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GESTÃO INTEGRADA DE OPERAÇÕES E SERVIÇOS

A GESTÃO DAS OPERAÇÕES DE PRODUÇÃO E SERVIÇOS NOS DIAS DE HOJE

NOÇÕES INICIAIS

Se víssemos um filme de ficção científica há alguns anos, ou lêssemos um livro


em que se especulasse sobre como seria o futuro, provavelmente nos depararíamos
com o sonho de um mundo em que a tecnologia requalificaria nossas vidas para
melhor, para o lazer. Robôs, automação, impressão 3D, armazenamento de dados
nas nuvens, drones, convergência das inovações, redes, realidade aumentada,
objetos virtualmente inteligentes, semiautônomos e conectados uns aos outros, a
internet das coisas: no imaginário do ser humano tudo sugeria (e ainda sugere) um
amanhã mais simples, com mais tempo para curtir a vida, para desfrutar do “ócio
criativo”. As coisas maçantes do cotidiano ficariam por conta das máquinas; conosco,
as façanhas do espírito: a criação, a arte, o esporte, a natureza, as relações humanas,
a transcendência.

Surpresa, porém: examinamos nossas vidas nos últimos anos e temos a


sensação quase oposta. O tempo foge às mãos, a condução do dia a dia parece se
tornar mais e mais complexa, mais agitada e ansiosa! É um paradoxo, afinal de contas,
com tantas ferramentas potentes e muito mais meios para coordenar e controlar
nossas atividades do que tínhamos, quem poderia supor que fôssemos terminar nesse
corre-corre alucinado da vida moderna?

Há vinte e cinco anos, ainda sem celular, internet e computador pessoal em


nossas mãos, tudo de fato tinha ares mais suaves. Nós, por exemplo, autores deste
livro, trabalhávamos então ambos em um instituto de pesquisas durante o dia e à noite;
eventualmente, dávamos aulas em cursos de pós-graduação no Rio de Janeiro. Era
frequente irmos ter com os amigos após a jornada de trabalho em um bar ou chegar
em casa com o dia ainda claro, aproveitando a luz do horário de verão e a beleza da
paisagem carioca.

Olhadas retrospectivamente, estas imagens e sensações simples nos dão certa


nostalgia. Parecem já distantes, como se tudo houvesse virado às avessas nesse
curto período. Sem que tivéssemos planejado isso, paulatinamente cruzamos o
perímetro da cidade e passamos a atuar em todo o estado, depois na região sudeste,
então nos quatro cantos do país. Hoje, na condução de uma pequena empresa de
base tecnológica, desenvolvemos projetos e cursos em quase todos os estados

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brasileiros e atuamos em outros países da América Latina e Europa. Mais dia menos
dia haveremos de estar fazendo algo na África ou no oriente!

A consequência é que – como provavelmente acontece também com vocês –,


ao acordar de manhã, somos assolados por um lote de e-mails reclamando justa
atenção e solicitando o cumprimento de pendências. Outro lote, porém, nos oferta
diversas oportunidades e novos chamados. Os compromissos e agendas se
conectam, se afetam, se integram. A mudança de planos e prioridades é uma
constante. No peito, uma permanente ansiedade e a sensação de perda de controle
e complexidade.

Mas afinal de contas: de onde veio toda essa complexidade?

Sintonizar as percepções sobre a gestão de operações de produção e serviços


nos dias de hoje; compreender o que são os sistemas de produção e serviços; como
a gestão das operações pode contribuir para ganhar clientes, dinheiro e prover
utilidade; descrever introdutoriamente as principais linhas de ação que vêm sendo
adotadas por empresas líderes em seus segmentos de atuação, esses são os
objetivos deste nosso primeiro capítulo.

OS 7+1 “VS” DA COMPLEXIDADE NAS OPERAÇÕES DE BENS E SERVIÇOS

A VARIEDADE IMPOSTA PELA CONCORRÊNCIA

Possivelmente, uma das principais fontes da complexidade na nossa vida


contemporânea é a variedade de coisas que nos comprometemos a fazer todos os
dias! Uma coisa é dar aula em um curso em uma cidade. Outra coisa é dar aula em
diferentes cursos e em muitas cidades. Ainda que o volume total de alunos alcançados
fosse o mesmo nestes dois cenários, o fato de os cursos serem diferentes, terem
conteúdos, cargas horárias e públicos-alvo distintos tornaria tudo mais complexo.
Seria preciso pensar as ementas e a diferenciação entre elas; preparar os materiais;
conceber a dinâmica de aula; a forma de avaliação; e customizar outros tantos
aspectos acadêmicos.

A pressão da variedade não ocorre apenas nas nossas vidas pessoais. No


contexto empresarial são também raríssimas as empresas que podem dar-se hoje ao
luxo de fabricar apenas uma estreita faixa de produtos. Aparentemente, as causas-
raiz são: as necessidades ilimitadas dos seres humanos e a concorrência. Sim, porque

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não se trata mais apenas de encantar o cliente; é preciso que ele considere sua oferta
de valor mais atraente que a de seu concorrente.

Como exemplo, tome o caso da indústria de refrigerantes. Somos sete bilhões


de habitantes no planeta, cada um bebe seis, sete copos de líquido por dia. É um
mercado relativamente finito. Como sede não se estoca, quem faz refrigerante e quer
crescer neste mercado tem que preparar-se para concorrer com água, sucos, café,
chá, vinhos, a variedade de coisas com as quais os seres saciam a sede e são
ofertadas no mercado.

Com efeito, mesmo empresas “ícones” da produção em massa não podem


mais concentrar seus recursos na produção em um único ou poucos SKUs.1 Pergunte
a um leigo quantos diferentes produtos são envasados pela empresa líder de
refrigerantes no mundo? Talvez ele diga: cinco, sete, dez ou algo assim. Pois saiba:
são mais que 200 variantes entre marcas tradicionais, marcas locais que foram
adquiridas, sucos, energéticos, chás e muitos outros; sem dizer das opções: normal,
diet, light; dos tipos de vasilhame: vidro, lata, PET; e das alternativas de volume e
amarração.

A VARIABILIDADE TRAZIDA PELA INOVAÇÃO E PELO ALEATÓRIO

Repare! Quando se introduz variedade em um sistema, comumente surge


também uma segunda fonte de complexidade: a variabilidade!

Sim, variedade e variabilidade costumam andar juntas. Palavras parecidas,


mas com significados diferentes. Ministre várias vezes um mesmo curso para um
mesmo único público-alvo. Agora, ministre esse mesmo curso para diferentes
públicos, ou ainda para o mesmo público-alvo, mas em diferentes regiões do Brasil.
Você se surpreenderá ao perceber como a execução e o resultado são diferentes.
Experiência própria: se a cultura local não é exatamente a mesma, as expectativas e
desejos pessoais também tendem a variar. O curso é percebido pelos alunos de forma
diferenciada. O mesmo acontece se você apresenta um mesmo conteúdo para
estudantes de graduação, de especialização, de um MBA executivo ou de um
mestrado acadêmico. Serão aulas bem diferentes, mesmo se os slides e dinâmicas
forem parecidos.

De modo análogo, em uma empresa, se você faz vários produtos com um


mesmo fornecedor, o grau de controle do processo é mais determinado. Se você já o

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conhece, a introdução de um novo produto trará questões novas, é claro, mas sendo
o relacionamento com o canal maduro, você pode presumir ou conter mais facilmente
a variabilidade.

Por outro lado, se o aumento da oferta de variedade para o seu mercado traz
consigo fornecedores, processos, materiais ou consumidores não típicos, é plausível,
e bastante provável que você se depare com variações que não conhece bem ainda,
processos não estabilizados e flutuações imprevistas de desempenho.

Some-se a esse tipo de turbulência a existência de variáveis aleatórias, fatos


que fogem ao nosso domínio ou à previsão humana. No nível pessoal: a morte, a
paixão, os encontros e desencontros. No nível corporativo: o absenteísmo, a falta de
energia, greves, desabastecimento por algo imprevisto, furtos, quebras de
equipamentos, chuvas, alagamentos, nevascas, terremotos, tsunamis; as intempéries
da natureza! Ou simplesmente um acidente; uma pessoa passando mal ao seu lado,
pedindo socorro.

Como nos planejar para isso? Observe que na realidade do mundo


contemporâneo, e particularmente nos grandes e complexos aglomerados urbanos,
mesmo pequenos fatos se propagam, se amplificam. Uma pequena manifestação, a
greve de um serviço essencial, uma discussão de trânsito, até mesmo um evento tolo
e fortuito pode suspender a mobilidade de uma grande cidade.

A VELOCIDADE DO FLUXO DE INFORMAÇÕES

Há uma terceira razão para o mundo das operações, no dia a dia, parecer de
pernas para o ar: tudo se comunica muito rapidamente, velocidade meteórica!

Citamos há pouco nossa memória de vinte e cinco anos atrás. Pois, embora
em uma perspectiva histórica esse seja um período irrisório, o fato é que naquela
altura a comunicação era ainda dominada por carta e telex. A ligação telefônica era
cara, o aparelho de telefone era um bem (listado como um ativo na declaração do
imposto de renda). Ligar da rua dependia de encontrar um “orelhão”.2 Computadores
pessoais tinham custo elevado. Para nós, por exemplo, era ainda um item inacessível
ao nosso orçamento pessoal. Entre pergunta e resposta o tempo parecia passar mais
devagar e ninguém ficava aflito se a resposta a uma carta demorava dias e não
minutos. Havia mesmo um romantismo nessa espera: imaginar o interlocutor abrindo
o envelope, lendo sua carta, preparando a resposta!

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Hoje, se o computador demora segundos para se conectar ficamos já


impacientes. Um programa de televisão precisa nos conquistar imediatamente antes
que seja trocado via controle remoto. A informação flui e nos alcança por vários
veículos. Tudo se sabe, tudo se copia e se transforma rapidamente. Se a variedade e
a variabilidade ao entrar em cena já nos deixam atônitos, que dirá se esse processo
acontece em um fluxo de alta velocidade e aceleração crescente? É grande de fato a
chance de perdermos o fio da meada.

A VOLATILIDADE DOS CICLOS DE VIDA E A CURTA VALIDADE DAS


NOVIDADES

Outra dimensão da velocidade refere-se ao encurtamento dos ciclos de vida


dos produtos. Todos os dias novos produtos e modelos são lançados no mercado. É
um mar de novidades capaz de “afogar” o mais compulsivo dos consumidores.

O que mais surpreende é que a novidade dura pouco! Pouquíssimo! O produto


entra hoje na vitrina principal e dois meses depois já é deslocado para um lugar de
menor destaque. Montadoras de automóveis, computadores, celulares, periféricos,
automóveis e cosméticos; produtores de software, fabricantes e prestadores de
serviço, praticamente todos, em todos os segmentos da sociedade, competem em um
ritmo frenético de invenção e moda, fazendo modificações ou mudando por completo
o pacote de valor ofertado em períodos que se contam em meses ou, em alguns
mercados, já em semanas ou dias.

E observe que a fonte de pressão não é só seu cliente ávido por novidade. É
dura, meu amigo, a vida de quem inventa algo! Você investe em pesquisa e
desenvolvimento, arca com esses custos, e “dez minutos depois” é seguido por
concorrentes que atalham o processo e sem arcar com os mesmos custos copiam
seus produtos colocando-se par e passo na competição. Por exemplo: nós, como
consultores, testemunhamos recentemente uma situação em que uma empresa, líder
em seu mercado, teve que adotar como política alterar continuamente as peças de
seus produtos apenas para impedir que a concorrência as copiasse. É que sua rede
de concessionárias espalhada por todo o território nacional é uma de suas grandes
vantagens competitivas e estava sendo usada predatoriamente pelos concorrentes
que para tanto fabricavam produtos com peças idênticas às suas.

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A VAGAROSIDADE DOS PROCESSOS LOGÍSTICOS (EM CONTRAPOSIÇÃO


AOS FLUXOS DE INFORMAÇÃO)

Um fato interessante da correria contemporânea é que enquanto a distância


virtual entre pessoas, empresas e países se encurtou, a distância física não. Através
de meu computador visito a casa de um parente no Canadá instantaneamente pela
internet, mas para abraçá-lo de fato tenho que reservar, com sorte, pelo menos um
dia de viagem entre a minha casa e a dele!

Eis aí mais um elemento gerador de tensão: a vagarosidade dos processos


logísticos frente à velocidade da informação e as expectativas daí derivadas. Em uma
época em que o tempo parece faltar a todos nós, os processos de produção,
fornecimento ou entrega seguem tomando dias, semanas ou meses e são quase
sempre fonte provável de estresse. Já as expectativas não estão nem aí para isso,
querem respostas instantâneas.

Tempos existem na produção e no fluxo entre os elos da cadeia como, por


exemplo, entre o sistema e seus fornecedores ou entre o sistema e seus clientes. A
esse respeito observe que quando os lead-times3 dos processos logísticos são
longos, mais expostos ficam à variabilidade e interferências. Se isso é verdade, as
ações da gestão deveriam convergir para a busca de fluidez e redução dos tempos.
Óbvio, não é? Nem tanto!

Quando a cadeia de suprimento reúne processos que estão distantes uns dos
outros; ou são muito turbulentos; ou quando a gestão dos fluxos é conduzida sob o
estresse de relações de poder desbalanceadas – em lugar de parcerias ganha-ganha
– tende a haver ações defensivas de proteção, seja com estoques ou com
antecipações de tempo. A consequência é que a fluidez desejada fica obstaculizada
por eficiências locais; a complexidade cresce e com ela, a chance de erros.

O VOLUME DE TAREFAS, O AUMENTO DO ALCANCE E DOS IMPACTOS

Combinado com a velocidade que avança em desembalada carreira, outro


fenômeno caracteriza também nossos dias: o alcance das nossas ações vem se
alargando consideravelmente. Via telefonia, e-mail e redes sociais pela internet, a
metáfora da “aldeia global” tornou-se realidade, e mesmo crianças relacionam-se,
hoje, com “amigos” de diferentes locais do mundo. No nível corporativo então nem se

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fala: empresas locais passaram a se relacionar nacionalmente, e as que já atuavam


nesse nível lançaram-se aos mercados internacionais.

A consequência disso é que cresceram os volumes de produção e vendas (o


que é bom!). Mas, em correspondência, cresceram também os riscos e as
responsabilidades (o que não é tão agradável assim!). De fato, quanto maiores os
volumes, mais impactantes os desdobramentos de não conformidades, não
atendimentos ou atrasos, daí advindo novos graus de tensão.

Interessante é notar que se de um lado o alto volume traz complexidade, de


outro não menos complexo é a situação de quem produz volumes baixos ou unitários.
Quem faz algo irregular ou unitariamente tem menos possibilidade de padronizar ou
fazer ganhos de escala tende a ver-se às voltas com mais incertezas e variabilidade.

O VALOR DOS ATIVOS

Na produção de bens e serviços há dois tipos de problema:

• O “doce problema”, que é quando a demanda supera a capacidade;


• O “amargo problema”, que é quando, ao contrário, há mais capacidade
que pedidos.

O “doce problema” é, em tese, bom de ter. De fato, se você pode crescer


incrementalmente sua capacidade de produção, ou ajustá-la com as flutuações de
demanda, esse é um cenário de sonhos. Pense, por exemplo, num processo
fundamentalmente dominado por pessoas, bancadas, ferramentas e ativos baratos.
Exemplo: situações de montagem ou sistemas de prestação de serviços que não
requerem máquinas caras. Quando a capacidade é barata e pode ser contratada ou
comprada paulatinamente, pode-se imaginar o sistema crescendo no ritmo da
demanda e tirando o melhor proveito da oportunidade de mercado.

Se, porém, o processo é dominado por processos automatizados, com ativos


caros, temos aí mais um dado de complexidade e tensão. Pois, se a demanda cresce
gradualmente, a capacidade da máquina tende a ser provisionada em patamares e
precisa ser providenciada com antecipação.

Isto é, suponha que você tem uma máquina cara com capacidade para
processar 100 produtos em certo período. Considere também que você tem uma
demanda de 95 produtos que a consome quase que integralmente. Se a sua demanda

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avançar para 120, o que você faz? Compra outra máquina? Meio arriscado, não é?
Ativos caros significam um risco a mais para a gestão!

Bem, quanto ao “amargo problema”, nem é preciso dizer que grande tensão
haverá se ativos caros ficarem subutilizados. Provavelmente, a ineficiência e o baixo
aproveitamento do capital imobilizado deixarão o acionista de “cabelo em pé”.

A VAIDADE E A CEGUEIRA DE PARADIGMA

Além destes sete fatores geradores de complexidade (variedade, variabilidade,


volume, velocidade, volatilidade, valor e vagarosidade) que de algum modo se
originam externamente – relacionados que estão com a dinâmica do mundo
contemporâneo e seu processo de globalização –, há um oitavo aspecto, de natureza
mais interna, mais ligada à nossa própria atitude diante da mudança. Referimo-nos
aqui à vaidade ou à “cegueira de paradigma”. Pesquisas da neurociência mostram
que o cérebro humano desenvolve mecanismos de poupança de energia em buscas
de zonas de conforto. Escolher, depois decidir e então mudar são processos mentais
que demandam energia; muitas vezes manter a posição em que estamos traz
conforto, calma.

Em tese, procurar calma e conforto diante da complexidade parece sensato,


mas se tudo à volta segue mudando e se transformando, manter-se na mesma
posição pode, contrariamente ao propósito, significar estresse elevado. Diz-se que
uma causa recorrente de afogamento no mar é nadar contra a maré. Por outra, se
você nadar em sintonia com a corrente, suavemente, aproveitando o ritmo e sentido
das ondas, com calma e menor esforço chegará à praia são e salvo.

O que nos faz não querer mudar? Por que manter a posição? Uma causa é a
que mencionamos: a hipótese (na maioria das vezes falaciosa) de que onde estamos
é a zona de maior conforto. Outra possibilidade (talvez um pouco menos honrosa) é a
de estarmos tomados pela vaidade, seduzidos pelo próprio ego, encantados com
escolhas que fizemos no passado (e porventura nos trouxeram recompensas). Tais
fatos e sucessos muitas vezes nos iludem, contribuindo para uma certa cegueira de
paradigma que nos retém, paralisa. E quando despertamos, em geral tardiamente,
vemos que em lugar do conforto almejado estamos é “perdendo o barco” e elevando
assim a ansiedade à sua máxima potência.

SÍNTESE DESTA SEÇÃO

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Investigamos aqui algumas das causas que estão por trás da complexidade
das operações no mundo contemporâneo. Listamos 7+1 aspectos da realidade que
em combinação trazem grande dificuldade para a gestão articular, consistentemente,
as decisões e ações locais do dia a dia com o nível estratégico, os planos e resultados
desejados pela corporação. A Figura 1 resume as fontes de complexidade aqui
identificadas.

Figura 1 – Os 7+1 “Vs” da complexidade

AS DOENÇAS DA VISÃO GLOBAL NA GESTÃO DE OPERAÇÕES

A AÇÃO LOCAL EM DESARMONIA COM O OBJETIVO GLOBAL

Os 7+1 fatores citados na seção anterior operam simultaneamente para o


aumento da complexidade em quase todos os sistemas de produção e serviços do
mundo de hoje. A questão torna-se ainda mais intensa quando tais elementos atuam
sobre uma extensa cadeia de processos que precisa atuar de forma integrada. De
fato, uma característica do nosso tempo é a produção de bens e a oferta de serviços
através de grandes sistemas ou cadeias integradas de suprimento que se configuram
em nós espalhados, muitas vezes, pelos vários continentes do planeta.

Embora, em tese, quando se consolidam e se integram diferentes sistemas


num único o que se busca seja exatamente produzir sinergias tais que proporcionem

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economias globais e eliminação de atividades anteriormente feitas de modo


redundante, por outro lado, o aumento do número global de recursos e a necessidade
de operá-los de maneira harmônica traz aos sistemas de produção e serviços um
crescimento de complexidade que tende a ser combinatorialmente explosivo. A
consequência é que comumente tem-se dificuldade de ver o todo com nitidez e, muitas
vezes sem perceber, induz-se comportamentos que terminam hostis aos próprios
interesses e estratégias competitivas.

Há até mesmo razões matemáticas que explicam isso. Pode-se provar por
exemplo que a complexidade de solução de um problema de programação da
produção aumenta muito mais que proporcionalmente quando o escopo de análise
cresce. Com efeito, agendar quatro clientes em dois recursos, de forma integrada,
oferece uma gama de alternativas muitíssimo superior que o dobro das existentes
para o agendamento integrado de apenas dois clientes nesses mesmos dois recursos.

Com o crescimento da complexidade, fica mais difícil a programação e o


controle das operações no dia a dia e, em decorrência, costuma crescer o fosso entre
as decisões locais tomadas no cotidiano e os objetivos estratégicos traçados pelas
corporações.

Não faltam situações que ilustram a operação caminhando em um sentido


avesso ao pretendido. E, muitas vezes, isto é consequência de distorções de nossa
visão global que, diante da dimensão do sistema, teima em nos iludir fazendo com
que nos confortemos com ótimos locais que não necessariamente conduzem ao que
realmente se deseja.

Tomemos um exemplo típico do campo da Gestão das Operações. Suponha


que uma empresa, por uma definição estratégica, quer ter a pontualidade como seu
diferencial competitivo. Mas, claro, está também preocupada com o uso racional e a
rentabilização dos seus caros ativos. Imagine ainda que, neste instante, há três
produtos em carteira que devem ser preparados para hoje. Considere que para passar
de um serviço para o outro perde-se cerca de duas horas preparando e ajustando a
máquina para o processamento do novo pedido.

Admita agora que, em face da dimensão do sistema, o objetivo estratégico (“ser


pontual”) não tenha sido claramente comunicado ou percebido pela célula de
produção local. Ou pior, ao invés disso, a alta direção tenha decidido medir o

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desempenho do gerente local de acordo com a utilização da máquina que processará


estes pedidos. Ora, qual será a provável consequência desse estímulo ao uso
eficiente dos caros ativos?

Possivelmente, o chefe local se guiará pela forma como é medido. Para


apresentar alta utilização da máquina, ele tenderá a manter em processamento o
mesmo produto durante todo o dia. De fato, se não gastar tempos improdutivos,
trocando o produto que está em processamento, conseguirá o melhor resultado
possível de utilização do ativo e ficará “bem na foto”. Porém, os outros dois produtos
que não foram priorizados para processamento ficarão para o dia seguinte. Ou seja,
o objetivo estratégico da pontualidade acabará traído pelo comportamento local.

A visão global e a sua clara comunicação para a operação é, no mundo


contemporâneo, um fator crítico. A complexidade não é apenas a causa, ou um fator
intrínseco aos sistemas, mas é muitas vezes consequência de uma visão imprecisa,
parcial ou deformada da realidade. Uma percepção errônea sobre os gargalos do
sistema, ou a adoção de medidas de performance que induzem comportamentos
locais hostis aos objetivos estratégicos pretendidos pode ser o aspecto crítico que
retém todo o desempenho do sistema.

Quais são as principais anomalias que dificultam nossa visão? Poderíamos


fazer um paralelo com as dificuldades que tão frequentemente assolam a gestão da
produção e serviços, obstruindo a visão global do desempenho dos sistemas?

A MIOPIA NA GESTÃO DE OPERAÇÕES

No dicionário da língua portuguesa, miopia é definida como a “condição em que


objetos distantes parecem menos nítidos e aqueles objetos próximos são vistos
claramente”. Que analogia há com a gestão de operações no mundo contemporâneo?
Ora, pensemos no conceito de “produtividade”. Reflita sobre a expressão apresentada
na Figura 2.

Figura 2 – A produtividade e a mediação entre as oportunidades e a racionalidade

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Produtividade é uma relação entre resultados obtidos por um sistema e os


esforços feitos para alcançá-los. É uma conta de dividir. Pode-se aumentar a
Produtividade de duas formas: potencializando-se os outputs (o numerador da fração)
ou reduzindo-se os inputs (o denominador da fração). Na linguagem de “operações”,
o aproveitamento das oportunidades de negócio, os objetivos, o aumento dos
resultados, é o campo da eficácia; já o desafio pela racionalidade e a economicidade
no uso dos meios, a redução dos esforços, é o campo da eficiência.

Examinemos essas alternativas. Lutar por reduzir o denominador da conta (os


esforços realizados para se obter o resultado) parece ser uma solução atraente e
relativamente simples. Veja: os recursos de produção estão sob controle direto do
gestor, estão “perto dos olhos, perto do coração”. Talvez por isso reduzir os custos de
utilização dos recursos é para muitas empresas o primeiro caminho, a solução mais
imediata (e talvez a mais fácil).

A segunda forma possível de beneficiar o quociente seria trabalhar para


alavancar os resultados, o numerador da conta. Há aí duas situações a considerar.
Primeiro: se a demanda é inferior aos limites de capacidade existentes, os resultados
do sistema estão potencialmente restritos pela obtenção de pedidos no mercado. Isto
é, nessa circunstância, gerar mais resultados, ser mais eficaz, depende de mais
pedidos, de uma oferta de valor atraente capaz de suplantar os concorrentes.

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Seria, portanto, o caso de focalizar e desenvolver diferenciais competitivos de


valor na oferta do bem ou serviço e obter, assim, se tudo der certo, no médio prazo, o
reconhecimento disso com a eventual adesão do mercado a essa oferta. É um
processo que pode ser longo, e mesmo arriscado, pois depende de variáveis que
estão fora do seu controle. Isto é, não temos como arbitrar as expectativas e
sentimentos dos outros (mesmo que sejam fiéis clientes); tampouco temos como
dirigir as ofertas concorrentes feitas por outros provedores (que provavelmente estão
de olho no que estamos fazendo e não querem ficar atrás). Trata-se pois – o aumento
das vendas – de uma ação que foge ao domínio estrito do provedor do bem ou serviço.
Por isso, na metáfora da miopia gerencial, nos referimos às oportunidades comerciais
como o elemento mais distante, mais longe dos olhos, isso quando comparado aos
recursos, às máquinas e colaboradores, que usualmente estão ao alcance das mãos
e podem ser eventualmente descartados ou demitidos numa decisão com impacto
imediato.

Mesmo no caso em que a capacidade de produzir é menor que a demanda, o


aumento de resultados não é algo simples; dependerá, provavelmente, de uma gestão
sagaz, de uma compreensão clara sobre o “gargalo” do sistema e seu pleno
aproveitamento, bem como da inteligência de uso dos recursos “não gargalos”, como
preconiza, por exemplo, a “Teoria das Restrições”.

Eliminar desperdícios seguramente é saudável do ponto de vista da gestão,


mas o perigo é que sendo esta uma tarefa relativamente mais fácil do que a busca
pelo crescimento dos resultados, pode-se confundir a produtividade com a eficiência
(o uso racional dos recursos), fazendo desta última não um meio, mas um fim em si
mesmo. Essa distorção é o que chamamos aqui de “miopia gerencial”. Leia-se: ser
excessivo no uso racional dos recursos (que estão ao meu lado) e desconsiderar a
importância de prover um valor de mercado notável, pelo simples fato que o impacto
desse posicionamento competitivo está “longe” para ser alcançado, e, portanto, não
afetará minha avaliação de curto prazo.

Uma razão que de algum modo explica essa distorção é a propriedade


cumulativa que tem o custo. Com efeito, um real de custo tem o mesmo valor, seja
gasto com o cafezinho ou com a máquina mais importante da empresa. Se você quer
uma redução global de 10%, basta comandar uma redução de 10% em cada

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departamento, e se todos localmente cumprirem o estabelecido, a redução global será


de 10%.

Já quando se fala de resultado ou de ganho a conta não fecha assim de forma


tão fácil. Um real gasto em um recurso com folga de capacidade pode não significar
nada no resultado, talvez apenas mais ociosidade nesse recurso. Já um real gasto em
uma área “gargalo”6 tem impacto global. Enquanto o custo se acumula de forma
aditiva, o ganho requer um entendimento mais apurado da cadeia de valor para sua
potencialização.

Em suma, o que é, então, a “miopia gerencial”? Reflita sobre a fórmula da


produtividade: se você reduz o denominador, o quociente aumenta; se você reduz
mais um pouco o denominador, o quociente aumenta mais um pouco. Mas, cuidado!
Se a redução de custo minar a sua oferta de valor em um mercado competitivo, o
numerador pode despencar e o feitiço virar contra o feiticeiro. Se isso acontecer, a
economia pretendida se torna uma miragem. Veja a Figura 3. Se a redução de
despesas ocorre, mas provoca queda nas vendas, o custo unitário pode aumentar.
Pense ainda: se o denominador chegar a zero, qual resultado você obtém?

Figura 3 – Se as vendas caírem, a redução de despesas pode virar miragem

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A HIPERMETROPIA NA GESTÃO DE OPERAÇÕES

Se a miopia gerencial é o foco excessivo na eficiência, a hipermetropia


gerencial seria o oposto: um sistema excessivamente seduzido pelas oportunidades,
pela eficácia, mas desatento à estruturação racional dos meios. No dicionário:
“disfunção ocular que faz a pessoa enxergar melhor de longe que de perto”.

É fato: diante do ilimitado do mundo, da dinamicidade das situações de


mercado e do ritmo frenético de inovação, muitas organizações tornam-se igualmente
frenéticas, “nervosas”, e se deixam dominar, demasiadamente, pela sedução da “nova
oportunidade”.

Está mudando positivamente o cenário de mercado? A empresa reage logo


alterando seus objetivos! O mercado se retrai? Imediatamente o plano é modificado!
No afã de aproveitar as oportunidades muda-se o tempo todo de meta e
consequências danosas começam a surgir.

Com efeito, nos sistemas de produção atuais, frequentemente grandes e


integrados, a constante mudança na ponta de venda gera ondas de turbulência que
tendem a se propagar danosamente pela cadeia de suprimentos. A informação flui,
mas sendo um fato novo, repentino, tende a gerar estresse e incerteza, amplificando-
se a cada nó da cadeia, que tende a prevenir-se de “sustos” futuros, adicionando
proteção de estoques de segurança (e por consequência lentidão) na sua esfera de
controle local.

Além disso, como entre a tomada de decisão e a passagem da informação


tende a haver defasagem de tempo, a turbulência não só se amplifica, mas também
se defasa, fazendo com que quando lá no ponto de consumo o movimento de retorno
começa, a base da cadeia, por vezes, ainda está reagindo à situação oposta e
seguindo para outra direção.

Por exemplo: imagine que por algum motivo o mercado se aqueceu. Essa
informação é passada pela ponta de venda ao supridor e assim por diante. A cada elo
da cadeia, a tendência de nos protegermos do desconhecido faz com que as reações
se amplifiquem. Além disso, como há um tempo entre o estímulo e a resposta, a cada
passo vai também se estendendo mais e mais a defasagem em relação ao fato
original. No fim das contas, frequentemente, a onda inicial já começou a se inverter
(por exemplo, o mercado começou a cair) e a ponta oposta da cadeia de suprimentos

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está ainda reagindo ao primeiro impulso, como se o mercado ainda estivesse


aquecido.

A consequência é que o custo global da cadeia cresce. Em correspondência,


cresce o custo unitário do produto final, que assim perde competitividade em relação
à concorrência. O sonho de aproveitar a oportunidade de venda que na origem
alimentou toda a história acaba minado pela baixa competitividade em preço, tempo,
pontualidade, qualidade e flexibilidade decorrente da má gestão da cadeia de
suprimentos.

Outro dano decorrente de uma postura nervosa em relação às oportunidades


diz respeito à dificuldade de os processos amadurecerem. A constante mudança de
foco nas prioridades dificulta o aprendizado e a estabilização dos processos.

Qual é, então, a metáfora contida no termo “hipermetropia gerencial”? Voltemos


à “fórmula” da produtividade apresentada na Figura 2.

Você tem um tino apurado para as oportunidades, fareja as chances mesmo


aquelas que parecem distantes, e competentemente alavanca com agilidade os
resultados – o numerador da conta. Mas, não percebe claramente os custos globais
que decorrem dessa ação e produzem turbulência em toda a cadeia. Tampouco
estrutura adequadamente os processos, que reincidem em erros de forma grosseira
e ineficiente. O numerador da conta da produtividade aumenta, mas o denominador
cresce também mais que proporcionalmente e o pobre quociente, em lugar do
esperado aumento, despenca. De novo, o feitiço vira contra o feiticeiro. Pense bem:
se em uma fração o numerador (receitas do sistema, por exemplo) é maior que o
denominador (despesas do sistema, por exemplo) e você soma uma unidade a cada
uma dessas parcelas, o que acontece com o quociente? Ele cai, não é mesmo? Se o
aumento do resultado for neutralizado pelo aumento do custo global, o ganho de
resultado pretendido vira uma miragem.

O ASTIGMATISMO NA GESTÃO DE OPERAÇÕES

Uma terceira e conhecida anomalia da visão é o astigmatismo. Segundo o


dicionário, o astigmatismo é uma “condição ocular em que o olho não consegue focar
a luz uniformemente em todas as direções”. Que analogia cabe aqui com o mundo
das operações?

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Tomemos como base o conceito de qualidade. Em sentido amplo, a qualidade


na produção ou em serviços focaliza a satisfação de todos os interessados no sistema.
Não apenas os clientes finais, mas também os colaboradores, os parceiros, os
fornecedores e, seguramente, os acionistas, que, afinal de contas, investiram na
instalação do sistema e esperam remunerar seu capital consistentemente.

Se quisermos tomar o conceito da qualidade ainda mais amplamente,


deveríamos considerar, também, o interesse social no que toca à sustentabilidade do
meio ambiente, o pagamento regular dos impostos devidos ao governo, a segurança
do trabalho e a ética empresarial, tudo dentro do entendimento de que um sistema
capaz de produzir satisfação em todos os seus stakeholders8 é aquele de fato
preparado para obter sucesso, de forma duradoura e sustentada, mesmo em um
contexto competitivo.

Conforme ilustra a Figura 4 a seguir, o desafio da qualidade, no contexto da


gestão de operações, tem uma característica omnidirecional, devendo o gestor
desenvolver uma visão abrangente e equilibrada dos vários interesses e pontos focais
envolvidos na questão.

Figura 4 – A qualidade e a satisfação de todos

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Ora, o que seria então o “astigmatismo gerencial”? A resposta é exatamente a


que está no dicionário! É quando a visão global não consegue focar o olhar
uniformemente em todas as direções.

Imagine um sistema que:

• No afã de cumprir um plano de venda ou uma meta financeira do


acionista, desconsidera a qualidade do produto percebida pelo cliente;
• Constrói um bom produto, mas o faz pondo em risco o trabalhador ou o
submete a uma condição antiergonômica de trabalho;
• Abusa do poder de compra e estabelece com o fornecedor uma relação
de subordinação sem nenhuma visão de parceria;
• Faz bons produtos, ganha bom dinheiro, tem os colaboradores
motivados, porém destrói o meio ambiente e tem a sociedade contra si;
• Proporciona valor para todos, mas o faz via corrupção, a expensas da
ética e/ou dos direitos do consumidor.

SÍNTESE DESTA SEÇÃO E CONCLUSÕES

Foram aqui discutidas três típicas distorções comumente incorridas por


empresas no enfrentamento da complexidade inerente à gestão dos sistemas de
produção e serviços nos dias de hoje. Metaforicamente, foram conceituadas a “miopia
gerencial”, a “hipermetropia gerencial” e o “astigmatismo gerencial”. A Figura 5 resume
brevemente esses três conceitos.

Figura 5 – As doenças da visão global na gestão das operações de produção e serviços

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TRÊS FILOSOFIAS DE GESTÃO DE OPERAÇÕES PARA LIDAR COM A


COMPLEXIDADE

São tantas as armadilhas no dia a dia; tantas as chances de, no enfrentamento


das questões locais, perdermos a visão do todo que precisamos pensar: o que fazer
para lidar com a complexidade das operações e não perder o rumo?

Vejamos, a seguir, as três principais filosofias de gestão de operações que as


empresas industriais e de serviços têm procurado seguir nessa busca.

A GESTÃO DAS OPERAÇÕES COM FOCO NA INTEGRAÇÃO (E A GESTÃO


INTEGRADA DA REDE DE SUPRIMENTOS)

O mundo está rápido e complexo? Estou perdendo a visão global e tudo parece
fragmentado? Como recuperar a percepção do todo e enfrentar a velocidade e a
complexidade? Ora, quem tem capacidade de velozmente processar uma extensa
massa de dados? Elementar, meu caro! O computador, é claro!

Sim, a tecnologia é uma óbvia resposta para o enfrentamento da aceleração do


mundo. A vida está corrida e afobada, não há tempo para nada e perde-se muitas
horas em deslocamento no trânsito e em aeroportos. Que tal ir ao shopping e comprar
um celular ou um tablet com acesso à internet e às redes sociais ou um notebook
potente e leve, que se possa portar por aí? Se o mundo corre, corro também eu,
fazendo uso de meios tecnológicos avançados.

A empresa comprou várias plantas, em diferentes lugares, cada uma faz vários
produtos, relaciona-se com diferentes clientes. Que tal comprar um sistema
computacional integrado e padronizar os processos de gestão? Colocar sensores nos
equipamentos para capturar seu desempenho em tempo real e acioná-los
automaticamente? Etiquetar produtos e materiais com “tags eletrônicos” inteligentes
para que revelem sua localização e se relacionem autonomamente com os recursos
de produção sem intervenção humana? Aproximar-se do cliente com sistemas
inteligentes que armazenam informações sobre seus hábitos de consumo e
interesses, de forma a tentar adivinhar a sua necessidade? E por que não integrar
estas várias informações em uma base de dados centralizada, calculando-se perdas
e ganhos, e disponibilizar no notebook que fica na mesa do presidente da empresa o
resultado global de todo o sistema atualizado, em tempo real? Que tal (re)integrar os
sistemas usando a tecnologia?

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O sonho do sistema de produção robotizado e integrado pelo computador há


muito povoa o inconsciente da humanidade. Intuído nos livros e filmes de ficção
científica ou experimentado nas viagens interplanetárias não tripuladas, esse
ambiente cibernético foi aos poucos se infiltrando nas nossas vidas e, hoje, é de fato
plausível pensar-se em sistemas com grande grau de automatização operando no
cotidiano de forma semiautônoma.

No campo da gestão, esse imaginário de enfrentamento da complexidade via


tecnologia é fomentado pelas consultorias especializadas em sistemas integrados de
gestão,10 programas computacionais cujas rotinas orbitam em torno de uma base de
dados central que abrange, hoje, quase todas as operações da empresa.

Figura 6 – A cadeia de valor integrada pela tecnologia

Para além do cenário ilustrado na Figura 6, tal abordagem evolui hoje a passos
rápidos, no caminho da integração, também, de toda a cadeia de valor, abrangendo
verticalmente as estruturas de suprimento, desde a fonte de matérias-primas até a
distribuição (o fornecedor do meu fornecedor e o cliente do meu cliente), e incluindo a
experiência do consumo pelo cliente final na ponta final da cadeia de valor e a logística
reversa de reciclagem até de volta à origem dela.

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A GESTÃO DAS OPERAÇÕES COM FOCO NAS RESTRIÇÕES (E A TEORIA DAS


RESTRIÇÕES)

O mundo está rápido e complexo? Você sente-se perdendo a visão do todo?


Que tal, antes de sair automatizando tudo, entender melhor seus próprios processos?
Separar o importante do desimportante: o trigo do joio. Sim, se você não faz isso, corre
o risco de integrar e acelerar processos ineficientes.

Suponha que para lidar com a complexidade no nível pessoal, em lugar de


notebook e celular, você resolvesse aplicar seu dinheiro em psicanálise. Resolvesse
entender melhor seus mecanismos mentais, seus comportamentos; optasse por
concentrar-se em descobrir as questões que lhe paralisam, lhe retêm; e como
gerenciá-las, concentrando seus esforços nas questões realmente críticas. Será que
é mesmo tudo no entorno que está complexo ou há algo segurando você? Algo que,
se você compreendesse e gerenciasse melhor, desanuviaria e faria fluir melhor todas
as suas demais questões e relações.

No contexto corporativo, também, frequentemente, há um ou poucos processos


que retêm todos os demais e limitam o faturamento. Nessas circunstâncias, é inócuo
forçar os recursos que antecedem este “gargalo” no fluxo de produção, pois ele é uma
limitação mais forte e barra a fluidez do sistema. Pense: pouco importa quão grande
seja o diâmetro de uma garrafa, o fluxo de saída do líquido nela contido é limitado pelo
seu gargalo.

Para entendermos melhor, tomemos um exemplo corporativo fictício (mas com


algumas tintas bem reais). Suponha um grande sistema de produção e logística em
que, de forma integrada, são executados três grandes processos: (i) a extração de um
metal precioso no interior de um país; (ii) o transporte do produto por linha férrea; e
(iii) a exportação através de um porto no litoral. Onde está a riqueza?

Um leigo tenderá a dizer: a riqueza está na mina, claro! Mas, vamos supor que
a capacidade de produção da mina neste instante supera a capacidade de transporte
da linha férrea, e que esta é, por seu turno, mais restrita que a capacidade de
embarque do porto. Nessa hipótese, quem limita a geração de riqueza do sistema é a
estrada de ferro, certo? Pois não é possível faturar nenhum real a mais que o referente
ao minério transportado na linha. Não é possível vender o minério se ele não for

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transportado até o porto! E pouco adianta uma grande capacidade de embarque no


porto se não houver minério para exportar.

Se a eficiência da mina aumentar e mais minério for extraído por hora, qual
será o impacto disso no resultado global? O que acontecerá com o material excedente
que porventura vier a ser disponibilizado pela mina para transporte, mas não tiver
como ser transportado imediatamente? Haverá faturamento adicional ou, muito ao
revés, o que haverá será o aumento das despesas operacionais para extrair o minério
e para armazená-lo até que chegue a sua vez de transporte?

No contexto da gestão de operações, este tipo de reflexão caracteriza a Teoria


das Restrições. Segundo essa abordagem, gargalos e não gargalos têm papel distinto
na gestão e entender isso é o “fio da meada”. Com efeito, é o pleno aproveitamento
da capacidade do gargalo o que potencializa os resultados (o numerador da
produtividade), enquanto a gestão apropriada dos não gargalos garante o fluxo de
produção e contém as despesas operacionais (o denominador da produtividade).

Nessa perspectiva, o segredo para o enfrentamento da complexidade das


operações está:

1. No entendimento da cadeia de valor e dos objetivos do negócio;


2. Na identificação do “gargalo” de capacidade e/ou restrições críticas que
limitam o faturamento;
3. No aproveitamento pleno da capacidade limitante existente no recurso
crítico;
4. Na subordinação da operação dos “não gargalos” ao ritmo de produção
do “gargalo”, focalizando a redução da despesa operacional global e a
fluidez do sistema;
5. Na elevação do limite de capacidade do gargalo (o que, provavelmente,
levará ao surgimento de um novo “gargalo” no sistema e,
consequentemente, ao retorno ao passo 2, recursivamente, até que no
limite o “recurso crítico” passe a ser o mercado.

A Figura 7 ilustra, resumidamente, a logística preconizada pela Teoria das


Restrições, assinalando que os recursos que antecedem ao gargalo de um sistema
não devem antecipar-se. Isto é, devem ser “puxados” pelo gargalo, enquanto os que

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o sucedem podem ser “empurrados”, ou seja, acionados assim que o material oriundo
do gargalo ali chegue.

Figura 7 – A cadeia de valor gerenciada de acordo com as suas restrições

A GESTÃO DAS OPERAÇÕES COM BASE NO FLUXO E NA SIMPLIFICAÇÃO (E


O PENSAMENTO ENXUTO)

O mundo está rápido e complexo? Estou perdendo a visão do todo? Que tal,
em lugar do computador ou da psicanálise, rever nossas escolhas e tornar a vida mais
simples? Driblar os “Vs” da complexidade. Ora, se a complexidade vem da variedade
e do volume de coisas processadas no “continente”, por que não dividir o problema
em pequenas “ilhas”? Problemas menores, complexidade menor. “Small is beautiful!”
(Pequeno é bonito), dizem com propriedade os ingleses.

Haverá sempre quem argumente contrariamente: se particiono o problema, aí


mesmo é que perco a visão do todo e a lentidão se torna generalizada. Será mesmo?
Bem, depende. Depende de como você “divide o bolo”.

Analisando a Figura 8, se o sistema é particionado departamentalmente ou


funcionalmente, talvez de fato a visão do objetivo final perca-se diante da busca de
eficiências locais (lembre-se do perigo da miopia gerencial!). Mas se por outro lado o
corte é longitudinal, no sentido cliente-fornecedor, as pontas da cadeia de valor
tendem a se aproximar, viabilizando, quem sabe, um fluxo de valor contínuo e eficaz

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entre a demanda e o suprimento. Se assim for, o particionamento traria coesão, não


fragmentação, e isso nos faria enxergar com mais clareza a conexão entre as ações
locais e seu impacto global, na entrega do valor ao cliente final.

Figura 8 – Divisão por áreas funcionais ou por família de produtos

Pense, por exemplo, em células trabalhando em paralelo, cada qual focada e


integralmente dedicada a fazer uma quantidade limitada de produtos ou serviços
semelhantes. Enfatizando o fluxo, aproximam-se os elos da cadeia e diminui-se a
variabilidade e a vagarosidade da cadeia logística. Com efeito, se os sistemas são
menores e conectados, pode-se trabalhar mais facilmente a confiança e a parceria
entre os elos da cadeia, evitando-se duplicação de esforços e controles com grande
simplificação da gestão.

E é daí que decorre o “pulo do gato” da filosofia do pensamento enxuto:


alcançando-se a fluidez e com o problema de gestão simplificado, por que não delegar
a gestão (ou pelo menos alguns graus de planejamento e controle) para os próprios
operadores que fazem o produto ou o serviço?

Alguém dirá: ilusão! Nossa mão de obra é despreparada, não há como delegar
o desafio gerencial. E, ainda, na linha da contra-argumentação: o que precisamos é

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de gerentes sagazes, capazes de liderar com competência o processo de solução de


problemas. E ademais, responsabilidade não se delega!

Claro que não se discute a importância da liderança na inovação e melhoria


operacional, mas a julgar por estatísticas comprovadas em sistemas de produção
repetitiva, cerca de 80% dos problemas que acontecem, cotidianamente, e penalizam
o resultado, são problemas simples e têm soluções já conhecidas!

Será de fato que um adulto que gerencia sua própria vida, que providencia
alimento, residência e escola para os filhos não é capaz de resolver um pequeno
problema cuja solução já é conhecida? Será que a causa-raiz desse distanciamento
é de fato ele, o operador, ou sou eu, o gerente, que o confino num papel meramente
operacional e reativo? Será que não é mesmo possível motivá-lo para o processo de
solução de problemas? Será que não é possível organizar previamente planos de
contingência e treiná-lo para a execução desses planos quando pequenas questões
ligadas ao seu posto de trabalho porventura ocorrerem?

É verdade que responsabilidade não se delega, no entanto, é mérito e boa


estratégia para lidar com a complexidade dos dias de hoje delegar, aos colaboradores,
parcelas da autoridade que você, líder, detém sobre a solução dos problemas que
afetam sua equipe. Ou você acabará virando o “gargalo”!

Fica então para reflexão a pergunta-chave: é o colaborador mais simples de


nossas empresas que não está preparado para esse desafio ou é o nosso sistema de
gestão que não está? Se o colaborador que está diante de um problema no seu posto
de trabalho, estivesse motivado a resolvê-lo e tivesse ao alcance a informação sobre
o plano de contingência a implementar, será mesmo que ele não teria condição de
participar do processo de solução de problemas?

Tomemos um exemplo simples para pensar: um jogo de futebol! O time A, mais


forte tecnicamente, está pressionando o time B, mais fraco, há uma hora, sem fazer
gols. Domínio total, mas nada de gol.

Então, finalmente, um tento. Um a zero, passa a dizer o placar. De repente tudo


muda. O time B, inferiorizado no escore, avança e inverte as posições, parte para
cima. O time A, que estava com o controle do jogo, recua. É algo um tanto incrível,
são os mesmos onze de cada lado, o mesmo campo, a mesma bola. Mas, de repente,
o jogo parece outro. O que mudou? O placar! O time B, mesmo sendo mais fraco,

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sabe que agora está atrás do seu objetivo, sabe o tempo que lhe resta, tenta recuperar
o terreno perdido sem que ninguém lhes sopre isso no ouvido. Instintivamente, os
jogadores correm atrás do prejuízo. Acontece todos os dias.

Pense nesse exemplo do futebol e reflita: se o operador de um posto de


trabalho soubesse sua meta de produção local, hora a hora; se coubesse a ele próprio
acompanhar o andamento do seu trabalho; se tivesse consciência do placar
(realização versus meta) e de sua capacidade de produção horária (a capacidade
técnica máxima de produção); será que este operador não reagiria, também,
instintivamente quando se visse em atraso – como faz o time que está perdendo?

E ainda: se, logo abaixo do placar, o chefe houvesse preparado e afixado ali
um plano de contingência do tipo “se” acontecer isso “então” faça aquilo “ou” alerte
alguém, será que o operador não estaria apto a transformar-se de fato no grande
personagem da solução rápida dos problemas que assolam o cotidiano, deixando
assim de ser mera “mão de obra” e tornando-se uma autêntica “cabeça pensante”?

Simplicidade, fluxo, delegação e melhoria contínua: pedras fundamentais da


filosofia LEAN, a filosofia da Produção Enxuta. Se você conseguir dividir o seu sistema
complexo em um arquipélago de “ilhas” simples, ágeis e semiautônomas, talvez você
encontre uma bela saída para se diferenciar no mercado competitivo dos dias de hoje.
E lembre-se: melhor do que resolver maravilhosamente um problema é não o ter.

OS SISTEMAS DE “PRODUÇÃO E SERVIÇOS”

Nas fábricas, lojas, construções, restaurantes, eventos, escolas, hospitais,


escritórios e aeroportos, aonde quer que formos nos dias de hoje, vamos nos deparar
com situações de Produção e Serviços. E o que as caracteriza?

Bem, quando pensamos num sistema de produção e serviços de pronto nos


vêm a cabeça dois personagens! E junto com eles um enredo, um objetivo. O objetivo
poderia se dizer que, em sentido amplo, é atender uma necessidade ou agregar valor
para alguém. Esse é o real significado da palavra Produção nos dias de hoje, como
ressalta a Figura 10.

Já os dois “personagens” necessários para que a “peça da produção” se passe


no “cenário produtivo” são: o que deseja ter satisfeita a sua necessidade e o que se
decide a tentar satisfazê-la. Em outras palavras: o cliente e o Produtor do bem ou
Prestador do serviço.

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Figura 10 – O conceito atual de produção que abarca, além da produção de bens, também a
prestação de serviços

Para atender as necessidades do cliente, o Produtor/Prestador usa recursos e


processa coisas de forma a configurar a entrega desejada pelo Cliente. E que coisas
são essas que são processadas?

A resposta mais imediata a essa pergunta que tende a vir à nossa mente são
os materiais, insumos, coisas assim. Talvez porque lá atrás no tempo o imaginário da
Revolução Industrial tenha deixado gravado no nosso inconsciente a associação entre
produção e transformação de materiais. Isso de fato se revela no conceito
tradicionalmente atribuído ao termo “Produção”, muito referido aos setores primário e
secundário da economia, como é descrito também na Figura 10. Mas repare que hoje,
de algum modo, participamos de inúmeros sistemas que não processam exatamente
materiais.

Você dá a um contador, por exemplo, uma série de comprovantes de débito e


crédito. Ele processa estes dados e lhe devolve um balancete, a consolidação em um
resultado financeiro. A um arquiteto você descreve qualitativamente o que quer e ele

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traduz em desenhos, projetos. A um advogado você passa argumentos, sua visão dos
fatos, e ele, com base nas leis, prepara sua linha de defesa ou de acusação.

Escritórios de contabilidade, arquitetura ou advocacia são sistemas de


produção. Têm Prestador de serviço e Cliente e querem satisfazer uma necessidade
de alguém ou agregar um valor, mas, basicamente, o que estes sistemas transformam
são informações.

E há, ainda, além de materiais e de informações, um terceiro elemento que é


“transformado” no mundo de hoje. Pense bem: é claro que em uma escola todo dia
processam-se materiais na hora de se preparar a merenda dos alunos. É certo
também que informações são pedagogicamente organizadas para o ensino. Porém,
com outro olhar, talvez mais significante para o caso, vemos que há ali crianças se
transformando pela experiência e conhecimento. Em um colégio, o principal recurso
processado são as pessoas, os próprios clientes do sistema de produção. O mesmo
ocorre em um parque de diversões temático, em um salão de beleza, em um
consultório médico e em uma miríade de outros sistemas de produção e serviços.

Materiais, informações e pessoas! De algum modo, todos os sistemas de


produção e serviços processam um, ou um mix, destes recursos para tentar
proporcionar a utilidade ou valor pretendido pelos clientes. Mas como se dá este
processamento? Quantos diferentes Tipos de Processamento de produção e serviço
há no mundo atualmente?

Uma categorização abrangente para os sistemas de produção e serviços

Nigel Slack, pesquisador inglês, que organizou com clareza esta discussão,
propõe um modelo simples que abrange os diversos tipos de produção e serviços.
Considera-se que são quatro os tipos de processamento ou OPERAÇÕES presentes
no mundo contemporâneo:

1. Transformação de itens em outros de maior valor;


2. Comercialização deles;
3. Distribuição entre pontos de suprimento, produção e venda ou consumo;
4. Armazenagem de itens e valores para posterior distribuição e venda.

Na operação de transformação, o produtor ou prestador do serviço arregimenta


os materiais e elementos necessários e, lançando mão de recursos como máquinas e

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pessoas, conhecimentos e tecnologias, agrega utilidade e valor a esses insumos


compondo a cesta de bens e serviços, o pacote de valor desejado pelo Cliente.

Observe-se que a característica do processo de transformação é a alteração


no estado dos elementos processados pelo sistema. Assim, por exemplo, nos
sistemas de siderurgia, o ferro gusa vira aço; na eletroeletrônica, diferentes itens são
reunidos, e uma vez montados, transformam-se em um aparelho de áudio ou vídeo;
no salão de beleza o cabelo comprido fica curto; no parque temático, a criança que
chegou triste sai feliz, o consultor dá ao dado extraído da realidade sistematização e
valor.

Figura 11 – Mapa geral dos sistemas de produção categorizados pelo posicionamento na matriz
“Itens processados × Tipo de operação dominante”

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Já a operação de comercialização é típica dos sistemas de atacado e varejo.


Nessa situação, nenhuma característica física ou química do elemento processado é
alterada (ou pelo menos não se espera que seja). O que se altera na loja é a
propriedade sobre o bem. O comerciante recebe um pagamento e transfere a
propriedade do bem para o comprador.

Por seu turno, a operação de distribuição trata da mudança do local onde está
o bem. Porém, não apenas as características que determinam o estado do bem devem
ser preservadas, como também agora a propriedade dele é mantida.

Por fim, a operação de armazenagem é o processo que zela por conservar


intactas as características do bem, seu local e propriedade. A Figura 11 apresenta
uma matriz de Tipos de Operação por Elemento Processado, exemplificando como,
praticamente, todos os sistemas de produção e serviços dos dias de hoje de algum
modo podem ser nela representados.

Observe-se que seguramente muitos dos exemplos dados poderiam ser


também representados em outros quadrantes, pois dentro de um mesmo sistema
tendem a conviver diferentes tipos de operação e diversos elementos sendo
processados. A exemplificação baseou-se no que a nós parece ser o processo
dominante em cada situação. Pense no processamento dominante no seu sistema ou
num sistema de produção e/ou serviços que você conheça bem. Faça um exercício:
tente classificá-lo na tabela.

OPERAÇÃO, PROCESSO, SISTEMA, CADEIA DE SUPRIMENTOS, CADEIA DE


VALOR, REDE

O que é uma operação? É um dos elementos básicos de um sistema que almeja


alcançar um objetivo.

A operação está para um sistema assim como o átomo está para a substância,
um gene para um ser vivo.

O que é um processo? É uma sequência de operações interligadas, onde a


“saída” de um consiste na “entrada” de outro, de modo a viabilizar que se alcance o
objetivo a que se propõe o sistema. É o que ilustra a Figura 12.

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Figura 12 – Um processo integra operações para realizar um objetivo

O que é um sistema? É um conjunto de processos integrados para o alcance


de um objetivo comum ou objetivos complementares. A Figura 13 ilustra o conceito.

Figura 13 – Um sistema integra processos para realizar um objetivo

O que é uma cadeia de suprimentos? É um sistema de maior dimensão,


formado por um conjunto de sistemas menores que atua de forma integrada, onde a
“saída” de um consiste na “entrada” de outro, de modo a viabilizar que se alcance o
objetivo maior da cadeia de suprimentos como um todo. Observe que entre as fontes
primárias de material e o cliente final todos os elos desempenham simultaneamente
um papel como cliente do elo anterior, mas também como supridor do próximo elo,
por isso o nome genérico “cadeia de suprimentos”.

Cadeia de valor é uma cadeia de suprimentos em que a entrega de cada elo


para o próximo não se restringe ao suprimento de materiais, mas inclui uma cesta de
valor que pode ser composta de itens tangíveis e intangíveis.

Rede de suprimentos é uma expressão que vem sendo mais e mais utilizada
atualmente em função dos múltiplos arranjos que se tornam cada dia mais frequentes
e incluem, por exemplo, a colaboração de elos concorrentes e fluxos reversos ao longo
da cadeia.

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A TERCEIRA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL
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Chris Anderson é um autor americano que se notabiliza por refletir sobre o presente para
imaginar possibilidades de futuro. Refletindo sobre o impacto da evolução tecnológica atual, ele e
outros futurólogos consideram que a conjugação de inventos como impressoras 3D, drones e
células de energia solar, por exemplo, nos levarão a um novo patamar na civilização. Para ele
estamos diante de uma nova revolução industrial.

Com efeito, assim como a máquina a vapor e o carvão viabilizaram a industrialização, as


estradas de ferro e as grandes frotas navais e, num segundo momento, o petróleo e a eletricidade,
tornaram possível o motor de combustão interna, a locomoção por carro e a comunicação pelo
rádio e televisão, agora estaríamos entrando num novo período da história dominado por células
de energia com captação solar e baterias de longa duração, conexão digital de alta qualidade em
todo canto e automação inteligente.

Um fato subjacente a esse cenário seria a paulatina substituição dos grandes sistemas
centralizados de energia, comunicação e produção por novos arranjos produtivos baseados em
redes de energia e internet, descentralização, cooperação e partilha.

Tomemos os sistemas de Produção e Serviços em que, como vimos, predominam as


operações de transformação, distribuição, venda e armazenagem. Na lógica atual de mercados
globais, a tendência é de concentração de capitais, pois o acesso à fronteira da inovação
tecnológica depende de altos investimentos. As economias de escala são fundamentais para
garantir a rentabilidade dos grandes atores da economia global.

Esse mundo da concentração pode entretanto vir de fato a ser desmantelado se: (i) a
fabricação de bens materiais por indivíduos passa a ser possível com impressoras 3D que
materializam objetos em suas casas a partir de projetos próprios ou de terceiros comercializados
diretamente por via digital; (ii) a distribuição de itens individuais passa a ser possível através de
veículos aéreos não tripulados como os drones que, pelo menos em tese, permitem a entrega entre
as janelas do apartamento do produtor e do consumidor; (iii) o controle da posição física dos bens
passa a ser informado por eles mesmos via tags eletrônicos e rádio frequência; (iv) a venda pode
ser feita por e-commerce diretamente entre os interessados; além da (v) consultoria, apoio técnico
e treinamento que também podem ser disponibilizados via Educação a distância.

A desconcentração dos meios de produção pode estar a caminho e, consequentemente,


as economias de escala que definem relações de poder entre empresas e mesmo entre nações
estariam em questão. As tecnologias de produto e processo se alterarão vertiginosamente daqui
para a frente num ritmo de inovação quase imprevisível.

Será um cenário desafiador para todos nós. Queremos crer, entretanto, que os elementos
básicos de um sistema de produção e serviços, ofertante de valor e cliente e os critérios de
produtividade e qualidade permanecerão existindo, e quanto mais contundente for esse cenário de
grande oferta e variedade tecnológica, mais a competência na gestão das operações haverá de
tornar-se um extraordinário diferencial competitivo.

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A GESTÃO DO CHÃO-DE-FÁBRICA, DOS SERVIÇOS E DOS PROCESSOS DE


CONSUMO

Não há como negar que a maioria do conhecimento e práticas de administração


de operações tem berço na indústria. Desde os primórdios da Revolução Industrial,
foi no chão-de-fábrica que se desenvolveram os primeiros estudos da administração
científica. O foco era o trabalho em si, o estudo dos movimentos e tempos, a
padronização e a divisão de tarefas.

A transformação da sociedade nas últimas décadas, entretanto, trouxe para o


centro das discussões os Serviços, que cada vez mais passaram a ser valorizados
como uma oferta de valor em si ou como uma componente que se soma a itens
tangíveis valorizando-os numa cesta de valor mista a ser ofertada ao cliente.

A pesquisa sobre qualidade e produtividade em serviços entrou na ordem do


dia e evidentemente valeu-se do aprendizado gerado nas fábricas de todo o mundo
ao longo do século XX. Há muitos pontos em comum e, por consequência, muitas das
aplicações em serviços são replicações ou adaptações de práticas industriais. Mas é
claro que quando as operações do sistema transformam informações ou os próprios
clientes, ou referem-se a processos de armazenagem, distribuição e venda, surgem
questões específicas que colocam desafios novos para a gestão de operações. São
temas que estão em ebulição e há muita oportunidade de pesquisa e inovação ainda
a se desenvolver nesta área. Talvez seja você a pessoa que vai trazer novos e
decisivos “insights” a essas discussões.

Por exemplo, um campo de pesquisa claro e instigante, mas ainda pouco


explorado, diz respeito aos processos de consumo em si, a chamada “Engenharia do
Consumo”. Trata-se de tomar a perspectiva do cliente em lugar do olhar do provedor
e pensar o fluxo de valor na perspectiva do consumidor. Em muitas situações, ao
fazermos o mapeamento dos tempos despendidos no processo de consumo com esta
perspectiva, somos surpreendidos (e ficamos decepcionados) pela constatação de
que usualmente colocamos grande esforço na otimização da produção dos bens, mas
somos desatentos aos tempos que decorrem depois disso, entre o cliente querer o
produto e de fato obtê-lo em condições de pleno uso.

Você que trabalha num banco, que gerencia um restaurante, um posto de


gasolina, uma clínica, uma loja, um armazém, uma frota, ou você que colabora numa

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fábrica ou na agroindústria, você tem um papel nesta discussão: o de criador, o de


alguém que analisa os “remédios” existentes, compõe o diagnóstico e depois propõe
os medicamentos mais adequados para aquele paciente singular, que é o seu sistema
de produção!

Veja: ninguém hoje oferta apenas bens ou só serviços! Em quase todos os


sistemas compõe-se uma cesta de valor para comercialização que inclui tanto bens
quanto serviços. Há infinitas possibilidades de compor essa “cesta” e infinitas formas
de administrá-las. É claro que dependendo da circunstância, a balança pesa mais para
um lado ou para outro, mas é importante entendermos que a satisfação do consumidor
não se esgota na fabricação do produto em si, mas passa pela nossa competência no
gerenciamento de toda a cadeia de suprimentos, incluindo a armazenagem,
distribuição, venda no varejo e pós-venda (talvez mesmo a reciclagem).

É com esta perspectiva ampla que desenvolveremos as discussões deste livro.


Analisaremos em detalhe as principais tecnologias de gestão. No Anexo, você
encontrará uma reflexão sobre como os “gens” dos sistema de produção e serviços
(os gens dos “pacientes”) afetam a escolha da tecnologia de gestão mais apropriada
(os “remédios”). Ficará com você o desafio de compor inovadoramente a solução
mista que melhor pode se adequar e transformar positivamente a sua realidade.

SÍNTESE DESTA SEÇÃO E CONCLUSÕES

Nesta seção apresentamos introdutoriamente aquelas que são, possivelmente,


as três abordagens de gestão de operações mais disseminadas na sociedade visando
o enfrentamento das questões trazidas pelo mundo contemporâneo. A Figura 9 expõe
os pontos focais dessas três grandes filosofias de gestão que serão a seguir
detalhadas neste livro.

Foi apresentada também uma primeira categorização dos diferentes sistemas


de produção e serviços. Foi assinalada a existência de semelhanças e diferenças
entre a produção e serviços. Especificamente mostrou-se que sistemas de produção
e serviços utilizam ambos os recursos de produção para prover uma oferta de valor e
utilidade para os seus clientes (e demais stakeholders), oferta esta que cada vez mais
é formada por um composto de itens tangíveis e intangíveis.

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Figura 9 – As principais abordagens para enfrentamento da complexidade nos sistemas de produção


e serviços

Figura 14 – O sistema e os tipos das operações de produção e serviços

Embora os setores primário e secundário da economia operem com itens de


natureza tangível e os sistemas de serviço numa primeira aproximação tendam a se
relacionar com aspectos mais intangíveis, a diversidade de situações é muito grande.

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Figura 15 – As operações de produção e serviços e os stakeholders

O SISTEMA DE PRODUÇÃO E SERVIÇOS COMO FONTE DE VANTAGENS


COMPETITIVAS

Como na fábula da “Galinha dos Ovos de Ouro” – onde o dono mata a ave que
lhe traz riqueza para retirar o ouro que supunha existir em sua barriga –, muitas vezes,
na vida real, a ânsia de maximizar resultados deixa de lado alguns dos aspectos mais
estruturais das questões.

No contexto da gestão empresarial, por exemplo, é comum o foco das atenções


gerenciais deslocar-se da essência do processo produtivo para a resposta às
urgências de natureza comercial e financeira. Não há, porém, como ilustra a fábula,
processo de geração de riqueza, fora do chão-de-fábrica,16 que seja sustentável ao
longo do tempo.

Uma boa estratégia de marketing não será capaz de garantir o sucesso estável
de uma empresa no mercado se não estiver sintonizada com as forças e limitações
do sistema produtivo existente. Do mesmo modo, aplicações especulativas de alta
rentabilidade podem aumentar a lucratividade de uma empresa em certo momento,
mas não necessariamente garantem a sua posição competitiva no tempo.

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O lugar onde de fato ocorre a geração de valor, na sua dimensão primária e


essencial, é a fabricação, venda, distribuição ou armazenagem de bens e serviços no
mercado. E por mais adversas que sejam as condições macroeconômicas ou por mais
sedutoras que sejam as oportunidades de curtíssimo prazo, é gerenciando o chão-de-
fábrica com uma visão estratégica que se encontram alguns dos elementos mais
decisivos para a competitividade no mundo de hoje.

De fato, a partir dessa constatação muitas empresas líderes em seu ramo de


negócio têm reformulado e concebido estratégias bem-sucedidas de competitividade
que valoram as Operações como fonte de vantagens competitivas. Chama a atenção,
por exemplo, o caso das firmas japonesas, chinesas e coreanas que penetraram em
mercados já existentes com produtos melhores e mais baratos, alcançando esses
resultados, fundamentalmente, a partir do uso de modernas tecnologias de gestão de
chão-de-fábrica.

O PAPEL ESTRATÉGICO DO CHÃO-DE-FÁBRICA

Por razões quase opostas, as operações de produção reassumem hoje, em


todo o mundo, relevância semelhante à que desfrutaram no período que se seguiu à
Revolução Industrial. Nessa época, as preocupações gerenciais focavam,
prioritariamente, os processos fabris como decorrência do fato de que os mercados
estavam incipientemente explorados e a capacidade de produção era ainda muita
restrita. Praticamente tudo o que se fabricava vendia-se.

Desde então muita coisa mudou! Terry Hill [3], pesquisador inglês, que está
entre os pioneiros da “Estratégia de Manufatura”, registra o que se passou em
seguida. Em meados do século XX, a busca de novos mercados e a disputa dentro
dos já existentes trouxe ao centro da cena empresarial as funções de Marketing, como
consequência da relação demanda/capacidade que se tornava mais exigente. Em
muitos casos, os diretores de Marketing vieram a se tornar os diretores das empresas
e a tomada de decisão estratégica passou a se vincular diretamente a essa função.

O momento seguinte, já na década de 1970, foi marcado pela ascensão da


função de Finanças ao centro das decisões, como decorrência das recessões
mundiais e da crise energética.

Paradoxalmente, após ter ficado durante tantos anos relegada a um papel


apenas reativo, desde a segunda metade do século passado, e particularmente nas

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duas últimas décadas, quando a competição nos mercados mundiais se tornou mais
acirrada, a função Produção voltou a ser paulatinamente recolocada na ordem do dia.

Diferentemente dos primórdios da Revolução Industrial, porém, o que está em


jogo agora no século XXI não é mais simplesmente o aumento dos volumes de
produção para atender mercados “compradores”. Nesse novo tempo, de mercados
globais e ultracompetitivos, a definição de que preços cobrar, que prazos prometer e
com qual qualidade fabricar foge ao controle puro e simples do fabricante e torna-se
um fato externo ao sistema, especificado pelos clientes no mercado.

Em decorrência, a gestão da produção passa a conjugar preocupações


tradicionais ligadas à eficiência do processo e à redução de custos com aspectos mais
diretamente relacionados à eficácia e satisfação dos clientes, tais como: qualidade do
produto, rapidez, versatilidade, cumprimento de prazos, dentre outros.

No nível corporativo, a correspondência desses fatos é a reintegração da


função de Produção no processo de definição das estratégias corporativas. Trata-se
de um fenômeno observado nas grandes empresas de todo o mundo.

No Brasil, essa mudança de atitude ganhou força a partir da década de 1990


com a abertura da economia e a consequente necessidade de competir em mercados
regulados pela lógica e padrão internacional. Passadas já quase três décadas, em
alguns segmentos produtivos, como os sistemas baseados em Serviços, e
especialmente no contexto da pequena e média empresa, o “chão-de-fábrica”
encontra-se frequentemente ainda relegado a um papel secundário, apenas reativo,
respondendo como pode a políticas corporativas definidas, em geral, sem a sua
participação efetiva.

É uma constatação surpreendente, pois são muitas as evidências que sugerem


que a performance competitiva de uma empresa, em especial no que se refere aos
fatores relacionados à qualidade, pontualidade, rapidez, preço e flexibilidade, é
diretamente afetada pelas decisões e escolhas relacionadas aos sistemas de gestão
da produção. De fato, no ambiente de competição acirrado que estamos vivendo, o
conteúdo estratégico das decisões de curto prazo não pode de fato ser negligenciado.

A questão-chave que precisa ser respondida aqui é portanto: em que medida o


sistema de gestão reforça ou enfraquece a posição competitiva de sua empresa? E

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tendo por base as estratégias definidas e as oportunidades de mercado existentes,


como deve ser estruturada a gestão das operações?

Com efeito, cada uma das diversas partes ou módulos de um sistema de


planejamento e controle e execução das operações (gestão do fluxo, da capacidade,
de materiais, de atividades, de pessoas, parcerias e fornecedores, dentre outros
pontos de decisão) precisa ser avaliada e projetada tendo em mente as necessidades
estratégicas e operacionais da estrutura de produção em questão.

FATORES DE COMPETITIVIDADE E ESTRATÉGIAS COMPETITIVAS

Pensar a produção de forma estratégica é procurar entender como o chão-de-


fábrica pode contribuir para o sucesso da empresa no mercado. Trata-se de examinar
o funcionamento e as características do ambiente em que a empresa compete para
então decidir, de forma coordenada e consistente, quais processos, procedimentos e
métodos de gestão são capazes de prover vantagens competitivas nos fatores que
efetivamente decidem a obtenção de um pedido de cliente.

O ponto de partida para essa análise é o mercado. Entender os critérios que


levam um cliente típico a escolher uma marca em lugar de outra ou a encomendar um
serviço a um fornecedor em detrimento de outros. Sem pretender fazer uma análise
exaustiva do assunto, a Figura 16 enumera uma série de razões que influenciam essa
decisão.

Observe que dependendo do negócio em questão, a forma como cada um dos


fatores de competitividade influi na decisão de compra do cliente é diferenciada. Há
mercados onde o baixo preço tende a ser o fator decisivo, como, por exemplo, na
comercialização de bens de consumo popular. Já em outras situações, como na
produção de automóveis de luxo, por exemplo, o preço é relativamente menos
importante e a qualidade intrínseca do produto ganha força como um aspecto decisivo
no comportamento do cliente.

Para estruturar essa reflexão, há duas categorias de análise, quais sejam:

1. o grau de influência que o fator desempenha na efetiva obtenção de


encomendas no mercado; e
2. a contribuição do fator na qualificação da empresa para participar do
processo de concorrência.

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Figura 16 – Fatores que afetam a escolha de um produto (ponto de vista do consumidor)

Distinguem-se assim, para cada negócio e/ou público-alvo, fatores de


competitividade que são ganhadores e fatores que são apenas qualificadores.

Um exemplo bem simples: em uma concorrência entre duas lojas de “fast-food”


com produtos similares, se o público-alvo é o profissional liberal que deseja fazer um
lanche rápido na hora de almoço, a presteza do atendimento tende a ser mais decisiva
do que pequenas variações no preço e na própria qualidade do sanduíche para efeito
da escolha feita pelo cliente. Saliente-se que se o pão é ruim ou o preço do sanduíche
é o mesmo de um jantar sofisticado, a loja nem será lembrada quando o cliente decidir
fazer seu lanche. Isto é, o preço e a qualidade qualificam a loja para a concorrência,
contudo, é o tempo de atendimento que, provavelmente, determinará a escolha final,
nesse caso, a rapidez de entrega atua como o fator ganhador.

O mesmo exemplo pode resultar em uma análise totalmente diversa se o


público-alvo, ao invés de executivos com pressa, é composto de assalariados de baixa
renda. Nessa hipótese, a tendência é que o preço do sanduíche passe a ser decisivo,
deixando a rapidez da entrega relegada a um papel ainda importante, mas apenas
qualificador.

Identificados quais são os fatores “ganhadores” e “qualificadores”, dois


caminhos são usualmente mencionados na definição de uma estratégia de
competição.

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O primeiro deles dá conta de uma abordagem omnidirecional, isto é, a empresa tenta


superar seus concorrentes em todos, ou quase todos, os fatores de competitividade
relevantes, simultaneamente (e. g., preço, qualidade, rapidez de entrega,
pontualidade e flexibilidade).

Em contraste, a segunda estratégia é selecionar um, ou alguns, dos principais


fatores “ganhadores de pedidos” e focar as atenções gerenciais nesses objetivos,
buscando estabelecer uma diferenciação positiva em relação aos competidores, ainda
que se situando em posição ligeiramente inferior (mas não desclassificante) à
concorrência nos demais fatores qualificadores.

A justificativa da estratégia focada é que, diante do acirramento da competição


e da velocidade de inovação nos mercados atuais, dificilmente uma empresa poderá
alcançar e sustentar uma posição de “excelência” em todos os fatores de
competitividade, ao mesmo tempo.

Nessas circunstâncias, a estratégia onmidirecional é mais típica de empresas


líderes que precisam se salvaguardar de ameças trazidas por diferentes concorrentes.
Já a estratégia focada é, possivelmente, a melhor forma de alavancar a posição
competitiva de uma empresa que luta por ampliar a fatia de mercado que ocupa. Trata-
se de uma abordagem ofensiva que visa persuadir clientes que usam produtos de
outros fabricantes a refazer suas opções em favor dos produtos da empresa em
questão. Para alterar o comportamento desses consumidores é necessário alcançar
graus nítidos de diferenciação em pelo menos algum dos fatores que são decisivos
na sua atitude em relação à compra do bem ou serviço considerado.

VANTAGENS COMPETITIVAS GERADAS PELOS SISTEMAS DE PRODUÇÃO E


SERVIÇOS

As análises feitas até aqui referem-se não apenas à produção, mas à empresa
como um todo. Com efeito, observando-se a natureza dos fatores de competitividade,
citados na Figura 16, constata-se que a obtenção de uma diferenciação positiva
nesses fatores é fruto não do desempenho de um setor isolado da empresa, mas sim
do esforço conjunto e integrado de suas várias funções (e. g., marketing, finanças,
produção, dentre outras).

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A Figura 17 apresenta um quadro que serve como referência para a reflexão


sobre a contribuição que cada área funcional tem a dar na melhoria de performance
dos vários elementos de competitividade. Dois aspectos devem ser notados:

1. As linhas da matriz contêm os fatores identificados como relevantes para


o negócio em questão;
2. Nem todos os fatores relevantes são igualmente “potencializáveis” pelas
várias funções da empresa.

Figura 17 – Matriz para discussão de uma estratégia competitiva integrada

Por exemplo, tomando-se para análise a função Produção e analisando


objetivos como baixo preço e qualidade do produto, pode-se supor que a contribuição
dessa função para a performance global da empresa é, diante desses objetivos, clara
e decisiva.

Já no que toca aos fatores como o serviço pós-venda, a conveniência de


compra e a imagem social da empresa, o papel estratégico da produção tende a ser
mais de suporte, podendo ser comparativamente pouco significativo quando o critério
de decisão dos clientes está relacionado, por exemplo, às condições de pagamento,
atuação dos vendedores, e o sistema em questão é uma fábrica.

Com este modelo de análise em perspectiva – e assumindo o ponto de vista do


cliente como critério de avaliação –, cinco são os fatores largamente reconhecidos na
literatura como “as vantagens competitivas diretamente potencializáveis pela
produção”. São eles:

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• O preço (baixo custo);


• A qualidade intrínseca do produto ou serviço;
• A rapidez de entrega;
• A confiabilidade (a capacidade de ser confiável, ser pontual); e
• A flexibilidade.

Com respeito à flexibilidade, deve-se ressaltar que o conceito pode ser


desdobrado em várias categorias distintas, quais sejam:

a. A flexibilidade de produto, que trata da capacidade de introduzir novos


produtos ou de modificar aqueles em produção;
b. A flexibilidade de “mix”, que se refere à capacidade de mudar a
variedade de coisas que está sendo produzida em um determinado
período;
c. A flexibilidade de volume, relacionada à alteração do nível agregado de
produção; e,
d. A flexibilidade de entrega, cuja ideia está associada à capacidade de
refazer os planos para acomodar novas prioridades ou datas de entrega.

Henrique Correa, autor brasileiro com várias publicações no campo da Gestão


de Operações, acrescenta ainda para cada tipo de flexibilidade duas dimensões de
análise, a saber: 1. Velocidade de mudança, que descreve o quão rápido a empresa
é capaz de mudar o que é feito; e 2. Amplitude da mudança, que descreve a magnitude
da alteração.

A MATRIZ DE COMPETITIVIDADE
Uma forma de usar essa matriz: debata com sua equipe qual a percepção que têm em
relação aos fatores que diferenciam a oferta de valor de sua empresa daquela feita pelos
concorrentes. Determine assim as linhas da matriz. Inclua também linhas para fatores que hoje não
são decisivos, mas talvez devessem ser.
Agora capture a percepção sobre como cada função da empresa está alavancando o fator.
Pode-se atribuir por exemplo valores para cada célula, designando-se o nível de importância da
contribuição.
Num primeiro momento, pense o sistema como ele é. Em seguida, pense como o sistema
deveria ser numa situação ideal. Comparando os graus atribuídos a cada célula em cada um dos
dois cenários, identifique os “gaps” e estabeleça a partir daí seu plano de ação para potencializar
seus diferenciais competitivos.

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ESTRATÉGIA DE “PRODUÇÃO E SERVIÇOS”

Identificadas no mercado as prioridades competitivas que devem ser


priorizadas pelo chão-de-fábrica para desenvolver a posição competitiva da empresa,
a definição de uma Estratégia de Produção pode ser entendida como um “roteiro”
estruturado de decisões que são tomadas com o propósito de direcionar a atividade
do chão-de-fábrica para a performance que se deseja alcançar.

Com efeito, há uma série de decisões e escolhas de longo, médio e curto prazo,
relativas ao sistema de produção, que afetam diretamente a posição competitiva da
empresa no mercado. São questões que vão desde a localização das instalações,
identificação da tecnologia do processo mais adequada e do arranjo físico dos
recursos, passam pela filosofia de acionamento da produção, pela definição da política
de recursos humanos e dos sistemas de suprimentos, qualidade e manutenção, até
alcançar o planejamento de estoques e a programação de atividades.

COMPETIÇÃO BASEADA NO TEMPO E FLEXIBILIDADE


Rapidez na entrega, pontualidade e velocidade de mudança têm sido cada vez mais identificadas
como as novas “armas estratégicas de competição” nos mercados mundiais.
Trabalhando com estratégias de redução de tempos que abrangem todas as fases do ciclo de
produção, desde a pesquisa e o projeto do produto e do processo até o processamento dos pedidos,
o suprimento de materiais, a fabricação e a distribuição, muitas empresas, líderes mundiais nos
seus mercados, conseguiram não só reduções de custos, mas também abrir e consolidar mercados,
oferecendo uma linha de produtos diversificada com inovações constantes.
Pequenos tempos de produção aproximam a fábrica do mercado, reduzindo o tempo de
atendimento ao cliente. Internamente, dentre outros benefícios, reduz-se a necessidade de trabalho
com previsões, os estoques em processo e os custos indiretos.
Além disso, estratégias de redução de tempo aplicadas à fase de pesquisa e desenvolvimento
permitem o aprimoramento contínuo de novos produtos, uma vantagem especialmente importante
em mercados muito competitivos, onde cada novo produto é visto como uma oportunidade para
ultrapassar a concorrência.
Tempos curtos favorecem, ainda, o atendimento dos prazos contratados na medida em que os fatos
causadores da baixa pontualidade são, em geral, os mesmos relacionados a longos tempos de
produção: filas e atividades que não agregam valor.

Tomar essas decisões de forma integrada, consistente e orientada para as


prioridades estabelecidas é um desafio simples de ser enunciado, mas que, na prática,
é muito complexo de ser alcançado pelo número e variedade de decisões envolvidas.

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Tal complexidade faz, inclusive, com que muitas empresas prefiram adotar
estratégias de produção focadas, visando reduzir a dimensão do problema e, assim,
favorecer um melhor desempenho do sistema pela especialização, aprendizado e
eliminação de desperdícios.

Para tanto, escolhem poucos e claros objetivos, e selecionam um elenco


restrito de produtos a fabricar ou serviços a ofertar escolhendo tecnologias de
processo particularizadas e adotando tecnologias de gestão adequadas às
características do negócio.

Uma forma simples de entender o conjunto de decisões e escolhas relativas à


Produção pode ser vista na Figura 18.

Figura 18 – Algumas das decisões de longo, médio e curto prazo no contexto da manufatura

Como se observa, as decisões estruturais são genericamente identificadas pelo


termo “hardware”. De fato, esse tipo de escolha guarda, em geral, relação com
aspectos físicos (instalações, máquinas, dentre outros) ou parâmetros a eles
relacionados.

Já os aspectos relativos ao funcionamento da infraestrutura do sistema estão


desmembrados em dois núcleos:

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• O primeiro deles, denominado “peopleware”, agrupa as decisões de


natureza mais metodológica ou organizacional, onde os recursos
humanos são o objeto principal ou estão de algum modo envolvidos.
• O segundo grupo reúne um elenco de decisões relacionadas aos
sistemas de programação e controle do fluxo de materiais. Por exemplo:
a definição do plano mestre de produção, o planejamento das
necessidades de material, o ajuste do nível de capacidade no curto
prazo, a programação das atividades, o acionamento e apontamento das
atividades de fábrica, o controle de estoques, dentre outras. Esse grupo
de decisões é identificado pelo termo genérico “software”.

As escolhas relacionadas ao “software” situam-se, comparativamente, em um


horizonte de planejamento de menor prazo, sendo, em geral, apoiadas pelas
modernas tecnologias de gestão da produção, por exemplo, a Produção Enxuta (Lean
Thinking), a Teoria das Restrições, a Gestão Integrada pelo computador, dentre outras
filosofias de gestão.

Tais questões, embora, intrinsecamente, sejam de natureza tática e/ou


operacional, são vistas como pertinentes à definição de uma Estratégia de Produção,
porque o efeito cumulativo das muitas pequenas decisões envolvidas faz com que a
sua eventual reversão seja tão lenta, difícil e dispendiosa quanto as estruturais.

SÍNTESE DESTA SEÇÃO E CONCLUSÕES

Esta seção procurou responder uma pergunta-chave: como é possível que a


função Operações, que reúne a vasta maioria dos recursos humanos, materiais e
financeiros da empresa e que, em última análise, é a maior responsável pela geração
da riqueza produzida pela companhia, não seja chamada a compartilhar o processo
de tomada de decisão sobre a estratégia da corporação?

Pretendeu-se assinalar as contribuições estratégicas que a gestão das


operações pode trazer para a competitividade das empresas.

Buscou-se, também, descrever um roteiro simplificado para o desenvolvimento


de um sistema de controle que funcione, na prática, como uma interligação entre os
fatores de competitividade identificados no mercado e as decisões tomadas no dia a
dia do chão-de-fábrica. A Figura 19 apresenta a linha de raciocínio proposta.

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Figura 19 – “O ovo em pé” – roteiro de reflexão para subsidiar o projeto estratégico do sistema de
controle

O SISTEMA DE PRODUÇÃO E SERVIÇOS COMO FONTE DE VALOR


ECONÔMICO

Vimos como o sistema de produção e serviços pode contribuir para ganhar


clientes (mesmo sem caber a ele a venda). Aqui vamos refletir como as operações de
produção e serviços contribuem para ganhar dinheiro (mesmo sem caber diretamente
a esta função – as Operações – a gestão financeira do empreendimento).

FAZER DINHEIRO: O QUE É E COMO MEDIR?

Uma maneira simples, objetiva e resumida de medirmos se um sistema está


fazendo dinheiro é considerarmos que em um dado período três situações típicas
podem estar presentes:

1. Dinheiro entrando, fruto do faturamento advindo das vendas;


2. Dinheiro saindo, decorrente das despesas (ou gastos) oriundos das
operações; e

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3. Dinheiro parado, consequência dos investimentos realizados em


estoques, em máquinas e em instalações ou que está disponível no
“caixa” da empresa – tudo isso compondo o que podemos
genericamente chamar de inventário.

Dessas três circunstâncias podemos deduzir que existem medidas de uma


natureza absoluta. São aquelas que simplesmente relacionam o dinheiro que entra
com o dinheiro que sai.

O LUCRO

A primeira delas – talvez dispense comentários – é o Lucro que, em síntese,


deduz as despesas do faturamento; ou seja: Lucro = Faturamento – Despesa (sendo
o lucro negativo obviamente chamado de prejuízo).

Mas o que o lucro nos comunica? Basicamente, a capacidade do sistema de


gerar dinheiro (de sua propriedade!). É, sem dúvida, um indicador importante.
Contudo, não traduz alguns outros aspectos relevantes do desempenho do negócio.
Senão vejamos.

Suponha duas empresas A e B. Em um dado período, a empresa A faturou $


2.000,00 e gastou $ 1.000,00. Já a empresa B, nesse mesmo período, faturou
praticamente a metade de A, isto é, $ 1.001,00, mas gastou muito menos, isto é: $
1,00.

Claramente ambas as empresas tiveram o mesmo lucro de $ 1.000,00 (já que


matematicamente $ 2.000,00 – $ 1.000,00 = $ 1.001,00 – $ 1,00). Portanto, A e B têm
a mesma capacidade de gerar dinheiro na forma de lucro. Porém, são iguais quanto
a fazer dinheiro?

A resposta naturalmente é não! Mas por quê? Se agora a conta entre


faturamento e despesa for de dividir (e não de subtrair), veremos que – embora
tenham tido a mesma capacidade de gerar dinheiro no período – A e B tiveram
resultados bem diferentes.

Em outras palavras (ou números!), a conta para A é 2 (ou $ 2.000,00 / $


1.000,00) e para B é $ 1.001,00 (ou $ 1.001,00 / $ 1,00). O que isso significa? Embora
tenham o mesmo lucro, B precisa de muito menos para gerar faturamento com
despesa.

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A LUCRATIVIDADE

No exemplo citado, para cada unidade de despesa, B gera de faturamento $


1.001,00 enquanto A obtém apenas $ 2,00. É uma enorme diferença a que podemos
chamar de Lucratividade: A é muito mais lucrativa que B. Portanto, a Lucratividade é
o indicador que traduz o esforço de um sistema em gerar dinheiro entrando
(faturamento) com dinheiro saindo (despesa) e cuja expressão é:

Lucratividade = Faturamento / Despesa

Ainda que sejam importantes na avaliação do “Fazer $”, o Lucro (“Capacidade”)


e a Lucratividade (“Esforço”) por si só não informam o que todo acionista certamente
gostaria de saber: será que foi realmente agregado Valor ao dinheiro investido no
sistema com o faturamento e despesa apurados no período?

Mas, qual é o sentido desse real Valor? Para consolidarmos esse conceito,
vamos imaginar que você dispõe de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) e opta por
empregá-lo na empresa de um amigo.

Ao final do mês, esse amigo – num intuito de mostrar que o seu investimento
valeu à pena – informa que – além do milhão investido – você já dispõe de R$ 4.000,00
(quatro mil reais) a mais. Responda rápido: você ficaria satisfeito? Foi agregado valor
ao seu capital?

Com uma simples conta pode-se responder que não! Por quê? O retorno
mensal dado ao seu capital foi de 0,4% (isto é, R$ 4.000 / R$ 1.000.000,00). Muito
pouco quando sabemos que no Brasil a caderneta de poupança tem uma taxa de
retorno – com riscos mínimos – raramente abaixo de 0,5% ao mês (isso sem
considerar outras hipóteses que – no caso de se dispor de um milhão de reais –
poderiam ser certamente melhores que a poupança e equivalentemente confiáveis).

Assim é que esse seu amigo – mesmo tendo gerado R$ 4.000,00 a mais com
o seu R$ 1.000.000,00 – desagregou valor ao seu capital. Colocando em termos
quantitativos, você teve um prejuízo econômico mínimo de R$ 1.000,00, resultado da
conta que retira do lucro obtido (que foi de R$ 4.000,00) o quanto você poderia ganhar
caso aplicasse o seu capital na outra alternativa fácil e garantida da poupança (no
caso, R$ 5.000,00 ou 0,5% de R$ 1.000.000,00).

Prof. Francircley Nobre francircleynobre@uemasul.edu.br


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O LUCRO ECONÔMICO

Em suma, faturamento e despesa só proporcionam Valor aos acionistas e


investidores do sistema quando geram Lucro Econômico (do inglês EVA – Economic
Value Added), matematicamente expresso pela fórmula:

Lucro (ou Prejuízo) Econômico = Lucro – TAM × Capital Empregado

Onde TAM é a Taxa de Atratividade Mínima, também chamada de TMA – Taxa


de Mínima Atratividade.

Essa taxa é ainda referida no mercado como Custo Financeiro (do dinheiro) ou
Custo de Oportunidade. Mas, sobre essa segunda denominação, cumpre fazer um
registro. Considerando que há um sistema ou negócio que se apresenta como uma
nova oportunidade de investimento, então mais preciso seria ela ser chamada de
Custo de Falta de Oportunidade.

Como vimos, o que as três medidas de “Fazer $” (Lucro, Lucratividade e Lucro


Econômico) não contemplam é o capital parado ou investido em coisas que podem
ser futuramente transformadas em dinheiro (estoque, máquinas, instalações ...). Por
isso, vale repetir, elas são classificadas como absolutas. Consideram apenas o
dinheiro que entra – o faturamento – e o dinheiro que sai na forma de despesas –
dinheiro gasto que não volta mais ao sistema.

Mas alguém pode ainda indagar: o capital empregado não foi considerado no
cálculo do Lucro Econômico? Sim, é verdade, ele foi levado em conta, mas não o seu
valor total. Apenas computamos uma fração do mesmo, calculada com base na
referida TAM. Fazendo aqui uma analogia com um apartamento comprado, incluímos
nas (nossas) despesas o “condomínio” do imóvel e não o capital empregado na sua
compra (“condomínio” esse que é igualmente proporcional ao valor do bem adquirido,
como são os juros no caso do capital empregado).

A RENTABILIDADE

Exatamente para dar conta dessa fundamental omissão dos indicadores


discutidos até aqui (o capital empregado) é que temos que calcular a medida relativa
que aponta para um diagnóstico mais completo da saúde econômica do sistema: a
Rentabilidade (ou Retorno sobre o investimento).

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Como o seu próprio nome sugere, esse quarto indicador relativiza ou divide o
Lucro pelo Capital Empregado ou Inventário (dois termos que, para efeito de
simplificação, são para nós equivalentes nesse texto), dando origem à fórmula:

Rentabilidade (%) = (Lucro / Inventário) × 100

E como diagnosticar através dessa relação a desejada saúde econômica do


sistema? Esta conta tem que resultar em que percentual? Certamente, a resposta não
pode se limitar à já citada TAM. Se assim fosse, por que o acionista ou investidor
haveria de escolher o nosso sistema para colocar o seu dinheiro?

Logo, a resposta tem que ser algo inevitavelmente superior à TAM. Esse
percentual a mais é chamado internacionalmente, na linguagem bancária, de Spread
– isto é, a diferença entre a taxa de juros que o banco cobra dos tomadores de crédito
e a taxa de juros que ele paga aos seus depositantes ou investidores.

Por que dessa diferença? A resposta pode ser resumida nas expressões:
natureza do negócio e risco. Um banco se propõe a ser um negócio de menor risco
que o de uma empresa. Por isso, entre empresa e banco, quando há empréstimos de
lado a lado, o banco quer sempre receber mais do que paga (em juros).

Se banco tem Spread, acionistas naturalmente também têm, com variações de


acordo com o negócio, local da operação e circunstâncias político-econômicas de
momento. Daí o indicador Rentabilidade, para um dado período, poder ser expresso
pela seguinte inequação:

Rentabilidade ≥ TAM + Spread

Quando tal resultado ocorre, a razão de ser do investimento foi atendida.


Equivale a dizer que o Capital Empregado ou Investimento – nas mãos dos gestores
e operadores do sistema – cumpriu a sua “Missão”.

Como neste livro chamamos de indicadores de efetividade aqueles


relacionados ao desempenho da organização na direção da sua missão, optou-se por
traduzir Spread para a língua portuguesa como TEN – Taxa de Efetividade do Negócio
(termo usado aqui apenas por uma questão de coerência ao texto, servindo para a
consolidação de conceitos, mas sabendo-se de antemão que se trata de uma tradução
livre, de uso não comum ou universal).

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O FLUXO DE CAIXA

Por fim, pode parecer à primeira vista que essas quatro precisas e lógicas
medidas (lucro, lucratividade, lucro econômico e rentabilidade) já seriam minimamente
suficientes para avaliarmos se um sistema está – ao longo do tempo – financeira e
economicamente saudável.

Porém, em não raras situações, uma quinta medida assume um papel


preponderante sobre as demais, norteando as ações e o processo decisório dentro da
organização: o Fluxo de Caixa. Porque esse é o indicador da Sobrevivência do
sistema.

De nada adianta um negócio ter previsto com precisão (sem erro) que ao final,
por exemplo, de cinco anos será bem lucrativo e rentável (acima da TAM + TEN) se,
“no meio do caminho”, não teve dinheiro para pagar as suas contas e foi à falência.

Assim, o Fluxo de Caixa não é uma conta única, mas sim uma sincronia ao
longo do tempo entre entradas e saídas de dinheiro; logicamente, para cada “saída
de $” deve haver uma “entrada de $” correspondente.

Num mundo globalizado e competitivo, onde empresas precisam ser flexíveis


para a inovação e customização de produtos e serviços, bem como para lidar com
toda a sorte de imprevistos, o Fluxo de Caixa passa a ter um papel Estratégico na
organização. É dessa fonte de recursos – que pode estar aplicada em contas de saque
rápido, com rentabilidade TAM – que podem sair os dinheiros necessários para a
implantação das urgentes e decisivas mudanças requeridas.

A OPERAÇÃO “FAZENDO DINHEIRO”

Da enunciação feita até aqui pode-se concluir as formas pela qual a operação
de Produção e Serviços faz diferença no ganhar dinheiro.

Em relação à medida absoluta do lucro, são duas as alternativas.

A primeira é colaborar com as receitas. Observe, porém, que, como a venda


não é feita pela Produção, no curto prazo, o melhor que pode ser feito é buscar eficácia
no cumprimento da meta de vendas contratada (ainda quando as urgências
comerciais possam parecer excessivas). Já no médio e longo prazo vimos que a
Produção pode ter um papel estrategicamente relevante no desenvolvimento de
vantagens competitivas.

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A segunda ideia é reduzir as despesas operacionais. “Alcança-se a perfeição


quando, em vez de se ter adicionado tudo o que havia a acrescentar, subtraiu-se tudo
o que havia para tirar”, dizia um autor inesperado para o campo da Gestão de
Operações: Saint Exupéry! É uma frase cheia de verdade e ensinamento. Mas fique
atento ao risco que comentamos anteriormente: se a redução de despesas retirar valor
da oferta ao cliente você pode estar matando a “galinha dos ovos de ouro”.

Observe agora que mesmo que não seja possível acrescentar nenhum real de
receita a mais, nem tampouco reduzir nem um real de despesa a menos, ainda assim
a Produção pode fazer o negócio ficar muito mais atraente para o acionista. Como?

Lembra-se da medida relativa do fazer dinheiro? A rentabilidade! É uma conta


de dividir, não é? Pois então, mesmo que não haja melhoria no numerador, o
quociente pode ser muito beneficiado se você conseguir reduzir o denominador. E
qual é mesmo o denominador da conta do retorno sobre o investimento? Como o
nome diz, é o investimento que, no caso da Produção, são os estoques e as
instalações. Uma operação que requeira menos capital imobilizado em estoques e
instalações é muito mais atraente que outra que requeira mais, mesmo que ambas
proporcionem o mesmo lucro.

Por fim, há ainda uma quarta forma de a Produção contribuir com o “fazer
dinheiro”. Diz respeito à medida de sobrevivência, o fluxo de caixa. Mesmo que você
não consiga mais lucro nem retorno no período, antecipar um faturamento pode ser
valor! Se um pagamento que está sendo feito agora puder ser postergado (sem que
isso seja um desrespeito à ética ou aos direitos dos demais stakeholders), isso é valor!
Pois as despesas não costumam esperar para cobrar seu preço e, portanto, dinheiro
na mão, no mundo de hoje é, como vimos, estratégico.

A Figura 20 resume as formas pelas quais a gestão da Produção e dos Serviços pode fazer a
diferença no curto prazo.

• Aproveitando as oportunidades comerciais e, se possível, antecipando estes


faturamentos.
• Reduzindo e, se possível, retardando as despesas operacionais (claro que
sem infringir a ética no relacionamento com os fornecedores).
• Reduzindo a necessidade de investimentos (por exemplo: estoques e
instalações).

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SÍNTESE DESTA SEÇÃO E CONCLUSÕES

Nesta seção debatemos como a gestão das operações de produção e serviços


pode afetar o resultado econômico global do negócio. A Figura 21 resume as formas
pelas quais a Produção pode contribuir para a empresa “fazer dinheiro”.

Figura 21 – As cinco medidas do “fazer dinheiro”

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