10 Reportagem
GOLPE ANTIGO
‘Me pareceu um negócio muito interessante’
Com expectativa de bons lucros, paranaenses perdem milhares de reais em aplicações nas supostas pirâmides
Marian Trigueiros
Reportagem Local
C
omerciante de Cam-
bé, R.M. é um dos mi-
lhares de brasileiros
que acreditaram na história
do sucesso rápido e certeiro
de um suposto esquema de
pirâmide. Sete meses depois
e sem ter retorno de qualquer
representante da empresa,
já não tem mais esperanças
de reaver os R$ 2,7 mil que
aplicou na Mister Colibri em
agosto do ano passado.
Convencido por um amigo
de que era um bom negócio,
o irmão de R.M. entrou pri-
meiro investindo o mesmo
valor e depois uma quantia
de R$ 24 mil. ‘‘Fiquei apenas
um mês no esquema que lo-
go em seguida começou a
ser investigado pela Polícia.
Nunca recebi nenhum centa-
vo’’, revela.
A função do novo integran-
te era comprar moedas da
empresa, chamadas ‘‘LP’’,
de alguém que já estivesse
no esquema. Esse valor de
moedas, a pessoa tinha que
vender para outras pessoas
e assim por diante. ‘‘Enquan-
to isso, eu tinha que assistir
a vídeos na internet de pro-
pagandas de marcas conhe-
cidas. A cada vídeo assisti-
do, ganhava uma espécie de
bônus que se convertia em
80 centavos.’’ O valor só era
pago caso o associado as-
sistisse a vinte vídeos em
uma semana. O irmão de
R.M., que investiu a maior
quantia, conseguiu ‘‘recupe-
rar’’ cerca de R$ 4 mil. ‘‘Os
R$ 2,7 mil que paguei e ou-
tros R$ 1 mil de um amigo.’’
Com um investimento de
R$ 7 mil que nunca mais viu,
a dona de casa E.O. também
foi lesada ao entrar na em-
presa Omni Internacional
do Brasil, em Londrina, no
ano passado. Animada com
as promessas de ganhos
elevados, entrou de cabeça
no negócio que consistia em
abrir lojas virtuais para a ven-
da de produtos que a empre-
sa disponibilizava, a partir
do recrutamento de mais
pessoas para adquirirem a
loja virtual.
‘‘Me pareceu um negócio
muito interessante e empre-
endedor. Eu sei que é pirâmi-
de, mas acho que não deu
certo porque as pessoas da
cidade não tiveram visão’’,
defende. Ainda assim, ga-
rante que não entra de novo
Ilustração: Marco Jacobsen
em algo do tipo e entrou com
uma ação na Justiça para
tentar resgatar o dinheiro.
Ambas as empresas foram
investigadas pela Polícia Fe-
deral e têm ações judiciais
de estelionato e golpe.
Reunião lotada
Ao acompanhar uma reu-
nião de divulgação da Tele-
xfree em Londrina, a reporta-
gem da FOLHA comprovou
FOLHA DE LONDRINA, domingo, 24 de março de 2013
que não é difícil se sentir se- de telefonia) em diferentes
duzido pelas promessas. sites de anúncios grátis na
Na cidade, a empresa que internet’’, disse. Mas em se-
divulga vender serviço de te- guida, afirma que o que mais
lefonia VoIP, já conquistou traz retorno financeiro é o re-
muitos ‘‘divulgadores’’ e es- crutamento de pessoas para
tá se disseminando rapida- o grupo. ‘‘Você tem que pen-
mente. A referida reunião sar alto e se tornar um líder
aconteceu em uma sala co- do grupo, porque ganhará
mercial bem confortável, comissão sobre a pessoa da
com capacidade para cerca rede que formar.’’
de 60 pessoas, praticamente Em resumo, o trabalho
lotada. Homens e mulheres consiste basicamente na
de várias idades e diferentes postagem diária de uma
perfis econômicos presta- quantidade de anúncios rela-
vam atenção às promessas cionados aos serviço VoIP
de faturamento de um dos em sites de classificados e
palestrantes, que dava de- redes sociais, e uma comis-
poimento de seu sucesso fi- são irrisória sobre as vendas.
nanceiro crescente e suas O valor semanal recebido va-
aquisições ma- ria de acordo
teriais desde com o contrato
que entrou na
‘Reportagem adquirido. Há
empresa em comprova que não duas opções
setembro do é difícil se seduzir de planos: US$
ano passado. pelas promessas’ 6 9 9 e U S $
As informa- 1.299, que ren-
ções passadas deriam US$ 20
sobre o negócio são confu- e US$ 100 por semana, res-
sas e truncadas, com pou- pectivamente. Mas a cada
cas citações sobre os planos pessoa que o divulgador
de telefonia VoIP. O enalteci- consegue trazer para sua re-
mento de ganhos, entretan- de, também ganha uma por-
to, inclusive com exibição do centagem. O anunciante re-
‘‘saldo’’ do palestrante, é cebe US$ 20 a cada novo di-
usado a todo momento para vulgador que conquistar para
justificar a credibilidade da o primeiro plano e US$ 100
Telexfree. para o segundo.
Por meio de uma demons- Ao final da reunião, alguém
tração na tela do computa- questiona se o negócio é
dor, o palestrante mostra co- uma pirâmide. ‘‘Tanto não é
mo será o trabalho do divul- que se alguém sair não há
gador assim que adquirir – perigo de acabar e nós te-
entenda-se pagar uma cota mos um produto que é o
– um dos planos disponíveis. Voip. Saíram várias notícias
‘‘Você receberá um valor X de investigação, mas nin-
toda semana que postar os guém conseguiu provar na-
anúncios (sobre os planos da’’, defendeu o palestrante.
FOLHA DE LONDRINA, domingo, 24 de março de 2013
De vítimas a
coautoras
do delito
Promotor informa que lesados pelos
supostos esquemas podem pedir
indenização judicial se provarem
que foram induzidos à prática ilegal
Carolina Avansini e
Marian Trigueiros
Reportagem Local
U
ma vez lesados pelos
supostos golpes da pi-
râmide financeira, os
prejudicados nem sempre sa-
bem a quem recorrer para ten-
tar reaver o dinheiro investido,
e isto só é possível se prova-
rem que foram levados à práti-
ca ilegal. Mas como adverte o
procurador de Justiça Ciro Ex-
pedito Scheraiber, coordenador
do Centro de Apoio Operacio-
nal das Promotorias de Justiça
de Defesa do Consumidor (Ca-
opcon) do Paraná, as pessoas
ingressam nas pirâmides por
vontade própria, levadas pelo
anseio do ganho fácil.
‘‘É claro que elas podem pe-
dir judicialmente, e em caráter
individual, indenizações por
eventuais prejuízos que ve-
nham a ter, desde que compro-
vem que foram induzidas em
erro para isso. Mas, normal-
mente, as pessoas que ingres-
sam nesses grupos têm ciência
do que se trata e agem tam-
bém imbuídas de certa má-fé,
ou melhor, conscientes de que
há possibilidade de enriqueci-
mento fácil, sem causa justa.
Podem até desconhecer que
estão praticando um crime,
mas a intenção é de ganho fá-
cil.’’ Scheraiber alerta que inva-
riavelmente essas pessoas, de
vítimas num primeiro momento,
à medida em que aderem às
práticas danosas, passam a
ser coautoras do delito, junto
aos cabeças dos grupos.
O delegado Vinícius Borges
Martins, adjunto da Delegacia
de Estelionato e Desvio de Car-
gas de Curitiba, afirma que de-
núncias podem ser feitas à Po-
lícia Civil. ‘‘O golpe da pirâmide
é muito antigo. Trata-se de es-
telionato, por isso, quando to-
mamos conhecimento, vamos
investigar’’, disse.
‘Reclame Aqui’
Envolvidos com as empre-
Marketing de rede
não é pirâmide
O professor de marketing
Roberto Harry Kanter, da ISAE/
FGV, explica que o esquema de
pirâmides financeiras é uma
prática ilegal que não deve ser
confundida com sistemas de
venda por marketing pessoal
ou marketing de rede.
O marketing pessoal, segun-
do ele, é bastante utilizado por
marcas de cosméticos que co-
mercializam no sistema ‘‘porta
a porta’. Neste caso, as pesso-
as fazem as vendas individual-
mente e o ganho é exclusivo
sobre o que está sendo vendi-
do. ‘‘Existe um organograma
funcional para ordenar as ven-
das, mas o gerente local é ape-
nas gestor’’, detalha.
Já o marketing de rede é ba-
seado na criação de núcleos
próprios de pessoas que, além
de consumirem ao máximo os
produtos da empresa, também
recrutam novas pessoas para
Reportagem 11
GOLPE ANTIGO
Ilustração: Marco Jacobsen
sas Telexfree e Mister Colibri
também manifestam sua insa-
tisfação na internet. No site
Reclame Aqui, destinado a di-
vulgar reclamações de consu-
midores com empresas e pro-
dutos, a Telexfree é campeã
no ranking das que mais gera-
ram registros no último mês.
Foram 4.990 manifestações
nos últimos 30 dias (até 22 de
março). Há 23 reclamações
de Londrina, 39 de Curitiba e
12 de Maringá.
As denúncias envolvem des-
de dificuldades para operar o
sistema até cobranças pelo
não pagamento por serviços
prestados. No site, as reclama-
ções contra a Telexfree supera-
ram até mesmo as empresas
de telefonia.
Na página oficial da Telexfree
no Facebook, cada post divul-
gando novas ações é bombar-
deado com milhares de co-
mentários que mesclam recla-
mações e pedidos de informa-
ção de clientes com ofertas de
outros divulgadores, com re-
des já estabelecidas, para re-
solver os problemas e arregi-
mentar mais pessoas. Na mes-
ma rede social, existem pági-
nas criadas por internautas que
sentiram-se lesados pela Mis-
ter Colibri, cujo objetivo é reunir
denúncias contra a empresa.
Procon
O Ministério da Justiça (MJ),
em parceria com a Secretaria
Nacional do Consumidor e De-
partamento de Proteção e De-
fesa do Consumidor, encami-
nhou no dia 28 de fevereiro,
ofício a todos os Procons do
Brasil alertando sobre a notifi-
cação enviada à empresa Tele-
xfree, em função do recebi-
mento de denúncia de suposta
prática de pirâmide financeira.
Dessa forma, o MJ solicitou
que todos os departamentos
encaminhassem cópias de
procedimentos em curso sobre
a empresa a fim de colaborar
com as investigações. (Cola-
borou Silvana Leão)
formarem redes próprias vincu-
ladas às suas redes. ‘‘Quanto
mais forte a rede de consumo,
maiores serão os ganhos’’, diz,
citando como exemplo a norte-
americana Amway, que movi-
mentou mais de US$ 5 bilhões
no ano passado nos Estados
Unidos. ‘‘O negócio é baseado
no consumo’’, esclarece.
As duas modalidades não
têm nada a ver com as pirâmi-
des, que só funcionam en-
quanto há adesões de novas
pessoas. ‘‘Quem está em cima
sempre ganha, mas a base
pode perder se novos inte-
grantes não entram. A renda é
prometida sobre algo que não
existe’’, analisa.
Kanter reforça que a prática
é ‘‘totalmente ilegal’’ e não
tem qualquer relação com es-
tratégias de marketing. ‘‘Pirâ-
mide financeira é estelionato’’,
resume.(C.A.)