar e à dependência das
capacidades industriais dos Estados (ibid). É de assinalar que a compreensão do
desenrolar e do resultado destes “grandes” eventos históricos descritos pelo autor devem
ser interpretados tendo em vista a sua “teoria de estruturação” 17, e não como momentos
radicais de ruptura social provocados por um movimento contra-hegemónico. A
resposta a um determinado poder ou estrutura social produz-se também através dessa
mesma estrutura, isto é, trata-se de um processo dialéctico e em constante mudança:

“A estrutura não deve ser concebida como uma barreira à acção, mas sim como
encontrando-se envolvida na sua produção, mesmo que nos encontremos em
presença dos mais radicais processos de mudança social (...)” (Giddens, 1979: 44)

16
Giddens na sua obra retoma a ideia clássica de Max Weber sobre o tipo de poder coercivo da nação-
estado enfatizando que “lays claim to the monopoly of legitimate physical violence within a particular
territory” (Weber, 1994:310, 311)
17
Ao divergir da sociologia estrutural de Émile Durkheim, Giddens (1986: 169) esclarece: “In contrast to
this view, structuration is based on the proposition that structure is always both enabling and constraining,
in virtue of the inherent relation between structure and agency (and agency and power).”

33
Análoga a esta preocupação, Thomas Eriksen e Iver Neumann (1993) ilustram
como a ideologia nacionalista, em momentos de confronto e conflito mundial, sustenta e
capacita a negociação e reciprocidade entre o Estado, uma vez que este se compromete
a proteger a propriedade e vida dos habitantes, e os cidadãos, que contribuem, por sua
vez, para a reprodução do Estado. Ernest Gellner (1983: 1, 86) compreende que o
nacionalismo, como teoria de legitimação política aliado com a emergência da
modernidade, sobrepõe-se às barreiras étnicas e à diversificação cultural que,
contrariamente ao realce que o marxismo atribui na luta e diferenciação de classes
promovida pela industrialização e relações económicas sociais reificadas, tem como
objectivo principal assegurar a diferenciação com os outros Estados e nações.

A teorização social sobre o sistema de relações internacionais, sistema este


integrado num complexo industrial e estatal, implica também ter de pensar como o
poder opera em permanente diálogo entre as condicionantes externas e as
subjectividades. Alexander Wendt (1987:333), ao lado de autores da sociologia como
Giddens, Bourdieu, Layder, etc., prosseguindo no mesmo raciocínio que ousa em
ultrapassar a tendência de optar por um polo contra o seu contrário (p.ex. indivíduo vs
sociedade), propõe intercalar as perspectivas teóricas neorrealistas (Waltz, 1979) e do
sistema-mundial (Wallenstein, 1974), ambas referentes ao sistema de relações
internacionais18. O autor, nesse mesmo artigo, crítica as estratégias ontologicamente
“reducionistas” destas duas visões. Na interpretação neorrealista a “estrutura do
sistema” actua como uma força externa coerciva sobre a acção dos estados em vez de
gerar ou proporcionar condições que possibilitem essas mesmas acções. Por sua vez, na
interpretação sistema-mundo os agentes estatais acabam por ser um “efeito” ou uma
consequência de todo o aparato sistémico pré-estabelecido que tem por base a
organização económica capitalista. Para uma explicação totalizante da acção dos
estados, Wendt (ibid: 365) sugere que:

18
Segundo o autor, na teoria neorrealista os Estados são considerados actores sociais que detêm
responsabilidade e capacidade “individual” de tomar decisões assentes na maximização dos seus recursos
num panorama internacional anárquico, em que as instituições não-estatais assumem um papel pouco
relevante na “sobrevivência” de cada um dos Estados. Em termos estruturalistas, teóricos do sistema-
mundial definem o sistema internacional de acordo com os princípios organizadores da economia global
capitalista que subjazem à formação e constituição dos actores estatais (Waltz, 1979).

34
“If the proprieties of states and system structures are both tought to be causally
relevant to events in the international system, and if those proprieties are somehow
interrelated, then theoretical understandings of both those units are necessary to
explain state action.”

A divisão em estados no mundo comtemporâneo consiste fundamentalmente na


organização política de um território povoado e de governos diferentes legalmente
independentes uns dos outros (Sorensen & Jackson, 2007: 5). Por outro lado, o sistema
de relações internacionais constrói-se através de interacções entre os estados
concretizadas eventualmente sob processos diplomáticos oficiais e negociais dos
governos encarregados. As relações internacionais, segundo Rose e Miller (1992: 178),
são assim um complexo “diplomático-militar” 19 que empodera determinados agentes e
forças a agirem e a falarem em nome de um território. Assim sendo, pode ser delineado
um espaço político discursivo e ideológico, ou uma “comunidade cultural”, que deriva
do contacto entre determinadas elites situadas na política internacional (Eriksen &
Neumann, 1993: 243). Neste campo, deve ser esclarecida a função das relações externas
e da diplomacia nas estratégias políticas e militares delineadas pelos Estados. Santa
Clara Gomes preocupa-se precisamente com estes tópicos ao demonstrar que a política
externa é a “actividade desenvolvida pelo Estado em relação a outros Estados e a outras
entidades com relevância internacional, com vista a realizar objectivos que lhe são
próprios” (1990: 55). Por sua vez, a acção diplomática é um dos possíveis instrumentos
da política externa ao lado da estratégia e da coercção militar que se fundamenta nessas
relações entre os Estados prosseguidas de “maneiras pacíficas, mais ou menos formais,
mais ou menos legítimas até, mas que não implicam o uso da força militar” e, realizadas
principalmente por “agentes acreditados do Estado” (Gomes, 1990: 56) A diplomacia
pratica-se com o objectivo de favorecer os “interesses nacionais” e, por essa razão,
mesmo em momentos de conflito esta serve para estabelecer relacionamento com
nações neutras e aliadas (Aron, 2002: 72, 73).

19
Termo usado por Foucault (2008: 4, 5) para representar um dispositivo cuja articulação do poder militar
com a diplomacia tem o objectivo de manter a pluralidade dos Estados livre da absorção imperial, de tal
maneira que um equilíbrio pode ser estabelecido entre eles sem a produção dos tipos imperiais de
unificação através da Europa. Este tópico está incluído nos três pontos que o autor enuncia associados
com a nova racionalidade governamental, ou Raison d’Etat, construída no séc XVI, que define a
especificidade e a realidade relativamente autónoma do Estado.

35
1.2 Modernidade, indústrias culturais e o jazz

Assim como acontece na literatura enunciada sobre o poder político e a sua


relação com a construção do Estado moderno e o estabelecimento de um sistema de
relações internacionais, o jazz é igualmente objecto de debate naquilo que são as
transformações na produção industrial e a expansão “global” do mercado capitalista,
momento este referido por diversos autores como modernidade. Este tema atravessa de
igual modo discussões sobre a capacidade crítica dos sujeitos assentes na dicotomia
dominação/emancipação no momento em que são confrontados com a produção e
reprodução de objectos culturais massivamente distribuídos, entre os quais a popular
music e particularmente o jazz fazem parte.

Theodor Adorno20, critico sobre o lugar do jazz e da popular music na


“modernidade tardia”, descreve o jazz na década de 1950 como um fenómeno de massas
enquadrando- o como um produto das indústrias culturais (1997: 119). Esta critica
dirigida exclusivamente ao jazz tocado em formato big-band/orquestra, em que para o
autor tratar-se-ia de uma música com uma função social especifica associada ao
entretenimento e à dança21, alerta para a colonização de um “outro”, neste caso referente
à cultura africana e africano-americana, manufacturado pelo processo industrial do
Ocidente e pela “estetização do privilégio” desse “outro” colonizado por parte da
burguesia europeia (Leppert, 2002: 355). Na visão de Adorno os efeitos perversivos da
modernidade encontram-se subentendidos no texto musical comodificado, como por

20
Sabe-se que o pensamento de Adorno ocupa um lugar central nos estudos da popular music e do jazz no
âmbito das ciências sociais e humanas e para este caso é inevitável uma breve passagem pelo seu ideário,
principalmente porque levanta questões pertinentes sobre as relações de poder implícitas na sociedade
industrial com eventuais efeitos sociais e psicológicos na recepção musical. Conhecida a importância e a
enorme bibliografia escrita pelo autor e sobre o autor apresento apenas algumas preocupações que
esclarecem a posição crítica enveredada nesta dissertação quanto a esta visão.
21
Vários estudos contextualizam o jazz que Adorno experienciou ao longo da sua vida. (p. ex. o artigo
“The Jazz Essays of Theodor Adorno: Some Toughs on Jazz Reception in Weimar Germany” de
Bradford Robinson, ou ainda o livro de Jonathan Wipplinger intitulado The Jazz Republic: Music, Race,
and American Culture in Weimar Germany). Segundo Leppert (2002: 357) “the jazz in question was the
popular dance music produced in the waning years of the Weimar Republic and also in England during
Adorno ́s exile years there.” Em contrapartida a crítica aqui referida não deve subscrever a ideia de que o
jazz “não-comercial” ou não massificado desconhecido por Adorno seria efectivamente emancipador e
visto a bons olhos pelo autor. Uma crítica desta natureza estaria assente numa pressuposição ideológica
que coloca a música de arte como oposição a uma música de massas/comercial (ironicamente demasiado
adorniana).

36
exemplo na relação da sincopação com os imperativos da produção moderna do horário
de trabalho mecanizado e repetitivo (Lewandowski, 1996). O carácter normativo e
homogeneizante da industrial cultural é tal que, para Adorno, a introdução de um novo
idioma musical assim como as atitudes e experiências não-conformistas dos ouvintes do
jazz na época apresentam-se como ilusórias pois estes sujeitos são “less and less
themselves. Individual features which do not conform to the norm are nevertheless
shaped by it, and become marks of mutilation” (1997: 125) Tia DeNora (2005) oferece
uma perspectiva alternativa à de Adorno - cuja visão para a autor é “estruturalista” e
demasiado determinista22 - ao reconhecer a incorporação e emoção como partes centrais
na produção de agenciamento pessoal. Portanto, além do uso da música como
instrumento político, tal como Adorno considera, é possível conceber a música, e em
particular o jazz, como prática cultural expressiva, ou seja, quando esta apresenta uma
função capital na construção de identidades colectivas e, portanto, na criação e
manutenção de grupos socialmente constituídos (Turino, 2008: 2).

Também a etnomusicologia se debateu constantemente com preocupações


semelhantes à de Adorno que enfatizam a homogeneização cultural e perda de
autenticidade de práticas musicais locais, preocupações estas que lidam com a expansão
das indústrias ligadas à música e aumento de circulação de suportes tecnológicos para
reprodução musical. Nettl (2005: 209) ilustra bem esta ideia referindo: (modos de
apropriação cultural e social que não se encontram ligados ao “progresso” tecnológico e
à industrialização), a ter em conta no modo que grupos, sociedades e culturas diversas
manipulam, interpretam, reutilizam esses valores e materiais. Sahlins (1999: 410) alega
que não se trata de uma questão dos indivíduos resistirem à globalização e às
conveniências da “modernização”, mas de uma indigenização da modernidade, isto é,
“their own cultural space in the global scheme of things”. O mesmo autor explica:

22
DeNora refere que Adorno fundamenta-se a partir da premissa de que a música preexiste a consciência,
o que permite com que o autor se concentre na forma musical sem investigar o modo de produção,
recepção e disseminação. No entanto, DeNora não menciona que a música para Adorno, como todos as
restantes mercadorias e produtos culturais, encontram-se integrados num sistema de produção capitalista
assente na procura do lucro e na apropriação do valor acrescentado pelo trabalho. Será nesse sentido que
Adorno sublinha a importância do valor de troca sublinhando que “What might be called use value in the
reception of cultural commodities is replaced by exchange value in place of enjoyment there are gallery-
visiting and factual knowledge: the prestige seeker replaces the connoisseur (...) Everything is looked at
from only one aspect: that it can be used for something else, however vague notion of this use may be. No
object has an inherent value; it is valuable only to the extent that it can be exchanged. (1993:20)

37
“This dialectic of similarity and difference, of convergence of contents and
divergence of schemes, is a normal mode of cultural production. It is not unique to
the contemporary globalizing world. On the contrary, its precolonial and
extracolonial occurences help explain the colonial and postcolonial.” (ibid: 410)

Esta posição de índole antropológica contesta, de igual forma, a convergência


das sociedades industriais decorrentes do programa cultural da modernidade cujas teses
de Weber e Marx implicitamente defendem (Eisenstadt, 2001: 139) A tendência da
globalização, segundo Eisenstadt (ibid: 157), acompanha repetidamente investidas
diversas por parte de grupos e movimentos sociais e culturais que se apropriam e
redefinem o discurso da modernidade nos seus próprios termos. Está em causa
conceptualizar múltiplas modernidades assim como abrir espaços de pluralidade
identitária e interpretativa face a teorias totalizantes e Eurocêntricas da modernidade
(Kaya, 2004). Facilmente se pode estabelecer uma associação entre um sistema
económico uniforme premeditado e instrumental imposto de “cima” e a modernidade e
a globalização, no entanto, segundo Grenier e Guibault (1990: 389) tal projecto
moderno de uma política económica global estará sempre destinado a produzir
contrafeitos ou resultados contraditórios.

38
1.2.1 Jazz e processos de ocupação militar americana

Retomando Adorno, apesar das suas duras criticas dirigidas à forma que o jazz
foi colonizado e apropriado pelas indústrias culturais, a sua perspectiva dá também
alguns indícios que ajudam a situar historicamente as relações de poder inerentes à
configuração do jazz na modernidade. Uma das analogias que o autor insiste fazer no
decorrer da sua obra prende-se com a relação das “origens” do jazz moderno com
algumas das especificidades musicais e valores políticos subentendidos na marcha
militar. Itikawa Tanaka (2012) cria um diálogo entre Adorno e os seus críticos em que
estes apontam para a relevância do impacto da militarização na emergência e
formulação do jazz nos Estados Unidos. Mesmo que não interesse fazer nesta
dissertação uma história deste domínio musical, Peretti (1994: 26) comprova, por
exemplo, que as bandas de metais constituídas por negros, reconhecidas como
precursoras dos grupos de jazz, na década de 1970 do séc. XIX, tomaram o modelo das
bandas militares francesas que detinham uma forte tradição na cidade de Nova Orleãs.
A existência de inúmeras bandas de metais nessa cidade também se devia à ampla
disponibilidade de instrumentos das bandas dos Confederados após a guerra civil. (ibid).
Como este exemplo pode indicar, entre vários no decurso da história do jazz em
diferentes sociedades e locais, a frequente relação deste com o universo da música
militar demonstra a sua relação íntima com períodos e contextos coloniais e pós-
coloniais23. Suzel Reily e Katherine Brucher (2013: 1) vêem a vasta dispersão de bandas
de instrumentos de sopro pelo mundo como resultado de uma interligação entre
fenómenos globais - como a militarização e o colonialismo - e localizados - assegurados
pela flexibilidade e adaptabilidade da instrumentação a uma larga gama de estilos e
géneros musicais e contextos performativos. As actividades das bandas militares
acabam frequentemente por ir além do campo de batalha e da parada militar e
sobrepõem-se com outras instituições tal como se sucedeu no passado nos
agrupamentos filarmónicos como é o exemplo da corte, igreja, ou em eventos
comerciais e recreativos etc. (Reily & Brucher, 2013: 7). O estudo da modernidade,

23
Várias bandas militares activas no início do séc. XX e no fim do séc. XIX incorporavam repertório de
ragtime tal como a John Philip de Sousa Band e James Reese Band.

39
política e o jazz identifica-se com os tópicos entrecruzados que ambos os autores
sugerem relativamente às bandas de instrumentos de sopro:

“In bands, there is a rich space for the academic exploration of various themes that
have become the focus of current debate, such as globalization and its counterpart,
localization (or “glocalization”) colonialism, post-colonialism and modernity; space,
place and the ecology of sound; community musicking and music sociability among
other themes.” (ibid: 6)

Serão de seguida enunciados alguns estudos na área dos popular music studies
que foram dedicados a alguns dos problemas anteriormente expostos. De entre estes, a
questão mais relevante, que acaba por articular diversos tópicos, concentra-se no
impacte da ocupação militar globalmente dispersa como agente de mudança nas práticas
musicais, também afectando o plano social e económico por via da implementação de
novas tecnologias, produzindo novos valores e percepções, resultante da interacção
entre militares e locais.

A investigação de Mamoru Toya (2014) trata de analisar as transformações da


popular music no Japão introduzidas pela ocupação militar norte-americana no período
do pós-guerra. Ao mesmo tempo que se estabelece um conjunto de bases militares,
constroem-se, ao longo do território japonês, diversos clubes para entretenimento das
tropas, do mesmo modo que se sucedia noutros lugares no continente europeu e asiático.
Revela-se que esses clubes apresentavam uma oportunidade para os músicos japoneses
ganharem dinheiro durante aquilo que foi um período instável da economia do país,
principalmente por terem sido oficialmente derrotados no conflito com os EUA. O
reportório mais solicitado pelos soldados americanos incluía jazz, swing e “hit songs”
“americanas”, e eram tocadas através da partitura, por músicos japoneses que
performavam frequentemente nestes clubes, quase sempre em modelo big-band ou em
combos mais pequenos. O autor revela que a cultura musical da “Ocupação” era um
espaço “luxuoso” no meio da reconstrução do pós-guerra, completamente diferente da
situação de um Japão derrotado (ibid: 55). Entretanto, o novo contexto político e a
ocupação militar norte-americana suscitaram sensibilidades complexas e ambivalentes
nos funcionários japoneses pelo facto destes passarem a trabalhar para um exército que
momentos antes era classificado como inimigo. O autor também salienta a importância
dos mass media, particularmente da televisão para a disseminação da popular music no

40
Japão. A introdução da emissão televisiva regular em 1953, coincidindo com a
ocupação dos militares norte-americanos, permitiu o acesso dos autóctones com práticas
musicais do universo popular anglo-saxónico, para além daqueles que tinham acesso aos
clubes e às zonas militares e, portanto, contacto directo com as mesmas.

Ainda no continente asiático, Heenjin Kim (2013) demonstra que na década de


1950, por via dos fluxos e encontros musicais no interior do contexto transnacional da
Guerra Fria, estilos e géneros da popular music foram gradualmente assimilados no
reportório das bandas militares da República da Coreia (RDC), no qual era prevalecente
as marchas militares e obras de música “clássica”. A junção de novos estilos e géneros
musicais representava, de forma clara, uma adaptação do reportório das bandas militares
dos Estados Unidos que estacionavam e performavam no Sul da Coreia. Seria gerada
consequentemente uma tensão entre os músicos militares sul coreanos por terem de
manter um reportório de pendor nacionalista ao mesmo tempo que inseriam outras
formas musicais “transnacionais”. Ainda antes da guerra da Coreia, compositores como
Huijo Kim alargaram o seu leque de composições ao observarem e serem motivados
pelas bandas americanas. Como nota o autor a contribuição deste tipo de cultura musical
para o campo da música no Sul da Coreia foi construído com base na capacidade e no
desenvolvimento de uma musicalidade versátil capturada pelos membros das bandas
militares da RDC, em que tinham de tocar tipos de música diversos para diferentes
propósitos militares.

41
1.2.2 Estudos de recepção do Jazz em Portugal, Historiografia do
jazz,
popular music e modernidade

Antes de passar propriamente aos estudos de Jazz em Portugal irei indicar alguns
dos pressupostos teóricos que tratam do processo musical em contexto industrial, tendo
em conta as transformações sociais e tecnológicas que acompanharam o surgimento do
jazz na modernidade. A historiografia do jazz terá, por conseguinte, de encarar
inquietações etnomusicológicas como a construção de uma categorização musical, cuja
maleabilidade é indissociável dos significados e práticas diversas que subjazem a essa
categoria e aos produtos musicais industrialmente fabricados e distribuídos.

As fronteiras do jazz enquanto domínio musical tornam-se difíceis de determinar


de acordo com Mark Gridley (1989) ao passo que as suas características sonoras não
estão directamente ligadas às considerações por parte das “audiências” relativamente ao
facto de considerarem esses produtos musicais como jazz. Scott DeVeaux (1991) critica
especificamente a historização evolucionista e linear do jazz e acrescenta as suas
dimensões raciais, políticas e económicas, realçando também a sua relação com o
sistema capitalista. O autor propõe uma aproximação ao estudo do jazz que se distancie
das narrativas históricas tendentes a procurar legitimar o jazz enquanto “música de
arte”, das quais se afastam da perspectiva do estudo da popular music enquanto produto
das indústrias dependentes do comércio da musica e tecnologias associadas (p.ex.:
meios de reprodução sonora):

“The accepted historical narrative for jazz serves this purpose. It is a pedigree,
showing contemporary jazz to be not a fad or mere popular music, subject to the
whims of fashion, but an autonomous art of some substance, the culmination of a
long process of maturation that has in its own way recapitulated the evolutionary
progress of Western art.” (DeVeaux, 1991: 526)

Segundo Washbourne (2006), é na década de 1930 que o jazz surge como um


fenómeno da popular music: “in the 1930s, jazz, often synonymous with popular music,
reached the apex of its commercial appeal. At that time, jazz records represented close

42
to 70 percent of recording industry’s market share.” (referindo-se neste caso aos EUA).
Contudo, o mesmo autor relembra que estes “discos de jazz” estavam frequentemente
associados à música de dança. Na cultura popular norte-americana dos anos de 1930 até
à década de 1950 do pós-guerra os conjuntos de dança ou de baile mantiveram um papel
central para a “indústria musical como um todo” (DeVeaux, 1997: 253). DeVeaux
chama atenção para o facto das orquestras de swing serem ainda, no início dos anos da
década de 1940, sobretudo, orquestras de dança, ou como o autor melhor esclarece24:

“We tend now to think of swing as a form of jazz and to reduce it to its music – the
solos and arrangements carefully preserved in shellac (…) Swing bands were still
dance bands, playing in ballrooms to publics that might dance to Count Basie or
Jimmie Lunceford one week and Kay Kyser or Guy Lombardo the other.” (1997:
300)

Quanto à modernidade e a sua relação com o jazz, Baxendale (1995) oferece


uma perspectiva útil para associar as diferentes experiências sociais e culturais
relativamente à “modernidade tardia” que despertara entre os anos 1910-1930 na
Inglaterra, com a influência das novas formas musicais africano-americanas e latino-
americanas e a apropriação das mesmas pelas indústrias “musicais” em crescimento,
que agora estabeleciam-se como “industrias musicais multinacionais”. A popularização
e disseminação globalizada do jazz – rótulo este que foi inicialmente atribuído ao
ragtime segundo Baxendale - foram consumadas num processo contínuo que se tinha
formado nas décadas posteriores e que culminou com as novas tecnologias de
reprodução musical. Segundo o autor, a música sincopada e as danças “extraeuropeias”
serviam de mediação para um conjunto de conotações sexuais e raciais – conotações
estas que estariam intercaladas através da libertação dos códigos de constrangimento da
mulher, que cedia lugar à sua expressão sexual, assim como gestos e contorções do

24
Uma das propostas do autor na monografia aqui referenciada centra-se em refutar a ideia perpetuada na
tradição do jazz sobre a revolução do bebop e a sua ruptura abruta com estilos e géneros musicais
anteriores, neste caso com aqueles que subsistiam na “era do swing”. Em vez de músicos como Gillespie
e Parker terem reagido contra o swing estes foram incorporando progressivamente novas técnicas e
recursos musicais e, desta forma, divergiram progressivamente dele (DeVeaux, 1997: 7). Art Blakey and
The Messengers, mais o trabalho do pianista e compositor Horace Silver no grupo, são um exemplo
ilustrativo de músicos bebop que repercutiram sonoridades que estavam associadas aos estilos musicais
concomitantes na época, combinando a “complexidade” do bebop com “simplicidade contundente” com
temas “bluesy” e inspirados no gospel assim como ritmos dançantes de proveniência latina e negra
(DeVeaux & Giddins, 2009: 326, 444)

43
corpo ligados à ideia do “selvagem”, “extraeuropeu” e de identidade “negra”. O
“primitivismo” aparece, da mesma forma, na construção de narrativas românticas
transversais à própria literatura da história do jazz nos anos 20, ao lado de discursos de
legitimação de práticas musicais africanas. Segundo Ted Gioia (1989) críticos franceses
como Robert Goffin e Hughes Panassié estabeleciam esta forte relação entre cultura
“primitiva” do negro e a autenticidade do músico de jazz.

Em Portugal a recepção dos diversos objectos culturais de produção industrial


americana – sobretudo produtos de entretenimento africano-americanos – induz também
a que no âmbito nacional se produzam práticas culturais que espoletem percepções
ambivalentes relativamente à alteridade racial, tanto provocando discursos que realçam
a autenticidade e o primitivismo associado à raça negra, como valores devedores de um
pensamento social evolucionista (cf. Ferro, 1924). No campo literário, as novelas de
Mário Domingues (1930), O Preto do Charleston; de Reynaldo Ferreira (1923), Preto e
Branco e de Guedes de Amorim (1931), A Bailarina Negra, constituem um exemplo
paradigmático na descrição daquilo que seriam as percepções e estereótipos de
transgressão sexual e de uma imposição de identidade reificada por parte do homem
branco sob a raça negra e às suas práticas expressivas, que, evocando novamente
Baxendale (ibid), estavam simultaneamente interligadas aos valores emancipatórios da
mulher. Ainda assim, no artigo de Pedro Roxo (2009) é aprofundada esta
reconfiguração do jazz em Portugal, demonstrando que o termo ‘jazz’ se tratava de um
conceito bastante polissémico. Esta multiplicidade interpretativa lidava com a
emergência de uma cultura e música popular conotada com a representação do africano-
americano e suas práticas expressivas, principalmente a ligação particular entre o corpo
e a dança, e as fronteiras raciais e somáticas estabelecidas pelas estruturas de poder na
sociedade portuguesa, já após a instauração formal do Estado Novo. Prosseguindo,
António Ferro (1924) em Idade do Jazz-Band aclama o jazz como símbolo da
modernidade e exalta o cosmopolitismo musical divergindo, numa fase inicial, da
ideologia nacionalista do Estado Novo, mas aproximando-se dela a partir do início da
década de 30 e sobretudo quando ocupa o cargo de Director da Emissora Nacional em
1941. A recepção dos produtos musicais de indústria popular americana incitou diversas
formações musicais e orquestras portuguesas nas décadas de 1920 e 1930 que
“abrilhantavam os bailes” a implementarem “a famosa linguagem musical, composições

44
originais e/ou populares cuja orquestração e interpretação eram inspiradas no jazz norte-
americano” (Martins, 2006: 78). De outro ponto de vista o termo jazz-band aludia a
esses agrupamentos musicais – também entendidos como “orquestras de jazz”, ou de
“música moderna” – perdurando, nalguns casos, bem depois da década de 1950 (Roxo,
2009: 245)

Os estudos sobre o Jazz na Ilha Terceira são escassos à excepção da obra


publicada por João Moreira dos Santos e António Rubio Jazz na Terceira: 80 anos de
história (2008), que embora não pertença ao âmbito das ciências sociais e humanas,
torna acessíveis diversas fontes primárias imprescindíveis de serem examinadas. Deste
modo, poucos trabalhos sobre as regiões insulares portuguesas se referem às práticas
musicais locais modernas incidindo, por sua vez, maioritariamente sobre o universo
ritual da tradição e dos costumes rurais e a procura da construção de identidades étnicas
e culturais colectivas, neste caso a açoriana 25. O trabalho de Rubio e Moreira dos Santos
é também relevante por expôr a importância do estabelecimento e permanência da base
militar britânica e norte-americana para a disseminação do jazz na Ilha Terceira,
portanto, de formas modernas de entretenimento e de música.

25
É fundamental por em confronto os estudos etnográficos sobre as regiões insulares açorianas (por
exemplo as obras do etnógrafo Luís da Silva Ribeiro e do etnomusicólogo Artur Santos, entre outros). A
influência desses estudos no pensamento antropológico e etnomusicológico sobre o arquipélago é de
enorme relevância visto que se sobrepôs a outras preocupações fundamentais, como a relação da vida
cotidiana das populações com as tecnologias. Sendo o arquipélago, naturalmente, de geografia insular
encontra-se propicio à fabricação de discursos por parte de investigadores e intelectuais de um “outro”,
isolado e periférico, em que a defesa da “idiossincrasia” cultural e dos valores “rurais” são altamente
valorizados em oposição ao “contágio” da modernização.

45
1.3 Metodologias: entendimento teórico e método sobre as
Relações Internacionais e Etnomusicologia Histórica

As duas abordagens que irei de seguida enumerar não se sequenciam de forma


ordenada, mas sobrepõe-se e articulam-se ao longo do trabalho. A primeira abordagem
traduziu-se na realização de entrevistas etnográficas com diversos agentes locais de
produção – entre estes alguns músicos - e recepção do jazz na Ilha Terceira e ainda com
familiares e amigos dos músicos que estiveram em actividade durante as décadas de
1940, 1950 e nos inícios da década de 1960, músicos estes que infelizmente na sua
maioria já pereceram. Este conjunto de interlocutores foram essenciais para a
disponibilização de iconografia, documentação e fonogramas, e, igualmente, na própria
formação e modificação do objecto de estudo, visto que não desempenham apenas um
papel de mediadores directos do passado descrito, e do qual o investigador terá acesso,
mas considerando que estes produzem o passado através do presente partindo de
discursos e representações de memórias objectivamente e subjectivamente construídas,
quer por indivíduos que experienciaram em primeira mão o surgimento do jazz na ilha,
como aqueles que detiveram uma relação de amizade ou familiar com músicos e outros
agentes de produção e recepção desde domínio musical.

A segunda abordagem pretende mostrar como o jazz deteve propósitos


propagandísticos de instrumentalização política e ideológica a mandato de instâncias
governamentais norte-americanas durante o conflito da Guerra Fria. Os dois principais
estudos pertinentes para este assunto são os livros: Jazz Diplomacy: Promoting America
in the Cold War e The Color of Jazz: Race and Representation in Postwar American
Culture. Esta abordagem também procede de uma contextualização histórico-política
derivada da imensa bibliografia da área de Relações Internacionais para atender a
processos de militarização e de natureza negocial entre Portugal e outros países e a
posição dos Açores e da Ilha Terceira neste quadro politico durante a Segunda Guerra.
A construção e permanência da base das Lajes é assim efeito de uma discussão e
compromisso entre poderes de Estado. Isto posto, as decisões tomadas na esfera política
terão reflexo no plano económico, social e cultural, e, eventualmente, na introdução
46
efectiva do jazz na ilha. Por outro lado, numa visão crítica dos textos enunciados de
Relações Internacionais, devem-se ter, a meu ver, algumas reservas. Em primeiro lugar,
o enfâse atribuído a determinadas figuras e líderes responsáveis pela liderança dos
governos e nações em conflito, simplifica, até certo ponto, o poder de decisão das
estratégias militares adotadas. Nisso está em causa a necessidade de observar-se as
redes de sociabilidade e valores que estes indivíduos se inseriam que vai para além da
tentativa de se construir um encadeamento lógico e uma continuidade histórica das
várias decisões geopolíticas e geoestratégicas tomadas e dos diferentes acontecimentos,
inesperados ou expectáveis, que se sucederam durante a guerra. Outro aspecto
problemático, seguindo o mesmo raciocínio, prende-se ao facto de que não é clara, ou
não é expressa, por parte dos autores uma reflexão epistemológica que questione a sua
relação com as fontes recolhidas, justamente quando muitos deles participam ou
participaram activamente e detêm múltiplas relações com agentes e forças do campo
político. (Eagleton-Pierce, 2011) Por fim, Hamati-Ataya (2012) identifica que subsiste
uma “confusão” nas Relações Internacionais entre o conhecimento produzido na
disciplina e as estratégias postas em prática na política externa. O chamado “Terceiro
Debate”26 nas RI foi instigado precisamente pela entrada de novos actores internacionais
“não-governamentais” que desafiaram abordagens centradas nos Estados e no poder
militar realçando, em contrapartida, abordagens culturais e económicas para explicar o
conflito e a integração internacional (Hamati-Ataya, 2010)

O seguinte trabalho apesar de adotar uma pespectiva histórica e diacrónica


circunscreve-se ao âmbito da etnomusicologia e da antropologia cultural, isto é, o
investigador no decorrer do trabalho de terreno lida inevitavelmente com o presente e a
elaboração que daqui advém de um passado múltiplo engendrado pela pluralidade
discursiva dos seus intervenientes. (Bohlman, 1997) Segundo Bohlman o trabalho
historiográfico do etnomusicólogo passa por reconhecer a natureza maleável e fluida
das fronteiras que separam o passado do presente (ibid.) Nettl, seguindo este mesmo
raciocínio, destaca a mudança de paradigma teórico no domínio da antropologia através

26
A premissa que fomentou o Terceiro Debate nas Relações Internacionais, em contraste com os debates
anteriores ontologicamente orientados, foi de carácter epistemológico questionando o conhecimento
construído no interior da disciplina e para uma perspectiva que adotasse uma maior reflexividade por
parte dos investigadores. Sucedeu-se assim uma discussão entre teóricos realistas e idealistas, ou mais
concretamente, entre racionalistas e reflexivistas. Preocupação esta que se reproduziu nas diversas
disciplinas das ciências sociais e humanas.

47
da introdução da noção de reflexividade no início da década de 1950 27, que levaria, no
olhar sobre a relação entre o passado e o presente, a uma atenção especial à
interpretação e conceptualização da sociedade sobre o seu próprio passado (conceitos
emic) (Nettl, 1996).

Neste sentido, a crítica pós-moderna nas ciências sociais e humanas, que


acompanha de igual forma esta posição reflexiva evidenciando a autoridade e a
objectividade assumida pelo investigador/historiador, levou com que alguns destes se
concentrassem em fontes alternativas consideradas “menos tradicionais” na adoção do
método historiográfico, como é o caso da história oral (Dunaway, 1996). Ainda assim a
perspectiva etnográfica e historicista empregada nesta investigação não se concentra na
narrativa individual ou biográfica do entrevistado, mas serve-se da justaposição e do
diálogo entre fontes orais e escritas para deste modo densificar a apreensão de um
evento ou de uma particularidade histórica (Brettell, 1998: 524, 528). Muitas das vezes
os materiais recolhidos pelo investigador (p.ex.: fotografias, documentação, gravações
musicais etc.) constituem um referente para a reactivação de memórias e de
experiências passadas por parte dos interlocutores, com as pessoas ou as situações
retratadas nesses materiais. Como Davies refere, na antropologia, o questionamento
sobre o “passado” e o “presente” passa por salientar a função da memória nos processos
de preservação do passado, e como esta permanece nas disposições, sensibilidades,
percepções e acções do indivíduo, e, numa segunda abordagem, no sentido inverso, a
produção do passado em termos do presente (Davies, 2002: 159). Shelemay, quanto ao
papel do etnomusicólogo nas entrevistas que realiza, indica o seguinte:

“Ethnomusicologists do not simply gather individual and collective verbal memories


shared during the interviews; they are also instrumental in elaborating memories in
and about musical performance into narratives about the past. The ethnographer is
thus an important but largely unacknowledged player in the elicitation of memories
and the construction of histories.” (2006: 18)

27
Nettl parece distinguir dois momentos no trabalho antropológico relativos à noção de reflexividade. O
primeiro período é confinado à década de 1950, possivelmente referente à investigação de Levi-Strauss
(1955), e o segundo aos anos de 1980, marcados pela escrita de Writing Culture: The Poetics and Politics
of Ethnography (1986) de James Clifford e George Marcus.

48
Em todo o caso, é preciso ter em especial atenção à validade do discurso
enunciado pelos interlocutores. Entre os vários problemas que podem se suceder estão
as falhas de memória, formas de auto-legitimação, dificuldades na comunicação etc.
(Herbet & McCollum, 2014: 51)28, e, por esse motivo, o interesse do investigador em
cruzar fontes impressas com os discursos pronunciados.

28
Ambos os autores enumeram estes problemas na orientação de uma entrevista com indivíduos mais
idosos, no entanto, penso que estas razões se estendem a grupos de uma faixa-etária inferior.
49
2 Primeiro impacto do jazz na ilha Terceira através da
ocupação militar britânica e norte-americana;

O contacto directo dos autóctones da ilha com música associada ao jazz, ao


swing, e à música “moderna” – além das críticas que circulavam nos anos 30 no campo
literário e eclesiástico entre outros – é concretizado durante a Segunda Guerra Mundial
no início dos anos 40. Deste modo, é incontornável a sequência de eventos políticos
entre os governos de Portugal, Estados Unidos da América e Inglaterra, dado que o jazz,
enquanto prática musical performada “ao vivo” na ilha, só se realiza efectivamente após
1942, coincidente com a construção e o estabelecimento da base aérea militar na
freguesia das Lajes, pertencente à então vila e actual cidade da Praia da Vitória, base
essa que aí permanece até os dias de hoje. Nestas condições dever-se-á ter em
consideração alguns traços gerais sobre as razões que levaram à assimilação desta
música coberta de percepções de alteridade (um “outro”, “estrangeiro”), associado à
modernização, visto que todo um aparato tecnológico e militar foi importado e
estabelecido na ilha contrastando com a sua ruralidade predominante, contraste esse que
era reforçado pela agravante dos problemas económicos que subsistiam. Essas razões
passam pela interacção com os militares e as diversas festividades que se organizavam
localmente, assim como as construções de teatros e cinemas levadas a cabo pelos
britânicos, numa fase inicial, aos quais os terceirenses podiam ter acesso e ainda a
abertura de novos postos de trabalho na base das Lajes, incluindo o aumento de postos
de trabalho para músicos.

A prática recorrente do jazz na ilha Terceira e a sua subsequente influência sobre


a população e os músicos locais ocorre primordialmente através do aeródromo das Lajes
realçando, desta forma, a proeminência dos objectivos militares em curso,
demonstrando, para o caso, a inevitabilidade de uma análise da contextualização e das
negociações políticas procedentes para o entendimento da disseminação deste domínio
musical na sociedade terceirense. Numa primeira parte irei demonstrar o processo
negocial que se desenrolou entre o governo português, inglês e o norte-americano em
torno da posição que os Açores (e especificamente a Ilha Terceira) iriam tomar no plano
geopolítico e geoestratégico durante a guerra. Num segundo momento, demonstrarei
50
que a chegada do exército inglês se encontra directamente ligada ao início da
disseminação e prática do jazz na ilha, principalmente na base das Lajes, este processo
de disseminação do jazz e da música popular anglo-saxónica teve particular incidência
em alguns agrupamentos filarmónicos pertencentes a várias freguesias, mas também
noutros agrupamentos musicais na cidade de Angra do Heroísmo e de acordo com a
informação recolhida, mais tarde, na cidade da Praia da Vitória. Sobre este segundo
tópico a fonte primária de pesquisa foi o jornal semanal Atlantic Echo29, entre o período
de 1944 e 1946, concebido pela RAF Station, onde constava informação não acessivel
aos habitantes, mas fundamental para compreender alguns dos eventos e novas práticas
musicais que emergiram nesse período durante a fase inicial da introdução efectiva do
jazz na ilha30.

29
Os membros que colaboravam na sua produção eram os militares LAC J. Kaye, B. Tonry e C. Wckham.
30
Será dedicado exclusivamente um capítulo (capítulo 5) sobre a constituição de orquestras como a de
Manuel Reis e Olmar Band, que viriam a constituir-se, respectivamente em 1945 e 1946 devido ao
estabelecimento da base das Lajes.

51
2.1 Os Açores e a Ilha Terceira no contexto da
Segunda Guerra Mundial

2.1.1 Negociações com Reino Unido

Apesar do regime salazarista ter vigorado toda a década de 1940, em Portugal as


condicionantes externas sobre as quais o país esteve em constante tensão conduziram os
Açores a adotar um papel fundamental na estratégia tomada pelos Aliados no desenrolar
da II Guerra Mundial. Luís Andrade (1995, 2011) refere que em 1943 Portugal
concedeu facilidades de natureza militar em primeiro lugar aos britânicos, na Ilha
Terceira, e posteriormente aos norte-americanos, na Ilha de Santa Maria. A iniciativa de
estabelecer uma base nos Açores partiu dos britânicos e materializou-se numa carta
redigida pelo diplomata britânico Ronald Campbell ao governo de Salazar no Verão de
1943 a explicar a contribuição que a posição estratégica do arquipélago poderia trazer
para uma rápida vitória dos países pertencentes à Organização das Nações Unidas
(Seipp, 2008: 114). Os Estados Unidos nestes anos ainda não tinham entrado
bilateralmente em negociações directas com Portugal e, de certo modo, Inglaterra
permanecia como intermediador diplomático entre os dois países. O interesse dos norte-
americanos foi recebido com alguma surpresa por Salazar que acabou por admitir a
entrada de aviões embuçados com a sigla britânica na base da Santa Maria (ibid: 113),
num acordo assinado a 8 de Outubro de 1943 que “restringia o uso do capo de aviação
na Ilha Terceira aos aviões das forças britânicas, excluindo, por conseguinte, que as
facilidades concedidas fossem extensivas aos Estados Unidos da América” (Almeida,
2013: 335). Relativamente à ocupação das ilhas é necessário referenciar que em 1941
Roosevelt apenas revelava preocupações defensivas - diferente da estratégia de ataque
que viria a adotar mais tarde com o decorrer da guerra - principalmente com o perigo da
conquista das ilhas do Cabo Verde e dos Açores pelos alemães, dado que seriam as
principais rotas comerciais do Sul do Atlântico e poderia eventualmente constituir uma
ameaça directa ao Brasil e, por conseguinte, a todo o hemisfério ocidental (Silva, 2010:
60). Mesmo após repetidas tentativas do State Department e de se ter esclarecido que os
EUA não tinham quaisquer intenções agressivas ou que desrespeitassem a integridade
52
territorial de Portugal a atitude de Salazar permaneceu até o fim da II Guerra inflexível
como refere Tiago Silva: “Salazar julga que os EUA tomaram a iniciativa em direcção
aos Açores por conta própria, sem o consentimento de Londres, pelo que recuaram
assim que Portugal reclamou junto do velho aliado. Este é o erro de avaliação de Salazar
e será este o motivo pelo qual optará por uma política de firmeza e, até certo ponto, de
hostilidade, face aos EUA.” (ibid: 72)

No ano posterior, em 1942, e anterior ao se ter assinado o acordo, a batalha do


Atlântico transformava-se numa corrida entre os programas de construção naval dos
Aliados e os afundamentos provocados pelos submarinos alemães. O “buraco negro”
chamado Azores Gap seria a inexistência de uma protecção aérea na zona central e
setentrional do Atlântico Norte onde os submarinos alemães operavam, fora do raio de
acção das aeronaves Aliadas, razões estas que justificavam a enorme pressão negocial
dos Aliados para a concessão de facilidades nos Açores ao governo (Almeida,
2013:253). As forças inglesas estariam preparadas para o uso da força caso o pedido
diplomático fosse rejeitado. O conflito interno entre os militares ingleses sobre as bases
nos Açores deambulava entre uma posição incisiva e agressiva do Almirantado, sem se
preocupar muito com as consequências, e uma posição moderada do FO (Foreign
Office) que procurava “contê-los e ganhar tempo na esperança que a relação de forças e
a posição de Salazar evoluíssem a favor dos aliados” (Telo, 1991:139). É interessante
notar que alguns dos responsáveis da parte do FO já previam as exigências de Salazar,
sendo uma delas a previsão de que os portugueses iriam pedir a garantia do seu império,
extensível pelo menos até à União Sul-Africana (ibid: 141). Será então em 1943 que o
acordo é assinado por Botelho de Sousa no qual incluía a cedência do aeroporto na ilha
de Santa Maria, localizado na freguesia da Vila do Porto, às forças americanas, mas
com a contrapartida que as exigências portuguesas sobre as potências marítimas e a
manutenção da soberania nas colónias fossem obedecidas (Ferreira, 2006: 30). É a partir
desta negociação diplomática que Timor-Leste seria restituído a Portugal (ibid).
Segundo Luís Andrade (2011), isto traduziu-se, por consequência, numa posição neutral
colaborante que na perspectiva de Salazar não significava abandonar a neutralidade no
restante território nacional evocando assim uma relação estritamente geográfica sem
afinidade político-ideológica com os dois países (Inglaterra e os EUA). No entanto, o
acordo entre Portugal e Grã-Bretanha seria baseado numa relação diplomática

53
exclusiva, tendo sido esta estabelecida através da legitimação conferida pela Aliança
Luso-Britânica31. Por outro lado, Winston Churchill, primeiro-ministro de Inglaterra
nestes anos, tinha dúvidas se Portugal manteria as suas políticas de neutralidade devido
aos vários rumores nos círculos diplomáticos que colocavam a possibilidade de um
golpe de Estado em Lisboa engendrado pela Alemanha, ou de um ataque proveniente de
Espanha segundo os interesses da Itália e Alemanha, o que implicaria a perda de
importantes pontos estratégicos - neste caso, as colónias portuguesas e o arquipélago -
arruinando em grande parte a troca Atlântica dos ingleses delineada pela rota do Sul do
Atlântico ao Reino Unido (Stone, 1975: 740). A par da preocupação que Inglaterra tinha
em facilitar as ligações marítimas no Atlântico Norte, esta preocupava-se igualmente,
como é notório na vasta historiografia sobre o tema, com a ameaça dos submarinos
alemães, sendo também um factor de enorme relevância para os Aliados.

Neste aspecto, nenhum impedimento ocorreu que dificultasse a cedência de


facilidades nos Açores à Inglaterra, no entanto Salazar não deixou de referir a
importância de o país conceder também “vantagens materiais” à Alemanha no sentido
de manter a sua neutralidade na guerra (Andrade, 2011). A noção “neutralidade
colaborante”, escrutinada por Luís Andrade (1995) no artigo “A Neutralidade e os
Pequenos Estados. O Caso de Portugal”, explica que bastou a ocupação do território da
freguesia das Lajes na Ilha Terceira pelos Aliados para levar a uma infracção das
“normas do Direito Internacional” que tinham sido estipuladas nas Convenções de Haia.
Por outro lado, isto demonstrava a subordinação do Estado português face às exigências
das potências internacionais (ibid: 451). Perante este pressuposto, o autor adota uma
perspectiva “realista” das Relações Internacionais ao demonstrar que seria apenas
aparente a reciprocidade de interesses estratégicos, em que Inglaterra necessitaria da
neutralidade colaborante de Portugal e, inversamente, Portugal necessitaria que
Inglaterra continuasse a controlar os oceanos. (ibid: 453). No entanto, segundo Telo
(1991: 150) um conjunto de factores, relacionados com uma política de defesa, levaram
com que Salazar tomasse mais tarde a iniciativa de abordar Inglaterra e aceitar com
facilidade a ocupação militar. Aos olhos do chefe do governo estas razões
possivelmente seriam: “a evidente alteração da relação de forças na zona a favor dos

31
Trata-se de uma aliança entre Portugal e Inglaterra diplomática e comercial realizada depois de uma
sucessão de vários tratados na segunda metade do séc. XIV, ao culminar no Tratado de Windsor.

54
aliados; os claros sintomas de colapso por parte da Itália e de desmoralização por parte
da Alemanha, comunicados pelos representantes portugueses (…) a situação interna
portuguesa, com a Oposição em evidente crescimento; as preocupações do pós-guerra,
que são cada vez mais as de sobrevivência do regime” (ibid: 151).

O general Humberto Delgado tornou-se um dos principais actores nos


preparativos para a utilização dos Açores pelo Reino Unido, no final do ano de 1941
(Antunes, 1995: 82), Sob o código Delgado’s Blues Report nº 1, devido às condições do
mar e dos lagos recomendou aos ingleses optarem por aviões de rodas ao invés de
hidroaviões (ibid). Volta depois em 1942 à Terceira com outro relatório que vai
influenciar fortemente a decisão dos ingleses relativamente à localização da base
entregando informações tais como: os perfis de pistas de aterragem, um levantamento
topográfico, uma análise das condições meteorológicas, possibilidades de desembarque,
comunicações, energia eléctrica e os meios de defesa dos aeródromos (ibid).

Portanto, a chegada dos britânicos só acontece após Agosto de 1943, momento


no qual Salazar concede formalmente à Inglaterra a ocupação militar da ilha. Neste
período os norte-americanos detinham apenas um papel secundário na operação das
Lajes ao desempenharem a função de “technical assistants” para os britânicos (Martins,
2006: 22)

55
2.1.2 Chegada dos militares e músicos britânicos à ilha Terceira

Segundo o depoimento de Roland Vintras (1975: 92), brigadeiro da Força Aérea


Britânica nestes anos, os primeiros soldados ingleses, liderados pelo Air Vice Marshal
Geoffrey Rhodes Bromet32, desembarcaram na ilha Terceira a 8 de Outubro de 1943,
sob o código da missão “Alacrity”. Após o desembarque os britânicos foram recebidos
com alguma supresa não só pela população da ilha, mas também pelas autoridades
locais, embora existissem indícios que isso viesse a ocorrer (Grave, 2001: 406). Se as
relações institucionais entre as autoridades civis dos distritos e as autoridades militares
portuguesas já não eram positivas, embora colaborassem para a “persecução dos
interesses da coisa pública”, o estacionamento das forças britânicas acabou por
potenciar esse conflito para além de ter acrescentado outros problemas sociais e
económicos na ilha (ibid: 404). A recepção dos militares estrangeiros viria a encarregar
António Pestana da Silva, governador civil do Distrito Autónomo de Angra do
Heroísmo, de responsabilidades sobre a imagem a transmitir diante dos estrangeiros.
Essa responsabilidade era acrescida caso houvesse a ocasião do Representante do
Governo se apresentar perante estes, visto que teria de amenizar qualquer sentimento de
inferioridade do representante português (ibid: 407). Será no relatório de Pestana da
Silva, assim como no depoimento de um comandante britânico, que se comprovam os
incómodos causados pela chegada e instalação das forças britânicas e que,
inevitavelmente, a população teve de suportar. Como observa José Grave (2001), a
razão destes incómodos consistiu no violento desapossamento das terras dos seus
proprietários, visto que se impôs uma renda aos mesmos num processo não negocial,
terras essas necessárias para a construção da base aérea. Por outro lado, o regime
ditatorial vigente contribuiu para a passividade da população relativamente ao sucedido,
apesar do desagrado desta. Este acontecimento derivado da ocupação militar é
representativo dos efeitos de articulação entre poderes estatais, realizado por via das
autoridades e de processos diplomáticos negociados entre Estados, processos estes
afastados da realidade quotidiana das populações. A dominação económica e social

32
Sargento este que vai aparecer recorrentemente na organização de eventos vários que visavam construir
uma aproximação e relação positiva com a população da Terceira. Segundo Moreira dos Santos (2008:
35), a divulgação desses eventos na imprensa foram uma “notável acção de relações públicas”, dada a
difícil negociação precedente entre os governos britânico e português sobre a cedência da Base das Lajes.

56
associada exclusivamente à presença dos britânicos resultou em alterações das relações
laborais na ilha Terceira com o “aumento do mercado de trabalho e consequente procura
de mão-de-obra acoplada a um novo painel salarial” de um lado e, do outro, um “desvio
de mão-de-obra da produção local” com a perda de trabalhos agrícolas e maior
instabilidade na indústria da pesca (ibid: 416). A centralização dos trabalhos assim
como a absorção dos recursos locais provocados pela militarização britânica, levou o
Comandante Militar da Terceira a reduzir o número de trabalhadores na base militar. O
poder do comandante para a execução desta medida justificava-se pelo facto de a base
das Lajes pertencer ao governo português33.

33
Encontravam-se estacionadas unidades da Aeronáutica Militar do exército português. A partir de 1952,
e depois da adesão de Portugal à OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) a base das Lajes
ficou entregue à Força Aérea Portuguesa que resultava da fusão entre a Aeronáutica Militar e a Força
Aérea Armada. (Fraga, 2001)

57
2.1.3 Recepção do jazz na base das Lajes através da presença da
ocupação militar britânica: prática do jazz, swing, boogie-woogie;

Os teatros edificados para o entretenimento das tropas inglesas, mas não só,
eram chamados de Garrison Theatre e Azoria, localizados na base. Em ambos era usual
ocorrerem performances de teatro de variedades influenciadas pela revista e comédia
musical, complementadas com a presença de músicos de swing e tap-dancers. A Station
Band – um agrupamento musical constituído por militares criado no contexto da base
militar – performava frequentemente nestes espaços e abrangia no seu repertório
diversos estilos e géneros musicais associados ao mercado da cultura popular anglo-
saxónica. Entretinham as audiências com “boogie-woogies”, swings e cantores imitando
os crooners da época, estes acompanhando versões de músicas de orquestra de cinema
entre outros temas clássicos, muitos deles composições das indústrias “Tin Pan Alley” 34
e do teatro da Broadway. A recepção britânica do jazz entre a década de 1920 até ao
final da II guerra – porque será também importante para compreender as práticas
musicais incitadas pelos militares britânicos no interior da base e a sua influência na ilha
Terceira - está inteiramente relacionada com a música de dança e as transformações que
esta provocou na dança “popular” do Reino Unido. John Lyons (2013: 17) sobre essa
fase descreve: “Jazz dancing revolutioned popular dance in Britain by emphasizing
animated and individually expressive body movements rather than the restrained and
restricted forms of traditional dancing.”

Um dos primeiros convívios entre os habitantes da ilha e os militares ingleses


por intermédio da organização de concertos ao vivo, noticiado no jornal inglês, deu-se
naturalmente com militares da força Açoriana. Momento este que se realiza pela
actuação da Station Band35 a partir de uma selecção de números populares e fica
marcada pela reacção positiva dos militares açorianos especificamente ao tema “South

34
Termo que designa o conjunto de editores e compositores, situados na cidade de Nova Iorque, que
dominaram o mercado da música popular americana no fim do séc. XIX e primeira metade do séc. XX
(Wise, 2012)
35
Nome atribuído pelos escritores do jornal a grupos musicais diferentes. Como se vai perceber no
decorrer deste capítulo é apenas uma referência a conjuntos que permaneciam na base durante um
determinado tempo.

58
Rampart Street Parade”36, uma marcha e um clássico do estilo dixieland composta em
1937 por Ray Bauduc e Bob Haggart, nomes reconhecidos da era do swing. Os
elementos que se conhecem deste agrupamento musical são Melv Harris (trompete),
Geoff. Richmond (voz) e Len Barber (voz). Estes músicos diversas vezes substituíam
artistas que não conseguiam viajar até à Terceira, como foi o caso de Will Fyfe 37, tendo
o grupo (nesse evento sob o nome de Len Cooper’s 38 Station Orchestra) actuado para
uma audiência de 1.000 pessoas39 no teatro Azoria40. O concerto foi divido em duas
partes sendo que na primeira tocaram, aquilo que os britânicos se referiam como light
classics, liderada pelo violinista Cpl. Griffiths e a segunda parte dedicada ao swing e à
música de dança, ao som de temas como “Bugle Call Rag” (Pettis, Meyers, & Schoebel,
1922) “Wrappin’it Up” (Henderson, 1934) e “920 Special” (Warren, Palmer, &
Engvick, 1941). Nesta última parte destacou-se o solo de trompete preenchido por “hot
licks”41 de Melvin Harris e a participação dos crooners Geoffrey Richmond e Len
Barber.

Num Domingo na cidade de Angra do Heroísmo, fora do perímetro da base


inglesa concretizou-se um concerto ao ar livre no Jardim Botânico42 organizado por
Geoffrey Richmond (pertencia à Station Band), Cpl. Cooper responsável pela

36
Atlanthic Echo Vol. 2, no. 14, 11 de Maio de 1944
37
Performer de music hall (considerado um tipo de representação teatral britânica equiparável ao teatro de
revista em Portugal) ficou popularmente conhecido por interpretar a sua composição “I Belong To
Glasgow”.
38
Militar que detinha o estatuto de cabo e chegou a ser responsável pela organização de eventos que
envolviam música.
39
Apesar de pouca informação sobre quem se encontrava presente, em comparação com outras actuações
neste teatro, poderiam estar na plateia militares portugueses e ingleses, assim como os respectivos
familiares que acompanhavam os mesmos.
40
Atlanthic Echo, 14 de Setembro Vol. 3, no. 12 e a 5 de Outubro Vol. 3, no. 15, pp. 3 de 1944
41
“Lick”, num sentido abrangente, pode ser considerado como uma breve ideia ou frase melódica
introduzida durante um solo ou um momento de improvisação. No contexto do jazz, normalmente está
associado a frases que são copiadas e constantemente reproduzidas por músicos que admiram outros
músicos, e de quem essas ideias musicais foram retiradas (Carr & Fairweather & Priestley, 2004: 911)
Paul Berliner (1994) define como “reworking precomposed material and designs in relation to
unanticipated ideias conceived, shaped, and transformed under the special conditions of performance.”
Relativamente à noção de “hot licks” seria referente aos “clichés” motívicos que se utilizavam durante a
década de 1920 e 1930 e associados ao “hot” jazz, isto é, com uma linguagem mais próxima do blues e
fortemente ancorado em improvisação.
42
Nome coloquial atribuído ao Jardim Duque da Terceira.

59
programação e o militar Parry pelo sistema de amplificação. A Station Band, de
constituição variável apresentava-se com dez músicos exibindo um reportório variado
“apelando a todos os gostos”43 desde tangos, valsas, light classics ao swing44. Quanto a
esta actuação vale a pena referir que ainda na primeira metade da década de 1940 o
microfone, possibilitado pela amplificação elétrica, desempenha um papel fundamental
para a captação do som da performance musical (instrumentos e voz) em estúdio e ao
vivo. Será por isso que antes do fim da II Guerra o contrabaixo poderá substituir a tuba
ou se desenvolverá um novo estilo vocal intimista reconhecido como “crooning”. Com
os desenvolvimentos tecnológicos, os performers adaptam-se às novas capacidades
tímbricas do microfone como foram os exemplos dos casos de Bing Crosby e Frank
Sinatra45. No entanto, a técnica de amplificação partia apenas de alguns microfones
dispostos em palco sem a preocupação de captar isoladamente cada um dos
instrumentos. A electrificação da guitarra solucionou em parte a necessidade de os
guitarristas se fazerem ouvir nas grandes orquestras de swing que nos finais dos anos 30
se encontravam em expansão, alcançando-se, deste modo, um equilíbrio de volume com
os instrumentos à sua volta (Waksman & Corrado & Sauvalle, 2003: 285). Esse ideal
concretizou-se sobretudo após o fabrico do modelo ES-150 da Gibson em grande parte
popularizada por Charlie Christian e as suas gravações com as formações musicais mais
reduzidas de Benny Goodman (ibid). Nas fotografias publicadas no Athlantic Echo é
visível, embora com alguma dificuldade, a utilização deste modelo de guitarra pelos
militares ingleses (Img. 1).

43
Volta-se a verificar um foco no general Bromet pela imprensa que nesse mesmo dia se encontrava na
audiência acompanhado por Col. Charles, W/C Tuke e W/C Thomson.
44
Atlanthic Echo, Vol. 2, No. 16, 25 de Maio de 1944
45
Assunto que será tratado mais detalhadamente no próximo capítulo referente a Sinatra, Bob Hope e
Bing Crosby que visitaram a Ilha Terceira por iniciativa dos norte-americanos. Esse assunto será
articulado em a análise dos discursos de recepção sobre os mesmos na imprensa regional.

60
Img. 1: Músicos contratados pela ENSA (Entertainments National Service Association). Foto retirada do
jornal Atlantic Echo

Nos anos de 1944 e 1945 estreou-se no Teatro Angrense uma nova sala de
cinema por responsabilidade do Comando Britânico e aí realizaram-se diversos
espetáculos musicais46. No dia 25 de Abril se sucedeu um concerto neste mesmo teatro
com a colaboração da Station Band e o coro masculino da RAF (Royal Air Force), um
acontecimento que novamente fortalecia as relações socialmente estabelecidas entre os
militares britânicos e os autóctones47. No entanto, o foco da notícia relativamente à
aprovação do programa de concerto dos que se encontravam presentes na audiência,
desde comandantes das forças britânicas e portuguesas, o restante staff, bem como os
representativos das autoridades civis portuguesas, parece ter o intuito de demonstrar
46
A União, 1 24-03-1944, p. 2
47
Atlanthic Echo, Vol. 5, No. 6, 28 de Abril de 1945

61
“boas relações públicas” entre os dois países. Dessa forma, se analisado
contextualmente, escamoteia em certo sentido, os atritos que se vivenciaram entre as
autoridades civis e militares portuguesas48 potenciados pela ocupação inglesa (Grave,
2001: 414). É plausível que nesse dia a Station Band fosse na realidade o quinteto RAF
(Img. 2) que tinha chegado à Terceira em Janeiro de 1945.

Img. 2: Station Band ou RAF Quintet com Hall Rutter, Martins Lukins, Jimmy Bassett, Geroge Pawsey,
George Thomas. Foto retirada do jornal Atlantic Echo

Este grupo começou desde logo em activo nesse mesmo mês numa ocasião em
que os militares (neste caso foi a pedido dos aviadores) pediam aos músicos para

48
Os atritos que se sucederam entre os dois grupos foram descritos no relatório do Governador Civil Dr.
Pestana da Silva. No entanto, mesmo que as relações institucionais entre as autoridades civis dos distritos
e as autoridades militares portuguesas não fossem ideais, estes colaboravam “na persecução dos interesses
da coisa pública” (Grave, 2000)

62
executarem números de dança, entre estes, boogie-woogie. Os músicos que pertenciam a
este quinteto eram o líder Hall Rutter (guitarrista e baixista) que tinha anteriormente
tocado com Howard Baker, líder de diversas orquestras de dança e reconhecido por ter
“descoberto” imensos músicos que ficaram posteriormente populares tais como o Don
Carlos ou as cantoras Vera Lynn e Dorothy Squires 49; o pianista e acordeonista Martin
Lukins da orquestra de Jack Hylton; Jimmy Bassett no sax-tenor e clarinete tendo
pertencido à Edmundo’s Ross Rumba Band participando igualmente em outros
projectos com Harry Roy; George Pawsey na bateria, que tocava para Johnny Rose; e,
por fim, o trompetista e saxofonista barítono George Thomas que se apresentava
frequentemente como membro da Berlini’s Band. Foi depois de sucessivos pedidos por
parte dos militares aquartelados na base para que se organizassem shows da ENSA
(Entertainments National Service Association) no Azoria que o quinteto da RAF
finalmente conseguiu chegar à ilha. Depois das constantes críticas e exigências
apresentadas pelas tropas o general Bromet e o comandante Mead encarregaram-se de
construir uma campanha com fins de melhorar as instalações de entretenimento na base.
Estes pedidos resultaram na introdução de entrada gratuita para todos os filmes no
Azoria, bem como o aumento do número de vezes que estes eram projectados por
semana50. Quanto aos concertos ao vivo foram feitos preparativos no sentido de
fornecerem os transportes aéreos necessários aos artistas que viajassem até à Terceira.

É interessante verificar que, com o espoletar da II Guerra, o Estado britânico


iniciou, pela primeira vez na história do governo, uma série de políticas culturais
direcionadas ao financiamento directo de teatros, companhias e outras instituições
culturais. (Heinrich, 2007: 43) O poder político inglês reconheceu desse modo o
potencial de propaganda por via das artes como mecanismo de disseminação ideológica
ligado ao esforço de guerra com a expectativa de levantar a moral nacional (ibid: 44). A
importância do governo atribuída à ENSA, fundada em 1939 e liderada por Basil Dean,
baseava-se por um lado na localização da sua sede, que tinha lugar no Teatro Royal
Dryry Lane, e por outro lado, com maior relevância, o financiamento concedido na
totalidade pela NAAFI (Navy, Army and Air Force Institute) à fundação (ibid). Muitas
agências de concerto e companhias de teatro circularam pelo mundo sob contrato da
49
http://www.mgthomas.co.uk/dancebands/musicians/MusicianPages/Howard%20Baker.htm
50
Atlanthic Echo, Vol. 4, no. 5, 20 de Janeiro de 1945

63
ENSA para entreterem tropas e trabalhadores. A fundação contratava sobretudo artistas
“não-profissionais” – apesar de celebridades como Gracie Fields (actriz e cantora
tornando-se Comandante da Excelentíssima Ordem do Império Britãnico responsável
pelos serviços de entretenimento) e George Formby (actor, cantor e compositor e
trabalhou extensivamente para a ENSA) terem performado sob as suas condições – e em
quem confiavam, pois havia uma maior certeza de que estes grupos de artistas
assegurassem os contratos com a organização (ibid). Fica patente as críticas dirigidas
tanto às “estrelas” como à própria fundação no jornal Atlanthic Echo: ”while some of
the unknows of the profession are doing great work, this cannot be said of the
“stars”(…)”one star recently objected to making a four-day journey to entertain a small
unit: “Is it worth it?”51 Por essa razão poucas celebridades do Reino Unido passaram na
Ilha Terceira a não ser o caso de Phyllis Robins que ficou alojada na Rua da Sé 52, em
que referiu numa entrevista para o jornal A Pátria que ia em direcção a Inglaterra
trabalhar para a rádio, deixando em aberto a possibilidade de um retorno à ilha de
férias53. Jimmy’s Green, artista que também trabalhou para a ENSA, foi responsável
pela organização de um evento chamado “Search for Talent” com um prémio de 500
escudos para o vencedor, dentro do perímetro da base no teatro Azoria. Esse espetáculo
de variedades foi assinalado pela comparência de uma quantidade considerável de
performers desde músicos e actores, a dançarinos54, com Jimmy Green a servir de
anfitrião assim como de performer, exibindo um número de comédia. Será sob alçada
deste artista que o sargento Dennis Booty, W. Naylor, Skinner, acompanhados pela
Station Band deram um concerto em Cinco Picos na Serra da Ribeirinha, quando iam a
caminho de Angra do Heroísmo55. Este formato de concerto é ilustrativo de como os
militares ingleses por vezes viajavam pelas freguesias transportando um trailer nos seus

51
Atlanthic Echo, Vol. 3, No. 20, 20 de Novembro de 1944, pp. 2
52
Cantora e actriz que realizou uma tournée pela ENSA em 1946, gravou para a Columbia Records a solo
com bandas de dança como a de Percival Mackey e ficou conhecida pelas transmissões de rádio com a
Henry Hall BBC Dance Orchestra, etc. (“Two-Tone Boogie”, 2014: 12, 13)
53
A Pátria, nº 1843, Quinta-feira, 9 de Fevereiro de 1945
54
Alguns dos artistas e músicos presentes eram: Jimmy Green; Lac. Skinner; Martin Lukins; Lac. Leroyd;
Lac. Griffiths; quarteto de Bassett e Dawsey; Sgt. Allen; Lac. Leroy; Lac. Jones; Lac. Naylor; Cpl.
Tolhurst; Station Band constituída por Lac, Peffer, F/L Harvey, F/O. Padbury, Lac. Thorpe, Station Vocal
Quintet constituido por S/L Hayter, F/O Jones, Cpls. Groves e Pitts e Lac. Thorpe etc.
55
Atlantic Echo, Vol. 6, No. 12, 8 de Setembro de 1945

64
veículos que utilizavam como palco. Este acontecimento de certo modo caracteriza o
que seria a interacção peculiar entre habitantes e ingleses e que se perpetuou na
memória colectiva até os dias de hoje. O texto redigido pelo jornalista Henrique Dédalo
para o Diário Insular é um exemplo de como a estadia inicial dos ingleses tornou-se um
acontecimento importante para servir de justificação a uma determinada “herança”
musical associada ao “jazz” – que na época se denominava por “dixie”56, isto segundo o
autor - na Praia da Vitória. O texto oferece alguns factos importantes que se sucederam
nesses anos tal como os acampamentos dos militares ingleses na Serra do Facho, lugar
onde se ouviria “os primeiros acordes” dos soldados estrangeiros que possivelmente
“serviriam para matar as saudades da terra, com a música que melhor lhes sabia” 57. Os
cafés Royal e Atlântico referenciados pelo autor tornaram-se sítios essenciais para a
vida social e cultural da então vila da Praia da Vitória ao receberem orquestras de
músicos ingleses e agrupamentos locais. O café Royal estreou em 1946 sendo o “único
com esplanada anexa” na Praia, estreando juntamente com a Casa Royal, na rua da
Alfândega, com a orquestra de Manuel Reis a tocar no dia da abertura ao público 58.
Descrito como um “moderno recinto de diversão” deduz-se a constante presença de
estrangeiros no café Royal, possivelmente militares ingleses, dado que a orquestra
Manuel Reis “foi bastante aplaudida pelo grande número de frequentadores nacionais e
estrangeiros.”59 Segundo a informação que o interlocutor Carlos Barcelos
disponibilizou, o café Atlântida foi fundado em 1937. O seu pai José Herminio Barcelos
era pianista e tocava regularmente neste café no “tempo dos ingleses”. Posteriormente
em 1951, o avô José Silveira Barcelos viria a abrir outro café, mesmo ao lado do
Atlântico, chamado Arcada60. Esta informação foi primeiramente indicada por Luís
Bettencourt, filho de Ezequiel Bettencourt e neto de Palmira Enes, ambos músicos que
pertenceram aos Aerojazz, um dos principais conjuntos de jazz na Terceira nos anos
56
Não muito longe do que é historicamente comprovado dado que nos Rhythms Clubs formados pelos
militares ingleses no interior da base valorizavam este tipo de música “hot”, tocada por orquestras e com
um tipo de discurso que exaltava o jazz do passado, especificamente aquele que era produzido e praticado
nas décadas de 1910 e 1920 em Nova Orleãs.
57
Diário Insular, Domingo, 17 de Agosto de 2003
58
A Pátria, Sábado, nº 1878, 24 de Março de 1945, pp. 6
59
A Pátria, nº1637, Quinta-feira, 25 de Maio de 1945, pp. 2
60
Conversa por email com Carlos Barcelos, que reside neste momento em Modesto nos EUA a
20/03/2016

65
1950 que se apresentava frequentemente nesses cafés (Royal e Arcada) no final dessa
década, onde também Luís Bettencourt tocaria mais tarde, nos anos 1960, já com grupos
de rock.

Regressando ao que se passava na base, no mesmo dia em que o cartaz


enunciava no jornal Atlantic Echo para a semana seguinte de mais um espetáculo de
Jimmy Green, também se realizaria um espetáculo intitulado por “Out of Blue”, à noite
no Azoria e, pela segunda vez, um concerto realizado pela Blue Star Orchestra, também
designada por Blue Star Sextette. Independentemente de ser uma tarefa difícil avaliar a
influência deste grupo fora do perímetro da base – muito provável ter ocorrido dado que
as Station Bands nunca ficavam confinadas a esse espaço - ficam patentes as críticas
positivas à orquestra visto que segundo os autores da notícia tratava-se de uma “unidade
de entretenimento” de primeira categoria. Nesse mesmo concerto tocaram o tema “Blue
Eyes” ao estilo de “Spike Jones”61 com Peter Kempster a demonstrar capacidades como
trombonista e violinista, e ainda como pianista a solo tocando peças de música erudita.

Logo nos primeiros anos da estadia inglesa, no âmbito do programa Sunday at


Eight, frequentemente apresentado pelo padre Dobson, segundo consta, o teatro
(Garrison Theatre) chegou a receber convidados portugueses para poderem assistir a um
espetáculo de música e dança. Este encontrava-se dividido em três secções a começar
por um recital de piano de MacLaren, na secção intermédia Bill Allen na harmónica e
na percussão (instrumentos feitos a partir de ossos de animais), e por fim, a Station
Band a encerrar a sessão. No contexto deste programa, uns dias mais tarde, o soldado
Mullins ficou responsável por juntar e deslocar um grupo de entertainers da cidade de
Angra para actuar no palco deste mesmo teatro. Apesar deste grupo não ter comparecido
nesse dia, fica o registo de que ocasionalmente seria possível músicos ou indivíduos de
outras artes locais entreterem os britânicos no interior das instalações militares, no
entanto, ainda longe da presença assídua das orquestras terceirenses que trabalharam
posteriormente para os norte-americanos (pelo menos posterior a 1945)62. Também no
61
Spike Jones foi um líder de orquestras de swing nos anos 40 e 50 e ficou reconhecido pelos seus
arranjos satíricos a músicas populares da época desde música clássica ao jazz. Recorria a diferentes
instrumentos, entre eles considerados “não musicais” (p. ex. buzinas, apitos etc.) tocando-os em
simultâneo e/ou alternando entre eles. Essas actuações tinham também dança e paródia teatral e musical.
62
Possivelmente porque após o fim da guerra já não se sentia a necessidade de organizar tournées de
artistas para o aumento da moral das tropas. Nesse sentido, os artistas locais serviam. No entanto, no
desenvolver da guerra fria e com a ocupação norte-americana consolidada, não deixaram de estacionar
diversos músicos e celebridades na base das Lajes.
66
âmbito do programa Sunday At Night apresentavam-se regularmente números de toe-
tapping tal como veio a suceder-se no dia 16 de Abril de 1944, conjuntamente com a
orquestra do cabo Cooper63.

A institucionalização de práticas musicais afiliadas ao jazz e ao swing na ilha


Terceira, salvo os concertos ao vivo, também se sucedia a partir dos clubes e programas
radiofónicos desenvolvidos pelos militares ingleses na base das Lajes. Uma das
primeiras iniciativas neste sentido foi tomada pelos militares Cpl. Torrington e Lac
Ashley que combinaram integrar o No. 1 Rhythm Club no programa emitido na B.B.C.
(British Broadcasting Corporation) por Spike Hughes chamado Friday Swing Club64. A
filosofia central desse clube seria atrair fãs que se identificassem com os três B’s da
música, em que cada uma destas letras representava géneros musicais diferentes como o
blues, barrelhouse e o boogie woogie65. Portanto, será a 21 de Abril de 1944 que serão
transmitidos oito temas solicitados por “fãs do jazz dos Açores” 66 (referindo-se aos
militares estacionados na base). Mais tarde, perante uma audiência de 100 pessoas no
Airmen’s Mess da Força “A”, Ted Torrington e Bob Ashley seleccionaram uma série de
discos para audição e discussão com os temas “King Porter Stomp” (Morton, 1905),
“Clarinet Marmade” (Ragas & Shields, 1918) e “West End Blues” (Oliver, 1928) a
serem interpretados por músicos célebres como Benny Goodman, Jimmy Dorsey e
Louis Armstrong67 assim como de agrupamentos de jazz ingleses. Partindo das faixas
designadas demarcam-se compositores – também eles todos executantes no início do
séc. XX - como Jerry Roll Morton, reconhecido pianista de ragtime, Joe “King” Oliver,
líder de bandas de “jass” (ou jazz) e clarinetista, e Larry Shields e Henry Ragas que

63
Atlantic Echo, Vol. 2, No. 11, 20 de Abril de 1944
64
Ibid
65
Porventura, rivalizando em tom de brincadeira com o Classical Music Circle com quem faziam par ao
substituírem os três B’s que normalmente representam os três “grandes” compositores (Brahms, Bach,
Beethoven) pertencentes ao cânone da música erudita.
66
Atlantic Echo, Vol. 3, No. 25, 16 de Dezembro de 1944
67
No âmbito deste clube, estes músicos e líderes de orquestras eram considerados pelos seus membros
como instrumentistas “jive”, noção esta usualmente empregue para descrever um tipo de “jargão” ligado
às comunidades africano-americanas, e especialmente desenvolvido em Harlem.” Esta “linguagem”
também sofreria uma apropriação das audiências brancas e entusiastas do jazz durante o auge do sucesso
de Benny Goodman. DeVeaux & Giddins (2009: 178) referem o seguinte quanto ao clima que se vivia
entre as audiências nos EUA nos anos 30: “The more extreme enthusiasts, known as “jitterbugs”, adopted
black dancing and “jive” slang, driving their parents and even musicians over the edge.”

67
pertenciam à Original Dixieland Jass Band68. A partir dos temas ouvidos na sessão é
possível demonstrar que os membros do No. 1 Rhythm Club promoviam um certo
“revivalismo” que remetia para o jazz da década de 10 e 20 em Nova Orleãs,
popularmente reconhecido por Dixieland ou “hot” jazz 69. A opinião dos críticos e
observadores britânicos sobre este domínio musical sofreu várias transformações a
partir e ao longo dos meados da década de 1930 relativamente ao debate centrado na
“verdadeira” identidade do jazz, ainda associado à música praticada pelos conjuntos e
orquestras de dança. Os aficionados produziam assim discursos que colocariam em
campos opostos a música “hot” – associada com o swing e o jazz – e a música de dança
comercial (Nott, 2002: 198). Chegaram inclusive a debater no No. 1 Rhythm Club os
“contrastes” entre “old time” jazz e o swing moderno, com esta discussão a ser
orientada por Richmond e Deyong, no escritório do M. T.70 A formação deste Rhythm
Club não era exclusiva da base das Lajes, tendo sido formados diversos deste tipo no
Reino Unido durante o período entre guerras. James Nott (ibid) mostra que será no
contexto destes clubes, constituídos maioritariamente por indivíduos de classe-média da
sociedade britânica, que surgiram preocupações em encontrar uma “autenticidade” no
jazz, ou mais especificamente na música “hot” 71. O autor coloca o assunto do seguinte
modo:

The Rhythm Clubs were the creation of devoted dance music enthusiasts. They were
a spontaneous reaction against mass tastes in dance music. These clubs rejected
highly commercialized ‘pop’ tunes in favour of ‘hot’ dance music and jazz. A
minority interest catering for specialist tastes, they were linked with the
professional and semiprofessional dance bands and an important element in dance
music culture. (ibid)
68
Atlantic Echo,Vol. 4, No. 1, 23 de Dezembro de 1944, pp. 2
=
69
Com o aparecimento do revivalismo Dixieland os dois termos para alguns autores vão acabar por ter o
mesmo significado, pois tal como diz Alyn Shipton: “Eventually, “hot” jazz came to mean Dixieland or
swing, defined by Hughes Panassié in his book Le Jazz Hot” (1934) (…) Panassié was a prime mover in
the Hot Club de France, an organization supporting his definition (…)”. Por outro lado, enquanto a
origem do nome Dixieland viria da Original Dixieland Jass Band – em que o estilo estaria mais este estilo
ficou popularizado nos anos de 1920, e aparece num período de transição entre o Dixieland e a música de
Big Band que viria a emergir nas décadas posteriores.
70
Atlantic Echo, Vol. 4, No. 2, 30 de Dezembro de 1944
71
Diferente dos discursos que se produziam em paralelo no início dos anos 40 nos EUA ligados à
emergência do bebop e a uma defesa de música de “arte”, por oposição ao aparecimento e sucesso do
rhythm and blues: “But bop quickly became eclipsed at the jukebox by an emergent rhythm-and-blues
style that gradually shed its roots, leaving bop to retreat to a precarious position on the margins of the
business as an art music without porfolio.” (DeVeaux, 1997: 301) Se bem que as indústrias capitalizaram
de igual forma com a música bebop e pós-bob no pós-guerra, tal como será demonstrado no capitulo IV

68
A seguir à sessão em que se ouviram discos de orquestras de jazz – aqueles que
foram anteriormente referenciados - deu-se um intervalo em que o padre Sully discursou
para os presentes membros do clube, antecedendo a formação de um comité com
representantes da RAF e da Navy, entre eles alguns músicos que participariam mais
tarde numa “jam-session” denominada por “Le Jazz Hot” 72, e que teria lugar no final
desse mesmo dia. Esta era composta pelos seguintes músicos: Jim Teresi no sax-tenor e
no clarinete; Artie Wooley e Austin Fletcher nas trompetes; George “Boogie Woogie
Stomp” Panoff no piano; Al Palace na guitarra73. Um pouco mais tarde volta-se a
organizar novamente uma jam com músicos da “secção de swing” da RAF Gang Show,
no Old Caleodonian Club, este sendo um espetáculo de variedades com canções, dança
e sketches de comédia do Reino Unido originalmente organizado pelo líder de
esquadrão da RAF Ralph Reader, actor britânico e produtor de teatro que circulou por
diferentes países durante a II guerra para entretenimento dos militares ingleses (Rowan,
2012: 175). Foi numa Quinta-feira à noite de 1946 que músicos deste grupo de teatro
decidiram se juntar ao Rhythm Club com o propósito de participarem numa disputa pela
supremacia auditiva contra o Music Circle 74. De um lado no Education Hut situavam-se
os entusiastas de música “clássica” combatendo com a audição de fonogramas com
composições de William Walton, e do outro lado no Old Caledonian Club os fãs de
swing replicavam com o som da bateria. Regista-se o seguinte momento curioso:

“During the periods of record changing in the Education Hut, the drums seemed to
increase both in volume and tempo in an attempt to press home their advantage
while they could.”75

Na perspectiva dos críticos e admiradores de música erudita que residiam na


base das Lajes, pelo menos aqueles que participavam na elaboração das notícias e que
escreviam para o jornal Atlantic Echo, demonstra como a música swing ou jazz se

72
Nome baseado na revista francesa Le Jazz Hot, fundada em 1935 por Hugues Panassié e Charles
Dalaunay.
73
Atlantic Echo,Vol. 4, No. 1, 23 de Dezembro de 1944, pp. 2
74
Atlantic Echo, Vol. XVIII, No. III, 5 de Janeiro de 1946, pp. 3
75
Ibid.

69
“alastrava” intensamente pela base militar. Um autor anónimo do jornal comparava
assim os “grandes mestres” e compositores como Beethoven, Tchaikovsky, entre outros
com as “pastagens sintéticas” de Tin Pan Alley e caracterizava o ambiente vivido dentro
do perímetro militar:

“Bing for breakfast; Dorsey for dinner; Johnny for Teat-in-the-Garden; Sinatra for
supper, interspersed with liberal and extremly obtrusive helpings of Duke Ellingon,
Count Basie and a horde of lesser known but equally pseudo noblemen. (…) It is
their devotees, worshipping with fanatical fervour at the shrine of Swing and Jive
and Let’s-shake-everything-including-the bloques-next-door who undertake that
service.”76

Encontram-se no jornal inglês referências à vinda de “estrelas” norte-americanas


como Frank Sinatra, ou noticias sobre Bing Crosby, artistas pertencentes à USO (United
Service Organizations), organização responsável pelo entretenimento aos soldados
norte-americanos, assunto este que será desenvolvido no próximo capítulo. No que toca
à ENSA o artista com maior popularidade seria Phyllis Robins e, ao todo, teriam
fornecido trinta espetáculos até inícios de 1946, um número mais reduzido do que os da
USO.

O jazz apareceria do mesmo modo através dos filmes, de produção britânica e


americana, que eram importados para a base e projectados nos teatros e salas de cinema
do Garrison Theatre e Azoria. Este último teatro tinha espaço para 1.400 pessoas e
estava equipado com o seguinte equipamento: “two Ross HI Automatic Arcs, BA Sound
System, Nevlin 3 phase Mercury projectors, Ross Arc Rectifiers” 77. Na totalidade
durante todo o ano 123 filmes foram exibidos dos quais 100 eram americanos e 23
britânicos, e entre os mais populares destes últimos estavam Don’t take it to heart
(1944) de Jeffrey Dell e Kiss the bride good-bye (1945) de Paul L. Stein78. Os filmes
importados para a base das Lajes encontravam-se sempre actualizados, chegando
mesmo nalguns casos a serem projectados antes da estreia oficial. Visto que na primeira
metade dos anos 40 a base ainda estaria sob o domínio dos ingleses as novidades

76
Atlantic Echo, Vol. VII, No. XI, 1 de Dezembro de 1945, pp. 3
77
Atlantic Echo, Vol. 7, No. 3, 6 de Outubro de 1945
78
Ibid

70
cinematográficas britânicas eram visualizadas por militares norte-americanos e outros
funcionários antes da estreia nos EUA, como por exemplo os filmes Way Ahead (Reed,
1944), One Exciting Night (Forde, 1944) e A Canterbuly Tale (Powell & Pressburger,
1944)79. No caso do cinema de Hollywood este tornou-se um meio essencial de
divulgação para as orquestras de swing num processo que envolvia uma cooperação
entre empresas discográficas e a rádio. A lógica de produção das indústrias de
broadcasting contribuiu para que o swing conseguisse assegurar uma posição
dominante no mercado quase por 20 anos (de 1935 a 1955), englobando assim o período
da segunda guerra (Tschmuck, 2012: 91). Nos Estados Unidos a RCA (Radio
Corporation of America) e a CBS (Columbia Broadcasting System) destacaram-se
como as companhias responsáveis pelo controlo de uma vasta rede de interesses
comerciais em termos de tecnologia e criatividade, e ambas se tornaram as principais
gatekeepers da “indústria musical” nas décadas de 1930 e 1940, afectando e
contribuindo para a popularidade de estilos musicais como o Big Band Jazz, música de
dança, sucessos comerciais (“musical hits”) etc. (ibid: 78). Relativamente à importância
que o cinema de Hollywood deteve para as orquestras de jazz ou swing, na época
abordada, Pete Towsend (2007: 187) indica: “Films were part of the popular music
process, and popular music was part of the movie process. Each supported the other by
enlarging the circle of publicity. Musicians were both agents and beneficiaries of this
circle.” Estas orquestras dirigidas pelos seus líderes, envolvendo muitas vezes um
cantor ou cantores, que iam desde Count Basie, Duke Ellington, Benny Goodman etc.
estavam ajustadas ao universo de entretenimento de massas onde os filmes,
especialmente os que retratavam a guerra, tornavam explícita a ligação entre o swing e
os “valores Americanos”, enaltecendo a democracia, o pluralismo, e a liberdade pessoal
(Erenberg, 1992: 184). Diversos filmes deste tipo passaram na base das Lajes como:
Broadway Rhythm (1944), este sendo inspirado no musical Very Warm for May de
Jerome Kern e Oscar Hammerstein, com a participação da orquestra de Tommy Dorsey;
The Girl He Left Behind (1943) com a orquestra de Benny Goodman; e ainda a
participação da orquestra de Glenn Miller no Orchestra Wives (1942), filme
particularmente relevante pelo enredo centrado na vida dos músicos de big-bands e em
que o próprio Glenn Miller seria um dos protagonistas. Neste filme – tal como se vinha

79
Respectivamente, Vol. 3, No. 14, 28 de Setembro; ibid; Vol. 3, No. 16, 12 de Outubro de 1944, pp. 4

71
a observar em temas como “Can’t We Be Friends?” escrito em 1929 e gravado pela big-
band de Muggsy Spanier e “Darn That Dream” escrito em 1939 – encontrava-se patente
uma certa mudança que vinha a ocorrer ao longo da décadas de 1930 e 1940 na
concepção harmónica e melódica das canções populares compostas no âmbito das
indústrias Tin Pan Alley, particularmente no que diz respeito à substituição do
encadeamento de acordes dominantes secundários pelo cromatismo, como se pode ouvir
no tema “Serenade in Blue” deste mesmo filme (Townsend, 2007: 49, 50). Seriam
igualmente projectados alguns musicais importantes como Dixie, com a actuação de
Bing Crosby e Dorothy Lamour, e ainda Hit Parade of 1943 que contava com a
presença de várias orquestras, nomeadamente a de Count Basie, de Freddy Martin e a de
Ray McKinley. É fundamental realçar que alguns dos actores, músicos e cantores que
representavam no cinema norte-americano, mais tarde, realizariam tournées organizadas
pela USO, e, portanto, alguns deles passariam pela base das Lajes, já no período da
guerra fria. Destes exemplos demarcam-se Irving Berlin, que se destaca como o
principal compositor das canções, e participando como cantor nalguma delas, presentes
em This is The Army80, filme de sucesso que lançou o músico no ano de 1945 numa
tournée pelas bases americanas (Young: 2008: 131); Bob Hope, cantor e actor em Let’s
Face It81.

Tomaram-se outras iniciativas quanto às actividades delineadas pelos militares


britânicos, que podem ter tido uma relação directa ou indirecta com o jazz, na tentativa
de criarem espaços de lazer e proximidade com os habitantes. Observa-se a abertura de
clubes e a construção de edifícios fora da base militar, inclusivamente na Praia da
Vitória, como é o caso do Bromet Club na rua Serpa Pinto, nome que teria sido
atribuído em homenagem ao Vice-Marshall Geoffrey Bromet. Era igualmente
conhecido como Corporal’s and Erks Club, construído em particular para receber as
forças açorianas, e este incluía salas que forneciam alimentos e descanso, onde chás e
bolos eram servidos, assim como salas de leitura, escrita e de jogos 82. Coloca-se também
como hipótese a audição de discos nestes espaços.

80
Atlantic Echo, Vol. 2, No. 13, 11 de Maio de 1944
81
Atlantic Echo, Vol. 2, No. 6, 16 de Março de 1944
82
Atlantic Echo, Vol. 3, No. 8, 17 de Agosto de 1944

72
Img. 3: militares e jogadores de futebol ingleses no Club Musical Angrense. Foto retirada do jornal
Atlantic Echo

As actividades desportivas – que continuaram de forma preponderante mesmo


após a desocupação militar britânica – desde o futebol, hóquei, pingue-pongue, ténis ao
atletismo, conceberam modos de convívio relevantes, principalmente através dos
campeonatos criados entre as forças militares portuguesas e britânicas ou, ainda, a
realização de jogos entre militares e locais. Além disso, alguma actividade musical
poderá ter ocorrido nos momentos de festa que se sucediam por ocasião dos eventos
desportivos, como se pode observar num exemplo, durante a recepção de convidados
portugueses por parte dos militares e jogadores de futebol ingleses no Club Musical
Angrense83 (Img. 3).

A chegada dos militares britânicos trouxe do ponto de vista económico e social


algumas dificuldades aos habitantes, mas que com o passar do tempo levou a “um
incremento de bem-estar que a população não estava habituada”, apesar da evidente
crise económica que derivava da falta de capacidade de criar riqueza através do
investimento, logo a partir de 1945 (Grave, 2001: 417). A presença dos militares
83
Atlantic Echo, Vol. 5, No. 10, 26 de Maio de 1945, pp. 2
73
estrangeiros incitou a uma liberação sexual ostensiva, manifesta sobretudo no aumento
da prostituição – sendo legal na época e sujeita a controlo sanitário – e na necessidade
de esta ter sido regulamentada, assim como o seu acesso repartido por cada uma das
nacionalidades que correspondiam às três forças armadas que operavam na Terceira
(Monjardino, 1993: 65). Este fenómeno em torno da sexualidade e a tensão e os
conflitos que ela suscitava era igualmente visível nas restrições que os habitantes
impunham aos britânicos relativamente à participação destes em bailes e festas locais.
Por diversas vezes os militares tentavam-se envolver e dançar com as jovens, o que
acabava por originar várias situações de “pancadaria” (Nogueira, 2008: 58). Fora este
aspecto, os terceirenses viam as “coisas novas” e os “novos comportamentos” trazidos
pelos ingleses e americanos com “admiração” (Grave, 2001: 417). Nessa conjuntura, é
de ponderar que o contacto inicial com todo o aparato tecnológico que os britânicos
dispuseram - essencialmente com trabalhadores e militares da Terceira que serviram na
base - e os momentos de entretenimento proporcionados fora do perímetro da base
configuraram o discurso e o modelo do jazz praticado. A acepção da modernidade neste
contexto insular implica um “outro” do mundo moderno e industrial cuja “qualidade de
vida” se contrasta pela positiva com a do mundo rural. Quanto ao impacte da presença
estrangeira e o modo que os indivíduos da ilha Terceira receberam essa influência o
historiador Francisco Nogueira coloca do seguinte modo:

“O impacto da presença britânica na Terceira é visível directa e indirectamente;


directamente nas obras do Aeródromo e indirectamente na mentalidade dos
terceirenses, que aderiram aos desportos, ao cinema e à música trazida pelos
britânicos, além de terem adoptado as palavras “bidon” e “shorts”, entre outras, para
o seu vocabulário, aportuguesando-as.” (2008: 89)

O jazz viria do universo anglo-saxónico mediado pelos seus militares e


transmitido por via de intermediários culturais vários como a rádio e o cinema, bem
como através dos concertos “ao vivo”. Pela documentação e discursos recolhidos é
possível depreender que a influência norte-americana veio a reforçar um discurso e um
número de práticas musicais já presenciadas durante a estadia dos militares britânicos,
em que o jazz seria um objecto de entretenimento de massas associado a formas de
música de dança. Será, pois, a partir de 1945 e 46, após a partida dos ingleses e as

74
negociações políticas que se seguiram no contexto do pós-guerra, que os norte-
americanos alcançam mais proeminência na vida dos terceirenses.

A recontextualização do jazz no âmbito das práticas musicais locais


manifestava-se, sobretudo, nos agrupamentos musicais proporcionados directamente ou
indirectamente pelas sociedades filarmónicas. O peso institucional das mesmas fica
desde logo patente nos anos 40 coincidindo com a chegada dos britânicos. Durval
Pereira, músico da Recreio dos Artistas que tinha sede em Angra, recordava que nestes
anos eram os conjuntos das filarmónicas que tocavam nos Impérios “uns maxixes, uns
one-steps e uns fox-trots” e indicava que anteriormente ao estabelecimento da base das
Lajes o jazz era praticamente inexistente84.A instrumentação que constituía a música
popular americana era ideal para que estes músicos se adaptassem - equiparando-se com
as filarmónicas quanto à utilização de instrumentos de sopro, predominantemente
metais. Por exemplo, esse estímulo pela prática do jazz começa a ser suficientemente
transportado para o meio dos bailes e das festas organizadas pelas sociedades. A partir
de 1945 realizaram-se frequentemente na cerca da sociedade Recreio dos Operários, na
Fanfarra Operária Gago Coutinho e Sacadura Cabral e na Recreio dos Artistas “serões
músico-dansantes” ou saraus dançantes aos Sábados e Domingos abrilhantados com os
conjuntos Jazz-Futurista85, Jazz Fanfarrista e ainda a aclamada orquestra de Manuel
Reis. Esta última, segundo o crítico Ribeiro Pinto é considerada a “primeira orquestra
de jazz”, e era “composta por militares terceirenses.” 86 Como se pode observar no caso
do contexto terceirense o campo do jazz e militar sobrepõe-se e influenciam-se
mutuamente, dado que grande parte dos músicos cumpriam serviço militar obrigatório,
como acontece no caso de Durval Pereira, que permaneceu na Marinha durante 58 anos
como músico e onde exerceu o ofício de radiotelegrafia 87. Dimas Matos88, amigo e
companheiro de Durval em vários conjuntos e filarmónicas, tocava fliscorne, cornetim,
sax-alto, tenor e clarinete em muitas das orquestras anteriormente nomeadas

84
Entrevista realizada por Moreira dos Santos (2008: 49)
85
Jornal A Pátria, nº 1966, Sexta-feira, 13 de Julho de 1945, pp. 2
86
Texto “Jazz nos Açores” - http://www.jazzportugal.ua.pt/web/ver_escritos.asp?id=1298&
87
A União, 15 de Julho de 1998, pp. 5
88
Em 1945 pertencia à Fanfarra Operária e permaneceu na mesma alguns anos até transitar mais tarde
para a Filarmónica Recreio dos Artistas.

75
designadamente a orquestra de Manuel Reis – que actuava já nos clubes dos militares
ingleses e continuou a performar nos estabelecimentos construídos pelos norte-
americanos – e a Jazz Futurista, mas também na orquestra do Sargento Alberto Cunha,
posteriormente na orquestra Art Carneiro mais Durval Pereira, conjunto Açor, RivalJazz
etc.89 sendo que esta última seria formada e dirigida pelo próprio Dimas Matos, mas já
numa fase tardia, no final dos anos de 1950. Estes dois músicos foram os principais
actores que ajudaram a localizar o universo musical na Ilha Terceira, quer através da
documentação fornecida pelos seus familiares, quer pelos discursos produzidos. O
entendimento e introdução do jazz no repertório dos músicos da ilha Terceira estaria na
base de um conhecimento musical disseminado e reproduzido além da Academia
Musical que se edificara na década de 1950, nas sociedades filarmónicas e eclesiásticas
(por exemplo no Seminário Episcopal de Angra), dado que o conservatório Regional de
Angra do Heroísmo só é fundado na década de 1970, onde curiosamente Luís Soares e
Mário Coelho, músicos relevantes para se perceber a disseminação e prática do jazz na
ilha, iriam leccionar.

O desenvolvimento do jazz a partir da segunda metade da década de 1940 e que


culmina em grupos como Olmmar’s Band, a orquestra Art Carneiro e os Flama Combo
encontra-se associado a valores partilhados por quase todos os músicos assentes na
tradição musical do universo militar e filarmónico. A evolução dos acontecimentos
políticos e do mercado da música popular anglo-saxónica vão acompanhar
simultaneamente as transformações ocorridas nestes grupos em termos de membros e de
repertório. Mas em primeira análise, denota-se que a recepção do jazz na Terceira inicia
efectivamente através da música praticada pelos militares britânicos, inseparável das
negociações políticas e poderes de Estado em acção. Novamente, a sequência de
eventos que se sucederam à escala global preparariam a estadia norte-americana. Como
se poderá observar no próximo capítulo já durante a ocupação britânica o governo
americano mostrava indícios de pretender permanecer na base. Assim, por meio do
universo militar e de uma forma mais activa, o jazz será recebido na Terceira
conjuntamente com a importação de outros produtos culturais e de novos valores
associados à cultura popular de massas.

89
http://www.bparah.azores.gov.pt/html/bparah-historia+fundos02.html

76
3 Relação entre a disseminação do jazz e música “popular”
americana no contexto da segunda guerra e o
estabelecimento da base militar das Lajes

Este capítulo parte de uma análise das negociações políticas que se procederam
entre os governos de Portugal e Estados Unidos e a posição que os Açores e
particularmente a Ilha Terceira viria a tomar no plano geoestratégico e geopolítico no
cenário da II Guerra e pós-guerra. Após a partida dos britânicos em 1946 os norte-
americanos permanecem como a única força militar ao lado das portuguesas
responsáveis pela ocupação na base das Lajes. Vale analisar o que se sucedeu no ano de
1944 aquando do estabelecimento da base norte-americana em Santa Maria – que
equivale à estreia das facilidades alcançadas pelos militares norte-americanos ao
governo português e a sua presença ao lado dos britânicos na base das Lajes. Até o
controlo desta haverá complexas e duradouras negociações entre os governos que
resultam de uma série de acordos antes e após o fim da guerra. Esta análise da evolução
política irá até ao final dos anos 40 que marca a abordagem bilateral dos EUA e o
encerramento de um acordo, sucedido de outro em 1945 com os mesmos objectivos de
prolongar e manter permanentemente a presença norte-americana na ilha Terceira, no
contexto da guerra fria. A presença duradoura destas forças militares que se estendem
pelos anos seguintes até os dias de hoje, e portanto, inserindo-se na baliza temporal
definida para esta dissertação, irá provocar um impacto bastante significativo nas
práticas culturais diversas que vão surgindo na ilha associadas à cultura de massas de
proveniência norte-americana, e, por sua vez, na música ouvida e praticada.

O jazz continua a ter como principal centro de divulgação a base das Lajes,
agora controlada pelos norte-americanos. A informação recolhida da segunda metade da
década de 1940 e inícios da década de 1950 provém fundamentalmente da recepção na
imprensa regional, ao contrário do capítulo anterior cujas fontes provinham
principalmente da base das Lajes. Será neste perímetro militar que se concentram uma
série de questões, e sobre as quais o jazz estará intimamente associado, tais como a
relação entre as indústrias culturais e o poder governativo, o uso da música e a sua

77
função política com objectivos de propaganda e instrumentalização ideológica, e o
impacto social e económico que se alarga além da base, assim como o acesso à
tecnologia (p. ex.: fonogramas e aparelhos de reprodução sonora) por uma parte da
população e, evidentemente, também por parte dos músicos que eram convidados a
tocar no seu interior.

Apesar de serem apresentadas em capítulos distintos as negociações de


Inglaterra e EUA com Portugal a respeito da ocupação nos Açores estas ocorrem muitas
vezes em simultâneo, com preocupações consentâneas e divergentes de acordo com o
evoluir da guerra e o interesse de cada uma das partes, no entanto isso muda com a
aproximação bilateral dos EUA a Portugal após 1945. Esta divisão procede também da
influência social, cultural e económica efectiva que cada um dos militares e autoridades
dos países em questão exerceram localmente. Numa visão mais alargada das ocorrências
internacionais, compreende-se que o fim da segunda guerra mundial resulta numa
bipolarização do mundo, com os EUA e a União Soviética a disputarem a hegemonia
política e económica à escala global, e os Açores, particularmente a ilha Terceira, a
serem alvos de utilização geopolítica e estratégica por parte dos primeiros.

78
3.1 Negociações entre os EUA, Inglaterra e Portugal sobre o
arquipélago dos Açores

A principal conferência em que se revê a posição aliada e o papel dos Açores na


guerra concretiza-se na conferência de Trident em Maio de 1943 (Telo, 2008: 243)
Durante esta cimeira anglo-americana os EUA salientam a importância estratégica do
arquipélago, pois são estes os principais responsáveis pela zona dos Açores
relativamente à campanha anti-submarina e os interessados em construir uma ponte
aérea até ao Norte de África, onde acabariam por se instalar durante a operação Torch
(ibid). Será após o sucesso da mesma que diversos departamentos norte-americanos irão
pressionar fortemente a Administração para a obtenção de bases nos Açores (Telo,
1993: 142) Às razões anteriormente referidas acrescenta-se que esse interesse estava
igualmente assente na visão dominante de que o hemisfério deveria ser defendido,
justificação que se prolonga no pós-guerra (ibid). Dessa forma, Roosevelt apresenta
nessa reunião a sua perspectiva no que diz respeito à defesa do hemisfério Ocidental
tendo em conta uma eventual agressão alemã a partir dos Açores e afirma que os EUA
estariam dispostos a ajudar Portugal, caso necessário, sem colidir com as negociações
luso-inglesas em curso (Antunes, 1995: 70). Posteriormente, no acordo celebrado entre
a Grã-Bretanha e Portugal os EUA ficam restringidos do uso do aeroporto na base das
Lajes e daí surge possivelmente, um pouco mais tarde, o interesse em negociar
directamente com o governo português no sentido de estabelecer bases na ilha de Santa
Maria, ao mesmo tempo que poderiam beneficiar desta paragem para construir uma
ponte para o emergente mercado de transporte aéreo no pós-guerra “entre o Novo
Mundo e a Europa” (Almeida, 2013: 335). Os EUA ficam manifestamente incomodados
com o acordo anglo-português, pois este acabava por ser bem divergente daquele
acordado com Churchill na conferência de Trident, ademais, com a agravante de que
seriam os mesmos os principais utilizadores das Lajes, além de que suportavam
maioritariamente os custos das construções. (Telo, 1991: 195, 244) Ao contrário das
perspectivas norte-americanas o acordo que legitimou a presença deste país em Santa
Maria, em Outubro de 1944, garantiu somente a construção de um aeroporto às

79
expensas do tesouro português custando 3 milhões de dólares, o que cobria apenas uma
parte da totalidade do preço da obra, esta valorizada em 30 milhões de dólares
(Monjardino, 1993: 59). A 14 de Outubro de 1943, segundo Nuno Rodrigues (2003),
Roosevelt informa Churchill que terá uma abordagem directa com Portugal. Este
acontecimento diplomático autónomo que viria a suceder-se – visto que os EUA vão
dispensar Inglaterra como interlocutor das negociações, pela primeira vez na história
política e diplomática entre os dois países – na interpretação do autor, indicaria uma
mudança fundamental de poder no Ocidente, com os Estados Unidos a desenvolver um
novo papel hegemónico, e o afastamento de Inglaterra desse mesmo papel. Salazar viu a
abordagem dos EUA como um indício desta realidade e compreende que os Açores são
a fronteira que importa bloquear no avanço dos americanos à Europa (ibid).

As negociações demoradas, ao longo do primeiro semestre de 1944, entre os


dois governos residiam, fundamentalmente, além do simples pedido dos EUA
utilizarem militarmente os Açores e terem requerido a construção de um aeródromo em
Santa Maria, “na pressão de Churchill e de Roosevelt sobre Salazar para que Portugal
deixasse de fornecer volfrâmio à Alemanha” e ainda “o desejo de Salazar participar na
eventual libertação de Timor juntamente com as forças militares aliadas.” (ibid: 134).
Sobre este último ponto é de verificar que a restituição de Timor à soberania portuguesa
só se materializou por via desta mesma negociação diplomática envolvendo a utilização
do aeroporto de Santa Maria por forças americanas90 (Ferreira, 2003: 54). Depois de
Salazar compreender que a segunda guerra se aproximava do fim, com a vitória quase
certa dos Aliados, decide dar por terminadas as negociações no final de 1944, pois havia
a possibilidade de pôr em causa a sobrevivência do próprio regime.

Em 1945 os EUA vão pedir a manutenção de Santa Maria como base


permanente nos Açores e a das Lajes apenas como ponto de apoio auxiliar, pedido este
que será posteriormente rejeitado pelo governo português. No entanto, enquanto os
ingleses se retiravam da base das Lajes, dado que não pretendiam estabelecer-se aí em
tempo de paz, Salazar teria de conceder a permanência de um conjunto de técnicos e
90
Em contrapartida gera-se novamente uma tensão em torno da possível violação da neutralidade de
Portugal e a conjugação desta preocupação com a política colonial de manutenção do império português.
Salazar não podia aceitar a ajuda das forças aliadas na defesa do território dado que o Japão podia
entender isto como uma quebra desse estado de neutralidade. Os Aliados acabam por ocupar Timor com o
pretexto de uma possível invasão das tropas japonesas. O local tinha sido tomado pelo Japão em 1942 e
Portugal não tinha desde aí conseguido que eles se retirassem.

80
militares norte-americanos na ilha Terceira, concedendo-os a função de assegurar o
trânsito de aviões de transporte para a Alemanha (Telo, 89: 1996). Esta estadia
americana estava planeada inicialmente para um curto periodo de tempo (ibid). A partir
deste mesmo ano os EUA pressionam continuamente as autoridades portuguesas,
através de vários pedidos que se estendem ao longo da guerra fria, para a permanência
prolongada das suas forças nas Lajes (ibid). Do lado do governo português subsistiu
com frequência uma posição de assegurar que as relações com os EUA fossem sempre
mediadas por Inglaterra em conformidade com a aliança luso-britânica.

De acordo com as sugestões do general Marshall a Junta Chefes de Estado Maior


das Forças Armadas norte-americana aprova a 23 de Outubro de 1945 um combinado de
critérios definidos pelo almirante King para as nove bases principais que se enquadraria
na estratégica-militar de defesa dos EUA no período pós-guerra, sendo que a questão do
arquipélago fora permanentemente uma das prioridades (Ferreira, 2006: 38). Segundo
José Telo (1993: 89) nos anos que se seguem a 1947 Portugal apercebe-se do “erro” da
sua posição inicial de constante recusa a uma possível aproximação política com o
governo norte-americano e, desta vez, por iniciativa própria, utilizarão os Açores para
tal efeito. Será nestes moldes que Portugal pedirá em troca do arquipélago garantias
políticas que envolvam um compromisso de defesa permanente da nação que abranja
não só o continente, mas também as ilhas e o restante império colonial (Telo, 1993: 89).
No entanto os EUA não dão garantias quanto ao último pedido (ibid). Essa mudança de
política externa por parte de Portugal deve-se sobretudo às contigências económicas e à
transformação política que se verificava nas relações entre a América e a Europa
promovida pela execução do plano Marshall, nesse mesmo ano, mais concretamente
através do program European Recovery Program. Com pretexto de uma possível
invasão das tropas japonesas. O local tinha sido tomado pelo Japão em 1942 e Portugal
não tinha desde aí conseguido que eles se retirassem. Com o início do projecto de
reconstrução europeia no pós-guerra apoiado pelos EUA Portugal vê-se obrigado a
integrar-se nas discussões internacionais de cooperação com os países dos aliados
vencedores da segunda guerra. Fernanda Rollo (1994) analisa como Portugal aderiu
mais tarde ao plano Marshall, precisamente em 1950, depois de ter rejeitado numa
primeira fase a ajuda financeira norte-americana, uma vez que esse empréstimo,
segundo Salazar, poderia tornar o país economicamente dependente. A tolerância para

81
com Portugal e a aceitação do país no quadro “internacional”, expresso na sua adesão ao
Tratado do Atlântico Norte, que vem a dar origem à NATO, e à OECE (Organização
Europeia de Cooperação Económica) justificava-se essencialmente pelo papel
preponderante que os Açores poderia vir a desempenhar em matéria de defesa do “bloco
ocidental” no contexto da guerra fria, facto que ficaria consumado num acordo de
defesa entre os EUA e Portugal em 1951 (Pereira, 2006: 245). Será desse modo que a
posição geo-estratégica do arquipélago e as circunstâncias políticas e económicas
internacionais no pós-guerra levam a uma maior influência anglo-americana em
Portugal.

O alinhamento de Portugal com as políticas dos Aliados, primeiro sucedido em


1943 durante a guerra e marcado pelas negociações com Inglaterra e os EUA, assim
como no pós-guerra através da implementação do plano Marshall, levou a uma maior
tolerância do regime para com o jazz (Roxo, 2017: 195). Contrariamente ao modelo da
cultura popular idealizado pelo Estado Novo assente na Política de Espírito orientada
por António Ferro evidencia-se uma maior abertura a produtos culturais de proveniência
anglo-saxónica neste período. O melhor exemplo da acentuação destas contradições
encontra-se patente na disseminação de música americana pelas estações de rádio
portuguesas tendo em vista a participação de Portugal no Plano de Recuperação
Europeia, especialmente desde o fim dos anos 40 (Roxo & Salwa, 2016: 215). Isto
significa que as negociações e as mudanças políticas durante a II Guerra e no pós-guerra
centradas na posição geopolítica e estratégica do arquipélago, concretamente a Terceira,
não só detiveram um papel decisivo no incremento do jazz localmente - assinalado pela
entrada de militares norte-americanos e ingleses nas Lajes - como também no resto do
território nacional.

82
3.2 USO, V-Disc e celebridades no âmbito da música popular
americana e do jazz;

3.2.1 A disseminação de V-Disc, a importância de artistas como


Glenn Miller e a relação desses produtos e figuras com os valores americanos,
assim como a organização de eventos norte-americana denominada por USO
(United State Organization)

Apesar do jazz ter surgido primordialmente na ilha através das forças armadas
britânicas e durante a sua estadia de 1944 a 1946, os norte-americanos nesse primeiro
ano já traziam e recebiam celebridades e músicos do domínio da música popular
americana e do jazz na base das Lajes. Desses casos destaca-se particularmente a
passagem do bandleader e trombonista Glenn Miller, que na época tinha sido
promovido a major e depois a director da Army Air Force Orchestra, constituída por 42
elementos e com um reportório que incluía normalmente 19 peças de música de dança.
Esta orquestra militar realizou diversos espetáculos para a rádio e gravações em V-Discs
(Victory Disks), em exclusivo para entretenimento das tropas americanas.

O projecto V-Disc inicia em 1943 sob tutela do tenente Robert Vincent da


Special Services Division, divisão pertencente à Army Service Forces (ibid). A
gravação e distribuição destes fonogramas unia executivos de rádio, instrumentistas,
músicos do sindicato AFM (American Federation of Musicians)91, e fornecia ao exército
e à força aérea americana estabelecidas no estrangeiro uma oportunidade de ouvirem
música de dança, swing, jazz, música “clássica”, entre outros estilos, possibilitada pela
91
A greve e os protestos da AFM liderada pelo presidente James Petrillo contra as grandes companhias
fonográficas na primeira metade dos anos 40 consistiu numa recusa por parte de todos os músicos
sindicalizados de participarem em gravações comerciais. A expansão do monopólio da rádio (CBS e
RCA) é fortalecido depois da obtenção das principais empresas fonográficas (Victor e Columbia, à
excepção da Decca, a única a fazer um acordo com o sindicato), com efeitos lucrativos para a primeira.
Esta transacção implicava que os músicos ficassem sem receber pelos direitos de autor. Daí a primeira
revolta dirigir-se à rádio, mas como é rapidamente impedida pelo governo norte-americano obriga o
sindicato a confrontar-se com as companhias fonográficas (Kenney, 1999: 191). Será neste contexto de
conflito que o tenente Robert Vincent e James Petrillo selam entre si um acordo em que permite que os
músicos sindicalizados gravem para os V-Disc - dada a exigência dos soldados por canções actuais - na
condição que estes não fossem comercializáveis, ao mesmo tempo que proporcionava uma oportunidade
de divulgarem o seu trabalho no universo militar, com o intuito de ajudar o país em tempo de guerra (ibid:
197).

83
construção de instalações de centros de serviço, e, por conseguinte, através dos rádios e
fonógrafos importados (McClellan, 2004: 1). Apesar de se solicitar que os V-Disc
incluíssem um vasto e diverso repertório no sentido de apelar aos gostos vários dos
militares norte-americanos a música popular americana e o jazz dominavam no número
de ofertas (Fauser, 2013: 116, 118). Estes discos foram fabricados entre 1943 e 1946 92
nos armazéns da RCA Victor em New Jersey e enviados quase na totalidade (90%) para
bases americanas estabelecidas no estrangeiro, e por essa razão, requerer-se-á que
alguns sejam feitos em Vinylitte, um tipo de material precursor do Vinyl com maior
resistência do que a goma-laca e próprio para viagens aéreas 93 (Young, 2008: 101). Para
algumas zonas mais isoladas e com problemas de energia elétrica o exército
desenvolveu um fonógrafo portátil nomeado por “portable hand-wound records players”
transportados em caixas especiais e sequentemente largados em paraquedas junto com
os V-Disc (Smith, 2003: 41).

Mesmo que escassos, na base das Lajes também se encontram exemplos de V-


Discs na actual pequena discoteca na Rádio Lajes94. Esta estação radiodifusora iniciada
em 1947 por um grupo de militares em serviço na base das Lajes 95 deteve um papel
fundamental na disseminação do jazz (orquestras e big-bands de swing) no final da
década de 1940 e anos posteriores, ao lado da Rádio Clube de Angra. Em vista disso, o
confronto com os V-Disc na rádio mostra a possibilidade de que estes tenham sido
emitidos e inseridos na sua programação. Por outro lado estes fonogramas eram por
certo transmitidos na US Air Transport Command Radio Service, Station 100, que
segundo consta o jornal inglês tinha capacidade para cobrir todo o arquipélago:
“Located behind the American Army Post Exchange, The Station has expanded its
facilities from five watts to fifty watts and may now be heard throughout the Azores”.

92
O suporte de música gravada, e alguns aparelhos de reprodução sonora como os fonógrafos portáteis
enviados juntamente com os V-Disc, exclusiva a circular em zonas militares norte-americanas altera-se
em 1949 quando a Voice of America decide substituir a distribuição de V-Disc pelos gravadores de fita
magnética (Young, 2008: 101)

Material que também foi substituído por falta de abastecimento pois era prioritário o seu uso para fins
93

militares. A solução foi desenvolver a resina de acetato de polivinila através de uma subsidiária da
Monsanto Chemical Company chamada Canadiana.
94
Estes discos entre muitos outros encontrados no arquivo de discoteca não estão organizados nem
enumerados.
95
http://radiolajes.pt/historia
84
Img. 4: Lado A do V-Disc com a gravação de “Cocktails for Two” e “Liza” por Art Tatum

Img. 5: Lado B do V-Disc com a gravação de “Sweet Lorraine”e “Hallelujah”por Teddy Wilson

O acordo entre a OWI (Office of War Information) norte-americano e a AFM


estipulava que após o fim da segunda guerra todos estes fonogramas fossem destruídos
uma vez que podiam ser obtidos e sequentemente comercializados, pois, isto não geraria
lucro para os músicos que tinham participado de forma gratuita nessas gravações
(Young, 2008: 102). No entanto, como se observa no caso da base das Lajes e em outras
partes do globo isto não se sucedeu. Peter Tshmuck (2006: 95) constata que as tropas
americanas na Europa e na Ásia continuaram a ser fornecidas com V-Disc até 1949, nos
quais eram transmitidos nas estações de rádio americanas dos países ocupados,
85
familiarizando as populações locais com o swing, além daquele que era ouvido durante
a propaganda da “Voice of America”. Como se observa nos exemplos abordados estes
discos de 12 polegadas e de 78 rotações, por isso, distintos dos fonogramas
comercializados de 10 polegadas e, portanto, com maior capacidade de armazenamento,
em que cada lado poderia chegar até aos 6.5 minutos, eram ideais para a performance de
solistas de jazz. Todavia, no exemplo do disco encontrado os pianistas Art Tatum e
Teddy Wilson apresentam-se, nessa ordem, em trio (guitarra, baixo e piano) ou
acompanhando uma orquestra, ultrapassando por pouco os 4 min em cada lado (Img. 4 e
Img. 5).

Além da música usual que continha os V-Disc tocada por big-bands ou/e
orquestras de música de dança, tal como se assiste no exemplo do disco da orquestra da
fig. 1, eram recorrentes mensagens patriotas enunciadas pelos líderes de orquestra, ou
ainda “transcrições eléctricas” de espetáculos e peças de rádio, banda sonora de filmes
ou até gravações com literatura recitada (Tschmuck: 2012: 95). Por exemplo, no disco
apresentado (Img. 6 e Img. 7) no qual contém temas como “I’ve Got You Under My
Skin” (lado A), “Time Like These” e “South Side” (lado B) tocados pela orquestra de
Vaughn Monroe há a oportunidade de se ouvir no início da primeira faixa uma
mensagem de apoio moral às tropas entregue pelo próprio Monroe.

Img. 6: Lado A do V-Disc com a gravação de” I’ve Got you Under My Skin”
pela orquestra de Vaughn Monroe

86
Img. 7: Lado B do V-Disc com a gravação de “South Side” pela orquestra de Vaughn Monroe

Quanto a Glenn Miller e a sua orquestra, esta estreou-se no final de 1944 na base
aérea nº 4 durante a sua digressão pelas bases norte-americanas. Destacaram-se na
imprensa regional ao apresentar músicos que se caracterizavam por tocar em
“instrumentos de oiro” os apreciados “novos ritmos” da época, a par da orquestra de
Harry James96, numa altura em que se especulava o seu desaparecimento decorrido
numa viagem de avião entre França e Inglaterra, confirmado nos jornais da ilha em
Janeiro do ano ulterior97. No concerto de Glenn Miller esteve entre a plateia Pedro
Martins de Lima98, que teve aí o seu primeiro contacto com o jazz, ainda retêm algumas
memórias do sucedido. Lembra-se especialmente do fardamento militar e da
constituição da orquestra (“viola”, piano, contrabaixo, bateria, dois naipes de saxofone
alto e tenor, trombone e clarinete), cuja sonoridade se caracterizava pelo clarinete na
melodia, substituindo a trompete, em uníssono com o saxofone tenor. A partir da

96
A União, nº 16.258, 7 de Dezembro de 1944, pp. 4
97
A Pátria, nº 1823, 15 de Janeiro de 1945
98
Um dos agentes fundamentais para a compreensão da rede de sociabilidades em torno do jazz em
Portugal e em particular do HotClub Portugal. Devido ao seu pai (Martins de Lima, neto e bisneto de
oficiais de cavalaria) ter sido readmitido nos Açores para Oficial de ligação com as tropas estrangeiras, e
sua mãe ter sido escolhida depois de concorrer a ajudante miliar, permaneceu um ano no Faial e um ano
na Terceira. Como Martins de Lima menciona, as relações que estabeleceu com oficiais americanos (em
particular com um oficial americano que era seu companheiro de vela) permitia com que visitasse muitas
vezes a messe de oficais nas Lajes onde ocorria vários eventos musicais, ou concedia acesso a revistas
americanas onde mostravam notícias sobre o jazz e referências da cultura popular americana e
“internacional”. Também conheceu o jazz através da captação da rádio dos militares Voice of America.

87
experiência de Martins de Lima observa-se que a música de Miller era reproduzida
pelas orquestras locais fora do perímetro militar. Como exemplo desse fenómeno este
recorda-se de ter assistido a um concerto no “jardim onde se dançava, em Angra” 99, com
a apresentação de uma orquestra (constituída por piano, “viola”, saxofone e bateria) em
que do repertório tocado constava alguns dos temas que “lançaram” Glenn Miller tais
como In the Mood e Stardust100.

Glenn Miller é considerado um dos principais músicos a representar a era do


Swing no período da II guerra e os valores que estariam a este associado como o
pluralismo, a democracia e a liberdade pessoal e individual, enaltecendo alegadamente
os benefícios de uma certa cultura e modo de vida americano em oposição ao fascismo
(Erenberg, 184: 1998). Perante esse aspecto, o poder político norte-americano tentará
uniformizar o seu aparelho ideológico ao cooperarem directamente com as indústrias
culturais no intuito de elevarem a moral das tropas num esforço de “unificação
nacional”. Surge a então United Service Organization (USO) a 4 de Fevereiro de 1941,
uma organização privada e não-lucrativa em parceria com o Departamento de Defesa
norte-americano, originada por iniciativa de Roosevelt. O presidente norte-americano
pede a coordenação de recursos e a colaboração entre seis agências religiosas sendoestas
a Salvation Army, Young Men’s Christian Association, Young Men Women’s Christian
Association, National Catholic Community Services, National Travelers Aid
Association, National Jewish Welfare Board (Rowan, 2015: 503). No caso aqui
abordado, os diversos músicos e celebridades que performavam ao vivo na base das
Lajes eram pertencentes a uma corporação separada da USO denominada por USO
Camp Shows101 (ibid).

99
Possivelmente no jardim público de Angra em que ao longo dos anos, desde da ocupação inglesa,
também se apresentaram bandas militares e orquestras estrangeiras.
100
Entrevista a Pedro Martins de Lima via telefone a 5 de Novembro de 2016
101
Esta incluía diversos circuitos nos quais valem referir: Victory circuit, descrito como um “full-sized
revues and concerts to larger military installations” e o Blue Circuit, “smaller touring companies to
perform at Navy and Army installations”.

88
3.2.2 Frank Sinatra na Terceira durante o fim da II Guerra

No âmbito destes espetáculos a próxima celebridade, depois de Glenn Miller, a


estacionar e a actuar igualmente na ilha Terceira seria Frank Sinatra, já perto do fim da
guerra em Junho de 1945. Antes da sua chegada às Lajes este teria aterrado num C-47 e
actuado no aeroporto de Santa Maria, rota que teria como destino final Itália com o
encargo de entreter os soldados americanos feridos102. O seu reconhecimento entre o
exército americano no estrangeiro, assim como se verifica em Miller e outras
celebridades que passariam posteriormente pelas Lajes, era também pautado pela
divulgação dos V-Disc em que tinha participado. Por outro lado, na digressão pelas
bases militares estabelecidas na Europa e no Norte de África, iniciada logo a seguir ao
desembarque e a vitória dos aliados em Normandia, Sinatra viria acompanhado pelo
comediante Phil Silvers, o compositor e pianista Saul Chaplin, e as actrizes Betty
Yeaton e Fay McKenzie, grupo que vem a ser fotografado e noticiado pelo jornal inglês
Atlantic Echo (anexo). Durante esse período Sinatra é percepionado como uma figura
algo impopular no seio dos militares, dadas as suspeitas de que tinha manipulado o seu
recrutamento para que não fosse chamado a servir no exército, ao mesmo tempo que
passava grande parte do tempo rodeado por uma audiência predominantemente jovem e
feminina (Rojek, 2004: 100), ademais, tendo o músico iniciado a digressão quase no fim
da guerra. Esse penúltimo aspecto reflectiu-se na imprensa internacionalmente e, por
sua vez, no periódico A Pátria ao lhe considerarem um “ídolo das mulheres
americanas”, numa notícia referente ao dia em que o cantor visitava a Rua de São João
na cidade de Angra para a compra de uma máquina fotográfica da Zeiss 103. Considerado
rival de Bing Crosby juntava-se assim a uma série de celebridades que tinham
anteriormente passado na base como Nelson Eddy, Ginger Roggers, Anabella, a
Orquestra de Glenn Miller e Phyllis Robins 104. No entanto, numa entrevista ao Atlantic
Echo Sinatra critica a euforia da audiência jovem e fala da sua preferência em entreter

102
Modern Screen, Janeiro de 1946, pp. 41 e 84, revista acessível online em
http://archive.org/stream/modernscreen3233unse#page/n9/mode/1up
103
A Pátria, nº 1943, Quinta-feira, 14 de Junho, pp. 1 e 2
104
Ibid.
89
“homens de uniforme” considerando-os críticos e apreciativos, antes de anunciar que se
encontrava expectante para actuar no teatro Azoria105.

Entende-se que a transição decorrente nas indústrias da música popular


americana para a segunda metade dos anos 40 e que causará o detrimento do Swing nos
anos 50, reside na crescente popularidade dos cantores, como se denota no caso de
Sinatra, mudando o panorama desde os anos 30 em que estes apenas detinham um papel
secundário nas orquestras. Para esse desenvolvimento contribuíram os protestos e a
greve dos músicos sindicalizados da AFM enquanto os cantores pertencentes à AFTR
(American Federation of Television and Radio) continuavam a gravar para as
companhias fonográficas, ao contrário dos primeiros (Tschmuck, 2012: 98). De
qualquer das formas, a manutenção da base das Lajes a partir dos anos 50 justificada
pela intervenção dos EUA na Coreia do Norte contribuiu para a continuação de
espetáculos da USO nas Lajes e de artistas e orquestras de jazz (que durante o pós-
guerra ganha significados políticos e de utilização ideológica relevantes), e contacto da
população com algumas dessas mesmas práticas. Apesar do agravamento da posição das
orquestras de swing no contexto anglo-saxónico e como música de massas estas
permaneceram ao longo da década de 1940 e 1950 a ser divulgadas na imprensa
regional, a circular a partir de fonogramas e muitas vezes transmitidas através da rádio
quer por actuações emitidas em directo ou pela reprodução de discos. Este interesse
verifica-se do mesmo modo na perduração de agrupamentos locais ao estilo de big-band
como Olmmar’s Band com um vasto repertório instrumental de música de dança (jazz,
tangos, valsas, etc.), ou orquestras como a de Manuel Reis e de Art Carneiro, bem como
o exemplo de grupos musicais mais tardios do fim da década de 1950 como é o caso da
orquestra RivalJazz formada por Dimas Matos. Formações estas que continuaram a
actuar na base das Lajes, ao contrário desta última, até os anos 60 e mesmo até mais
tarde.

105
Atlantic Echo, Vol V, No. XIII, 16 de Junho de 1945

90
3.3 Jazz na imprensa, rádio e cinema, circulação de
fonogramas e orquestras locais terceirenses

3.3.1 Recepção do jazz na imprensa nos 40

A produção discursiva em torno do jazz na imprensa regional nos anos 40


explica e legitima este domínio musical por meio de construção de cânones e apoiado
por figuras do universo da música erudita. Por exemplo, em 1947 é publicado um
pequeno texto no Diário Insular em que considera o jazz uma música na “moda” e a
América como a “pátria adoptiva” desses “novos ritmos” 106. O autor considera três
“mestres da música” e duas escolas de pensamento do jazz em que Benny Goodman
representa a escola modernista e Bunk Johnson a fundamentalista. Já noutros casos
Louis Armstrong manter-se-ia entre o “moderno” e o “clássico” equanto Rex Stewart
seria uma promessa no futuro do jazz. O jornal, no mesmo ano, mostrava a opinião do
violinista Jascha Heifetz107 no qual se tinha “desdobrado” enquanto Jim Hoyl, isto é,
num “compositor de jazz americano”, declarando que “o bom jazz é tanto música
quanto o é uma sinfonia clássica, mas tem de ser bom mesmo”108.

Adicionalmente, alguns autores terceirenses que escreviam para a imprensa


regional oferecem uma perspectiva sobre as percepções locais relativamente ao jazz
assim como as alterações decorrentes na sociedade pelo advento da modernidade.
Evidencia-se um desses casos na crónica de Luiz Ribeiro 109, no que diz respeito à
expansão da rádio aliada á inserção do jazz no espaço público. Apesar do conceito
“jazz” nunca ser empregue ao longo do texto trata-se implicitamente, para o autor, de
um domínio composto por vários géneros musicais de dança nos quais se inserem a
106
Diário Insular, nº 502, 30 de Outubro de 1947, pp. 3
107
Curiosamente durante a segunda guerra Heifetz viajou pelos campos militares dos Aliados na Europa
sob o pseudónimo Jim Hoyl. Compôs nesse período o tema When You Make Love to Me, cantado por
Bing Crosby.
108
Diário Insular, nº 518, 19 de Novembro de 1947, pp. 2
109
De acordo com o texto apresentado a sua atitude seria uma de desconforto perante a expansão dos
aparelhos radiofónicos na Terceira, em consonância com a transmissão de música “moderna”. Já quanto
ao uso da vitrola e fonograma o autor olhava com alguma nostalgia e apreço.

91
rumba, o foxtrot e o charleston, distintos da música de concerto, na qual, segundo o
autor, era possível ouvir através da Rádio Colonial, onde ouviu uma “admirável
execução de obras de Debussy”110:

“Correu o tempo e veio a vitrola americana com música gravada em discos. Foi um
deslumbramento. Que maravilha e que felicidade poder ouvir aqui as melhores
orquestras e os maioresartistas! Mais dobraram e apareceu a rádio com todos os seus
aperfeiçoamentos (…) Afinal, nesse benigno processo estava latente um terrível
instrumento de tortura. Por toda a gente a infernal zaragata dos aparelhos ultra-
potentes a debitarem insuportável fadaria (…) a vazarem jorros de ritmos
percucientes obsidiantes de foxtrot, charleston, rumba, traumatizantes pela
monótona insistência, arrepiantes pelos guinchos siamescos de cornetins com
surdina, gaitinhas e lâminas, duras como certa iguaria dura, pelo ruido musical de
banjos, marimbas, xilofones e matracas; o arraste de gramofones ligados a alto-
falantes, associando os dois numa simbiose diabólica, expiatória, perturbadora do
repouso, num inferno frio, mas sonoro, com os reclamos de loja de modas e
alfaiataria, vendedores ambulantes de ervas e pós de perlimpimpim, fenómenos
raros e preciosos, entreamados de canções cantadas por etílicas vozes, mais
venenosas que a recente gasolina estilizada (…) É possível que nem sinta o ruido
dos motores e as buzinas implicantes dos automóveis, o escape livre das
motocicletas (…) Se já ninguém se incomoda a levantar os olhos quando por sobre
nós voa um avião!”

Em complemento a esta ideia são publicados dois poemas no jornal A Pátria. O


primeiro escrito por Carrera Guerra salienta a natureza “mecânica” da América, uma
das características que o autor ressalva relativamente à peça Rhapsody In Blue de
Gershwin111.

“(…) Não sei se sou judeu de East Side

Negro de Harlem ou simples desempregado,

Sei que nas ruas respiro gasolina queimada (…)

Esta noite, América, me sinto só

Desesperado cruzo luas luzes oh! Mannhattan!

Entre milhões de teus filhos só,

Teus arranha-céus me sufocam, América,


110
A Pátria, nº 358, 4 de Maio de 1947
111
A Pátria, nº 384, 7 de Junho de 1947

92
Estou farto de tua grandeza mecânica,

Deixa que eu dissipe a tristeza que me dás

Neste estranho “blues”, soluço musical”

O segundo trata-se de uma entrevista ao “Swing”, caracterizando-o como a


dança do momento ou como música moderna e resultado de uma época “dinâmica” e
“feroz”, distante da música do período Romântico, de alguma forma, também ele
associado à vida nocturna e ao modo de vida urbano:

“Num turbilhão de sons alucinantes,

Num Carnaval de ritmos vibrantes,

Surgiu o Swing, a dança do momento

“KALAMAZOO”, “Tiger Rag”, “In The Mood”

Têm mais força do que um Parlamento…”

A época é dinamica e veloz.

Vai longe do romantismo, e, quanto a mim,

Já não sinto, como os nossos avos,

Encantos nas Baladas de Chopin

Assim pensando, fui, no outro dia,

Mal acabara o baile e a alegria,

Entrevistar o SWING, junto ao Bar,

Onde ele se entretinha a preparar

Um “cock-tail, de música moderna

E, foi a altura de saltar-lhe à perna

Dançava o Swing dentro da piscina.

O Wagner, o Beethoven e o Mozart

Escreveram SWINGS com a maior arte (…)

Assobiava o “Kalamazoo”…!

Isto a dizer, cai da cadeira abaixo

Ó Céus! Já estava “grosso, como um cacho!

93
Levei-o até casa no meu carro”

No ano de 1945 organizou-se uma festa de acampamento animada por um baile


no interior do perímetro militar nos aquartelamentos dos norte-americanos, frente ao
Clube dos Oficiais Americanos112. Segundo Moreira dos Santos (2008: 45) o concerto aí
realizado remete para a actuação da orquestra de Stan Kenton com a vocalista June
Christy113. Apesar destes músicos terem estado ou não na Terceira nesse ano, o evento
descrito pelo autor e convidado serve sobretudo para entender alguns dos significados e
percepções diversos atribuídos ao jazz na época, assim como os principais elementos
musicais que sobressaem e que constroem tal entendimento. Encontra-se neste texto a
caracterização de duas danças, designadamente o foxtrot e o swing. A primeira
caracteriza-se por ser “arrastada”, “sonolenta”, e, segundo o autor, de carácter
monótono em comparação com a valsa a três tempos:

“E a festa começou. O Jazz rompe um fox arrastado, sonolento, com


espreguiçamentos moles que um frémito do sax sacudia de onde a onde para logo
esmorecer de novo, caído outra vez na monotonia dos rufos surdos da viola, em
tum-tuns de batuque…Desculpem a apreciação, se não a acham lisongeira, mas sou
coevo da valsa a três tempos”

Em contraste, a segunda dança seria mais alegre, assinalada pelo “rufar” do


“tambor” acompanhado por escalas cromáticas do clarinete, por sua vez, equiparável ao
baile-de-roda e à romaria-minhota:

“Mas o tambor rufa agora mais vivo por entre o gargalhar dos pratos e as escalas
cromáticas do clarinete. O swing, com seu rodopio de voltas, seus vai vens de
patinadores deslisando sobre esquis imaginários em supostas pistas de neve, dá
outra nota de leveza e graça aos pares que se cruzam”

112
Parece que o autor emprega a noção de jazz para se referir também ao grupo ou ao espaço onde os
músicos tocavam tais como o “recinto do jazz”, ou quando anuncia a primeira música do concerto
dizendo “O Jazz rompe um foxtrot…”. O conceito de “jazz” poderia aludir a outras dimensões que não
propriamente o estilo ou género musical, já que segundo Roxo e Castelo-Branco (2016) também poderia
denominar, respectivamente, o conjunto musical incumbido de animar a festa, a bateria (instrumento
musical ligado à modernidade), ou, ainda, ao próprio eventos festivo e performativo.
113
Infelizmente não foi possível juntar informação suficiente que suporte a passagem de Stan Kenton
pelas Lajes neste ano.

94
“O swing é mais português, mais baile-de-roda, mais romaria-minhota. A alegria
sobrenada, sobe de ponto, tende para a fluidez e expansão – mas não consegue
destronar a correcção e o porte que são nota permanente a distinguir a festa.”

95
3.3.2 Música sinfónica, moderna e para dançar no Rádio Clube de
Angra
(anos 40 e 50)

Tendo em conta que os principais concertos da base se encontravam interditos a


grande parte da população o contacto com música popular americana e o jazz fazia-se
por mediante dos discos, da rádio e do cinema e dos conjuntos e orquestras locais. Em
termos de centros de radiodifusão contribuíram a Rádio Lajes (A Voz das Forças Aéreas
Portuguesas”), o Rádio Clube de Angra (“A Voz da Terceira”) e a US Air Transport
Radio Service Station. O Rádio Clube de Angra inaugurou a 12 de Outubro de 1946 por
iniciativa de Belmiro da Silva Rocha e Fausto Rodrigues Cristovam - este ultimo
licenciado em 1947 em Radiotécnia pela Academia Nacional de Radio no Porto -
surgindo de experimentações do segundo a partir da sua residência no Caminho Novo
em Angra do Heroísmo. O RCA estreia oficialmente a sua emissão em 1949 como
“estação CBS-80” e estabelece-se como o principal centro de divulgação de música
moderna e do jazz no final da década de 1940, e também ao longo dos anos 50 e 60, na
ilha Terceira. Numa programação preenchida por música erudita, música ligeira e fado
este domínio musical começa por se introduzir num pequeno espaço reservado à
“música de dança”, ou à secção “vamos dançar” 114. Neste espaço transmitiram-se
algumas versões de música para dançar especialmente em foxtrot ou “space-foxtrot” a
partir de composições do universo da música erudita, neste caso, por orquestras de jazz
popularizadas durante o período da II guerra como são exemplos a de Glenn Miller e a
de Harry James.

A constituição da discoteca do RCA procedeu em primeiro lugar da oferta por


parte de pequenos comerciantes estabelecidos na cidade de Angra como Adalberto
Martins (que além da sua actividade comercial desempenhou funções de carácter
cultural tornando-se mais tarde director do RCA), ou figuras pertencentes a uma classe
alta de considerável capital económico, social e cultural com cargos sociais e públicos
de destaque associados a uma certa mobilidade e posição no campo empresarial e
político como é exemplo Cândido Pamplona Forjaz – fundador do jornal Diário Insular,

114
A União, nª 16.272, 25 de Dezembro de 1949, pp. 8

96
pertencente à União Nacional e governador civil da cidade de Angra - ou ainda Carlos
Rego da Silva, filho de um visconde e, portanto, originário de famílias nobres, ou ainda
de militares como Frederico Lopes Jr. (conhecido pelo pseudónimo João Ilhéu) que
exerceu igualmente diversas funções de índole social, tendo colaborado com a orquestra
de Henrique Vieira da Silva e servido na reserva como presidente do Conselho
Administrativo na Base das Lajes115. Desse modo a escolha dos discos transmitidos no
RCA indica que tipo de música circularia no seio das elites e de outros grupos sociais
economicamente mais abastados. O gosto musical destes diferentes indivíduos mostra
uma valorização pelo jazz sinfónico e orquestral, este último até então na base do
modelo da orquestra de Paul Whiteman, tratando-se em simultâneo de música séria e de
concerto e, por sua vez, contendo traços de música de dança “africano-americanos”.
Será por essa razão que ao longo da década de 1950 o RCA apresentará compositores
como George Gerswhin, considerado um dos compositores “modernos” mais populares
na época, visto que adicionava elementos do jazz às suas obras, o que para certos
críticos legitimaria este estilo musical a ser apresentado em concerto, no contexto da
música erudita. Destas fizeram parte da emissão do RCA as peças Um americano em
Paris (1928) e concerto em Fá de George Gershwin (1925) interpretado pela orquestra
de Paul Whiteman acompanhada pelo Roy Bargay no piano. Além disto outras
orquestras de dança tiveram especial destaque. Entre estas encontram-se a de Victor
Silvester116, e outras de nacionalidade francesa e holandesa.

Na grelha de programação publicada no Diário Insular, ao lado do espaço de


música de dança, havia um espaço dado pelo nome de Ritmo Moderno (rumbas e
congas), ou por vezes dignado por “ritmos americanos” em que certamente o jazz faria
parte a par de outros domínios e géneros musicais associados à dança. A presença tanto
do jazz como da musica popular americana no RCA provinha tanto dos discos
oferecidos, quer por militares estacionados na base das Lajes e pequenos comerciantes,
como da colaboração com outras estações emissoras, entre elas a Rádio Netherlands e a
estação americana CSB-83 (Merelim, 1972: 58, 66) Esta relação próxima com o
destacamento norte-americano permitia ao RCA transmitir em directo músicos
estrangeiros que passavam pela base, como foi o caso do pianista alemão Van Herden e
115
Diário Insular, nº 913, 26 de Fevereiro de 1949, pp. 1 e 4
116
Diário Insular, nº 2392, 19 de Março de 1954

97
a sua orquestra de música ligeira, constituída por seis elementos, entre eles italianos e
austriacos com uma vocalista, por altura da sua actuação no Clube dos Oficiais em
1957, e com a cooperação de artistas “amadores locais” (ibid: 46). O concerto chega
também a ser transmitido na Rádio Lajes (estação CSB-82)117. Sendo assim, entende-se
que nessa rádio tanto a música popular americana e/ou de cinema e o jazz preenchiam
uma parcela essencial da programação, com particular enfase em compositores da
Broadway, por exemplo Cole Porter, ou em cantores como Bing Crosby, e ainda temas
interpretados por “orquestras de jazz”. Sob esta ultima designação será susceptivel de
afirmar que nos anos de 1950 e 1960 faziam-se cumprir as seguintes obras
discográficas: Music of Irving Berlin: Andre Kostelanetz and his Orchestra (1950);
Andre Kostelanetz and his Orchestra - George Gerswhin (1955); Percy Faith and His
Orchestra (1960); Jazz from Scandinavia – Svend Asmussen and his Orchestra (1955);
Bing Crosby- In A Little Spanish Town (1958); Things To Come – Ted Heath and His
Music (1959); the biggest Hits of 56’s Vol. 1 (1956) incluindo uma variedade de
orquestras.

117
Diário Insular, nº 3230, 7 de Janeiro de 1957, pp. 4

98
3.3.3 A divulgação do jazz e do swing através do cinema na
Terceira
na segunda metade dos anos 40;

Com o estabelecimento da base das Lajes denota-se uma maior divulgação e


variedade de cinema norte-americano na ilha Terceira, além do teatro Azoria, no qual a
entrada era bem mais restrita à população. Isto verifica-se principalmente na segunda
metade dos anos 40 com a implementação de novo equipamento para cinema nos teatros
e nas esplanadas das sociedades e instituições filarmónicas. Ao mesmo tempo que o
cinema de Hollywood conquistava as salas de cinema na Terceira, o teatro Angrense,
por conta do empresário Marcelo Pamplona, inaugurava “a mais moderna aparelhagem
sonora” do modelo da Philips F.P. 6 De Luxe e a Esplanada Fanfarra Operária estreava
também a sua sala de cinema mais o novo equipamento sonoro. Por fim, a Sociedade
Recreio dos Artistas completava a sua esplanada com a construção de um salão-cinema
propositado para a estação de Inverno abarcando uma aparelhagem de “origem
americana”. Este desenvolvimento tecnológico derivado da compra de novo material
por proprietários e empresários independentes118 decorreu maioritariamente em zonas
urbanas e proximidades, isto é, em torno e na cidade de Angra, ainda que na vila da
Praia tenham sido exibidos filmes no Salão Teatro Praiense, no entanto, na sua maioria
portugueses. O filme com maior destaque, relevante para o caso, aí projectado fora O
Bom Pastor (Going On My Way) a 13 de Julho de 1946119. No dia 24 desse mesmo mês
e ano esse musical ia na sua 5ª e última exibição no Teatro Angrense 120. Esse filme
ocupou durante algum tempo a secção do Diário Insular reservada à crítica de
populares filmes norte-americanos e estrangeiros.

118
Marcelo Pamplona é um nome que aparece recorrente quando se trata da aquisição de equipamento
para a realização de sessões de cinema. Comprou ainda mais tarde o teatro Angrense e a Praça de Touros
de S. João. Este empresário e proprietário adquiria também as várias películas que estreavam na
esplanada das sociedades filarmónicas.
119
Cartaz fornecido por Francisco Jorge da Silva Ferreira (Img. 8).
120
Diário Insular, nº 75, 19 de Maio de 1946

99
Img. 8: Cartaz publicitário do filme Bom Pastor no teatro Praiense fornecido por Luís Bettencourt

100
Tal como foi referido no capítulo anterior, no período da segunda guerra o
cinema produzido nos EUA contava com a participação de cantores e orquestras de
swing, nomeadamente músicos em digressão e propagandeados pela USO. A influência
da base das Lajes leva a que grande parte dos filmes divulgados e projectados a partir de
1945 nas salas de cinema na Terceira tenham sido produzidos e distribuídos nos EUA
durante a segunda guerra. Por exemplo, em 1946 novamente no teatro Angrense
assistiu-se uma comédia musical intitulada Bom Dia Soldados (Reveille with Beverly)121
com a colaboração de vários cantores, grupos musicais e orquestras. Entre os muitos
cantores e artistas que se apresentaram destacam-se Bob Crosby, Frank Sinatra, as
orquestras de Count Basie, Duke Ellington e Freddie Slack e o quarteto vocal Mills
Brothers. Além desse projectaram-se, nesse mesmo teatro, O Caminho da Glória
(Presenting Lily on Mars)122, também com Bob Crosby e a orquestra de Tommy Dorsey,
O A-B-C da Folia e 4 raparigas encantadoras (Four Jills in a Jeep)123, em que a sua
narrativa baseava-se na real experiência dos protagonistas durante a tournée sob a
USO124; Forja de Heróis (This Is The Army)125 realizado por Irving Berlin, e, por último,
Marido Por Acidente (I Dood It)126 protagonizando a orquestra de Jimmy Dorsey.
Apresentou-se igualmente nesta época filmes mais antigos como Os Reis do Jazz (King
of Jazz)127 dos anos 30, cuja banda sonora ficava a encargo da orquestra de Paul
Whiteman e Bing Crosby.

No final de 1946 o Cine-Teatro Artistas exibiu uma pelicula de produção sueca


intitulada Miss Swing (Swing it magistern), em que a actriz e cantora de jazz Alice Babs
interpretou um dos papéis principais. Segundo a imprensa este filme demarcou-se ao
apresentar “bons números de música moderna por uma boa orquestra”, especialmente a
última canção, marcada por ser “cheia de ritmo e suavidade”, e que diferia “da maioria

121
Diário Insular, nº 131, 29 de Julho de 1946
122
Diário Insular, nº 502, 30 de Outubro de 1947
123
A União, nº 15.339, 30 de Outubro de 1946
124
Diário Insular¸ nº 222, 17 de Novembro de 1946
125
Diário Insular, nº 288, 6 de Fevereiro de 1947, pp. 4
126
A União, nº 15.416, 1 de Fevereiro de 1947
127
Diário Insular, nº 133, 1 de Agosto de 1946

101
do mesmo género, de procedência americana” 128. No mesmo ano passou na tela da
Recreio dos Artistas O Luar de Hawai (Hawai Moonlight) 129, assinalando-se neste caso
a performance dos The Merry Macs, quarteto vocal este que cooperou com as orquestras
de swing nos anos 30 e 40 tendo como exemplo a de Paul Whiteman e a de Glenn
Miller. Por sua vez no ano seguinte no mês de Agosto no Cine São João a orquestra de
Bob Crosby actuaria em Ritmo Diabólico (Pardon My Rythm)130 e em Setembro
Gangsters do amor (Always a Bridesmaid), com outro trio vocal denominado por
Andrews Sisters131. O mesmo grupo vocal actuou em Marinheiros de Água Doce (In the
Navy), filme que tinha sido projectado em Abril de 1946 no teatro Angrense 132. No final
da década de 1940 estreou Dubarry Era Uma Senhora (Dubarry was a Lady)133, com a
orquestra de Tommy Dorsey.

128
Diário Insular, nº 240, 7 de Dezembro de 1946, pp. 4
129
Diário Insular, nº 62, 3 de Maio de 1946, pp. 4
130
A União, 15.553, 27 de Agosto de 1947
131
A União, nº 15.586, 2 de Setembro de 1947, pp. 4
132
A União, nº15.165, 1 de Abril de 1946, pp. 4

A União, nº 1949
133

102
3.3.4 Mercado discográfico

Aliado à enorme profusão de aparelhos receptores na segunda metade da década


de 1940 constitui-se simultaneamente um mercado considerável de venda de fonógrafos
e fonogramas na cidade de Angra. Ainda que já houvesse nos anos 20 e 30 vários
anúncios publicitários sobre os mesmos como são o caso da exposição dos “35 discos”
na “vitrine” da Mercearia de Antonio Tarrafeiro, referenciado no jornal ABC, ou a
comercialização amadora dos mesmos para gramofone, demonstrado em diversos
anúncios n’A União, ou ainda a venda de discos da Columbia a um preço mínimo de 10
escudos ao conjunto na Loja do Adriano. No entanto, é de verificar que podiam suscitar
alguns problemas na importação deste material para a ilha. Por exemplo, no ano de 1945
continua-se a comercializar grafonolas, incluindo os discos, no entanto, alguns destes
encontravam-se “atrazados”134. De acordo com Durval Pereira, músico terceirense cuja
participação passou por muitas das orquestras de jazz nos anos 40 e 50, constatou que a
existência de discos na década de 1940 era uma realidade, mas estes encontravam-se
bastante “cansados” e acabavam por “arranhar” o que impossibilitava a sua audição 135.
Da mesma forma possivelmente não se encontrariam grafonolas, gramofones e vitrolas
na posse de grande parte da população, principalmente a que residisse nas freguesias. Se
a existência destes aparelhos de reprodução musical era uma realidade fora das cidades
não seria pela compra directa dos consumidores aos comerciantes.

Em contrapartida, as poucas grafonolas e vitrolas que tomei conhecimento e que


remetem para a sua transacção e utilização nos anos 40 e 50 foram inicialmente
adquiridas no estrangeiro, como por exemplo no Brasil e nos Estados Unidos 136. A
134
A Pátria, nº 2037, 11 de Outubro de 1945, pp. 2
135
Entrevista realizada por Moreira dos Santos (sem data) (p. 15)
136
Num dos casos, apesar de não estar directamente ligado ao jazz, Dimas Alves, morador na freguesia
das Fontinhas desde da década de 1940, relembrou os tempos em que ouvia uma vitrola a tocar música
brasileira e fados no átrio da Igreja da Nossa Senhora da Pena. Segundo o depoimento de alguns
moradores, estas podiam ser usadas em bailes e outros eventos festivos. A vitrola era pertencente a
Agostinho Aguiar Ferraz, músico que fez parte da filarmónica das Fontinhas, e foi enviada por familiares
do Brasil em conjunto com os fonogramas (infelizmente muitos deles extraviados). O hábito de se utilizar
aparelhos de reprodução sonora para eventos festivos, em vez da presença de se contratarem orquestras,
parecia ocorrer cada vez com mais frequência: “Logo, de seguida vieram as vitrolas e as grafonolas que,
gozando da característica de portáteis, passaram a andar de casa em casa e pelos piqueniques e excursões,
fornecendo musica ligeira para a organização dos bailaricos./ Mais tarde, o cinema e a rádio provocaram
o maior golpe nas músicas regionais e até nas orquestras e nas filarmónicas.” (Drumond, 1960: 139)
103
permanência das relações familiares à distância decorrente dos elevados fluxos
migratórios esclarece em parte como antes e mesmo após o estabelecimento da base das
Lajes, o poder de compra das populações se mantém reduzido, apesar de se verificar um
aumento demográfico, como acontece nas ilhas de São Miguel e Santa Maria, (Rocha,
2008: 270) certamente provocado pela implantação dos aeródromos militares e pelos
novos postos de emprego daqui gerados, respectivamente em Santana, na freguesia de
Rabo de Peixe e em Vila do Porto. Segundo o que refere no texto do Major Luís
Ferreira Drumond – militar, mas também pertencente ao sector intelectual e da mesma
opinião que Luiz Ribeiro no que toca à recepção das “novas tecnologias” – comprova a
importância dos movimentos migratórios para a importação destes aparelhos:

“Com o aparecimento dos gramofones que nos vinham do Brasil, trazidos pelos
imigrantes que regressavam à terra, a nossa gente foi-se habituando à música
roufenha daqueles aparelhos, pondo de parte a viola, a rabeca, a harmónica e outros
instrumentos populares que, durante séculos, haviam constituído o melhor
passatempo das antigas gerações.” (1960: 130)

De qualquer modo, na segunda metade dos anos 40 a propaganda de venda de


discos e dos respectivos aparelhos de reprodução aumenta significativamente. A His
Master’s Voice passa a ter representante em 1946 na Iris-Foto, considerada uma loja
Moderna onde “os melhores rádios, gramofones, discos e discofones” eram vendidos 137.
No ano seguinte teriam acabado de chegar novos discos com repertorio de música
“portuguesa” e de circulação internacional à ilha. A estratégia publicitária empregada
pelo estabelecimento apelava ao poder de escolha do consumidor, apresentando um
leque variado de estilos e géneros musicais, em contraste com a audição “passiva” que
envolvia o ouvinte com os receptores de rádio 138. As “últimas novidades” iam desde
“fados”, a “sambas”, “foxes”, “swings”139, “passo-dobles”, “canções” etc.140

137
Diário Insular, no 329, 6 de Dezembro de 1946, pp. 3
138
A frase publicitária seguia-se da seguinte forma: “Ouça quando quizer a música que quizer e não a que
as estações de rádio querem que ouça.”
139
Aqui podem ter pertencido alguns discos da Swing Music Series iniciada em 1935 e terminada em
1952. Nessa série encontrar-se-iam temas interpretados pelas orquestras de Benny Goodman, Duke
Ellington, Louis Armstrong, Bunk Johnson etc.

Diário Insular, nº 239, 6 de Dezembro de 1946, pp. 3


140

104
105
3.3.5 Importância do universo militar e movimento filarmónico
na constituição de orquestras de jazz

A implantação de estruturas militares e de condições materiais e económicas


favoráveis impulsionam a partir de 1945 a formação de novos agrupamentos musicais e
das ditas orquestras de jazz na ilha. Grande parte das diversas celebridades, artistas,
orquestras, conjuntos etc. provenientes de outros países, principalmente dos EUA,
permaneciam temporariamente na base visto que teriam de viajar pelas restantes. Desse
modo seria necessária a contratação de músicos e a formação de grupos locais que
tornassem viável a animação diária nas festas organizadas nos clubes militares ingleses
e norte-americanos (Enes: 2012: 94) Além de que a contratação de músicos terceirenses
saía mais barato do que contratar músicos norte-americanos dado que envolvia maiores
custos de estadia, viagens, e pagamento dos concertos. Tal como para os restantes
trabalhadores a base militar surgia como uma oportunidade exclusiva numa sociedade
economicamente atrasada. Assim como se sucedia com Durval Pereira, saxofonista e
radiotelegrafista na Marina, alguns músicos decidiam pagar a alguém para lhes
substituir no seu trabalho a tempo inteiro a fim de conciliar as duas profissões141.

Uma das primeiras orquestras que se tem conhecimento a formar-se para esse
propósito seria a de Manuel Reis em 1945. Naturalmente muitos dos principais músicos
que a constituíram pertenciam a bandas militares. Por isso, além da educação musical
providenciada pelas instituições religiosas, como na Diocese de Angra, baseada em
conhecimentos derivados do universo da música erudita, era no exército que grande
parte podia adquirir e aprofundar esse conhecimento. Muitos destes tornar-se-iam
regentes de várias filarmónicas no arquipélago, aumentando a rede de contactos com
estas. Sendo um fenómeno que tem início no séc. XIX e que prossegue ao longo do séc.
XX permanecesse uma constante relação entre músicos do universo militar e das
filarmónicas, no que terá tido particular relevância na formação de agrupamentos
musicais direccionados para contextos de baile e de festas recreativas 142. Desse modo,
141
Entrevista ao filho Duarte Pereira a 16 de Julho de 2015, Angra do Heroísmo

Não é possível aprofundar muito a vida musical das filarmónicas devido ao foco da tese (jazz). Paulo
142

Sousa (2004) sublinha a pouca investigação sobre a criação e desenvolvimento destas colectividades em
que nas principais vilas, na segunda metade do séc. XIX, estavam afiliadas a partidos políticos
monárquicos.
106
encontram-se na origem das orquestras de jazz e particularmente na orquestra de
Manuel Reis alguns elementos da Banda Militar de Angra do Heroísmo, desagregada
nos anos 30, como o 1º sargento Manuel Perdigão, cuja regência passou pela
Filarmónica da Sociedade Recreio dos Lavradores da Ribeirinha, e Alberto Alves,
contramestre da Banda Militar, tendo sido regente na mesma filarmónica143. Do mesmo
modo, alguns desta banda militar formariam as suas próprias orquestras, de maneira que
o 1º sargento Diamantino Borges (juntar-se-ia a Art Carneiro quando este tomasse a
liderança da orquestra de Manuel Reis anos mais tarde) forma a “Celestial Jazz da
F.O.”144 , ou ainda a orquestra do sargento Alberto Cunha, e na qual Dimas Matos
145

integrou.

Porventura, a influência militar britânica e norte-americana detiveram um


impacto na formação de agrupamentos locais e na introdução de novo repertório,
particularmente associado ao jazz e à música moderna. Por consequência surge a
orquestra Olmmar’s Band cujo nome derivava das iniciais do nome de cada um dos seus
elementos. Assim, por iniciativa do furriel Oldemiro Pimentel, instrumentista dedicado
à guitarra e ao violino, vem a reunir no mesmo grupo Arnaldo Bendito (pianista),
Romeu (desconhecido), Luiz Gomes (trompete), Manuel (saxofone) Mário Coelho
(saxofone-alto). Sendo uma das formações de maior duração, mantendo-se activa nas
décadas de 1940, 1950 e 1960, apesar da alternância constante e da variação do número
de membros, revelou-se como uma das principais orquestras de jazz na Terceira ao
deslocar-se um pouco por todo o arquipélago, nomeadamente de forma bastante
frequente na base das Lajes, e também pelo continente. Em 1946 no jornal Diário
Insular anuncia-se a inauguração deste grupo musical ao estabelecerem um vínculo
contratual ao Clube Musical de Angra. Essencialmente caracterizada como “orquestra
de baile” executavam uma variante de estilos e géneros musicais tais como música de
camara e “música moderna”. Quanto a este aspecto o autor da notícia referia o seguinte:
“E se não houver nada pelo contrário, dentro em breve apresentar-se-ão novos

143
Catálogo do fundo da Banda Militar de Angra do Heroísmo (2013)
144
F.O. Sigla em inglês que significa Flying Officer, isto é, oficial de voo, o que pode demonstrar que a
orquestra seria constituída por militares da Força Aérea, talvez incluindo ingleses e portugueses (visto que
segundo a data ainda permaneciam como a força militar principal, pelo menos até ao seu abandono em
Outubro desse mesmo ano).
145
A União, no 84, 1 de Junho de 1946, pp. 2

107
instrumentos, que muito beneficiarão a música moderna. Será ainda uma orquestra
típica em tangos e rumbas.”146 Porventura criava-se a necessidade do grupo se
modernizar para a apresentação de novo repertório que incluísse música popular
americana e jazz, possivelmente orquestrado por Oldemiro Pimentel, preparado para os
bailes realizados nos clubes militares da base das Lajes:

“O “club” como todos o conhecem, acaba de incluir nas suas actividades uma
orquestra de sócios e simpatizantes, rapazes e conhecedores dos ritmos novos, entre
os quais até não falta um compositor, onde o talento cedo despertou e cuja orquestra
foi acordada para as melodias e andamentos musicais modernos.”147

Isso ocorre num momento em que se discute a eventualidade de se estender as


actividades do Clube Musical de Angra com a criação de uma estação radiodifusora que
viria incorporar a sua orquestra privativa (Olmmar´s Band). A popularidade do grupo
era bastante visível pela frequente comparência em festas e bailes, principalmente os
que eram organizados com a colaboração do Rádio Clube de Angra onde marcaram
presença regular ao longo dos anos, e pela exposição no jornal deste tipo de eventos e
ainda de outro caso, tal como se sucedeu com a perda do “vasto e escolhido reportório,
devidamente orquestrado” do agrupamento encontrado depois por um habitante da
freguesia das Fontinhas:

“O reportório da popular orquestra de baile de OLMMAR band, que depois do


ultimo baile realizado no Aerodromo das Lajes tinha desaparecido quasi
misteriosamente (…)foi encontrado na ultima quinta-feira, por um habitante da
freguesia das Fontinhas quando se dirigia para a Cidade (…)”148

É importante ter em conta de que antes de 1943 são perceptíveis algumas


dificuldades de dinamização social e económica na Terceira ao passo que em 1939 esta
perde o seu Comando Militar, no qual é transferido para São Miguel levando à
desintegração da banda regimental de Angra (Monjardino, 1993: 44). A par disto a
146
Diário Insular, nº 99, 21 de Junho de 1946, pp. 3
147
Ibid.
148
Diário Insular, no 247, 15 de Dezembro de 1946, pp.3

108
escala para os aviões transatlânticos consolida-se até a essa data na cidade da Horta na
ilha do Faial (ibid). Por consequência com a construção da base das Lajes aumenta
substancialmente o número de orquestras provenientes de outras ilhas no arquipélago e
do continente. Desses exemplos destaca-se em particular o trio Julmar’s, constituído por
músicos e artistas de Lisboa, contratados pela secção dos Comandos para o
entretenimento de expedicionários portugueses149. Apesar do reportório tocado por eles
fosse sobretudo fado e baseado em espetáculos de revista e variedades indicava, por um
lado, a proximidade da população da ilha Terceira com grupos portugueses que se
apropriavam de estilos musicais importados e mediavam novas tipologias musicais
como por exemplo fado-swing 150 151.

Também oriunda fora do arquipélago estacionou na Terceira a orquestra Vitória


de origem funchalense que ofereceu um concerto na Esplanada do Recreio dos
Artistas152. Mesmo que se conheça pouco sobre a mesma sabe-se que a Madeira fora
alvo de interesse comercial e político por parte do império britânico. Estabelece-se
assim como local turístico privilegiado a partir do séc. XIX e recebe uma ampla
influência anglo-saxónica expressa na actividade musical nos hotéis e clubes e dos
ingleses residentes que davam lições particulares de instrumento a músicos locais
(Sardinha, 2016)153.

A bordo do navio “Maria Ligia” vinha da cidade da Horta a “orquestra-jazz”


“Sem rei nem roque” que em 1946 encontrava-se em digressão pelas ilhas dos Açores.
Apresentou-se em primeiro lugar no Teatro Americano (possivelmente no Azória), onde
foi “aplaudida por estrangeiros”, na Esplanada do Recreio dos Artistas, numa verbena
no Clube Musical Angrense e na Praia da Vitória, possivelmente no Café Royal ou no
Salão Teatro Praiense. A orquestra era composta por António Dutra Goulart (director,
piano e acordeão), Carlos Ramos Júnior (contrabaixo, piano e violino), Thieres de
149
A Pátria, nº 1818, 16 de Fevereiro de 1945
150
A Pátria, nº 1823, 15 de Janeiro de 1945
151
Sobre a proliferação deste tipo de agrupamentos em Portugal observa-se que “por vezes, outros
produtos musicais disseminados internacionalmente (p.ex. tango) ou resultado de experiencias locais de
apropriação de algumas características musicais de estilos importados (p. ex. fado-foxtrot) eram por vezes
integrados também no âmbito geral do que se denominava por jazz, ou musica de jazz-band (…)” (Roxo,
2009)
152
A Pátria, nº 1957, 2 de Julho de 1945

http://aprenderamadeira.net/madeira-noites-da/
153

109
Lemos Junior (bateria, contrabaixo, viola e violino), Eduino Bulcão Ávila (saxofone-
alto, clarinete e violino), Eduino Bulcão Ávila Junior (saxofone-alto, clarinete e
vocalista), Francisco da Rosa (saxofone-alto e clarinete), Manuel Madruga da Silva
(trompete e bateria), Daniel da Ponte Simão (trompete e viola) e Alexandre C. Lacerda
(Vocalista). A critica no jornal à prestação da orquestra dizia que:

“Duma maneira geral a Orquestra satisfaz, embora a espécie de musica apresentada


exija mais ritmo e um claro escuro mais acentuado. É o caso do passo-doble Islas
Canárias que, para ser um verdadeiro passo-doble precisava de maior acentuação
rítmica.”

De acordo com Victor Dores (2009: 427, 428) a formação da orquestra Sem rei
nem roque derivava da preponderância da “cultura norte-americana e europeia” através
da presença de estrangeiros na década de 1920 dos Cabos Telegráficos Submarinos na
ilha do Faial. Por consequência, num primeiro momento é criada a orquestra de
Francisco Xavier Simaria, originando-se a partir desta a orquestra da D.A.T. (Deutsche
Atltantishe Telegraphengeselshaft), pertencente à Colónia Alemã, seguindo-se da
criação de duas orquestras inclusive a Sei rei nem roque e a orquestra João de Deus
(ibid). Como se demonstra da composição dos seus elementos e dos respectivos
instrumentos, assim como do passo-doble Islas Canárias tocado pelos mesmos, existia
uma conjugação de um repertório de tradição filarmónica com música moderna ou de
dança. Á semelhança do que ocorre na Terceira muitos desses agrupamentos formam-se
à parte das filarmónicas para saraus dançantes e animação de festas. Tendo isso em
conta, em o próximo capítulo irá incindir sobre alguns desses agrupamentos locais.

110
4 Recepção do jazz na Terceira nas décadas de 1950 e 1960 e
formação de agrupamentos por músicos locais

As décadas de 1950 e 1960 abordadas neste capítulo referem-se aos anos em que
o jazz deteve maior expressão na ilha através da presença regular nos jornais,
especialmente no Diário Insular, ao mesmo tempo que se observava uma crescente
dinamização militar e civil na base aérea das Lajes, dinamização essa que impulsionou a
formação de importantes grupos locais, além das orquestras, como por exemplo o
quarteto de Art Carneiro e os Flama Combo. No entanto, falar-se-á igualmente de outros
agrupamentos, menos destacados por músicos e críticos como praticantes do jazz na
Terceira, principalmente aqueles que se estabeleceriam na vila da Praia da Vitória.

Será pertinente assinalar que enquanto na ilha Terceira o jazz teria um


significado abrangente, com ligação ao swing, à música “moderna” e popular
americana, em outros contextos era concebido como género musical “autónomo”,
principalmente na década de 1950154. Nesses anos, crescem uma série de estilos
musicais procedentes do bebop (p.ex. cool jazz, hard bop, funk etc.), que, segundo
DeVeaux e Giddins (2009: 309), levou “music historians to speak of jazz in terms of
schools, as if had splintered off into discrete realms.” No caso português, e mais
especificamente em Portugal Continental, nos anos 1950 a afirmação do bebop contribui
em grande parte para que Villas-Boas abandone as discussões em torno do jazz
“autêntico” em prol das discussões que procuravam legitimar o jazz enquanto “música
de arte” (Roxo & Castelo-Branco, 2016: 217, 218)

Pode-se afirmar que se evidenciam contradições ao nível da produção discursiva


relativamente ao jazz por parte de alguns intelectuais do meio eclesiástico e as práticas
concretas dos músicos que constituíam os conjuntos e orquestras. Isto é, no primeiro
plano o jazz “sinfónico” equivalia a um estágio último na escala evolutiva da história da
música erudita, e no segundo respeitava aos contextos de festas e de bailes em que

154
Scott DeVeaux (1998: 544) sublinha que é na década de 1950 que se começa a estruturar uma
historiografia oficial do jazz enquanto música “arte”: “The mode of historical explanation that emerged
by the 1950s was increasingly conventional and academic in shape: a continuous artistic tradition
encompassing several clearly differentiated “periods” or “styles”, with an implied movement away from
the naiveté of folk culture (…) toward the sophistication and complexity of art.”
111
normalmente o jazz era tocado. A noção de bebop que já circulava no continente
americano e europeu era praticamente inexistente na ilha Terceira, pelo menos a partir
da documentação recolhida, sendo que deverá ser ponderada a hipótese de ter sido
possível o contacto com esse estilo musical através dos músicos locais que se juntavam
com os músicos e militares norte-americanos para os acompanhar durante uma actuação
ou para a realização de jam-sessions.

Por outro lado, é também de realçar que a disseminação do jazz na Europa


estava associado à conjuntura internacional no pós-guerra reforçada pela posição
política dos EUA e pela militarização norte-americana. A propagação da ideia do jazz
como símbolo da democracia partiu da política externa, patrocinado pelo programa
Cultural Presentations do State Department. Apesar da oposição ideológica e das
críticas do governo ao regime nazi e soviético esse processo diplomático manifestava
algumas contradições no seio da sociedade norte-americana. Para efeitos de propaganda
eram organizadas tournées com músicos “negros” e “brancos” tencionando representar
os ideais do sistema democrático norte-americano perante outros países (Foslier-
Lussier, 2015: 84). Contudo Danielle Fosler-Lussier alerta que:

“(…) but that story papered over the fact that democracy had not yet been made real
for many African Americans in their everyday lives. Equating jazz with democracy
nonetheless affirmed the centrality of African American contributions to American
culture and offered a tangible demonstration of African American progress. These
statements harmonized well with U.S. propaganda goals.”

No âmbito da estratégia de propaganda do governo a base das Lajes continuará a


receber novos artistas e músicos através dos espetáculos providenciados pela USO
(United Service Organization). O desmantelamento temporário em 1947 não implicaria
uma interrupção total das actividades da organização. Por exemplo, isso verifica-se pela
chegada de Bob Hope e Irving Berlin à ilha durante a época natalícia. Por outro lado, a
USO entra em pleno funcionamento durante os anos de 1950 quando os EUA interferem
num novo conflito desencadeado entre a Coreia do Norte e do Sul. Neste capítulo
alguma explicação será dada sobre este ponto, também ele relacionado com o confronto
entre as grandes potências mundiais que constituíam de um lado o bloco “socialista” e

112
do outro o bloco “ocidental”. Nesse sentido a base das Lajes seria sempre necessária
como ponte para o continente europeu e favorável ao expansionismo norte-americano.

113
4.1 Modernização da base das Lajes e a introdução de novas
tecnologias

Este capítulo também aborda algumas transformações políticas no quadro


internacional no contexto da guerra fria tendo em conta a nova utilidade estratégica da
base das Lajes a favor dos EUA e a admissão de Portugal na NATO. Como já foi
abordado no último capítulo a aproximação de Portugal com as políticas dos Aliados
levou indiscutivelmente a uma maior abertura a produtos culturais anglo-saxónicos,
nomeadamente o jazz. O acordo consumado em 1951 e que vai permitir o
prolongamento da estadia militar norte-americana na Terceira até 1956 (Ferreira, 2006:
91), trata-se efectivamente de um acordo consumado em dois momentos, visto que, em
primeiro lugar, é assinado o Acordo de Auxílio Mútuo para a Defesa e, em Setembro, o
Acordo de Defesa entre Portugal e os Estados Unidos. Para José Telo (1999: 59) os
acordos de 1951 permitem com que os Açores se tornem uma importante base-
antisubmarina, “justamente na altura em que a URSS começa a construção da maior
frota oceânica que o mundo já conheceu”. Além dessa função a base servia de ponto de
apoio das pontes aéreas e de pilar para à frota de bombardeiros estratégicos dos EUA,
assim como exercia funções de auxiliar às comunicações e de apoio à navegação (Telo,
1999: 59).

Ao nível local, em 1950 iniciam-se as propecções para o avanço das construções


na base área para que apresentasse o aspecto de uma “cidade moderna e atraente” 155. Os
acordos de 1951 foram decisivos para se iniciar uma série de melhorias das instalações e
infraestruturas norte-americanas militares. A partir desses melhoramentos há um
aumento considerável de aeronaves e passa a ser atribuída a missão de Busca e
Salvamento à base até 1961156. Tristão, trabalhador nas Lajes nos anos de 1950,
relembra que até ao acordo de 1951 a base era maioritariamente “feita de lata” tendo-se
modernizado nos anos seguintes157. Na primeira metade da década de 1950

155
A União, nº 12.313, 12 de Fevereiro de 1950, pp. 4
156
http://www.emfa.pt/www/unidade-27-base-aerea-n-4
157
Conversa informal com José Tristão a 22 de Junho de 2015. Tristão tinha alguma memória de algumas
celebridades e músicos que teriam passado na base das Lajes como por exemplo Bob Hope acompanhado
de uma cantora na qual não se recordava o nome. Na verdade, Bob Hope estacionou diversas vezes nas
114
encontravam- se 1000 trabalhadores portugueses operacionais na base 158. Segundo
constava nos jornais a escala de salários era superior à da cidade de Angra e que apesar
da subida do custo de vida a entrada de dólares na economocia local levava a um maior
gasto em artigos de consumo159. No entanto, com a consolidação norte-americana na
Terceira muitas famílias instalaram-se fora da base militar dado que não tinham
alojamento garantido no seu interior (Monjardino, 1993: 64). Marca disso ficou o bairro
de habitação degradada (conhecido, por “bairro da lata”) na serra de Santiago,
caracterizado pela falta de condições sanitárias e de manutenção das habitações.

Img. 9: CSB-83 em Santa Rita

Por outro lado, durante a época de Eisenhower na presidência dos EUA criou-se
o programa People-to-People, precisamente em 1956, iniciado no arquipélago dos
Açores onde as forças norte-americanas estavam estacionadas. O programa tinha o
propósito de ajudar as comunidades nas ilhas e isso reflectiu-se, por exemplo, através da
Lajes, sendo a última na década de 1980.
158
Diário Insular, nº 2116, 15 de Abril de 1953
159
Ibid.

115
construção de vários poços de água locais, do armazenamento de truta nas Furnas em
São Miguel, e do transporte aéreo de novas raças de gado para a ilha. Na ilha Terceira
teve particular importância a Organização de Caridade da Capela da base das Lajes que
foi responsável pela junção e distribuição de comida, assim como de diversos artigos
pelas famílias mais carenciadas160. Além do melhoramento das instalações que
incluíram novos campos desportivos e emissores de rádio, a 16 de Outubro de 1954
seria fundada a primeira estação televisiva em território português pelos militares norte-
americanos (Merelim, 1984: 293). Segundo José Borges, trabalhador no departamento
de logística da AFN (American Forces Network das Lajes), as primeiras emissões da
televisão americana sucederam-se a partir dos aquartelamentos dos oficiais, e só em
1957 se decidiu comprar novo equipamento e mudar a estação de local para o edifício
T-252 no topo da montanha na freguesia de Santa Rita 161 (Img. 9). De acordo com José
Mendes, pelo menos relativamente aos anos de 1960, parte da população que residia nas
freguesias próximas da base das Lajes tinha possibilidade de entrar em contacto com
entretenimento norte-americano, em particular com o cinema, por via da emissão do
canal AFN (American Forces Network Europe) 162. Eventualmente, segundo alguns
depoimentos na Praia da Vitória isto sucedia-se através de pedidos aos norte-americanos
para comprarem as televisões no interior da base ou quando, por alguma razão, estes as
vendiam directamente aos habitantes163. Mesmo que a televisão e a AFN também
emitissem notícias, esse papel restava sobretudo para a rádio (Img. 10).

160
http://www.lajes.af.mil/shared/media/document/AFD-110621-022.pdf
161
Crossroads Extra, Vol. 16, No. 48, 16 de Dezembro de 2011
162
Ibid.
163
Mais informação será necessária para delinear os anos em que isso se sucedeu, e como as pessoas
adaptavam os aparelhos eletrónicos do mercado norte-americano ao sistema elétrico das suas casas, algo
que ainda acontece nos dias de hoje. Segundo um artigo publicado no Diário Insular a 9 de Fevereiro de
2004 as “emissões americanas mexeram com quase todo o concelho da Praia da Vitória, entre as
freguesias de Agualva e São Sebastião, sendo que já nesse tempo eram raras as casas que não tinham o
pequeno receptor de televisão. Os trabalhadores da Base das Lajes adquiriam novas, em segunda ou
terceira mão, a caixinha mágica, pelo menos para assistir aos filmes que preencheram muitos serões até à
chegada da RTP 20 anos depois. Bastava comprar o aparelho, colocar a antena e pronto. Ainda hoje
existem muitos locais que ainda são espectadores da TV americana, e com o aparecimento dos televisores
multisistema, esse número terá aumentado ainda mais, já que no passado, aos aparelhos adquiridos no
mercado local era necessário colocar uma peça para adptar a diferença de sistemas de PAL para NTSC.”

116
Img. 10: AFN News

A agenda cultural dos EUA quanto à sua representação política no estrangeiro,


associada à instrumentalização do jazz, reaparece no período pós-guerra sob
administração de Eisenhower. Numa fase de confronto ideológico com a União
Soviética, no sentido de conter “culturalmente” o comunismo, a administração decide
organizar uma tournée patrocinada por músicos de jazz, sendo Dizzy Gillespie um dos
principais representantes ao serviço desse propósito político (Castagneto, 2014). Este
seria o principal músico bebop a alcançar estatuto de celebridade ao mesmo tempo que
seria responsável pela aproximação dessa música ao mainstream na década de 1950,
ainda assim, por um curto período de tempo. No entanto, para alcançar esse estatuto
teve de formar a sua primeira big-band em 1945. O caso de Gillespie serve para
demonstrar no âmbito do jazz a durabilidade da institucionalização do swing no período
seguinte à segunda guerra, em particular na Europa, em contraste com o rápido
decaimento do bebop164 como música de apelo a uma vasta audiência (DeVeaux, 1997:
164
Para os próprios músicos isto podia indicar um problema dado que reproduziam os mesmos valores e
as mesmas contradições existentes na disseminação do swing. Em oposição ao mainstream os músicos
bop apresentavam uma atitude que reivindicava o jazz como uma música de arte complexa e
independente das exigências do mercado. Os valores associados ao Bebop resultaram também da
realidade económica e de desigualdade racial na sociedade e na indústria musical. DeVeaux (1997: 171)
aponta o quão relevante foram estas condições económicas e sociais para a concentração de jovens
117
439). Apesar da complexidade que implica em compreender os variados processos de
recepção musical para DeVeaux o fracasso do bebop estaria também relacionado com as
suas características musicais que não apelavam a uma vasta audiência acrescentando
que “(…) the postwar audiences looking for music that “made it easy to dance close and
screw” provided a poor base for his synthesis of progressive instrumental music and
entertainment.” (1997: 439)

músicos em Nova Iorque e as jam-sessions que se organizaram sublinhando que “the peculiar dynamics
of the jam session suggested a new shape and purpose for their intellectual and artistic aspirations”

118
4.2 Alguns apontamentos sobre a formação de
agrupamentos musicais autóctones

O jazz entendido como categoria musical autónoma não alcançou grande


expressão na ilha Terceira. O grupo musical que mais se aproximaria de ser
considerado, na grande generalidade, um combo “especialista” em jazz seria os Flama
Combo – perspectiva reproduzida ao longo de tempo entre aqueles que testemunharam
as actividades do grupo, amigos e familiares. Para agora, sem entrar em detalhe sobre
que tipo de músicos integravam o grupo é preciso notar que mesmo nesse caso o grupo
publicitava-se como um “conjunto musical” para “todos os géneros de música” (Img.
11).

Img. 11: Cartão publicitário do Flama Combo (fornecido por João Soares)

O discurso histórico e fortemente divulgado sobre a verdadeira identidade do


jazz e de seguida o lugar particular que este veio a estabelecer no mercado discográfico
influenciará por certo a tentativa de delimitá-lo e conceptualizá-lo165. Daí, como sucede
no caso de Ilídio Gomes que iniciou o seu trabalho no centro radiofónico na base das
165
Por outro lado a divulgação intelectual e jornalística, neste caso em particular do livro do João Moreira
dos Santos (2008), tem também impacto sobre o terreno estudado e assim enformam os discursos e os
valores dos intervenientes em questão.
119
Lajes, já depois de 1965, o cuidado de dizer que os grupos de jazz formados por
músicos que viviam na Terceira “não eram bem de jazz”. Isto foi mencionado em
particular ao descrever o que tinha ouvido durante a sua presença num concerto dos
AeroJazz na sede filarmónica praiense. Portanto, há uma preocupação entre alguns
intervenientes de distinguir o “verdadeiro” jazz da música de entretenimento. Segundo
outros, como é exemplo do guitarrista clássico e de fado Batista Ávila do trio Odemira e
depois do conjunto Açor (“The Azorians”) nos anos de 1960, cujas actuações foram por
vezes transmitidas a partir do RCA, relembrava que o “jazz daquela altura era sobretudo
para dançar.”166 Vasco Gomes, também da Praia da Vitória, cujo pai era um civil
empregado nas infraestruturas responsáveis pela construção da base, foi um dos
músicos que vivenciou a transição da institucionalização de outros estilos musicais no
domínio da música popular. No entanto tanto tocou com elementos do AeroJazz como
da Olmmar’s Band e relatou a enorme diversidade de repertório e os vários clubes onde
tinha tocado:

“Eu sou o baterista do conjunto Copacabana… foi na filarmónica da Praia da


Vitoria…já la vão muitos aninhos, toquei em vários conjuntos Americanos
formados por músicos militares que estavam destacados na base das Lages, e
também no conjunto português chamado Conjunto Açor, conheci muito bem os
elementos do Conjunto Olmmar Band…toquei em vários clubes, como: NCO club,
Officers Club, Airmans Club, Club de Oficiais, clube de sargentos, isto dentro da
base aérea das Lajes, e também fora da base… Sim, todos os Conjuntos formados na
Ilha Terceira foram influenciados em grande parte pela música Americana, como:
Country, jass, big band, rock , soul, rhythm & blues etc.”167

Por isso, é possível delinear processos de mudança musical, desde o


estabelecimento da base das Lajes, que vai desde as orquestras e grupos mais pequenos
até aos conjuntos de rock que se começaram a formar na década de 1960. O elo
principal de ligação, em termos musicais, dos primeiros até aos segundos seria
sobretudo a necessidade de terem um repertório diversificado e actualizado que
integrasse música de entretenimento de proveniência norte-americana assim como os
diferentes géneros e estilos musicais associados, principalmente sucessos comerciais da
época.

166
Entrevista a Batista Ávila a 15 de Maio de 2016 no Porto Martins

Entrevista a Vasco Gomes a 21 de Junho de 2016 via email, Oklahoma City


167

120
Era de facto importante para que as festas e bailes se concretizassem nos clubes
(Airman’s Club, NCO Club, Clube dos Sargentos 168, etc.), que os patrões (responsáveis
pelos clubes) exigissem um número considerável de músicas populares preparadas para
as pistas de dança. Em adição a isto, naturalmente a redução do número de membros a
partir dos anos de 1960 reflecte o declínio das orquestras de swing, em grande medida,
provocado pelas transformações no mercado anglo-saxónico e nos gostos das
audiências, com a particularidade de que na Terceira essas audiências seriam
essencialmente mediadas pelo universo militar. Em primeiro lugar, o prolongamento
deste tipo de orquestras até tarde justifica-se simplesmente pela reserva de músicos
disponíveis naturais da Terceira e de outras ilhas, isto é, na sua maioria tocavam sopros
por influência das bandas militares, orquestras de baile, e filarmónicas assim como de
outros grupos procedentes das mesmas. Instrumentação esta que por sua vez coadjuvava
com a do mundo militar. Numa perspectiva mais abrangente, durante as décadas de
1950 e 1960, na continuação daquilo que vinha da década anterior, o problema do
racismo nos EUA acentuava um paradoxo no uso diplomático e de propaganda do jazz
pela ECA (State Department’s Bureau of Educational and Cultural Affairs) no
confronto com a USRR. Na criação dos programas culturais o jazz mainstream era o
preferido para representação dos ideais democráticos dos EUA. Os novos estilos
musicais emergentes eram vistos pela ECA como subversivos e “radicais”169, visto que:

“Aditionally, the United States strove to endorse the status quo; as it sought to
promote the message of integration, it did not seek to encourage radicalism through
its cultural programs, especially when sponsoring activities in tumultuous Cold War
arenas. Mainstream style of jazz, not the jazz avant-garde, safely represented
democratic ideals and the dynamism of American cultural traditions and, most
important, the move toward integration and racial harmony in American society that
was mocked in Soviet propaganda.” (Davenport, 2009: 59)

Portanto, partir dos anos 1960, no caso dos Flama Combo, ao invés de se
compreender como uma mudança estilística radical do grupo (do jazz para o rock), teria
168
Alguns desses clubes foram reaproveitados pelos norte-americanos e portugueses. O clube dos
Sargentos é fundado em 1946 onde era situada a messe dos ingleses nos edifícios em que se designavam
Nissans (barracas de grandes dimensões dispondo de um bar, salão de festas, salas de jogos etc.)
169
Estilos musicais como o bebop também envolveram valores de contestação e oposição perante o
racismo institucionalizado na sociedade norte-americana. Além disso, em contraste com Louis
Armstrong, Cab Calloway e Duke Ellington os bebopers (incluíndo Charlie Parker nos anos de 1940)
pretendiam contrariar o que para eles seriam as características de um “negro entertainer” que ia de
encontro às expectativas das audiências “brancas” (Panish, 1997: 66)

121
sido uma mudança progressiva, e que ia de encontro aos gostos das audiências e da
música popular e massivamente distribuída. Ao seguirem também as exigências dos
militares norte-americanos, cujo objectivo seria contratar grupos musicais que
detivessem um repertório adequado aos clubes, e, portanto, à “pista de dança”, teriam de
tocar variados estilos e géneros musicais procedentes do domínio da música popular de
entretimento. Por conseguinte torna-se difícil a tarefa de aplicar categorias estanques
aos músicos e à música que praticavam, considerando os diferentes gostos, experiências,
backgrounds, e envolvimento em diversos contextos performativos. Ajustada ao
contexto terceirense, a citação de Ingrid Monson serve para ilustrar um pouco a
constante transgressão de barreiras estéticas usualmente estipuladas e quais as
referências musicais assimiladas por parte dos músicos de jazz:

“In the late 1940s and early 1950s jazz musicians drew upon a multiplicity of
aesthetic perspectives in fashioning individual sounds, including the African
American vernacular aesthetics, the aesthetics of the American popular song, the
aesthetics of classical music, and, for some artists, Carribean sounds such as Cuban
Music…Individual musicians, regardless of their ethnic home base, can and did
infuse their playing with musical aesthetics from both within and beyond their
expected social categories. (Monson, 2009: 32)

Daí que a perspectiva adotada nesta dissertação divirja da ideia de que o grupo
teria abandonado a “boa” música e enveredado pela “música comercial” (Santos &
Rubio, 2008: 86). Daí também que o Flama Combo adaptasse facilmente as “novas
sonoridades” num período em que a guitarra eléctrica era progressivamente
disseminada, no Flama Combo tocada por Luís Soares, acompanhado por Mário Coelho
no baixo eléctrico (este instrumento muito mais presente depois de 1960 já que na
década anterior seria o contrabaixo o instrumento escolhido).

122
Img. 12: Vasco Gomes e músicos militares em 1959

Observa-se que alguns dos membros originais do agrupamento tinham apetência


a improvisarem ou para tocarem de memória sem recurso à partitura, uma vez que eram
os escolhidos para tocarem com músicos estrangeiros estacionados na base das Lajes.
Outro exemplo ilustrativo desse tipo de interacção foi no caso do baterista Vasco
Gomes que relembrava ter tocado jazz de igual forma com músicos militares norte-
americanos (Img. 12) pelos diversos clubes da USAF (United States Air Force). Por
conseguinte, no seu interior seria possível desenvolver uma linguagem jazzística mais
próxima do bebop, ou pelo menos, em que as linhas melódicas dos solos fossem
conduzidas em função de cada acorde do tema e a sua respectiva função harmónica 170.
Por outro lado, tratava-se de uma audiência e um ambiente bastante divergente daquele
vivido no exterior da base, em que a maior parte das pessoas estaria bem menos
receptivos à música improvisada. Pois era essencial que a música cumprisse o papel de

170
A resolução desse problema encontra-se no último capítulo através da análise musical das gravações
realizadas pelo Flama Combo no RCA no início da década de 1960.

123
entretenimento e colocasse a audiência a dançar 171, e isso reflectia-se, por exemplo, no
Flama Combo ao conter temas tocados com esse intuito, que além do swing, incluíam
elementos do rhythm & blues e ainda pasodobles. Quanto à referência do jazz em
Portugal os jornais faziam questão de enfatizar a relação entre o jazz e o mundo militar,
em reflexo daquilo que se passava na ilha Terceira, ao anunciar que “algumas das
melhores sessões” de jazz eram promovidas pelo Hot Clube de Portugal, e que isso só
era possível devido á colaboração das “orquestras norte-americanas e inglesas” 172.
Ainda na mesma notícia, dizia que nessas sessões os “preconceitos raciais” não se
manifestavam, por certo, assunto que estaria mais uma vez ligado á instrumentalização
do jazz na guerra fria e a preocupação em disseminar os valores democráticos dos EUA.

Já na vila da Praia, no final da década de 1950, curiosamente a “viola eléctrica”


era uma novidade e vista como algo positivo a ser integrado nas orquestras 173. Verifica-
se que a percepção de alguns dos músicos praienses relativamente aos angrenses seria
de estima e de consideração ao caracterizarem o som, em particular da Olmmar’s Band,
uma “maravilha”, reconhecendo que esses sim seriam profissionais 174. De facto, a
cidade de Angra, bem mais desenvolvida economicamente possibilitava que alguns dos
músicos se profissionalizassem na área tal como fizeram Mário Coelho e Luís Soares,
em que ambos leccionaram mais tarde, e no qual o segundo esteve envolvido na
fundação do conservatório regional de Angra, já no final da década de 1970, onde
ambos viriam a leccionar.

171
Pode-se afirmar que além das verbenas e os diversos bailes que se realizavam em Angra os contextos
performativos dominantes eram compostos por música fado, filarmónicas e os restantes agrupamentos, e
música erudita.
172
Diário Insular, nº 3241, 7 de Agosto de 1957

Para uma perspectiva sobre a disseminação da guitarra eléctrica em Portugal continental consultar
173

Roxo (2010: 771)


174
Entrevista a José Borges a 3 de Setembro de 2016 na Praia da Vitória

124
Img. 13: Olivério e orquestra OPAR na esplanada dos brancos – Luciano Ferreiro, Artur, José Gomes,
Olivério (voz), Ezequiel Bettencourt, Afonso, Manuel Bento (sax-alto), Ernesto (saxt), Manuel (vl.)

Img. 14: Composição de Palmira Mendes Enes – Baião

No entanto, é interessante verificar que na Praia da Vitória, ainda no final dos


anos 1950, formou-se uma orquestra a partir da filarmónica União Praiense com o
intuito de “animar os bailes” na base americana e as festividades no arquipélago,
denominada Copacabana Combo. Esta orquestra durou relativamente pouco tempo ao se
125
desintegrar na primeira metade da década de 1960. É no início dessa década que a
formação inicial dessa orquestra viria a modificar-se através da troca de vários
membros, principalmente por aqueles que eram naturais da ilha do Faial 175. Segundo
Olivério, cantor desta e de outro agrupamento (OPAR176, Img. 13) que foi formado à
parte com alguns dos mesmos elementos, mais dedicado à música “brasileira” e
“portuguesa”, a desintegração do Copacabana deveu-se sobretudo à elevada emigração
de faialenses após a erupção do Vulcão dos Capelinhos em 1957 177. Certamente os que
se encontravam apenas de passagem bem como aqueles que estavam radicados na
Terceira acompanharam os seus respectivos familiares que tinham como destino os
EUA.

Img. 15: Guido Fernandes e a orquestra Art Carneiro na festa do Rádio Clube de Angra em 1958

175
Como se observou no último capítulo, a tradição filarmónica e os agrupamentos (por exemplo a
orquestra “sem Rei nem Roque”) e os respectivos grupos influenciados pela mesma era uma prática
preponderante na ilha do Faial.
176
Palmira Mendes Enes, avó de Luís Bettencourt e mãe de Ezequiel Bettencourt do Aero-Jazz compôs
várias peças para orquestras. Uma delas seria um “baião” com a dedicatória a Manuel da Rosa Goulart
(Img. 14)
177
Entrevista a Olivério a 7 de Fevereiro de 2017 na Praia da Vitória

126
No entanto, Olivério só cantava em português, pois, a par de outros 178, havia
alguma dificuldade em encontrar vocalistas que cantassem em inglês, o que levava a
que o jazz e outro tipo de música norte-americana fosse preponderantemente
instrumental, quer se tratasse de Angra ou da Praia 179. A importância da vinda em 1959
de Miss Zabilka para Terceira é ainda reconhecida nos dias de hoje. A sua contribuição
foi determinante para a dinamização e desenvolvimento da filarmónica União Praiense e
o ensino da música na ilha, principalmente na vila da Praia. Gladys Zabilka, professora
e directora de várias escolas de ensino primário e secundário nas bases militares norte-
americanas denominadas por DoDDS (Departament of Defense Dependent Schools) 180,
foi autora de inúmeros artigos sobre as “especificidades culturais” de cada região onde
permanecia algum tempo ao serviço do governo norte-americano e diversas publicações
e colaborações em revistas sobre pedagogia. As actividades sociais e culturais
incentivadas por Zabilka e a sua cooperação com as organizações locais desde a Escola
Básica da Base Áerea Nº 4, a Escola Técnica e Comercial de Angra, no Hospital da
Praia, na Casa de Saúde S. Rafael etc. tinham também o objectivo de demonstrar
diplomaticamente as “boas” relações dos EUA com os países onde intervinha
militarmente ao ser destacado no Crossroads181 que “the purpose of her work with these
organizations has been to foster better understanding between American and Portuguese
peoples.”182 Também sob a supervisão de Zabilka formou-se uma orquestra de jazz
intitulada “The Down Beats” constituída pelos seus alunos que frequentavam a escola
básica e secundária na base das Lajes. Por fim, em 1962 concretiza-se um concerto no
Salão Teatro Praiense juntamente com o grupo coral, igualmente formado por alunos do
básico e secundário e dirigido novamente por Zabilka, cujo destaque da performance foi

178
Problema que se manifestava até na cidade de Angra, mesmo entre os vocalistas mais populares na
região que colaboravam com orquestras de jazz, como fora o caso de Guido Fernandes (Img. 15).
179
Entrevista a Batista Ávila a 6 de Agosto de 2015
180
Rede de escolas para familiares dos militares em zonas que o State Department considera que não
proporcionam um ensino escolar segundo as suas expectativas. Isto consta de diversos benefícios e
serviços viabilizados por parte do governo norte-americano a “militares dependentes” (categorias
possíveis de relações familiares que podiam usufruir destes serviços).
181
Jornal criado pelos militares norte-americanos e semelhante ao dos ingleses no período em que a base
era principalmente da força aérea britânica. No entanto, este relato é bem menos informativo no que
concerne às actividades que ocorriam no seu interior e apenas começou a ser impresso em 1959.
182
Crossorads, Vol. 3, No. 9, 3 de Julho de 1964, pp. 1 e 4

127
para o solista e trompetista Joe Williams183. Na verdade, a sua contribuição é ainda
recordada por alguns intervenientes como José Henrique Borges da FUP (saxofonista
que substituiu “Mestre” Ernesto quando este abandonou o Copacabana no final de 50)
sendo inclusivamente enfatizada pelo jornal norte-americano:

“…contributed time and money to supply sheet music, music stands and musical
instruments to the band…in addition she assisted in the remodeling of the band’s
concert hall in Praia”184.

Zabilka, além da direcção de várias filarmónicas e da digressão pelos Açores


com a filarmónica praiense teve um papel igualmente importante na disseminação de
música de entretenimento norte-americano ao dar a conhecer discos dos EUA a músicos
na Praia. Apesar de poucos se recordarem dos temas que eram tocados alguns desses
músicos referem que esses discos constavam de “boa música que se dava bem para
baile” já que o repertório do Copacabana era preparado especificamente para os clubes
norte-americanos na base, bem como locais onde normalmente frequentavam, de igual
forma, norte-americanos, como é exemplo o Praia Azul. Sabe-se que Manuel da Rosa
Goulart, conhecido por Manuel Bento (saxofonista e clarinetista) compunha os arranjos
para o agrupamento através da audição dos fonogramas que colocava no “gira-discos”,
material este trazido por Zabilka. José Borges lembra-se de como Manuel Bento
“sentava-se na sede da filarmónica com papel de partitura em branco” voltando atrás
múltiplas vezes numa determinada secção durante o processo de transcrição. Quanto ao
fardamento do grupo era por conta da instituição. Nesse exemplo, é pertinente observar
as diferenças significativas em comparação com os agrupamentos angrenses 185, ou pelo
menos, com a Olmmar’s Band, visto que tanto a farda como o repertório, ao contrário
do Copacabana, seriam directamente cedidos pelos militares norte-americanos. Dessa
forma o contrato seria particularmente divergente entre as mesmas visto que a
183
Crossroads, Vol.1, No. 3 Abril de 1962, pp. 1 e 4
184
Crossroads, Vol. 1, no. 22, Janeiro de 1963
185
A distinção da orquestra Olmmar Band das restantes orquestras fazia-se notar pela execução dos seus
músicos que reproduziam de forma “competente”, como se pode ouvir nas gravações realizadas no RCA,
a sonoridade característica das orquestras de swing norte-americanas. Pelo contrário, muitos dos grupos
musicais que eram formados fora da base e não chegariam a actuar dentro desta, como é o caso do
agrupamento RivalJazz (formado por iniciativa de Dimas Matos, pertencendo também músicos como
Alberto Reis) – demonstravam vários problemas tais como desafinação de alguns instrumentos,
dificuldade em manter a sincopação característica do swing etc. (anx. CD2)

128
Olmmar’s Band tinha uma maior regularidade e muito mais anos de existência, fundada
e contratada para bailes organizados pelos ingleses desde 1946, apesar das trocas
constantes de elementos como era normal na época, sobretudo em contexto insular.

Mas tal como sucedia na maioria das orquestras, seria possível delinear uma
vasta rede de sociabilidades entre os diversos músicos, em que, naturalmente, os que
viviam próximos da vila da Praia e das freguesias próximas tinham o hábito de tocarem
juntos, e respectivamente, o mesmo processo sucedia em Angra. Por isso encontram-se
músicos como Ezequiel Bettencourt, acordeonista, pianista e saxofonista, do AeroJazz,
ou Palmira Enes, fundadora desse mesmo grupo e mãe de Ezequiel, cujas várias
composições foram dedicadas e oferecidas ao “Chefe” de orquestra Manuel da Rosa
Goulart, que da mesma forma tanto pertencia à orquestra OPAR como ao Copacabana
(Img. 16) A essas orquestras pertenceram Artur Gaito (“viola eléctrica”), Manuel “Pinta
a Manta” (baixo ou rabecão), Ernesto Barcelos (trompete), António (trompete, vindo de
São Miguel para exercer funções como militar na base das Lajes). Outros músicos
foram referenciados por José Borges, como Afonso (baixista), Eliseu, natural do Faial, e
José Gomes.

Img. 16: Copacabana Combo – Ezequiel Bettencourt (acord.), Manuel (bx.), António (Sax-T),
Ernesto Barcelos (trp.), Vasco Gomes (btr.) e Manuel Bento (Sax-A)

129
Img. 17: AeroJazz no Café Royal - Álvaro Carreiro (vl.), José Duarte (acrd.),
Ezequiel Bettencourt (sax-alto), Palmira Enes (pn.)

Dedicado especificamente ao jazz e ao swing na Praia da Vitória, o AeroJazz,


formado provavelmente no início dos anos cinquenta segundo Luís Bettencourt 186 (neto
de Palmira Enes, fundadora do agrupamento), o repertório era baseado nos grandes
nomes do swing que na época ainda eram popularizados, nomeadamente Glenn Miller e
Benny Goodman187. Na fotografia apresentada de uma actuação no Café Royal (Img.
17) encontram-se os principais elementos do grupo, sendo estes Palmira Mendes Enes
no piano, e Ezequiel Bettencourt no sax-alto ou no contrabaixo, e outros como José
Duarte no acordeão e Álvaro Carreiro no violino. Sujeito a transformações o AeroJazz
por vezes adicionava uma secção de sopros possivelmente para alcançar uma
sonoridade mais próxima dos arranjos de big-band, isto, registado durante uma
performance no Clube dos Oficiais (Img. 18). Mais uma vez observa-se a presença de
grupos de jazz nos espaços influenciados pelo “modo de vida” norte-americano,

186
Entrevista a Luís Bettencourt a 16 de Agosto de 2015, Praia da Vitória
187
Infelizmente como é normal em grupos do género não existem partituras disponíveis, nesse caso
permanecem as memórias de alguns dos músicos que tocaram com os mesmos, como Vasco Gomes.

130
frequentados recorrentemente por estrangeiros, na sua maioria militares e civis norte-
americanos. Porém não permaneciam somente na Praia, mas também realizavam
concertos em Angra, como, por exemplo, nas esplanadas ou nos salões das sedes
filarmónicas, no Teatro Angrense e ainda no Lawn-Tennis Club188.

Img. 18: AeroJazz no Clube dos Oficiais na base das Lajes

O nome do agrupamento estaria por certo associado à dança, particularmente à


“moderna”, não só pela ligação profissional de Palmira com a mesma visto que era
professora nessa área, mas pelo tipo de espetáculos em que este participava.
Acompanharam teatros de revista e comédias musicais das quais destacam-se a “Chuva
das Cantigas” no Salão da Ribeirinha189 juntamente com o grupo teatral Açor das Lajes
e trio Barsi, mais a cançonetista Morenita de Sevilha no Teatro Angrense. A orquestra
acompanhava assim bailes “modernos”, pois, no que toca a esta última prestação a

188
Diário Insular, nº 2527, 29 de Agosto de 1954

Diário Insular, nº 1473, 19 de Fevereiro de 1951, pp. 4


189

131
imprensa referia que “para isso tiveram que pôr de parte – sabe Deus com que mágoa –
o bailado clássico, e “modernizar” as danças, introduzindo-lhes um pouco de acrobacia”
e que não se notava nos artistas “aquela beleza dos artistas de “ballet” a graça”190.

Na ilha da Graciosa de onde era original Palmira Enes e o seu filho, da freguesia
de Santa Cruz, a primeira teria desenvolvido aptidões no domínio de várias artes indo
além da música, em particular no âmbito da pintura. À parte da animação de bailes, na
ilha Graciosa também sonorizava cinema mudo ao piano. É com esse passado que
Palmira chega à ilha Terceira no final dos anos 1940 a convite do Comando Americano
da base das Lajes, local onde viria a dar aulas de piano na secção Recreativa do Teatro
Azoria e a partir da qual forma a sua orquestra.

É também importante revelar que Ezequiel viria a integrar a filarmónica praiense


encontrando-se sempre uma proximidade entre os músicos que constituíam as
orquestras, os agrupamentos de música de entretenimento e as instituições filarmónicas.
Na mesma linha que alguns dos músicos anteriormente referenciados, como no caso do
Flama Combo em Angra, Ezequiel vai se interessar por outros estilos musicais como o
estilo country. Na Praia diversos grupos musicais direcionam-se para outros estilos e
géneros musicais, principalmente o rock, numa relação que não é necessariamente de
ruptura com a geração anterior191, se o jazz enquanto género musical alargado
(englobando diferentes formas estilísticas) for compreendido como tal, num período
histórico particular na disseminação e recepção da música popular americana. Para
vários músicos, outras formas estilísticas, como o rock e o country, seriam mais uma
emanação do jazz – se entendido como música americana, música moderna, música com
bateria, etc.

190
Diário Insular, nº 2548, 21 de Outubro de 1954, pp. 1 e 4
191
Porventura não deixou de existir uma pequena tensão ou “rivalidade” entre os músicos, como lembra
Ilídio Gomes na altura em que Os Sombras, grupo de rock onde era vocalista e guitarrista, começaram a
actuar na base. Isto ocorre também num período em que emergem alguns grupos de rock criados por
músicos praienses.
132
4.3 Instrumentalização política do jazz a encargo do
governo norte-americano e as consequências da sua recepção na ilha

Para a ECA, responsável pela organização das tournées, o jazz era visto
inicialmente como um tema controverso pelas contradições que revelava da sociedade
americana situada entre o regime democrático e as leis de Jim Crow que vigoraram até à
década de 1960. Ao longo da década de 1950, durante a Guerra Fria, intensifica-se o uso
do jazz como instrumento diplomático e político. A ECA observa que o “jazz americano
e a música de dança” tinham uma forte aderência na Europa do Leste, isto ao mesmo
tempo que se começa a considerar o jazz como a “música clássica” americana por
excelência192 (Davenport, 2009: 44). De outro modo, a razão mostrava-se
profundamente política e era expressa pela maioria dos oficiais que demonstravam
atitudes elitistas jazz mainstream dado que outras formas de jazz, segundo Davenport
(2009: 84), podiam incitar à rebelião “contra as estruturas políticas e sociais do
Ocidente”. Do mesmo modo, a organização contava que os músicos mais populares
tivessem uma noção de liberdade que compactuava com a ideologia dominante dos
EUA, isto é, endereçada na defesa da “propriedade privada” e da liberdade individual,
ao contrário dos que praticavam outras formas de jazz consideradas “revolucionárias”
(ibid: 84, 85).

Por outro lado, o pós-guerra é entendido também como um período de recuo das
orquestras de swing no mercado anglo-saxónico e da sua posição secundária
relativamente aos cantores que as acompanhavam. Mesmo assim, como refere Peter
Tschmuck (2012: 229), no fim dos anos 1940: “the record market was oriented towards
a mass taste defined by the the lowest denominator, Swing and Hollywood Music. The
majors did not meet the Baby Boom generation’s latent demand for alternative dance
and entertainment music”193. Esses géneros e estilos musicais derivados do swing
192
A banda de Gillespie simbolizou e viajou sob o mesmo lema: “His band came to symbolize the fruits
of American democracy and the vitality of “America’s classical music” traveling to Latin America, the
Middle East, and Southeast Asia” (Davenport, 2009, 195). Também músicos como Duke Ellington foram
valorizados diplomaticamente ao promoverem a música “clássica Americana” numa tentativa de colocar
o jazz de novo no mainstream da cultura popular (Von Eschen, 2009: 17).
193
Isto porque para o autor as indústrias (as “major”, ou seja, RCA Victor, CBS-Columbia, Capitol
Records e Decca U.S.) rejeitaram, num primeiro instante, o rock e o r&b, enquanto as companhias
fonográficas de pequena dimensão concretizavam o desejo do público na procura de estilos musicais
133
também se reflectem na distribuição dos fonogramas nas bases militares e pela compra
de alguns discos nas lojas da base militar, especificamente na PX ou BX (Post e Base
Exchange respectivamente) por parte de músicos locais, trabalhadores e habitantes
como será demonstrado posteriormente (Img. 19). Por consequência, a influência desta
música do cinema de Hollywood e da propaganda dos Estados Unidos por via da rádio
manifesta-se de igual modo no repertório dos grupos musicais constituídos na ilha,
sendo o caso mais evidente na orquestra Olmmar’s Band.

Img. 19: Interior do Base Exchange

alternativos. Assim, até o final da década de 1950 a situação do mercado seria bastante diversa e
heterogénea: “Increased competition enforced a differentiation of the available repertoire. Thus, there
were radio stations that specialized in rock music, Jazz, Soul, Country, “classic”, religious music, or
middle-of-the-road music. Specialized labels recorded this music, which was then distributed by regional
and local radio stations.” (Tschmuck, 2012: 229)

134
De facto, de acordo com Peter Tschmuck (2006: 98), o swing reemerge no
continente europeu como sucesso comercial, com um atraso de dez anos relativamente
aos Estados Unidos, na década de 1950. Mais uma vez a “Voice of America” prossegue
as suas actividades para depois do término da segunda guerra. Segundo o autor a
familiaridade do público de alguns dos países derrotados com os sons Tin Pan Alley e
do swing devia-se sobretudo à popularização dessa música através das estações militares
da rádio dos Aliados (Tschmuck, 2006: 121). Além disso e como já foi referido, assim
como acontece na Ilha Terceira vão se estabelecer diversas bases militares pela Europa.
A partir dai também houve uma aproximação desses países com o jazz proveniente dos
EUA194. O swing ainda se manteve activo ao longo da década de 1950 no continente
europeu. Em termos de objectivos e de propósitos políticos Peter Tschmuck acrescenta
que:

“However, Swing served not merely as troop entertainment but also as an


instrument of propaganda (…) It reached its full potential only with the beginning of
the Cold War, and its dissemination of anti-Soviet propaganda.” (Tschmuck, 2006:
96).

Será por essa razão que na generalidade dos jornais publicados na ilha se
observava uma forte componente ideológica demarcada, por um lado, de um ataque
constante á União Soviética e ao comunismo, e por outro o enaltecimento ao sistema
político e da sociedade norte-americana. Esses valores eram por vezes associados com o
jazz, tal como é reflectido em organizações como a USO. Por exemplo, num excerto
noticiário de um jornal local, Armstrong refere que Kruschev deveria “visitar um clube
de jazz nos Estados Unidos para se aperceber do sentimento, tipo, swing, da liberdade”,
discurso expressamente associado à disseminação e instrumentalização política do jazz
durante a administração Truman e de Eisenhower no pós-guerra pelo continente
europeu e asiático, nomeadamente onde as bases americanas se estabeleciam. O foco
dos EUA de conduzir as actividades de propaganda e política cultural culminou na
criação da USIA (United States Information Agency) em 1953. Como diz Davenport
194
Fenómeno militar que se tornou globalizado estendendo-se até ao continente asiático. Tal como foi
mencionado no enquadramento teórico serve de exemplo o estudo de Heeijin Kim (2016) sobre a
influência da música e da cultura popular de proveniência norte-americana nas bandas militares e na
sociedade em geral na Coreia do Sul.

135
esta organização do Departamento de Estado americano tinha controlo sob a escolha dos
músicos e de um conjunto amplo de mecanismos que tornava isso possível na
disseminação por outros países:

“The USIS195 promoted cultural contacts through various cultural media – the press,
brochures, posters, pamphlets, photos, films, and newsreels. Moreover, it assisted in
determining what types of artists would perform and which themes performers
would emphasize. It also organized receptions, jam sessions, and other social
events” (2009, 39).

195
A USIS seria o palco das operações através dos vários postos disseminados pelo mundo que colocava
em prática as políticas culturais dirigidas pelo departamento de Estado: “Overseas, existing United States
Information Service (USIS) posts became the field operations offices of the new agency. The exchange of
persons program conducted by IIA remained in the Department of State, but USIA administered the
program overseas. The Department of State provided foreign policy guidance.” (The U.S. National
Archives and Records Administration, 2017)
136
4.3.1 A manutenção das orquestras de swing na base das Lajes e
relação com a política dos EUA e o mercado fonográfico

Portanto, verifica-se a manutenção de orquestras baseadas no mesmo formato


dos grupos musicais das décadas anteriores, como são exemplos as orquestras de Stan
Kenton e a de Duke Ellington, várias das quais teriam de atravessar o Atlântico em
digressão para a Europa, África ou mesmo para a Ásia, estacionando, entretanto, na ilha
Terceira. Sob o acordo “cultural” entre EUA a União Soviética e após a morte de
Estaline viajara uma quantidade de orquestras e músicos de jazz tais como Earl Hines,
Benny Goodman, Woody Herman, Duke Ellington, Preservation Hall Jazz Band, New
York Jazz Repertory, Dave Brubeck etc. (Richmond, 2008: 93). Por esse motivo, a
aposta do governo dos EUA no mesmo modelo refletir-se-á em muito do jazz ouvido e
praticado no contexto da ilha, reproduzindo-se também esse efeito na música de cinema,
ambas fortemente mediadas pelo universo militar, em concerto, a partir da base das
Lajes.

A orquestra de Stan Kenton regressa uma vez mais à base das Lajes e desta vez é
destacado esse acontecimento no jornal Diário Insular ao referir que o concerto se
realizaria por duas vezes no ginásio do destacamento americano, e como a música de
Kenton teria “revolucionado” a música “moderna”. Será por consequência dessa
digressão europeia196 iniciada a 22 de Agosto de 1953, cuja estreia realizou-se em
Copenhaga, na Dinamarca, que o músico ganha reconhecimento internacional, num
momento particularmente difícil para as orquestras de swing (Sparke, 2010: 111). Este
viria acompanhado de Lee Konitz (saxofonista), Zoot Sims (Sax-tenor), Sal Salvadore
(guitarrista) e Conte Candoli (trompetista). Apesar de serem apenas esses os nomes
mencionados, sabe-se que durante a digressão pela Europa estiveram também Frank
Rosolino (trombonista) e Stan Levey (baterista), e ainda a popular cantora June Christy
(ibid.). Pelo menos daquilo que é de conhecimento oficial, a orquestra teria performado
dias antes em Paris apresentando vários temas, frequentemente tocados por músicos de
jazz, e composições e arranjos de William Russo 197 dos quais uns seriam totalmente
instrumentais como Love for Sale ou The Peanut Vendor (Simon, 1930), e outros
196
Stan Kenton realizou vários concertos exclusivamente nas bases americanas na Dinamarca, Suécia,
Alemanha, Holanda, Bélgica, Suíca, França, Inglaterra, e ainda na Irelanda e na Itália.

137
interpretados por June tais como How High The Moon (Hamilton & Lewis, 1940), I’ll
Remember April e Taking A Chance On Love198.

O discurso construído pelo jornal em relação ao evento pretende “elevar” a


música “moderna” ao estatuto de música “clássica”. A música de Kenton é considerada
“imprevista” dada a sua concepção “progressiva” influenciada por Bach e Bela Bartok,
pelos “espirituais negros americanos” e o “jazz clássico”. Segundo o autor, as
orquestrações originais eram comparáveis à música concreta que adicionava assim uma
componente à sua música que ia além do ritmo, harmonia e melodia, isto é, “algo vindo
das profundidades, o que é obtido pela execução impecável, pela técnica consumada”199.
A legitimação através das ideias e conceitos da música erudita estavam efectivamente
associadas à mudança na prática musical de Kenton, de música de dança para música
“séria”, mais apta a salas de concerto (McClellan, 2004: 12). Pode dizer-se que o
músico tinha a ambição de se revelar ou de se manter na vanguarda do jazz big-band
(Gioia, 1997: 267).

No ano seguinte do mesmo mês, a Ilha Terceira é de novo visitada por uma
orquestra composta de 100 “figuras” (cujo nome não é mencionado), num recinto da
base localizado na frente do Clube dos Oficiais Portugueses. Com uma orquestra que
detinha uma composição “moderna” de naipes seguiu-se um concerto divido numa
primeira parte por música “clássica” e “quase clássica” que incluiu O’l Man River de
Jerome Kern, e uma segunda parte com marchas de John Philip de Sousa e finalizou
“em jazz”. Desse acontecimento sabe-se também que aderiram algumas pessoas de
Angra ao terem-se descolado às Lajes para “assistirem ao memorável espectáculo,
naquele recinto ao ar livre e numa noite bem açoreana.”200

197
Popularmente conhecido por Bill Russo foi um compositor norte-americano, arranjador e compositor
de jazz, tendo sido fundador do Chicago Jazz Ensemble também fundador e director do Chicago Free
Theater, e director do High School Jazz Festival.
198
https://www.discogs.com/Stan-Kenton-Artistry-In-Paris-The-Legendary-Concert-At-The-Alhambra-
Theatre-18-September-1953/release/6916186
199
Ibid.

Diário Insular, nº 2537, 10 de Setembro de 1954


200

138
4.3.2 Guerra da Coreia e política dos EUA no pós-II Grande Guerra

Um pouco antes da intervenção dos EUA na guerra da Coreia, vão actuar no


Azoria em 1948 por duas vezes sucessivas o cantor Bob Hope acompanhado pelo
pianista e compositor Irving Berlin. A imprensa relata esse “raro” acontecimento ao
descrever a prestação de Hope e de Berlin, e onde se apresentaram ao mesmo tempo
uma quantidade de artistas com “fama internacional”201:

(…) Pois na Terceira estiveram e trabalharam na noite de ontem 19 artistas, vindos


da Alemanha. Fizeram encher um dos recintos de espetáculos do aeroporto das
Lagens, o Teatro Americano a despeito da hora (…) Bob Hope, um pouco grisalho
(desilusão para os que o conheciam da tela), não traiu a espectativa. Duma diabrura
incomensurável, o artista fez rir a plateia com as suas facécias e ditos agudos,
animando o espetáculo do princípio ao fim – e foram duas horas de diversão. Irving
Berlim, compositor de canções românticas e patrióticas, cantou recebendo largos
aplausos. Outros artistas preencheram o programa com canções típicas de várias
nações.”202

Em 1950, foi mais uma vez noticiado na imprensa a presença de Bob Hope na
Ilha Terceira acompanhado novamente de uma série de celebridades e ““pin-up” girls”.
Nesse grupo presenciavam-se a argumentista Hedda Hopper e o actor Jerry Colona, e a
orquestra de Les Brown ou intitulada por “Renown” constituída por 20 figuras, no final
da década de 1950203. O espectáculo realizou-se no hangar de Busca e Salvamento.
201
Tratava-se de Marilyn Maxivell (actriz que participou e entreteve as tropas durante a Segunda Guerra e
no pós-guerra durante Guerra da Coreia em tournées com Bob Hope organizadas pela USO), Tex Mac
Crary (jornalista e apresentador cuja importância ficou marcada pela popularização do género televisivo
talk show com o programa “Tex and Jinx”), Jin Falkenberg (muito possivelmente tratar-se-á de Jinx
Falkenburg. Foi uma das apresentadoras ao lado de Tex Mac Crary em “Tex and Jinx”), Tomy Romano
(tratar-se-á de Tony Romano, guitarrista e cantor de jazz que ficou conhecido ao participar como músico
acompanhador de Bob Hope e Frances Langford em variadas tournées organizadas pela USO na segunda
guerra, Guerra da Coreia e na guerra do Vietnã), Dolores Hope (casada com Bob Hope foi também
cantora e filantropa), Billy Farrel (Bill Farrell foi um cantor que performou ao lado de Bob Hope a partir
de 1948 e um frequente convidado depois de 1957 no programa de Frank Sinatra), Irene Ryan (fez parte
do The Bob Hope Show na década de 1950), Hy Averback (actor que mais tarde se tornou produtor e
director integrou durante algum tempo na Armed Forces Radio Service ao entreter tropas no Pacifico com
um peça de comédia), Jean Wagner, James Saphier (agente de negócios de Bob Hope), Don’O Brien, Jay
Scott, Mort Lachman (escritor e produtor que trabalhou para Bob Hope durante vinte anos), Larry
Gelbhardt (também um dos membros da equipa de Hope que acompanhou durante os vários espetáculos
de natal que ocorrerem depois de 1948), Al Jeremy, Simon Rose, Charles Cobley.
202
Diário Insular, nº 845, 31 de Dezembro de 1948, pp. 1 e 4

Diário Insular, 17 de Dezembro de 1958


203

139
Teriam sido tocados temas do álbum Dance to South Pacific (1958) baseado no musical
South Pacific, composição de Richard Rodgers e Oscar Hammerstein II.

A necessidade de dinamizar as actividades da USO era uma parcela daquilo que


o despertar da guerra na Coreia tinha provocado nas mudanças de políticas dos EUA.
Essa intervenção contribuía de certa forma para a percepção de um bloco sino-soviético
com base na justificativa de uma “ameaça comunista” (Jervis, 1980). Logo na entrada
da nova década de 1960 surgem, desse modo, medidas que implicavam um aumento do
orçamento de defesa americano e a militarização da NATO (ibid: 574). Em consonância
com a reestruturação económica no pós-guerra e confrontados com o “perigo soviético”
os EUA abandonam a doutrina Monroe quando a liderança passa para a administração
de Truman, o que envolvia a legitimidade de os americanos intervirem militarmente
noutros países. Portugal vê-se confrontado em aderir à Aliança Atlântica como membro
fundador em Abril de 1949. Como foi explicado no último capítulo relativamente às
implicações do Plano Marshall em Portugal, o convite tinha por base a importância
geoestratégica dos Açores, como demonstra a documentação diplomática norte-
americana dessa altura (Andrade, 2011). Em causa estavam os dois pilares fundamentais
do novo sistema de segurança, cujo papel da Islândia e Portugal, com os Açores a servir
de ligação entre os dois países, interligava a retaguarda (continente americano) e a
frente (por isso o convite à Noruega e Dinamarca, a norte, e a Itália, no sul) (Teixeira,
1993).

A visão política na perspectiva do governo de Portugal era bem divergente da


dos EUA e da URSS e próxima do poder tradicional imperial e colonialista de
Inglaterra. De acordo com José Telo (1996) o governo português via a Europa do pós-
guerra tanto ameaçada pelo liberalismo como pelo comunismo, “marcada por uma
profunda crise moral e distante dos valores tradicionais.” A rejeição de Salazar do
estabelecimento de uma base permanente nos Açores leva a que antes da NATO as
negociações fracassem com os EUA (ibid). Para a resolução e consolidação da
participação de Portugal na NATO deixa-se de parte num primeiro momento a questão
dos impérios. No entanto, este será um dos pontos de divergência entre os EUA e
Portugal, e em que os Açores estarão novamente no centro das discussões. No acordo de
1957 perdurável até 31 de Dezembro de 1962, o arquipélago servirá de “arma política”

140
a Portugal para pressionar e convencer o governo norte-americano a alterar a sua
posição quanto às guerras de libertação em África (Telo, 1999: 74).

141
4.4 As principais discussões teóricas sobre o jazz e a sua
recepção na imprensa

O jazz na década de 1950 esteve constantemente presente quer como tema de


discussão nos jornais, quer como objecto para publicação de um livro. As relações entre
os vários autores destes espaços apontam para um grupo social específico proveniente
do meio eclesiástico, mais particularmente da diocese de Angra, onde se realizavam
aulas de música e canto, e ainda estudos de filosofia e teologia no seminário episcopal
de Angra (integrado na diocese de Angra). Por isso ver-se-á uma aproximação do jazz
ao campo da música erudita a partir da valorização de determinados compositores
influenciados pelo jazz como por exemplo Stravinsky, Debussy, Gershwin, etc. Isto é
demonstrado por exemplo na notícia “Proezas do jazz” em que é mencionado um
concerto no qual se executaram obras de “jazz sinfónico”, de Stravinsky, entre estas o
Ebony Concerto, por ocasião do congresso musical de Donaueschingen204. Na
continuidade desse pensamento no mesmo jornal publicaram-se as declarações de Louis
Armstrong relativamente aos mais “modernos intérpretes” do jazz. A crítica de
Armstrong seria dirigida provavelmente aos músicos bebop visto que recusava chamar-
lhes de músicos pois tocavam “10 notas para chegarem à necessária”, declarando que a
sua forma de tocar era a mais correcta, ao equiparar essa “filosofia” à de Mozart. O
discurso de legitimação do jazz, por parte da imprensa, enquadrado na perspectiva
evolucionista da música Ocidental ou, nessa concepção, música “erudita”, aparece mais
uma vez num texto traduzido para português da autoria de René Delange. Nesse texto
são realçados dados históricos étnicos e raciais, que afirmam o jazz como “forma de
expressão inventada pelos negros americanos”, e a importância de ser considerada uma
música fundamentalmente instrumental, que segundo o autor “à qual se liga, de resto,
toda a história da música”. O desenvolvimento do texto baseia-se em Adolfo Sax, o
reconhecido inventor do saxofone, e como a utilização desse instrumento, aliado a
outros instrumentos de sopro foi importante para a evolução da música - num trajecto
que teria iniciado em Wagner até os “virtuoses” das “orquestras americanas”205.

204
Diário Insular, nº 2578, 3 de Novembro de 1954, pp. 6
205
Diário Insular, nº 1467, 10 de Fevereiro de 1951

142
O texto “Impressionismo, Atonalismo e Jazz-sinfónico” publicado no ano de
1958 escrito pelo padre Jaime Luís da Silveira, natural da Fajã Grande da ilha das
Flores, é ilustrativo do tipo de intelectualização que o jazz esteve sujeito por parte de
alguns académicos formados em instituições religiosas na ilha. Tendo terminado o seu
curso de Teologia no Seminário de Angra enveredou pela actividade sacerdotal e era
também professor de música de estudantes que frequentavam os primeiros anos de curso
no seminário. Algumas passagens deste texto indicam como o jazz podia ser integrado
numa perspectiva evolucionista da história da música ocidental. Esse momento que dá
início à época moderna é demarcado pela ópera Tristão e Isolda de Wagner. Assim
encerrava um “importante ciclo da história da harmonia diatonal e diatónica” (Silveira,
1958: 2) e abria um novo período caracterizado pela desagregação da harmonia
tradicional, ainda com a conservação do elemento rítmico “submisso à métrica-
clássica”:

“Estas transformações atingiram profundamente o conceito de harmonia,


salvaguardando, no entanto, o elemento rítmico, que, salvo certas exepções, seguiu,
mais ou menos, submisso à métrica-clássica, tornando-se compatível com as
atrevidas polirritmias de um Stravinsky e com as curiosas novidades dos
compositores do jazz-sinfónico da recente Escola Norte Americana” (ibid)206.

Diante disso Jaime Silveira considerava George Gerswhin como um dos


principais compositores a adaptar o jazz para música de concerto, do mesmo modo que
outros compositores fora da escola americana do final do séc. XIX e início do séc. XX
recorriam a alguns desses elementos musicais e incorporavam nas suas obras como
Debussy, Ravel, Honegger, Martinu e Schostakowitch:
206
Esta é uma perspectiva bastante distante da transmitida pelo Padre Molho de Faria nos anos 1930 que
via as práticas associadas ao jazz como transgressivas, com efeito negativo sobre a sociedade portuguesa.
No artigo de Pedro Roxo (2009) explica como este discurso clerical – que alertava para os perigos da
modernidade, referindo uma possível ameaça de contaminação pela alteridade racial negra através das
danças modernas e o jazz - actuava como instrumento de legitimação e ideológico ao serviço do Estado
Novo. Em contrapartida, de acordo com Susana Costa (2008) a partir da década de 1940, nos Açores, as
relações entre Igreja e Estado irão evidenciar alguma fragilidade, uma vez que se começam a formar
grupos de reflexão intelectual sobre a condição da Igreja insular que vão, posteriormente, contribuir para
o distanciamento da Igreja da “sombra do fascismo salazarista sem, todavia, não poder (ou não querer)
afronta-lo.” Novamente, como refere a autora: “A partir dos anos 60 a Igreja insular opta por seguir um
caminho que, paulatinamente, a separou do Estado – aproximava se da Santa Sé na defesa do
“regionalismo católico” afastava-se das posições inflexíveis do Estado português” (ibid.). Uma das
principais instituições nos Açores que se formaram para esse propósito teria sido o Instituto Açoriano de
Cultura, em 1955, fundado por iniciativa de vários professores do Seminário de Angra (instituição onde
lecionava o padre Jaime Silveira).
143
“Além da contribuição geral, teve o jazz acção directa nas produções de alguns
compositores modernos, a que acima fiz referência, mais acentuada nos americanos
de que Gershwin parece ter sido um dos primeiros a manusear com alguma
confiança esta linguagem dentro do campo sinfónico. A “Rapsódia em blue”
combina as duas satisfatoriamente e confirma o carácter artístico deste idioma
musical moderno.”

Para o autor a história deste “género” musical inicia com a migração dos
escravos negros do continente africano para os Estados Unidos e surge em primeiro
lugar sob a forma de ragtime:

“Considerado como um dos factores mais importantes da época moderna e não


limitado unicamente aos domínios da dança e opereta, o jazz, criado pelos negros
africanos trazidos como escravos para os Estados Unidos da América do Norte,
onde elaboraram um estilo especial de execução, contém uma curiosa e excitante
sincopação do ritmo, a que se deu o nome de ragtime e constitui o elemento básico e
um dos tipos da música deste género” (ibid: 13)

A “evolução” da música e por consequência o surgimento do período moderno


procede de uma assimilação por parte da tradição musical europeia, rica no “elemento
harmónico”, de algumas das principais características do jazz, especialmente o seu
carácter percussivo. Segundo o autor, um dos elementos essenciais da música de origem
“negra”, não se tratando necessariamente de uma visão pejorativa sobre a mesma, seria
a sua “forma geralmente simples” e de “quadratura regular” cuja dança necessitava.
Denota-se, portanto, uma preocupação do autor em criar paralelos do jazz com
universos musicais para além da dança, procurando legitimar esse género musical, por
exemplo, não só através de paralelos com compositores como Bach, mas também com
compositores do mercado da música popular americana como Jerome Kern:

“(…) contém o jazz entre outros elementos de origem não especificamente negra, o
elemento harmónico, enriquecido na segunda década do nosso século pela Melodia
Mágica de Jerónimo Kern, com um colorido tal que foi classificado de blue (azul),
dando origem ao “acorde blue” ou “acorde melancólico”, cuja missão não era outra
senão adoçar o de tónica do modo maior e a nota correspondente ao 7º grau da
fundamental” (ibid: 13)

144
“O baixo marca um metro regular, dos mais simples da métrica grega, enquanto que
o movimento das vozes se ordena segundo ritmos particulares, ás vezes dos mais
complicados, oferecendo certas analogias com alguns cantos religiosos espirituais
do jazz negro-americano, nos quais contrasta a insistência regular do ruido com os
ritmos independentes das vozes melódicas (…) o jazz oferece ainda certas analogias
com a métrico-rítmica do mestre de Eisenach.” (ibid: 15)

Mais uma vez é reforçada a ideia de que a contribuição do jazz passa sobretudo
por um processo de estilização rítmica da música europeia com ênfase na pulsação
sincopada. Por isso compreende-se que o jazz vai incitar a um predomínio dos
instrumentos de percussão em que o piano, por exemplo, é utilizado como “fundo
rítmico” marcando “ininterruptamente os acentos métricos com monotonia semelhante
ao antigo baixo contínuo” (ibid: 13). Quanto à influência do jazz e dos “negros” ao nível
melódico Jaime Silveira acrescenta o seguinte:

“Outro elemento menos característico é a melodia que fundindo as mais puras frases
clássicas ou modernas, mantém um ritmo horizontal de grande riqueza, produzindo
a sincopa no conflito com o ritmo horizontal do baixo, tornando-se propícia às
variações e virtuosismo de que os negros se tornaram universalmente célebres”

Perante esta perspectiva é igualmente feita uma crítica pelo historiador e músico
Henrique Vieira Borba207 relativamente às mesmas questões e incidindo em particular
sobre a comunicação do padre Jaime Silveira. Henrique Borba, considerado um
importante divulgador da música erudita na ilha Terceira e 1º violinista da orquestra
Henrique Vieira da Silva, tinha uma opinião um pouco divergente de Jaime Silveira.
Assim sendo estipulava uma diferença clara e hierarquizada entre o jazz, assim como a
música popular, da “música culta”, e mostrava-se menos adepto das adaptações das
“formas tradicionais do jazz” por Gerswhin ao referir que:

207
Não podendo aprofundar este tópico é certo que Henrique Borba juntamente com outros músicos de
origem de classes aristocratas ou/e abastadas da ilha estiveram envolvidos nos primeiros movimentos de
foclorização da cultura terceirense durante o governo salazarista. Nos anos 30 tanto a orquestra de João
Carlos da Costa Moniz (foclorista originário da ilha Terceira) que se focava especialmente nesse aspecto
e que contava com a participação de Manuel Reis e de músicos militares da Banda Regimental de Angra
tais como Quirino (B.P.A.R.A.H: Câmara Municipal, 1993) ou conhecidos improvisadores no
instrumento desses anos como José Inácio Bettencourt, como a orquestra de Henrique Vieira da Silva, na
qual pertenciam alguns da primeira (B.P.A.A.H., 1993) sendo esta essencialmente de baile. Apesar dos
poucos dados recolhidos em torno deste assunto compreende-se a razão pela qual quer do lado de
indivíduos do meio religioso quer alguns músicos como Henrique Vieira Borba não viam a modernização
e a música moderna como algo de positivo ou a ser bem aceite pela sociedade.
145
Por isso como cientista da harmonia chega a ser medíocre, mas excede-se como
mestre do ritmo e do sentimento melódico. Adaptou às formas tradicionais do jazz,
a música culta e inspirando-se nos temas do foclore americano compôs músicas que
correm o mundo e são ouvidas com agrado.

Mais uma vez percebe-se que a propagação da “cultura norte-americana”, em


grande parte reforçada pela presença militar norte-americana, era vista como um
problema com consequências negativas para a sociedade terceirense. Enquadrado nessa
perspectiva destacou-se Armindo Borges, musicólogo, compositor de música sacra e
regente de diversas filarmónicas. De educação religiosa, frequentou o secundário e
ingressou em Teologia no Seminário de Angra, onde teve como professor de música o
padre Jaime Silveira. Relativamente aos anos 50 e 60, Armindo, admirador da música
erudita de Alemanha, França e Itália, alertava para o facto de que a Terceira estava a
atravessar por um processo de “americanização”, em que a música norte-americana
contribuiria para a sua desordem social, independentemente da boa aceitação por parte
da população (Bispo, 2014: 2). Essa música era por ele qualificada como
“desconcertante”, vista como proveniente do povo mais “desaprumado” de todos os
povos, dada a sua sincopação por ser feita em grande parte à “base de contratempos”
(ibid).

146
4.5 Mercado e distribuição local de fonogramas

Na década de 1950, não obstante a possibilidade de se encomendar fonogramas


de São Miguel, em Ponta Delgada, do Salão Normadende, cujo catálogo abrangia
diversas marcas como His Master’s Voice, Decca, Columbia etc. 208, podia-se também
fazê-lo nas principais lojas de Angra, como a Rádio Som 209 e a Electro-Rádio. Na
primeira, situada no Largo Dr. Oliveira Salazar, só consta informação da existência de
uma discoteca com fados, valsas, tangos, paso-dobles etc 210. Na rua do Alto das Covas,
abria a loja de Fausto Cristovám, também ele um dos fundadores do RCA, que se dava
pelo nome Electro-Rádio, onde, para além de ser possível a compra de diverso material
eléctrico e aparelhos radiofónicos, era possível também adquirir fonogramas. Ainda
permanecem na posse de familiares de Fausto Cristovám alguns amplificadores e
gravadores de fio, mantidos no mesmo local até os dias de hoje, ainda com o rótulo
publicitário a anunciar “sempre novidades em disco”. A amostra de alguns discos de 78
rotações e de 10 polegadas guardados pelo mesmo e mantidos pelos familiares dão a
conhecer um pouco o tipo de música que circulava na época.

No entanto, estes tanto podiam ter pertencido ao RCA, comprados para uso
pessoal ou ainda pertencer à colecção de discos para venda. Para adquiri-los era
necessário tornar-se subscritor da Silvertone Record Club 211, e tratar-se-ia de uma
edição limitada (Img. 20 e Img. 21). Em todo o caso, enquadravam-se no género de
música orquestral ou do jazz 212 que era transmitido no RCA. Produzidos e provenientes
dos EUA (nestes vem assinalado “registered with the United States patente office”) de

208
A União, nº 12.313, 12 de Fevereiro de 1950, pp. 4
209
Tal como se irá visualizar em diversas fotografias expostas no próximo capítulo a Rádio Som era
patrocinada nas festas do RCA.

A União, nº 16.265, 16 de Dezembro de 1949, pp. 3


210

211
“The Silvertone name was revived for 78s one last time, in 1950. The red vinylite pressings, using a
completely redesigned Silvertone Record Club label in 1950, were produced by Mercury Records.”
(Sutton, 2009)
212
Ou seja, música ligeira ou “jazz para concerto”, levando em linha de conta as categorizações
efectuadas pelos agentes do RCA, tratava-se de um estilo próximo de Paul Whiteman, e orquestras de
Ray Martin, Victor Silvester, etc. Como se verá no capítulo posterior, sobre o programa Vamos Dançar, a
escolha da música e dessas orquestras em particular tinha como base o programa de rádio Let’s Dance,
que os responsáveis pelo RCA tentavam imitar.

147
certa maneira indica que o RCA mantinha relações com a base das Lajes, especialmente
neste caso em que se trata de um dos fundadores dessa central radiofónica. No final da
década de 1940 é notória a colaboração entre as duas partes evidente no agradecimento
do presidente do RCA à base aérea pela aquisição de material e pela montagem de um
“sistema de long- playing de discos.”213 Ao lado disso, eram abundantes os anúncios e a
utilização de aparelhos radiofónicos, especialmente da marca Bush e Philips. A
preferência por esses de grande parte da população e a procura dos mesmos leva a que,
por exemplo, vitrolas sejam trocadas por rádios214.

Img. 20: Glenn Osser and His Orchestra – “Night and Day”

Img. 21: Ted Dale and All-String Orchestra – “Trees”

213
Diário Insular, nº 2180, 4 de Julho de 1953, pp. 4

P.ex. A União, nº 16.334, 10 de Março de 1950, pp. 3


214

148
4.6 Conclusão

Os diferentes significados produzidos e as diversas atitudes em relação ao jazz


abrangem diversas camadas e classes sociais da sociedade terceirense que têm por sua
vez respostas divergentes quanto a sua aceitação, quer nos discursos adotados pelos
jornais como nas práticas musicais associadas. A análise deste capítulo parte de uma
multiplicidade de pontos (desde acepção do conceito “jazz” na imprensa, a circulação
de fonogramas e equipamento que permitia a reprodução da música e, portanto, de
estilos musicais associados ao jazz, como também que acabam por convergir no impacte
e influência da base das Lajes na vida quotidiana e na música produzida. Isto é, sucede-
se partindo da contextualização política e o papel do jazz na mesma, assim como os
intermediários que viabilizaram a sua proliferação e a recepção ao nível das práticas
musicais, dos eventos realizados e publicitados no interior da base pelos jornais da ilha,
e ainda o olhar de alguns intelectuais e músicos sobre o assunto. No entanto, apesar de
se ter abordado as orquestras e grupos na vila da Praia já se repara que seria em Angra
que as condições objectivas favoreceriam o aparecimento do Flama Combo, orquestra
Art Carneiro e a Olmmar’s Band, considerando o desenvolvimento económico e
existência de instituições religiosas e musicais e um passado de linhagem de músicos
associados a bandas militares. O próximo capítulo tratará de uma análise da constituição
e repertório de alguns desses agrupamentos e orquestras de jazz, assim como a sua
recepção na imprensa.

149
5 “Orquestras e “conjuntos” de jazz na Ilha Terceira”:
reconfiguração do jazz do final da década de 1940 até 1960

O seguinte capítulo observa quais foram as principais orquestras e agrupamentos


musicais de jazz que se formaram por influência da base naval norte-americana no final
da década de 1940 e após 1950. Em primeiro lugar, para compreender o que implicava
este domínio musical no intervalo de tempo proposto foi necessária uma recolha dos
principais discursos propagados pelos jornais locais que começaram a incidir
particularmente sobre os grupos musicais da ilha, como por exemplo as orquestras de
Manuel Reis, de Art Carneiro, de Alberto Cunha, etc. Em segundo lugar, e intersectando
com o ponto anterior, foi aplicada analise musical a alguns dos exemplos associados a
alguns dos grupos diagnosticados. A análise parte da prática musical efectiva dos
músicos ao considerar as referências e elementos musicais utilizados associados ao jazz
no repertório criado e interpretado. Apesar do Flama Combo ser formado em 1957 e a
sua presença nos jornais só se realizar na década de 1970 será um dos grupos mais
relevantes nesse domínio a ter em conta. De facto, será nesse material musical que
estará bastante explícita a afirmação de uma certa identidade associada ao jazz, com
características estilísticas associadas ao swing e ao bebop.

A herança da tradição musical (em particular da família Coelho da Silva),


nomeadamente procedente das bandas militares, da música erudita e do contexto
filarmónico, serão importantes para compreender como a música de origem norte-
americana seria incorporada no repertório. Comprova-se que, em termos económicos e
institucionais a cidade de Angra criava as condições propícias à formação dos Flama
Combo. Independentemente da proximidade da base militar americana da Praia da
Vitória, as condições objectivas em Angra eram bem mais favoráveis à emergência de
um grupo musical desse tipo, assim como de orquestras de jazz, dado que nessa cidade
havia também a possibilidade de alguns músicos se profissionalizarem, além da base
das Lajes. No entanto, tal como se observou no último capítulo, incidente sobre algumas
orquestras na Praia, a função social da música em questão, dependente dos diversos
contextos performativos associados à dança, influenciava o jazz tocado, o que era

150
evidente também nalgumas das composições originais do agrupamento, neste caso dos
Flama Combo.

De outro modo, como se verificava no continente português e noutras partes do


mundo a recepção do jazz estava a sujeita a uma multiplicidade de significados e
práticas que não o constituíam necessariamente como género musical autónomo. Aliás,
é por isso que na época em que este agrupamento se populariza como um dos poucos
combos de jazz na Ilha Terceira, no início da década de 1960, constassem no repertório
temas do rythm & blues ou ainda marchas e canções tradicionais em paso-doble. No
entanto para a compreensão desse assunto será necessária uma análise até 1965, por
ocasião do surgimento de uma secção de sopros regular preenchida por Manuel da Silva
Fernandes na trompete e Paulo Cunha no saxofone.

151
5.1 Trajectória histórica dos Flama Combo

5.1.1 Chegada de Art Carneiro

O estabelecimento da base aérea das Lajes desempenha novamente um papel


fundamental para o desenvolvimento da vida musical na ilha e em especial na formação
dos Flama Combo cujo trajecto iniciara com a chegada do músico Art Carneiro. Filho
do militar Ernesto Santos Carneiro, natural da China (cidade de Xangai) parte para
Hong-Kong devido ao início da Segunda Guerra Shino-Japonesa em 1937, e
seguidamente para Portugal no fim de 1946. Mais uma vez, e em particular para este
músico, os acontecimentos à escala global e os conflitos entre potências militares
acabaram por afectar o seu percurso e carreira musical ao encaminhá-lo rumo à Ilha
Terceira, onde iria residir com o seu filho e esposa até retornar a Lisboa, cidade na qual
viria a falecer com 58 anos de idade. Com uma ampla bagagem e experiência musical e
apto a tocar vários instrumentos tais como violino, clarinete, saxofone, piano, acordeão
etc., também actuou e dirigiu diversas orquestras em hotéis e bares em Xangai e Hong-
Kong ao animar a vida nocturna em “chás e noites dançantes”215.

A vinda do músico para a Ilha Terceira realiza-se em 1949 ao ser contratado


pelos norte-americanos para exercer funções como director musical na base militar. Isso
sucedeu após uma viagem de uma delegação de oficiais da base que se vão dirigir
propositadamente ao Casino Estoril em Lisboa onde o músico já tinha actuado com o
seu agrupamento formado pelos seus irmãos e a cunhada chamado The Cathay
Ambassadors no “Wonder Bar”216. No ano anterior, Art Carneiro teria participado na
notória jam-session pública realizada no Salão Chave d’Ouro no Rossio durante a fase
de organização do Hot Clube Portugal, em cuja fundação também estaria envolvido com
Luís Villas-Boas (Santos, 2007: 30). Na imprensa regional foi assinalada a importância
da presença de Art Carneiro na Ilha Terceira, depois de ter fechado um contrato de um
ano com N.C.O. (Non-Commissioned Officer) Club 406 e o Clube dos Oficiais nas

Documento com fontes primárias e outras informações de carácter biográfico em torno de Art Carneiro
215

compilado e disponibilizado pelo seu filho Roberto Carneiro (sem data).

Ibid.
216

152
Lajes, ao descrevê-lo como uma mais-valia para a vida musical na ilha, e que se juntava
assim, segundo a descrição da imprensa, com “as orquestras “Olmar Band” e “Manuel
Reis” que tanto tem contribuído para as horas de folga dos americanos, no nosso
aeroporto.”217 Art Carneiro ainda foi mencionado pelo actor Walter Pidgeon, durante a
sua passagem pelo aeroporto das Lajes juntamente com os músicos Herb Jeffries,
Bobby Tucker e Kenan Wynn. Mais uma vez a crítica ideológica pela imprensa
regional, em consonância com a posição política do governo norte-americano, é
expressa no modo que o discurso do actor canadense é apropriado, dado que ao elogiar
Art Carneiro referiu que “«agradeçamos» (…) aos comunistas porque doutro modo não
estaria aqui tão bom artista!.” A actuação destes artistas na base ficou marcada pelas
actuações de Bobby Tucker ao piano e de Kenan Wynn na voz dos temas “Flamingo”
(escrito por Ted Grouya e Edmun Anderson e publicada em 1940) e “I Can’t Get You
Anything But Love” (música composta por Jimmy McHugh e letra escrita por Dorothy
Fields, publicada e gravada em 1928).218

Dimas Matos, saxofonista e membro da orquestra de Art Carneiro e que


pertencera à orquestra de Manuel Reis (violonista) lembra que esta última tinha
delegado a batuta a dois oficiais norte-americanos (Img. 22) até à chegada de Art
Carneiro que passou então a liderar a orquestra219. Para Dimas Matos, além da técnica
instrumental, a capacidade de improvisação ao clarinete do maestro de origem
xangaiense era algo de novo e a ter em consideração220. A reacção da imprensa teria sido
positiva ao qualificar a orquestra como um “brilhante conjunto” desejável aos
apreciadores de “música moderna”221. A estreia desta junto ao público terceirense fora
das Lajes sucedeu-se num evento público no RCA no início da década de 1950. A partir
dessa performance pode-se ter em conta o tipo de repertório que era tocado pela
orquestra visto que foram nomeados alguns temas como La Mer (canção de Charles
Trenet, gravada em 1945), O 3ª homem (The Third Man Theme, 1949 Anton Karas) e

217
Diário Insular, nº 1418, 10 de Dezembro de 1950
218
Diário Insular, nº 2330, 5 de Janeiro de 1953
219
Entrevista a Dimas Matos no Porto Martins, Ilha Terceira, a 17 de Maio de 2015
220
Ibid.
221
Diário Insular, nº 1464, 7 de Fevereiro de 1951

153
Good Night (Martin, 1951)222. A primeira dessas composições, da autoria de Charles
Trenet, acabou por se estabelecer como um jazz standard e tornou-se um êxito na
Europa após a segunda guerra. A origem do segundo tema provém de uma trilha sonora
do filme de produção britânica The Third Man em que a história remetia alegoricamente
ao contexto da guerra fria. Mais uma vez o contacto com a base das Lajes implicava a
recepção de produtos de entretenimento anglo-saxónicos ideologicamente em sintonia
com a política cultural dos EUA. Também demonstra como o RCA foi útil como ponte
de ligação e de intermediação entre a música que ensaiavam e tocavam na base das
Lajes com o público que vivia fora dela.

Img. 22: Orquestra de Manuel Reis dirigida por oficiais norte-americanos no Palácio dos Capitães-
Generais na freguesia da Sé, em Angra do Heroísmo

222
Diário Insular, nº 1480, 27 de Fevereiro de 1951

154
A reacção de Dimas Matos demonstra um pouco a admiração que terá sido
partilhada por muitos músicos da ilha, quanto ao impacto que alguma da linguagem do
jazz, pelo menos as formas estilísticas de jazz mais centradas na improvisação e em
tempos mais acelerados e ritmos sincopados. Também mostra que alguma da música
tecnicamente mais exigente poderia não ser possível ser tocada por parte de muitos
músicos na Ilha Terceira, o que limitava e determinava a escolha, assim como o modo
de tocar o repertório. A dificuldade sentida pelos músicos que levou à desagregação da
primeira orquestra de Manuel Reis, segundo o pianista Mariano Lima (sobrinho de
Manuel Reis) encontrava-se relacionada com a cultura musical herdada das bandas
militares e filarmónicas, apesar da existência de elementos que tinham mais facilidade e
interesse pela música moderna e o jazz, como por exemplo Alberto Mateus e Luís
Soares – que também integraram instituições filarmónicas, em particular a instituição
filarmónica Recreio dos Artistas, de que vários músicos faziam parte 223. Pode-se decerto
afirmar a veracidade dos discursos reproduzidos sobre este problema enunciado por
familiares, músicos e agentes de produção cultural (por exemplo investigadores como
Moreira dos Santos ou interlocutores como Ribeiro Pinto224)

No entanto, as características e afinidades técnicas e musicais de Luís Soares,


Alberto Mateus e Alberto Coelho com o jazz e a música de procedência norte-
americana levaram a que Art Carneiro os selecionasse para formarem um grupo mais
pequeno, neste caso um quarteto, que satisfizesse as ambições do músico, depois de
assistir às actuações da Olmmar Band (Img. 23).

223
Como por exemplo Eusébio Ramos, trompetista da orquestra Art Carneiro, ou Diamantino Borges que
começou a tocar cornetim aos oito anos na Recreio sendo posteriormente 1º Sargento e integrante da
Banda Militar de Angra, e ainda, mais tarde baterista também da orquestra de Art Carneiro. Associado a
esta, nas memórias do militar e historiador Pedro Merlim (1967: 102) na segunda metade dos anos 1940,
a instituição “além da Filarmónica”, dispunha da “Sociedade do grupo de jazz REARTE”.
224
Locutor do programa de rádio “Sabores do Jazz” e um dos fundadores do Angra Jazz e impulsionador
da orquestra “AngraJazz”.
155
Img. 23: Quarteto de Art Carneiro com Art Carneiro, Alberto Mateus, Alberto Coelho e Luís Soares
em final de 1940

Algumas prestações ficaram registadas por ocasião de uma festa de colaboração


entre o Diário Insular e o Rádio Clube de Angra em que no mesmo dia actuou Art
Carneiro, num primeiro momento no acordeão a solo, performando temas como Duas
guitarras (canção que ficou popularmente conotada ao foklore russo, tendo a melodia
sido composta por Ivan Vasiliev) e “Estrelita” (Ponce, 1912), e ainda com Alberto
Mateus, Luís Soares e Alberto Moniz (piano), “num quarteto bem composto,
executaram peças de ritmo endiabrado, em disputa de efeitos sonoros modernos.”225

Ibid.
225

156
Img. 24: Foto e legenda retirada do livro Rádio Clube de Angra (1972) de Pedro Merelim

De facto, alguns dos músicos da Olmmar’s Band mais importantes dessa última
orquestra viriam a colaborar com a orquestra Art Carneiro tais como, novamente, Luís
Soares, em que o contrabaixo era um dos instrumentos também executava, enquanto
Oldemiro Pimentel, um dos fundadores da mesma, ocupava-se da guitarra, e Alberto
Moniz no piano, apesar da possível troca de membros como era frequente (por exemplo,
Art Carneiro tocou regularmente com o pianista Ângelo até à década de 1960 – Img.
24). De qualquer das formas fica mais ou menos definido o agrupamento de Art
Carneiro que continuava a ser intitulado muitas vezes por orquestra de Manuel Reis226 e
que começou a ser bastante divulgado na Terceira na década de 1950. Os músicos eram
Alberto Reis (contrabaixo), Dimas Matos (sax-tenor), Durval Pereira (sax-tenor),

226
Este nome manteve-se dada a permanência e a importância do fundador da orquestra.

157
Eusébio Ramos (trompete), Manuel Reis (violino), Diamantino Borges (bateria),
Manuel Basílio (sax-alto), Ângelo (pianista), Manuel Arrayal (violino), José da Rocha
(trompete), António Botelho (barítono?). Era normal que alguns destes tenham sido
contratados para exercer outras funções na base das Lajes que não estivessem
relacionadas com a música, pois dedicavam-se profissionalmente a outras áreas, ou na
procura de estabilidade económica tinham de encontrar outros empregos. Além de
Durval Pereira que exerceu funções de telegrafia na marinha e entre outros com laços
profissionais ao universo militar, serve como exemplo distinto o violinista Manuel
Arraial que chegou à ilha Terceira em 1947, regressado dos EUA. Ao contrário do
movimento predominante do fluxo de migrações entre os Açores e o continente
americano, Arraial, natural de São Miguel e trabalhador de uma fábrica de algodões nos
EUA, parte para a Terceira depois de ser contratado pela força aérea americana para
trabalhar na secção de manutenção dos aviões na base das Lajes227.

227
A União, 9 de Junho de 2008

158
5.2 O agrupamento Olmmar’s Band na década de 1950

A orquestra Olmmar’s Band (ou Olmar Band, como era referido por vezes nos
jornais), ou muitas vezes conhecida por Oldmar Band, devido à semelhança das três
letras iniciais com as do nome do seu fundador Oldemiro Pimentel, actuava fora da base
americana. A primeira actuação “completa” da orquestra deu-se numa festa “artística”
em Dezembro de 1946 no Salão da Caridade em Angra onde os preços de entrada eram
estipulados em 15$ para os “cavalheiros” e 7$50 para os estudantes228. Como lembra
Marcelo de Lima229, os músicos tinham por hábito intitular a Olmmar’s Band de
orquestra “grande” que servia para distinguir dos restantes grupos pequenos aos quais
pertenciam. Isto também mostra a existência de uma rede considerável de músicos que
tocavam uns com os outros em diversos contextos performativos e formações musicais.
Marcelo de Lima, que tinha apenas 16 anos quando Art Carneiro estava em actividade,
lembra que nos anos da sua colaboração com a Olmmar’s Band, esta formação, ao
contrário das restantes, actuava frequentemente fora da base no Clube Musical
Angrense e em sociedades filarmónicas. Entre os vários exemplos possíveis fica o
depoimento de Carlos A. Reis para o jornal Tribuna Portuguesa ao referir que “os
conjuntos a que me refiro eram Art Carneiro e Flama Combo, que actuavam única e
exclusivamente para os Clubes Americanos.”230

Considera-se que Mário Coelho seja um dos elementos indispensáveis a


identificar uma vez que tornar-se-ia, posteriormente, baixista dos Flama Combo, mas
evidentemente que participara com Art Carneiro e os restantes músicos do quarteto,
onde também se encontrava o seu irmão Alberto Coelho no piano. Porventura, as
condições eram bastante propícias na família Coelho da Silva para o desenvolvimento
musical desses dois jovens músicos, quer no âmbito da composição ou como
executantes que, além do jazz, tocavam de igual modo peças de música “clássica” e
outros estilos e géneros musicais populares.

228
Diário Insular, nº 250, 19 de Dezembro de 1946

Entrevista a Mariano Bettencourt de Lima via telefone a 6 de Novembro de 2016. Reside actualmente
229

nos EUA.

Tribuna Portuguesa, nº 1163, 13 de Setembro de 2013, pp. 7


230

159
Img. 25: “A Revoltosa” com Mário Coelho (último a contar da esquerda para a direita da última fila)

Mário Coelho231 seguiria os passos da maior parte dos familiares ao enveredar


pela carreira musical, tendo completado mais tarde o Curso Geral de piano (equivalente
ao 6º ano) e regido durante vários anos a Recreio dos Artistas e ter colaborado também
como regente com outras filarmónicas de outras ilhas. O seu pai, Manuel Coelho da
Silva, foi aprendiz na Banda Regimental, regeu um grande número de filarmónicas
(incluindo a praiense) e compôs marchas, rapsódias, fantasias, aberturas, etc. (Gomes,
1993: 478). Além de Mário e Alberto, dos sete filhos é importante assinalar também a
actividade de Manuel Coelho Jr. e de Raúl Coelho. O primeiro integrou a Olmmar Band
e foi regente da filarmónica da Praia, e tal como o seu pai foi aprendiz na Banda
Regimental prosseguindo a carreira musical militar ao prestar provas para o posto de
furriel (ibid: 479). O segundo, apesar de não se ter envolvido no surgimento das
orquestras de jazz na década de 1940 e 1950 dirigiu a orquestra de Salão do RCA,
compôs peças para baile, nomeadamente foxtrot e ensinou e transmitiu conhecimentos
aos muitos músicos que constituíam a orquestra. Por exemplo, ao tornar-se maestro da
orquestra filarmónica de Angra regeu Luís Soares (cujo instrumento principal era o

Lúcia Coelho, filha de Mário Coelho, lembrou o seu gosto vasto que ia desde orquestras de swing a
231

compositores do período moderno na música erudita, como Debussy e Ravel.

160
violino), Dimas Matos, Durval Pereira, Eusébio Ramos, Manuel Coelho, Manuel
Arraial, Álvaro Carreiro (dos AeroJazz), Oldemiro Pimentel e Mário Coelho no
contrabaixo232. A filarmónica também actuou nas Lajes, no teatro Azória regida por
Raúl Coelho233. O passado de Mário começara ao lado do seu pai e irmãos e já detinha
nesta época alguma prática em orquestras de dança que eram formadas à parte das
formações filarmónicas, como foi o caso da orquestra Revoltosa da FUP, nos anos de
1930 (img. 3).

232
Diário Insular, nº 2632, 8 de Janeiro de 1955

Ibid.
233

161
5.2.1 Análise do repertório, elementos e características musicais
e popularidade da Olmmar’s Band

Na década de 1950 a família Coelho da Silva também estaria presente na


Olmmar’s Band ao apresentar Mário no saxofone e contrabaixo, Alberto no piano e por
vezes também no saxofone, e Manuel no trombone. Tendo em conta em particular a
fotografia exposta da orquestra no N.C.O. Club os restantes músicos tratavam-se de
Luís Soares na guitarra, Fernando Soares na bateria, Alberto Cunha na trompete,
“Senhor Tomás” no saxofone, Oldemiro Pimentel no contrabaixo e Paulo Cunha no sax-
tenor (fig. 4)234. Pelo tipo de sonoridade e improvisações que são possíveis de ouvir nas
gravações do RCA em 1959 da Olmmar’s Band considera-se que seriam esses os
músicos presentes. Como era característico da época e como já foi anteriormente
explicado o repertório da orquestra incluía paso-dobles como Olé Parrita235 e rumbas ou
mambos com arranjos de canções populares tais como Ça C’est L’amour (Cole Porter,
1957), “Patricia” (Prado, 1958) e “Mi Comadre” (?) 236. Em adição a esses exemplos237,
grande parte do repertório era constituído por música de entretenimento norte-
americano derivado do jazz ou swing. Um desses casos seria a balada “Till” 238, uma
canção popular escrita por Charles Denver com letra de Carl Sigman e depois gravada
mais tarde no início de 1960 por Tony Bennett. A peculiaridade da performance
encontra-se nos diversos recursos utilizados por Alberto Coelho desde oitavas a
cromatismos em resposta às melodias principais harmonizadas pelos sopros, enquanto
parece haver alguma improvisação ao longo da interpretação gravada. Esse estilo de
pergunta-resposta sucede-se também entre o sax-alto e a restante secção dos sopros
substituindo a melodia tocada por violinos na gravação “original”. Isto é, esta versão

234
Não está identificado o músico que se encontra a vasculhar nas partituras.
235
Composição original de Raúl Coelho relativo a uma história sobre um toureiro espanhol que visitara a
Ilha Terceira para uma tourada na praça em Angra. Na voz ouve-se Luís Soares.
236
É possível que seja um arranjo de Luís Soares da canção popular portuguesa “Tiro-liro-liro”, ou pelo
menos como fonte de inspiração, proporcionado para dança e próximo dos sons modernos (sonoridade
que remete para estilos musicais “latinos” e “cubanos”) de que a orquestra era reconhecida, pertencendo
outros estilos musicais além do jazz.
237
Para uma audição da interpretação destes e de outros temas, consultar links para o Youtube indicados
em Anexo A.
238
Consultável em https://youtu.be/ks7pWJp-OLQ
162
orquestrada teria semelhanças com o arranjo da Percy Faith and his Orchestra 239 lançado
em 1957 que alcançou 64º lugar no Billboard Chart. No entanto, apesar da Olmar Band
manter o mesmo tempo lento esta toca o tema completo exclusivamente em
instrumental e adiciona um walking bass depois do regresso à melodia que abre a faixa
e transita de uma marcação de semínima para mínima 240 – opção que se encontrava mais
próximo da sonoridade de big-band e do jazz.

O repertório abrangia canções de musicais, que não deixavam de indicar um


ritmo sincopado, de alguns compositores da Broadway e das indústrias Tin Pan Alley.
Por essa razão sublinha-se o arranjo da música “From This Moment On” 241 escrita por
Cole Porter para o seu musical Out of This World (1950) mas que só estreou no filme
Kiss Me Kate (1953). À excepção de alguns (Gershwin e Porter), os compositores não
eram conhecidos fora dos círculos profissionais da música e as canções eram
normalmente associadas ao performer pelo público, fenómeno que se tornou mais
proeminente nos anos 50 (Wicke, Lang, & Horn, 2003: 186). É na entrada dessa década,
isto é, no seguimento do fim da Segunda Grande Guerra que a música popular será
dominada por cantores242 que na sua maioria provinham das big-bands e apresentavam
agora um “estilo romântico, suave e subtil (DiMartino, 2016: 480). Por essa razão a
Olmmar Band, que desde 1946 tinha a preocupação de acompanhar os sucessos mais
recentes do jazz ou do swing, isto é, segundo as palavras da imprensa de conceber uma
“série de criações de inconfundível ritmo sobre as mais recentes composições
americanas”243, detinha no seu repertório músicas que eram cantadas por crooners e
difundidas na época. Portanto as gravações disponibilizadas da orquestra, que datam o
ano de 1959, mostram temas como “From This Moment On” gravado em 1957 para o
álbum de Sinatra A Swingin’ Affair, “Around The World in 80 Days” na voz de Bing
Crosby em 1957, escrito por Harold Adamson e Victor Young e parte da trilha sonora

239
A audição desta faixa pode ser consultada em https://www.youtube.com/watch?v=bFprvXW5Tw4
240
Depois do 1:00 min. no disco 1 em anexo.
241
Consultável em https://youtu.be/0u6SXY7FAGg
242
Tal como é explicado no capítulo 3 relativamente às condições económicas e sociais em que se
gravaram e distribuíram os V-Disk pelas bases norte-americanas, uma das razões principais para essa
mudança teria sido a greve de 1942 e 1944 instigada pela American Federation of Musicians.
243
Diário Insular, nº 3965, 24 de Junho de 1959

163
no filme “Around the World in 80 Days” (1956), ou ainda “You’re Cheating Yourself”,
de Al Hoffman e Dick Manning, também gravado por Sinatra e lançado em 1958 no
disco This Is Sinatra Volume 2.

164
5.2.2 Relação entre o repertório da Olmmar’s Band e o cinema

Por último interessa fazer um breve comentário sobre o tema “Pennsylvania Six-
Five Thousand”244, referência da cultura popular dos anos 1940 cuja letra foi escrita,
mais uma vez, por Carl Sigman e a música composta por Jerry Gray 245. O arranjo da
Olmmar’s Band (parte da tentativa em termos de estrutura e harmonia trata-se de uma
progressão muito próxima e representativa do blues nalguns segmentos com cadências
de I7-V7-IV7) de reprodução exacta da gravação de Glenn Miller executada justamente
em 1940 e lançada pela RCA Bluebird no mesmo ano246. Mesmo que se note um tempo
mais lento pelo agrupamento de Oldemiro Pimentel a principal diferença que sobressai
entre os arranjos situa-se, em primeiro lugar, no momento anterior à modulação de uma
quinta abaixo (Láb para Réb) a substituição do conhecido solo de trompete de John Best
pela repetição da melodia do tema. A partir daqui sucede-se novamente um solo no sax-
tenor, possivelmente por Paulo Cunha, na nova tonalidade, também distinto do
improviso mais livre247 presente no disco de Miller, e ao qual opta meramente por algum
ornamento em torno da melodia, colocando mais enfâse nas sétimas menores e terceiras
da tónica. Evidentemente essas escolhas podiam ser condicionadas pela própria
dificuldade de os músicos improvisarem. Ao invés disto, curioso verificar que o
acompanhamento de Alberto Coelho ao piano é bastante mais espontâneo e bem menos
“focado” em preservar a estabilidade do ritmo (alusão ao “comping”). Ou seja,
divergente da marcação cerrada de Chummy MacGregor248 ou do que era característico
de muitos pianistas da era do swing até a década de 1940 que concebiam o piano
principalmente como um instrumento percussivo em sincronia com o baixo e a bateria,
explicitamente influenciado pelo estilo stride e quase sempre com a batida (“beat”) no
segundo e quarto tempo do compasso. No entanto, Alberto não deixava de recorrer
algumas vezes a essa forma de marcação regular. A sua característica pianística de

244
Consultável em https://youtu.be/ziyKnEpxH3s
245
Além de ter colaborado com Glenn Miller, Jerry Gray era compositor, violinista, arranjador, e um dos
líderes das diversas orquestras de dança e swing nos anos de 1930 e 1940
246
Consultável em https://www.youtube.com/watch?v=fbeQnYbZisI
247
Supostamente também um arranjo escrito com partes a mimetizarem momentos de solo improvisado.

Pianista da orquestra de Glenn Miller em 1940.


248

165
acompanhador - expressa em momentos que mostram uma certa independência
relativamente à percussão – demonstra também que seria um dos poucos pianistas
existentes na Terceira que não achasse estritamente necessário recorrer à partitura.

Esta composição, ao contrário da maioria dos outros temas, pertence à década


anterior, assinalando a persistência da utilização da figura de Glenn Miller pelas
indústrias culturais e no imaginário das audiências, assim como o grau do seu impacto
na ilha. Efectivamente, a permanência da popularidade do músico prossegue através do
cinema ao ser lançado em 1953 um filme de carácter biográfico centrado na vida deste e
em que protagonizavam nomes como Louis Armstrong e Benny Goodman. A película
foi projectada no teatro Angrense que, nas palavras do Diário Insular, “exibiu no último
Domingo o magnífico filme em tecnicolor “A história de Glenn Miller” biografia de um
dos ídolos do jazz norte-americano.” 249 Agrupamentos como o RivalJazz (cujas
gravações encontradas datam já a década de 1960), em que pertencia o saxofonista
Dimas Matos, continuavam a manter no seu repertório temas como “In The Mood” 250
(canção composta em 1938 por Wingy Manone, Andy Razaf e Joe Garland), tema esse
interpretado e altamente popularizado por Glenn Miller em 1939.

Os filmes produzidos em Hollywood, projectados tanto no cine-teatro da base


como nas salas de cinema fora da base, destacavam figuras da época do swing,
popularizadas antes e durante a Segunda Guerra Mundial. Alguns desses filmes
estrearam no Teatro Angrense, como por exemplo: A Cidade do Jazz, de 1947 (New
Orleans)251 mas exibido em 1952; Iremos a Monte Carlo (Monte Carlo Baby)252, de
1952, com a orquestra de Ray Ventura, compositor francês e líder de big-bands nos
anos de 1930; Os Reis da Harmonia253 (The Fabulous Dorseys), de 1947 e projectado
em 1955 com as histórias de Jimmy e Tommy Dorsey e aparições de Paul Whiteman,
Art Tatum e Charlie Barnet; Melodia Negra (Pete Kelly’s Blues) em 1958, com as
actrizes Peggy Lee a interpretar uma personagem de uma cantora de jazz alcoólica e

249
Diário Insular, nº 3205, 4 de Dezembro de 1956
250
Para uma audição da interpretação deste e de outros temas, consultar links para o Youtube indicados
no Anexo A.
251
Diário Insular, nº 1886, 9 de Julho de 1952, pp. 4
252
Diário Insular, nº3267, 20 de Novembro de 1957

Diário Insular, nº 2654, 4 de Novembro de 1955, pp. 4


253

166
Ella Fitzgerald. Por sua vez no cine-teatro Recreio dos Artistas projectaram-se Alta
Sociedade (High Society)254, de 1956 com música de Cole Porter protagonizando Frank
Sinatra, Música Maestro (Make Mine Music) de 1946 foi projectado no início de década
de 1950, cuja orquestra de Benny Goodman está envolvida. Outros também passaram
na mesma sala de cinema como Rapsódia Azul (Rhpasody In Blue de 1945 e realizado
por Irving Rapper)255 sobre George Gershwin e “Até as Nuvens Passarem” (Till the
Clouds Roll By, realizado por Richard Whorf) com a participação de Sinatra e de Dinah
Shore256.

Segundo o que comprova David Stowe (1996: 241) posteriormente ao rápido


decaimento do bebop vários sectores da indústria de broadcasting assim como
companhias fonográficas tentaram persistentemente durante os anos de 1950 reactivar
os triunfos das décadas anteriores, nem sempre com o sucesso esperado. Perante outra
perspectiva, era de prever que na resistência à mudança dos gostos das audiências
fossem resgatadas as celebridades do jazz e do swing que alcançaram sucesso nas
décadas anteriores. Jon Panish aponta para uma das razões que “given that there is
always lag timethough it is becoming shorter and shorter between subcultural trends and
their appearance in the mass media, it is not suprising that these movies do not use
Charlie Parker, Dizzy Gillespie or any other factual” (1997: 45). No entanto, o bebop
teria “revolucionado” exclusivamente dentro do campo do jazz e não no âmbito da
música de entretenimento. Os executantes e admiradores desse “movimento” estavam
conscientes desse mesmo afastamento do centro da indústria pois “Bebop was more
than just a musical novelty; it was also a social movement in which young African-
Americans purposefully attempted to turn their backs on the white majority who still
harbored hostile feelings to them” (Tschmuck, 2012: 99). Esse ofuscamento contribuía
também para que a USIA tivesse que desenvolver um retrato de boas relações do país
relativamente à “raça” o que compeliu o departamento a apresentar filmes como The
Negro in American Life (Davenport, 2009: 36). Desse modo, por intermédio da
compreensão dos processos de disseminação e produção na indústria, articulado com as
preocupações dos EUA no contexto da guerra fria entende-se a recepção do jazz e de

254
Diário Insular, nº 3524, 1 de Janeiro de 1958
255
Diário Insular, Outubro do 6 de 1950, pp. 4

Vocalista que alcançou grande sucesso a era do Swing entre as décadas de 1930 e 1940.
256

167
produtos da cultura popular e de entretenimento norte-americano politicamente
orientadas, em particular no cinema.

168
5.3 Sucesso das orquestras de jazz na ilha

Img. 26: Oldmar Band no N.C.O. Club

O agrupamento Olmar Band foi frequentemente mencionado na imprensa ao ser


considerado uma orquestra com afinidade aos sons modernos e o jazz, e sempre com
relação à música para dançar, publicitada normalmente como “orquestra de ritmo
moderno”. O discurso que legitimava a sua “qualidade” e importância estava assente na
ponte entre o “ritmo novo”, “música moderna” ou “jazz” com o trabalho de
orquestração e composição que combinava a música de entretenimento com a “séria”.
Um dos autores de uma notícia no Diário Insular declarou que se confundia muitas
vezes “gosto com execução” e que “nada menos verdadeiro que a execução de ritmos
modernos não seja obra da melhor técnica, do mais aturado estudo e da mais profunda
persistência”. A popularidade e consistência musical da orquestra na Terceira e nos
Açores acabou por resultar num convite para actuar na “Queima das Fitas”, em
Coimbra. Esse convite sucedeu-se depois de uma vinda de estudantes universitários que
visitaram a Madeira e a ilha Terceira e que decidiram enviar um pedido a Oldemiro
Pimentel:

169
“Gostaram, e ao regressarem à Cidade Universitária, os estudantes levaram, no
ouvido, o ritmo da música. Não o esqueceram, e passado um ano, escrevem para os
rapazes, ou, mais explicitamente, para aquele que consideram o “leader” – Oldemiro
Pimentel.”257

Antes da actuação em Coimbra, esta orquestra já tinha sido referenciada na


imprensa, relativamente a uma festa como parte integrante do início das emissões do
Rádio Clube que anunciava o “reaparecimento em Angra da “OLDMAR BAND” a
orquestra de música de dansa que mais disputada tem sido nos Açores e que há anos
vem actuando ininterruptamente no aeroporto das Lages para as Forças Americanas” 258
tendo recebido críticas positivas depois de terem actuado no Emissor Regional dos
Açores259 .Dessa forma a orquestra acaba por ser inserida regularmente no programa
260

“vamos dançar” (um programa sobre dança a mimetizar o que ocorria nas Rádios
americanas261) no RCA apesar da dificuldade inicial da captação do som para a
transmissão em directo262.

257
Diário Insular, nº 1171, 8 de Fevereiro de 1950, pp. 1 e 4
258
Diário Insular, nº 988, 26 de Junho de 1949, pp. 4
259
Diario Insular, nº 994, 5 de Julho de 1949

O Emissor Regional dos Açores da Emissora Nacional foi inaugurado em 1941 na cidade de Ponta
260

Delgada em São Miguel.


261
Originalmente intitulado por “Let´s Dance” era um programa de rádio transmitido pela NBC na
segunda metade da década de 1930. Segundo alguns historiadores do jazz a era do swing começa quando
Benny Goodman e a sua big-band ficam residentes e a actuar regularmente, durante um ano e meio, nesse
programa (Stephans, 2013: 44). Por outro lado, a popularidade de Benny Goodman ofuscou a
contribuição para o programa de outras duas orquestras lideradas respectivamente por Xavier Cugat e Kel
Murray. A autora Rika Asai (2016) explica que o programa funcionou como instrumento promocional a
favor da empresa Nabisco (fabricante de biscoitos e doces) com o objectivo de “enriquecer” as vidas
sociais dos consumidores através do apelo da dança, apesar da crise financeira que perdurou após o ano
de 1929. Sendo a orquestra de Kel Murray caracterizada por tocar sweet music esta serviria um propósito
comercial bastante especifico, pois, como a autora refere: “Undoubtelly, Kell Murray’s “sweet” orchestra
played an important role in sustaining the respectable atmosphere so critical to the wholesome reputation
of Let’s Dance – and of Nabisco. Sweet bands, like those led by the iconic Paul Whiteman and Guy
Lombardo, were known for their lush instrumental textures; straightforward, danceable rhythms; broad
repertory; and association with the white, urban mainstream, in contrast to the perhaps more racialized
forms of the “Latin” and “hot” bands”.

Cf. anexo Diário Insular, nº 1176, 14 de Fevereiro de 1950


262

170
Img. 27: Orquestra “Manuel Reis” dirigida por Art Carneiro com Alberto Mateus, Fernando Soares
(Luís Soares encontrava-se ausente por motivos de doença.) e Alberto Coelho

Img. 28: Orquestra de Art Carneiro no Clube dos Oficiais. Foto fornecida

Assim, a década de 1950 proporciona um momento de imensa actividade para a


orquestra “Manuel Reis”, com diferentes músicos daquela que tinha sido desmantelada
no ano de 1946, e agora dirigida por Art Carneiro. Será depois dessa ocasião que por
vezes os “melhores” músicos da Olmmar’s Band se fundem com a de Manuel Reis
(Img. 28).
171
Num artigo intitulado “Angra e as orquestras de jazz” a imprensa mais uma vez
aponta a importância desses grupos musicais na vida local atendendo com cuidado à
ideia de “orquestras de jazz” ao explicar a sua relação com os “ritmos modernos”:

“Há uns anos atras era arrojo pensar que Angra viria a ter uma “orquestra de jazz”,
melhor diremos de ritmos modernos, assinaladamente bem modelados. Pois bem, à
orquestra “Olmar Band” – realidade tao vibrante e digna que bem pode ser colocada
ao lado das melhores orquestras portuguesas de música de dança moderna – junta-se
outro agrupamento – a Orquestra “Manuel Reis” – mais recente e já a caminho dum
bom futuro, criando-se dentro de uma índole própria que significa personalidade. É
igualmente dotada de esforçados elementos…Pela coesão, disciplina, estudo e treino
em conjunto ambas actuam para exigentes “dançarinos” estrangeiros e também…
para os angrenses!”263

Ainda sobre estas é publicado outro artigo no final da década de 1940 que
especifica a emergência dos “3 ou 4 conjuntos musicais” aludindo ao agrupamento
liderado pelo “músico experimentado” Alberto Cunha que se encontrava ainda “em
ensaios no RCA”, a orquestra de variedades do RCA, a Olmmar Band e a de “Manuel
Reis”:

“Não nos consta que, ao mesmo tempo tenham jamais coexistido e vivido
plenamente, em Angra tantas orquestras e tão boas, esclareçamos, ainda que todas
elas dedicadas à música de estilo ligeiro. Não há quem desconheça e aos seus
componentes. Três delas actuam, entre nós, periodicamente no microfone do Rádio
Clube e a outra encontra-se ainda em ensaios para que a sua futura apresentação seja
condigna das restantes – A “Olmmar Band” – a mais antiga – caracterizou-se pelos
ritmos de danças modernistas, em que é inconfundível a vastíssima programação de
que dispõe e de excelente execução e sempre actual. Tem recebido encomiástico
aplauso de nacionais e estrangeiros e trabalha há anos para “N.C.O. 406 Clube” (…)
A orquestra “Manuel Reis” de que é titular um dos melhores violinistas açorianos
tem no artista Art Carneiro um director de rara competência. A sua música
distingue-se e atingiu um nível altamente apreciado. Um gosto muito especial por
ritmos não excessivamente modernos empresta-lhe personalidade bem determinada
(…)”264

263
Diário Insular, nº 1484, 4 de Março de 1951
264
Diário Insular, nº 1804, 30 de Março de 1947

172
Img. 29: Orquestra de “Manuel Reis” já dirigida por Luís Soares ilustrando a descrição da constituição
da orquestra de Mariano Lima (pn.). Foto fornecida por João Soares

Mesmo que Art Carneiro não tenha sido em exclusivo o impulsionador da


criação das orquestras e de outros agrupamentos de jazz na ilha, teve um papel relevante
na sua formação, orquestração e regência (orquestra “Manuel Reis” e quarteto Art
Carneiro). Mesmo supondo que Art Carneiro tenha escrito arranjos para a orquestra de
“Manuel Reis”, as partituras eram usualmente entregues pelos militares norte-
americanos às formações musicais que eram contratadas para tocarem na base das
Lajes. No período em que Mariano Bettencourt de Lima foi membro da orquestra de
“Manuel Reis”, já na década de 1960 e quando Luís Soares toma a regência da orquestra
devido ao falecimento de Art Carneiro em 1963 – o músico lembrara que,
frequentemente, quando o “público pedia canções” o clube onde tocavam era
responsabilizado por “mandar buscar as partituras”265, em que “cada instrumento tinha e
executaria a sua parte” – ou seja, segundo Mariano Lima a melodia encontrava-se
escrita individualmente para a execução de cada instrumento (naipe) da orquestra. O
depoimento de Marcelo mostra, por um lado, a manutenção de um repertório associado

265
Isto é, os militares que eram incumbidos dos encargos das tarefas no clube tinham de encomendar ou
vasculhar no conjunto de partituras disponíveis.

173
ao swing com canções que alcançaram sucesso nas décadas anteriores, e a habilidade
“única” de Luís Soares na guitarra, mas também como músico e multi-instrumentista:

“Nós executávamos Glenn Miller como por exemplo o “In The Mood”, também
Count Basie e Tommy Dorsey e eram tudo arranjos da América… Na minha altura
tínhamos quatro saxes, três trompetes, o Luís Soares na guitarra, mas que era
violinista…uma maravilha...contrabaixo e piano…” (Img. 29)

Em 1959 quando a orquestra de “Manuel Reis” ainda se mantinha em activo


com Art Carneiro as actuações eram frequentemente anunciadas no jornal norte-
americano e, para o caso, os preços eram discriminados da seguinte forma:

“The officer’s club has scheduled its dinner room from 3 to 8 p.m. in the Lisbon
Room, with music by Art Carneiro and his violins. Price is 2.50$ per couple and 75
cents form children from 3 to 12”.

No entanto, apreende-se que esta orquestra, como possivelmente sucedia para


grupos musicais como Olmmar’s Band e Flama Combo, frequentavam apenas espaços
prestigiantes266 e a base militar, dado que outros agrupamentos tocavam em bailes,
normalmente nas esplanadas das sociedades filarmónicas. No texto de memórias de
Carlos A. Reis essa ideia fica bem patente:

“Mas claro que a juventude, especialmente a residente em Angra do Heroísmo e na


Praia da Vitória, interessava-se mais particularmente nos bailes de Carnaval e da
Passagem do Ano que se realizavam nos Clubes Desportivos, na Recreio dos
Artistas, na Fanfarra Operária, no Liceu de Angra e Escola Comercial e Industrial
de Angra (bailes do fim do curso), no Lawn Tennis Club, no Clube Musical
Angrense e na Base das Lajes (B.A.4) nos clubes Portugueses e Americanos.
Exactamente na base das Lajes actuavam 2 conjuntos constituídos por executantes
profissionais alguns e semi-profissionais outros, que encantavam com a sua música,
com as suas melodias, com a sua beleza e acordes musicais. Os conjuntos a que me
refiro eram “ArtCarneiro” e “Flama Combo” que actuavam única e exclusivamente
para os Clubes Americanos.”267

266
Por exemplo o Lawn Tennis Club onde a orquestra dirigida por Art Carneiro actuou (Img. 30).

Tribuna Portuguesa, nº 1163, 13 de Setembro de 2013, pp. 7


267

174
Img. 30: Art Carneiro e a sua orquestra no Lawn Tennis Club. Foto fornecida por João Soares

Img. 31: João Moniz ao piano com Oldmar Band (curiosamente com Luís Soares no contrabaixo). Foto
fornecida por Carlos Alberto Moniz

175
Além de agrupamentos, outros músicos como o pianista Alberto Moniz, filho de
João Moniz268 (Img. 31), tocavam também a solo ao executarem canções solicitadas
pelos soldados que “desfrutavam do tempo livre”269. Com outro objectivo mas também
no contexto da base, que seria acompanhar músicos estrangeiros 270, Luís Soares poderia
tocar nesse formato “quase solista” (Img. 32).

Img. 32: Luís Soares com mrs. “Rollings”. Foto fornecida por João Soares

268
Era filho de João Moniz, músico, etnógrafo e historiador que em parceria com Gervásio Lima
recolheram registos orais e tentarem reconstituir um cancioneiro açoriano.
269
Entrevista a Carlos Alberto Moniz a 5 de Outubro de 2015 em Lisboa

Que será explicado de seguida em relação à necessidade da formação de um grupo como os Flama
270

Combo e a função que exerciam como músicos na base americana.

176
5.4 Flama Combo

O percurso de um dos grupos de jazz na Terceira mais relevantes e identificado


como um combo, isto é, apresentava um conjunto reduzido de músicos em comparação
com as orquestras, iniciara então com a decisão de Art Carneiro de juntar Alberto
Mateus, Alberto Coelho e Luís Soares para formar um quarteto. No entanto, esses três
músicos pela sua própria iniciativa e sem a direcção de Art Carneiro decidem integrar
Fernando Soares no vibrafone e Mário Coelho no contrabaixo formando o núcleo
central dos Flama Combo em 1957. Como era usual o nome do “conjunto” teve origem
nas iniciais de cada um dos seus membros. Importante notar que Luís Soares, um dos
impulsionadores do grupo, também estabeleceu relações com alguns dos principais
indivíduos que tinham estudos e formação musical na ilha, ligado ao campo religioso e
da música erudita, além de Raul Coelho. Um desses seria Tomás Vaz de Borba com o
qual iniciara os seus estudos e aulas de violino. Este professor foi um reconhecido
intelectual, pedagogo e compositor, docente no Conservatório Nacional estudou na
escola da Sé Catedral e licenciou-se posteriormente no curso de Teologia no seminário
diocesano de Angra, e publicou várias obras, em que se destaca entre elas o Manual de
Harmonia (1937), e juntamente com Lopes-Graça foi autor do Dicionário de Música de
1956 (Artiaga, 2010: 152, 153). Ao conhecimento musical de Soares, em cooperação
com o de Alberto e Mário Coelho, juntava-se ao gosto e afinidade de Alberto Mateus
com a “bateria moderna” cuja aprendizagem passava também pela audição das novas
músicas através de “gravadores de bobines”271 que eram encomendadas pela base
militar. Dos fonogramas, ainda hoje existentes comprados no BX Exchange, restaram
alguns da década de 1950 e inícios de 1960 de Luís Soares, relevante também para
verificar que tipo de músicos e géneros musicais o influenciava. Enumeram-se os
seguintes discos: “Swing and Sway with Sammy Kaye” (1967), líder de bandas e
popular na era das big- bands e do swing; “Chet Atkins in 3 Dimensions” de 1955;
“Orquesta Popular e Madrid de La O.N.C.E.; One Hundred Guitars” de 1957; e outros,
lançados na mesma década de que o disco de Sammy Kaye, como por exemplo,
“George Shearing: I Hear Music” e “Velvet Guitar, The Guitar Artistry of Hank

Provavelmente Fernando Alberto Mateus (filho) referia-se aos “tape deck de rolo” de fita magnética
271

que infelizmente encontram-se extraviados.


177
Garland” de 1960. Hank Garland seria mais um guitarrista, que ao lado de Chet Atkins,
tocara diversos estilos e géneros musicais, principalmente transitando entre o jazz e o
swing, ou entre o country e o rock&roll. De Garland destacam-se as vezes que tocou
com George Shearing e Charlie Parker em Nova Iorque, a sua participação e gravação
no álbum Jazz Winds from A New Direction (1961), e ainda a sua colaboração com
Elvis Presley. Todo o material musical, desde sistemas de amplificação aos
instrumentos musicais eram fornecidos pelos militares norte-americanos. Foi assim que
Luís Soares recebeu uma Silvertone, possivelmente um dos modelos S1317 fabricado
em 1949. Mais tarde nos anos 60 encomenda ele próprio uma guitarra Premier (Img.
33).

Img. 33: Luís Soares, Alberto Coelho (pno) e Alberto Mateus (bx) em 1953. Foto fornecida por João
Soares

Os Flama Combo aparecem num período em que os militares norte-americanos


requisitam agrupamentos de formato mais pequeno. Os anos 60 em paralelo,
principalmente na segunda metade, abririam lugar aos conjuntos de “rock” como Os
Sombras ou os Bárbaros, em que muitos seriam provenientes da Praia da Vitória, e que
iam de encontro às mudanças dos gostos das audiências e da transformação na
conjuntura das indústrias musicais. De qualquer das formas, a orquestra de Manuel Reis
conduzida, como foi referido anteriormente, por Luís Soares nos anos seguintes,
178
permaneceria activa ao longo da década de 60, ao contrário da Olmmar Band que
termina em 1965. Nesse ano, juntam-se aos Flama Combo o músico e saxofonista Paulo
Cunha, e ainda Manuel Fernandes, na trompete. A continuação desses músicos também
seria necessária para acompanhar os vários artistas que estacionavam na base norte-
americana. Desses, vale a pena assinalar, nessa mesma década, a presença do
trompetista, arranjador e líder da USAF Band Carlos Saloio, cuja carreira musical
envolveu a participação em diversas orquestras de dança em serviço militar (Img. 34).

Img. 34: Luís Soares com Carlos Saloio. Foto fornecida por João Soares

Foi nessa ocasião que em 1963 se realizou um concerto público no jardim de


Angra pela USAF Band272. Como este exemplo demonstra, a base militar americana
actuava como ponto de encontro entre os vários músicos e artistas locais e outros que
vinham do continente europeu e americano. Desse modo, criava a possibilidade de se
estabelecer internacionalmente relações e círculos de sociabilidade entre músicos, mas,
também, por razões concretas como a vinda de Art Carneiro, permitia uma aproximação
com músicos que eram admiradores do jazz de Portugal Continental. Um dos exemplos
272
http://www.afmusic.org/photo-gallery.htm

179
mais marcantes sucedera no teatro Angrense na década de 1950, em que os Flama
Combo e Art Carneiro realizaram um concerto com Maximiliano de Sousa (Img. 35).
Max, reconhecido por cantar fado, música popular, e também por ter concretizado
números humoristas e de teatro de revista, estava habilitado a improvisar (scat) e a
imitar instrumentos com a voz. Originário da Funchal, actuou no Flamingo como
membro do quinteto de Tony Amaral, ao lado do guitarrista Carlos Menezes, hotel onde
o dono, Fred Jones, incentivava à prática da improvisação e fornecia, assim como
possibilitava, a audição de discos dos “grandes nomes do jazz americano” (Sardinha &
Camacho, 2006).

Img. 35: Alberto Mateus (bt), Mário Coelho (ctbx), Art Carneiro (pn.) Alberto Coelho (acrd.), Luís
Soares (gt.), Max (voz) no Teatro Angrense. Foto fornecida por João Soares

180
Por sua vez, Luís Soares tocara e criara igualmente relações com músicos da
Madeira, tal como aconteceu com o pianista Tony Amaral, ao viajar por diversas vezes
até arquipélago madeirense juntamente com o seu violino273. Será igualmente
importante mencionar a colaboração dos Flama Combo com o maestro Jorge Costa
Pinto para uma actuação no RCA (Merelim, 1972). De vários projectos assinaláveis,
Costa Pinto teria sido um dos membros da orquestra de Ray Martino e participara na
célebre jam-session no “Café Chave d’Ouro” (Santos, 2007: 30)

Img. 36: Flama Combo possivelmente com um trompetista militar norte-americano nos anos 1960. Foto
fornecida por Lúcia Coelho

273
Entrevista a João Soares 2 de Julho de 2016 no Porto Martins

181
5.4.1 Repertório dos Flama Combo

Para efeitos de análise todas as gravações serão analisadas na tonalidade mais


próxima (perto do ½ tom acima) visto que devido a razões técnicas, quer do material de
gravação ou da própria afinação dos instrumentos, as frequências não se encontrarem
em A=440 Hz274.

O primeiro tema relevante para o objectivo proposto intitula-se Misty que


acabou também por se tornar uma “theme song” dos espetáculos de Art Carneiro 275,
seria um dos “jazz standards” que pertencera ao repertório do Flama Combo. Esta
música foi composta pelo pianista Erroll Garner em 1954 e gravada para o álbum
Contrasts que foi lançado em 1955. No entanto, a canção só atinge o seu pico de
popularidade no fim da década de 50 quando é lançada como single, interpretado por
Johnny Matis com a letra escrita por Johnny Burke. Baseia-se na estrutura formal
normalmente apresentada nas canções da música popular – A A’ B A’ com 32
compassos (maioritário II-V-I e I-VI- II-V-I) . No caso dos Flama Combo, a exposição
e reexposição do tema é distribuída pelos vários instrumentos ao trocarem de papéis ao
longo da música no que toca à “responsabilidade” melódica. Essa ideia interliga-se com
a ausência de solos ou pelo menos da ausência de momentos de improvisação expressa,
ao assinalar-se diversas ocasiões em que recorrem à ornamentação. Sob esta
organização a melodia é primeiramente apresentada, respectivamente, pelo vibrafone
durante toda a primeira secção, seguindo-se da guitarra na segunda, depois novamente
pelo vibrafone no A’, retornam a repetir o B dessa vez com o piano a tocar a melodia, e
por fim o último A pela guitarra (na prática a estrutura é A A’ B A’ B A’). As
ornamentações acontecem intercaladamente destacando-se de modo recorrente, e por
isso, parece fazer parte do arranjo, tais como o efeito de “cascata” pelas terceiras
menores descendentes do piano em deslocação cromática a começarem na 2ª e 7ª
maiores no IV grau e por vezes exclusivamente a escala cromática tocada pela guitarra e
o piano. Em sentido lacto, sobre a interpretação alcançada, observa-se que as

274
É igualmente curioso que ao se comparar as gravações de Oldmar Band e as do Flama Combo (que são
mais tardias), as segundas não se encontrem na afinação standard, o que indica que a frequência pode ter
sido modificada no processo de digitalização.

Documento de memórias de Roberto Carneiro


275

182
características musicais desde o acorde aumentado na abertura, ao invés do dominante,
assim como o uso frequente de cromatismos se encontram associados ao significado do
texto, ou em concreto, do título.

Img. 37: Piano - Alberto Coelho

Em termos de progressão harmónica encontra-se muito próximo de Erroll


Garner, compositor e uma das principais referências quanto a este tema, apesar de na
cadência final do A suceder-se um intercâmbio modal276 (bVI) antes de retomar o I.

A linha de baixo de Mário Coelho revela um sentido de equilíbrio melódico


quase contrapontístico ao compensar por diversas vezes saltos por graus conjuntos ou
tríades. Alguns exemplos podem ser observados como no cp. 2 e 3 na aproximação ao
IV em que a fundamental do acorde (Sib) é antecedida de um movimento escalar em
276
Um acorde temporariamente “emprestado” a outra tonalidade que não seja a corrente (FáM), isto é,
neste caso foi Réb Maj7 que pertence à tonalidade menor de FáMenor
183
direcção descendente, sucedendo-se um salto de oitava que, por sua vez, vai descer
através de uma tríade arpejada. O andamento à semínima é dominante durante toda a
música apenas recorrendo ao toque da colcheia em efeitos de tensão como por exemplo
na condução para o IV. Também se denota que nem sempre as notas caem nas
fundamentais dos acordes (na maior parte das vezes assenta na 3ª), apontamento que se
manifesta frequentemente nos inícios dos A’s ao tocar Lá ao invés de Fá.

O segundo exemplo musical trata-se de “Manuela” 277, uma canção composta


pelos Flama Combo, por certo por Luís Soares, e que serve para demonstrar o
cruzamento de estilos musicais derivados da dança, incluindo o jazz mas também de
ritmos “cubanos” ou outros provenientes da América do Sul. Não só nos Flama Combo
isso seria visível (de modo mais explicito na música “Tu Cantas Mambo!” 278) mas
também em orquestras como a Olmar Band indo de encontro com o que mencionam de
DeVeaux e Giddins (2009: 458) quanto ao impacto desse tipo de ritmos de dança nos
EUA ao referirem que:

“The dance beats of the Caribbean, which are closely related to the actual West
African sources, have always exerted a powerful influence on jazz history,
beginning with New Orleans (…) Cuban music maintained a large following in the
United States in the big-band era and after, spurring a fashionable a series of dances:
the rumba in the 1930s, the mambo in the 1940’s, and the cha-cha-cha in the
1950’s”

A particularidade desta seria o acompanhamento de um texto, cantado por


Alberto Mateus:

Manuela, Manuela...ó minha cigana morena sempre tão sozinha

Tão Bela, Manuela...Manuela responde-me e diz-me quando serás minha

Amore...não fiques sozinha, na vida há sempre quem te adore

Manuela, Oh Manuela, eu guardo te na minha alma para sempre, o teu nome


Manuela

277
Consultável em https://youtu.be/8vZtehFo02c
278
Para uma audição da interpretação destes e de outros temas, consultar links para o Youtube indicados
no Anexo A.

184
A harmonia da introdução percorre IΔ – II-7 – III-7 – II-7 – V7 a um ritmo e
andamento que se assemelha a um bolero. Também como no último tema os solos e
improvisações são meramente ornamentais e apoiados na melodia principal (com enfase
na 7ªM e 6ªM do acorde do I). A estrutura pode ser divida de acordo com os dois
primeiros versos e os dois últimos da quadra. A primeira secção ou o primeiro e
segundo verso tem a forma de I – bIIº (um substituto do dominante do II) - II
(permanecendo vários compassos neste grau) – V – I, enquanto a segunda secção
estrutura-se como I7 – IV – IVm – I – bIIIº (diferente do substituto do dominante na
primeira secção que segue para o II) – II – V7- I. De igual modo é importante assinalar
a importância das vozes na criação das tensões dos acordes e a atmosfera própria que
estas fabricam (poder-se-á dizer com um carácter “jazzístico”) a par das extensões que
Luís Soares e Alberto Coelho adicionam durante os curtos momentos de improvisação.

O terceiro exemplo musical mostra a influência da música swing e do jazz no


repertório e a importância desse domínio musical para a construção da identidade do
grupo. No tema “Outono nos Açores”279, também esta uma composição original, é
possível de ser examinada a linguagem musical dos dois principais improvisadores do
combo (Luís Soares e Alberto Coelho). A música é dividida em 32 compassos e
apresenta-se em tonalidade maior. Relativamente à harmonia tem maioritariamente
como base progressoes de II-V-I, prosseguindo no mesmo raciocínio na secção B, ao
modular por poucos momentos nessa mesma secção para o IV grau, no entanto,
rapidamente retoma a tonalidade inicial através de uma cadência à dominante da
tonalidade original através do movimento V7/V --» V7 (neste caso do G7 para o C7).

Consultável em https://youtu.be/1nduN9zTd-o
279

185
Img. 38: Melodia e forma de “Outono nos Açores”

A estrutura e organização do tema segue mais ou menos forma estandardizada


das canções populares, tal como se observou em “Misty” 280 ao repertir por duas vez a
secção A com uma variação no segundo, seguindo-se do B, e, novamente, para finalizar
a reexposição do A. A melodia é caracterizada por um movimento ascendente no I
traduzida numa passagem pela 7ª maior do acorde culminando na 9ª maior, e ainda
resolvendo para baixo com um salto de 6ª menor (de Fá a Lá), salto este frequentemente
utilizado para concluir uma ideia melódica no final de determinado compasso. A
resposta a esse motivo é desenvolvida nos dois compassos seguintes, mas neste caso, ao
contrário do último, manifestamente de natureza descendente ao adoptar o LáB como

280
Para uma audição da interpretação destes e de outros temas, consultar links para o Youtube indicados
no Anexo A.
186
nota da melodia, isto é, a 3ª menor de Fá (no cp. 1 serve unicamente de blue note281 para
cair na 3ª Maior do acorde e arpejar a partir daí até â 9ª). Mais uma vez em comparação
com o caso anterior o diminuto aparece com uma função semelhante ao bIIIº, Isto é, em
“Manuela” mostram-se respectivamente o primeiro como dominante ao deslocar-se de
modo cromático ascendente partindo do bIIº, e o segundo com outra função (bIIIº), essa
de carácter descendente e já sem esse efeito apesar da distância de ½ tom para o II.
Neste tema permanece como I282. Logo de seguida isso é confirmado, de forma bastante
clara, ao ser introduzido na melodia no cp. 5 com um arpejo que perfaz um Iº7. No B a
ideia melódica mais importante prende-se a uma antecipação do acorde seguinte, algo
que se repete por duas vezes (cp. 17 e 21).

281
A noção de “blue note” serve para assinalar o uso da terceira menor e a sequente aproximação à nota
alvo do acorde, portanto, à sua terceira maior. O emprego dessa noção apenas indica de que se trata de um
artifício musical ou “dissonância”, isto é, se a organização harmónica for compreendida segundo a escala
diatónica. No entanto, neste contexto sonoro, tal como se sucede em diversos géneros musicais populares
e principalmente no jazz, o idioma e os recursos musicais utilizados herdados do blues não correspondem
linearmente aos preceitos da análise funcional harmónica, ou como esclarece Hans Weisethaunet (2001)
“(…) my argument is that what is at stake in blues is not simply a major/minor Western concept of
diatonic practice with the addition of “blue notes”, but rather a completely different concept or reworking
of functional harmony as regards the comprehension of dissonance/consonance. The simplified
conceptualization of what “blue notes” are about partly stems from the intense musicological insistence
on separation of elements of musical “structure” derived from Western music theory”. O autor sugere a
ideia de “blue harmony” para abranger a combinação ampla de escalas e ideias harmónicas e melódicas
de um vocabulário reminiscente do blues em virtude da constante interação entre terceiras menores e
maiores, ou entre quintas bemóis e quartas e quintas perfeitas etc., Por outras palavras, “blues phrases
rarely seem to bem made out of “one scale”, rather they will be based on interplay, bends, slurs, trasting
chords, a practice which has not yet been adequately described from the point of view of music theory”
(ibid.).
282
A título de exemplo, surge esse tipo de textura no arranjo de “I Remember You” para o filme The
Fleet’s In (1942), cantado por Dorothy Lamour, na qual a função harmónica é de I meio diminuto com a
sétima maior se se tiver e. Em Fake Books ou no Real Book encontra-se a substituição desse grau por uma
progressão VII- #IV (seria II-V para um eventual III), porventura, por exigência e influência do nível de
“complexidade” no universo do bebop e eventualmente perpetuado pela academia. Em “Stella By
Starlight”, canção originalmente escrita para o filme The Uninvited (1944), logo no primeiro compasso,
ocorre um processo de reharmonização semelhante (apesar da nota da melodia resolver para a quarta do II
grau, ao contrário do que acontece em “I Remember You” cuja sétima maior do acorde e da melodia
repete novamente no I).

187
Quanto aos instantes de improvisação será útil destacar os de Alberto Coelho e
de Luís Soares. O primeiro recorre por diversas vezes a um idioma musical próximo do
blues através do emprego frequente de escalas pentatónicas e de block chords (acordes
em bloco) em “posição fechada”283. Esse último recurso implicava duplicar a melodia e
adveio da escrita de arranjos para big-bands e orquestras: “Big Bands depend on block
chords; when the entire trumpet section plays, one trumpet will state the main melody,
while the others play the same rhythm with harmonically complementary notes
(DeVeaux & Giddins, 2009: 27)284. Assim sendo, as características musicais expressas
por Alberto Coelho coincidiam com a linguagem de um domínio musical mais lacto 285
no qual pertenceria o rhythm & blues, e que se reflectia também na escolha de alguns
dos temas tocados pelos Flama Combo tais como “Stupid Cupid” 286 (Greenfield &
Sedaka, 1958) e “St. Louis Blues”287 (Handy, 1914), demonstrando que se encontravam
alinhados com a música no domínio da música popular e para dançar.

283
Devido à qualidade de som das gravações torna-se difícil a transcrição destes, no entanto, a sua
sonoridade torna-se evidente. Neste formato a técnica era frequentemente usada por Gerswhin, Oscar
Peterson, Bill Evans etc. e extendida para Drop 2 e variantes do mesmo.
284
Os block chords são reminiscentes de Milt Buckner mas foram popularizados por George Gerswhin
que levou com que este tipo de sonoridade ficasse reconhecida por “Shearing Sound”. Esse sucesso
despoletou depois deste quinteto ter gravado o tema “September in Rain” em 1949, lançado nesse mesmo
ano, em que se destacava também pelo reforço da melodia do vibrafone e guitarra em simultâneo com os
block chords no piano (Gioia, 253: 1998).
285
As várias companhas fonográficas nos EUA no início da segunda metade da década de 1940 não viam
o jazz como um género separado mas “as one manifestation of the broader phenomenon of “race music” –
touching at various points on the decades-old category blues, the current swing mainstream, and the
nascente rhythm-and-blues revolution” (DeVeaux, 1997: 412).
286
Consultável em https://youtu.be/Z6cI8v4tjgQ
287
Consultável em https://youtu.be/m9eY3uu046A

188
Img. 39: Solo de Luís Soares em “Outono dos Açores”

Por outro lado, e em contraste à sonoridade do piano, no solo de Luís Soares


(Img. 39Img. 37) observa-se o uso frequente de graus conjuntos e de cromatismos o que
envolve muitas vezes uma aproximação de ½ tom à nota forte do acorde. Alguma alusão
à escala “super lócrio”288 no cp. 1 e 2, no entanto, entende-se que a intenção
fundamental é “atacar” a 7ªm, a 3ªM e o 1 de C7. Além de 3ªs os poucos saltos que se
presenceiam ascendentes e descendentes são de 4ª perfeita e aumentada (cp. 1,2, 3), de
6ªM (cp. 3 e 4). Salvo o cp. 7 há uma forte tendência para o uso da escala cromática de
forma descendente e por outro lado um contexto mais diatónico quando as frases são
ascendentes. No cp.12 retoma uma parte da melodia do tema para entrada de Iº, ideia
que também é executada por Alberto Coelho num dos seus dois solos. No entanto,
Soares distingue-se em relação a este último pela tentativa de fabricar uma musicalidade
de maior ambiguidade e com grande utilização de cromatismos.

“Um Número de Jazz”289 vai no mesmo sentido da tradição do swing que


“Outono nos Açores” com a particularidade de que se trataria de um rhythm & changes.
288
Constitui-se por 1, b2, b3, b4, b5, b6, b7.

Consultável em https://youtu.be/YafY9wx01RY
289

189
Esta expressão indicava uma prática reproduzida pelos músicos de jazz que envolvia a
invenção de uma nova melodia sobre a mesma progressão harmónica que “I Got
Rhythm” mas com a exepção de que retiravam os dois compassos adicionais desta em
prol de manter a usual forma AABA com 32 compassos. A ponte como acontece neste
caso viaja por um ciclo de dominantes de dominantes (“dominantes por extensão”) ao
terminar no dominante da tónica do tema. Este tipo de escrita foi frequente
experimentada durante a era do Swing nos anos 40, e também adaptada pelos músicos
bebop durante os anos 50. Além da harmonia que é muito semelhante ao tema de
Gershwin também a estrutura melódica acaba por ser próxima apesar de um maior
número de notas. Em “Um Número de Jazz” os intervalos que terminam cada secção
melódica, como se observa nos dois primeiros compassos, consistem respectivamente
na 5ª do II (cp. 2) e a fundamental de V7 se for entendida como nota de antecipação do
mesmo (cp. 4) assim como se sucede em “I Got Rhythm”. A melodia tem de igual modo
o mesmo desenvolvimento ao subir descer e estabilizar na tónica e fundamental, apesar
de neste tema o Mi (cp. 8) deixar em aberto para a repetição do tema e a sua conclusão
no cp. 16. Na análise da transcrição apresentada os intervalos marcam de forma mais
expressa a função harmónica fundamental que está a ocorrer. Ou seja, através das notas
da melodia é possível simplificar a progressão como um I – IV – I – V / I7 – IV – I – V.
Essa observação é facilitada pelo contornar de alguns acordes como por exemplo a
tríade de Ré e Lá ( p.e. cp. 1 e 2/3).

Img. 40: Melodia do A em “Um Número de Jazz”

190
De acordo com a informação recolhida, a gravação terá sido realizada pelo
menos entre os anos de 1960 e 1965, no RCA. No entanto a audição da trompete e do
sax-tenor não indica precisamente de que se tratasse de Manuel da Silva Fernandes e
Alberto Cunha cujas participações iniciaram em 1965. Uma vez que tanto a guitarra e o
vibrafone se encontram ausentes, pois, porventura, seria Luís Soares na trompete e
Fernando Soares no contrabaixo. Apesar de alguma especialização em determinado
instrumento eram todos multi-instrumentistas à excepção de Alberto Coelho, pois este
dedicava-se principalmente ao piano (Img. 41).

Img. 41: Flama Combo com Alberto Coelho (pn.), Mário Coelho (saxt), Alberto Mateus (bt.)
e Luís Soares (trp.), Fernando Soares (ctbx.). Foto fornecida por João Soares

191
A par do ecletismo musical que se pode observar dos músicos, isto é, tanto pelos
diversos géneros e estilos musicais que tocavam e ouviam, como também pela
capacidade de tocarem vários instrumentos, incluíam, do mesmo modo, música
considerada música “tradicional” ou regional, à semelhança de outras orquestras 290.
Assim se compreende a incorporação de canções como a “Marcha de João Moniz” e “Ó
Meu Bem”291. De qualquer modo, sucede-se neste último tema gravado, ao minuto
4:04s, uma modulação de uma 3ªm abaixo inaugurando um pequeno segmento de swing
ou jazz com a melodia principal da música, seguindo-se de uma secção final num estilo
semelhante a um paso-doble com todo o agrupamento a cantar “Ó Meu Bem” para
finalizar. Isso demonstrava o lado propositadamente estilístico do grupo, podendo ser
considerado como uma “imagem de marca” que enfatizava expressamente a sua
identidade musical. Em adição, esse segmento mostra na prática quais eram os traços
centrais que caracterizavam determinada música como jazz.

290
Por exemplo, no Diário Insular ficou noticiada a actuação de “São Macaio” pela Oldmar Band, uma
das canções pertencentes ao folclore açoriano.
291
Consultável em https://youtu.be/Tj45owrf04w

192
6 Conclusão

De acordo com as fontes, informação e bibliografia recolhida torna-se possível


responder às questões inicialmente colocadas. A primeira questão lida com as condições
que permitiram o estabelecimento da base aérea das Lajes, e, desse modo, a
disseminação do jazz na Ilha Terceira. Os eventos políticos que se sucederam durante a
Segunda Guerra Mundial foram determinantes para o estabelecimento da base das Lajes
e, consequentemente, para a institucionalização da música de origem americana e
consequentemente o jazz.

De acordo com a bibliografia historiográfica consultada, é possível indicar


algumas das situações mais relevantes que admitiram a entrada de militares britânicos e
estadunidenses na Ilha Terceira. Em primeiro lugar, entende-se que, neste caso, as
negociações entre Portugal, Inglaterra e os Estados Unidos vão ser sempre
condicionadas pela posição de cada um dos Estados no panorama global político e
económico. Assim, as relações de poder operantes entre os países irão determinar as
decisões efectuadas pelas autoridades estatais. Desse modo, foi necessário analisar
alguma da bibliografia relacionada com as decisões políticas efectuadas no universo
militar e diplomático, tendo o objectivo de compreender como estas influenciaram
determinados eventos geopolíticos e geoestratégicos, tal como o papel do arquipélago
dos Açores na Segunda Guerra Mundial. Numa primeira instância, a principal razão
para a ocupação militar na Ilha de Santa Maria e na Ilha Terceira encontra-se registada
no discurso de Ronald Campbell a Salazar que referia como a posição estratégica dos
Açores poderia trazer uma vitória rápida para as Nações Unidas (Seipp, 2008: 114). O
consentimento da construção da base aérea nas Lajes deveu-se especialmente à posição
de “neutralidade colaborante” (Andrade, 2011) por parte de Portugal, que envolvia a
cedência de uma parte do território português à Inglaterra e aos EUA, sem estabelecer
uma afinidade politico-ideológica com esses dois países. Ao mesmo tempo esta
neutralidade era igualmente mantida pelas “vantagens comerciais” (exportação de
matérias-primas como o volfrâmio, um tipo de metal útil para a fabricação de
armamento militar, e outros produtos como o açúcar e o tabaco) que Portugal concedia à
Alemanha. Assim, as negociações com o governo português têm início com a evocação
193
da Aliança-Britânica por parte de Churchill, e será até ao ano de 1946 que Inglaterra
funcionará como intermediador legítimo das relações diplomáticas entre Portugal e os
EUA, relação esta que vai fomentar as condições necessárias para o exército norte-
americano estabelecer-se na base das Lajes durante a guerra e no pós-II Grande Guerra.
Por outro lado, o governo inglês mantinha algumas incertezas sobre a continuidade do
estatuto de neutralidade de Portugal, uma vez que havia a eventualidade de um golpe de
Estado em Lisboa organizado pela Alemanha, ou de um ataque por parte de Espanha
segundo os interesses de Itália e Alemanha. Esse evento podia conduzir a uma ocupação
do exército nazista das colónias portuguesas e do arquipélago dos Açores, o que
acabava por interferir na rota comercial que partia do Sul do Atlântico ao Reino Unido
(Stone, 1975: 740). Como se verificou no capítulo 2, a inexistência de uma protecção
aérea dos Aliados na zona central e setentrional do Atlântico Norte, onde os submarinos
alemães operavam (zona chamada por Azores Gap) impelia a uma maior pressão
negocial dos ingleses para com o governo português. Do lado dos EUA, as
preocupações de Roosevelt mudavam de uma posição defensiva para uma de ataque
quando se coloca a hipótese das ilhas de Cabo Verde e dos Açores serem conquistadas
pelos alemães. Mais uma vez, isso colocaria em causa para os norte-americanos a rota
comercial no Sul do Atlântico e, porventura, podia constituir uma ameaça ao Brasil e a
todo o hemisfério Ocidental (Silva, 2010: 60). Segundo o autor José Telo (1991: 151) a
aceitação da ocupação britânica dos Açores indicava uma política de defesa cujo
objectivo estaria intimamente associado à sobrevivência do regime, já que, na visão de
Salazar, a relação de forças teria mudado a favor dos Aliados, gerando uma maior
preocupação sobre a manutenção do regime ditatorial e colonial no pós-guerra.

Ainda no seguimento dos principais acontecimentos diplomáticos e negociais


que levaram à permanência norte-americana e a continuação da base militar das Lajes
estão as “negociações bilaterais” dos EUA com Portugal. O governo norte-americano
irá continuamente pressionar o governo português para a concessão de facilidades na
base das Lajes, algo que vai ser frequentemente pedido ao longo da guerra fria. Segundo
o historiador e agente político José Medeiros Ferreira (2006) é aprovado a 23 de
Outubro de 1945, pela Junta de Chefes de Estado Maior das Forças Armadas, um
conjunto de critérios enquadrados numa política de defesa estratégico-militar preparada
para o período do pós-guerra. Num desses critérios estava incluído o estabelecimento de

194
nove bases principais, em que constava como prioridade o arquipélago dos Açores. Nos
anos seguintes o governo português assume o erro da sua posição inicial – isto é, a
dificuldade em aproximar-se politicamente dos EUA, e conceder totalmente facilidades
militares em território português, tendo sempre como mediador Inglaterra - e utilizará o
arquipélago dos Açores para garantir a defesa, não só de Portugal e das ilhas, mas de
todo o império colonial. A mudança de política externa portuguesa alinhava, desse
modo, com as alterações económicas e políticas entre a América e a Europa, sobretudo
provocadas pelos resultados da Segunda Guerra, e, agora, com a execução do plano
Marshall. As condicionantes externas e o novo cenário global obrigavam a que Portugal
participasse nas discussões internacionais com os vitoriosos da guerra, neste caso com
os Aliados. Efectivamente, a aceitação de governo de Portugal no “quadro
internacional”, desde a participação no Tratado do Atlântico Norte e a entrada na
Organização Europeia Económica, justificava-se fundamentalmente no papel que o
arquipélago dos Açores poderia desempenhar na defesa do “bloco ocidental” (Pereira,
2006: 245). Em 1950, a integração de Portugal no plano Marshall consuma esse facto.
Apesar da rejeição inicial de Salazar em participar neste programa de ajuda financeira
norte-americano, evidencia-se uma vez mais a sujeição do governo às políticas tomadas
pelos EUA e às condições económicas vigentes no pós-guerra.

Assim sendo, mesmo com as várias restrições de acesso aos civis na base das
Lajes, o seu estabelecimento aproximava e apresentava inevitavelmente a cultura e
produtos do universo anglo-saxónico às populações locais. Militares portugueses e
respectivos familiares podiam igualmente entrar em contacto directo com a música,
tendo em conta, em primeiro lugar, os diversos grupos musicais estrangeiros que
performavam no interior da base das Lajes, ou ainda por via do cinema, através da
projecção de peliculas cinematográficas nos teatros construídos pelos ingleses, tais
como o teatro Garrison e o teatro Azoria. Alguns desses filmes eram posteriormente
projectados nas esplanadas das sociedades filarmónicas na vila da Praia e na cidade de
Angra do Heroísmo. Como se observa nos jornais desse período, esse contacto também
se realizava por intermédio da organização de eventos públicos pelas forças aéreas
britânica e norte-americana. Para esse efeito, contribuíam os clubes construídos fora da
base militar como o Bromet Club e as actuações públicas feitas por músicos militares
estrangeiros (como por exemplo as viagens pelas freguesias da ilha em veículos que

195
teriam um trailer anexado, e onde seria possível a actuação de orquestras, ou ainda de
outros espectáculos musicais e de variedades), quer na cidade da Praia da Vitória, ou na
cidade de Angra do Heroísmo. No início da segunda metade da década de 1940, alguns
espaços como o café Royal e Atlântico, onde actuavam orquestras locais (como é
exemplo a orquestra de Manuel Reis, e mais tarde o grupo AeroJazz) e agrupamentos
estrangeiros, ficaram marcados na historiografia local e na memória colectiva da
população terceirense até aos dias hoje, visto que foram fundamentais no
desenvolvimento da vida social e cultural na ilha Terceira.

Por outro lado, as tecnologias de disseminação da música desempenharam um


papel fundamental na disseminação do jazz na ilha Terceira. Encontra-se patente na
constante publicitação de venda de aparelhos radiofónicos e a presença de alguns
fonógrafos e discos em casa de habitantes e em estabelecimentos comerciais,
principalmente na cidade de Angra do Heroísmo. Verificou-se que alguns dos discos
(como no caso dos que se encontravam na posse do lojista e fundador do RCA Fausto
Cristovám) podiam ser adquiridos na base das Lajes. Usualmente, os fonogramas eram
distribuídos em lojas chamadas Post e Base Exchange, localizadas no interior da base
das Lajes. Estes fonogramas eram adquiridos por trabalhadores, incluindo militares,
familiares e músicos locais. Será importante referir como era predominante géneros e
estilos musicais associados ao estilo swing (que estava na moda naquela época) e à
música orquestral de Hollywood. No mesmo sentido, era este tipo de música,
igualmente associada às canções da indústria Tin Pan Alley, a mais propagada e
popularizada pela “Voice of America” nas rádios militares dos Aliados (Tschmuck,
2012: 121). Uma das principais estações radiodifusoras na ilha Terceira (Rádio Lajes)
situava-se no interior da base das Lajes, e era responsável da música disseminada pelos
Discs, cujas faixas continham música de artistas como Tommy Dorsey, Benny
Goodman, Art Tatum, Vaughn Monroe, Duke Ellington, Earl Hines etc. juntamente
com mensagens intercalares de “apoio moral” às tropas aliadas. A estação de rádio US
Air Transport Command Radio Service, cuja transmissão abrangia todo o arquipélago,
também proporcionava a audição destes discos às populações. Em paralelo, a influência
da base militar fornecia condições para a construção de outras estações de rádio, como
foi o caso do Rádio Clube de Angra – dado que algum material, incluindo fonogramas
oferecidos por militares e lojistas, teria sido obtido através da base militar – o principal

196
centro de difusão do jazz. Isso sucedia por via da divulgação de música como parte
integrante da programação Vamos Dançar – cujo objectivo seria imitar o reconhecido
programa de rádio norte-americano Let’s Dance. Dessa forma, a população entrava em
contacto com música diversa advinda da cultura anglo-saxónica, podendo ser esta,
consoante os indivíduos, denominada por jazz, e/ou música de dança, e/ou música
“moderna”.

O conceito de jazz estava intimamente ligado à música tocada por orquestras de


swing, big-bands, e outros agrupamentos de instrumentação diversa e número variável
de membros, frequentemente com bateria e contrabaixo na secção rítmica. Como se
observa em relatos da imprensa, mas também em discursos proferidos pelos habitantes e
músicos na ilha, a noção de jazz vai de certa forma ao encontro daquela que circulava
em Portugal continental. Pois, segundo Roxo e Castelo-Branco (2016) estaria subjacente
na ideia de jazz uma dimensão multifacetada de significados que podiam aludir tanto ao
instrumento (que seria a bateria) como ao conjunto musical que animava a festa (o jazz),
ou ainda, ao próprio evento festivo (ir ao jazz). Apesar da polissemia inerente ao termo
jazz, na prática, o jazz na Ilha Terceira estaria sempre associado à animação de bailes
com a função de colocar as audiências a dançar, quer fosse no interior da base das Lajes,
para os soldados portugueses e norte-americanos, quer fossem actuações no resto da ilha
para civis. Atendendo à evolução dos vários agrupamentos constituídos por músicos
locais, desde o estabelecimento da base das Lajes na década de 1940 até às actividades
musicais na década de 1960, destes revelam- se como os mais marcantes a orquestra de
Manuel Reis, Oldmar (Olmmar ou Olmar Band), quarteto Art Carneiro, e os Flama
Combo. Estes grupos actuariam constantemente no interior da base das Lajes, assim
como na sede do Rádio Clube de Angra, onde eram organizadas diversas festas e
actuações transmitidas em directo. A base das Lajes seria, por um lado, gratificante
musicalmente e financeiramente para os músicos visto que se encontravam agora
profissionalizados e impelia-os a tocar com bastante frequência; e, por outro lado, as
actividades musicais na base seriam a razão primordial para que outros músicos
viajassem com destino à Ilha Terceira. Assim sendo, destacam-se as chegadas de Art
Carneiro, que iria tomar a direcção da orquestra de Manuel Reis e formar o quarteto Art
Carneiro (com Luís Soares, Alberto Coelho, Alberto Mateus) e, mais tarde, de Palmira

197
Mendes Enes, que viria da Ilha Graciosa exercer docência em música na base das Lajes
e fundar o grupo AeroJazz.

Os principais músicos terceirenses que aderiram ao jazz foram contratados para


actuarem frequentemente na base das Lajes, nos clubes dos oficiais portugueses e norte-
americanos. Relativamente à música seleccionada, muito de repertório conhecido, bem
como os arranjos que eram tocados por estas orquestras, seriam distribuídos em
partituras na base das Lajes. Ao analisar as várias canções que pertenciam ao repertório
usualmente mais interpretado292 é assinalável como todos os esforços durante a guerra e
principalmente no pós-guerra, enfatizavam cada vez mais o funcionamento do mercado
massificado da música popular norte-americana, numa inter-relação complexa entre o
cinema Hollywood e a música dos compositores de Tin Pan Alley – destacando
intérpretes como Frank Sinatra, Bing Crosby e Bob Hope – ao mesmo tempo que
produtos culturais deste tipo eram disseminados no contexto do pós-guerra e
politicamente instrumentalizados pelas instituições e autoridades governamentais
responsáveis pela política cultural externa dos EUA (a famosa política do soft-power).
As diversas peliculas cinematográficas projectadas tanto no cine-teatro da base como
nas salas de cinema fora da base – especialmente nas esplanadas das sociedades
filarmónicas - destacavam figuras da época do swing, popularizadas antes e durante a
Segunda Guerra Mundial.

Perante outra pespectiva, a formação do agrupamento Flama Combo (o que na


verdade seria o quarteto original de Art Carneiro, mas sem o próprio, com a adição de
Fernando Soares no vibrafone e Mário Coelho no contrabaixo) ao contrário dos outros
agrupamentos, afastar-se-ia um pouco da lógica da música escrita, ao passar para um
grupo com mais momentos de improvisação. A capacidade de transcrição de melodias e
composição de músicos como Alberto Coelho e Luís Soares – capacidade esta
verificada na audição das faixas gravadas pelo agrupamento no RCA - incita a que o
grupo tenha alguns originais, como são exemplos os temas “Um Número de Jazz”,
baseado num rhythm changes, e “Outono nos Açores”, que parece seguir os padrões
usuais das canções rotuladas como standard no universo do jazz, com repetidas
A título de exemplo é possível destacar composições como: “Third Man Theme” (Anton Karas, 1949),
292

“From This Moment On” (Cole Porter, 1950), “Around The World” (Harold Adamson e Victor Young,
1956), “Pennsylvania Six-Five Thousand” (Jerry Gray & Carl Sigman, 1940), “You’re Cheating
Yourself” (Al Hoffman & Dick Manning, 1958) “Ça C’est L’mour” (Cole Porter, 1957), “Till” (Charles
Denver & Carl Sigman, 1957).

198
progressões harmónicas de II-V-I e ainda um momento modulatório ao IV grau na
secção B. No entanto, segundo outros exemplos musicais, como é o caso da canção
original e intitulada por “Manuela”, demonstra que há um cruzamento de estilos e
géneros musicais derivados da dança, em que fazem parte o jazz e outros ritmos
“latinos”, incluindo ritmos “cubanos”, provenientes da América do Sul. Ou seja, mais
uma vez os músicos apresentam-se como versáteis ao abranger diversos estilos musicais
no seu repertório, normalmente preparados para entreterem as audiências em
festividades. Algumas particularidades locais devem ser sublinhadas como se verifica
nos arranjos de músicas “tradicionais” (p.ex.: “Ó Meu Bem” e a “Marcha de João
Moniz”) que contêm vários elementos de marcha, e característicos musicais
provenientes da cultura filarmónica (paso-dobles), bem como elementos do jazz (o
usual “walking bass”, a pulsação do swing acompanhada pela bateria, e no modo de
tocar a melodia).

Um dos exemplos mais explícitos que descreve a posição da imprensa regional


relativamente à introdução da música “moderna” e do jazz na Ilha Terceira é
apresentado na cobertura da orquestra Oldmar Band, composta maioritariamente por
músicos da ilha Terceira. O discurso de legitimidade estaria assente numa suposta
combinação entre a aceitação dos sons “modernos” e o jazz, em relação com a música
para dançar, já que era publicitada como “orquestra de ritmo moderno”, com a
orquestração e composição comparável com as sonoridades das orquestras de jazz
“sinfónico” de Paul Whiteman e Victor Sylvester. Um dos autores no Diário Insular
acaba por declarar que muitas vezes se podia confundir “gosto com execução” ao
elogiar a orquestra por executar “ritmos modernos” com a “melhor técnica, do mais
aturado estudo e da mais profunda persistência”. Seria habitual discursos deste tipo que
tentassem criar uma ponte entre a música de “entretenimento” e a música “séria” dado
que a importância da base das Lajes na ilha, e a convivência com os militares e a música
a partir daí divulgada, possivelmente compelia a que houvesse uma concordância
generalizada com os valores e práticas culturais dos norte-americanos.

Na grelha de programação do RCA encontrava-se um espaço específico para as


orquestras de jazz designado por “Ritmos Modernos” ou, por vezes, “ritmos
americanos”. Como já se referiu, o jazz podia ser difundido através da colaboração com
a Rádio Nederlands e a CBS-83 (estação norte-americana), ou pelos discos fornecidos

199
por pequenos comerciantes, militares e outros agentes pertencentes a elites e classes
sociais abastadas. Efectivamente, o gosto musical destes últimos reflectia-se, de igual
forma, na música emitida pelo RCA.

A avaliação do discurso do padre Jaime Luís da Silveira relativamente ao jazz e


à música “moderna” fornece o que podemos considerar como a perspectiva dominante
nos circuitos intelectuais da ilha Terceira, nomeadamente a perspectiva de vários
intelectuais e autores que escreviam para o jornal. Desse modo, seria expresso uma
perspectiva evolucionista da história da música em que a música “moderna seria o
produto de dois progressos culturais, ou seja, consistia na junção entre o culminar da
tradição musical europeia, rica no “elemento harmónico”, com o carácter percussivo
originário dos escravos do continente africano “imigrados” nos EUA.

Para finalizar e resumir o que foi anteriormente referido, comprova-se que a


prática do jazz na Ilha Terceira conheceu um forte incremento através da presença
militar britânica e norte-americana durante a Segunda Guerra Mundial e no pós-guerra.
As práticas musicais associadas ao entretenimento norte-americano, cujo jazz se
encontrava intimamente ligado, iniciaram-se no interior da base das Lajes pelos
militares estrangeiros. Esta música disseminada e praticada ocorre num momento de
conflito mundial em que Portugal, condicionado pelas circunstâncias políticas e
económicas em relação a outros Estados (num primeiro momento devido a motivos
geoestratégicos durante a segunda guerra e, num segundo momento, pela polarização
política no globo entre os EUA e USRR no pós-guerra e entrada de Portugal na OTAN),
teve necessariamente de entrar em negociação com o Reino Unido e os EUA para a
construção e estabelecimento de uma base nos Açores. Desse modo, reconhece-se que a
abertura de produtos advindos da cultura popular americana, incluindo o jazz, provém
das negociações políticas procedentes no plano diplomático.

Em suma, a recepção do jazz na Terceira seria então produto das transformações


políticas e das relações de poder entre Estados, ao mesmo tempo que se tornaria um
instrumento cultural do próprio Estado, neste caso dos EUA, para entretenimento dos
militares e disseminação dos valores “norte-americanos” na Segunda Guerra e,
posteriormente, no pós-guerra, na Europa, como forma de oposição ao comunismo. A
base aérea das Lajes, construída em contexto de conflito mundial, assegurava uma
presença militar norte-americana duradoura em território português. É assim que é
200
possível analisar algumas das práticas associadas à música e particularmente ao jazz
decorridas no interior da base das Lajes, assim como a recepção das “novas” formas de
música na imprensa local e impacto na população e nos músicos locais. Portanto, a
partir de relações várias estabelecidas com militares estrangeiros na Ilha Terceira
tornou-se possível para os habitantes o acesso a uma série de materiais tais como
fonogramas, aparelhos de reprodução sonora, e outras tecnologias (como p. ex: a
televisão). Construíram-se outros espaços de entretenimento como clubes ou teatros
(teatro Azoria), em que militares e alguns civis portugueses teriam acesso. A partir de
1945, o cinema norte-americano, onde diversos músicos e orquestras de swing se
faziam notar, seria frequentemente projectado nas salas de cinema proporcionadas pelas
esplanadas das sociedades filarmónicas, bem como no teatro Angrense e Praiense.

É por intermédio desse contacto que na segunda metade da década de 1940 se


estabelecem as duas principais estações radiofónicas responsáveis pela disseminação do
jazz um pouco por toda a ilha, sendo estas o Rádio Clube de Angra e a Rádio Lajes. A
primeira estação receberia grupos locais que actuavam regularmente na base, como os
grupos Flama Combo, orquestra Art Carneiro, Oldmar Band etc. Noutros casos eram
transmitidos concertos “ao vivo” (tal como sucedeu com a actuação da orquestra de Van
Herden) que ocorriam no interior da base. Por outro lado, em paralelo com o que
sucedia na Europa durante a Segunda Grande Guerra, verifica-se que algum do jazz e
música americana disseminada pela Rádio Lajes encontrava-se inserida no programa
delineado pelo governo norte-americano “Voice of America”, através da produção e
distribuição de V-Discs pelas bases militares. Portanto, confirma-se que uma parte
substancial da música recebida pelas populações seria politicamente instrumentalizada.
Essa relação que se tornava evidente nos discursos patentes nos jornais na ilha,
associando o jazz e os EUA aos valores de liberdade e valores democráticos, sobretudo
no período da guerra fria. Também ter-se-á em conta a actividade de organizações que
cooperaram intimamente com instituições governamentais – como são exemplos a
ENSA, criada pelos britânicos, e a USO pelos norte-americanos - com o intuito de
ajudar as tropas no “esforço da guerra” e apresentando às populações a uma escala
global a propaganda cultural e ideológica através das diversas formas de entretenimento
do universo anglófono.

201
Por outro lado, observa-se que os principais músicos terceirenses que tocavam
jazz tinham assimilado um vasto repertório com diferentes estilos e géneros musicais
especialmente preparado para entreter militares estacionados na base. Assim, o jazz
encontrava-se intimamente associado ao swing e à música de dança. Mesmo que alguns
dos músicos fossem aptos a improvisar, a tradição musical dominante estaria assente na
prática da música escrita, procedente do ensino nas instituições filarmónicas, de aulas
privadas entre músicos, e de instituições de música erudita. Por outro lado, como se
denota pela iconografia recolhida, a base militar serviria de ponto de encontro entre
músicos portugueses e norte-americanos.

Tendo em conta as questões levantadas na problemática de estudo, em primeiro


lugar, pode-se concluir que a recepção do jazz na Ilha Terceira está estreitamente ligada
às transformações no âmbito das indústrias fonográficas e de broadcasting, com a
internacionalização da música de entretenimento norte-americana, durante e após a
Segunda Guerra Mundial. Em segundo lugar, demonstra-se que em grande parte a
disseminação do jazz em território nacional parte das dinâmicas que ocorrem entre
nações-estado e os interesses político-económicos envolvidos. Em particular, a música
também será utilizada como instrumento de propaganda. Por último, há que levar em
consideração a localidade dos processos e a reconfiguração do jazz em contexto de
modernização insular.

Por fim, o universo musical descrito nesta tese pretendeu apresentar novos
contextos de recepção do jazz em Portugal. De outro modo, pretendeu demonstrar que
apesar da repressão política do Estado Novo e da tentativa de isolamento social e
económico do país, este não se encontrava isolado das forças exteriores e da expansão
do mercado global. Com o espoletar da Segunda Guerra e as transformações políticas e
económicas do pós-guerra, inevitavelmente Portugal adapta-se às novas condições
internacionais, sendo a construção da base militar na Terceira um dos exemplos de
cedência do governo português nesse aspecto. Também diferente da ideia de resistência
como um ideal associado ao jazz no período do Estado Novo, este estudo demonstra,
por outro lado, que este domínio musical fazia parte de um emaranhado complexo de
processos envolvendo autoridades governamentais, indústrias de entretenimento, e
ainda, práticas e valores reconfigurados localmente em contexto de modernidade.

202
Referências bibliográficas

“Two-Tone Boogie”, Jeff (2014), “Phyllis Robins”, The 1940s Society, issue 84, pp. 12-
16 Adorno, Theodor W. (1997) [1967], Prisms, Cambridge: MIT Press edition

Adorno, Theodor W., Horkeimer, Max (1993) [1944], “The Culture Industry:
Enlightenment as Mass Deception”, in Dialectic of Enlightenment, New York:
Continnum

Ake, David (2002), Jazz Cultures, California: University of California

Almeida, José (2013), A Campanha do Ananás: Os açores na II Guerra Mundial, Ponta


Delgada: Publiçor/Letras Lavadas

Amorim, António Guedes de (1993), A Bailarina Negra, Lisboa: Imprensa Nacional de


Publicidade.

Ana Reily, Suzel & Brucher, Katherine (2013), Brass Bands of the World: Militarism,
Colonial Legacies, and Local Music Making (SOAS Musicology
Series),Farnham: Ashgate Publishing

Andrade, Luís (1995), “A Neutralidade e os Pequenos Estados” – o caso de Portugal”,

Arquipélago.História, ISSN 0871-7664, 2ª série, Vol. 1, pp. 319-331

Andrade, Luís (1999), “Os Açores no século XX: Um contributo para a sua História
Militar”,

Arquipélago – História, 2ª série, III, pp. 447-456

Andrade, Luís (2011), “Os Açores, a Política Externa Portuguesa e o Atlântico”, in


Revista Debater a Europa – Pensar e Construir a Europa nos séculos XX-XXI,
5, pp. 23-33

Antunes, Freire (1995), Roosevelt, Churchill e Salazar: A luta pelos Açores 1941-1945,
Amadora: Ediclube

Aron, Raymond (1962) [2002], Paz e Guerra entre as Nações, São Paulo: Editora
Universidade de Brasília

203
Artiaga, Maria José (2010), “Borba, Tomás”,in Castelo-Branco, Salwa (coord.),
Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX, Vol. 1, Círculo de Leitores

Asai, Rika (2016), “Raising Dough on Radio: Musical Genre and Advertising in the
Swing Era”, in L. Baade, Christina (ed.) & Deaville, James, Music and the
Broadcast Experience: Performance, Production and Audiences¸ Oxford:
Oxford University Press

Baxendale, John (1995), “”…into Another Kind of Life in Which Anything Might
Happen…” Popular Music and Late Modernity, 1910-1930”, Popular Music,
Vol. 14, No. 2, pp. 137-154

Berliner, Paul F. (1994), Thinking in Jazz: The Infinite Art of Improvisation, Chicago:
The University of Chicago Press.

Biblioteca Pública e Arquivo de Angra do Heroísmo (1993), Teatro Angrense:


exposição biblio-iconográfica, Câmara Municipal de Angra do Heroísmo:
B.P.A.R.A.H.

Bispo, A.A. (Ed.). "Cultura e música no Seminário Episcopal de Angra do Heroísmo em


época de crescente influência norte-americana e mudanças sócio-culturais
nos Açores". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira
148/19 (2014:2). http://revista.brasil-europa.eu/148/Seminario-Angra-do-
Heroismo.html

Bohlman, Philip V. (1996), “Fieldwork in the Ethnomusicological Past”, in Barz,


Gregory & Cooley, Timothy (eds.), Shadows in the Field: Studies in
Ethnomusicological Field Methods, New York: Oxford University Press.

Carneiro, Roberto (s.d.), Art Carneiro – um músico de eleição (resenha da primeira


parte da sua vida passada em Xangai, Hong Kong e Macau)

Carr, Ian; Fairweather, Digby; Prestley, Brian (2004), The Rough Guide to Jazz, 3ª
edição, London: Rough Guide

Castellani, Brian & Hafferty, Frederic (2009), Sociology and Complexity in Science,
Berlim: Springer Science & Business Media

Cravinho, Pedro (2012), “A Música Agora é o Jazz: O jazz como palco de resistência
em Portugal, entre 1971 e 1973”, Maria de Rosário Girao Santos e Elissa Maria
204
Lessa (coord.) in Música Discurso Poder. Vila Nova de Famalicão: Edições
Húmus

Cravinho, Pedro (2017), “A kind of ‘in-between’: jazz and politics in Portugal (1958-
1974)” in Johnson, Bruce (coord.) Jazz and Totalitarism, New York: Routledge.

Cronin, Claran (1996). “Bourdieu and Foucault on power and modernity”, Journal of
Philosophy and Social Criticism, Vol. 22, no.6, pp. 55 – 85

Davenport, Lisa E. (2009), Jazz Diplomacy: Promoting America in the Cold War Era,
Mississippi: University Press of Mississippi

Davies, Charlotte Aull (2002), Reflexive Ethnography, London and New York:
Routledge DeNora, Tia (2005), “Music and Social Experience”, in Jacobs M,
Hanrahan N. (eds.), The

Blackwell Companion to the Sociology of Culture, Oxford: Blackwell

Desan, Mathieu (2014), “Bourdieu, Marx and Capital: A critique of the Extension
Model”,

Journal of Sociological Theory, Vol. 31, no. 4, pp. 318 – 342

DeVeaux, Scott & Giddins, Gary (2009), Jazz, New York: W.W. Norton & Company
DeVeaux, Scott (1991), “Constructing the Jazz Tradition: Jazz Historiography”,
Black

DeVeaux, Scott (1997), The Birth of Bebop, California: University of California Press
DiMartino, Dave (2016), Music in the 20th Century (3 Vol.), Abingdon-on-
Thames: Routledge Domingues, Mário (1930), O Preto do Charleston. Lisboa:
Guimarães

Dores, V. R. (2009), Filarmónicas – um património a preservar. Boletim do Núcleo


Cultural da Horta, 18: 425-431.

Drumond, Luís Ferreira Machado (1960), “Estudo do Folclore Terceirense: Jogos


Populares”, in Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira: Vol. XVIII, Angra
do Heroísmo: Tipografia Andrade

205
Dunaway, David K. (1996), “The Interdiscplinary of Oral History”, In Dunaway, David
K. & Baum, Willa K. (eds) (1996), Oral History: An Interdisciplinary, AltaMira
Press

Eagleton-Pierce, Matthew (2011),“Advancing a Reflexive


International Relations”,

Millennium: Journal of International Studies, pp. 1-19

Eisenstadt, S. N. (2001), “Modernidades Múltiplas”, Sociologia, Problemas e Práticas¸


nº 35, pp. 139-163

Enes, Carlos (2012), Álbum Terceirense Vol. III, Angra do Heroísmo: BLU Edições

Erenberg, Lewis A. (1998), Swingin’ the Dream: Big Band Jazz and the Rebirth of
American Culture, Chicago: The University of Chicago Press

Eriksen, Thomas & Neumann, Iver (1993), “International Relations as a Cultural


System: An Agenda for Research”, Cooperation and Conflict, Vol. 28 (3), pp.
233-264

Fauser, Annegret (2013), Sound of War: Music in the United States during the World
War II,

Oxford: Oxford University Press.

Fauser, Annegret (2013), Sounds of War: Music in the United States During the World
War II,

Oxford: Oxford University

Ferreira, José M. (2003),“Portugal e os EUA nas Duas Guerras Mundiais: A Procura do


Plano Bi-Lateral”, Universidade Nova de Lisboa. Comunicação apresentada na
Conferência Internacional Portugal, a Europa e os Estados Unidos da América,
Lisboa

Ferreira, José M. (2006), “Portugal e os Estados Unidos nas duas Guerras Mundiais: a
procura do plano bilateral”, in Nuno Rodrigues, Luís (coord.), Regimes e
Império: As Relações Luso-Americanas no século XX, Lisboa: Instituto
Português de Relações Internacionais

Ferreira, Reynaldo (1923), Preto e Branco. Lisboa: J. Santos


206
Ferro, António (1924), A idade do Jazz-Band, 2ª ed., Lisboa: Portugalia Editora (1 ed.:
1923) A Idade do Jazz Band, Rio de Janeiro: H. Antunes & Cª Editores)

Fosler-Loussier, Danielle (2015), Music in America’s Cold War Diplomacy, California:


University of California Press

207
Foucault, Michel (2008), Segurança, território, população, trad. Eduardo Brandão, São
Paulo: Martins Fontes

Fraga, Luís Alves de (2001), “Súmula Histórica das Aviações Militares e da Força
Aérea de Portugal”, Revista Militar. nº 11. p. 887-921.

Gellner, Ernest (1983), Nations and Nationalism, Nova Iorque: Cornell University Press
Giddens, Anthony (1979), Central Problems in Social Theory: Action,
Structure, and

Contradiction in Social Analysis, California: University of California Press Giddens,


Anthony (1984), The Nation-state and violence,California: University of
California

Giddens, Anthony (1986), The Constitution of Society: Outline of the Theory of


Structuration,

California: University of California Press

Gioia, Ted (1989), “Jazz and the Primitivist Myth”, The Musical Quaterly, Vol. 73, No.
1 Gioia, Ted (1997), The History of Jazz, Oxford: Oxford University Press.

Gomes, Augusto (1993), A alma da nossa gente: repositório de usos e costumes da ilha
Terceira, Açores, Região Autónoma dos Açores: Secretaria Regional da
Educação e Cultura, Direcção dos Assuntos Culturais

Goulart Costa, Susana (2008), “Igreja, religiosidade e o Estado”, in Teodoro Matos,


Artur; de Freitas Meneses, Avelino; Guilherme Reis, Leite, História dos Açores:
Do descobrimento ao século XX, Angra do Heroísmo: Instituto Açoriano de
Cultura

Grave, José Augusto (2001), “Uma Base Estrangeira nas Lajes: o alvor”, Arquipélago –
História, 2ª série, pp. 403-420

Grenier, L. & Guibault, J. (1990), “”Authority” revisited: the “other” in anthropology


and popular music studies”, Ethnomusicology, 34, pp. 381-97

Gridley, Mark (1989), “Three Approaches to Defining Jazz”, In The Musical Quaterly,
Vol. 73, nº4, pp. 513-531

208
Hamati-Ataya, Inanna (2010), “Knowing and Judging in International Relations Theory:
Realism and the Reflexive Challenge”, Review of International Studies, vol. 36,
nº4, pp. 1079-1101

Hamati-Ataya, Inanna (2012), “Reflectivity, reflexivity, reflexivism: IR’s “reflexive


turn” – and beyond”, European Journal of International Relations, Vol. 19, nº4,
pp. 669-694

Heinrich, Anselm (2007), Entretainment, Propaganda, Education: Regional Theatre in


Germany and Britain in 1918 and 1945, Hertfordshire: University of
Hertfordshire Press.

Jackson, Robert & Sorensen, Georg (2007), Introduction to International Relations:


Theories and Approaches, Oxford: Oxford University Press

Jaime, Luís da Silveira (1958), “Impressionismo, Atonalismo e Jazz-sinfónico”,


Separata da Revista Atlântida, União Gráfica Angrense

Jervis, Robert (1980), “The Impact of the Korean War on the Cold War”, The Journal
of Conflict Resolution, Vol. 24, No. 4, pp. 563-592

Jonshon, Bruce, (2016), Jazz and Totalitarism, New York: Routledge

Kaya, Ibrahim (2004), “Modernity, Openness, Interpretation: A Perspective on Multiple


Modernities”, Social Science Information, vol. 43, nº1, pp. 35-57

Kenney, William Howland (2003), Recorded Music in American Life: The Phonograph
and Popular Memory, 1890-1945, Oxford: Oxford University Press.

Kim, Heenjin (2013), “Battlefields and the Field of Music: South Korean Military Band
Musicians and the Korean War”, in Ana Reily, Suzane & Brucher, Katherine
(eds), Brass Bands of the World: Militarism, Colonial Legacies, and Local
Music Making (SOAS Musicology Series), Farnham: Ashgate Publishing

Leppert, Richard, “Commentary”, in Leppert, Richard (ed.) & Adorno, Theodor W.


(2002),

Essays on Music, California: University of California Press

Lewandowski, Joseph. D (1996), “Adorno on jazz and society”, Philosophy & Social
Criticism,vol. 22, no. 5, pp. 103-121

209
Lyons, John (2013), America in the British Imagination: 1945 to Present, Berlin:
Springer Mamoru, Toya (2014), Made in Japan: Studies in Popular Music
(Routledge Global Popular

Music Series), Abingdon: Routledge

Martins, Hélder (2006), Jazz em Portugal (1920-1956): anúncio, emergência, afirmação,


Coimbra: Almedina

Martins, Hélder (2008), “Jazz e comportamentos sociais em Portugal durante o Estado


Novo – processos de resistência”, in Atas do Congresso da Sociedade de
Etnomusicologia (SIBE’08), realizado em Salamanca, entre 6 e 9 de Março

Martins, Manuel de Meneses (2006), Base Aérea das Lajes (Uma Contribuição para a
sua História), 2ª edição, Angra do Heroísmo: Tipografia Açor

McClellan, Lawrence (2004), The Later Swing Era: 1942-1955, Westport, Connecticut:
Greenwood Publishing Group

McCollum, Jonathan & Herbert, David G. (2014), Theory and Method in Historical
Ethnomusicology, Maryland: Lexington Books

McDonell, Michael (2013), “The Invisible Colective: Pierre Bourdieu and Social
Struggle”, term paper, British Columbia: University of Simon Fraser

Merelim, Pedro (1967), Filarmónica recreio dos Artistas, edição da Filarmónica, Angra
do Heroísmo, 1967

Merelim, Pedro (1972), Rádio Clube de Angra (A Voz da Terceira): Esboço


Cronológico 1947/1972”, Angra do Heroísmo: edição do Rádio Clube de Angra

Merelim, Pedro (1984), Freguesias da Praia, Angra do Heroísmo: Secretaria Regional


da Educação e Cultura, Direcção Regional de Orientação Pedagógica

Milner, Andrew (1993), Cultural Materialism, Melbourne: Melbourne University


Publishing Monjardino, Álvaro (1993), “Açores: 50 Anos de Presença Militar
Estrangeira”, in Boletim,

Volumes 51-52, Angra do Heroísmo: Tipografia Andrade, pp. 33-76~

210
Monson, Ingrid (2009), “Jazz as Political and Musical Practice”, in Netll, Bruno &
Solis, Gabriel (eds), Musical Improvisation: art, education and society, Ubana
and Chicago: University of Illinois Press.

Moreira dos Santos, João (2007), O Jazz segundo Villas-Boas, Lisboa: Assírio & Alvim

Nettl, Bruno (1983) [2005], The Study of Ethnomusicology: Thirty-one Issues and
Concepts, Champaign: University of Illinois Press

Nogueira, Francisco Miguel Lima (2008), O Impacto da Presença Britânica na ilha


Terceira (1943-1946), dissertação para obtenção de grau de Mestre em História
Moderna e Contemporânea, Especialidade em Relações Internacionais, Instituto
Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, Portugal

Nott, James J. (2002), Music for the People: Popular Music and Dance in Interwar
Britain¸ Oxford: Oxford University Press.

Panish, John (1997), The Color of Jazz: Race and Representation in Postwar American
Culture, Mississippi: University of Mississippi

Pereira, Pedro C. (2006), “Portugal e o Início da Construção Europeia (1947-1953)”,


Nação e Defesa, 115: 235-255

Peretti, Burton W. (1994), The Creation of Jazz: Music, Race, and Culture in Urban
America,

Champaign: University of Illinois Press

Poutry, Ken (2011), Knowing Jazz: Community, Pedagogy, and Canon in the
Information Age,

Mississippi: University Press of Mississippi

Ribeiro, Luís (1982), Etnografia Açoriana, Angra do Heroísmo, Instituto Histórico da


Ilha Terceira – Secretaria Regional da Educação e Cultural.

Richmond, Yale (2008), Practicing Public Diplomacy: A Cold War Odyssey,


Explorations in Culture and International History, vol. 5, New York:Berghahn
Books

211
Rocha, G. & Ferreira, E. (2008), “População e Circulação de Pessoas”, in Matos, A.
Meneses, A. & Leite, J. (coord.), História dos Açores. Do descobrimento ao
século XX, vol. 2, Instituo Açoriano de Cultura, p. 58 – 610

Rocha, Gilberta & Ferreira, Eduardo (2009), “Azorean emigration in the context of
social change: some notes from the press in São Miguel”, e-journal of
Portuguese History, Vol. 7, nº2, pp- 1-17

Rodrigues, Nuno Rodrigues (2003), “O Acordo Luso-Americano dos Açores de 1944”,


Conferência Internacional Portugal e o Atlântico: 60 do Acordo dos Açores

Rojek, Chris (2004), Frank Sinatra, Cambridge: Polity

Roland, Vintras (1975), História Secreta da Base dos Açores, Lisboa: Ulisseia

Rollo, Maria Fernanda (1994), “Portugal e o Plano Marshall: história de uma adesão a
contragosto (1947-1952), Análise Social, vol. 128, nº4, pp. 841-869

Rollo, Maria Fernanda (2007), Portugal e a Reconstrução Económica do Pós-Guerra: O


plano Marshall e a Economia Portuguesa nos anos 50, Lisboa: IDMNE

Rose, Nikolas & Miller, Peter (1992), “Political Power beyond the State: Problematics
of Government”, The British Journal of Sociology, Vol. 43, no. 2, pp. 173-205

Rowan, Terry (2012), World War Goes to the Movies & Television Guide Volume II L-
Z, North Carolina: Lulu Press, Inc.

Rowan, Terry (2015), Who’s Who in Hollywood, North Carolina: Lulu Press, Inc.

Roxo, Pedro (2009), “Modernidade, Transgressão Sexual e Percepções da Alteridade


Racial Negra na Recepção do Jazz em Portugal nas Décadas de1920 e 1930” in
Arte e Eros. Lisboa: FBAL / Instituto Francisco de Holanda

Roxo, Pedro (2010), “Do século XX ao século XXI: processos, práticas musicais e
músicos emergentes: 6. Jazz e música: improvisada: Expansão das práticas e
descentramento do mercado” in Salwa Castelo-Branco (coord.) Enciclopédia da
Música em Portugal no Século XX. Vol. 4, pp. 1372-1378

Roxo, Pedro (2010), “Menezes, Carlos de” in Salwa Castelo-Branco (coord.)


Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX, Vol. 1, pp. 771

212
Roxo, Pedro; Castelo-Branco, Salwa (2016), “Jazz, Race and Politics in Colonial in
Portugal. Discourses and Representations (1924-1971)”, in Philip Bohlman and
Goffredo Plastino (edts.) Jazz Worlds/World Jazz. Chicago: Chicago University
Press.

Roxo, Pedro (2017), “Jazz and the Portuguese Dictatorship before and after the Second
World War: From Moral Panic to Suspicious Acceptance” in Johnson, Bruce
(coord.) Jazz and Totalitarism, New York: Routledge.

Sahlins, Marshall (1999), “Two or Three Things That I Know About Culture”, Journal
of the Royal Anthropological Institution, vol. 5, no. 3, pp. 399-421

Santa Clara Gomes, G. (1990), A política Externa e a Diplomacia numa Estratégia


Nacional, “Nação e Defesa”, ano XV, nº56, pp. 53-76

Santos, João Moreira dos; Rubio, António (2008), Jazz na Terceira: 80 anos de
História, Praia da Vitória: Blue Edições

Seipp, Adam R. (2008), “Chegar como conquistadores: As Bases Americanas e o Teatro


Europeu” in Rodrigues, Luís Nuno, Frank Roosevelt e os Açores nas duas
guerras mundiais, Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, Lisboa

Shelemay, Kay Kaufman (2006), “Music, Memory and History: In Memory of Stuard
Feder”,

Ethnomusicology Forum, Vol. 15, no. 1, The Past in Music, pp. 17-37

Silva, Tiago (2010), “Operação nos Açores 1941”, dissertação para obtenção de grau de
mestre em História Contemporânea, Faculdade de Letras Universidade do Porto,
Portugal

Smith, Kathleen E. R., God Bless America: Tin Pan Alley Goes to War, Kentucky:
University of Kentucky

Sparke, Michael (2010), Stan Kenton: This is an Orchestra!, Texas: University of North
Texas Press.

Stephans, Michael (2013), Experiencing Jazz: A Listener’s Companion, Maryland:


Scarecrow Press

213
Stone, Glyn A. (1975), “The Official British Attitude to the Anglo-Portuguese Alliance,
1910- 45”, Journal of Contemporary History, Vol. 10, n.4, pp. 279-746

Stowe, David W. (1996), Swing Changes: Big-Band Jazz in New Deal America,
Cambridge: Harvard University Press.

Tanaka, Itikawa (2012), “Adorno e o jazz”, Crítica Cultural, Palhoça, SC, Vol. 7, no. 1,
pp. 137-148

Taylor, Timothy (2005), “Old and New Ethnomusicologies”, Invited Presentation, 11 th


International Seminar in Ethnomusicology, Intercultural Intitute of Comparative
Music Studies, Veneza: Fondazione Giorgio Cini,

Telo, José (1991), Portugal na Segunda Guerra (1941-1945), Lisboa: Veja

Telo, José (1993), Os Açores e o Controlo do Atlântico, 1948-1948, Lisboa: Edições


Asa

Telo, José (1996), Portugal e a NATO: o reencontro da tradição atlântica, Lisboa:


Edições Cosmos

Telo, José (1999), “Portugal e a NATO (1949-1976)”, Nação e Defesa, nº 89, 2ª série,
pp. 43- 84

Telo, José (2008), “Os Açores e as estratégias para o Atlântico”, Matos, Artur Teodoro;
Meneses, Avelino de Freitas; Leite, José Guilherme Reis, História dos Açores:
Do Descobrimento até ao Século XX. Ponta Delgada: Instituto Açoriano da
Cultura

Tomaz, Borba (1937), Manual de Harmonia, Lisboa: Edições Neuparth

Townsend, Peter (2007), Pearl Harbor Jazz: Change in Popular Music in the Early
1940s, Mississippi: University Press of Mississippi

Tschmuck, Peter (2012), Creativity and Innovation in the Music Industry, 2ª edição,
Berlin: Springer

Tucker, Sherrie (2012), “Deconstructing the Jazz Tradition: The “Subjectless Subject”
of New Jazz Studies”, California: University of California Press, in Jazz/Not
Jazz: The Music and Its Boundaries

214
Turino, Thomas (2008), Music as Social Life: The Politics of Participation, Chicago:
University of Chicago Press

Von Eschen, Penny (2009), Satchmo Blows Up the World: Jazz Ambassadors Play the
Cold War¸ Cambridge: Harvard University Press.

Waksman, Steve; Corrado, Omar; Sauvalle, Sergio (2003), “Guitars: The Electric
Guitar”, Sheperd, John; Horn, David; Laing, Dave; Oliver, Paul; Wicke, Peter
(eds.), Continuum of Popular Music of the World, Volume II: Performance and
Production, London and New York: Continuum

Wicke, P.; Laing, D.; Horn, D. (2003), Continuum of Popular Music of the World,
Volume II: Performance and Production, London and New York: Continuum

Wallenstein, Immanuel (1974), The Modern World-System, vol. I: Capitalist


Agriculture and the Origins of the European World-Economy, 1600-1750, Nova
Iorque: Academic Press

Waltz, Kenneth (1979), Theory of International Politics, Boston: Addison-Wesley Pub.


Co.

Washburne, Christopher (2006), “Does Kenny G Play Bad Jazz?”, in Washburne,


Christopher & Derno, Maiken, Bad Music:The Music We Love to Hate, Londo:
Routledge, pp. 96 – 115

Weber, Max (1919) [1994] “Politics as a Vocation”, in Lassman, Peter & Speirs,
Ronald (eds.),

Weber: Political Writings, Cambridge: Cambridge University Press

Weisethaunet, Hans (2001), “Is there such a thing as the “blue note”?”, Popular Music,
Vol.

20/1, Cambridge University Press, pp. 99-116

Wendt, Alexander (1987), “The agent-structure problem in international relations in


theory”,

International Organization, Vol. 41, no. 3, pp. 335-370

215
Wise, Tim (2012), “Tin Pan Alley”, Horn, David & Sheperrd, John, (eds), Continuum
of Popular Music of the World, Volume II: Performance and Production,
London and New York: Continuum

Young, William H.; Young Nancy K. (2008), Music of the World War II Era, Westport,
Connecticut: Greenwood Publishing Group

216
Webgrafia

“A Short History of Lajes Field, Terceira Island, Azores, Portugal, 65th Air Base Wing
History Office, disponível em

<http://www.lajes.af.mil/shared/media/document/AFD-110621-022.pdf>, acedido a 14
de Junho de 2015

“História – Rádio Lajes”, consultado em <http://radiolajes.pt/historia>, acedido a 14 de


Junho de 2015

Air Force Musicians Association, http://www.afmusic.org/photo-gallery.htm, acedido a


14 de Dezembro de 2015

Castagneto,Pierangelo (2014), Ambassador Dizzy: Jazz Diplomacy in the Cold War


Era, “AMERICANA – E-Journal of American Studies in Hungary”
Department of American Studies at the Institute of English and American
Studies, University of Szeged, Volume X, nº 2, consultado em
http://americanaejournal.hu/vol10jazz/castagneto, acedido a 21 de Julho de 2015

s.a. (s.d.)<http://www.bparah.azores.gov.pt/html/bparah-
historia+fundos02.html>, acedido a 18 de Agosto de 2015

s.a. (s.d.) <http://www.emfa.pt/www/unidade-27-base-aerea-n-4>, acedido a 5 de

Agosto de 2015

217
s.a. (s.d.) https://www.discogs.com/Stan-Kenton-Artistry-In-Paris-The-Legendary-
Concert-At-The-Alhambra-Theatre-18-September-1953/release/6916186,
acedido 20 de Julho de 2015

Pinto, Ribeiro (2014), “Jazz nos Açores”, consultado em:


http://www.jazzportugal.ua.pt/web/ver_escritos.asp?id=1298&,acedido a 14 de
Junho de 2015

Sardinha, Vítor (2014), “Madeira (noites da)”, in Franco, José Eduardo & Trindade,
Cristina (coord.), Aprender Madeira – Dicionário Enciclopédico da Madeira,
Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, consultado em
http://aprenderamadeira.net/madeira-noites-da/, acedido a 15 de Dezembro de
2016

Sutton, Allan (2009), The Sears, Roebuck &CompanyRecord Labels (1905-1950),


http://www.mainspringpress.com/sears-labels.html, acedido a 20 de janeiro de
2017

The U.S. National Archives and Records Administration (2017), ”Records of the United
States Information Agency (RG 306)”,
https://www.archives.gov/research/foreign-policy/related-records/rg-306,
acedido a 13 de Fevereiro de 2018

Thomas Mike, disponível


em:<http://www.mgthomas.co.uk/dancebands/musicians/MusicianPages/Howar
d%20Baker.htm>, acedido a 5 de Abril de 2015

218
Entrevistas

Batista Ávila (15 de Maio de 2016, Praia da Vitória) Carlos Alberto Moniz (5 de
Outubro de 2015, Lisboa)

Carlos Barcelos (23 de Março de 2016, via email, Modesto, EUA) Dimas Matos (17 de
Maio de 2015, Praia da Vitória)

Duarte Pereira (16 de Julho de 2015, Angra do Heroísmo)

Fernando Alberto Mateus (12 de Agosto de 2015, Angra do Heroísmo) Ilídio Gomes (2
de Setembro de 2016, Porto Martins)

João Soares (2 de Julho de 2016, Porto Martins)

José Borges (Praia da Vitória, 20 de Agosto de 2016) Lúcia Coelho (Angra do


Heroísmo, 12 de Agosto de 2015)

Luís Gil Bettencourt (16 de Agosto de 2015, Praia da Vitória)

Mariano Bettencourt de Lima (6 de Novembro de 2016, via telefone, EUA) Olivério (7


de Fevereiro de 2017, Praia da Vitória)

Vasco Gomes (21 de Junho de 2016, via email, Oklahoma, EUA) Pedro Martins de
Lima (6 de Novembro de 2016, Lisboa)

Entrevistas por outros investigadores:

Durval Pereira (Moreira dos Santos, 2008)

219
Referências discográficas e musicais citadas

V-Disc293

Burwell, Cliff & Parish, Mitchell (1928), “Sweet Lorraine”: Teddy Wilson and his
Orchestra, V-Disk 456B (VP 1237), gravado em Junho de 1945

Fain, Sammy & Harburg, Edgar Yipsel (1943), “In Times Like These”: Vaugh Monroe
and his Orchestra, V-Disk 209B (VP 535), gravado em Novembro de 1943

Gershwin, George; Gershwin, Ira; Kahn, Gus (1929), “Liza”: Art Tatum with guitar and
bass, V-Disk 456A (VP 1234), gravado a 26 de Outubro de 1945

Johnston, Arthur & Coslow, Sam (1934), “Cocktails for Two!: Art Tatum with guitar
and bass, V-Disk 456A ( VP 1234), gravado a 26 de Outubro de 1945

Porter, Cole (1936), “I’ve Got You Under My Skin”: Vaughn Monroe and his
Orchestra, V-Disk 209A (VP 309), gravado em Novembro de 1943

Ram, Buck & Ebbins, Milton (1943), “South Side”: Vaugh Monroe and his Orchestra,
V-Disk 209B (VP 535), gravado em Novembro de 1943

293
Em paralelo ao trabalho realizado para esta dissertação sobre os V-Discs encontrados na discoteca
Rádio Lajes, foi também desenvolvida uma investigação no âmbito do projecto de investigação sobre o
jazz em Portugal: os legados de Luiz Villas-Boas e do Hot Clube de Portugal (2012, 2015, FCSH e HCP).
220
Outra Discografia recolhida

(1956), The Biggest Hits of 56’s Vol. 1 (LP), G3PP-4129/G3PP-4130, Camden, New
Jersey: RCA Camden – CAL 318

Atkins, Chet (1955), Chet Atkins In 3 Dimensions: Volume 3, EPA 687, New York:
RCA Records

Carmichael, Hoagy & Parish, Mitchel Parish (1929), “Stardust”: Glenn Osser and His
Orchestra, S-10A (Red Vinyl), Roebuck: Silvertone Record Club

Caryll, Ivan & McLellan, Charles Morton (1911), “Beautiful Lady”: Ted Dale and All-
String Orchestra, S-4B (Red Vinyl), Roebuck: Silvertone Record Club

Crosby, Bing (1958), Bing Crosby – In A Little Spanish Town (LP), DL 8846, London:
Decca

Garland, Hank (1960), Hank Garland – Velvet Guitar, HL 7231, USA: Harmony
Records

Heath, Ted (1959), Things To Come – Ted Heath and His Music(LP), LL3047, London:
London Records

Kaye, Sammy (1967), Sammy Kaye and His Orchestra – Let’s Face The Music and
Dance (LP), 7-34421, Londo: Decca

Kostelntz, Andre (1950), Music of Irving Berlin: Andre Kostelanetz and his Orchestra,
ML 4314, New York: Columbia Masterworks Records

Kostelntz, Andre (1955), Andre Kostelanetz and his Orchestra – Music of George
Gershwin, CL 770, New York: Columbia

Porter, Cole (1929), “What Is This Thing Called Love?”: Glen Osser and His Orchestra,
S-17B (Red Vinyl), Roebuck: Silvertone Record Club, gravado em 1950

Porter, Cole (1932), “Night and Day”: Glenn Osser and His Orchestra, S-17A (Red
Vinyl), Roebuck: Silvertone Record Club, gravado em 1950

Rasbach, Oscar & Kilmer, Joyce (1922), “Trees”: Ted Dale and All-String Orchestra, S-
4A (Red Vinyl), Roebuck: Silvertone Record Club

221
Rodgers, Richard & Hart, Lorenz (1927), “My Heart Stood Still”: Glenn Osser and His
Orchestra, S-22B (Red Vinyl), Roebuck: Silvertone Record Club, gravado em
1950 Rodgers, Richard & Hart, Lorenz (1937), “Where and When”: Glenn Osser
and His Orchestra, S-22A (Red Vinyl), Roebuck; Silvertone Record Club,
gravado em 1950 Rodriguez Albert, Rafael (1957), “Orquesta Popular e Madrid
de La O.N.C.E.; One Hundred Guitars” (LP), WL 143, New York: Columbia

Schonberger, John; Coburn, Richard; Rose, Vincent (1920), “Whispering”: Glenn Osser
and His Orchestra, S-10B (Red Vinyl), Roebuck: Silvertone Record Club,
gravado em 1950

Shearing, George (?), George Shearing: I Hear Music (LP), M-534, USA: Metro
Records

222
Restantes referências discográficas e musicais

“Wrappin’it Up”: Fletcher Henderson and his Orchestra (78rpm), 157 B, London:
Decca, gravado a 12 de Setembro de 1934

Adamson, Harold & Young, Victor (1956), “Around The World”: Bing Crosby, Bing
Crosby – Around the World With Bing!(LP), DL 8687, lançado em 1958

Brown, Lester Raymond “Les” (1958), Les Brown and His Band of Renown – Dance to
South Pacific (LP), ST-1060, California: Capitol Records

Danvers, Charles & Sigman, Carl (1957), “Till”: Percy Faith and His Orchestra, 4-
40826, New York: Columbia, gravado em 1957

Duke, Vernon; La Touche, John; Fetter, Ted (1940), “Taking a Chance On Love”,

Cabin in the Sky [Broadway], estreado a 25 de Outubro de 1940 Garner, Erroll (1954),
Contrasts, MG 36001, EmArcy Records

Gershwin, George (1925), Concerto in Ffor piano and orchestra, Pub (SS): New
World, Warner Bros

Gershwin, George (1934), “I Got Rhythm”, Variations for Piano & Orchestra (or 2
pianos), Pub: New World

Gray, Jerry & Sigman, Carl (1940), “Pennsylvania Six Five Thousand”: Glenn Miller
and His Orchestra, B-10754 A, Camden: RCA Victor Bluebird, gravado a 28 de
Abril de 1940

Greenfield, Howard & Sedaka, Neil (1958), “Stupid Cupid: Connie Francis, Connie
Francis – Stupid Cupid, M 21009, USA: MGM Records, gravado em 1958

Grouya, Ted & Anderson, Edmun (1940), “Flamingo”: Herb Jeffries e Duke Ellington,
27326-B, Camden: Victor, gravado em 1941

Hamilton, Nancy & Lewis, Morgan (1940), “How High The Moon”, Two for the Show

[Broadway], estreado a 8 de Fevereiro de 1940

Handy, W.C (1914), “Saint Louis Blues”, Pub: Handy Bros. Music

223
Karas, Anton (1949), “The Third Man Theme”, The Third Man [filme], estreado a 2 de
Setembro de 1949

Kern, Jerome & Hammerstein II, Oscar (1927), “O’l Man River”, Show Boat

[Broadway], estreado a 27 de Dezembro de 1927

Manning, Dick & Hoffman, Al (1957), “You’re Cheating’ Yourself”: Frank Sinatra,
This Is Sinatra Volume 2 (LP), W-982, California: Capitol Records, lançado em
1958 McHugh, Jimmy & Fields, Dorothy (1928), “I can’t get you anything but
love”: Adelaide Hall, Blackbirds of 1928 [teatro da Broadway], estreado em
1928

Oliver, Joe “King” (1928), “West End Blues”: King Oliver and Dixie Syncopators
(78rpm), 1189, gravado a 11 de Junho de 1928

Paul, de Gene; Johnston, Patricia; Raye, Don (1942), “I’ll Remember April” [cantado
por Dick Foran], Ride ‘Em Cowboy (filme), estreado a 20 de Fevereiro de 1942

Pettis, Jack; Meyers Billy; Schoebel, Elmer (1922), “Bugle Call Rag”: The New
Orleans Rhythm Kings (78 rpm), 9304-B, gravado a 29 de Agosto de 1922

Ponce, (1912) “Estrellita”, Tres Cancianes Papulares Mexicanas, La Pajanera, Par Ti Mi


Carazon, e La Valentina, arranjo para guitarra publicado em 1925

Porter, Cole (1930), “Love for Salte”, The New Yorkers [teatro da Broadway], estreado
a 8 de Dezembro de 1930

Porter, Cole (1950), “From this Moment On”, Kiss Me Kate (filme), lançado a 26 de
Novembro de 1953

Porter, Cole (1957), “Ça C’est L’amour”, Les Girls (filme), lançado 3 de Outubro de
1957

Prado, Pérez (1958), “Patricia” (Single), 45-RCA 1067, New York: RCA Records Roll
Morton, Jelly (1905), “King Porter Stomp”:

Shields, Larry; Ragas, Henry (1918), “Clarinet Marmade”: Original Dixieland Jazz
Band (78 rpm), 18513-B, Camden: Victor, gravado a 17 de Julho de 1918

Simons, Moisés (1930), “The Peanut Vendor”: Don Azpiazú and his Havana Casino
Orchestra, 22483-A, Camden: Victor, gravado a 13 de Maio de 1930
224
Trenet, Charles (1945), “La mer”: Charles Trenet, Orchestra direction A. Lasry, DF
3096, Londres: Columbia, gravado em 1946

Warren, Earle; Palmer, Jack; Engvick (1941), “920 Special”: Count Basie and his
Orchestra (78 rpm), 6244, New York: Okeh, gravado a 10 de Abril de 1941

225
Anexo A

Gravações e faixas:

Orquestra Olmmar Band (ou Oldmar Band) (bobines digitalizadas pelo Rádio
Clube de Angra)

1- Mi Comadre (?) https://youtu.be/1pq_6z-YmFI

2- You’re Cheatin Yourself (Composição de Dick Manning &Al


Hoffman) https://youtu.be/gaiNOcwlt44

3- Around The World (Composição de Harold Adamson&Victor Young)


https://youtu.be/ieonWf8WOqY

4- Ça C’est L’amour (Composição de Cole Porter)


https://youtu.be/JbhNUGjO8Dk

5- From This Moment On (Composição de Cole Porter)


https://youtu.be/0u6SXY7FAGg

6- Olé Parrita (Composição de Raúl Coelho)


https://youtu.be/nLkZa4Bnr8A

7- Patricia (Composição de Prado Pérez) https://youtu.be/nNFgMUtfW9s

8- Pennsylvania Six Five Thousand (Composição de Jerry Gray & Carl


Sigman) https://youtu.be/ziyKnEpxH3s

9- Till (Composição de Charles Danvers & Carl Sigman)


https://youtu.be/ks7pWJp-OLQ

226
“Conjunto” RivalJazz (bobines digitalizadas pelo Rádio Clube de Angra)

1- Mardi Grash March (Composição de Sammy Fain & Paul Francis


Webster, 1958)

https://youtu.be/CD9Mkuppsjo

2- Misty (Composição de Erroll Garner, 1954)


https://youtu.be/AWTAgmIXRno

3- Apache (composição de Jerry Lordan, 1959)


https://youtu.be/QOJJ9xTJGzs

4- Exodus (composição de Ernest Gold, 1960)


https://youtu.be/HeR1U4MdXiY

5- Garbosa y Morena (composição de Gil Membrado, 1959)


https://youtu.be/WCwj9N9MrrY

6- In The Mood (composição de Wingy Manone, Andy Razaf e Joe


Garland, 1938) https://youtu.be/AXv7HhNyYKE

7- Malaguena (composição de Ernesto Lecuona, 1928)


https://youtu.be/tthNjndyAzQ

8- Mama Inez (composição de Wolfe Gilbert & Elisco Grenet)


https://youtu.be/aRF21CV-Lgg

9- Marcha do Lusitânia (marcha composta para o Sport Clube


Lusitânia) https://youtu.be/pjO_RBIE3lQ

10- Marina (composição de Rocco Granata, 1959)


https://youtu.be/ZS8ht6lPQUk

11- Never On Sunday (composição de Manos Hadjidakis, 1960)


https://youtu.be/SnZAT0bGSIQ

12- Peter Gunn (composição de Henry Mancini, 1958)


227
https://youtu.be/f-5uUfgBnNQ

13- Wonderland By Night (composição de Klaus-Gunter Neumann e


Lincoln Chase, 1960)

https://youtu.be/YaYX2AwqLvg

Flama Combo (bobines digitalizadas pelo Rádio Clube de Angra)

1- Tu Cantas Mambo! (composição de Flama Combo da década de


1950 ou 1960) https://youtu.be/kPtFpMi7SHA

2- Outono nos Açores (composição de Flama Combo da década de


1950) https://youtu.be/1nduN9zTd-o

3- Manuela (composição de Flama Combo da década de 1950)


https://www.youtube.com/watch?v=8vZtehFo02c

4- Marcha João Moniz(?) https://youtu.be/dEGpTgp7ynM

5- Misty (composição de Erroll Garner)


https://youtu.be/C7hxnBABhJ8

6- Ó Meu Bem (arranjo de Flama Combo de uma música do folclore


açoriano) https://youtu.be/Tj45owrf04w

7- St. Louis Blues (Composição de W.C. Handy)

https://youtu.be/m9eY3uu046A

8- Stupid Cupid ( Composição de Howard Greenfield & Neil Sedaka)


https://youtu.be/Z6cI8v4tjgQ

9- Um Número de Jazz (composição de Flama Combo da década de


1950) https://youtu.be/YafY9wx01RY

228
229
Anexo B

Artigo publicado em Diário Insular, nº 1176, 14 de Fevereiro de 1950:

“Depois de uma cuidadosa preparação dos elementos necessários a uma boa


emissão, pois é ainda, a qualquer posto radiodifusor, bastante difícil transmitir
directamente música de orquestras de dança, foi a excelente “Olmar Band” apresentada,
anteontem, aos microfones do Rádio Clube de Angra. A emissão resultou muito sabem
ainda levemente hesitante, no início. O publico pode compreender os esforço da
iniciativa do Rádio Club e comparou a considerável diferença entre a maneira como se
ouviu esta orquestra e as deficiências, neste capitulo, das audições de outras emissoras.

Verdade seja que a “Olmar Band” é uma orquestra de categoria, composta de um


esforçado grupo que muito honra a ossa terra.

A quantos tornaram possível o presente êxito, endereçamos os nossos parabéns.”

230

Você também pode gostar