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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE DIREITO

A TUTELA JURÍDICA DOS DIREITOS SUCESSÓRIOS NA UNIÃO DE


FACTO. PERSPECTIVA JUS-COMPARATIVA COM O DIREITO
BRASILEIRO.

Nayana Lorena Araujo Santos

MESTRADO EM DIREITO
ÀREA DE ESPECIALIZAÇÃO:
DIREITO CIVIL

LISBOA

2021
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE DIREITO

A TUTELA JURÍDICA DOS DIREITOS SUCESSÓRIOS NA UNIÃO DE


FACTO. PERSPECTIVA JUS-COMPARATIVA COM O DIREITO
BRASILEIRO.

Dissertação apresentada em sede


do Mestrado Científico da
Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa, como
requisito parcial à obtenção do
título de mestre em Direito na área
de Direito Civil.

Orientador: Professor Doutor


Carlos Pamplona Corte-Real

LISBOA

2021
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE DIREITO

A meus pais, Iolanda e Eduardo, por todo

amor e esforço dedicados a mim.

A minha avó, Maria Lourdes

de Araujo, causa da minha

fonte inesgotável de fé.

E a meus amigos, por

serem a família

que escolhi.
RESUMO

Esta dissertação possui como objeto o estudo do instituto da união de facto,


sobretudo a respeito dos direitos sucessórios dos membros da união fática, com
uma análise comparativa dos direitos dos companheiros na união estável na
atualidade. O tema em questão envolve diversas problemáticas, como: a
confirmação implicitamente da união de facto como uma relação familiar
assegurada pela Constituição da República Portuguesa; a desigualdade no
tocante aos efeitos jurídicos de uma relação fática com uma relação conjugal de
direito; o modo como o Código Civil Português reconheceu a posição sucessória
privilegiada do cônjuge causando desvantagem ao não garantir ao companheiro
sequer a posição de herdeiro. Como medida de proteção aos companheiros, foi
utilizado princípios e garantias constitucionais, legislação estrangeira, decisões
de Tribunais Superiores e doutrina específica. Salienta que no transcorrer do
trabalho, buscamos conscientizar a respeito da importância da proteção
necessária aos direitos dos companheiros e para tanto, foi utilizado fundamentos
jurídicos.

PALAVRAS-CHAVE:

União de Facto / União Estável. Companheiro. Cônjuge. Herdeiro.


ABSTRACT

The objective of this dissertation is to study the institute of the domestic


partnership, especially regarding the succession rights of the members of the
domestic partnership, with a comparative analysis of the rights of partners in
current cohabitation. The topic in question involves several issues, such as: the
implicit confirmation of the domestic partnership as a family relationship
guaranteed by the Constitution of the Portuguese Republic; inequality between a
de facto relationship and a legal marital relationship with regard to civil law and
legal consequence; the way in which the Portuguese Civil Code recognizes the
privileged succession position of the spouse, creating a disadvantage for civil
partnerships, by not guaranteeing a civil partner even the position of heir. In order
to defend the suggestion of providing more legal protection for civil partnerships,
we used constitutional principles and guarantees, foreign legislation, Superior
Court decisions and specific legal doctrine. We declare that, in this work, we
sought to raise awareness of the importance of the necessary protection of civil
partners’ rights and, to do so, legal grounds were used.

KEY WORDS:

Cohabitation / Domestic Partnership. Partner. Spouse. Heir


AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço a Deus, a Ele que tanto busquei força em diversos


momentos, e em especial, a confiança que sempre tive de que a ida a Portugal
seria mais uma benção proporcionada por Ele. Dedico tudo que sou e o que eu
quero ser a Ele.

Aos meus pais e irmãs que desde sempre me incentivaram nos estudos e na
busca do conhecimento em qualquer lugar.

Aos amigos que fiz em Portugal e aos colegas da Universidade de Lisboa, foram
tantos momentos bons que torna-se difícil mencionar qual foi o mais especial. A
vocês, que facilitaram a minha trajetória em Lisboa, o meu muito obrigada.

A todas as bibliotecas que nos permitem ter acesso a dezenas de obras, em


especial, nas pessoas de Teresa e Maria.

À Professora Fernanda Covolan, pela grande ajuda e apoio nesse trabalho.


Obrigada por todos os conselhos jurídicos, todos muito valiosos, serei sempre
grata.

Aos professores que conheci e a incomparável oportunidade de vê-los tão de


perto, especialmente, o meu orientador, o Senhor Professor Carlos Pamplona
Corte-Real, inspiração de vida e da minha nova maneira de ver o direito das
famílias e sucessões, obrigada por confirmar que a experiência em terras
lusitanas seria inesquecível e de muito aprendizado.

Finalizo com um agradecimento especial ao professor brasileiro que conheci em


Portugal, o nobre Professor Zeno Veloso, que infelizmente deixou esse plano em
decorrência da Covid-19, tornando órfãos tantos estudiosos brasileiros.
Lembrarei eternamente da sua sensibilidade de ver o mundo e o direito, de uma
forma tão simples e ao mesmo tempo com uma grandeza de conhecimento, que
me contagiou.
LISTA DE SIGLAS

ART - ARTIGO.

CRP - CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA.

CFB - CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA.

CF - CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

CC - CÓDIGO CIVIL.

CCP - CÓDIGO CIVIL PORTUGUÊS.

CCB - CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO.

LUF - LEI DA UNIÃO DE FACTO.

ADI - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.

ADPF - ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL.

IBDFAM - INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA.

ONU - ORGANIZAÇÕES DAS NAÇÕES UNIDAS.

PCP - PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS.

STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RESP- RECURSO ESPECIAL.

STF - SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

RE - RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

MG - MINAS GERAIS.

RS - RIO GRANDE DO SUL.

SP - São PAULO.

RJ - RIO DE JANEIRO.

DF - DISTRITO FEDERAL.

RN - RIO GRANDE DO NORTE.


“Nascemos por amor, vivemos para amar.

Só o amor é eterno”.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................11

1. A UNIÃO DE FACTO NO DIREITO PORTUGUÊS................................14

1.1. Características das relações jurídicas familiares da União de


Facto..................................................................................................14

1.2. Eliminação da culpa no divórcio e a aproximação entre a União de


Facto e o Casamento........................................................................28

1.3. Constituição da União de Facto........................................................40

1.4. Efeitos Pessoais e Patrimoniais da União de Facto..........................55

1.5. Dissolução da União de Facto...........................................................71

2. PONDERAÇÕES A RESPEITO DOS DIREITOS SUCESSÓRIOS DOS


CONVIVENTES NA LEI PORTUGUESA...............................................75

2.1. Noções preliminares dos direitos sucessórios...................................75

2.2. Diferenças inaceitáveis entre os cônjuges e os unidos de facto.......80

2.3. Necessidade de inclusão do unido de facto como herdeiro..............88

2.4. Casa de Morada – Pensão de Sobrevivência – Direito a


Alimentos...........................................................................................95

3. UNIÃO ESTÁVEL E A REALIDADE JURÍDICA ATUAL NO


BRASIL.................................................................................................114

3.1. Processo jurídico de afirmação da União Estável...........................115

3.2. Tratamento similar do companheiro e do cônjuge no casamento...125

3.3. STF: O companheiro é herdeiro necessário?..................................138


4. REFLEXÕES DE DIREITO COMPARADO ENTRE UNIÃO DE FACTO
NO DIREITO PORTUGUÊS E A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA DA
UNIÃO ESTÁVEL.................................................................................149

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................155

BIBLIOGRAGIA....................................................................................160
11

INTRODUÇÃO

A partir da segunda metade do século XX, as famílias ocidentais


passaram por transformações que por conseguinte alteraram os ordenamentos
jurídicos para se adequarem à nova realidade familiar.

Foram a Constituição da República Portuguesa de 1976 e a Constituição


Federal Brasileira de 1988, que consagraram os direitos fundamentais nos textos
constitucionais, assegurando o princípio da dignidade da pessoa humana como
fundamento base da República e como princípio fundamental, assegurando
especial proteção e direitos aos indivíduos e a sociedade como um todo, assim
como as famílias.

A partir desse momento as famílias não constituídas através do


casamento foram reconhecidas como entidades familiares, aumentando o
espectro da família. Afinal, a família moderna baseia-se na liberdade e no afeto.

Sobre o assunto aduz o Professor Álvaro Villaça Azevedo, “o importante


é proteger todas as formas de constituição familiar”. A ordem constitucional deve
proteger todas as relações de afeto com valor na solidariedade, não se admitindo
tratamento discriminatório às pessoas que optam por um outro modelo familiar 1.

É sobre a discussão e a busca no reconhecimento dos direitos das


pessoas que formam uma família desvinculada ao casamento, especialmente a
respeito dos membros de uma união de facto e união estável, que esse trabalho
será analisado.

O estudo de forma comparativa dos direitos dos companheiros entre a


legislação portuguesa e a brasileira, é de grande utilidade para a pesquisa
científica e um grande reforço para esclarecer os institutos jurídicos e adequar o
ordenamento jurídico à realidade social.

Sabemos que as semelhanças encontradas nos textos constitucionais


não representam similitudes no tratamento dos companheiros nas legislações
infraconstitucionais.

1
FACHIN, Edson. Voto do Recurso Extraordinário 878.694 Minas Gerais. Pág. 4. Disponível
em: redir.stf.jus.br.
12

Sendo assim, diante dessa problemática, o presente trabalho cuida da


análise das famílias formadas pelas uniões fáticas, relativamente aos seus
efeitos jurídicos e, sobretudo, de forma específica, aos direitos sucessórios dos
companheiros.

O estudo dos laços familiares relativamente aos novos modelos de


família contemporâneos é de suma importância e foi escolhido em razão da
repercussão que o assunto gera na comunidade social e em especial a
comunidade jurídica.

Em termos organizacionais, o presente trabalho encontra-se estruturado


em quatro capítulos que se complementam.

O primeiro capítulo intitulado “A União de Facto no Direito Português”,


cuida do tratamento conferido ao membro da união de facto, analisando as
características das relações jurídicas familiares, o estudo sobre as mudanças
relativamente a culpa e a aproximação do casamento e da união de facto, a
forma de constituição, os efeitos pessoais e patrimoniais e como ocorre a
dissolução de uma união de facto. Ressalta-se que todo o capítulo é analisado
conjuntamente ao tratamento do cônjuge.

O segundo capítulo nominado de “Ponderações a respeito dos direitos


sucessórios dos conviventes na Lei Portuguesa” confere uma pesquisa sobre os
direitos regulados aos companheiros e as absurdas desigualdades no
tratamento cônjuge/companheiro, abordando quais os poucos legados foram
determinados aos conviventes.

O terceiro capítulo denominado de “União Estável e a realidade jurídica


atual no Brasil”, apresenta um estudo sobre o processo da união estável no
Brasil, demonstrando a evolução legislativa do instituto, a forma como é o
tratamento similar do companheiro e do cônjuge relativamente aos direitos
sucessórios, além de um tópico conferido a importante decisão do Supremo
Tribunal Federal sobre os direitos sucessórios dos companheiros.

Por fim, o quarto capítulo, designado de “Reflexões de direito comparado


entre União de Facto no Direito Português e a experiência brasileira da União
Estável” reforça o estudo comparativo entre os institutos das relações fáticas,
13

fundamentados com doutrina, decisões jurisprudenciais e com análise aos


princípios e garantias constitucionais.
14

I- UNIÃO DE FACTO NO DIREITO PORTUGUÊS

1.1. Características das relações jurídicas familiares da União de


Facto

A verdade é que todo ser humano é um ente frágil por si só, que
dificilmente conseguiria subsistir na vida em sociedade, sem o amparo do seu
grupo familiar. Historicamente, o acasalamento sempre existiu entre os seres
vivos, quer em decorrência do instinto de perduração da espécie, quer pela
incontestável repulsa que toda a gente tem à solidão2.

A família é a instituição basilar de qualquer organização social 3, formada


por pessoas que se agrupam informalmente, através dos laços de
consanguinidade, afinidade ou afetividade. A importância da família decorre do
fato de que é no seio dela, que o indivíduo recebe a proteção imprescindível para
a continuidade da vida, constrói as suas características, se desenvolve, e
descobre qual o seu papel como pessoa inserida naquela comunidade em busca
do seu aperfeiçoamento e progresso contínuo 4. É o nosso primeiro papel na
sociedade5.

2
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 12ª edição revista, atualizada e
ampliada, Editora Revista dos Tribunais. 2017, pág. 37.
3
Entendendo ser usado de forma errônea o termo família como organização sócio-política, o
Professor Pamplona nos faz refletir sobre o posicionamento da perspectiva institucional da
família, de índole publicista, com normas imperativas, não representando verdadeiramente a
índole jurídica do direito de família. Afinal, o direito de família é o ramo do direito mais livre e
íntimo, não cabendo ao Estado impor normas cogentes ou imperativas. Trata-se de uma
autonomia pessoal, intimista e geradora de uma convivencialidade perfeitamente recortada pelos
sujeitos que a partilham, tocando ao Estado normas para proteção da intimidade da vida familiar.
CORTE REAL, Carlos Pamplona. Relance crítico sobre o direito de família português. in: Textos
de Direito de Família. Para Francisco Pereira Coelho, coordenação de Guilherme de Oliveira.
Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, pág. 108.
4
Afirma a jurista Maria Margarida Silva Pereira: “a família é uma entidade social inerente à vida
humana. As formas através das quais se pode constituir e o comportamento dos sujeitos na vida
familiar exprimem determinantes da existência e são, por isso, bem identificados pelas pessoas”.
PEREIRA, Maria Margarida Silva. Direito da Família. AAFDL Editora. Lisboa, 2018, págs. 13 e
14.
5
“A família se relaciona e interage com a sociedade, atendendo-a em suas principais
necessidades estas identificadas como de ordem sexual, reprodutiva, educacional, social,
económica, política, espiritual e psicológica, abrangendo, assim todas as esferas da vida do
indivíduo na organização social.”
OLIVEIRA. José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do Direito de Família: Editora
Revista dos Tribunais, São Paulo, 2002, pág. 21.
15

Nas palavras de Diogo Leite de Campos, é na família que o ser humano


se conscientiza de que a sua incompletude necessita da troca com os outros
membros para se humanizar e se completar, isto é, o primeiro momento que
cada um entende que não tem como existir sem os outros, “cada um descobre
que o eu é os outros, os outros fazem parte do eu”.6

Para Antunes Varela, a família7 como realidade sociológica, é o núcleo


social primário mais importante que integra a estrutura do Estado. Como
sociedade natural, correspondente a uma profunda e transcendente exigência
do ser humano, a família antecede nas suas origens o próprio Estado. Antes de
organizar politicamente através do Estado, os povos mais antigos viveram
socialmente em famílias8.

Cumpre mencionar que foi em meados dos séculos XI-XIII, que o


casamento e a família deixaram de ser matérias privadas para se tornarem
questões de ordem social, regulamentadas por normas imperativas do direito
público. Nesse sentido, a representação da família passou a ser um elemento
indispensável da ordem da sociedade, sendo necessário impor funções para os
membros e sociedade, surgindo assim uma certa estrutura hierárquica e
funcional da família, na qual direcionou o direito de família ao direito público 9.

Nessa época, a família era fundada no casamento e era através do


marido/pai que as normas internas de cada família eram criadas, mantendo uma
estrutura fortemente hierarquizada. Era responsabilidade do pai/chefe da família
determinar as funções de cada sujeito na relação familiar e as estratégias para
garantir que cada membro estivesse assegurado, dentre elas, o matrimônio, que
era pensado e escolhido por interesses dos mais diversos (econômicos, políticos
etc.), fortemente protegido pelo direito canónico e as representações religiosas
o que conduziu de forma natural à perpetuidade do casamento.10

6
CAMPOS, Diogo Leite de. A família: do direito aos direitos. Revista brasileira de direito
comparado, Rio de Janeiro, n.º 32, pág. 226.
7
A família é uma instituição natural, que nasceu com o homem, existindo antes mesmo da criação
do Estado ou de qualquer outra sociedade.
8
VARELA, Antunes. Direito da Família, 1º volume – 5 edição Lisboa, Livraria Petrony, LDA, 1999,
p. 42.
9
CAMPOS, Diogo Leite de. A família como grupo. As duas agonias do Direito de Família.
Revista da Ordem dos Advogados. ISSN: 0870-8118. Págs. 918 e 919.
10
CAMPOS, Diogo Leite de. Op. cit. Págs. 919 e 920.
16

Ratificando, a família é a mais antiga organização social, consagrada


desde a existência dos homens mais primitivos, atravessando milhares e
milhares de anos. Vale salientar, que com o passar de todos esses anos, é visível
que houve a necessidade de transformação da família, que se deu através de
um demorado processo de evoluções e transições no seu caminho, decorrentes
de longos progressos culturais, que nos faz buscar compreender todo esse
percurso.

Ressalta-se que foi no final do século XVIII, através do individualismo,


que a família perdeu muito das suas funções para outras entidades sociais,
surgindo assim uma nova família11. Nesse sentido, numa longa evolução, o
direito da família lutou nos últimos dois séculos para se desprender dos vínculos
do passado que corresponde às normas imperativas decorrentes do direito
público.

Estes progressos nos fazem entender que o conceito de família já não


mais pode ser entendido como aquela instituição com padrões convencionais de
outrora. A família que há tempos era entendida como uma relação sem afeto,
vontades ou autonomias, não cabe mais em nossa atualidade.

O direito das famílias12 possui muitas implicações, tendo em vista que


se constitui em aspectos familiares envolvendo emoções e sentimentos. E,
considerando que a sociedade vive em constante transformação e a todo tempo
irão surgir diferentes necessidades de amparo legal, com as relações familiares
não seria diferente.

A realidade familiar encontrada nos países ocidentais industrializados


demonstrou importantes e rápidos desenvolvimentos. A nova realidade
impulsionou uma perspectiva individualista, na qual a tendência dos membros
das novas famílias é encarada como uma busca de felicidade e de realização

11
Essa nova família trouxe como satisfação das necessidades essenciais da família, a
responsabilidade do marido em sair para o trabalho e garantir o sustento, enquanto surgiu para
a mulher o papel de se encarregar das tarefas do lar, fenómeno este característico do século XIX
e início do século XX.
CAMPOS. Diogo Leite de. Op. cit. Págs. 921 e 922.
12
A jurista Maria Berenice Dias aduz que: “a expressão direito das famílias é a que melhor atende
à necessidade de enlaçar, no seu âmbito de proteção, as famílias, todas elas, sem discriminação,
tenham a formação que tiver”.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 12ª edição revista, atualizada e ampliada,
Editora Revista dos Tribunais. 2017, pág. 38.
17

pessoal, atuando como um sistema de referências internas baseado no


compromisso privado, cada vez mais imune a interferências externas
reguladoras dos ordenamentos tradicionais13.

Documentadamente tivemos por muitos anos como o modelo de


família14 aceito pela sociedade, a forma convencional de família, que se traduzia
num homem e mulher ligados pelo matrimônio, comprometidos a gerar os filhos
e a permanecerem juntos até que a morte os separasse15. Todavia, o direito das
famílias no desenrolar-se dos anos sofreu profundas alterações, reflexo de
modificações sociais, culturais e políticas16.

Em razão das grandes transformações históricas, culturais e sociais, o


direito das famílias, passou a seguir rumos próprios, com as adaptações à nossa
realidade, perdendo aquele caráter canonista e dogmático intocável. Sendo
assim, influenciados pela globalização que resulta em modificação das regras,
leis e comportamentos, vislumbramos que o direito das famílias abriu-se a porta
do sistema jurídico (português e/ou brasileiro), abrangendo às diferentes
realidades familiares, como por exemplo, ao casamento entre duas pessoas do
mesmo sexo e a celebração da união de facto/estável 17. No momento, uma
concepção mais liberal do direito da família é a única aceitável 18.

Após a Segunda Guerra Mundial, a relevância da família foi introduzida


com força nas constituições em quase todo o mundo 19. Eis que antes permanecia
na seara do direito civil. Atualmente, a Constituição da República Portuguesa,
em seu artigo 67.º, determina que a família é parte fundamental da sociedade e,

13
MARIANO, João Cura. O Direito de Família na Jurisprudência do Tribunal Constitucional
Português. Julgar n.º 21 – 2013: Coimbra Editora. Pág. 28.
14
Ressalta-se a influência vigorosamente do direito canônico a respeito do modelo de família
português, assim como no modelo do direito brasileiro.
15
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 12ª edição revista, atualizada e
ampliada, Editora Revista dos Tribunais. 2017, Pág. 144.
16
SOUZA, Miguel Teixeira de. Do Direito da Família aos Direitos Familiares. in: Textos de Direito
de Família. Para Francisco Pereira Coelho, coordenação de Guilherme de Oliveira. Coimbra:
Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, Pág. 553.
17
CORTE-REAL, Carlos Pamplona. PEREIRA, José Silva. Direito da Família tópicos para uma
Reflexão Crítica – 2ª edição actualizada. AAFDL, 2011, Pág. 119.
18
Nas palavras da socióloga Sofia Aboim, “As conjugalidades contemporâneas ver-se-iam, por
conseguinte, divididas entre um ideal de fusão afetiva, onde se concentram expectativas de
felicidades pessoal, e o investimento na realização individual”.
ABOIM, Sofia. Conjugalidade, afectos e formas de autonomia individual. Análise Social. Vol. XXI,
Pág. 802
19
MIRANDA, Jorge. Sobre a relevância constitucional da família in: SCIENTIA IVRIDICA. Revista
de Direito Comparado Português e Brasileiro. Tomo LXIV – n. 338 – Maio /Agosto, 2015, pág.268.
18

incumbe ao Estado e à sociedade, a proteção dos seus membros e a garantia


das condições que permitam a realização pessoal.20

Comparativamente, a Constituição Federal Brasileira, em seu art. 226,


preconiza que a família é a base da sociedade e possui especial proteção do
Estado e, este, garantirá assistência a família, na pessoa de cada um dos que a
integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas
relações.21

Dispõe o Código Civil Português, de 1966, em seu artigo 1576.º, que


“são fontes das relações familiares o casamento, o parentesco, a afinidade e a
adoção”. Desse modo, parte mais conservadora da doutrina entende que as
relações jurídicas familiares possuem como característica a tipicidade, não
sendo possível constituir direito e celebrar negócios familiares distintos dos
previstos em lei22.

O professor Jorge Pinheiro escreve em sua obra, que o artigo


mencionado relaciona aquilo que caracteriza como “fontes de relações
familiares”. Todavia, de maneira infeliz, inclui o parentesco e a afinidade como
fontes, quando, na verdade, não são fontes ou fatos constitutivos das ligações
jurídicas familiares, uma vez que são, propriamente, relações familiares.

20
Art. 67º, n.º 1 e 2 e da CRP.
1. A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à proteção da sociedade e
do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus
membros. 2. Incumbe, designadamente, ao Estado para proteção da família: a) Promover a
independência social e económica dos agregados familiares; […] d) Garantir, no respeito da
liberdade individual, o direito ao planeamento familiar, promovendo a informação e o acesso aos
métodos e aos meios que o assegurem, e organizar as estruturas jurídicas e técnicas que
permitam o exercício de uma maternidade e paternidade conscientes; […] g) Definir, ouvidas as
associações representativas das famílias, e executar uma política de família com carácter global
e integrado;
21
Art. 226, § 8º, CFB.
22
Nessa linha, assentam os professores Guilherme de Oliveira e Pereira Coelho “Em face do art.
1576.º CCiv, pode entender-se que, além das que foram mencionadas, não haja outras relações
familiares que como tais devam ser consideradas para a generalidade dos efeitos no direito
português. Sendo relações familiares as referidas naquele preceito legal, pode dizer-se que a
família abrange todas as pessoas ligadas por essas relações. À família de uma pessoa
pertencem, pois, não só o seu cônjuge como ainda os seus parentes, afins, adotantes e
adotados: este conceito assim tão lato é que corresponde à noção jurídica de família. Mas
também pode haver quem desvalorize o elenco expresso, aliás incorretamente, no art. 1576.º e
julgue que devem ser acrescentadas as relações emergentes da união de facto”.
COELHO, Francisco Pereira e OLIVEIRA, Guilherme de. Curso de Direito da Família. Introdução
Direito Matrimonial, volume I, 5ª ed. Coimbra, 2016. Pág 34.
19

Explicitando, a fonte do parentesco seria a procriação ou geração, já a fonte da


afinidade seria a junção do casamento-ato com a procriação.23

Não obstante a confusão do que são fontes e o que são relações


familiares, observamos que na visão do legislador não há mais relações jurídicas
familiares para além das que se extraem do art. 1576.º CCP. Demonstrando
assim, ser um problema normalmente discutido a exclusão da união de facto do
artigo supracitado. Certos autores pressupõem, pura e simplesmente, a
taxatividade do enunciado legal. Outros condisseram que uma relação jurídica
familiar implica deveres familiares ou um estado pessoal.24

Para os doutrinadores que não encaram a união de facto como relação


familiar25, a alternativa encontrada foi denominar de relação parafamiliar, termo
que alcançaria àquelas que não são propriamente relações familiares, porém
são conexas com elas para determinados efeitos ou condições de que
dependem aos efeitos que a lei atribui às relações familiares.26 Destaca-se, que
esses mesmos autores entendem que, se a união de facto ainda não é uma
relação familiar já está a caminhar para isso.

Seguindo o entendimento ao qual nos filiamos, colacionamos os dizeres


de Pamplona Corte-Real, ao aduzir que quando o legislador de 7727 julgou
admissível tipicizar as relações jurídico-familiares, nas quais incluiu somente o
casamento, o parentesco, a afinidade e adoção, demonstrou a fragilidade da

23
PINHEIRO, Jorge Duarte. O Direito da Família Contemporâneo – 6ª ed. – AAFDL Editora,
Lisboa, 2018. Pág.31
24
PINHEIRO, Jorge. Duarte. Op. Cit. Pág 31.
25
Em mesma linha, MENDES, 1991, Pág. 16; MOTA, 2001, Pág 537.
26
COELHO, Francisco Pereira e OLIVEIRA, Guilherme de. Pág 37
27
Sobre o assunto, vale destacar as palavras do Professor Jorge Duarte Pinheiro a respeito dos
40 anos após a Reforma do Código Civil de 77, e aduz que, “a reforma do Código Civil, de 1977,
é, sem dúvida, um dos grandes trabalhos legislativos da segunda metade do século XX. Novos
princípios constitucionais exigiram uma mudança do regime jurídico codificado da família, mais
precisamente os princípios da igualdade dos cônjuges e da não discriminação dos filhos nascidos
fora do matrimônio...” Entretanto, afirmando ser uma fraqueza do código é a conservação formal
da hegemonia do casamento no quadro familiar perante a filiação. E, observa ainda, que após
40 anos da Reforma, o Código Civil é o código do nosso descontentamento uma vez que
consagra grandes vulnerabilidades como, “prioridade e centralidade do casamento, em contraste
com a evolução social. E a insuficiente consideração da união de facto, novamente em contraste
com a evolução social”.
PINHEIRO, Jorge Duarte. Atualidade e pertinência do Código Civil em matéria de familia e
sucessões. in: Edição Comemorativa do Cinquentenário do Código Civil / coord. (de) Elsa Vaz
de Siqueira, Fernando Oliveira e Sá – Lisboa, Universidade Católica Editora, 2017. Págs. 582 a
585.
20

letra da lei, uma vez que reconheceu a afinidade como uma relação familiar,
sendo que esta causa uma produção de efeitos praticamente nula, e não incluiu
a união de facto, que possui “bem mais expressividade na sua consequência
jurídica”28.

Ressalta-se que o código civil português foi editado no ano de 1966,


momento anterior à Constituição da República Portuguesa em 1976. Todavia,
com a Reforma do códex português em 1977, esperava-se que este priorizasse
ainda mais as relações familiares decorrentes da evolução social, como a união
de facto. A expressão união de facto foi introduzida pela primeira vez com a
Reforma de 77, e esta somente estabeleceu no art. 2020.º, o direito do
companheiro de exigir alimentos da herança de pessoa não casada ou separada
judicialmente com quem, no momento da morte, vivesse há mais de dois anos;
indenização por danos materiais sofridos pelo falecido em caso de lesão que
resultasse em morte, além da transmissão do arrendamento, depois dos
descendentes ou ascendentes que coabitassem com o decujus29.

Cumpre ressaltar que a carta magna portuguesa não trouxe em seu texto
cláusulas limitadoras do que deva ser entendido como família, não havendo
restrição que omita as uniões informais. Sendo assim, a parte da doutrina que
entende que para que uma relação familiar seja caracterizada como tal, deverá
estar prevista em lei, acaba por não entender que a Constituição da República,
em seu artigo 36.º, apresentou que “todos têm direito de constituir família e de
contrair casamento em condições de plena igualdade”.

Embora a CRP (Constituição da República Portuguesa) não especifique


diretamente sobre a união de facto como relação familiar ou às incontáveis
possibilidades de se obter uma família,30 os modernos doutrinadores entendem
que a carta magna previu sobre a união dos companheiros, no artigo supracitado
(36.º, 1ª parte: “todos têm direito de constituir família”). Ao discriminar a família

28
CORTE-REAL, Carlos Pamplona. PEREIRA, José Silva. Pág. 118.
29
XAVIER, Rita Lobo. Novas Sobre a União “More Uxorio” em Portugal in: Estudos dedicados
ao Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida Costa. Lisboa: Universidade Católica, 2002. ISBN:
9789725400449. Págs. 1396 e 1397.
30
Em sentido contrário, destaca-se à previsão da Carta Magna brasileira. Art. 226, §3º: Para
efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como
entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. Art. 226, §4º: Entende-se,
também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus
descendentes.
21

do casamento, tencionou o legislador constituinte demonstrar que se trata de


realidades diversas. Desse modo, entende-se que a concepção de família é mais
inclusiva do que foi delimitado na lei ordinária e que o legislador ordinário, ao
tipicizar as relações jurídico familiares, fê-lo de forma manifestamente infeliz31.

O direito de constituir família previsto no art. 36.º, corresponde ao


entendimento atual de liberdade de construir livremente outras formas de família
decorrente do estado atual do direito na sociedade contemporânea. A respeito
do princípio da liberdade familiar determina o doutrinador brasileiro Paulo Lôbo,
que o princípio em questão relaciona-se com o “livre poder de escolha ou
autonomia de constituição, realização e extinção da entidade familiar, sem
imposição ou restrições externas de parentes, da sociedade ou do legislador”32.

Nesse sentido, é o posicionamento encontrado no acórdão do Tribunal


da Relação de Lisboa, Processo 6284/2006-8 de 15/02/2007, “o casamento não
é a única forma de constituir família; as uniões de facto, registadas ou não, entre
pessoas do mesmo sexo são também uma forma de constituir família. O artigo
36.º da Constituição Política consagra dois direitos e (não um só): o direito de
constituir família e o direito a contrair casamento”33.

Atualmente entende-se que há novas formas de família resultantes das


modificações e constante evoluções sociais que são seguidas por
transformações e atualizações constitucionais, sendo assim, o conceito de
família patente na Constituição também deve seguir essas evoluções e não
permanecer a receber um conceito histórico desatualizado à realidade social 34.

31
Nesse sentido, é o posicionamento defendido por Gomes Canotilho e Vital Moreira, ao afirmar
que o “direito de constituir família” e de “contrair casamento”, conferido pelo artigo 36º, n.º 1, 1ª
parte da Constituição visa substancialmente a união de facto. A constituição não admite, todavia
a redução do conceito de família à união conjugal baseada no casamento, isto é à família
“matrimonializada”. Desse modo, o conceito constitucional de família não abrange, apenas a
“família jurídica”, havendo assim uma abertura constitucional, se não mesmo uma obrigação,
para conferir o devido relevo jurídico às uniões familiares “de facto” Constitucionalmente, o casal
nascido da união de facto juridicamente protegida também é família.
CANOTILHO, Gomes e MOREIRA Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada –
Volume I, 4ªed: Coimbra Editora, 2007, Pág. 561
32
LÔBO, Paulo. Direito Civil – Famílias 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2020. ISBN: 9788553616893
(ebook).
33
Tribunal da Relação de Lisboa: Processo: 6284/2006-8 de 15/02/2007. Disponível em:
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/f2c9a606d4e26131802572960
04e5975?OpenDocument
34
DIAS, Cristina M. Araújo. Da inclusão constitucional da união de facto: Nova relação familiar
in: Estudo de Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda. Volume VI. Pág. 454.
22

Vimos que a Constituição da República Portuguesa dedicou trechos


exclusivos à família, como nos artigos 36.º (direito de constituir família) e 67.º
(direito à proteção e realização da família). Todavia, cumpre demonstrar que os
fundamentos para a consagração da união de facto como relação familiar podem
ser encontrados em outros princípios fundamentais do direito.

O art. 1.º da Constituição dispõe sobre o princípio da dignidade da


pessoa humana. Este princípio é base de todo ordenamento jurídico e nos ensina
a importância da busca por uma sociedade livre, justa e solidária.

A dignidade aqui explanada é qualidade inerente a todo ser humano,


merecedor de consideração e respeito, viabilizando ainda, a proteção contra
quaisquer atos que contrarie a moral, a respeitabilidade e a decência. O
companheiro como membro de uma relação familiar merece respeito, amparo e
reconhecimento dos seus direitos para a manutenção da sua dignidade.

O princípio da igualdade disposto no art. 13.º da Carta Magna


portuguesa, dispõe no n.º 2, que ninguém poderá ser prejudicado ou privado de
qualquer direito em razão de suas convicções ideológicas ou condição social.
Este fundamento depreende-se na situação dos membros da união de facto que
por acreditarem nas suas convicções e no que realmente admitem como forma
de constituição da família, serem prejudicados pela ausência de uma
formalidade imposta a sua vida privada35.

Outro fundamento é o direito à reserva da intimidade da vida privada e


familiar disposta no art 26.º da CRP. A carta magna garante o direito ao
desenvolvimento da personalidade como um direito da entidade familiar, que é
livre para definir e se desenvolver da maneira que lhe convém. Além desse
direito da intimidade da vida privada e familiar, temos a proteção contra qualquer
ato que viole esse direito. Desse modo, os sujeitos em suas relações familiares
são livres para definir sua vida de acordo com suas conveniências e crenças.

Buscando assimilar a realidade trazida pela Constituição de 1976, o


doutrinador Antunes Varela em sua obra publicada no ano de 1999, definiu que
a Constituição supracitada pareceu reconhecer a todos os cidadãos, sejam

35
Em sentido contrário, parte da doutrina entende que não há como invocar o princípio da
igualdade pois não se trata de situações idênticas (casamento e união de facto) tendo em vista
a ausência do vínculo jurídico na união de facto.
23

solteiros, divorciados, viúvos ou casados, o direito de constituírem família à


margem do casamento36.

O entendimento de que o legislador de 77, limitou as relações jurídico-


familiares, possui respaldo nos princípios constitucionais de direito, como
também no posicionamento de documentos internacionais, como a Carta dos
Direitos Fundamentais da União Europeia, na qual o direito de constituir família
acolhe o reconhecimento jurídico da união de facto37; na Declaração Universal
dos Direitos do Homem (ONU) 38.

Igualmente, também se ampara no direito de segurança social que


acolhe o conceito de agregado familiar de que faz parte a pessoa ligada por
união de facto com o beneficiário; no direito de locação que também abarca a
união de facto; na expressão utilizada na Lei n. 23/2010, casa de morada da
família e não casa de morada comum; e, nos direitos a alimentos e prestação
por morte previstos para o unido de facto sobrevivo, semelhante aos direitos do
cônjuge sobrevivo.

Assim como acontece na legislação nacional, o legislador internacional


também não definiu de forma precisa o conceito de família. Apesar disso, os
documentos internacionais e a Constituição dedicam proteção ao casamento e
à constituição da família.

36
Ressalta-se, que partindo de uma visão ultrapassada, o nobre autor afirmou que o
reconhecimento familiar das uniões de facto trazido pela Constituição trouxe um desmerecimento
ao casamento, relação tida como legítima, corroborando o preconceito com as relações criadas
fora do casamento.
VARELA, ANTUNES. Op. Cit. Pág. 27.
37
Destaca-se os artigos a respeito da vida privada e familiar e sobre o direito de casar e constituir
família. Art. 7º. “Todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, pelo
seu domicílio e pelas suas comunicações”. Artigo 9. “O direito de contrair casamento e o direito
de constituir família são garantidos pelas legislações nacionais que regem o respectivo
exercício”.
Nesse sentido, afirma COELHO e OLIVEIRA, “Nem pode esquecer-se o papel das organizações
internacionais em vista da harmonização das legislações dos Estados membros, sendo
numerosas as convenções em que se contêm princípios respeitantes ao direito das pessoas e
da família. Note-se que o cumprimento dessas convenções é assegurado, por vezes, por
tribunais internacionais cujas decisões os Estados se comprometem a acatar”.
COELHO, Francisco Pereira e OLIVEIRA, Guilherme de. Op. Cit. Pág. 176.
38
O documento internacional aprovado pela ONU em 1948, estabelece em seu art. 12º o respeito
à família e a vida privada. E o art. 16º dispõe sobre o direito de casar e de constituir família (n.º1)
e discorre sobre a família ser elemento natural e fundamental da sociedade, tendo direito à
proteção desta e do Estado (n.º3).
24

A jurisprudência do Tribunal Europeu inclui na noção de vida familiar, as


relações matrimoniais, mas também as famílias de facto, assentes noutras
formas de convivência afetiva constitutivas de laços familiares. O entendimento
é de que as decisões do Tribunal Europeu sobre os direitos reconhecidos à
família de facto influencie os ordenamentos jurídicos estaduais e sirvam de
impulso às reformas legislativas ou jurisprudenciais nos Estados39.

É nesse sentido que a jurisprudência portuguesa estabelece que a união


de facto encontra-se inserida no contexto de vida familiar, “conceito de família
alargada”, consequência da evolução recente das condições sócio-familiares,
estabelecendo que é da competência dos juízos de família e menores apreciar
as questões referentes às uniões de facto40.

Essa questão da aparente taxatividade do códex português, entendida


rigidamente por alguns, segundo o Professor Pamplona ao citar Oliveira
Ascenção41, pode ser facilmente afastada, “na medida em que a tarefa qualitativa
por parte do legislador está sempre sujeita ao crivo da reelaboração técnico-
conceptual doutrinal”42.

Nas palavras do professor, ao perceber que “o cerne da problemática da


definição e enunciação das relações jurídico-familiares” assenta na pesquisa do
conceito que está subentendido, ou melhor dizendo, deverá ser considerado o
que possa haver de comum nas situações e fatos descritos no artigo e, em
seguida, retirar um conceito que possa demonstrar de forma mais realista as
relações familiares.43

Seguindo este pensamento, podemos analisar uma característica que é


encontrada nas relações jurídicas familiares descritas no artigo
supramencionado, qual seja, a “virtual ou efetiva perdurabilidade” 44 das relações.
As relações jurídicas familiares são caracterizadas em sua essência por se

39
Susana Almeida apud Dias, Cristina M. Araújo. Pág. 459
40
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra. N. 160/20.4T8FIG.C1. de 15-07-2020. Em:
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/381c1faf7e3384cb802585ea0
03c9b27?OpenDocument&Highlight=0,uni%C3%A3o,de,facto%20.
41
ASCENSÃO, Oliveira. 2005, pág 501 e ss.
42
CORTE-REAL, Carlos Pamplona. PEREIRA, José Silva. Pág. 118.
43
CORTE-REAL, Carlos Pamplona. PEREIRA, José Silva. Pág. 118.
44
CORTE-REAL, Carlos Pamplona. PEREIRA, José Silva. Pág. 118.
25

tratarem de situações perduráveis ou tendencialmente duradouras e socialmente


relevantes.

As relações familiares são por natureza virtualmente duradouras e não


se extinguem com o decurso do tempo. Observa-se, que a união de facto é uma
relação que possui essas características, uma vez que é reconhecida por se
tratar de um fato socialmente relevante e, mesmo sem adentrar neste momento
nos requisitos para a constituição da união de facto, pois será visto mais adiante,
vale ressaltar, que a mesma para ser caracterizada é exigido um tempo mínimo
de 2 anos de relação. Desse modo, pode ser muito mais duradouro e estável
que o próprio casamento, no qual os sujeitos podem ir a um cartório assinar os
papéis e em menos de um ano ou até um mês, se divorciarem.

Outra característica comum entre as relações familiares apresentada


pela doutrina mais tradicionalista é a necessidade de um ato estatal praticado
pelo conservador do registo civil, juiz ou funcionário de um órgão público ou
equivalente, gerando um estado civil.

Neste sentido, o Professor Jorge Duarte aduz que a presença de um ato


estatal consubstancia a especial dignidade que o Estado garante reconhecendo
a interligação de um indivíduo ou grupo em uma relação familiar nominada. Já a
união de facto e a convivência em economia comum, por se constituírem e
extinguirem-se livremente não sendo exigível a intervenção do Estado, não
configurariam relações jurídicas familiares45.

Não obstante o pensamento do nobre professor esteja de acordo com a


doutrina dominante, e a união de facto seja uma união livre sem as amarras do
Estado para que seja constituída ou extinguida, ainda assim não sinaliza que
seja uma união sem a devida importância para aqueles que se encontrem nelas,
ou que deva ser marginalizada como uma relação conjugal de segunda
categoria. O fato de não ir a um cartório declarar ou registar a situação, não
diminui uma relação construída com a intenção de viver seu dia a dia como se
casados fossem.

Como afirma nomeadamente o Professor Carlos Pamplona Corte-Real,


a “família de facto assente na convivência more uxoria” que, suprimindo o “acto”

45
PINHEIRO, Jorge. Págs. 42 e 43.
26

se assemelha em termos de conteúdo, ao estado conjugal, no qual compreende


uma comunhão de vida legítima que perdura enquanto manifestadamente
desejada pelos membros de forma integral. Surgindo assim um inverso
movimento da “dignificação” da família de facto pela busca da “realidade” do que
é46.

Dessa maneira, servindo-me da argumentação já esposada pela


doutrina brasileira, sustenta Maria Berenice Dias que a tendência é restringir o
intervencionismo do Estado nas relações íntimas entre as pessoas. Por
conseguinte, a esfera privada das relações conjugais tende cada vez mais a
repelir a interferência do poder público47. Sendo assim, baseado na
imperatividade do princípio da intervenção mínima do Estado confirma o
seguimento do Direito de Família como ramo de Direito Privado.

A intervenção do Estado deve ser mínima de forma mais a garantir a


proteção dos membros familiares sem interferências na vida privada. Nesse
sentido, Luis Edson Fachin alude que “excluir as relações jurídicas que não se
amoldam aos tradicionais caixilhos familiares e rompem a barreira da
predeterminação normativa” não se trata somente de não reconhecer simples
modelos de famílias, e sim uma omissão ao reconhecimento da própria condição
existencial de sujeitos, que possuem o direito de buscar a felicidade para si
próprios e no afeto para com o outro48.

Aduz ainda o autor que a família deve ser encarada em um viés plural e
aberto, entendida como espaço de uma autoconstituição existencial, no qual não
cabe interferência nem do Estado e nem da comunidade na maneira em que
essa autoconstituição será desenvolvida ou sustentada pelos sujeitos da
relação. A esperança é de que o Estado procure respeitar as diferenças e acatar
às escolhas pessoais de cada um não sendo um meio de intolerância. Afinal,
todas as uniões, em igual dignidade jurídica, são fontes de relações familiares.
E, tendo em vista que são relações construídas através de laços afetivos, negar

46
CORTE-REAL, Carlos Pamplona. Direito da Família e das Sucessões - Relatório. Lisboa,
1995.Pág. 74.
47
DIAS, Maria Berenice. Pág. 44
48
FACHIN, Luiz Edson. Famílias: entre o público e o privado. ANAIS VIII Congresso Brasileiro
de Direito de Família. São Paulo: IOB Thomson, 2012, Pág. 161.
27

os seus efeitos jurídicos seria o mesmo que impedir o desenvolvimento das


personalidades dos sujeitos que se relacionam49.

Crê-se, nesse tocante, que uma descomedida interferência do Estado


no espaço familiar, ambiente no qual deve prevalecer o livre desenvolvimento da
personalidade humana, acarreta cerceamento na construção dessa
personalidade própria dos sujeitos que pretendem conviver e se realizarem, em
coexistencialidade, naquele ambiente familiar. Por conseguinte, demonstra-nos
que deve haver uma harmonia entre um “Estado ausente” e um “Estado
presente”. Na medida em que este deverá intervir sob uma perspectiva de
prevenção e proteção para que o espaço familiar possa ser um ambiente livre
para o desenvolvimento da família e da personalidade humana; em
contrapartida, àquele deverá permitir e facultar que os sujeitos possam construir
suas relações conforme uma liberdade vivida, como concretização do princípio
fundamental da dignidade humana 50.

Vale destacar que os parâmetros encontrados nas relações familiares


vão além de um ato estatal. O direito ao livre desenvolvimento de
personalidade51 e a autonomia da vontade são institutos que fundamentam a
constituição da família, conferindo ao indivíduo o direito de formar, construir,
desenvolver ou extinguir a sua família da maneira que desejar.

Ressalta-se que a união informal de que trata esse trabalho não se


consubstancia em relacionamento esporádico do âmbito das relações familiares,
visto que estes relacionamentos, como por exemplo, um namoro, não
demonstram o sentido de comunhão de vida intrínseco à família, não se
ostentando como relações estáveis.

Portanto, uma outra característica estrutural às famílias que pode ser


levada em consideração para a sua caracterização é a ostensibilidade. Uma

49
FACHIN, Luiz Edson. Op. Cit. Pág. 161 e 162.
50
FACHIN, Luiz Edson. Op. Cit. Pág. 164.
51
Direitos reforçados constitucionalmente. Artigo 26.º Outros direitos pessoais 1. A todos são
reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à
capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da
intimidade da vida privada e familiar e à proteção legal contra quaisquer formas de discriminação.
2. A lei estabelecerá garantias efetivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à
dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA.
28

relação entre pessoas, para que seja entendida como relação familiar, deve ser
apresentada perante o meio social em que se insere, possuindo como caráter
intrínseco à sua natureza a publicidade.

Sendo assim, uma relação que mantém o seu reconhecimento público,


duradoura, que sublinha o caráter presumivelmente afetivo que lhes é inerente,
na qual os sujeitos vivem como se casados fossem, possui eficácia jurídica aos
efeitos intrínsecos a uma situação de natureza familiar.

Por fim, reafirma-se o nosso entendimento de que o rol de entidades


familiares previsto na legislação civil, no art.1576.º do CCP, cumpre mero papel
exemplificativo, sendo necessário para o reconhecimento da união de facto
como uma relação familiar a integração por analogia (juris ou legis), utilizando-
se dos princípios informadores do sistema e de outra lei para integrar a lacuna.
Tendo em vista que o papel dos instrumentos jurídicos é garantir e proporcionar
ao indivíduo o enquadramento familiar na forma que lhe seja conveniente manter
uma autonomia convivencial e afetiva.

Nas palavras trazidas por Carlos Pamplona Corte-Real, a família é


identificada pelo seu presumível caráter afetivo (laços afetivos mais ou menos
expressivos), bem como sua eventual perdurabilidade, reconhecida por um fato
socialmente relevante seja biológico, vivencial administrativo ou judicial de uma
situação que possibilite a identificação familiar 52.

De acordo com a doutrina tradicional, as relações familiares possuem


um vínculo constituído por direitos e deveres jurídicos recíprocos entre os
indivíduos em suas relações pessoais. Entretanto, referente à esses direitos e
deveres jurídicos, há característica da fragilidade da garantia, uma vez que não
existe uma sanção eficaz para o não cumprimento dos deveres recíprocos a que
os sujeitos estão obrigados.

Para análise dessas características passaremos ao tópico 1.2.

1.2. Eliminação da culpa e a aproximação da União de Facto ao


Casamento

52
CORTE-REAL, Carlos Pamplona. PEREIRA, José Silva. Pág. 119.
29

No item 1.1 do nosso capítulo, tratamos de forma extensa sobre as


características das entidades familiares e sobre o entendimento do que seriam
entidades familiares na era da contemporaneidade. Entretanto, restou abordar
sobre os direitos e deveres jurídicos recíprocos entre os indivíduos nas relações
interpessoais.

Embora o objetivo do presente trabalho seja tratar das relações dos


companheiros no instituto da união de facto, mister se faz apresentar algumas
características ou efeitos sobre o instituto do casamento para uma melhor
compreensão.

A legislação portuguesa, tanto na Lei da União de Facto quanto no


Código Civil Português, não estabeleceu deveres específicos aos conviventes.
Sendo assim, um argumento muito utilizado pela doutrina tradicional portuguesa
é de que a relação constituída numa união de facto não merece os mesmos
tratamentos que o casamento e seus efeitos jurídicos, tendo em vista que para
a união informal não seria obrigatório o cumprimento dos deveres conjugais
recíprocos.

Todavia acreditamos que a união de facto caracteriza uma entidade


familiar, assim como o casamento, sendo necessário analisar se os deveres
conjugais propriamente ditos merecem ser aplicados por analogia aos membros
da união de facto. Diante desse posicionamento, exibiremos o nosso
entendimento de como estes deveres recíprocos dos cônjuges representam
juridicamente na atualidade.

O legislador quando estabeleceu a noção de casamento como um


contrato bilateral entre duas pessoas que pretendem constituir família mediante
uma plena comunhão de vida (art. 1577.º, CCP), 53 entendeu que da mesma

53
Cumpre ressaltar as alterações sofridas por esse artigo no decorrer do tempo. No Código Civil
de 66, o art. 1577 estabelecia que “casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas de
sexo diferente que pretendem constituir legitimamente a família mediante uma comunhão plena
de vida”. Após a Reforma de 77, Decreto-Lei n.º 496/77 de 25/11, esse mesmo artigo
determinava que “casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que
pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições
deste Código”. Com a mudança houve a supressão do termo “legitimamente” da regra jurídica,
traduzindo o novo sentido de família a partir da Constituição de 76 (art. 36º, n.º 1 e 4), de que se
pode constituir família legitimamente sem ser pelo casamento. Todavia, a fundamental alteração
no conceito de casamento só ocorreu com a Lei n.º 9/2010 de 31 de maio, que permitiu o
30

forma poderia atribuir taxativamente efeitos pessoais, os chamados deveres


conjugais, aos nubentes e que a violação desses deveres poderia acarretar a
dissolução do vínculo conjugal com a declaração do cônjuge culpado.

Inicialmente cabe destacar a definição estabelecida legalmente de que


o casamento seria um contrato.

A doutrina majoritária portuguesa compreende que a natureza jurídica


do casamento é um contrato de direito privado. Seguindo esse entendimento,
afirma Antunes Varela, que a dúvida sobre o caráter contratual do casamento é
encontrada em três vertentes: a primeira corresponde a intervenção do oficial
público na celebração do ato; a segunda é a respeito da instituição social criada
pelo ato jurídico54; e a terceira trata da fixação pela lei, em termos imperativos,
dos efeitos fundamentais do casamento 55.

Quanto à intervenção do Estado, COELHO e OLIVEIRA estabelecem


que a intervenção do conservador trata somente da formalidade do ato, uma
forma constitutiva, tendo em vista a obrigatoriedade de as declarações de
vontade dos sujeitos serem prestadas diante do conservador.56

Nesse seguimento, afirma Antunes Varela que a interferência estatal não


descaracteriza a essência do casamento como um ato dos nubentes tendo em
vista que o Estado não faz parte do ato, sendo somente uma testemunha que irá
constatar a legalidade do rito, verificando algum impedimento matrimonial,
proclamando os nubentes casados, entendendo ser o momento exato da
perfeição do ato57.

Todavia, não obstante o entendimento da maioria seja no sentido de


que o casamento é um contrato e possui como efeitos pessoais os deveres
jurídicos conjugais, nos filiamos ao posicionamento daqueles que vislumbram
que a definição legal de casamento como contrato e seus efeitos pessoais não

casamento entre pessoas do mesmo sexo solucionando, assim, a discriminação em função da


orientação sexual que só permitia o casamento entre pessoas de sexo diferente.
54
Nessa situação, destaca-se o conjunto de normas imperativas a que aderem os nubentes.
55
VARELA, Antunes. Op. Cit. Pág 184.
56
COELHO, Francisco Pereira. OLIVEIRA, Guilherme de. Op. Cit. Pág 234.
57
VARELA, Antunes. Op. Cit. Pág 185 e 187.
31

condiz com a realidade na atualidade58.

Nesse sentido, cumpre esclarecer o posicionamento do Professor Carlos


Pamplona Corte-Real, ao afirmar que ao reconduzir o casamento a um contrato,
o legislador cometeu uma “ostensiva falha técnica”. Salienta que um contrato
não pode ter por objeto situações jurídicas indisponíveis como é o caso do afeto,
uma vez que não é possível dispor do exercício do próprio afeto na comunhão
vivencial projetada seja a curto, médio ou a longo prazo 59. Desse modo, a tese
defendida no sentido de que o casamento seria um contrato celebrado entre os
cônjuges, com deveres conjugais, não faz sentido.

Aduz ainda o autor que a regulação disposta no art.1577.º “teve a


veleidade de definir casamento como um contrato celebrado entre duas pessoas,
em ordem a uma comunhão plena de vida”. A essência de um casamento não
pode ser definida por normas imperativas, uma vez que não se pode contratar
uma obrigação coexistencial de comunhão de vida, não se podendo determinar
vínculo sinalagmático de direitos e deveres recíprocos.60

Quanto ao entendimento de que o objetivo do casamento é a


constituição da família mediante uma plena comunhão de vida, cabe ressaltar a
mudança na disposição da palavra “plena” pela Reforma de 77 no Código Civil
de 6661. Para Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, citando o
professor Antunes Varela, a intenção do legislador ao descrever legalmente “a
constituição da família mediante uma comunhão plena de vida”, caracterizaria
uma comunhão de vida em que os nubentes estariam reciprocamente vinculados

58
Quando analisamos a exacerbada intervenção do Estado nas relações afetivas assim como a
imposição coacta de direitos e deveres conjugais, faz-se curioso informar a origem da palavra
“cônjuge”, determinando quem está unido pelos sagrados laços do matrimônio. O vocábulo
“jugum” era o nome dado pelos romanos à canga ou aos arreios que prendiam as bestas às
carruagens. O verbo “conjugare” significava a união de duas pessoas sob a mesma canga. E a
junção conjugis, significava jungidos ao mesmo jugo ou ao mesmo cativeiro.
DIAS, Maria Berenice. Pág. 184
59
CORTE-REAL, Carlos Pamplona. PEREIRA, José Silva. Pág. 129.
60
CORTE-REAL, Carlos Pamplona. Relance Crítico sobre o Direito de Família Português in:
Textos de Direito da Família para Francisco Pereira Coelho: Imprensa da Universidade de
Coimbra, 2016, Pág. 112. ISBN DIGITAL: 978-989-26-1113-6.
61
Maria Margarida em sua obra, afirma que esta modificação de “uma comunhão plena de vida”
para “uma plena comunhão de vida”, não foi acidental e que o seu propósito foi retirar o sentido
tradicional à comunhão de vida imposta aos cônjuges: a total e abnegada comunhão de vida; e
admitiu-se que esta mesma comunhão de vida, sem dúvida intensa fosse moldada pela vontade
de cada casal, traduzindo uma ideia de liberdade de ambos os cônjuges.
PEREIRA, Maria Margarida Silva. Op. Cit. Pág. 249.
32

pelos deveres descritos no art. 1672.º do CCP62.

Embora a lei não estabeleça de forma explícita o que seria uma união
constituída com “comunhão plena de vida”, seguindo o pensamento dos mesmos
autores, os sujeitos além de estarem submetidos aos deveres conjugais,
deveriam também seguir uma comunhão de vida exclusiva (art. 1601.º, al. “c”) e
uma união não livremente dissolúvel63.

Nesse sentido, partindo desse entendimento de que a comunhão de vida


vincula os nubentes aos deveres jurídicos recíprocos conjugais, passaremos a
analisá-los.

A já referida reforma de 1977 manteve a essência no núcleo fundamental


do casamento e determinou no artigo 1672.º do CC português, sobre os deveres
recíprocos dos cônjuges, quais sejam: “os cônjuges estão reciprocamente
vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e
assistência”64. Em semelhante direção, o CC brasileiro afirma em seu art. 1.566
que: são deveres de ambos os cônjuges: fidelidade recíproca; vida em comum
no domicílio conjugal; mútua assistência; sustento, guarda e educação dos
filhos; respeito e consideração mútuos65.

A doutrina tradicional portuguesa afirma que o art.1672.º é imperativo,


justificando não ser possível afastar convencionalmente qualquer dos deveres
que ele impõe aos cônjuges.

Na percepção do Doutor Professor Jorge Duarte, ao questionar se uma


relação matrimonial corresponderia à perda total de liberdade pessoal entre os
membros da relação, na qual se veem obrigados a submeterem-se à
imperatividade no cumprimento dos deveres de comportamento, para o autor a

62
COELHO, Francisco Pereira. OLIVEIRA, Guilherme de. Pág 196.
63
À título comparativo, o doutrinador brasileiro Carlos Roberto Gonçalves afirma em sua obra,
que o casamento ao estabelecer “comunhão plena de vida” (art. 1511º, do CCB), baseia-se na
igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges, implicando obrigatoriamente “união exclusiva”,
tendo em vista que o art. 1566º do CCB determina como primeiro dever imposto aos cônjuges a
fidelidade recíproca. Para ele, a referida comunhão liga-se ao princípio da igualdade substancial,
pressupondo o respeito à diferença entre os cônjuges e a consequente preservação da dignidade
das pessoas casadas.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Volume VI – Direito de Família. 6ª ed. Rev.
E atual: Editora Saraiva, 2009, Pág. 168.
64
Código Civil Português. Op. Cit.
65
Código Civil Brasileiro. Op. Cit.
33

resposta é não. Aduz que o casamento não exclui a individualidade dos


cônjuges, e que os dispositivos normativos que consagram os interesses
individuais dos cônjuges como fatores a serem observados nos ajustes a
respeito da orientação da vida em comum (art. 1671.º, n.º 2), bem como a
garantia ao direito à liberdade profissional (art. 1677.º -D), e principalmente, o
dever conjugal de respeito (art. 1672.º) identifica as situações normativas
inerentes à dignidade da pessoa humana 66.

Continuando o pensamento do autor, “a união conjugal deve aproximar-


se de uma plena comunhão de vida”. E os deveres enunciados no artigo 1672.º
são situações jurídicas que juntas integram o núcleo intangível da comunhão
conjugal. Dessa junção de deveres decorre a obrigação de comunhão
tendencialmente plena de vida a que se vinculam as partes que contraem
matrimônio67.

Esses deveres legais são substancialmente a consolidação normativa


de comportamentos que a sociedade entendeu como necessários e
imprescindíveis para a conservação do equilíbrio do relacionamento
matrimonial68.

Na visão de Antunes Varela, a plena comunhão de vida, estabelecida


com o casamento relaciona-se com esses princípios fundamentais (igualdade
jurídica entre os cônjuges (art. 1671.º, n.º 1) e direção conjunta da família (art.
1671.º, n.º 2). O princípio da co-direção consubstancia na imprescindibilidade de
acordo sistemático dos cônjuges ao conduzir os interesses das famílias,
satisfazendo a aspiração igualitária dos novos tempos. 69

Numa dimensão mais atual, discorre Carlos Pamplona Corte-Real que a


comunhão de vida obedecerá a um projeto de vida criado e recriado a todo
momento pelos cônjuges, no qual cada casal decidirá de forma íntima o modelo
mais ou menos próximo, mais ou menos cooperante, mais ou menos participado

66
PINHEIRO, Jorge Duarte. Pág. 356.
67
PINHEIRO, Jorge Duarte. Pág. 359
68
CHAVES, Adalgisa Wiedmann. A (ir)relevância da discussão da culpa na separação judicial in:
O Moderno Direito de Família. Revista do Ministério Público do RS, 2006, pág.12.
69
VARELA, Antunes. Págs. 339 a 341.
34

economicamente ou mais ou menos partilhado tendo reflexos diretos nos


deveres conjugais7071.

Nesse sentido, dada a natureza excessivamente íntima e pessoal de um


relacionamento conjugal, somente os casais são capazes e aptos para verificar
e estabelecer o modo em que irão desenvolver o relacionamento, a fim de que
ambos se realizem no âmbito do casamento, alcançando a plena satisfação
pessoal72.

Quanto aos deveres propriamente ditos, o dever de respeito, primeira


obrigação contida no art. 1672.º, foi introduzida pela Reforma de 77. Esse dever
consiste em não lesar a honra do outro cônjuge, correspondendo um reflexo da
tutela geral de personalidade, estabelecido pelo art. 70.º, n.º 1 do CCP. O intuito
do legislador era enfatizar que o casamento não permite a violação aos direitos
e liberdades pessoais dos cônjuges.73

O dever de fidelidade consubstancia em uma fidelidade física e moral


dos cônjuges. A física diz respeito a impossibilidade de um cônjuge realizar atos
sexuais com terceiros. E a moral, impossibilita qualquer ligação amorosa mesmo
que não seja física entre um cônjuge e um terceiro74. Para COELHO e
OLIVEIRA, trata-se de um puro dever negativo75.

O dever de coabitação corresponde a “comunhão de leito, mesa e


habitação”. A comunhão de leito representa a prática de atos sexuais, já a
comunhão de mesa configura a comunhão de vida econômica, a qual vincula os
cônjuges a uma partilha de recursos. E a comunhão de habitação traduz a
exigência dos cônjuges conviverem, a tempo inteiro ou habitualmente, num

70
CORTE-REAL, Carlos Pamplona. PEREIRA, José Silva. Pág. 134
71
Corroborando esse entendimento de inconformismo, cabe destacar o posicionamento antigo
dos juristas alemães, a respeito do modelo francês, que assim como o modelo português,
descreveram conceitos para os deveres conjugais. “Enneccerus, Kipp e Wolf apelidaram o
modelo francês de “designação de velha sabedoria”, criticando-o, por não entenderem não caber
ao legislador concretizar o dever de comunhão de vida, pois normas que o tentassem nunca
conseguiriam fixar o regime para todos os casamentos e envelheceriam rapidamente”.
FAVARO, Daniela. PEREIRA, Fernanda Daniele de Abreu Pereira. O Fim da Culpa no Direito de
Família. Pág. 11. Disponível em: publicadireito.com.br/artigos.
72
CHAVES, Adalgisa Wiedmann. A (ir)relevância da discussão da culpa na separação judicial in:
O Moderno Direito de Família. Revista do Ministério Público do RS, 2006, pág.13
73
PINHEIRO. Jorge Duarte. Pág. 360.
74
PINHEIRO. Jorge Duarte. Pág. 362.
75
COELHO, Francisco Pereira e OLIVEIRA, Guilherme de. Pág. 411.
35

determinado local (residência da família)7677. Ressalta-se que a fixação da


residência familiar deverá levar em conta o interesse próprio da família enquanto
conjunto, assim como às necessidades individuais de cada um dos membros da
família para se chegar a um entendimento comum 78.

O quarto dever descrito na lei é o dever de cooperação, disposto no art.


1674.º do CCP, determinando aos cônjuges duas obrigações: a obrigação de
socorro e auxílio mútuos79; e a imposição em conjunto das responsabilidades
intrínsecas a vida familiar80.

Por último, o dever de assistência (art. 1675.º, do CCP) determina a


obrigação do cônjuge de prestar alimentos e de contribuir para a vida familiar.
Tratam-se de duas obrigações que compreendem prestações pecuniárias,
sendo garantidas em momentos diferentes. A contribuição para a vida familiar é
resolvida em uma situação de normalidade conjugal, já a prestação de alimentos
é solicitada ao cônjuge numa situação de ruptura do vínculo conjugal 81.

Ressalta-se que mesmo com toda essa manifestação do que seriam os


deveres conjugais recíprocos, consideramos que as normas imperativas
descritas no artigo supramencionado são normas complexas, compreendendo
no seu contexto cláusulas gerais e conceitos indeterminados de difícil
reconhecimento.

Por conseguinte, justamente por entendermos que a plena comunhão de


vida conjugal não pode ser regulada no momento da celebração, pois trata-se
de espaço livre, no qual os efeitos pessoais não podem ser regulados por

76
PINHEIRO. Jorge Duarte. Pág. 363 e 364.
77
O dever de coabitação compreende as obrigações que os cônjuges têm, de viver em comum,
sob o mesmo teto. Mas abrange sobretudo as relações sexuais (o ius in corpus), que constituem
o dever conjugal por excelência (debitum conjugale).
VARELA, Antunes. Pág. 345.
78
CAMPOS, Diogo Leite de. e CAMPOS, Mónica Martinez de. A Comunidade Familiar in: Textos
de Direito da Família para Francisco Pereira Coelho. Coordenação Guilherme de Oliveira.
Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, Pág. 14.
79
A obrigação de socorro pressupõe uma ajuda a superar situações anormais e graves, de crise
ou emergência do outro cônjuge. Já a obrigação de auxílio implica uma colaboração indicada a
fazer face aos problemas do dia-a-dia.
PINHEIRO. Jorge Duarte. Pág. 366
80
Na obrigação de socorro e auxílio mútuos, que integra o dever de coperação, cabem
especialmente os cuidados exigidos na vida e saúde de cada um dos cônjuges, bem como a
colaboração necessária ao exercício da sua profissão.
VARELA, Antunes. Pág. 350.
81
PINHEIRO. Jorge Duarte. Pág. 368
36

contrato, filiamo-nos ao posicionamento de que os deveres conjugais nada mais


são do que normas programáticas de deveres morais, que se limitam a traçar
princípios que devam ser observados pelo casal e construídos com a sua
vivência82.

Sobre o assunto corroborando a nossa compreensão, colacionamos o


pensamento do Professor Jorge Duarte Pinheiro:

“A lei não impõe aos membros da união de facto deveres


análogos aos que vinculam reciprocamente os cônjuges (cf. Art.
1672º). Os membros da união de facto estão naturalmente
vinculados ao dever geral de respeito, que é mais intenso
sempre que existe uma relação de intimidade, proximidade ou
dependência entre as pessoas. Contudo, os membros da união
de facto não estão sujeitos aos deveres jurídicos específicos dos
cônjuges. A fidelidade, a coabitação, a cooperação e a
assistência são, quando muito, deveres morais ou éticos dos
membros da união de facto”83.
Portanto, o entendimento é de que tanto o casamento quanto a união de
facto se baseiam no princípio de que cada cônjuge (ou convivente) deve viver o
estado de casado (ou unido de facto) em liberdade, com autonomia, respeito e
igualdade, assim dizendo, sem ser limitado ou repreendido por qualquer forma
pelo outro cônjuge ou companheiro.

Retomando a elucidação da preservação dos pretensos deveres


jurídicos conjugais, nos questionamos: qual a necessidade de analisarmos a
violação culposa dos mesmos após a eliminação da culpa como fundamento
para o pedido de divórcio?

Cumpre mencionar que historicamente registra-se que elementos de


ordem religiosa e socioculturais serviram-se de fundamento para a busca de
designar um culpado para o término da relação conjugal84. A pretensão era
manter a função institucional do casamento como instrumento de preservar a

82
CORTE-REAL, Carlos Pamplona. PEREIRA, José Silva. Pág. 130 e 131
83
PINHEIRO, Jorge Duarte. Pág. 532
84
Nesse sentido, aduz Antunes Varela: A Igreja considera a família como uma sociedade natural
que, através do casamento, experimenta ao homem uma ligação por toda vida, até a morte, a
uma outra pessoa. É essa plena comunhão natural de dois seres humanos que vem palidamente
retratada na análise descritiva do artigo 1672º. Trata-se de um elemento essencial do casamento,
devendo considerar-se nulas e não escritas quaisquer cláusulas derrogatórias dos deveres
recíprocos a que esse preceito legal se refere, situados no cerne do novo modelo de matrimônio
aceite na Reforma de 1977.
VARELA, Antunes. Pág. 182.
37

família, célula base da sociedade, corroborando a clara influência religiosa na


indissolubilidade do casamento.

Felizmente, com a sucessiva “dessacralização” ou “laicização” do


casamento, diante da gradual redução da influência religiosa, as legislações
ocidentais progrediram, e a tendência das leis europeias é da concessão de
divórcio sem analisar a culpa, seja o divórcio consensual ou de divórcio unilateral
ou de pura constatação da ruptura da relação matrimonial 85.

Vê-se em Portugal dois momentos determinantes para a análise desses


deveres recíprocos conjugais, quais sejam, antes e após a edição da Lei n.º
61/2008 de 31 de outubro, que alterou o regime jurídico do divórcio.

Anteriormente à Lei, a violação culposa de quaisquer destes deveres era


causa para o divórcio ou separação judicial de pessoal e bens litigiosos86.
Entendia-se que essa violação somente era relevante quando pela sua
gravidade comprometesse a possibilidade de vida em comum do casal
(art.1779.º, n.º 1)87.

Ressalta-se que nesse tempo a doutrina dominante não deliberava se


haveria condições de manter os deveres conjugais de forma cogente, não
observavam que a obrigatoriedade desses deveres feriria o caráter indisponível
da esfera pessoal de cada cônjuge88.

O regime jurídico do divórcio de 2008 estabeleceu o fim da culpa como


fundamento para a dissolução do casamento por divórcio. O legislador optou,
alinhado com a tendência dogmática europeia e a consistente evolução da Lei e
da prática dos sistemas legais europeus analisados, pelo corte com o princípio

85
“A tendência de algumas legislações mais avançadas, como a alemã, é orientada no sentido
de reduzir os deveres pessoais impostos coercitivamente aos cônjuges, abandonando também
nesse domínio o modelo clássico (único) do casamento e franqueado aos nubentes a
possibilidade de darem outros possíveis conteúdos à relação matrimonial”.
VARELA, Antunes. Pág. 341.
86
Segundo Carbonnier, ao mencionar os deveres pessoais do Código Civil Francês, estabeleceu
que os efeitos pessoais do casamento caracterizam restrições que cada cônjuge voluntariamente
permite em sua liberdade pessoal por um sistema de ordem pública, suficiente a configurar a
culpa (faute) como causa de pedir do divórcio.
CARBONNIER, Jean. Droit Civil: Introduction, Les pdersonnes, La famille, l'enfant, le couple.
Paris: PUF, 2004, Pág. 1290.
87
COELHO, Francisco Pereira e OLIVEIRA, Guilherme de. Pág. 407.
88
CORTE-REAL, Carlos Pamplona. Relance crítico sobre o direito de família português. in: Textos
de Direito de Família. Para Francisco Pereira Coelho, coordenação de Guilherme de Oliveira.
Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, págs. 116 e 117.
38

da culpa89.

Constatou-se que em muitos desses sistemas, a culpa foi abandonada


ou encontrava-se tendencialmente nessa direção, sendo esse o posicionamento
visivelmente assumido na exposição de motivos das alterações ao regime
jurídico do divórcio (Projeto de Lei n.º 509/X), segundo a qual, “sendo a ruptura
conjugal, com muita frequência, um processo emocionalmente doloroso, a
tendência tem sido, ao nível legislativo, e nos países europeus que nos vão
servindo de referência, para retirar a carga estigmatizadora e punitiva que uma
lógica de identificação da culpa só pode agravar”90.

Nesse sentido, é completamente suprimida qualquer alusão à violação,


seja culposa ou não, dos deveres conjugais enquanto fundamento do divórcio,
demonstrando a desnecessidade de se observar causas subjetivas. Cumpre
constar que os deveres conjugais apesar de permanecerem inalterados, não
passarão, agora, de letra morta, já que, embora consagrados, não gozam de
qualquer tutela jurídica91.

Seguindo esse posicionamento92, reconhecemos que a violação aos


deveres conjugais não configura obrigação de indenizar, uma vez que somente
a demonstração do sofrimento não caracteriza possibilidade de indenização. 93
Todavia, poderá haver responsabilidade civil se estiverem presentes todos os
elementos caracterizadores, como: fato ilícito, dano, imputabilidade do fato ao
agente e nexo de causalidade entre o fato e o dano (art. 483.º CCP)94.

89
Dispõe o art. 1781º, al. “d” do CCP, que são fundamento de um divórcio sem consentimento
de um dos cônjuges: d) Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges,
mostrem a ruptura definitiva do casamento.
Código Civil Português. Op. Cit.
90
HENRIQUES, Teresa de Souza (Relatora). Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.
Processo n.º 249/11.0TMLSB.L1-1. 19/02/2013. Disponível em: www.dgsi.pt.
91
COSTA, Eva Dias. A eliminação do divórcio litigioso por violação culposa dos deveres
conjugais in: e foram felizes para sempre? Coimbra Editora, 2010, pág. 71.
92
O Professor Carlos Pamplona Corte-Real, admite que a não observância desses deveres não
traz uma consequência específica em sede de divórcio.
CORTE-REAL, Carlos Pamplona. SILVA, José Pereira. Pág. 17
93
Em sentido contrário, temos o Professor Jorge Duarte Pinheiro, que afirma que a violação aos
deveres conjugais independe do divórcio ou da separação de pessoas e bens, podendo suscitar
responsabilidade civil (cf. Art. 483º e s.), caso seja verificado os pressupostos da obrigação de
indenizar, tendo em vista que o casamento não cria uma “área de exceção”.
PINHEIRO, Jorge. Pág. 377 e 378.
94
Segundo Diogo Campos e Mónica Martinez, em nome do direito à liberdade (de divórcio),
excluem a possibilidade de um cônjuge indenizar o outro por danos decorrentes diretamente da
violação dos deveres conjugais.
39

O entendimento é de que a violação de um dever conjugal por si só não


cabe indenização, uma vez que os relacionamentos afetivos se justificam na
constituição do afeto e na liberdade de se desenvolverem. Contudo, a violação
de um dever de personalidade, fundada nos deveres absolutos, caberá
indenização, assim dispõe o art. 1792.º, n.º 1, CCP 95. Compreende-se, assim,
que esta responsabilidade civil é independentemente da condição de cônjuge do
lesante ou lesado96.

Desse modo, cumpre ressaltar que após a Lei do divórcio, o fundamento


da fragilidade das garantias das relações familiares pela ausência de sanção ao
descumprimento dos deveres recíprocos conjugais deixou de suscitar dúvidas,
tendo em vista que a responsabilidade civil a que se refere a Lei nada tem a ver
no seu alcance com a ruptura do casamento ou com a violação dos deveres
conjugais.

Enfatizando, a Lei pretendeu esclarecer que a responsabilidade civil do


art. 1792º, n.º 1, é decorrente de violação a direitos absolutos por força do próprio
relacionamento interconjugal, ou seja, os deveres conjugais serão analisados e
responsabilizados quando a não observância configurar violação aos direitos
absolutos, nos termos gerais do direito, não especificamente do direito
conjugal97.

O Professor Carlos Pamplona Corte-Real aduz que constitui uma


aberração a manutenção na lei civil dos deveres conjugais, porque a referida Lei
n.º 61/2008 acabou com o divórcio-sanção baseado na culpa e acolheu o
divórcio fracasso ou constatação da ruptura. Para ele, o legislador não teve
“coragem” de eliminar a referência aos deveres conjugais, reconhecendo que a
plena comunhão de vida é um espaço de gestão livre não sendo legítimo impor
vinculações imperativas98.

PINHEIRO, Jorge. Pág. 379.


95
Art. 1792º, 1. “O cônjuge lesado tem o direito de pedir a reparação dos danos causados pelo
outro cônjuge, nos termos gerais da responsabilidade civil e nos tribunais comuns”.
Código Civil Português. Op. Cit.
96
CORTE-REAL, Carlos Pamplona. SILVA, José Pereira. Pág. 17 a 19.
97
CORTE-REAL, Carlos Pamplona. SILVA, José Pereira. Pág. 19 e 20.
98
CORTE-REAL, Carlos Pamplona. RELANCE CRÍTICO. Pág. 117.
40

Ressalta-se que no início do tópico, vimos juntamente com os deveres


conjugais no códex português, os deveres conjugais no Código Civil Brasileiro e,
vale destacar que a posição dominante da doutrina é de que a violação de
qualquer dos deveres conjugais (art. 1.566, do CCB) não ocasiona a
responsabilidade civil, tendo em vista tratar de normas comportamentais entre
os sujeitos, conjugando do mesmo entendimento de que representam princípios
programáticos, sobre o que nos deteremos mais alongadamente no capítulo que
tratar da união informal no Brasil.

Por fim, conclui-se e reafirma-se que os deveres recíprocos dos


cônjuges são inexigíveis atualmente no casamento, constituindo normas
programáticas que estabelecem nada mais do que deveres morais,
fundamentados nos princípios gerais do direito, tendo em vista que a comunhão
plena de vida se baseia na liberdade dos sujeitos de exercê-la de acordo com a
identidade e a intimidade do casal e, soma-se a isso, a eliminação da culpa como
requisito para obtenção do divórcio, não vislumbrando mais a necessidade de se
analisar os pretensos deveres conjugais como obrigatórios na vivência conjugal,
encerrando essa controvérsia.

1.3. Constituição da União de Facto

Embora a nomenclatura “união de facto” seja relativamente uma


novidade no ordenamento jurídico português, o instituto da união informal, por
muitas vezes rejeitado e repudiado pela sociedade, é encontrado historicamente
das mais diversas formas e maneiras.

Numa perspectiva histórica, a união de facto foi denominada por várias


expressões, como a “union libre”, classificada por alguns doutrinadores como o
modo aristocrático de exprimir o concubinato ou a união livremente contraída e
livremente dissolvida; os termos usados pela doutrina francesa, à cohabitation
ou “cohabitation hors marriege”; e os usados pela doutrina anglo-saxônica como
a “cohabitation witjout marriage” ou “unmarried cohabitation”.99

99
PITÃO. José António de França. União de Facto no Direito Português. Quid Juris Sociedade
Editora Ld, Lisboa, 2017, Pág. 25. ISBN 978-972-724-776-9.
41

A forma mais conhecida chamada de concubinato100, correspondia


àquela relação amorosa duradoura, que não era consagrada pelo matrimônio. A
razão pela qual a relação concubinária tenha sido vista como imoral e ilícita pela
sociedade decorreu do surgimento da Igreja e do sacramento do matrimônio,
resultando em regras e comportamentos morais necessários à realização do
casamento, dentre eles, a pureza na união.

O concubinato subdivide-se em: concubinato puro, a relação amorosa


entre um homem e uma mulher que viviam juntos, sem o vínculo jurídico formal
apesar de se encontrarem aptos para o sacramento; já o concubinato impuro,
trata-se da relação entre pessoas impedidas de se casarem ou que mantinham
relações provavelmente eventuais.

Napoleão encarregou-se da célebre frase, “se os concubinos não


querem saber da lei…a lei não quer saber dos concubinos”. Nessa época,
imaginava-se ter encontrado todos os modelos de comportamento adequados
para se alcançar a felicidade dos indivíduos e das nações. A sociedade ao se
organizar deduziu que o casamento era o caminho ideal no qual toda a
comunidade deveria ser submetida, sendo ignorados àqueles que desviassem
desse caminho101.

Ao verificar a evolução do casamento ao longo da história europeia, no


Direito Romano, constatou-se que havia várias formas de casamento, entre elas,
o modo informal de matrimônio sem uma cerimônia ou registo em que existia o
affectio maritalis, consagrando assim, uma categoria que não era considerada
proibida ou imoral de união de facto com ampla eficácia de casamento 102.

A luta pela forma jurídica do casamento traduziu um esforço no sentido


da proteção e do reconhecimento social dos casamentos de facto 103. Nesse
ínterim, com o advento da era dos imperadores cristãos, o concubinato tornou-
se mal visto e, ao longo de mil e quinhentos anos, a Igreja foi gradativamente

100
A expressão pejorativa “concubina” deriva da expressão latina “cuni cubare”, que significa “ir
para cama com”.
101
OLIVEIRA, Guilherme de. Notas sobre a Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto (Alterações à Lei
das Uniões de Facto). Lex Familiae. Revista Portuguesa de Direito da Família, Coimbra, a.7n.14.
Pág. 139.
102
OLIVEIRA, Guilherme de. Op. Cit. Pág. 140.
103
XAVIER, Rita Lobo. Novas Sobre a União “More Uxorio” em Portugal in: Estudos dedicados
ao Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida Costa. Págs. 1403 e 1404.
42

apropriando-se do monopólio da celebração do matrimônio, de modo que no


século 16 só era juridicamente válido o casamento celebrado na forma religiosa,
descartando qualquer outra forma de casamento104.

Foi com a crescente influência da Igreja Católica nas relações familiares


e a regulamentação do matrimônio como sacramento no Direito Canônico, que
somente o casamento católico possuía relevância jurídica para validar uma
união, deslegitimando a relação concubinária anteriormente aceita.

Ao analisar a evolução da união conjugal, constatamos que embora o


casamento ainda possua um peso muito elevado em Portugal se comparar a
outros países europeus, independentemente de ser celebrado na forma civil ou
religiosa, vem cada vez mais perdendo o seu espaço.

Ressalta-se que a ideia do casamento encontra-se, ainda, muito mais


presa ao casamento religioso do que a própria união em si, e que a escolha pela
forma de celebração do casamento católico não é necessariamente considerada
pela convicção religiosa das partes, pois poderá ser adotada por uma questão
de tradição e de ritual ou por “ser moda” mesmo 105.

Sendo assim, com essa ideia de casamento atrelado à necessidade da


celebração do casamento religioso e, diante da tradição de que o casamento não
é somente um fato jurídico e sim a realização de uma cerimônia, podemos
observar que aqueles que não estejam preparados socialmente ou
economicamente para um casamento, optam por uma união informal.

Documentadamente nas últimas décadas em Portugal ocorreram


importantes mudanças nos padrões de nupcialidade e conjugalidade. Podemos
destacar entre elas, o aumento do casamento de caráter civil em detrimento do
religioso, o crescimento do instituto do divórcio, o aumento do nascimento de
crianças fora do casamento, e, sobretudo, a queda das taxas de nupcialidade ao
confrontar-se ao aumento das uniões de facto.

Essas mudanças alteraram o modo de relação conjugal que havia em


outrora. Anteriormente se via uma conjugalidade encarada especialmente por

104
OLIVEIRA, Guilherme. Notas. Op. Cit. Pág. 140.
105
LEITE, Sofia. A União de Facto em Portugal in: Revista de Estudos Demográficos, n.º 33. Pág.
104. Disponível em: censos.ine.pt.
43

razões de sobrevivência, linhagem e transmissão do legado, carregado de


grandes desigualdades nos papéis sexuais e sob intimidações e
constrangimentos familiares106. Todavia, graças às constantes alterações que se
mostraram necessárias para um tratamento igualitário entre os sujeitos,
encontra-se hoje, uma conjugalidade na qual os parceiros partilham entre eles
afeto, intimidade e muita união, fazendo assim, um do outro, lugar de refúgio
contra o mundo exterior107.

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial ocorreram significativas


alterações na formação e funcionamento das famílias. Por conseguinte, a união
de facto ganhou mais visibilidade, sendo grande responsável pelo número
elevado de crianças nascidas fora do casamento, demonstrando que o ciclo da
vida familiar perdeu o caráter “obrigatório” de constituir família e procriar, dentro
do casamento.

Nas décadas de 60 e 70, prevalecia o modelo familiar formado por um


casamento monogâmico, baseado em uma relação estável, com clara imposição
de papéis sexuais partilhados entre os sujeitos 108. Contudo, foi justamente nos
anos 70 que houve as mudanças determinantes na evolução do funcionamento
da família, dado que, foi nessa época que se atingiu a autonomia das mulheres
decorrentes da entrada no mercado de trabalho e controle de fecundidade
garantidos pela contracepção, surgindo assim, um novo modelo de família
ocidental com valores distintos.109

Essa mudança de valores, seja o aumento das uniões de facto, do


número de divórcios; o crescimento das famílias monoparentais, o grande
número de nascimentos fora do casamento e as pessoas que passaram a viver

106
Afirma Coelho e Oliveira que esse tipo de união era chamado de “casamento aliança”. Este
configurava-se quando o casamento entre os seus membros era determinado por grupos a que
pertenciam os noivos, a vida matrimonial respeitava valores e exigências cumprindo um destino
pré-definido, possuindo relevância fundamentalmente econômica e reprodutiva.
Coelho, Francisco Pereira. e OLIVEIRA, Guilherme de. Pág. 121
107
LEITE, Sofia. A União de Facto em Portugal. Pág. 97
108
Vale destacar que nos anos 60 a cada cem casamentos, noventa e um eram religiosos e que
nos anos 70 eram celebrados mais de cem mil casamentos em Portugal.
109
Nesse sentido, Carlos Pamplona adverte: “Daí a relevância do “olhar à volta” (e não só em
termos estritamente jurídicos) para bem se poder aferir das influências ou afinidades subjacentes
ao Direito de Família português, que diga-se, desde já, acompanhou “entusiasticamente” (nem
sempre tao científica quanto entusiasticamente), na Reforma de 77-78, os sinais dos tempos”.
CORTE-REAL, Carlos Pamplona. Direito da Família e das Sucessões - Relatório. Lisboa, 1995.
Pág. 67 e 68.
44

só, pode ser entendido como crise da família ou crise da conjugalidade. Desse
modo, surge o seguinte questionamento: até que ponto essas alterações não
foram vistas como uma “crise do casal”?

Ao analisar uma pesquisa realizada (família nos censos 2011),


compreendemos que a vida em casal continua a ser preferível e muito mais
atrativa que um caminhar solitário, não se tratando de uma crise dos casais, mas
uma percepção de vida de modo diferente. O que realmente se verificou é que o
casamento não seria mais a única forma de se constituir família, que uns optam
pelo casamento e outros não.

Muitos argumentos podem ser utilizados para o fortalecimento das


uniões informais, um deles encontrado foi a mudança na celebração dos
casamentos que até 2006 eram maioritariamente celebrados na forma católica
e, a partir de 2007, predominou a celebração na forma civil, havendo uma
diminuição da influência da Religião no casamento 110.

Outro argumento encontrado é que a união de facto passou a ser


utilizada por muitos casais como fase experimental ou um teste a vida a dois
antecipadamente à celebração do casamento, como uma etapa indispensável
para consolidar a decisão sobre a união de direito.

Sobre esse fato o censo nos apresenta que entre 1995 e 2012 a
percentagem de casamentos na qual os casais já possuíam residência anterior
comum tem vindo a expandir, correspondendo em 2012 a praticamente metade
do total de casamentos realizados em Portugal, situação bem diferente da que
se encontrava no ano de 1995, na qual em sua maioria os nubentes não
possuíam residência anterior comum111.

Outra situação encontrada no Censo para a coabitação a união de facto


está ligada à parentalidade, isto é, ao nascimento de um filho não esperado que

110
Entre 2001 e 2011, a expressão de casamentos católicos, no total de casamentos, passou de
62,5% (36 509) para 39,5% (14 121) e a de casamentos civis passou de 37,5% (21 881) para
60,2% (21 481), respetivamente (INE 2013).
NUNES, Cátia. Transformações familiares recentes: uma perspectiva territorial. in: Famílias nos
Censos 2011. Anabela Delgado, Karina Wall (Coord.), Lisboa: Instituto Nacional de Estatística:
ICS. Imprensa de Ciências Sociais, 2014. Pág. 112.
Disponível em: https://www.cig.gov.pt/siic/pdf/2015/FamiliasCensos2011_a.pdf.
111
PINA, Cláudia. MAGALHÃES, Graça. Principais tendências demográficas: as últimas
décadas. in: Famílias nos Censos 2011. Anabela Delgado, Karina Wall (Coord.), Lisboa: Instituto
Nacional de Estatística: ICS. Imprensa de Ciências Sociais, 2014. Pág. 36.
45

acaba por antecipar a vivência em casal. Além desses, há também os casos das
uniões de facto que surgem de transições familiares envolvidas por rupturas
anteriores112.

Ao pesquisar a diminuição das taxas de nupcialidade constatou-se que


em duas décadas a vida familiar viu-se marcada pelas mudanças na forma de
conjugalidade e no movimento tendencial de reforço da individualização da vida
privada. A sociedade portuguesa nas décadas de 80 e 90 passou por
transformações marcadas pela modernização da vida familiar como: a crescente
informalização e diversificação da vida conjugal; diminuição da natalidade;
aumento do divórcio e da recomposição familiar, concentradas em uniões
democráticas de maior autonomia113.

Considerando o trabalho das famílias no Censo (2011), verificamos que


há razões e acontecimentos para o número crescente de uniões informais e
diminuição das uniões de direito114, e que não corresponde necessariamente
uma situação específica de um dado grupo social ou de uma determinada região
do País. A bem da verdade o que se observa é que os tempos são outros, e
essas mudanças decorreram da evolução sociofamiliar.

112
Em 2011, aproximadamente 6 em cada 10 casais recompostos viviam em união de facto
(59,2%), o que representa um crescimento de 139,5% face a 2001, altura em que perfaziam
55,9% do total.
ATALAIA, Susana. As famílias recompostas em Portugal: dez anos de evolução (2001-2011) in:
Portugal in: Famílias nos Censos 2011. Anabela Delgado, Karina Wall (coord.), Lisboa: Instituto
Nacional de Estatística: ICS. Imprensa de Ciências Sociais, 2014. Pág. 238.
113
WALL, Karin. CUNHA, Vanessa. RAMOS, Vasco. Evolução das estruturas domésticas em
Portugal, 1960-2011. in: Famílias nos Censos 2011. Anabela Delgado, Karina Wall (coord.),
Lisboa: Instituto Nacional de Estatística: ICS. Imprensa de Ciências Sociais, 2014. Pág. 44.
114
Entre 1991 e 2011, os casais «de facto» registaram uma variação positiva de 278,8%. Trata-
se de um aumento consistente e regular ao longo do tempo, na medida em que o número de
casais «de facto» praticamente duplicou entre 1991 e 2001 (93,6%) e, novamente, entre 2001 e
2011 (95,7%), o que permite afirmar a coabitação como uma das grandes tendências de
mudança na conjugalidade em Portugal, aliás, já identificada por Ferreira (2003). Em
contrapartida, a diminuição (absoluta e relativa) dos casais «de direito» constitui um fenómeno
emergente, que marca a primeira década do novo milénio. Se na última década do século XX
estes casais registavam ainda uma variação positiva de 4,9%, de algum modo acompanhando o
aumento dos núcleos conjugais no seu todo, entre 2001 e 2011, os casais «de direito» passaram
a registar uma variação negativa de 4,8%. Assim, não obstante o número de núcleos conjugais
em Portugal continuar a aumentar, constata-se que há uma diminuição do número de casais «de
direito», isto é, que formalizam a relação através do casamento. Já os casais «de facto» têm
vindo paulatinamente a ganhar relevância, representando 13,3% do total de casais em 2011,
contra 3,9% em 1991.
CUNHA, Vanessa. ATALAIA, Susana. A evolução da conjugalidade em Portugal in: Famílias nos
Censos 2011. Anabela Delgado, Karina Wall (coord.), Lisboa: Instituto Nacional de Estatística:
ICS. Imprensa de Ciências Sociais, 2014. Págs. 157 e 158.
46

Registra-se que iniciamos o tópico 3 abordando de forma geral a respeito


das uniões informais, citando o concubinato, demonstrando o surgimento do
casamento e a influência forte da Igreja na união de direito e, ainda, a visão e os
casos da união de facto em Portugal.

Todavia, cabe agora especificar e detalhar o que seria o instituto da


união de facto em Portugal, como ele se constitui, sua proteção jurídica e sua
assimilação progressivamente ao casamento.

No decorrer da nossa escrita, citamos que a primeira vez que foi


mencionado o termo “união de facto” foi no Código Civil com a reforma de 77.
Ocorre que somente no ano de 99, com a lei n.º 135/99, de 28 de agosto, foi
atribuída relevância jurídica ao apresentar medidas de proteção à união de facto
em um diploma próprio, até então encontradas em legislações avulsas115.

Cabe ressaltar que o caminho percorrido pelos parlamentares para a


promulgação da Lei n.º 135/99 não foi uma trajetória rápida e precisa quanto ao
conceito, direitos e efeitos da união de facto. Na obra de Nuno Salter Cid, “a
comunhão de vida à margem do casamento”, ao analisarmos o tópico que
aborda esta lei, vislumbramos que os partidos de esquerda desde 1987, já
disciplinavam projetos de lei que tiveram por objeto a proteção jurídica às
pessoas em união de facto116.

115
Podemos citar como exemplos no CCP, os artigos: 495, n.º 3; 953; 1111 n.º 2 e n.º 3, “c”;
1871, n.º 1, “c”; 1911, n.º 3; 2020, n.º 1.
Código Civil Português.
116
Nesta ocasião faz-se necessário demonstrar uma respectiva histórica dos acontecimentos
que antecederam a Lei n.º 135/99. Foi no mês de fevereiro de 1987 que o Partido Comunista
Português trouxe um projeto exclusivo garantindo a proteção aos membros em união de facto.
No mês de novembro do mesmo ano, foi a vez do Partido Ecologista “Os Verdes” apresentar um
projeto de lei de revisão constitucional, sugerindo o alargamento no conceito de família de forma
a adequá-lo à realidade, incluindo direitos no âmbito da segurança social e do arrendamento
urbano, de forma que o art.13, n.º 2 da CRP passasse a proibir a discriminação em razão do
estado civil. Em junho de 1988 foi a vez dos Comunistas buscarem a renovação do projeto
anterior, incluindo artigos relativos ao destino da morada do casal na cessação da união de facto.
Passou-se seis anos em um interregno e, no ano de 1994, o partido “os verdes” insistiu no seu
projeto de lei de revisão constitucional, visando não somente alargar o conceito de família como
ajustar o princípio da igualdade às novas e diversas expressões familiares a que a sociedade
assume. Seria aqui incluído um n.º 3 no art.36 da CRP, que passaria a ditar a equiparação da
união de facto ao casamento para todos os efeitos nos termos da lei. No mesmo ano, os
Comunistas divulgaram um novo projeto de lei com intuito de substituir o Decreto Regulamentar
n.º 1/94 por um diploma mais brando quanto à exigência da prova da união de facto. Já em março
de 1996 os Verdes trouxeram um novo projeto de lei de revisão constitucional incluindo no art.13,
n.º 2 a discriminação em razão da opção sexual, mais tarde chamada de, orientação sexual. No
mês de maio de 1997, os Verdes avançaram mais uma vez, com um projeto de lei ordinária
concentrado inteiramente às uniões de facto. Ocorre que neste recuaram mais ao diminuir os
47

Após essa análise histórica dos projetos que desencadearam a primeira


abordagem legislativa sobre a união de facto, cabe explanar o pensamento do
autor de que embora os legisladores aparentassem ter refletido de forma madura
e encontrado solução quanto a proteção dos unidos de facto referente às lacunas
existentes e as incongruências do sistema, a bem da verdade é que essa
primeira lei veio de forma muito tímida não alcançando as necessárias e efetivas
respostas legislativas quanto ao assunto117.

De acordo com o artigo 1º da citada lei, esta regularia “a situação jurídica


de pessoas de sexo diferente que vivem em união de facto há mais de dois
anos”.118

Ressalta-se que a união de facto forma-se logo que estejam preenchidos


os elementos caracterizadores da relação afetiva.

Nesse ínterim, iniciaremos nossa descrição pela parte que mais chamou
atenção no dispositivo legislativo que foi a exigência de que as pessoas tivessem
sexo diferente para que fossem protegidas pela união de facto. Ao nosso ver a
regulamentação do instituto da união de facto foi em decorrência da necessidade
de acompanhar a evolução nos contextos familiares, baseado no direito de
livremente cada pessoa constituir a sua família.

Desse modo, como entender que um dispositivo que veio nos trazer a
aceitação de que a relação constituída em união de facto deveria ser protegida
juridicamente, se nela podemos encontrar ainda a discriminação entre as
pessoas?! Sendo assim, vamos analisar a evolução da ordem legal das relações
homoafetivas em Portugal para melhor compreendermos.

efeitos de atribuição da união de facto ao restringir para prestações de segurança social, casos
de acidente de trabalho, direito ao arrendamento e imposto sobre o rendimento. No mês de junho
do mesmo ano, foi a vez dos Comunistas de apresentarem um projeto de lei mais extenso e
complexo do que os Verdes, correspondendo nas palavras do autor, a um “mini-casamento
alternativo”, uma vez que delimitava o conceito de união de facto, inclusão nas fontes das
relações familiares, modos de dissolução, efeitos quanto às pessoas e bens, definindo, ainda,
através de remissão para normas aplicáveis aos cônjuges, A POSIÇÃO SUCESSÓRIA DO
SOBREVIVO DA UNIÃO DE FACTO e a questão de alimentos. Decorre que no dia 25/06/1997,
dia D, os projetos infelizmente não foram aprovados (“chumbados”). E, após esse fato, com a
junção dos partidos socialistas, reuniaram os projetos que viriam a ser a Lei n.º135/99.
CID, Nuno de Salter. A comunhão de vida à margem do casamento: entre o facto e o Direito,
Almedina, 2005. Págs. 636 a 642. Depósito Legal: 232615/05.
117
CID, Nuno de Salter. Op. Cit. Pág. 643.
118
Lei n.º 135/1999.
48

Ao pesquisar um dos últimos projetos de lei (n.º 384/VII do PCP) que


tinha como objeto a proteção adequada às famílias em união de facto, observa-
se que no seu art. 3.º que dispõe sobre a união de facto, define que: “consideram-
se em união de facto…as pessoas…coabitando em circunstâncias análogas às
dos cônjuges…”. Ora vejamos, o dispositivo nada mencionou a respeito da
exigência trazida pela Lei n.º 135/99, que foi elaborada dois anos após a
apresentação desse projeto119.

Felizmente foi curta a vigência da lei e, no ano de 2001, foi corrigida a


discriminação com a revogação expressa do diploma pela Lei n.º 7/2001, de 11
de maio, ao admitir no seu artigo 1.º, proteção à “situação jurídica de duas
pessoas independentemente do sexo…” 120.

Para quem acreditou que a novidade trazida pela nova lei da união de
facto resolveria o problema da discriminação e do preconceito homofóbico que
perpassa pela nossa sociedade, ao permitir a união de duas pessoas que
optassem por viver uma relação afetiva e com possibilidade de tutela jurídica,
não compreendeu que a intenção do legislador ao definir o instituto da união de
facto era o de regulamentar uma situação entre duas pessoas em uma relação
inferior, marginalizada ou de segunda categoria em relação ao casamento.
Nesse sentido, ficaria muito mais fácil regular uma relação afetiva entre pessoas
do mesmo sexo, mantendo o casamento restrito a casais heterossexuais.

De acordo com o Professor Carlos Pamplona Corte-Real, na época da


elaboração da lei, a união de facto surgiu como uma forma de atribuir um quase
casamento ou uma espécie de casamento de 2ª ordem, na qual impedia a
dignificação jurídica da comunhão plena de vida, impondo prazo mínimo para
configurar os efeitos da tutela jurídica, produzindo um diploma ínvio, sendo que
naquele momento, para aqueles que se encontravam em uma relação
homoafetiva, era a única forma de constituição legal de família.121

O questionamento se daria ao analisar os valores jurídicos por trás dos

119
Projeto 384/VII 11/03/2020.
Disponível em: https://debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/s2a/07/02/053/1997-06-
19/1051?pgs=1049-1056&org=PLC&plcdf=true.
120
Lei 7.2001. Art. 1º. 2- A união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que,
independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois
anos.
121
CORTE-REAL, Carlos Pamplona e PEREIRA, José Silva. Pág 148.
49

institutos tanto do casamento quanto da união de facto, uma vez que os dois
possuem os mesmos valores da dignidade, da liberdade, da intimidade, do
respeito pelo próximo e da boa-fé. Ora, não faria sentido essa diferenciação de
tratamento jurídico e a superioridade do casamento 122.

Todavia, se a intenção do legislador foi possibilitar somente aos casais


homoafetivos uma relação constituída pela união de facto, após alguns anos a
mudança surgiu com a Lei n.º 9/2010, de 31 de maio, que introduziu na ordem
jurídica portuguesa a realização do casamento civil homoafetivo 123. Sendo
assim, foi em razão do princípio da não discriminação em função de gênero ou
da orientação sexual (art.13.º, n.º 2 da CRP) que vimos aprovar mais esta
conquista.124

Cumpre destacar que a aprovação do casamento homoafetivo sofreu


implicações das mais variadas formas e discussões. Nesse sentido, foi o artigo
do Ilustre Professor Doutor José de Oliveira Ascensão, na obra o casamento de
pessoas do mesmo sexo, que trouxe à tona críticas ao casamento homoafetivo
com base em problemas jurídicos e problemas na bioética como sendo grave
questões vitais125.

Embora não seja nossa finalidade aprofundar neste assunto, só a título


de demonstração de exemplos, iremos trazer alguns dos seguintes
questionamentos que foram utilizados pelo nobre autor: 1- qual a necessidade
de ser aprovado um casamento homoafetivo se cada vez mais os números dos
casamentos estão em baixa?!; 2- se estamos numa altura em que o casamento
e a família sofrem uma crise profunda, seguramente não haveria um grande

122
Op.Cit. Pág. 148.
123
A Lei n.º 9/2010, de 31 de maio, alterou o art. 1577 do CCP: “Casamento é o contrato
celebrado entre duas pessoas que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão
de vida, nos termos das disposições deste Código”. Antes da Lei, o dispositivo de lei era “contrato
celebrado entre duas pessoas de sexo diferente…”.
124
Vale ressaltar que a publicação da lei reconhecendo o casamento homoafetivo não foi aceita
por unanimidade. O projeto de lei foi aprovado em fevereiro de 2010, porém o presidente
requereu a fiscalização preventiva quanto à constitucionalidade do decreto n.º 9/XI, no que tange
aos artigos 1º, 2º, 4º e 5º, excluindo da apreciação o artigo que proibia a adoção por casais
homoafetivos. O Tribunal Constitucional de maneira não unânime, se manifestou, pelo não
pronunciamento da inconstitucionalidade de normas do Decreto da Assembleia da República,
estando na esfera do legislador ordinário se posicionar. O projeto voltou para o presidente que
promulgou a lei.
125
ASCENSÃO, José de Oliveira. O Casamento de Pessoas do Mesmo Sexo in: Revista da
Ordem dos Advogados, Lisboa, a.71n.2 (Abr. - Jun. 2011), Pág. 391 e 392.
50

número de pares do mesmo sexo ansiosos por casar; 3- os argumentos


utilizados para aprovação do casamento homoafetivo foi a igualdade e
autonomia; 4- as noções de casamento e família são incompatíveis com uma
união homoafetiva sendo evidenciado através dos elementos histórico,
sistemático e teleológico; 5- A Constituição associa família e casamento a
procriação; entre outros126.

Entendemos que embora os questionamentos possuam fundamentos,


os mesmos não podem prosperar. Sabemos que mesmo com o número de
casamentos a diminuir cada vez mais, este não foi o fato que era necessário ter
em vista. A questão não deve ser quantos casais do mesmo sexo optariam pelo
casamento, mas sim quantos casais podem e querem optar pelo casamento.
Trata-se da liberdade de escolher a forma como quer partilhar a vida a dois sem
discriminação por ser quem é. Outro argumento que merece ser discutido é a
finalidade de procriação do casamento, uma vez que sabemos que para procriar
não precisa de casamento, nem querer constituir família, assim como o
casamento não obriga os casais que não querem ou não podem gerar filhos.
Concerne uma questão livre, que deve ser admitida somente pelo casal
independente de serem casados, unidos de facto ou não. A realidade é que não
deve ser permitido que situações que sejam de fato iguais não possuam os
mesmos direitos por razões de diferença tão-somente sexual.

Não obstante a importância da aprovação do casamento homoafetivo,


cabe destacar que foi somente no ano de 2016 que entrou em vigor a lei n.º
2/2016, de 29 de fevereiro, que permitiu a adoção de crianças por casais unidos
de facto do mesmo sexo, igualando completamente as diferenças.127 .

Após uma narrativa quanto ao primeiro requisito para a constituição da


união de facto, que é “a situação jurídica de duas pessoas que,
independentemente do sexo…”. Cabe agora a análise do seguindo requisito.

Vejamos, o segundo requisito para configurar que uma relação entre


duas pessoas seja uma união de facto é a de que os membros “…vivam em

126
ASCENSÃO, José de Oliveira. Op. Cit.
127
A título de interesse, vale destacar que há ainda uma ressalva quanto a total igualdade entre
as relações afetivas. Esta ressalva veio disposta na Lei de PMA, ao garantir o acesso aos casais
heterossexuais e os casais homossexuais desde que composto por mulheres.
51

condições análogas às dos cônjuges…”128.

Observa-se que na passagem das leis da união de facto, tanto a Lei n.º
135/99, quanto a Lei n.º 7/2001 na sua primeira versão não mencionaram a
expressão “condições análogas às dos cônjuges”. Foi a Lei n.º 23/2010, de 30
de agosto, quem trouxe o termo, “condições análogas às dos cônjuges”, na
intenção de esclarecer as dúvidas por parte de alguns doutrinadores, como por
exemplo, quanto a possível exclusão dos benefícios do art. 2020.º do CCP aos
unidos de facto homossexuais, isso claro, antes da aprovação do casamento
homoafetivo (Lei. n.º 9/2010).

O viver em condições análogas às dos cônjuges representa para os


membros da união de facto, viverem juntos em comunhão de leito, mesa e
habitação. A diferenciação do concubinato duradouro é encontrada na ausência
de comunhão de mesa e habitação, somente constando o relacionamento sexual
estável. Há que se falar também na diferença entre a união de facto e àqueles
que vivem em economia comum (art. 2.º, n.º 1, da Lei de Economia Comum) 129,
já que esta é uma situação entre pessoas que vivem em comunhão de mesa e
habitação ausente o elemento da comunhão sexual 130. Registra-se que este é o
posicionamento tanto dos Tribunais Superiores131 como de doutrinadores
portugueses132.

Quanto a análise dos deveres jurídicos já citamos exaustivamente no


tópico dois, e o entendimento é de que tanto no casamento quanto na união de
facto deve ser observado os deveres gerais de respeito.

Nesse sentido, vemos o quão próximo do casamento o instituto da união


de facto se encontra. Para que se configure a união de facto é preciso que a

128
Art. 1, n. 2º da Lei. 7/2001 (atualizada).
129
Lei n.º 6/2001, de 11 de maio, art. 2º, 1- Entende-se por economia comum a situação de
pessoas que vivam em comunhão de mesa e habitação há mais de dois anos e tenham
estabelecido uma vivência em comum de entreajuda ou partilha de recursos.
130
PINHEIRO, Jorge Duarte. Direito da Família Contemporâneo. Pág. 524.
131
“A união de facto pressupõe uma comunhão de vida análoga à dos cônjuges, ou seja, uma
coabitação, na tripla vertente de comunhão de leito, mesa e habitação”.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Processo: 6380/16.9T8CBR.C1.S1. de 22-03-2018.
132
De acordo com Antunes Varela e Pires de Lima, o termo “condições análogas às dos cônjuges”
quer dizer que os conviventes mantêm não somente relações sexuais, como também vivem
também de casa e purcarinho um com o outro, com comunhão de mesa, leito e habitação, agindo
como se casados fossem.
VARELA, Antunes, e LIMA, Pires de. Código Civil Anotado.
52

relação seja partilhada nos mesmos moldes, “não será nunca possível negar
uma analogia indesdizível no plano convivencial entre a situação dos
companheiros e a dos cônjuges”133.

Dando seguimento aos requisitos para constituição da união informal,


vamos analisar a necessidade de que a relação afetiva entre os sujeitos tenha
um prazo mínimo de dois anos para configurar união de facto, ou seja, uma
verdadeira relação estável e duradoura.

No entendimento de parte da doutrina, a união de facto surge quando os


membros tão logo passem a viver em coabitação (comunhão de leito, mesa e
habitação), não sendo necessário uma celebração, cerimônia ou qualquer outra
forma especial. Diferentemente do casamento que para ser constituído carece
de formalidades, como a assinatura dos sujeitos em um documento.

Para que uma relação afetiva configure uma união de facto há


necessidade de um lapso temporal de no mínimo dois anos de coabitação.
Nesse sentido, segundo o Professor Doutor Jorge Duarte Pinheiro, o conceito de
união de facto que consta na lei não parece ser o mais satisfatório, uma vez que
a necessidade de convivência pelo prazo mínimo de dois anos, assim como os
impedimentos estabelecidos no art. 2.º da LUF, não são elementos
caracterizadores da união de facto, mas sim situações de uma união de facto
protegida134.

Já para a doutrinadora Maria Margarida da Silva Pereira, a união de facto


juridicamente relevante existe depois da convivência em condições análogas às
dos cônjuges ter ultrapassado o período de dois anos. Aduz ainda que após a
alteração do art. 2.º trazida pela Lei n.º 23/2010, as pessoas que possuam uma
vida em condições análogas às dos cônjuges inferior a dois anos não adquire a
denominação de união de facto135.

Vale salientar que a exigência do tempo mínimo de dois anos foi


estabelecida desde a primeira Lei da União de Facto, Lei n.º 135/99, de 28 de
agosto, permaneceu na Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, e em todas as suas

133
CORTE-REAL, Carlos Pamplona e PEREIRA, José Silva. Pág. 152.
134
PINHEIRO, Jorge Duarte. Direito de Família Contemporâneo. Pág. 524
135
PEREIRA, Maria Margarida Silva. Direito da Família. Pág. 599.
53

atualizações136.

Quanto a suspensão ou interrupção da contagem do prazo de dois anos,


dispõe o Professor DUARTE PINHEIRO, que se o casal permanece unido em
condições análogas às dos cônjuges por um período ininterrupto de um ano e se
separam por um mês, se qualquer deles ao se separar não mantiver o interesse
em reatar a relação, caso haja uma reconciliação, o prazo deverá ser contado
novamente, tendo em vista que nesse caso houve a interrupção do prazo.
Diferente será quando aquele que deixa de coabitar sem o interesse de pôr fim
na relação, ao restabelecer a coabitação, o prazo para a configuração da união
de facto voltará a contar tendo em vista que este caso é de suspensão do
prazo137.

Todavia, devemos observar que essa regra citada pelo professor merece
ser analisada com especial atenção, caso a caso, tendo em vista que nem
sempre é da vontade dos membros da união de facto deixarem de coabitar o
mesmo teto. Pode ocorrer dos companheiros terem que necessariamente
deixarem de coabitar por razões não queridas por eles, como por exemplo, um
emprego que obriga um dos conviventes a se instalar em outra cidade.

Por fim, após a análise do art. 1.º, n.º 2 da LUF, cabe agora tratar o último
requisito para que uma relação afetiva seja configurada uma união de facto.

Dispõe o art. 2.º da LUF sobre as circunstâncias impeditivas para a


configuração dos efeitos de uma união de facto. São eles: a) idade inferior a 18
anos na data do reconhecimento da união de facto; b) demência notória, mesmo
com intervalos de lucidez e situação de acompanhamento de maior, desde que
estabelecido por sentença que a tenha decretado, exceto se posteriores ao início
da união de facto; c) casamento não dissolvido, exceto se tiver sido decretado a
separação de pessoas e bens; d) os conviventes terem parentesco na linha reta
ou no 2º grau da linha colateral ou afinidade na linha reta; e e) condenação
anterior de uma das pessoas como autor ou cúmplice por homicídio doloso, nas
formas consumada ou tentada, contra o cônjuge do outro.

136
Falaremos sobre a união estável em capítulo próprio, mas nos antecipamos para citar que no
Brasil a união informal tinha prazo mínimo de cinco anos e evoluiu para uma união sem prazo
mínimo.
137
PINHEIRO, Jorge Duarte. Direito de Família Contemporâneo. Pág. 525 e 526.
54

Podemos observar que os impedimentos previstos na LUF são


decorrentes dos impedimentos matrimoniais previstos no CCP 138. Porém, o
impedimento matrimonial da idade mínima para o casamento é 16 anos, já para
a união de facto é necessário ter 18 anos.

Registra-se que a Lei n.º 135/99 e a Lei n.º 7.2001 trouxeram como idade
mínima para a configuração de união de facto, terem os membros 16 anos. Foi
a lei n.º 23/2010 que estabeleceu a mudança de idade mínima para o
reconhecimento da união de facto ser 18 anos e, essa análise da idade deve ser
observada após os dois anos exigidos para a constituição da união de facto 139.

Quanto ao impedimento da demência ou do acompanhamento de um


maior, deve ser observado o momento do início da coabitação. O prazo mínimo
de dois anos para a constituição da união de facto não será contado se a
demência ou a situação de acompanhamento for detetada na data do início,
porém não faz sentido não conceder efeitos favoráveis se a demência ou a
anomalia psíquica forem verificadas após o início.

Quando for o caso de casamento anterior não dissolvido ou a situação


de parentesco entre os membros da união de facto, enquanto subsistirem, o
prazo de dois não será contado para a constituição da união de facto. Já quanto
ao impedimento da condenação de um dos membros da união de facto deve ser
necessário haver sentença transitada em julgado independentemente de se
verificar antes ou depois de iniciada a união de facto.

Vale ressaltar ainda que tanto a observância aos impedimentos descritos


na LUF quanto o tempo de dois anos necessários para a existência jurídica e
para a produção de benefícios e direitos aos companheiros, não impedirá a
garantia legítima de terceiros que se relacionem com os membros da união de
facto antes de findo o período140.

Em síntese, podemos apontar que a união de facto é constituída pela

138
Arts. 1601º e 1602º do CCP.
139
Nas palavras de Guilherme de Oliveira, com o fato da idade mínima de 16 anos e a
necessidade de coabitação em um período de 2 anos, esta relevância não se compaginava com
às normas penais que defendem a autodeterminação sexual de menores de 16 anos. Sendo
assim, a nova lei atenuou o defeito legislativo.
OLIVEIRA, Guilherme de. Notas…Pág. 141.
140
OLIVEIRA, Guilherme de. Op. Cit. Pág. 141.
55

união de duas pessoas, sejam ou não do mesmo sexo, que decidiram


informalmente e livremente constituírem família, em condições análogas às dos
cônjuges, sendo necessário para a atribuição dos efeitos respeitar o prazo
mínimo de dois anos e a observância dos impedimentos.

Por fim, cabe demonstrar ainda, que o art. 2.º- A, da Lei 7/2001, de 11
de maio, alterado pela Lei 23/2010, de 30 de agosto, trouxe disposições de como
deve ser realizada a prova da relação de união de facto. Destaca-se os seguintes
requisitos: na falta de disposição legal ou regulamentar em contrário, admite-se
a prova por qualquer meio legal (n.1º); a prova poderá ser realizada pelos
companheiros através de uma declaração emitida pela Junta de Freguesia do
interessado, bem como declaração de ambos os membros de que convivem
juntos pelo menos há dois anos, sob compromisso de honra, e também de
certidões de cópia integral do registro de nascimento de cada um deles (n.º 2);
Em caso de união de facto dissolvida, a declaração da Junta deverá mencionar
quando cessou a relação, e, se um dos companheiros não se dispuser a
subscrever a declaração, o outro companheiro poderá apresentar declaração
singular (n.º3); Caso a dissolução se dê em razão da morte do companheiro, a
declaração já citada deverá atestar o tempo em que viveram juntos, à data do
falecimento, a declaração do interessado de que viviam juntos há mais dois anos,
além da certidão de nascimento do companheiro vivo e a certidão de óbito do
falecido (n.º4). E, o n.º 5 adverte que as falsas declarações são penalmente
puníveis.

1.4. Efeitos Pessoais e Patrimoniais da União de Facto

Foi tratado no tópico anterior sobre a constituição e os requisitos


necessários para a configuração de uma união de facto. Dando continuidade,
nesta parte serão apresentados os efeitos pessoais e patrimoniais atribuídos aos
companheiros na união informal.

Vimos que a união de facto é uma relação entre duas pessoas que
livremente decidem coabitar e viver em condições análogas às dos cônjuges, e
que dessa coabitação ainda é necessário à observância dos requisitos para que
56

a união de facto seja reconhecida juridicamente e atribuída os seus efeitos


jurídicos aos companheiros.

Antes da Lei n.º 135/99, de 28 de agosto, a jurisprudência portuguesa


era hesitante no reconhecimento de efeitos à união de facto. Todavia, com algum
avanço e após a proteção da união de facto estabelecida em um diploma próprio
foi surgindo mais benefícios e direitos aos conviventes.

Nos últimos tempos têm ocorrido uma evolução na extensão de efeitos


à união de facto que expandiram a previsão da LUF. Observa-se que mesmo
após as profundas alterações na Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, trazidas pela Lei
n.º 23/2010, de 30 de agosto, na qual aumentou o âmbito de proteção dos
companheiros e regulamentou de forma específica os meios de provar a união
de facto, surgiram ainda medidas legais adotadas de forma avulsa com o intuito
de proteger ainda mais as pessoas que vivem em união de facto, aproximando-
as cada vez mais das pessoas unidas pelo casamento 141.

Nesse sentido, preliminarmente, vamos destacar quais os direitos da


união de facto foram trazidos pela Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, e suas
alterações.

Encontramos no art. 3.º da LUF que as pessoas que vivem em união de


facto nas condições análogas às dos cônjuges possuem os seguintes direitos:
a) proteção da casa de morada de família; b) benefícios do regime jurídico das
pessoas casadas quanto às férias, feriados, faltas, licenças e preferencialmente
na colocação dos trabalhadores da Administração Pública; c) benefícios
vinculados por contrato de trabalho no moldes das pessoas casadas; d)
aplicação do regime do imposto sobre rendimento das pessoas singulares nos
moldes dos casados e não separados de pessoas e bens; e) proteção social nos

141
Na obra de França Pitão há um capítulo que trata dos efeitos da união de facto decorrentes
de legislações avulsas, nós, a título de exemplo, citaremos alguns efeitos somente para
corroborar o entendimento de que a união de facto aproxima-se cada vez mais da união em
casamento, são eles: Indenização por danos não patrimoniais no caso de morte, art. 496º do
CCP; casos de impedimentos e suspeições de magistrados, art. 115 do CPC; recusa legítima
para depor como testemunha, art. 497, n.º1, “d” do CCP e Art. 134, n.º 1, “b”, do CPP;
possibilidade de constituição como assistente em processo penal, art. 68, n.º 1 “c” do CPP; casos
de violência doméstica e proteção das suas vítimas Art. 152, n.º 1 do CP, Transmissão mortis
causa do arrendamento rural e florestal art.20 do Decreto-Lei n.º 294/2009; entre outros.
PITÃO. José António de França. União de Facto no Direito Português. Op.cit. Pág. 327e
seguintes.
57

casos de morte do outro unido de facto, por aplicação do regime geral e especial
de segurança social; f) prestações por morte decorrentes de acidente de trabalho
ou doença ocupacional; e g) pensão por preço de sangue e por serviços
excepcionais e relevantes prestados ao País142.

Sendo assim, percebe-se que os benefícios estabelecidos na LUF são


ainda muito escassos ao assegurar que a união de facto é uma verdadeira
relação jurídica afetiva familiar e, para tanto, necessita ser protegida como tal.

Em toda a nossa escrita mencionamos que cada vez mais há fatos que
corroboram a aproximação estrutural entre os institutos da união de facto e o
casamento. Nesse sentido, entendemos que deve haver mais semelhanças
também quanto aos seus efeitos.

A título de esclarecimento a doutrina portuguesa constitui uma divisão


dos efeitos da união de facto. Assim sendo, primeiramente trataremos dos efeitos
pessoais da união de facto, a seguir os efeitos patrimoniais, estabelecendo uma
comparação entre os efeitos das uniões de direito e de facto.

Efeitos Pessoais:

De acordo com o art. 1671.º do CCP, o casamento se baseia na


igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges e na direção da família que
deverá ser exercida em conjunto pelo casal que precisarão acordar sobre a
orientação da vida em comum, observando o bem da família e os interesses de
cada um individualmente143.

Nesse sentido ao analisar uma relação de companheiros na união de


facto, percebemos que naturalmente esta união é baseada no respeito e amor
mútuo entre os membros, sendo de observância genuína a aplicação do artigo
citado, uma vez que a igualdade dos companheiros e a orientação da família
serão firmados baseado nos princípios do direito seguidos pelo casal.

Sabemos que um dos efeitos pessoais do casamento bastante


trabalhado pela doutrina portuguesa é os deveres dos cônjuges determinados
no art.1672.º do código civil português. Já na união de facto, o entendimento da

142
O art. 3º é um artigo meramente exemplificativo, tendo em vista que a LUF descreveu somente
os casos mais recorrentes na vida prática e que foram exigidas na época da aprovação da Lei.
143
Art. 1671, n.º 1 e 2 do Código Civil Português.
58

maioria é de que os companheiros não se encontram vinculados por qualquer


dos deveres pessoais estipulados legalmente ao casamento. Ressalta-se que de
forma extensa, mencionamos no tópico 1.2 a respeito do nosso pensamento
sobre o tratamento desses deveres e o entendimento quanto a sua validade
jurídica após a eliminação da culpa como fundamento para o divórcio.

Nesse ínterim, não obstante as similitudes existentes entre a união de


facto e o casamento, parte da doutrina entende que os efeitos atribuídos à união
de facto de maneira alguma poderiam ser os mesmos concedidos ao casamento,
tendo em vista os membros da união de facto não estarem sujeitos aos mesmos
deveres que os cônjuges, pelo que não seria justo que desfrutassem dos
mesmos benefícios. Nesse caso há uma correlação entre os direitos que são
atribuídos aos cônjuges e os deveres que lhe são impostos por lei.

Para confrontar esse posicionamento, como já tratamos no segundo


tópico deste capítulo, nos afiliamos a corrente que entende que os deveres
jurídicos do casamento atualmente, após a eliminação da culpa, não são mais
do que deveres programáticos ou deveres morais de respeito e, nessas
circunstâncias, cabem também aos membros de uma união de facto.

Na visão de França Pitão, embora possam ser produzidos efeitos


decorrentes dos deveres recíprocos entre os membros da união de facto, quer
decorram da própria vivência social (assim como acontece com os
relacionamentos em geral, na qualidade de cidadãos responsáveis), quer
mesmo os que possam resultar da circunstância especial em que os conviventes
vivam, fruto do seu relacionamento, nunca poderão alcançar com veemência a
nível dos deveres jurídicos do casamento, uma vez que aqueles não possuem
caráter sancionatório144.

Explicitando, quanto à análise do dever de fidelidade, parte da doutrina


entende que a violação dessa obrigação possui resultados diferentes consoante
suceda entre os casados ou entre os companheiros. Quanto aos casados dispõe
o art. 1781.º, “d” do CCP, que a violação poderá ser razão para a impossibilidade
de vida em comum, sendo este o motivo fundamento para o pedido de divórcio.
Já quanto a união de facto, por não estabelecer qualquer sanção para a sua

144
PITÃO. José António de França. União de Facto no Direito Português. Op. Cit. Pág. 97.
59

violação, fica livre os companheiros do cumprimento dos determinados deveres.

Todavia, o caráter sancionatório de outrora que fundamentava o pedido


de divórcio baseado na culpa por violação dos deveres jurídicos já não é mais
objeto de tutela jurídica. Embora a Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, não tenha
trazido a revogabilidade expressa dos deveres conjugais, o fato é que a não
observância desses mesmos deveres não resulta em uma consequência em
sede de divórcio.

Em síntese, o dever de fidelidade hoje representa mais um dever


especial de sinceridade que deve ser seguido tanto pelos cônjuges quanto pelos
companheiros, quando se relacionam com seus parceiros.

Para França Pitão quanto ao dever de respeito há uma semelhança entre


o casamento e a união de facto. O dever de respeito possui duas vertentes. Cada
companheiro, enquanto cidadão e sujeito de direito deve respeitar as liberdades
individuais e os direitos da personalidade do outro, trata-se de um dever geral de
respeito. E há também um especial dever de respeito, que defende um dever de
respeito com um maior empenho por conta da especial relação existente entre
145
ambos.

Quanto ao dever de coabitação, assim como no casamento, a união de


facto pressupõe uma comunhão de leito, mesa e habitação. Este efeito veio
disposto na Lei n.º 135/99, revogada expressamente pela Lei n.º 7/2001,
parecendo ser o único dever pessoal essencial dos companheiros na constância
da união de facto disposto por lei. Observa-se pela regulamentação da Lei, que
sem coabitação não há união de facto.

Quanto aos deveres de cooperação e assistência, entendemos que


existe na união de facto uma predisposição entre os membros em contribuírem
para os encargos da vida familiar na medida de suas possibilidades, já que
constituem uma família. Refere-se a um dever moral de socorro e auxílio mútuos
de assumirem responsabilidade entre si.

O que pode ser analisado em matéria de efeitos pessoais da união de


facto, somente poderá ser analisado, por princípio, relevância ética, moral ou

145
PITÃO. José António de França. União de Facto no Direito Português. Op. Cit. Págs. 101 e
102.
60

social, na medida em que o legislador não estabeleceu quaisquer sanções para


a violação daqueles deveres, a não ser as que possam resultar, em termos
gerais, da atuação de cada um deles enquanto cidadão 146. E quanto ao
casamento? Para nós segue o mesmo pensamento, tendo em vista a perda do
caráter sancionatório da violação dos deveres jurídicos após a eliminação da
culpa para efeitos da obtenção do divórcio.

Nesse seguimento, iremos verificar outros efeitos pessoais:

A título comparativo, um efeito pessoal do casamento que não cabe aos


membros da união de facto é a permissão a qualquer um dos companheiros de
adotar um ou mais apelidos do outro, por falta de previsão legal nesse sentido.

Já quanto o direito de adquirir a nacionalidade, trata-se de um efeito


pessoal aplicável também à união de facto, após a aprovação da Lei n.º 2/2006,
de 17 de abril, que aditou a Lei da nacionalidade, n.º 37/81, permitindo ao
estrangeiro adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração de vontade
desde que viva em união de facto há mais de três anos com um português.

Quanto aos filhos nascidos de uma relação de facto, felizmente, após a


Constituição de 1977, foram revogados os dispositivos discriminatórios que
mencionavam os filhos ilegítimos, e foi estabelecido tratamento igualitário para
quaisquer filhos, seja nascido do casamento, de uma união de facto ou não 147.

Concernente à adoção, cabe uma descrição um pouco mais detalhada


sobre a aprovação da adoção pelos membros da união de facto.

Antes da Lei n.º 135/99, já havia decisão do Tribunal da Relação de


Lisboa reconhecendo de forma indireta a importância da união de facto em
relação à adoção, quando confirmou uma sentença estrangeira que decretou a

146
Nesse sentido, observa-se o disposto no art. 483, n.º 1 do CCP. “Aquele que, com dolo ou
mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a
proteger interesses alheios fica obrigado a indenizar o lesado pelos danos resultantes da
violação”.
Código Civil Português.
147
A presunção do art. 1871, n.º 1, al. c) do CCP é diferente do art. 1826, n.º 1, que é uma forma
de estipulação de paternidade; A presunção prevista no art.1871, somente será utilizada para,
em caso de investigação de paternidade, inverter o ónus da prova da filiação, determinando a
paternidade por decisão judicial. Na visão de Guilherme de Oliveira e Pereira Coelho, essa
diferença entre os filhos nascidos dentro ou fora do casamento, justifica-se pela diversidade das
condições do nascimento, não ferindo o princípio constitucional da não discriminação dos filhos.
OLIVEIRA, Guilherme de. e COELHO, Francisco Pereira. Págs. 81 e 82.
61

possibilidade de adoção de um menor, por um homem de nacionalidade


portuguesa, que se encontrava em uma união de facto, fundamentada a decisão
na compatibilidade com os princípios da ordem pública internacional do Estado
Português, como também, no interesse do menor148.

Naquela época era regulado na legislação portuguesa que somente os


cônjuges podiam adotar plenamente. Foi somente após a Lei n.º 135/99, de 28
de agosto, consequência de muita reivindicação da sociedade na busca da
proteção aos unidos de facto, que os companheiros puderam adotar
conjuntamente. Vale ressaltar que a proteção era somente regulamentada aos
casais heterossexuais devido ao fato de que o casamento na época somente era
permitido entre pessoas de sexo diferente149.

Todavia com a aprovação da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, que


reconheceu as uniões de facto independentemente do sexo, verificou-se uma
revisão ao regime de admissibilidade da adoção pelos companheiros,
consequência de uma discriminação aos casais homossexuais, culminando na
eliminação da alínea “e” do art. 3.º da Lei n.º 135/99.

A nova lei retirou dos efeitos gerais da união de facto a possibilidade


da adoção, adicionou um novo artigo, art.7º da referida Lei, que determinou de
forma expressa que a adoção somente poderia ser realizada por pessoas de
sexo diferente, excluindo os conviventes homossexuais, mantendo o regime
estabelecido pela primeira Lei150.

Embora a alteração da LUF (Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto) tenha


ampliado a proteção e os efeitos atribuídos aos unidos de facto, cabe mencionar
que em relação à adoção a citada Lei não determinou qualquer alteração.
Contudo essa questão foi ultrapassada com a aprovação da Lei n.º 2/2016, que
trouxe em seu artigo 7.º, a possibilidade de adoção “a todas as pessoas que

148
PITÃO. José António de França. União de Facto no Direito Português. Pág. 154.
149
Art. 3º, alínea “e” da Lei n.º 135/99 – “Quem vive em união de facto tem direito a: e) Adoptar
nos termos previstos para os cônjuges no artigo 1979º do Código Civil, sem prejuízo das
disposições legais respeitantes à adopção por pessoas não casadas”.
150
Art. 7º da Lei n.º 7/2001 – “Nos termos do actual regime de adopção, constante do livro IV,
título IV, do Código Civil, é reconhecido às pessoas de sexo diferente que vivam em união de
facto nos termos da presente lei o direito de adopção em condições análogas às previstas no
artigo 1979º do Código Civil, sem prejuízo das disposições legais respeitantes à adopção por
pessoas não casadas”.
62

vivem em união de facto”, retirando a limitação da adoção aos casais


heterossexuais.

Em síntese após todas essas mudanças, resultou que os membros da


união de facto (sejam casais heterossexuais ou homossexuais) podem adotar
nas seguintes condições: 1- desde que tenham ambos mais de 25 anos e menos
de 60 anos de idade; 2- e que se encontrem a viver em união de facto há mais
de quatro anos, sendo que o entendimento é de que este prazo de quatro anos
deverá ser contado de quando a união se iniciou, não sendo necessário observar
o prazo mínimo de 2 anos exigível para atribuição de efeitos disposto no art.1.º,
n.º 2 da Lei 7/2001151.

E quantos aos efeitos patrimoniais na união de facto, o que poderemos


explanar?

Compreende-se que na Lei da União de Facto não encontramos


diretamente efeitos patrimoniais decorrentes da lei, assim como ocorre com o
casamento que possui o regime de bens na regulação dos efeitos patrimoniais
entre os cônjuges. Todavia sabemos que com a comunhão de vida estabelecida
por uma união de facto, seria necessária uma tutela do direito mais consistente
quanto às situações patrimoniais das uniões informais.

Vale ressaltar que o já citado Projeto de Lei n.º 384/VII, do Partido


Comunista Português, abordou sobre a possibilidade da celebração de uma
convenção entre os conviventes na qual seriam estipulados o regime de bens e
a regulamentação dos efeitos patrimoniais decorrentes da união de facto152.

Ocorre que, como já mencionamos, o projeto que serviria como base


para a regulamentação da Lei da União de Facto não foi respeitado da forma
como fora presumido e, sendo assim, surgiram as necessidades com o passar
do tempo, de cada vez mais regulamentar a ausência de efeitos patrimoniais
diretamente resultantes da lei, advindo os efeitos patrimoniais decorrentes de
diplomas autônomos.

151
Encontra-se no artigo 1979º do CCP os requisitos para a possibilidade da adoção.
152
“Art. 5º - Convenção de união de facto. 1- Até o início da coabitação, e durante o decurso do
prazo estabelecido no artigo 3º, podem os membros do casal, através de escritura notarial ou de
auto lavrado perante o conservador do registo civil, celebrar convenção de união de facto,
estabelecendo o regime de bens, a responsabilidade por dívidas e o regime de administração
dos bens”. Disponível em: pcp.pt/artigos.
63

Os efeitos patrimoniais do casamento estão largamente vinculados pelo


regime de bens do casamento, que são: a comunhão de adquiridos, a comunhão
geral e a separação de bens.153 Entretanto, se na união de facto não há regime
de bens, como serão tratadas as questões patrimoniais dos companheiros?

Guilherme de Oliveira e Pereira Coelho abordam em sua obra que os


membros da união de facto, teoricamente, são desobrigados entre si quanto às
questões patrimoniais, tendo em vista se tratar de uma união regulamentada pelo
regime geral das relações obrigacionais e reais e, de acordo com as regras de
direito comum, cada companheiro pode dispor dos seus bens, como, vender,
dar, arrendar ou contrair dívidas de forma livre, além da possibilidade de
contratarem um com o outro. É nesse sentido que a proibição encontrada no art.
1714.º, n.º 2 do CCP, que proíbe determinados contratos entre os cônjuges, não
é aplicado aos conviventes. 154

Sabemos que em uma relação de união de facto na qual os membros


convivem, sendo a economia comum um dos aspectos da união de facto, e que
os membros desenvolvem atividades com efeitos patrimoniais, seja adquirindo
bens ou administrando o lar e as contas do casal, configura-se assim, uma
verdadeira comunhão de mesa. E, nesse sentido, cabe demonstrar se seria legal
os companheiros regulamentarem os aspectos patrimoniais da relação em um
contrato registado por instrumento notarial, fixando presunções sobre a
propriedade dos bens, valores depositados em contas bancárias, ou, inclusive,
definindo alguma possibilidade de regime, assim como o pacto antenupcial que
prevê essa possibilidade no caso dos cônjuges, com o intuito de facilitar as
questões patrimoniais resultante da relação afetiva no momento da dissolução.

Nesse seguimento, denomina-se de contrato de coabitação ou contrato

153
Resumidamente, podemos mencionar que o regime de bens define a propriedade sobre os
bens do casal, que são eles: a) O regime de adquiridos é aquele no qual há ou pode haver bens
próprios e bens comuns a serem analisados, não se comunicando os bens levados para o casal
e nem os adquiridos a título gratuito. Esse regime também é o regime supletivo nos casos quando
há ausência de convenção antenupcial ou quando houver invalidade ou ineficácia da convenção.
Encontra-se disposto no artigo art. 1721 e seguintes do CCP; b) A comunhão geral é quando o
patrimônio comum é formado por todo os bens sejam presentes ou futuros, salvo os
incomunicáveis. Encontra-se disposto no art.1732 e seguintes do CCP; c) Já a separação de
bens ocorre por imposição legal ou escolha dos cônjuges, na qual cada cônjuge pode dispor
livremente dos bens presentes e futuros. Encontra-se disposto nos arts. 1735 e 1736 do CCP.
Código Civil Português.
154
OLIVEIRA, Guilherme de e COELHO, Francisco Pereira. Pág. 82
64

de convivência (como é chamado no Brasil) o instrumento pelo qual os membros


da união de facto/estável manifestam as determinações concernentes aos
reflexos da relação por eles constituída. Guilherme de Oliveira e Pereira Coelho
afirmam que não há razões para ferir de nulidade o contrato entre os
conviventes, desde que o contrato seja revestido de cláusulas válidas de acordo
com o direito comum, ou seja, cláusulas que qualquer pessoa possa atribuir em
contratos e que sejam consideradas legalmente 155.

O pensamento dos autores é no sentido de que os limites à


regulamentos dos efeitos no referido contrato, tenham que necessariamente ser
diferentes dos consagrados como efeitos patrimoniais do casamento, obstando
ainda produção de efeitos sucessórios156.

Nesse sentido, Carlos Pamplona Corte-Real nos traz uma crítica ao citar
que, se o regime de separação de bens é o regime que se sobrepõe ao regime
que foi escolhido na união de facto, não faz sentido não aceitar que os
companheiros não poderão em um contrato e diante da sua autonomia de
vontade, exercitando a liberdade no campo patrimonial, da mesma forma que
ocorre no pacto antenupcial, escolher um regime de adquiridos, por exemplo,
uma vez que a liberdade é um atributo da união dos conviventes. 157

Todavia, não significa dizer que todo o regime patrimonial dos cônjuges
é transponível à união de faco. No entender de Maria Margarida, não cabe
aplicação por analogia da figura matrimonial do regime de bens à união de facto,
fundamentada na informalidade desta união, não exprimindo legitimidade tal
equiparação158. Posicionamento contrário aduz Pamplona, quando afirma que
justifica ao intérprete, dentro das possibilidades e por razões de uma evidente
analogia legis, utilizar todos e cada um dos aspectos que possam ser
transponíveis de forma satisfatória159.

Vislumbramos que se pudéssemos constituir um regime de bens do


casamento que se encaixasse na união de facto, por um ponto de vista clássico,
seria o da separação de bens, diferente do que ocorre na união estável no Brasil

155
Op. Cit. Págs. 84 e 85.
156
Op. Cit. Pág. 83.
157
CORTE-REAL, Carlos Pamplona e PEREIRA, José Silva. Págs. 171 e 172.
158
PEREIRA. Maria Margarida Silva. Pág. 615.
159
CORTE-REAL, Carlos Pamplona e PEREIRA, José Silva. Pág. 153.
65

que o regime de bens adotado para os casos da união informal é o da comunhão


parcial, equivalente ao regime da comunhão de adquiridos em Portugal.

Vale mencionar o entendimento doutrinário acerca das características


do contrato de coabitação, quais sejam: o contrato em questão somente poderá
regulamentar os efeitos patrimoniais e não os pessoais; ele não é obrigatório ao
reconhecimento da união informal, consistindo mais em uma opção para aqueles
que pretendem resguardar a relação, ao estipular e regulamentar a divisão do
patrimônio dos membros da união de facto; embora o referido contrato não
possua forma específica, deverá ser necessariamente escrito, sendo vedada a
forma verbal; e, quanto ao momento da celebração do contrato de coabitação?
Sabemos que o pacto antenupcial deve necessariamente ser realizado
anteriormente ao casamento para que seja válido e, embora haja dúvidas
doutrinárias quanto ao momento de realização do contrato entre os conviventes,
se deverá ser realizado anterior ou já na constância da união, o que se verifica
é que independentemente do momento da celebração, àquele poderá ser válido
desde que siga a regra geral dos contratos e estipulado dentro dos limites da
autonomia privada160.

Sendo assim, o que se verifica como posicionamento majoritário, é de


que será válido o contrato de coabitação que tenha por objeto matérias de regime
de bens, administração, disposição e dívidas, desde que as cláusulas estejam
em conformidade com as regras do direito comum.

Por fim iremos analisar os dois efeitos patrimoniais da união de facto


que possuem relevância jurídica, que são, os bens adquiridos e a
responsabilidade pelas dívidas na constância da união de facto.

Quanto aos bens adquiridos na constância da união de facto:

Observa-se que se a separação de bens é o regime que é condizente


com a relação de união de facto, há uma separação nos bens dos companheiros
não tendo como se falar em existência de patrimônio comum.

Todavia, e se os bens foram adquiridos com dinheiro de ambos os


conviventes ou, pelo menos, com o esforço do casal, nos casos daquele

160
CAHALI, 2002. Francisco José. Contrato de Convivência na União Estável. São Paulo: Editora
Saraiva, 2002, Págs. 55 e 56.
66

companheiro que embora não tenha contribuído financeiramente por não possuir
uma profissão remunerada cooperou com o trabalho na vida do lar que
estabeleceram juntos?

Esse é um questionamento válido diante da necessidade de se


interromper as injustiças que são claramente encontradas na Lei da União de
Facto.

Sabemos que a união de facto por si só não é geradora de uma fonte de


direitos patrimoniais no que concerne à titularidade de bens adquiridos na sua
constância e, na visão de José António Pitão, tanto a legislação avulsa quanto a
Lei da União de Facto não intencionaram incluir na regulamentação legal um
qualquer tipo de equiparação ou aproximação entre os institutos do casamento
e da união de facto, posto que não estipulou regime de bens, nem sobre os bens
adquiridos durante a relação161.

Diante da não aplicação dos princípios que regem o casamento à união


de facto, caberá a discussão de como se chegará à propriedade dos bens que
foram adquiridos pelos companheiros na vigência da união.

No tocante a bem imóvel no qual carece de titularidade e documento de


comprovação de propriedade, os companheiros ao adquirirem o bem, deverão
assumir o bem em regime de compropriedade, bastando para tanto que no título
de aquisição sejam referidos os seus dois nomes, assim como faz os cônjuges
que se encontrem em regime de separação de bens.

Todavia e se for o caso de bens móveis, sujeitos ou não a registro, que


geralmente não possuem título de aquisição ou no caso de conter o nome de
somente um deles no título aquisitivo?

No regime da separação, encontra-se disposto o art. 1736.º, n.º 2, do


CCP, regulando que nesse regime, no caso de dúvidas sobre a titularidade
privativa dos bens móveis, caberão aos cônjuges tê-los em compropriedade.
Observa-se que no entendimento de PITÃO, não cabe utilizar-se dessa
disposição, de forma indiscriminada, a uma pretensa presunção de
compropriedade, se porventura não conste do título aquisitivo. Sendo assim,

161
PITÃO. José António de França. União de Facto no Direito Português. Pág. 176.
67

caso os membros não possam provar a titularidade através do título de


propriedade, caberá servir-se de qualquer meio legalmente admissível como
prova testemunhal ou documental, de que contribuíram para a aquisição do
bem162.

É da análise dessas situações que vemos o quão omisso foi o legislador


perante tais problemas e, sendo assim, a jurisprudência numa tentativa de
contornar a lacuna legislativa, se pronunciou a respeito da aplicação do regime
do instituto do enriquecimento sem causa, disposto no art. 473.º do CCP163.

Não obstante a dissolução da união de facto seja assunto do tópico


seguinte, e a maioria das ações pleiteando o instituto do enriquecimento sem
causa ocorram no momento da dissolução, informo que para dar continuidade a
matéria, a discussão do princípio será abordada nesta parte.

Nesse sentido será observado a seguir a posição dos tribunais, diante


da ausência legislativa, e das situações fáticas sobre as discussões da
propriedade dos bens adquiridos na constância da união de facto.

Fundamenta-se que a obrigação de restituir estabelecida no princípio do


enriquecimento sem causa implica a observância desses requisitos
cumulativamente: a) a existência de um enriquecimento; b) a obtenção desse
enriquecimento à custa de outrem; e c) a falta de causa justificativa para ele; d)
a não possibilidade de haver na lei outro meio de ser restituído ou indenizado.

Nessa perspectiva, o enriquecimento representa a obtenção de uma


vantagem de caráter patrimonial que poderá consistir num aumento de ativo
patrimonial, ou numa diminuição do passivo, ou ainda na poupança de uma
despesa, que deverá ser analisada numa situação de melhoria da situação
patrimonial164.

162
Op. Cit. Pág. 173 e 174.
163
Art. 473 – Princípio geral 1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem
é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou. 2. A obrigação de restituir, por
enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que indevidamente recebido, ou
o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que
não se verificou.
Código Civil Português.
164
Para uma melhor compreensão do assunto, examinar a decisão do STJ, Acórdão de 20 de
março de 2014, Processo: 2152/09.5TBBRG.G1.S1 no artigo “Dissolução da União de Facto e
Enriquecimento sem causa”.
68

O primeiro e o segundo requisitos são mais fáceis de provar, que é a


existência de um enriquecimento, à custa do empobrecido. Quanto ao terceiro
requisito, o entendimento dos tribunais é de que não basta ao membro alegar e
provar a simples cessação da união de facto para que se possa dar-se como
verificada a falta de causa justificativa para as deslocações patrimoniais do
companheiro empobrecido ao que enriqueceu. O autor do pedido de
enriquecimento sem causa deve provar que a deslocação patrimonial se deu
pela vivência em união de facto na pressuposição de continuidade ou
subsistência da situação165.

Tanto a doutrina quanto à jurisprudência, definiram que na ação de


enriquecimento cabe ao autor o ônus da prova da falta de causa da prestação
efetuada, será negado o pedido de restituição se ao final do processo não resulte
provada qualquer causa. Todavia, se houver um enriquecimento obtido à sua
custa e um enriquecimento sem causa, tal situação deverá ser pleiteada em
juízo. Não será o caso de restituição, quando houver de algum modo um
equilíbrio entre as prestações de um ou do outro.

Nesse ínterim, ressalta-se que as despesas normais e correntes próprias


de quem vive, como as despesas relativas a água, eletricidade, gás e televisão,
ainda que informalmente à comunhão de vida, não são restituíveis, uma vez que
não se trata de enriquecimento ilícito e sim repetição do indevido, disposto no
art. 476.º, do CC. Desse modo, considera-se que ocorre uma causa, despesas
normais, que justifica as atribuições patrimoniais impeditiva da conclusão de que
o que foi prestado foi indevido, ressaltando que nada mais é do que uma situação
querida por ambos os companheiros, da vida do casal em condições análogas
às dos cônjuges166.167

Referente à contabilização da vantagem patrimonial, deverá ser

COELHO, Francisco Manuel de Brito Pereira. Dissolução da União de Facto e enriquecimento


sem causa. Revista de Legislação e de Jurisprudência. Coimbra Editora. Ano 145º. N. 3995
Novembro-Dezembro 2015.
165
Op. Cit. Pág.111.
166
Op. Cit. Pág. 111 e 112.
167
Nesse sentido foi a decisão do Acórdão da Relação de Coimbra, de 02/02/2016, “…Compete
ao membro desse relação que invocar o enriquecimento do outro alegar e provar quaisquer
circunstâncias que afastem a presunção de que houve intenção de doar os valores deslocados
que excedam aquela contribuição”.
PITÃO, Pág. 176. Disponível em: Dgsi.pt.
69

apreciado o fato do membro ter vivido no imóvel enquanto a união de facto


subsistiu, contabilizando esse fato, com intuito de analisar o alegado
enriquecimento. Será levado em consideração também, aquele companheiro,
costumeiramente, à companheira, que se presta aos trabalhos do lar, sendo
necessário contabilizar como horas por dia de trabalho na dedicação ao lar, em
uma análise de enriquecimento sem causa168.

Os contributos de um e outro devem ser analisados ainda que haja


diferença em função das possibilidades de cada um, devendo ser de forma
proporcionais a tais possibilidades. Desse modo, a contabilização dos
contributos deverá ser baseada em um critério geral de justa repartição de
encargos próprios de uma relação convivencial. Somente a contribuição
excessiva, exprimida para os cônjuges no art. 1676.º, n.º 2, do CCP, seria
restituída e, embora o dispositivo em questão mencione o instituto do casamento,
por se tratar de relação de comunhão de vida, por identidade de razão, seria
aplicável à união de facto 169.

Enfim, vale destacar que a jurisprudência recente vem colhendo


decisões favoráveis à referida pretensão de restituição intentada pelo convivente
não proprietário, estabelecendo assim alguma medida de compensação ao
170
companheiro, com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa.

168
O acórdão citado, na visão de Francisco Coelho, foge um pouco da realidade das decisões
jurisprudenciais, uma vez que neste caso não foi a companheira que realizou os trabalhos
domésticos, quem intentou com a ação fundamentada no enriquecimento sem causa.
COELHO, Francisco Manuel de Brito Pereira. Op. Cit.
169
Op. Cit. Págs. 116 e 117.
170
Cabe destacar sumário do acórdão do STJ, recente, sobre os requisitos da fundamentação
do princípio do enriquecimento sem causa na relação de união de facto.
“I. A crescente relevância social da união de facto, constituída quando duas pessoas se “juntam”
e passam a viver em comunhão de leito, mesa e habitação, determinou a intervenção do
legislador, que estabeleceu requisitos para o seu reconhecimento jurídico e passou a
regulamentar os seus efeitos em vários domínios, nada prescrevendo, porém, no âmbito dos
efeitos patrimoniais, optando o legislador por não estabelecer um regime patrimonial geral,
atinente aos bens dos membros da união de facto, nem definir regras sobre a administração e
disposição desses bens, outrossim, sobre as dívidas contraídas pelos conviventes e a liquidação
e partilha do património, em virtude da dissolução da união. II. É inviável para a resolução dos
casos de divisão do acervo patrimonial constituído no seio da união de facto, o recurso ao regime
previsto para as sociedades de facto, outrossim, o recurso ao instituto da compropriedade,
restando-nos o instituto do enriquecimento sem causa, como solução no plano do direito comum,
com vista a regular e disciplinar os efeitos patrimoniais da cessação da união de facto. III. O
instituto do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, donde só deve ser chamado
quando a lei não concede ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído. IV. A
obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa pressupõe a verificação
cumulativa de três requisitos, quais sejam, a existência de um enriquecimento; sem causa
70

Dando continuidade aos efeitos patrimoniais na constância da união de


facto, cumpre a seguir analisar os casos de responsabilidade por dívidas na
constância da relação.

As dívidas contraídas na união de facto, assim como os bens adquiridos,


não foram objeto da Lei da União de Facto, Lei n.º 135/99, de 28 de agosto,
como também da Lei 7/2001 de 11 de maio. Embora o já aludido Projeto de Lei
n.º 384/VII, nos artigos 17.º a 21.º, tenha regulamentado sobre as dívidas
contraídas na constância da união de facto, sabemos que o projeto acabou por
não inspirar na publicação da Lei. Sendo assim, nos serviremos da
responsabilidade civil contratual para fundamentar a temática.

Em regra geral, as dívidas contraídas por qualquer um dos


companheiros durante a relação afetiva possuem natureza de dívidas próprias,
não sendo aplicável o art. 1691.º do CCP, que estabelece a comunicabilidade
das dívidas entre os cônjuges, por ser entendido que é de aplicabilidade
exclusiva aos regimes de bens do casamento, não admitindo interpretação
analógica que justifique a sua observância na união de facto.

Quanto às dívidas contraídas, observa-se se as mesmas foram


contraídas individual ou conjuntamente pelos companheiros.

No caso de dívidas contraídas por qualquer dos membros, diante da

justificativa; e à custa de quem requer a restituição. V. O nosso direito substantivo civil, no que
respeita a um dos exigidos requisitos atinentes ao enunciado instituto do enriquecimento sem
causa, traduzido na ausência de causa justificativa, conquanto tenha identificado um
critério de orientação, uma linha de rumo interpretativa, pressupõe, numa enumeração
exemplificativa, três situações especiais de enriquecimento desprovido de causa: condictio
in debiti (repetição do indevido), condictio ob causam finitam (enriquecimento por
virtude de causa que deixou de existir) e condictio ob causam datorum (enriquecimento derivado
da falta de resultado previsto). VI. O desaparecimento posterior da causa, condizente à
tradicional condictio ob causam finitam (enriquecimento por virtude de causa
que deixou de existir), caracteriza-se por alguém ter recebido uma prestação em virtude de uma
causa que, entretanto, deixou de existir, donde, verificada a deslocação patrimonial mediante
uma prestação, a causa há-de ser a relação jurídica que essa prestação visa satisfazer, e se
esse fim falta, a obrigação daí resultante fica sem causa. VII. Para se reconhecer a
obrigação de restituir sustentada no enriquecimento, não é suficiente que se demonstre a
obtenção duma vantagem patrimonial, à custa de outrem, sendo exigível ainda exigível mostrar
que não exista uma causa justificativa para essa deslocação patrimonial, importando anotar que
a falta originária ou subsequente de causa justificativa do enriquecimento assume a
natureza de elemento constitutivo do direito à restituição, impondo-se, assim, ao demandante
que reclama a restituição, por enriquecimento sem causa, o ónus da demonstração dos
respectivos factos constitutivos que contém a falta de causa justificativa desse enriquecimento”.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. Processo n.º 2048/15.1T8STS.P1.S1 04/07/2019.
Disponível em: www.dgsi.pt.
71

ausência legislativa sobre o tema, o companheiro que figure como devedor será
responsável pela dívida, ainda que esta tenha sido contraída em benefício de
ambos.

Nesta perspectiva, se for em proveito de ambos, cabe uma hipótese


citada pela doutrina,171 na qual tanto o credor quanto o companheiro devedor
poderão invocar o princípio da solidariedade passiva, permitindo que ambos os
membros sejam responsabilizados pelo pagamento. Ocorre que, o art. 513.º do
CCP, assevera que a responsabilidade solidária passiva resulta da lei ou da
vontade das partes. Desse modo, resta somente ao interessado, intentar uma
ação condenatória na esperança de que a jurisprudência ao analisar o caso
concreto, possa compreender que a dívida foi realizada em proveito de ambos
e, sendo assim, assumida por estes em igual proporção.

Já na hipótese de dívida contraída por ambos os membros, por se tratar


de débito assumido pelos dois, seja através da subscrição de livrança ou mútuo
bancário, é indiscutível que pela existência de um título aquisitivo, ou constitutivo
de dívida, os devedores individual ou conjuntamente serão responsáveis,
podendo o credor acioná-los à assumirem a dívida, assim como dispõe o art.
513.º do CCP, que trata da responsabilidade solidária.

Sendo assim, pode concluir que independentemente de os


companheiros possuírem uma relação afetiva de união de facto, a
responsabilidade pelas dívidas recai nas obrigações de uma relação jurídica
qualquer.

Por fim, cabe destacar que os efeitos patrimoniais não esmiuçados neste
tópico, como o direito a alimentos, a pensão da seguridade social, e a casa de
morada da família, serão explorados de forma mais detalhada nos tópicos
seguintes, tendo em vista ter maior relevância com o tema do trabalho.

1.5. Dissolução da União de Facto

171
PITÃO. Págs. 180 a 182.
72

É no momento da cessação da união de facto que são apreciados os


efeitos patrimoniais decorrentes da relação. A título de organização, os efeitos
patrimoniais foram analisados no tópico anterior juntamente com os efeitos
pessoais. Todavia restou para serem analisados neste momento, os efeitos
principais que a LUF associa à ruptura da união de facto, salvo os efeitos
decorrentes da morte de um dos companheiros, uma vez que serão ponderados
no capítulo seguinte, por ser objeto do tema deste trabalho.

As hipóteses de extinção da união de facto estão regulamentadas no art.


8.º da LUF, no qual estabelece a dissolução, quando: há a morte de um dos
companheiros (a), ou por vontade de uma das partes (b), ou ainda pelo
casamento de qualquer dos membros (c). Embora a lei somente tenha previsto
circunstâncias unilaterais de cessação, entendemos que por mútuo acordo,
podem os companheiros, por termo na relação afetiva.

Por se tratar de uma união livre, os membros da união de facto não


assumem qualquer compromisso, podendo qualquer deles romper a relação
quando quiser, livremente, sem interferência estatal e sem uma declaração
formal. Ainda que seja o caso de cessação bilateral, não é necessário que os
membros estejam acordados quanto a divisão de bens, destino da casa de
morada, prestação de alimentos, entre outros direitos. Diferentemente é o caso
do instituto do casamento que necessita do divórcio para findar a relação e, no
caso de divórcio por mútuo consentimento, será necessário o acordo sobre todos
os efeitos entre os cônjuges.

Contudo, o n.º 2, do art. 8.º da LUF, regulariza que será necessária uma
declaração judicial de dissolução, quando houverem direitos dos quais dependa
a sua existência. Essa declaração constitui um elemento importante para a
comprovação da cessação dos efeitos jurídicos da união de facto 172.

172
Destaca-se posicionamento da jurisprudência sobre o assunto: “…IV- Por imposição
decorrente da conjugação do preceituado na al. B) do nº 1 do art 8º da Lei nº 7/2001 com o
disposto no nº2 do mesmo art., quando um dos unidos (de facto) pretenda exercer direitos
dependentes da dissolução da união de facto prevista em tal al., tem, conjuntamente com a
correspondente pretensão, de pedir também a declaração judicial de dissolução de união de
facto, a qual, como estatuído no nº3 do mesmo art., tem de ser proferida em tal ação, ou em
ação que siga o regime processual das ações de estado”.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. Processo n.º 2637/04.0TBVCD-L.P1.S1 14/07/2016.
Disponível em: www.dgsi.pt.
73

Quanto ao direito à prestação alimentícia entre os companheiros, tendo


em vista não haver previsão legislativa de um direito a alimentos nos casos de
ruptura da união de facto, e sendo somente no caso de morte de um dos
membros, o assunto será tratado no capítulo adiante. Desse modo, só nos resta
abordar os efeitos que se referem à casa de morada da família na dissolução em
vida da união de facto.

Foi através da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, alterada pela Lei n.º
23/2010, de 30 de agosto, que o legislador regulamentou a proteção da casa de
morada da família em casa de ruptura entre os conviventes173.

Nesse sentido, observa-se que os efeitos do divórcio quanto a casa de


morada da família, podem ser aplicados, com algumas adaptações, aos ex-
membros da união de facto.

Se a casa de morada de família pertencer em compropriedade a ambos


os companheiros, as partes podem acordar, ou em desacordo cada um deles
poderá requerer ao tribunal que lhe conceda o arrendamento do imóvel,
verificadas as prescrições dispostas no art. 1793.º, CCP, com as necessárias
adaptações. Se a casa de morada pertencer a um dos membros poderá o outro
também igualmente pleitear.

A regulamentação legislativa é de que o tribunal ao analisar o


requerimento, pondere as circunstâncias do caso concreto, como, as
necessidades de cada um deles, os interesses dos filhos comuns dos membros
ou aqueles que sejam apenas de um deles, além de quaisquer outros fatores
relevantes.

Todavia se os conviventes vivam em casa tomada de arrendamento


deverá observar, com as devidas adaptações, as regulamentações do art. 1105
do CCP, que estabelece que os membros poderão acordar a respeito de quem
arrendará o imóvel e, diante do conflito caberá ao tribunal averiguar as
circunstâncias e determinar qual membro deverá ficar no imóvel sob
arrendamento.

173
Art. 4º da LUF: Proteção da casa de morada da família em caso de ruptura. “O disposto nos
artigos 1105º e 1793º do Código Civil é aplicável, com as necessárias adaptações, em caso de
ruptura da união de facto”.
Lei n.º 7/2001. Disponível em: pgdlisboa.pt/leis.
74

Em razão do n.º 3 do art. 1105.º do CCP, a transmissão do arrendamento


por acordo dos companheiros, deverá ser homologada pelo juiz como também
ser notificada oficiosamente ao senhorio. Essa notificação também deverá
ocorrer nos casos de decisões judiciais quando necessárias.

Diante do que foi exposto, acreditamos que foi demonstrado de forma


clara e fundamentada como é a visão da união de facto em Portugal, as suas
caraterísticas, os seus efeitos, o resultado da ausência de regulamentação em
pontos que merecem ser tutelados, e a compreensão do porquê a sociedade faz
jus a uma revisão por parte dos legisladores de um novo modelo de união de
facto.

Por fim, cabe destacar o posicionamento divergente de doutrinadores


portugueses nesse contexto.

Na visão de Maria Margarida Silva Pereira, deverá a este respeito haver


um amplo espaço de debate na sociedade portuguesa, de forma aprofundada,
amadurecida e muito ponderada, uma vez que está em causa o respeito por uma
decisão livre e voluntária de todas as pessoas, as quais optaram por um tipo de
vida em comum que não pretenderam que fosse enquadrado no regime jurídico
do instituto do casamento.174

Todavia, no entendimento do Professor Carlos Pamplona Corte-Real, é


no mínimo chocante a desigualdade de regimes que a lei portuguesa traçou aos
institutos do casamento e da união de facto. Em seu ponto de vista, não deve
ser analisado o pretender algo diverso nas relações, uma vez que os membros
da união de facto manifestadamente, pretendem, assim como no casamento, a
vida a dois, não podendo a forma constitutiva ser mais importante do que a
convivência afetiva que na realidade se traduz em um quase casamento ou
casamento informal.175

174
PEREIRA, Maria Margarida Silva. Direito da Família. Pág. 614.
175
CORTE-REAL, Carlos Pamplona. PEREIRA, José Silva. Pág. 153.
75

II- PONDERAÇÕES A RESPEITO DOS DIREITOS SUCESSÓRIOS


DOS CONVIVENTES NA LEI PORTUGUESA

2.1. Noções preliminares dos direitos sucessórios

Inicialmente cabe apresentar que neste capítulo iremos abordar os


direitos sucessórios no âmbito jurídico português, dando ênfase aos direitos dos
companheiros, além de demonstrar a necessidade de incluí-los como herdeiros,
expondo ainda, uma comparação com os direitos do cônjuge para depois da
morte do outro.

A sucessão no âmbito jurídico nada mais é, do que a substituição do


titular de um direito no tocante a coisas, bens, direitos ou encargos deixados por
outra pessoa. A sucessão é um efeito jurídico, mais acertadamente, uma
aquisição mortis causa. Na ocasião “morte”, o patrimônio, os direitos e as
obrigações do decujus transmitem-se para outro, decorrente da transmissão
mortis causa. Sendo assim, são requisitos desse instituto: o falecimento de uma
pessoa que possua bens e a existência de outras pessoas que são chamadas
para levantar o patrimônio, denominado de herança176.

O direito sucessório fundamenta-se no direito de propriedade conectado


ao direito das famílias, tendo em vista que majoritariamente são os familiares do
falecido que adquirem a transmissão dos bens, direitos e obrigações com
fundamento na morte do decujus.

Nesse sentido, é claramente visível que há conexões entre o Direito das


Famílias e o Direito das Sucessões, tendo em vista que os dois institutos tratam
sobre casos que envolvem a família. Em virtude desse fato, muito se discutiu
sobre a independência ou não dos dois ramos, como também, se o direito
sucessório seria uma continuidade do direito das famílias.

Embora haja essa interrelação entre os dois institutos, deve ser


considerado para fins de estudo o fato de que o objeto de campo é diverso,

176
DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. 4º ed ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2015. Pág. 34.
76

merecendo cada direito ser estudado de forma individual, ou como afirma o


Professor Doutor Pamplona Corte-Real, que sejam estudadas, primariamente, o
direito das famílias, e em seguida o direito das sucessões, explicitando que por
mais que haja conexões entre os ramos, a dinâmica familiar contrapõe ao objeto
do direito sucessório, uma vez que este cuida dos efeitos resultantes da morte
do decujus, assegurando a transmissão de um patrimônio tendencialmente
familiar, que pode ou não ter sido construído no período conjugal, a favor dos
herdeiros legítimos ou de qualquer outro por disposição testamentária. 177

No entendimento do Doutor Professor Leite Campos, o direito sucessório


é uma divisão do direito da família, no qual estabelece regras sobre as relações
patrimoniais das famílias. Aduz que não é somente porque a sucessão segue as
exigências do modelo familiar, como também o fato do patrimônio do decujus ser
mais familiar do que pessoal, deve-se, ainda, adicionar o fato de que enquanto
o proprietário encontrava-se vivo era a sua família ou os mais próximos a ele,
quem se beneficiavam dos bens. Sendo assim, os bens seriam distribuídos entre
aqueles que já usufruíam178.

Todavia, por entendermos que o direito das sucessões é autônomo


perante o Direito das Famílias, devendo cada um ser estudado com as suas
peculiaridades, destacamos o posicionamento do Doutor Professor Jorge Duarte
ao afirmar que, o direito sucessório não regulamenta de forma exclusiva em
prerrogativa dos familiares do falecido, uma vez que pode haver herdeiros que
não façam parte da família, como na sucessão voluntária e o Estado e, quanto
aos bens serem mais “familiares” do que “pessoal”, destaca-se que os bens
familiares decorrem do patrimônio comum entre o casal, e nestes casos podem
ser que o outro adquira de outra forma que não a hereditária. Desse modo,
apesar de haver conexões, são campos autônomos do Direito Civil 179.

177
CORTE-REAL, Carlos Pamplona. Direito da Família e das Sucessões - Relatório. Lisboa,
1995.Págs. 12 e 13.
178
CAMPOS, Diogo Leite. Apud. Jorge Duarte Pinheiro. O Direito das Sucessões
Contemporâneo. 3ª Ed, Editora AAFDL, Lisboa/2019. Págs. 30 e 31.
179
PINHEIRO, Jorge Duarte, O Direito das Sucessões Contemporâneo. 3ª Ed, Editora AAFDL,
Lisboa,2019. Págs. 31 e 32.
77

Embora o enfoque neste capítulo seja a respeito dos direitos sucessórios


no âmbito da lei portuguesa, iremos abordar o direito brasileiro nesta parte
introdutória, para facilitar o estudo comparativo dos institutos.

Sendo assim, observa-se que tanto em Portugal como no Brasil, a


sucessão ab intestato (de quem não fez testamento) ocorre com maior
frequência do que a sucessão testamentária. Esta, não será tratada em nosso
estudo. E aquela, por ter maior relevância com o foco do nosso assunto, será
mencionada por se tratar da sucessão legal dos familiares.

Tanto o Brasil quanto Portugal possuem sistemas sucessórios


estruturalmente semelhantes, todavia é na contradição a respeito do tratamento
entre os companheiros nos dois países, que iremos salientar e fundamentar o
nosso trabalho.

Nesse ínterim, antes de adentrarmos a respeito dos direitos causa mortis


entre os companheiros, e a fim de melhor discorrer sobre os direitos sucessórios,
cabe destacar alguns aspectos do instituto, que se encontram regulamentados
nos Códigos Civis Português e Brasileiro, como: as modalidades da sucessão; o
momento de transmissão da herança; a situação da legítima; as sucessões
legítima, legitimária e necessária; e os seus herdeiros.

O CCP dispõe em seu art. 2026.º, que a sucessão é regulamentada por


lei, testamento ou contrato. Cabe destacar que a sucessão legal, é definida como
legítima ou legitimária (art. 2027.º, CCP). Quanto ao momento de transmissão
da herança em Portugal, decorre de um chamamento para suceder 180, não se
transmitindo imediatamente após a morte como é o caso do Brasil, mas sim de
uma aceitação que possui efeito constitutivo ainda que retroativo à data da
abertura da sucessão (art. 2050.º, nº 2)181.

180
Nesse sentido, dispõe o Código Civil Português, “Art. 2024º - Noção: Diz-se sucessão o
chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma
pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam.” Art. 2032º -
Chamamento de herdeiros e legatários 1. Aberta a sucessão, serão chamados à titularidade das
relações jurídicas do falecido aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis,
desde que tenham a necessária capacidade. 2. Se os primeiros sucessíveis não quiserem ou
não puderem aceitar, serão chamados os subsequentes, e assim sucessivamente; a devolução
a favor dos últimos retrotrai-se ao momento da abertura da sucessão.
Código Civil Português.
181
Aqui destacamos que quanto ao momento de transmissão, os dois países possuem sistemas
diferentes. O Brasil segue o modelo francês e, em razão do princípio da saisine, a aceitação da
78

Outras características que cabem mencionar entre os dois países e os


seus sistemas sucessórios, é a respeito da “legítima”; “sucessão legítima”; e
“sucessão legitimária”.

Previamente, destaca-se que a expressão “legítima” é alvo de críticas,


por se entender que não existe sucessão ilegítima, e que na verdade o nome
possui referência à discriminação que havia em outrora, quanto aos filhos
nascidos fora do casamento, que eram nominados de filhos ilegítimos, uma vez
que estes não podiam ser reconhecidos e, por conseguinte, não podiam ser
herdeiros182.

Quanto à legítima, semelhantemente, tanto em Portugal como no Brasil,


é definida como a parcela da herança que deve obrigatoriamente ser atribuída
ao cônjuge, aos descendentes e aos ascendentes183. Nesse ínterim, dispõe o
art. 2156.º do Código Civil Português, que “legítima é a porção de bens de que
o testador não pode dispor, por ser legalmente destinada aos herdeiros
legitimários”.184

Vale destacar que não podemos confundir a “legítima” com a “sucessão


legítima”. A primeira é a parte da herança na qual o falecido não pode dispor de
forma livre; e a segunda, sucessão legítima, é quando o falecido poderia dispor
livremente (válida e eficazmente) no todo ou em parte dos seus bens disponíveis
para depois da morte, mas não o faz. (art. 2131.º, CCP).

A sucessão legítima ou sucessão ab intestato ocorre de forma supletiva,


na ocasião de não haver atuação do decujus quanto à disposição da herança.
Sendo assim, os herdeiros legítimos são chamados a suceder. É nesse sentido

herança tem efeito confirmatório da transmissão. Desse modo, com a morte, há a abertura da
sucessão e a transmissão automática da herança, sem necessidade de consentimento ou
aceitação. Já Portugal, atualmente, adere ao modelo romano, no qual compreende que o ponto
de partida não é a morte, mas o “chamamento” das pessoas à titularidade das relações jurídicas
patrimoniais do decujus e a devolução dos bens que o falecido deixou.
LÔBO, Paulo. Direito Civil – Sucessões, 6ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2020. ISBN Digital:
9788553616756 (ebook).
182
DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. 4ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2015, pág. 120.
183
Ressalta-se que no caso do Brasil, iremos analisar em capítulo próprio, o companheiro como
herdeiro necessário. Neste momento, cabe somente destacar o cônjuge, os ascendentes e os
descendentes.
184
Dispõe o art. 1846 do Código Civil Brasileiro, que a legítima é a parte da herança que cabe
aos herdeiros necessários.
Código Civil Brasileiro.
79

que dispõe o CCB, em seu art. 1.788, ao afirmar que se a pessoa morrer sem
deixar testamento, a herança é transmitida aos herdeiros legítimos.

Salienta-se que embora a sucessão legítima seja denominada de


sucessão ab intestato, ela poderá coexistir com a sucessão testamentária e, na
ausência de testamento, com outras modalidades sucessórias.

A teor do art. 2132.º do CCP, os herdeiros legítimos são o cônjuge, os


parentes (descendentes, ascendentes e colaterais até o 4º grau) e o Estado 185.
Já no direito sucessório brasileiro, o art. 1.829 do CCB, dispõe que os herdeiros
legítimos são o cônjuge, os descendentes, os ascendentes e os colaterais até o
4º grau. A distinção é que a lei brasileira não contemplou o Estado como herdeiro
legítimo.

Ressalta-se que tanto em Portugal como no Brasil, há uma ordem que


deve ser respeitada quanto à sucessão dos herdeiros legítimos 186, além de
estabelecer dispositivos a respeito das preferências de classes187 e de graus de
parentesco188. Ou seja, no caso de haver mais de um indivíduo que esteja na
lista de herdeiros legítimos, todos serão herdeiros e receberão a sua quota
estabelecida legalmente na parte da herança.

Passemos neste momento a analisar a outra sucessão legal


regulamentada pelo direito sucessório português, a sucessão legitimária e os
seus herdeiros.

O CC português determina que a sucessão legitimária, conhecida como


sucessão injuntiva189, é aquela que corresponde à porção de bens indisponíveis

185
Vale frisar que o art.2133, n.º 1 do CCP ao determinar que poderão ser suscetíveis os
descendentes do irmão do falecido, sem impor limites em razão do grau de parentesco, permitiu
que pudesse haver sucessão legítima em benefício de parentes na linha colateral além do quarto
grau.
Código Civil Português.
186
Em Portugal, dispõe o art. 2133 do CCP – Classes de sucessíveis “1. A ordem por que são
chamados os herdeiros, sem prejuízo do disposto no título da adopção, é a seguinte: a) Cônjuge
e descendentes; b) cônjuge e ascendentes; Irmãos e seus descendentes; d) Outros colaterais
até ao quarto grau; e) Estado. No Brasil, o art. 1829 do CCB aduz a ordem a ser seguida: I- aos
descendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente; II- aos ascendentes em
concorrência com o cônjuge sobrevivente; III- ao cônjuge sobrevivente; IV- aos colaterais. …”.
187
Art. 2134, CCP. “Os herdeiros de cada uma das classes de sucessíveis preferem aos das
classes imediatas”.
188
Art. 2135, CCP. “Dentro de cada classe os parentes de grau mais próximo preferem aos de
grau mais afastado”.
189
Para uma análise dos direitos sucessórios dos cônjuges e companheiros luso-brasileiros.
80

da herança (legítima), na qual a legislação assegura aos herdeiros que possuem


tratamento sucessório privilegiado, denominados de herdeiros legitimários. Por
se tratar de regra amparada pela lei, são de ordem pública, não podendo ser
afastada pela vontade do decujus, seja por “ato inter vivos” ou “mortis causa”.

Destaca-se que diferente do direito português, no sistema brasileiro, não


há regulamentação de uma sucessão legitimária, apesar de haver previsão de
um instituto sucessório para os herdeiros privilegiados, que no caso do Brasil
são chamados de herdeiros necessários.

Consequentemente, a título comparativo, a sucessão legitimária em


Portugal é a “sucessão necessária” no Brasil, sendo que é fundamental enfatizar
que esta encontra-se estabelecida na lei brasileira inserida nos dispositivos
gerais da sucessão legítima.

E relativamente aos herdeiros legitimários e os herdeiros necessários,


cabe fazer um esclarecimento quanto a diferenciação entre os ordenamentos
jurídicos português e brasileiro, todavia esta será analisada nos tópicos
subsequentes.

2.2. Diferenças inaceitáveis entre os cônjuges e os unidos de


facto.

Destacamos que neste tópico, nos concentraremos a respeito das


diferenças existentes entre os cônjuges e os unidos de facto e os seus direitos
sucessórios, dando ênfase à trajetória sucessória do cônjuge e a clara
inobservância legal quando se refere à proteção dos conviventes.

Embora o direito português tenha passado por transformações jurídicas


ao longo do tempo, a posição do cônjuge em relação aos direitos sucessórios
quando comparamos com a do companheiro, é um facto que deve ser observado

LEAL, Adisson. Os Sistemas Sucessórios Brasileiro e Português: Uma visão panorâmica e um


olhar especial sobre o cônjuge e o companheiro in: Temas Controvertidos de Direito das
Sucessões o Cônjuge e o Companheiro. Coord. Adisson Leal; Carlos Pamplona Corte-Real e
Victor Macedo dos Santos, Editora: AAFDL, 2015, Pág. 9 a 38.
81

e corrigido pelos legisladores e operadores do direito, diante de tantas mudanças


que ocorreram nas entidades familiares.

O progresso dos direitos sucessórios do cônjuge encontra-se


diretamente relacionado com a temática dos modos de formação e conformação
social e jurídica da entidade familiar. A configuração da família nas sociedades
ocidentais, nominada de família nuclear, correspondia àquela família constituída
através do casamento, exclusivamente formado por um homem e uma mulher
que geravam filhos, possuindo relação estreita com o direito sucessório, uma vez
que há a ideia de que é a entidade familiar a mantenedora da propriedade
privada sob o patrocínio das normas jurídicas e políticas de Estado.

Entretanto, diante da evolução de que o casamento não é o único meio


para se constituir uma entidade familiar, cabe observar os novos e modernos
modos de formação das famílias, como por exemplo, os casais homoafetivos ou
os casais formados por uma união de facto, e aceitar que estes também
merecem reconhecimento social e jurídico190.

É nesse sentido que compreendemos que apesar da relevância do


casamento como sendo, durante muito tempo, o regime jurídico da família
nuclear, merece ser observada a confirmação da evolução de que há outros tipos
de relações parafamiliares e, nesse fundamento, aduz o Doutor Professor
Pamplona Corte-Real, que “o Direito terá apenas que, de uma forma socialmente
adequada, enquadrar as concepções familiares predominantemente
vigentes”.191

Sabemos que foi com a Reforma de 1977 que o cônjuge alcançou um


lugar privilegiado referente à posição de herdeiro nas regras sucessórias e, essa
alteração, projetou a família (cônjuge-mulher) em um patamar mais elevado
perante os outros herdeiros, resultante da preocupação com a situação da
mulher casada192.

190
Com a permissão do casamento pelos casais homoafetivos em Portugal a partir de 2010, os
legisladores garantiram a igualdade entre os gêneros quando se tratava de direitos dos cônjuges,
restando ainda necessário fazer alterações quanto ao direito dos companheiros.
191
CORTE REAL, Carlos Pamplona. Direito da Família e das Sucessões. Pág. 31
192
Nesse sentido, o Doutor Professor Carlos Pamplona ao refletir sobre a noção do cônjuge
sobrevivo como herdeiro legitimário, nos chama atenção ao fato de que a inclusão do cônjuge
trouxe uma perspectiva ou visão de família que parece apontar para a sobrevalorização da
família nuclear ou conjugal, revelando que a intenção do legislador foi dar um certo protecionismo
82

Antes da mudança da lei, o cônjuge encontrava-se no quarto lugar, atrás


de seus descendentes, inclusive dos irmãos e seus descendentes 193. Nessa
época, o formato sucessório não concedia privilégios ao viúvo(a), tendo em vista
que era um sistema jurídico sucessório fundamentado na relação de
consanguinidade.194 Nesse sentido, por ser a família a maior representação da
ligação de laços de sangue e de afeto, tornou o direito a herança, por razões de
ordem política e econômica, um direito fundamental da sociedade.

Entretanto, com a mudança da lei através do Decreto-Lei 496/77 de 25-


11, o consorte assumiu uma posição de importância, concorrendo com os
descendentes e os ascendentes, encontrando-se num lugar exclusivo de
primeira e segunda classe, respectivamente. Nas palavras do Professor Doutor
Diogo Leite de Campos, com a alteração, “o legislador pretendeu uma forte união
entre os esposos, vendo em cada um deles o familiar mais próximo do outro” 195.

Ressalta-se que foi com essa mudança legislativa que o cônjuge


garantiu novos lugares na ordem jurídica sucessória, podendo ser reconhecido
herdeiro legitimário (necessário) e concorrente (legítimos).

Já mencionamos que a sucessão legítima é aquela na qual o decujus


não dispõe válida e eficazmente, no todo ou em parte, sobre os bens os quais
poderia dispor. E, em decorrência dessa inércia do decujus, são chamados os
herdeiros legítimos a suceder (art. 2132.º, CCP).

de caráter econômico, à mulher casada doméstica, tendo em vista a estatística de que a cônjuge-
mulher sobrevive mais que o cônjuge-marido.
CORTE REAL, Carlos Pamplona. Curso de Direito das sucessões: Quid Juris Sociedade Editora,
Lisboa, 2012, Pág. 68.
193
O art. 2147, do CCP de 1966, estabelecia que na falta de parentes das três primeiras classes
sucessíveis, (descendentes, ascendentes, irmãos e seus descentes), o cônjuge sobrevivo era
chamado à sucessão da totalidade da herança.
194
Nas palavras de Rolf Madaleno, a origem do direito sucessório decorre do entendimento de
que os filhos herdam dos pais suas qualidades genéticas e particularidades dos laços familiares,
suas caraterísticas físicas, os traços e expressões dos seus ascendentes, suas patologias, os
valores morais e os caracteres psíquicos. Vale destacar, que a cadeia ininterrupta que une as
gerações familiares é o mesmo nexo sucessório que resulta na continuidade da fruição de bens,
sendo que esta, é em decorrência de uma construção do Direito Civil e não uma consequência
natural como ocorre com as transferências das características genéticas.
MADALENO, Rolf. Conheça a origem do Direito Sucessório. 2019. Disponível em:
http://genjuridico.com.br/2019/09/13/origem-do-direito-sucessorio/.
195
CAMPOS, Diogo Leite. O Estatuto Sucessório do Cônjuge Sobrevivo. Revista dos Advogados.
Lisboa, julho, 1990. Págs. 450 e 451.
83

O art. 2133.º do CCP estabelece as classes sucessíveis dos herdeiros


legítimos e, cabe a nós destacar neste tópico, a posição do cônjuge sobrevivo.

O cônjuge sobrevivo integra a primeira classe de sucessíveis, quando


concorre com os descendentes196. Todavia, no caso de não haver filhos, o
cônjuge sobrevivo concorrerá com os ascendentes do decujus, equivalendo a
segunda classe dos sucessíveis (n.º 2, art. 2133.º, CCP).

Vale ressaltar que o cônjuge não será chamado à sucessão, somente


nos casos de se encontrar, à época da morte do decujus, divorciado ou separado
judicialmente de pessoas e bens, desde que haja sentença transitado em julgado
ou venha a transitar, como também, no caso de a sentença de divórcio ou de
separação vier a ser proferida posteriormente à data da morte, em decorrência
de ação que fora continuada pelos herdeiros do decujus, para efeitos
patrimoniais (n.º 3, art. 2133.º, CCP)197.

Quando se fala em “números”, dispõe o art. 2139.º do CCP, que a


partilha da herança entre o cônjuge sobrevivo e os descendentes, ocorre por
cabeça, dividindo-se em partes iguais, resguardando uma garantia ao cônjuge
de uma parcela mínima de 1/4 da herança (n.º 1). Destaca-se que na ausência
do cônjuge, os descendentes herdam em partes iguais na totalidade da herança
(n.º 2) e, na ausência dos descendentes, o cônjuge sobrevivo herdará em
concurso com os ascendentes (art. 2141.º do CCP).

Na segunda classe de sucessores, no caso de não haver filhos,


encontramos uma clara exceção à regra geral da divisão por cabeça, tendo em
vista que caberá ao cônjuge sobrevivo 2/3 da herança e, aos ascendentes,
somente 1/3 do patrimônio (art. 2142.º, CCP). E, vale destacar, que no caso de
não haver nem descendentes e nem ascendentes, o cônjuge sobrevivo herdará

196
No campo sucessório são considerados descendentes do decujus, os filhos biológicos, os
filhos que tenham sido adoptados, os filhos nascidos na sequência de PMA heteróloga, bem
como os filhos e outros descendentes de todos aqueles filhos.
PINHEIRO, Jorge. Direito das Sucessões. Op. Cit. Pág. 66.
197
Temos ainda como causa de exclusão do cônjuge ao chamamento da herança, os casos de
casamentos inexistentes (art. 1630, CCP) ou ainda daqueles casamentos que foram declarados
nulos ou anuláveis mesmo que a sentença de invalidade transite após a morte do decujus. A
exceção é o caso do casamento putativo, por se tratar de um terceiro de boa-fé e desde que a
sentença de anulação transite em julgado após a morte do outro cônjuge.
Op. Cit. Pág. 66.
84

na sua totalidade, estabelecendo a terceira classe de sucessores (art. 2144.º,


CCP).

E quanto a posição do cônjuge sobrevivo na sucessão legitimária?

Incialmente, antes da Reforma da Lei, o cônjuge sobrevivo não era


considerado herdeiro legitimário, sendo apenas um sucessível legítimo, ou seja,
no caso de não existir disposição testamentária, a ocupar ainda a 4ª classe de
sucessores198.

Já mencionamos que a sucessão legitimária é uma modalidade de


sucessão imperativa, na qual estabelece que uma determinada porção da
herança deve ser resguardada de forma obrigatória aos herdeiros legitimários,
ou seja, a quota indisponível chamada de legítima. Destaca-se que a esses
herdeiros (cônjuge, descendentes e ascendentes) são aplicadas as regras
estipuladas no CCP, no título da sucessão legítima, nos seguintes artigos:
2133.º, 2134.º, 2135.º e 2136.º.

Quanto aos valores, de acordo com o CCP, em seu art. 2158.º, a legítima
do cônjuge, quando não concorre com descendentes nem com ascendentes é
de metade da herança. Todavia, quando há concurso do cônjuge sobrevivo com
descendentes, a quota da legítima é de 2/3 da herança (art. 2159.º, n.º 1). E, no
caso de não haver cônjuge, a legítima dos filhos é de ½ ou 2/3, quando houver
respectivamente um ou dois ou mais filhos. Além do mais, na circunstância de
não haver descendentes, o cônjuge concorre com ascendentes pela quota da
legítima de 2/3 da herança (art. 2161.º, n.º 1). Somente na situação de não haver
cônjuge e nem descendentes, é que os ascendentes herdarão a quota da
legítima de ½ ou 1/3 conforme forem chamados a suceder (art. 2161.º, n.º 2).

Antes de finalizarmos, como questão a abordar, cabe também uma


chamada de atenção para o fato de que o cônjuge além de herdeiro também é
meeiro. Esta situação é decorrente da cessação da comunhão conjugal e, a sua
partilha, resultante da morte do outro cônjuge. A meação é tratada no Direito das
Famílias e não no Direito das Sucessões, é analisada previamente à estipulação

198
Atualmente, o cônjuge sobrevivo é, pois, um sucessível legitimário privilegiado.
CORTE-REAL, Carlos Pamplona. Da imputação de liberalidades na sucessão legitimária, Lisboa,
Centro de Estudos Fiscais, 1989, Págs. 917 e 918.
85

da herança, e sua determinação quanto a valores e bens, submete-se ao regime


de bens do casamento199.

Desse modo, podemos observar que o cônjuge sobrevivo além de


receber a quota da meação, é herdeiro privilegiado tanto nas circunstâncias da
sucessão legítima quanto da sucessão legitimária, ocupando um lugar cimeiro
decorrente da posição que lhe foi conferida com a Reforma do Código Civil
Português de 1977, sendo ainda necessário ressaltar, que há outras situações
legais nas quais o cônjuge é levado em consideração, que será tratado mais
adiante.

Insta salientar que é em decorrência dessas situações que enfatizamos


a relevância da figura do cônjuge sobrevivo como herdeiro e o impacto
significativo nas variáveis da transmissão patrimonial, uma vez que ele concorre
diretamente com os filhos e os pais do decujus, podendo partilhar a herança
inclusive com descendentes que não são seus, encontrando-se em uma
fortalecida posição na classe dos sucessores quando nos referimos a valores,
tendo como fundamento para a alteração legislativa, a proteção da família
conjugal. E foi em decorrência desses fatos, que em 1977, “o cônjuge (masculino
ou feminino) deu, pois, um salto espetacular”200.

E quanto aos críticos da sucessão legítima, diante da supervalorização


do cônjuge?

Vale destacar que merece questionamento o fato da posição sucessória


privilegiada do consorte independentemente da duração do vínculo conjugal, do
regime de bens do casamento e do relacionamento concreto que tinha com o

199
“Não é possível proceder à partilha sucessória dos bens de um decjus que era casado num
regime com um componente de comunhão, antes de ter sido feita a partilha dos bens comuns
do casal; e esta partilha, que é prévia à hereditária, pressupõe o conhecimento das normas
jusfamiliares sobre convenções antenupciais, regimes de bens, administração, disposição e
dívidas”.
PINHEIRO, Jorge Duarte. Estatuto do Sobrevivente da União: Pontos de Conexão e Ruptura
entre o Direito das Sucessões e o Direito da Família in: Termas Controvertidos de Direito das
Sucessões o Cônjuge e o Companheiro: Editora AAFDL, 2015. Pág.40.
200
Frase mencionada pelo Galvão Teles, Sucessão legítima e sucessão legitimária, Coimbra,
Coimbra Editora, 2004. Pág. 19 apud Jorge Duarte Pinheiro. Op. Cit. Pág. 45.
86

falecido. Ocorre que, um cônjuge que estivesse casado com o falecido há um


dia, teria tantos direitos quanto àquele que estivesse casado há 50 anos 201.

Com base nesse fundamento podemos argumentar o fato de que o unido


de facto para constituir a relação afetiva e garantir a proteção legal necessita de
um mínimo de 2 anos, configurando uma relação mais estável do que aquele
exemplo referido acima dos cônjuges que se casam há um dia e já se encontram
garantidos quanto aos direitos sucessórios202.

Nesse seguimento, cabe destacar que podemos observar o mesmo


fundamento que já abordamos no capítulo anterior ao citar a discriminação da
aceitação da união de facto como entidade familiar, nos atentando para o fato de
que os legisladores não tencionaram o unido de facto como herdeiro assim como
o cônjuge, desprestigiando o já mencionado Projeto de Lei 384/VII do Partido
Comunista Português.203

Ao analisar pontos controvertidos nas regras sucessórias, aduz o Doutor


Professor Jorge Duarte, que a sucessão supletiva é construída sob regras gerais
e abstratas de preferência de classes e de graus de parentesco, com
inobservância aos fatores individuais do falecido que merecem ser considerados,
como, a proximidade afetiva, a prestação de cuidados ao decujus ou na gestão
do seu patrimônio. E é dessa forma que o renomado professor nos chama
atenção para o membro sobrevivo da união de facto, além de mencionar os
enteados ou os filhos do companheiro, que estivessem a cargo do falecido ou

201
Chama atenção para essa situação o fato de o cônjuge sobrevivo muitas vezes não ter
contribuído para a formação do patrimônio comum, e por conta das regras sucessórias, gerar um
enriquecimento sem causa no momento da sucessão.
202
Essa proteção ao cônjuge em desmedida, chega a conflitar quando observamos que, o
cônjuge em separação judicial de bens não obsta ao fato que os cônjuges continuam como
sucessores legítimos um do outro e, um casal unido de facto, nem após uma relação duradoura,
é consagrado como herdeiro.
203
Este Projeto de Lei estabeleceu no Capítulo III – Direito das sucessões, art. 22, quanto ao
unido de facto e os direitos sucessórios na sucessão legítima, que: “Dissolvendo-se a união de
facto por morte de um dos membros do casal, estes integram a 1ª e 2ª classe de sucessíveis
estabelecidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 2133 do Código Civil, nos termos dos cônjuges,
beneficiando na sucessão do mesmo regime para estes estabelecido, excepto quando o autor
da sucessão tenha descendentes de anterior casamento”. Vale ressaltar ainda a menção à
sucessão legitimária, no artigo 23 do mesmo texto legal, no qual determinou que: os membros
do casal na situação referida no número anterior são herdeiros legitimários, nos mesmos termos
dos cônjuges, sendo a sua legítima e a dos restantes herdeiros legitimários determinada,
segundo as circunstâncias, pelas regras definidas nos artigos 2159, 2160,2161 e 2162 do Código
Civil.
Projeto de Lei n.º 384/VII. Disponível em: pcp.pt.
87

que tenham o apoiado e auxiliado, revelando ser desajustado o regime da


sucessão legítima204.

Enfim, concluímos que, se o casamento foi contraído no regime de


comunhão geral, o cônjuge sobrevivo inicia retirando a meação e, após a
retirada, será chamado a suceder numa fração de herança igual ou até maior
que os descendentes, ou ainda numa fração o dobro quando concorrer com
ascendentes. Já se o casamento foi contraído no regime de bens convencional
ou no de separação de bens, ainda que imperativo, o estatuto desse cônjuge
sobrevivo é igual a qualquer outro cônjuge. Sendo assim, observamos que para
lei é irrelevante se no momento de contrair o casamento os cônjuges intentaram
ou não afastar os ganhos patrimoniais decorrentes do matrimônio.

Vale destacar que a todo momento neste tópico, nos reservamos a


trabalhar com os direitos sucessórios do cônjuge sobrevivo e seus privilégios
perante os outros herdeiros. Todavia, e quanto aos direitos sucessórios do casal
unido de facto?

Aos unidos de facto, mesmo com a proposta de inclusão de direitos


sucessórios no Projeto de Lei já citado, quase que nada foi concedido. Ao
contrário do cônjuge, o companheiro não tem direito de suceder como herdeiro
seja legal, legítimo ou legitimário do decujus.

Desse modo, surge um questionamento: Quais os direitos sucessórios


de fato restaram aos membros da união de facto? Os companheiros são
herdeiros? Sabemos que a estes não atribuíram uma posição de herdeiro, uma
vez que, nem de longe, o Código Civil regulamentou algum direito sucessório. A
verdade é que, insuficientemente, somente foram concedidos alguns benefícios
conhecidos como legados ex lege, que podem ser legítimos ou legitimários, que
serão tratados mais adiante em tópico próprio205.

204
O nobre Professor nos chama atenção ainda, a respeito do cônjuge ser herdeiro
independentemente do regime de bens, principalmente nos casos do regime de separação de
bens, quando o estatuto do cônjuge sobrevivo permanece igual a de qualquer outro cônjuge.
PINHEIRO, Jorge Duarte. Direito das Sucessões, 2019, Pág. 78 e 79.
205
Destaca-se que no último tópico deste capítulo, veremos os legados sucessórios conferidos
aos membros da união de facto, especificando aqueles mais importantes, quais sejam, a Casa
de Morada da Família, a Pensão de Sobrevivência e o Direito a Alimentos.
88

Desta maneira, finalizo por ora este assunto, destacando o quanto é


imoral e inaceitável o fato de o cônjuge encontrar-se em uma posição sucessória
de destaque, inclusive sobre os outros herdeiros, e o legislador, tampouco, ter
estabelecido o companheiro na classe sucessória. É inegável que essa
negligência precisa ser debatida até ocorrer uma real mudança legal nesse
sentido. Ressalto que no próximo tópico, abordaremos a necessidade da
confirmação do companheiro como herdeiro legal. E, a seguir, mencionaremos
quais os direitos atualmente os companheiros possuem em decorrência da morte
do seu convivente.

2.3. Necessidade da inclusão do unido de facto como herdeiro.

Neste capítulo trataremos sobre a ausência do companheiro no rol


estabelecido de herdeiros, ressaltando que a necessidade de inclusão dos
membros da união de facto na classe sucessória, não decorre somente da
vontade pessoal de alguns doutrinadores ou estudiosos que desejam ver os
conviventes sendo contemplados no rol sucessório e, sim, respaldada nos
direitos fundamentais estabelecidos na Carta Maior ou Carta Magna,
denominada de Constituição da República em Portugal ou Constituição Federal
no Brasil.

Verifica-se que o ordenamento jurídico tanto português como o


brasileiro, possuem um sistema sucessório voltado à proteção dos herdeiros no
momento da sucessão, ao garantir que o decujus não se desfaça da totalidade
dos seus bens em vida no caso de haver herdeiros legítimos e legitimários
(necessários). O intuito do legislador foi resguardar os sucessores de forma
material ou patrimonial, perfazendo que uma parte do patrimônio permaneça
obrigatoriamente no seio da família.

Nesse sentido pode-se observar o quão protecionista é a legislação


sucessória, ao determinar que os familiares, sejam aqueles decorrentes do
parentesco, como os descendentes ou os ascendentes, sejam os sem
parentesco, como é o caso dos cônjuges, figurem na categoria de herdeiros
legítimos ou legitimários. Todavia, cabe o questionamento, a respeito da posição
89

do membro da união de facto como herdeiro, diante da proteção às relações


familiares no direito sucessório, após a evolução constitucional relativamente às
entidades familiares206.

Sobre o assunto, Código Civil de 1966 antes e depois da Reforma de


1977, e as mudanças no direito da família e sucessório após a atualização
constitucional, destaca-se o trabalho do Professor Doutor Jorge Pinheiro, ao
descrever que na elaboração do Código de 1966, embora o legislador tivesse
estabelecido uma proteção sucessória não consagrada no primeiro CCP, a
verdade é que, “o terceiro CCP tarda”, tendo em vista o Código de 1966 está
ainda distante de um novo código em matéria de sucessões.207

Já ressaltamos que no Código Civil de 1966 o cônjuge sobrevivo não era


herdeiro legitimário e, na sucessão legítima, somente era herdeiro na ausência
de descendentes, ascendentes e sobrinhos do falecido. Nesta época, a relação
conjugal não possuía lugar de destaque no momento de suceder. Todavia, com
a Reforma de 77, ocorreu a necessidade de alteração legislativa fundamentada
nos novos princípios constitucionais trazidos pela Constituição da República
Portuguesa de 76, quais sejam, princípios da igualdade dos cônjuges e da não
discriminação dos filhos nascidos fora do matrimônio, gerando ao cônjuge
sobrevivo a sua atual posição privilegiada ao suceder208.

Ocorre que, essas mudanças do legislador em respeito ao cônjuge


sobrevivo, foram desenvolvidas atendendo a uma proteção à cônjuge mulher,
para que no momento após a morte do seu marido, não se encontrasse
desprotegida materialmente. Como já mencionamos, essa proteção veio para
fortalecer o casamento como núcleo essencial de constituição familiar,

206
Chama-se atenção ao fato de que até o Estado é herdeiro legítimo garantido pela legislação
civil portuguesa, e o membro da união de facto não.
207
PINHEIRO, Jorge Duarte. Atualidade e pertinência do Código Civil em matéria de família e
sucções in: Edição Comemorativa do Código Civil, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2017,
Pág. 579 e seguintes.
208
Nas Palavras do Doutor Professor Carlos Pamplona, “A posição do cônjuge como herdeiro
forçado e, mais como herdeiro forçado privilegiado, não encontra aparentemente suporte, pelo
menos direto nos princípios constitucionais, que se limitam a estatuir a igualdade absoluta dos
direitos e deveres dos cônjuges “quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação
dos filhos”. E se o texto constitucional se reposta várias vezes ao propósito estatal de proteção
da família, nunca o faz em termos que pareçam impor as soluções que vingaram no campo
sucessório, assentes realmente numa nova perspectiva ou visão de família que parece apontar
para a sobrevalorização da família nuclear ou conjugal”.
CORTE-REAL, Carlos Pamplona. Direito das Sucessões 2012. Pág. 68.
90

contrariando a progressão da sociedade e as perspectivas constitucionais de


garantir a todos a livre constituição da família e, sendo assim, restou
insuficientes, pois a ausência da proteção da união de facto como relação
familiar, não observa a evolução social prevista na Carta Constitucional,
carecendo de uma atualização na legislação civil.

Não há como entender qual foi o fundamento encontrado pelos


legisladores para que o cônjuge tenha se tornado um herdeiro com tantos
privilégios, supervalorizado, e o membro da união de facto nem mencionado
como herdeiro foi, se os dois institutos são decorrentes de relações afetivas entre
pessoas. O desmerecimento em entender que a união de facto também é uma
entidade familiar, que merece reconhecimento pela sociedade e proteção do
direito, nos faz buscar fundamento constitucional para obstar esse fato.

Primeiramente cabe destacar que a Constituição de 1976 outorgou uma


unidade de sentido, de valor, e de concordância prática ao sistema de direitos
fundamentais, sustentado na dignidade da pessoa humana. Em outras palavras,
em razão deste princípio, o entendimento é de que a pessoa é o fundamento e
fim da sociedade e do Estado. A dignidade da pessoa humana é a base de todo
o ordenamento jurídico português e encontra-se estabelecida de forma expressa
no art 1º da Constituição209.

Sobre o assunto, o nobre Constitucionalista Português Jorge Miranda,


aduz que a dignidade da pessoa humana é atribuída a todas e cada uma das
pessoas, sendo a dignidade da pessoa individual e concreta, na sua vida real e
quotidiana. E é através desse valor eminente reconhecido a cada pessoa, que
justifica a preservação aos direitos de liberdade e garantias que respeitam o ser
da pessoa e não o ter, bem como a liberdade individual perante o planeamento
familiar e o direito das pessoas a constituírem família.210

209
Art. 1º. “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na
vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”. Destaca-
se que a dignidade da pessoa humana encontra-se regulamentada em muitos dispositivos
constitucionais, assim como é no Brasil, no art. Art.1º, III da CFB, no título I dos Princípios
Fundamentais. “A República Federal do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos: III- a dignidade da pessoa humana”.
Constituição da República Portuguesa.
210
MIRANDA, Jorge. A Constituição e a dignidade da pessoa humana in: DIDASKALIA. Revista
da Faculdade de Teologia – Lisboa, Vol. XXIX, 1999, Págs. 473 a 485.
91

Sendo assim, com base nos dispositivos constitucionais, foi mencionado


no primeiro capítulo, que a Constituição da República Portuguesa em seu art.
36.º, n.º 1, estabeleceu que todos teriam o direito de constituir família e contrair
casamento, sendo este o motivo pelo qual consideramos que a união de facto é
uma possibilidade de constituição de família, não sendo o casamento a única
forma de concepção familiar.

Sustenta o Doutor Professor Jorge Miranda, que os direitos


fundamentais permanecem a ser essencialmente direito das pessoas, direitos
estes que são garantidos de forma única, singulares, irrepetíveis e insubstituíveis
para cada um. Aduz ainda, que o referido art. 36 da CRP regulamenta
verdadeiros direitos, liberdades e garantias.211

Além do mais, o princípio da igualdade regulado pelo ordenamento


português, no seu art. 13.º, estabelece que, todos são iguais perante a lei e
possuem a mesma dignidade social. Sendo assim, se o princípio da igualdade
precisa ser respeitado por todas as pessoas, incluindo os legisladores, como
podemos aceitar que haja um tratamento jurídico diferenciado entre o casamento
e a união de facto quando nos referimos ao tratamento que essas pessoas obtêm
quanto aos seus direitos em decorrência do modo que almejaram constituir as
suas relações afetivas?

O embaraço encontrado decorrente dessa situação, é que o legislador


regulamentou na Reforma de 77, o cônjuge como herdeiro privilegiado 212 em
posição de destaque perante os outros herdeiros, após a elaboração da
Constituição de 1976 e todas as disposições sobre as garantias e os direitos
fundamentais das pessoas a constituírem as famílias. Desse modo, não
podemos permitir que ao companheiro não seja deferido os mesmos direitos
sucessórios que atribuíram aos cônjuges. A propósito, àquele sequer foi admitido
como herdeiro. Isto posto, não há como passar despercebida essa circunstância

211
MIRANDA, Jorge. Sobre a relevância constitucional da família in: SCIENTIA IVRIDICA.
Revista de Direito Comparado Português e Brasileiro. Tomo LXIV – n. 338 – Maio /Agosto, 2015,
págs. 271 e 272.
212
O Professor Doutor Carlos Pamplona afirma que “o cônjuge é assim um sucessível legitimário
privilegiado, privilégio acrescido, inclusive, pelo facto de o cônjuge não estar sujeito a colação
(art. 2104) e, por fim, por ter “o direito a ser encabeçado, no momento da partilha, no direito de
habitação da casa de morada de família e no direito de uso do respectivo recheio.
CORTE REAL, Carlos Pamplona. Direito das Sucessões, 2012. Págs. 67 e 68.
92

sem mencionar que essa proteção demasiada à relação conjugal fere o Princípio
da Igualdade213.

O entendimento é de que a Constituição considera o princípio da


igualdade de direitos, permitindo que cada um constitua a sua relação familiar,
sem qualquer hierarquia entre elas, observando a liberdade de escolha na
formação da entidade familiar da maneira que desejar. “Diferença não significa
desigualdade de direitos”,214 o modo como cada um constituiu a sua família, não
pode ser mais importante do que propriamente a família constituída.

Ao distinguir a família do casamento, pretendeu o legislador demonstrar


que se trata de realidades distintas. Contudo, o direito a constituir família não
está vedado para aqueles que não desejam o casamento. Este exige um rito
formal que vai de encontro a evolução da sociedade e, de maneira oposta, temos
a relação da união de facto. Não significa que o instituto do casamento acabou,
simplesmente deve atualizar e ampliar as formas de constituição da família,
fundamentado nos direitos e garantias a que a Constituição prescreve215. Sendo
assim, o direito de constituir família não é somente garantido àqueles que
contraiam o casamento e sim àqueles que desejam formar uma família seja da
maneira que melhor corresponda aos seus desejos. 216

213
A respeito desta questão, a título comparativo Brasil e Portugal, destaca-se artigo sobre o
assunto.
BONETTI, Yelba Nayara Gouveia. Necessidade da Igualação da posição do companheiro à do
cônjuge no momento sucessório. in: Termas Controvertidos de Direito das Sucessões o Cônjuge
e o Companheiro: Editora AAFDL, 2015.
214
LOBO, Paulo. Direito das Sucessões. (ebook).
215
“As alterações e evoluções sociais são acompanhadas por modificações e actualizações
constitucionais e o conceito de família patente na Constituição também deve acompanhar essas
evoluções e não continuar a receber um conceito histórico desadequado à realidade social. Por
isso se fala actualmente nas novas formas de família”.
DIAS, Cristina M. Araújo. Da inclusão constitucional da união de facto: nova relação familiar in:
Esyudps de Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda. Pág. 454.
216
Há doutrinadores que afirmam que o diferente tratamento do casamento e da união de facto
não viola o princípio da igualdade, tendo em vista que o casamento e a união de facto são
situações materialmente distintas, pois os casados assumem o compromisso de vida em comum,
além de encontrar uma solidariedade patrimonial concretizada no dever de assistência,
cooperação recíproca e responsabilidade comum por dívidas, nomeadamente as contraídas em
decorrência dos encargos normais da vida familiar, o que não seria o caso dos companheiros
em união de facto. Todavia, contrariando esse entendimento, podemos destacar o fundamento
encontrado em algumas jurisprudências (americanas) de que a similitude de características entre
a união de facto e o casamento justifica a aplicação dos princípios que regulam as relações
patrimoniais entre os cônjuges à união de facto. É que assim como no casamento, também na
união de facto a convivência e os comportamentos das partes fazem nascer expectativas de
participação nos respectivos patrimônios. Sendo assim, considera-se que o fato de viverem em
comum as coloca numa situação semelhante ao casamento com os mesmos direitos.
93

Sendo assim, quanto ao posicionamento de que não deve ser usado o


Princípio da Igualdade em relação ao casamento e a união de facto, destaco que
a união de facto atualmente não é a mesma de outrora. As relações entre os
companheiros são relações escolhidas por eles, que não podem ser medidas
pelo fato de não assumirem um compromisso em um papel. O vínculo entre os
conviventes é de uma verdadeira comunhão de vida, com dever de respeito,
solidariedade217, igualdade entre os membros, responsabilidade quanto aos
filhos, assim como é no casamento.

Sabemos que atualmente a jurisprudência e a doutrina intentam


minimizar os efeitos decorrentes da não legislação quanto aos direitos dos
companheiros, exemplo disso são os já citados anteriormente, enriquecimento
sem causa e a responsabilidade por dívidas na constância da união de facto.
Todavia, sabemos que é necessária uma alteração na legislação ordinária para
garantir aos membros da união de facto os direitos e as garantias assegurados
constitucionalmente.

Nesse seguimento podemos observar ainda outros dispositivos


constitucionais que garantem proteção aos membros de uma união de facto,
como o art. 26.º da CRP, que regulamenta a todos a proteção ao
desenvolvimento da personalidade, a reserva da intimidade privada e familiar
como também, a proteção legal contra qualquer maneira de preconceito e forma
de discriminação. Além do art. 67.º da Constituição, que estabelece os direitos e
deveres sociais da família, determinando que incumbe ao Estado a proteção da
família garantindo o respeito a liberdade individual e o direito ao planeamento
familiar.

Desse modo, se a Constituição que é a Carta Magna que assegura todos


esses direitos fundamentais já referidos a todas as pessoas, sustentando a
constitucionalidade da família constituída independentemente do casamento, por

Op. Cit.
217
Os doutrinadores brasileiros, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho estabelecem que “A
solidariedade, portanto, culmina por determinar o amparo, a assistência material e moral
recíproca, entre todos os entes familiares, em respeito ao princípio da maior dignidade da pessoa
humana. É ela, por exemplo, que justifica a obrigação alimentar entre parentes, cônjuges ou
companheiros […].”
GAGLIANO, Pablo Stolze e FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil, direito de
família, volume 6, 9 ed. São Paulo, Saraiva, 2019. ISBN: 9788553606474 (ebook).
94

que não podemos garantir aos companheiros os mesmos direitos aos quais os
cônjuges possuem? E mais, por que se a família é garantida
constitucionalmente, como pode o legislador ordinário intentar que o conceito de
família seja aquele conceito desatualizado que encontra-se regulado na
legislação civil?

Sabemos que os Tribunais Internacionais218 já entendem que as


relações familiares estão contempladas, não só pelas famílias constituídas
através do casamento, como também pelas famílias de fato, as famílias
monoparentais, famílias recombinadas ou recompostas, além das famílias
homoafetivas. Sendo assim, o que deve ser observado é se realmente há uma
relação de convivência afetiva que demonstre haver efetivamente laços
familiares219.

Por fim, diante do exposto, ratificamos a imprescindibilidade de que o


legislador ordinário emende o texto da lei referente à omissão ao fato do
companheiro não ser herdeiro assim como o cônjuge, tendo em vista a vivência
daqueles que, assumidamente, desejam viver em convivência nos moldes dos
casados. Na realidade essa inércia legislativa caracteriza uma discriminação às
famílias advindas da comunhão de fato. Nesse sentido, é fundamental analisar
que a supervalorização do casamento perante a união fática, ignora os
dispositivos constitucionais aludidos que protegem as famílias e, para resguardar
os companheiros diante da situação legal atual, justifica-se recorrer a analogia,
para garantir aos companheiros os direitos e garantias sucessórias aos quais os
cônjuges possuem220.

218
As decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem servem muitas vezes de impulso às
reformas legislativas ou jurisprudenciais nos diferentes Estados contratantes. Daí que o
enquadramento jurídico dado pelo Tribunal Europeu às novas formas de família acaba por ter
reflexo na sociedade europeia.
219
Como já afirmado no capítulo anterior, não estamos aqui tratando de uma simples relação de
namoro, ou de uma relação na qual o casal não pretende construir uma família. Aqui é o caso
daquelas relações, que assim como no casamento, pretendem viver efetivamente uma relação
afetiva familiar sem a necessidade de se submeterem a formalidade do casamento.
220
CORTE-REAL, Carlos Pamplona. Direito da Família. Tópicos para uma reflexão crítica. 2ª ed.
actual. Lisboa: AAFDL, 2011. Pág. 153.
95

2.4. Casa de Morada da Família – Pensão de Sobrevivência –


Alimentos.

No tópico precedente, foi esclarecido a necessidade de o legislador


reverter a situação legal dos direitos sucessórios dos companheiros,
fundamentado nos direitos consagrados constitucionalmente, demonstrando que
através da analogia legis, conseguiríamos amenizar a omissão legal aos direitos
dos membros da união de facto ao recorrer aos direitos e garantias sucessórios
estabelecidos aos cônjuges.

Nesse seguimento surge os questionamentos: A união de facto é fonte


de relações sucessórias? De alguma forma, direta ou indiretamente é
regulamentado direitos sucessórios ao membro da união de facto?

Já foi demonstrado que o legislador não pretendeu estabelecer


relativamente à união de facto qualquer equiparação ou sequer aproximação à
posição sucessória do cônjuge sobrevivo221. Todavia, e quanto aos direitos
decorrentes do companheiro falecido? Destaca-se que é neste tópico que iremos
analisar o que atualmente a legislação civil garante ao membro sobrevivo da
união de facto.

Os direitos dos membros da união de facto estão garantidos na Lei n.º


7/2001, de 11 de maio e suas alterações. Neste diploma legal, nos deparamos
com uma escassez de direitos aos companheiros comparativamente aos
cônjuges, e não seria diferente com os direitos sucessórios222.

Observa-se que a LUF de facto omitiu qualquer referência à sucessão


mortis causa do companheiro, tendo em vista a dificuldade encontrada pelo
legislador ordinário em definir o enquadramento da figura da união de facto como
ela realmente é, ou seja, uma relação jurídica familiar.

Ainda que a Lei 23/2010, de 30 de agosto, tenha esclarecido alguns


aspectos que melhor dispuseram sobre a condição do companheiro sobrevivo,

221
Cid. Nuno Salter de. A comunhão de vida à margem do casamento: entre o facto e o direito:
Editora Almedina, 2005.
222
Art. 8º, Lei n.º 7/2001, 1- A união de facto dissolve-se: a) Com o falecimento de um dos
membros.
Lei n.º 7/2001.
96

não há como não ponderar que mesmo com algumas disposições, o legislador
manteve a omissão concernente ao estatuto pessoal e patrimonial dos membros
da união de facto.

Como observamos, o título deste tópico (Casa de morada da família –


pensão de sobrevivência – direito a alimentos) corresponde à proteção post-
mortem que foi destinada ao convivente sobrevivo. E a partir desse momento,
iremos decorrer sobre eles.

O primeiro deles, casa de morada da família, diz respeito ao direito real


de habitação do imóvel e o direito de uso do respectivo recheio.

Sabemos que o lugar físico onde a família reside diariamente é


fundamental à realização de cada membro individualmente, bem como da
própria família como um todo223. Observa-se ainda, fundamentada na CRP, a
proteção da casa de família no art. 67.º, n.º 1.

Embora a lei não descreva de forma específica o que é a casa de morada


da família. No entendimento do Doutor Professor Nuno Salter Cid, “a expressão
casa de morada da família corresponde o edifício destinado à habitação, onde
reside um conjunto de pessoas do mesmo sangue ou ligadas por um vínculo
familiar”224.

Sendo assim, a casa de morada da família é aquele local onde a família


fixa a residência, onde tem o seu centro de vida familiar de forma permanente e
habitual, devendo assim, ser excluídas as residências secundárias e ocasionais
que são utilizadas nas férias ou somente fins de semana, por não possuírem o
caráter da continuidade225.

Nessa lógica, reconhecendo a sua importância enquanto valor de caráter


jus-familiar e patrimonial, podemos destacar que a proteção não é só a nível

223
Dispõe o art. 65, n.º 1 da CRP que, “Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma
habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a
intimidade pessoal e a privacidade familiar”.
Constituição da República Portuguesa.
224
Cid, Nuno Salter. A Proteção da Casa de Morada da Família no Direito Português: Editora
Almedina, Coimbra, 1996, Pág. 31.
225
Nesse sentido, cumpre colacionar decisão do Tribunal da Relação de Coimbra sobre o
assunto: “A casa de morada de família consubstancia a sede da vida familiar em condições de
habitabilidade e de continuidade, o centro da organização doméstica e social da comunidade
familiar”.
Ac. TRC. Processo n.º: 677/13.7TBACB.C1 de 28-06-2016. Disponível em: www.dgsi.pt.
97

constitucional como também infraconstitucional, uma vez que encontramos no


Código Civil dispositivos a respeito da proteção da casa de morada da família
perante os cônjuges e os seus filhos e, assim como ocorre com o casamento, a
Lei da União de Facto determinou nos seus artigos 3.º, n.º 1, alínea a); 4.º e 5.º,
uma proteção da casa de morada da família nos casos de ruptura ou em caso
de morte.

No art. 3.º, al. a) está consagrado que os membros de uma união de


facto nas condições previstas na lei, possuem direito a proteção da casa de
morada da família, nos termos ali definidos.

No art. 4.º da LUF, observa-se que nos casos de ruptura da relação


fática, aplica-se o disposto nos artigos 1105.º e 1793.º do CCP. Salienta-se, que
por não ser matéria do nosso estudo, não iremos desenvolver a situação da
proteção da casa de morada da família no caso de dissolução da união por
vontade de um dos membros.

Por outro lado, no art. 5º e seus incisos, da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio,
encontra-se regulado a proteção da casa de morada da família nos casos de
dissolução da união de facto por falecimento de um dos membros. Nestas
situações, regulamentam-se regimes distintos na hipótese de a casa de morada
seja bem próprio do decujus ou compropriedade de ambos os conviventes, ou
ainda se se trate de um imóvel arrendado.

Ressalta-se que independentemente da causa da dissolução da união


de facto, seja por ruptura em vida, seja em virtude da morte de um dos
companheiros, deverá ser dada primazia à indicação dos seus membros quanto
ao destino da casa de morada da família. Sendo assim, primariamente, deve-se
analisar se houve um acordo realizado previamente entre os conviventes, como
é o caso do contrato de coabitação.

Todavia, caso os companheiros não tenham realizado um acordo prévio,


a solução para esta ausência é observar as determinações legais do art.5º da
Lei da União de Facto. Desse modo, iremos analisar a possibilidade de
constituição de direito real de habitação e de uso do respectivo recheio a favor
do membro sobrevivo, ou se será aplicado as regras do Código Civil quanto a
matéria de arrendamento urbano destinado a habitação.
98

Nesse seguimento, quando a casa de morada da família e o respectivo


recheio é bem próprio do membro da união de facto que falece, o companheiro
sobrevivo poderá permanecer na casa, pelo prazo de cinco anos, como titular de
um direito real de habitação e de um direito de uso do recheio (art. 5.º, n.º 1, da
LUF). Caso a relação fática entre os membros possua um prazo maior que 5
anos, o direito real de habitação e do uso do recheio conferidos ao membro
sobrevivo, será igual ao da duração da união (n.º 2). Vale ressaltar que esses
prazos conferidos poderão ser prorrogados pelo Tribunal em caráter de exceção,
por motivo de equidade, observando, notadamente, “cuidados dispensados pelo
membro sobrevivo à pessoa do falecido ou a familiares deste, e a especial
carência em que o membro sobrevivo se encontre, por qualquer causa” (n.º 4).

O n.º 7 do art. 5.º determina que decorrido o prazo concedido a estes


direitos, o companheiro sobrevivo poderá ainda permanecer no imóvel, desde
que seja na qualidade de arrendatário e nas condições gerais do marcado,
podendo lá continuar até a celebração do respectivo contrato, salvo se estiverem
reunidas as condições em que o senhorio possa denunciar o contrato de
arrendamento para habitação. E, no caso de não haver acordo quanto as
condições do contrato, notadamente quanto a fixação de renda, após ouvir os
interessados, o Tribunal poderá estabelecê-las. (n.º 8).

Destaca-se que no caso de alienação do imóvel correspondente a casa


de morada da família, o companheiro sobrevivo terá o direito de preferência
durante o prazo em que estiver habitando o imóvel (n.º 9). A nova redação da lei
n.º 23/2010, de 30 de agosto, garantiu o direito de preferência pelo tempo em
que o membro sobrevivo tenha o direito de permanecer no imóvel.

Insta salientar que o referido artigo estabelece que no caso dos membros
da união de facto serem comproprietários da casa de morada e do respectivo
recheio, restará ao companheiro sobrevivo os já citados direitos de forma
exclusiva, na forma do disposto nos números 1 e 2 do artigo, pelo que inexiste
fundamento legal para uma prestação pecuniária pela utilização da casa
enquanto o companheiro seja titular de um direito real de habitação (n.º 3) 226.

226
Vale destacar que não poderá ser incumbida a casa de morada da família a um dos
companheiros da união de facto, a seu pedido, se o outro apenas detiver o bem em
compropriedade com terceiros, como por exemplo, compropriedade com os seus filhos de um
99

De acordo com o n.º 5 do artigo supracitado, na situação do interessado


não habitar no imóvel por mais de um ano, salvo quando for motivo de força
maior, perderá o direito real de habitação assim como o direito de uso do
respectivo recheio227. Caducará ainda o direito real de habitação, no caso de o
membro sobrevivo possuir casa própria ou arrendada na área do respectivo
concelho da casa de morada da família e, em caráter excepcional, inclui-se no
caso dos concelhos de Lisboa ou do Porto, os concelhos limítrofes (n.º 6, art. 5.º,
LUF)228.

Finalizando com uma última consideração sobre o artigo, vale ressaltar


que se o companheiro que vier a falecer for o arrendatário da casa de morada
da família, observa-se o disposto no art. 1106.º do CCP, “o arrendamento para
habitação não caduca por morte do arrendatário quando lhe sobreviva: b)
Pessoa que com ele vivesse em união de facto há mais de um ano” (n.º 10, art.
5.º, LUF).

Sintetizando o direito a casa de morada de família atualmente,


constatamos que este possui uma proteção superior à que tinha anteriormente,
uma vez que com os novos dispositivos é reconhecido o direito de habitação ao
companheiro sobrevivo mesmo que ao decujus sobrevivam descendentes com
menos de um ano ou que viviam há mais de um ano com ele ou, ainda, que
disponha testamento de forma contrária.

Dessa maneira, a nova redação deu prioridade ao membro sobrevivo da


união de facto relativamente aos descendentes, tal como os cônjuges possui em
relação aos filhos. Se os descendentes forem somente do falecido, incumbirá ao
outro genitor a responsabilidade ou ficará a cargo do companheiro sobrevivo

casamento ou união anterior. Nesse caso, não há como impor judicialmente a constituição de
um arrendamento a pessoa estanha à relação fática.
227
À semelhança com o casamento, art. 2103.º-A do CCP, salvo nos casos previstos no n.º 2 do
artigo 1093 do CCP.
228
“...X- O legislador de 2010, tendo em atenção que a atribuição deste direito real onera o direito
de propriedade dos sucessores do membro da união de facto falecido, numa composição de
interesses contrapostos, entendeu excluir aquele direito nas situações em que o membro
sobrevivo dispunha de uma casa própria, com uma localização próxima, onde podia estabelecer
a sua habitação”.
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra. Processo n.º 1267/10.1TBCBR.C1, de 19/02/2013,
disponível em: www.dgsi.pt.
100

caso vivam com ele e, no caso de filhos comuns, deverá seguir o seu genitor que
se tornou titular do direito em questão.

Ressalta-se que o direito de habitação não poderá ser afastado por


disposição testamentária em contrário. A nova lei declara que esta proteção é o
“núcleo irredutível” garantido ao membro sobrevivo independentemente da
vontade do decujus229.

E quanto ao direito de uso do recheio, quais as considerações?


Encontra-se disposto no art. 2103.º-C do CCP, que é considerado recheio, o
mobiliário e os demais objetos ou utensílios destinados ao cômodo, serviço e
ornamentação da casa.

Destaca-se que a disposição anterior da Lei não conferia ao


companheiro sobrevivo o direito de uso do recheio, pois somente concedia o
direito real de habitação. Todavia, com o intuito de proteger de forma mais eficaz
a continuidade do lar, sobreveio a garantia ao direito de uso dos bens móveis
utilizados por ambos os companheiros na vida familiar, cumulativamente ao
direito real de habitação.

Finalizamos aqui o primeiro direito decorrente da morte do membro da


união de facto, que é o direito real de habitação da casa de morada da família e
o direito de uso do respectivo recheio e, neste momento, passaremos para o
segundo direito definido no título deste tópico, que é a pensão de sobrevivência.

A lei garante ao membro sobrevivo da união de facto direito ao subsídio


por morte e à pensão de sobrevivência, tanto no caso de o falecido ser
funcionário ou agente da Administração Pública ou da Administração Regional
ou Local e, ainda, no caso de ser beneficiário do regime geral da segurança
social230.

A proteção por morte dos beneficiários ativos ou pensionistas


abrangidos por regime de segurança social é atribuída de forma genérica a favor
do seu agregado familiar, através de uma concessão de prestações continuadas,

229
COELHO, Francisco Pereira e OLIVEIRA, Guilherme de. Curso de Direito da Família.
Introdução Direito Matrimonial, volume I, 5ª ed. Coimbra, 2016. Pág 98.
230
A Constituição da República prevê os princípios do sistema público de solidariedade e da
segurança social, assim como as iniciativas privadas com fins análogos e, estes, encontram-se
resguardados na Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, as bases gerais do sistema de segurança
social.
101

como, as pensões de sobrevivência e o subsídio por morte (art. 3.º, n.º 1, do


Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de outubro).

O legislador português atribuiu às uniões de facto relevância jurídica no


domínio do regime legal de assistência à família, estabelecendo através da Lei
da União de Facto, uma equiparação entre os companheiros e os cônjuges de
um casamento, ao assumir uma inovação em matéria de proteção social a estes
membros garantidos por lei231.

Como já mencionamos, à semelhança do casamento, encontramos na


LUF, dispositivos que garantem ao membro sobrevivo proteção social em caso
de morte do beneficiário, por aplicação do regime geral ou de regimes especiais
de segurança social e da presente lei.

Antes da nova redação da lei proposta pela Lei n.º 23/2010, de 30 de


agosto, houveram interpretações anteriores sobre o assunto. Para que o
companheiro sobrevivo obtivesse direito às prestações por morte (pensão de
sobrevivência232 e subsídio por morte) era obrigado a demonstrar a necessidade
de alimentos somado ao fato de terem esgotado as duas vias particulares de
satisfação das necessidades alimentares, dependente de sentenças judiciais
transitadas em julgado, tais como: a obrigação de alimentos pelos familiares, e
a busca pela satisfação de alimentos através da herança do falecido. Somente
em seguida, poderia o companheiro sobrevivo intentar os benefícios de
prestação social.

Nesse caso, conclui-se que, caso não houvesse bens na herança ou


havendo-os, estes fossem insuficientes para prestar o direito a alimentos,
somente assim, seria necessário que o membro sobrevivo pleiteasse uma nova

231
Dispõe o art. 3º, da Lei n.º 7/20001, que: As pessoas que vivem em união de facto nas
condições previstas na presente lei têm direito a: e) Proteção social na eventualidade de morte
do beneficiário, por aplicação do regime geral ou de regimes especiais de segurança social e da
presente lei; f) Prestações por morte resultante de acidente de trabalho ou doença profissional,
por aplicação dos regimes jurídicos respectivos e da presente lei; g) Pensão de preço de sangue
e por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País, por aplicação dos regimes jurídicos
respectivos e da presente lei.
232
“Pensões de sobrevivência são prestações pecuniárias que têm por objetivo compensar os
familiares do beneficiário da perda dos rendimentos de trabalho determinada pela morte deste
(art. 4º, n.º 1), destinando-se a compensar o acréscimo dos encargos decorrentes da morte do
beneficiário, tendo em vista facilitar a reorganização da vida familiar (n.º 2).
PITÃO. José António de França. União de Facto no Direito Português. Op.cit. Pág. 256.
102

ação declarativa, para que fosse estabelecido pelo tribunal, a pensão de


sobrevivência233.

Com a chegada da Lei n.º 135/99, de 28 de agosto, pareceu ter definido


a situação quanto as dúvidas sobre a necessidade de propositura de duas ações
distintas, em discussão anteriormente. Ocorre que, o art. 6.º, e seus incisos
estabeleceram que: são beneficiários aqueles que reunissem as condições
previstas no art. 2020 do CCP (inciso 1); no caso de a herança ser insuficiente
ou inexistente, o direito às prestações seria efetivado com a ação proposta a
instituição competente (inciso 2), não obstando o reconhecimento das
prestações, a insuficiência ou inexistência dos bens (inciso 3) 234; o direito em
questão seria reconhecido mediante a proposição de uma ação judicial contra a
herança do falecido, desde que a instituição competente interviesse (intervenção
provocada) para a atribuição das prestações (inciso 4)235; destacando no último
inciso que o companheiro sobrevivo poderia pleitear apenas ação contra a
instituição competente para requerer as prestações por morte (inciso 5).

Coube a Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, que alterou parcialmente o


sistema estabelecido na lei anterior, simplificar o regime de acesso às prestações
por morte, ao excluir alguns incisos do art. 6.º.

233
A jurisprudência não era unânime quanto ao sistema de acessão às prestações da segurança
social por morte de um dos seus beneficiários, quando era o caso de uma união de facto. Uma
corrente entendia que era necessário ao membro sobrevivo intentar com duas ações, uma contra
a herança do falecido beneficiário em que não lhe fosse reconhecido o direito a alimentos por
insuficiência dessa herança, e outra contra a instituição de segurança social. Nesse sentido
foram as decisões do Tribunal da Relação de Lisboa de 30.11.95 / 18.04/96, assim como a
jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto de 13.01.97, “...estabelecendo que a lei exige
sentença judicial transitada, quer para a autora demonstrar que tem direito a alimentos da
herança, quer para provar que nesta não existem bens e, no último caso, exige nova sentença
transitada a declarar que a autora tem direito às prestações...”.
Em contrapartida, a outra corrente, entendia que bastava o pleito de uma só ação para o
reconhecimento da já citada pensão de sobrevivência. Em outras palavras, ou o companheiro
pleiteava contra herança, no caso de a ação reconhecer o direito alimentos, ou somente contra
a instituição de Seguridade Social. Sendo assim, cumpre colacionar decisão do Tribunal da
Relação de Évora, de 05.12.96, ao estabelecer que: ”...basta a propositura de uma ação para o
reconhecimento do direito à pensão de sobrevivência – se reconhecido por sentença o direito a
alimentos da herança. Em ação contra ela instaurada, comprovados estão todos os requisitos
para atribuição da pensão de sobrevivência; se a herança não tiver bens ou se forem
insuficientes, bastará a instauração de ação contra a instituição de segurança social...”.
Op. Cit. Págs. 258 a 260.
234
O legislador nesse inciso somente confirmou o que já havia dito no inciso anterior. Para Pitão,
houve uma duplicação inexplicável e desnecessária nos números 2 e 3 transcritos.
OP. Cit. Pág. 266.
235
Nesse inciso, trata-se da questão fundamental quanto a desnecessidade de propositura de
duas ações distintas.
103

Destaca-se uma relevante inovação no que se refere ao direito em


questão. A Lei n.º 135/99, de 28 de agosto, somente estabeleceu o benefício de
acesso a prestações por morte no que se refere aos regimes de segurança social
e às pensões de preço sangue e por serviços excepcionais. Todavia, com a
atualização da lei através da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, expandiu a proteção
garantindo prestações por morte decorrente de acidente de trabalho ou doença
profissional (alínea f), do art. 3.º).

Numa via mais protetiva, a solução regulada pelo novo art. 6.º, n.º 1 da
Lei 7/2001, com a redação alterada pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto,
dispensa a necessidade alimentos e, aceita que o companheiro sobrevivo
recorra às instituições competentes em busca das pensões por morte do
companheiro, ao afirmar que: “o membro sobrevivo da união de facto beneficia
dos direitos previstos nas alíneas e), f) e g) do artigo 3.º, independentemente da
necessidade de alimentos”.236

Referente ao n.º 2, do art. 6.º da Lei, a nova disposição estabeleceu que:


“Em caso de inexistência ou insuficiente de bens da herança, ou nos casos
referidos no número anterior, o direito às prestações efetiva-se mediante ação
proposta contra a instituição competente para a respetiva atribuição”. Desse
modo, o legislador resumiu, unindo em único número, as disposições dos
números 2,3 e 4 da antiga lei, determinando que o requerente pode beneficiar
das prestações por morte do companheiro, mesmo que não tenha necessidade
de alimentos da herança.

O direito às prestações por morte é exercido através de uma ação


proposta contra a instituição competente, reafirmando o entendimento da
desnecessidade de propor previamente ou simultaneamente ação contra a
herança, com o intuito de confirmar a insuficiência dos bens para o deferimento
das prestações por morte do art. 6.º da LUF.

Caso a instituição competente tenha dúvidas sobre a veracidade da


relação fática alegada, faz-se necessário promover uma ação judicial para
comprovação do fato, na qual caberá a instituição, provar que o membro

236
Ressalta-se que somente com a alteração em 2010 foi eliminada a remissão ao art. 2020 do
CCP, motivo de confusão tendo em vista a possibilidade união de facto homoafetiva, anterior a
previsão do casamento homoafetivo.
104

sobrevivo não vivia com o beneficiário em condições análogas às dos cônjuges,


pelo prazo mínimo de 2 anos.

De acordo com o n.º 3, art. 6.º, da LUF, a instituição competente não


poderá questionar a existência da relação fática quando esta tenha durado pelo
menos dois anos, após o prazo de dois anos necessários para a constituição da
união de facto (art. 2º, n.º 1). Sendo assim, observa-se que o intuito dessa
disposição é afastar qualquer incerteza quanto à existência da união fática pelo
decurso do prazo de 4 anos.

Ressalta-se ainda a questão se seriam atribuídas as prestações por


morte no caso de haver omissão no instrumento de regulamentação coletiva do
trabalho, na situação daqueles trabalhadores que não estão compreendidos pelo
regime geral da segurança social, como é o caso de advogados, bancários, entre
outros. Nesse caso, o entendimento é de que sim, estariam abrangidas pelo
regime geral estabelecido na LUF, por se tratar de uma omissão pura e simples
do instrumento legislativo e por aquele sistema ser mais benéfico ao trabalhador,
salvo caso de norma imperativa em contrário.

Para não restar mais dúvidas quanto à possibilidade ou não de utilizar o


regime geral da segurança social nos casos acima, cabe informar decisão do
Supremo Tribunal de Justiça, em 11 de maio de 2017, com o Acórdão
Uniformizador de Jurisprudência, estabelecendo que: O companheiro sobrevivo
terá direito à pensão de sobrevivência no caso do beneficiário do setor bancário,
mesmo que o regime de especial de segurança através do instrumento de
regulamentação coletiva de trabalho não regulamente essa atribuição 237.

A alínea f), do art. 3.º, da LUF, estabelece a pensão por morte decorrente
de acidente de trabalho ou doença profissional, regulamentada com a nova
redação da lei em 2010.

Para a análise do citado dispositivo cabe uma distinção entre os


beneficiários, quais sejam: o primeiro são os casos daqueles acidentes de
trabalho sofridos por funcionários públicos, que possuem regulamentação
própria (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, Lei n.º 35/2014, de 20 de

237
PITÃO. Op. Cit. Págs. 273 a 274.
105

junho)238 e o segundo são os casos de acidentes de trabalho e as doenças


profissionais ocasionados em trabalhadores por conta de outrem, vinculados por
contrato individual de trabalho ou a ele equiparado.

De acordo com o Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, que dispõe


sobre os acidentes em serviço e das doenças profissionais dos funcionários
públicos, a responsabilidade do Estado por acidente de trabalho aplica-se a
todos os trabalhadores que exercem função pública, seja nas modalidades
nomeação ou de contrato de trabalho em funções públicas, da administração
direta e indireta do Estado, refere-se ainda aos trabalhadores que exercem
funções públicas nas administrações regionais e autárquicas, como também nos
órgãos e serviços de apoio do Presidente da República, da Assembleia da
República, dos tribunais, do Ministério Público, dos respectivos órgãos de gestão
e outros órgãos independentes, além dos membros do gabinetes de apoio do
Governo.

O art. 4.º do decreto-lei em questão, dispõe sobre a reparação pelos


danos decorrentes de acidentes em serviço e de doenças profissionais. E,
cumpre destacar que o art. 18, estabelece as regras para as despesas de funeral
e subsídio por morte, e o n.º 3, alínea a), regulamenta a respeito das regras do
subsídio por morte para aquela pessoa que vivia em união de facto com o
falecido nas condições análogas às dos cônjuges.

Quanto ao caso da reparação aos acidentes de trabalho e das doenças


ocupacionais nos termos do art. 284 do Código de Trabalho, encontra-se
amparado na Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro e, de acordo com o art. 8.º, n.º
1, acidente de trabalho é aquele que ocorre no local e tempo de trabalho,
produzindo alguma lesão ainda que indiretamente, desde que reduza a
capacidade de trabalho ou de ganho ou até a morte.

238
Dispõe a citada lei n.º 4/2007, art. 107: “A lei estabelece o regime jurídico da proteção
obrigatória em caso de acidente de trabalho, definindo os termos da respetiva responsabilidade”.
Disponível em: dre.pt.
106

A citada lei traz na divisão III a respeito das prestações por morte e,
segundo o art. 57, alínea a), “são titulares do direito à pensão por morte, pessoa
com ele viva em união de facto”239.

No que concerne a proteção referente às doenças profissionais, a


pensão por morte é atribuída com intuito de compensar o companheiro do
beneficiário, pela perda dos rendimentos em decorrência do seu falecimento,
resultante de uma doença profissional. Este direito encontra-se regulamentado
nos art. 309.º e seguintes do Código de Trabalho, discorrendo sobre as doenças
ocupacionais, além da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, em seus artigos: art.
20, que regulamenta a determinação da incapacidade através da tabela nacional
de incapacidades por acidente de trabalho e doenças ocupacionais; art. 23.º, que
estabelece as prestações para o direito de reparação e o art. 48.º, que regula o
montante das prestações por incapacidade240.

A respeito do subsídio por morte e das despesas com o funeral,


estabelecidos no art. 296.º, n.º 1, alínea b) do Código de Trabalho, encontram-
se regulamentados na Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro241.

Já a alínea g) do art. 3.º da LUF, trata da pensão de preço de sangue e


por serviços excepcionais com relevância prestados ao País.

A pensão de preço de sangue foi criada para proteção daqueles


familiares dos militares que estivessem em guerra. O regime jurídico atualmente

239
Sobre o assunto, cumpre colacionar decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.04.2016,
que estabelece: “I- É através da Lei nº 7/2001 de 11/5 (Lei de Proteção das Uniões de Facto),
com redação dada pela lei nº 23/2010 de 30/8, que se afere quais os casos em que, embora
possa haver uma situação de vivência em união de facto, a mesma não é juridicamente
reconhecida. II- Dos arts. 2º-c) e 3º-f) da Lei nº 7/2001decorre que só existe união de facto
juridicamente relevante quando duas pessoas vivam em condições análogas aos dos cônjuges
e desde que nenhuma delas tenha o estado civil de casado ou e casado não separado
judicialmente de pessoas e bens. III- Sendo o casamento de um dos membros da união de facto
uma das causas de dissolução da união de facto (art. 8º-c) da Lei nº 7/2001) mal se
compreenderia que a união de facto pudesse juridicamente existir tendo no seu seio um dos seus
membros no estado de casado com terceiro. IV- Para efeitos do disposto nos arts. 57º, 59º e 65º
da LAT/2009, não é beneficiária legal de sinistrado falecido em acidente de trabalho quem com
este vivia em condições análogas aos dos cônjuges, sendo o sinistrado casado com terceira
pessoa, à data da sua morte. Processo n.º 36/13.1TTLSB.L1-4, de 20/04/2016. Disponível em:
www.dgsi.pt.
240
PITÃO. José António de França. União de Facto no Direito Português. Op.cit. Págs. 280 a
282.
241
O art. 65 dispõe sobre o subsídio por morte; e o art. 66 regula o subsídio por despesas de
funeral.
Lei n.º 98/2009. Disponível em: dre.pt.
107

é o Decreto-Lei n.º 466/99, de 6 de novembro, que define no seu art. 1.º as já


citadas pensões; no art. 2.º são encontrados em quais casos as pensões de preço de
sangue estão originadas; no art. 4.º observa-se a necessidade de que o
beneficiário possua conduta moral e cívica e a verificação dos casos; no art. 5.º
determina a ordem dos familiares que terão direito à pensão de preço de sangue.
Ainda o art. 8.º, n.º 3 estabelece uma limitação ao informar a necessidade de
sentença judicial que fixe o direito a alimentos; o cálculo da pensão encontra-se
regulado no art. 9.º e o art. 10.º, dispõe sobre o caso de concorrência de
beneficiários, destacando a divisão em partes iguais entre os interessados, com
indicação dos casos de exceção a essa regra.

Finalizamos aqui, os casos de prestações por morte decorrente da morte


do membro de uma união de facto. E passaremos a analisar a seguir, o direito a
alimentos resultante da morte do companheiro.

O membro sobrevivo possui direito de exigir da herança do falecido, o


direito a alimentos, de acordo com o art. 2020.º do CCP242.

Anteriormente, a lei estabelecia que o convivente sobrevivo que


necessitasse de alimentos deveria seguir uma ordem de pessoas obrigadas a
prestá-los, tais como: os primeiros, eram as pessoas reguladas pelo art. 2009.º,
alínea a) a d) (cônjuge ou ex-cônjuge, descendentes, ascendentes e irmãos); em
segundo, eram os herdeiros do falecido pelas forças da herança; em terceiro, e
somente se os alimentos não fossem obtidos através das pessoas anteriores,
era o Estado, mediante as prestações da segurança social. Todavia, com a nova
redação do citado artigo, a herança do falecido é a responsável pela satisfação
de alimentos sem a necessidade de pleitear os familiares. Ressalta-se que antes
da reforma somente ao cônjuge sobrevivo era incumbido tal direito, regulado no
art. 2018.º do CCP.

Embora esse direito a alimentos seja decorrente e só possua eficácia


após a morte do outro companheiro a favor do membro sobrevivo, somos

242
Essa disposição foi introduzida pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto, que alterou a anterior
redação do Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de novembro, na qual estabelecia: “Aquele que, no
momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, viva
com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges, tem direito a exigir
alimentos da herança do falecido, se os não puder obter nos termos das alíneas a) a d) do artigo
2009”.
Código Civil Português.
108

conduzidos a concluir que não é propriamente um direito sucessório, ou seja, um


direito resultante de sucessão ao membro falecido e por causa da sua morte,
mas tão só uma obrigação imposta à herança do falecido por causa de uma
relação de fato em vida que o legislador quis, nesta matéria, aproximar da
relação familiar.

Sendo assim, é tão somente o direito a uma pensão alimentar, uma


prestação pecuniária mensal, garantida através dos rendimentos dos bens que
eventualmente componham a herança, regulamentada pelos princípios gerais, e
que, para nós, foi introduzida neste tópico para facilitar o entendimento quanto
aos direitos decorrentes da morte do membro de uma união de facto.

Dispõe o art. 2003.º, n.º 1, do CCP, que alimentos é tudo aquilo que for
indispensável ao sustento, habitação e vestuário. Quanto a medida dos
alimentos, regulamenta o art. 2004.º, n.º 1, do CCP, que aqueles serão prestados
de forma proporcional, observando o binômio necessidade-proporcionalidade,
sob a análise da necessidade do alimentando e em caso de possibilidade do
alimentante.

Dessa forma, de acordo com a letra da lei, é necessário observar as duas


opções acima de forma cumulativa, tendo em vista a necessidade de que o
membro sobrevivo careça de alimentos por não possuir rendimentos próprios
suficiente para a sua subsistência, como também o rendimento da herança deve
ser considerável a ponto de permitir que possa ser estabelecida uma pensão
alimentar243.

Nesse caso, observa-se que com a evolução do direito português a


respeito da medida dos alimentos entre os ex-cônjuges, que era regulada pelo
padrão de vida a que o casal se encontrava restou insuficiente, não havendo
como justificar que o fundamento para tanto era o dever recíproco de assistência
e a solidariedade familiar. Em contrapartida, com o aumento dos efeitos das
uniões de facto, e com a nova versão da Lei n.º 7/ 2001 que atribui o direito às
prestações por morte separadamente da necessidade de alimentos, conciliou as

243
Sobre o assunto, José António Pitão cita em sua obra, decisão do Tribunal da Relação do
Porto que estabeleceu que “a herança indivisa não deve ser onerada com o encargo de
pagamento de alimentos À companheira do autor da herança, que com ele viveu em união de
facto, quanto resulte prejuízo grave para herdeiros legitimários do falecido”.
PITÃO. José António de França. União de Facto no Direito Português. Op.cit. Pág. 187.
109

posições do cônjuge sobrevivo e do convivente sobrevivo, aproximando os dois


institutos no que concerne a alimentos244.

Desse modo, o entendimento é de que de acordo as mudanças e


evoluções sobre o assunto, o “cálculo” dos alimentos deve ser baseado no
“mínimo decente” tanto entre os cônjuges quanto os companheiros.

Os requisitos para a obtenção do direito a alimentos, são: 1- necessidade


de que os membros da união de facto vivessem há mais de dois anos uma
relação em condições análogas às dos cônjuges; 2- o direito a alimentos deve
ser exercido sob de pena de caducidade, nos dois anos seguintes à data da
morte do autor da sucessão (n.º 2, art. 2020.º, CCP). O pleito deve ser efetuado
pelo membro sobrevivo, através de uma ação cível comum, perante o tribunal
judicial da comarca territorialmente competente do lugar da abertura da
sucessão, e demandar em litisconsórcio necessário todos os herdeiros do
falecido; 3- exige-se ainda, que o membro sobrevivo não contraia casamento
nem inicie uma nova união de facto. Nesse sentido, dispõe o n.º 3, art. 2020.º,
do CCP, que serão casos de cessação do direito a alimentos, se o alimentado
contrair casamento, iniciar uma nova união de facto ou tornar-se indigno do
benefício245 (art. 2019.º do CCP).

Assim, diante das situações apresentadas, observa-se que o direito a


alimentos e o direito às prestações sociais por morte, são cumulativos e são
pleiteados de forma paralela e independente um do outro.

Concluiremos, nesse momento, os direitos presentes no título deste


tópico resultantes da morte do membro da união de facto. Destacamos o quanto
é desarrazoável se analisar os direitos que chamamos de direitos sucessórios
dos companheiros quando comparados com a situação sucessória do cônjuge,
que no direito português como mencionamos no início deste capítulo, é tratado
com tantos privilégios perante os outros herdeiros.

244
COELHO, Francisco Pereira e OLIVEIRA, Guilherme de. Curso de Direito da Família.
Introdução Direito Matrimonial, volume I, 5ª ed. Coimbra, 2016. Pág. 97.
245
Nesse caso, “introduz-se, assim, uma cláusula geral de limitação e exceção do benefício de
alimentos, que permitirá à jurisprudência aferir a relevância ou não dos factos alegados por
aquele que esteja obrigado a prestar os alimentos”.
PITÃO. José António de França. União de Facto no Direito Português. Op.cit. Pág. 194.
110

À semelhança do casamento, é que foram designados os direitos


decorrentes da morte do membro da união de facto ao companheiro sobrevivo.
Todavia, nos causa estranheza a diferenciação quanto a posição do cônjuge no
direito sucessório perante a dos companheiros, que nem foram nominados como
herdeiros na forma da lei. Se os efeitos patrimoniais decorrentes da relação fática
estão correspondentes aos direitos concedidos aos cônjuges em um casamento
sob o fundamento de haver uma relação afetiva, duradoura, estável e contínua
entre eles, por que o legislador não regulamentou o companheiro como herdeiro
legal?

Iremos ainda destacar algumas situações legais, ou seja, outros


benefícios transmitidos a pessoas específicas, incluindo o cônjuge sobrevivo,
que foi desenvolvido pelo Doutor Professor Jorge Duarte Pinheiro, em sua obra
sucessória, no tópico sucessão legítima anômala246.

O primeiro legado a ser mencionado como um direito adquirido por via


sucessória, é o reconhecimento a uma indenização pelos danos não patrimoniais
no caso de haver morte da vítima. Ressalta-se, que de acordo com o art. 496.º
do CCP, n.º 1, somente haverá indenização nos casos de danos não
patrimoniais, que pela sua gravidade, mereçam ser tutelados.

Compreende-se que a finalidade dessa indenização não é


verdadeiramente reconstitutiva ou reparadora (pretium doloris), e sim
compensatória (compensatio doloris). Uma vez que confere aos lesados
benefícios de ordem material, sendo somente esta, a única alternativa de criar
algum consolo, que almeje diminuir o sofrimento e a angústia daqueles
“herdeiros” decorrentes da lesão sofrida pela perda da vida do ente querido 247.

Aqueles que eram contra a indenização por dano não patrimonial em


decorrência da morte da vítima, questionavam o fato de não conceber como
quantificar um valor, ou seja, estipular uma avaliação pecuniária, quando
estamos tratando do nosso bem supremo que é a vida. Há quem alegava ainda
o fato de que se a personalidade jurídica cessa com a morte, quando ela
acontece, não há o dano, e se não há o dano, não haveria responsabilidade civil.

246
PINHEIRO, Jorge Duarte. Direito das Sucessões, 2019. Pág. 74 a 78.
247
CORTE-REAL, Carlos Pamplona. Curso de Direito das Sucessões, 2012. Pág. 43.
111

Contudo, analisaram essa perspectiva não somente pelo dano à própria vítima,
como também, pelo dano moral sofrido pelo terceiro, sendo um dano próprio,
que surgiu em decorrência da morte da vítima 248.

Vale ressaltar, que o dano não patrimonial indenizável ocorre entre o


momento da lesão e o momento do falecimento. Sendo assim, estamos falando
dos casos de ressarcibilidade de quando a vítima sofreu em vida, em função da
lesão suportada e da angústia no momento pré-morte.

De acordo com o n.º 2 do já referido artigo, serão beneficiários do direito


a indenização, em conjunto, o cônjuge sobrevivo desde que não esteja separado
de pessoas e bens, os filhos ou outros descendentes e, na ausência destes, os
pais ou outros ascendentes e, finalmente, podem ser beneficiários, os irmãos ou
sobrinhos que os representem.

O art. 496.º, n.º 3 do CCP, alterado pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto,
superou a antiga redação legal ao trazer como beneficiário desse direito a
indenização, aquele que ainda é muito negligenciado quando constatamos os
direitos resultantes da relação afetiva249. Esse artigo atribuiu ao membro
sobrevivo da união de facto (legatário legítimo), o direito a indenização pela
morte do seu companheiro, nos mesmos moldes do cônjuge sobrevivo. Vale
ressaltar, que o art. 495.º, n.º 3, estabelece que o convivente sobrevivo possui
direito a uma indenização por danos patrimoniais, se o falecido lhe prestava
alimentos.

Desse modo, observa-se que a sucessão na indenização não se funda


num fato designativo negocial, mas em relações familiares (conjugal e união de

248
Art. 496, n.º 4, segunda parte do CCP.
249
Nesse sentido, cabe mencionar o acórdão n.º 275/2002 da 2ª Secção do Tribunal
Constitucional, em 19.6.2002, que julgou inconstitucional, por violação ao art. 36, n.º 1, da CRP,
em conformidade com o princípio da proporcionalidade, o dispositivo do art. 496, n.º 2, do CCP,
no trecho em que, no caso de morte da vítima de um crime doloso, exclui a atribuição de um
direito de “indenização por danos não patrimoniais pessoalmente sofridos pela pessoa que
convivia com a vítima em situação de união de facto, estável e duradoura em condições análogas
às dos cônjuge”. Esse acórdão considerou ainda violação ao princípio da igualdade, regulado no
art. 13 da CRP, concluindo que “as disposições relativas ao casamento seriam virtualmente
aplicáveis à união de facto, não podendo o legislador, sem uma justificativa razoável, desproteger
a união de facto em face do casamento”.
COELHO, Francisco Pereira e OLIVEIRA, Guilherme de. Curso de Direito da Família. Introdução
Direito Matrimonial, volume I, 5ª ed. Coimbra, 2016. Pág 103.
112

facto). Caso não haja disposição testamentária em contrário, a sucessão


apresenta caráter supletivo250.

Enfim, o n.º 4 do artigo consagra uma sucessão legítima anômala


transmissiva, ao destacar que pela via sucessória pode os beneficiários
pleitearem não somente os danos não sofridos pela vítima, como os danos
próprios.

Para terminar, podemos concluir que embora a Lei n.º 7/2001 e suas
alterações, tenha regulado direitos decorrentes da relação fática ao conceder
alguns efeitos patrimoniais resultante da morte do membro da união de facto,
confirmamos, diante de todo o exposto, que há uma grande omissão legislativa,
seja, por não dispor no Código Civil Português a união de facto como fontes das
relações jurídicas familiares; seja, por não garantir direitos de acordo com a
realidade e problemática da união de facto; seja, por não estabelecer efeitos
patrimoniais semelhantes ao casamento; e, seja, por não regulamentar o
companheiro como herdeiro, pois, para efeitos sucessórios, tratou o convivente
como qualquer outro estranho, sendo visto como elemento externo.

Na realidade, a Lei da União de Facto merecia ter sido mais bem


estruturada, com intuito de garantir o direito das famílias que são constituídas
através dela. Já se passaram mais de 20 anos da promulgação da primeira lei
que tratou sobre o assunto (Lei n.º 135/99, revogada pela Lei n.º 7/2001) e,
mesmo com o passar de todo esse tempo e com as sucessivas intervenções
legislativas realizadas no decorrer dos anos, não vislumbramos uma verdadeira
reformulação da lei para uma melhor compreensão dos modelos familiares na
atualidade.

Observa-se que por não haver um conceito de família delineado na


Constituição, nesse caso, trata-se de um “conceito relativamente aberto”,
cabendo de uma forma maleável, o entendimento de que no art. 36.º, n.º 1, da
CRP, não implica somente o casamento como forma de constituição de família,

250
São legatários legítimos da indenização o cônjuge não separado de pessoas e bens, ou o
membro da união de facto, os filhos ou outros descendentes; os pais ou outros ascendentes; os
irmãos ou sobrinhos que os representem. Vale ressaltar que nesse caso a ordem dos legatários
é própria.
113

pois implicitamente abrange a união de facto como conceito de família, além,


ainda, das diversas concepções existentes na sociedade251.

Sendo assim, é preciso encarar que se faz necessário que o legislador


aproxime os institutos do casamento e da união de facto, não havendo como
permitir que a distinção na forma constitutiva entre eles, seja realizada sob uma
perspectiva discriminatória e preconceituosa. De facto, tal situação atenta contra
os princípios constitucionais, como, o princípio a constituir família e o princípio
da igualdade252 e, desse modo, não se justifica a não equiparação do cônjuge
sobrevivo ao membro sobrevivo da união de facto, quando estivermos diante de
uma relação de comunhão plena de vida, socialmente reconhecida e vivida com
a mesma aparência.

A seguir, destaca-se que no capítulo subsequente, iniciaremos as


observações a respeito da tutela jurídica dos direitos sucessórios dos
companheiros no Brasil. Faz-se mister ressaltar, o quanto esses dois países
possuem reciprocidade e semelhanças em muitas questões, como também,
diversidades intrigantes em outras, e, designadamente a respeito dos direitos
das famílias e sucessões, nos instiga a atravessar o oceano Atlântico para
estudarmos e nos aprofundarmos nas situações jurídicas entre esses dois
países.

251
CANOTILHO, Gomes e MOREIRA Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada –
Volume I, 4ªed: Coimbra Editora, 2007, Págs. 856 e 857.
252
CORTE-REAL, Carlos Pamplona.
114

III- UNIÃO ESTÁVEL E A REALIDADE JURÍDICA ATUAL NO


BRASIL.

Nos capítulos anteriores, tratamos do instituto da união de facto de forma


comparativa ao casamento em Portugal, com enfoque no tratamento dos
companheiros perante os direitos sucessórios.

Neste instante, daremos início ao estudo do terceiro capítulo deste


trabalho. Na ocasião, iremos abordar o instituto da união estável no Brasil,
instituto este que coincide com o regime da união de facto em Portugal. Nesse
seguimento, discutiremos os dispositivos constitucionais e legais sobre o
assunto, discorreremos sobre o entendimento doutrinário dos estudiosos
brasileiros, levantando o ponto de que aqui temos, de forma expressa, a união
fática como entidade familiar, regulamentada no §3º, do art. 226 da Constituição
Federal Brasileira de 1988.

Com respeito a isto, no primeiro tópico deste capítulo, iremos abordar o


processo jurídico de afirmação da união estável, mencionando o caminho
percorrido e as disposições constitucionais e legais sobre o assunto. No segundo
tópico, observaremos o percurso dos direitos sucessórios dos companheiros de
forma comparativa com os cônjuges, analisaremos as disposições legais sobre
o direito dos conviventes, que no Brasil, encontram-se legalmente
regulamentados no Código Civil como herdeiros, assim como os cônjuges. E no
terceiro tópico deste conteúdo, alcançaremos o estudo que observará o
tratamento do companheiro como herdeiro necessário no Brasil, após a decisão
do RE 878.694 do Supremo Tribunal Federal, que teve como Relator o Ministro
Luís Barroso, que discutiu a inconstitucionalidade da distinção sucessória entre
cônjuge e companheiro no direito brasileiro253.

253
A respeito da decisão em questão e sobre a efetividade das decisões de inconstitucionalidade
dos Tribunais Constitucionais (em Portugal o Tribunal Constitucional, no Brasil o Supremo
Tribunal Federal), cabe destacar as palavras do Doutor Professor Carlos Blanco: “Os tribunais
com funções de controlo de constitucionalidade nasceram idealisticamente como um poder
independente e imparcial, pese a sua natureza de jurisdição de cunho político, para defender as
normas constitucionais em relação a violações oriundas do poder político, mormente para o
legislativo”.
MORAIS, Carlos Blanco de. As mutações constitucionais de fonte jurisprudencial: a fronteira
crítica entre a interpretação e a mutação in: Mutações constitucionais. Coord: Gilmar Ferreira.
115

3.1. Processo Jurídico de Afirmação da União Estável.

A contar da segunda metade do século XX, no ocidente, as instituições


familiares sofreram transformações que direcionaram os ordenamentos jurídicos
a lidar com as relações familiares de forma totalmente nova.

A união estável ou união “livre”, desde sempre foi reconhecida como um


fato jurídico, que evolui para a constituição de um ato jurídico, em razão dos
direitos decorrentes dessa união. No Brasil, antes da Constituição Federal
Brasileira de 1988, as constituições pautaram os seus textos constitucionais no
sentido de proteger a família constituída sob o casamento civil, ignorando a
proteção da família de facto254.

No decorrer do processo de evolução para a realização do novo texto


constitucional, foi instalada a Assembleia Constituinte, em 1987. E, com os
trabalhos, iniciou-se a oportuna incumbência de “democratização da família”
como sendo a “base da sociedade”, considerando, entre outros, o instituto da
união estável, a igualdade de direitos e de deveres entre cônjuges e entre filhos
sejam biológicos ou adotivos.

Nesse seguimento, após as formações das várias comissões e


subcomissões para elaboração de anteprojetos sobre o assunto, além de uma
análise profunda e crítica sobre a formação da família, a Constituição Federal
vigente trouxe várias inovações ao Direito das Famílias brasileiro, entre as quais,
o reconhecimento da união estável como forma de constituição da família 255.

Mendes e Carlos Blanco de Morais, São Paulo: Editora Saraiva, 2016. ISBN 978-85-472-00639-
0 (ebook).
254
Contudo, embora não houvesse ainda reconhecimento constitucional, a jurisprudência já
admitia direito aos conviventes, como os concubinos. Ex: Súmula 380 também do STF, de
03/04/1964, que estabelecia: Comprovada a existência de sociedade de fato entre os
concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo
esforço comum.
255
Foi nesse sentido que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu o seguinte artigo: Art. 226.
A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º O casamento é civil e
gratuita a celebração. § 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. § 3º Para
efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como
entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º Entende-se, também,
como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. § 5º
Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e
116

Nas palavras de Álvaro Villaça de Azevedo, o fato de a CF/88


regulamentar que a família possui proteção especial do Estado, já seria o
bastante, não sendo necessário o art. 226 da CF, discriminar as formas de
constituição da família, tendo em vista não caber ao legislador impor como cada
um deve constituir a sua família. Aduz ainda que, “o importante é proteger todas
as formas de constituição familiar, sem dizer o que é melhor”256.

Após o regulamento constitucional em 1988 de forma expressa sobre a


inclusão da união estável, também designado de concubinato puro, 257 como
entidade familiar, surgiu a necessidade de regular uma lei sobre o assunto. A
primeira legislação que teve por objeto a união estável, foi a Lei n. 8.971, de 29
de dezembro de 1994, que concedeu direito aos companheiros no tocante a
alimentos e à sucessão258.

Na citada lei, o art. 1º exigia o mínimo de 5 anos de convivência entre


os companheiros ou a existência de filhos comuns. O art. 2º estabelecia que o
companheiro sobrevivente possuía usufruto da quarta parte dos bens no caso
de haver descendentes (inciso n.º I); no caso de não haver descendentes, mas
sim ascendentes, o companheiro sobrevivente teria direito ao usufruto de
metade dos bens do companheiro falecido (inciso n.º II); e, na falta de
ascendentes ou descendentes, o companheiro teria direito a totalidade da
herança (inciso n.º III). O art. 3º regulava que na situação do companheiro

pela mulher. § 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. § 7º Fundado nos princípios
da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre
decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o
exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou
privadas. § 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a
integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
Constituição da República Federativa do Brasil.
256
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de direito civil: direito de família – 2. Ed, São Paulo: Editora
Saraiva Educação, 2019. ISBN 9788553609673 (ebook).
257
Ressalta-se que não é recomendado o uso da expressão concubinato puro. Atualmente, o
termo tido como correto é união estável, que encontra-se em conformidade com o Código Civil
Brasileiro de 2002.
258
Todavia, vale ressaltar, que anteriormente a previsão do texto na Constituição e da Lei n.º
8.971/94, que surgiu para dar efetividade ao dispositivo constitucional, a primeira norma a tratar
do assunto foi o Decreto-lei n.º 7.036, de 10 de novembro de 1944, que reconheceu a
companheira como beneficiária da indenização no caso de acidente de trabalho de que foi vítima
o companheiro. E, nesse seguimento, destaca-se a Lei n.º 6015/1973, Lei de Registros Públicos,
que no art. 57, §2º, passou a admitir a possibilidade da companheira usar o sobrenome do
companheiro; Outrossim a Lei n.º 5.478/1968, Lei de Alimentos, que garantia direito a alimentos
aos companheiros.
117

sobrevivo ter colaborado com os bens deixados pelo decujus, aquele teria direito
à metade dos bens.259

Após a edição da Lei n.º 8.971/94, foi a vez da Lei n.º 9.278 de 10 de
maio de 1996, Lei da União Estável, baseada em um projeto idealizado pelo
Professor Álvaro Villaça Azevedo, que regulamentou a união estável para que
não existissem abusos entre os companheiros, que em sua opinião, deveriam
ser livres na convivência, porém com responsabilidades. E, quanto a revogação
da primeira lei após a promulgação da segunda lei, o entendimento do professor,
que foi balizado por doutrina e jurisprudência, era de que a segunda não havia
revogado a anterior, apenas derrogado, ocorrendo uma aplicação conjunta
dessas duas normas naquilo que não fosse incompatível.

Na segunda lei sobre a união estável, o art. 1º regulamentou que é


reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua,
de um homem e uma mulher, definida com o objetivo de constituir família. Desse
modo, cabe realçar, o fato de o novo dispositivo ter derrogado o anterior, quanto
ao prazo mínimo de convivência de 5 anos exigidos entre os membros da relação
fática.

O art. 2º estabeleceu o que seriam os direitos e deveres iguais dos


conviventes260: a) respeito e consideração mútuos (n.º 1); b) assistência moral e
material recíproca (n.º 2); c) guarda, sustento e educação dos filhos comuns (n.º
3).

Quanto à participação patrimonial, regula o art. 5º da Lei n.º 9.278/96,


que os bens móveis e imóveis que tenham sido adquiridos por um ou ambos os
conviventes, na constância da relação e a título oneroso, consideram-se fruto do
trabalho e da colaboração comum, os quais pertencem a ambos em condomínio
e em partes iguais, com exceção de estipulação em contrário.

259
Quanto a exigência do prazo mínimo de 5 anos, destaca-se súmula do Supremo Tribunal
Federal, de 3/4/1964, n.º 382, que dispensava o requisito da convivência more uxorio sob o
mesmo teto. Nesse sentido, era o entendimento doutrinário de que a exigência quanto ao prazo
não possuía incidência prática por conta da súmula aprovada. Disponível em: stf.jus.br.
260
A primeira lei trouxe a denominação “companheiro” e a segunda lei estabeleceu a palavra
“convivente”. Hoje entendemos como sinónimos e, todas elas, foram utilizadas no decorrer do
trabalho como definição para aquela pessoa que se encontra numa relação fática.
118

No caso de dissolução da união estável, o art. 7º estabelece o direito a


alimentos entre os conviventes, determinando a análise do binômio -
necessidade do alimentado e possibilidade do alimentante. 261 Já o parágrafo
único deste artigo reconheceu, como direito sucessório dos companheiros, o
direito real de habitação durante o tempo em que viver ou não constituir uma
nova união estável ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à
residência da família262.

De acordo com o art. 8º, os companheiros podem a qualquer tempo


solicitar a conversão da união estável em casamento, através de requerimento
ao Oficial do Registro Civil da Circunscrição do domicílio; e, no art. 9º, a lei
estabelece que as ações sobre a união estável devem ser de competência do
juízo da Vara de Família, resguardado o segredo de justiça.

Ao avançar com o processo jurídico da união estável no Brasil,


atualmente encontra-se consolidado no Código Civil Brasileiro de 2002, dos
artigos 1.723 a 1.727, os dispositivos que regulamentam a relação fática na
legislação civil. Salienta-se, que nesses artigos, o CCB limitou-se a reproduzir a
legislação que já existia.

Consoante o art. 1.723, baseado no art. 1º da Lei 8.971/1996, a união


estável é a relação fática entre um homem e uma mulher, que convivam de forma
pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituição de família. Desse
modo, o que nos chama atenção, inicialmente, é o fato de conter expressamente
no dispositivo que a união estável é a relação “entre o homem e a mulher” 263.

Nesse caso, diante da inércia do legislativo, cabe aqui o nosso repúdio


pela ausência de atuação, por não adaptar as normas da legislação civil à
realidade da sociedade e alterar o dispositivo para englobar os casais do mesmo

261
De acordo com este artigo, encontra-se a forma de dissolução da relação fática através de
“rescisão” e, este termo, significava desfazimento culposo da relação. Desse modo, a segunda
lei sobre a união estável, aplicava a ideia de culpa como fundamento para o dever de prestar
alimentos entre os membros da relação fática, assim como a Lei do Divórcio, lei n.º 6.515/1977,
exigia a culpa para determinar os alimentos nos casos de dissolução do casamento.
262
Esse direito será analisado em tópico próprio ao tratar dos direitos sucessórios dos
companheiros.
263
No Brasil, a corrente que defendia que a união de pessoas do mesmo sexo constitui uma
entidade familiar, foi encabeçada pela Desembargadora aposentada do TJ/RS, atualmente
advogada, Maria Berenice Dias, que sempre inovou e defendeu a aplicação, por analogia, das
mesmas regras previstas para a união estável.
119

sexo também. Aduz os Professores Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona, que “no
sistema aberto, inclusivo e não discriminatório inaugurado a partir da
Constituição de 1988, espaço não há para uma interpretação fechada e
restritiva”264.

Por consequência, cabe aqui destacar que pelo fato de o dispositivo legal
não ter sofrido alteração relativamente a união estável ser uma convivência entre
pessoas, sejam elas de sexo diferente ou não, desencadeou diversas ações
judiciais decididas pelas Cortes Superiores, tendo em vista a discriminação do
artigo em não proteger a união estável homoafetiva265. Nesse sentido, destaca-
se a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 132, do Rio de
Janeiro, proposta pelo então governador do Estado à época e, a Ação Direta de
Inconstitucionalidade n.º 4277, do Distrito Federal, proposta pela Procuradoria
Geral da República, no histórico julgamento conjunto ocorrido em 5 de maio de
2011, que tiveram como Relator o Ministro Ayres Britto e, como objeto, o
requerimento da aplicação analógica do art. 1.723 do CC brasileiro às uniões
homoafetivas, baseado na nominada “interpretação conforme a Constituição”,
observando a inconstitucionalidade do artigo e o reconhecimento jurídico da
união homoafetiva, alegando a violação aos seguintes preceitos fundamentais
constitucionais: direito a igualdade (art. 5º, caput); direito a liberdade (art. 5º, II);
o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III); e o princípio da
segurança jurídica (art. 5º, caput).266

264
GAGLIANO, Pablo Stolze e FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil, vol. 6, 9ª
ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2019. ISBN 9788553606474 (ebook).
265
A decisão que deu início a afirmação dos direitos homoafetivos foi determinada pelo Superior
Tribunal de Justiça, no ano de 2008, sustentando que a união homoafetiva deveria ser
reconhecida como entidade familiar. Cumpre colacionar a referida decisão: “… onde se pretende
a declaração de união homoafetiva, não existe vedação legal para o prosseguimento do feito…É
possível, portanto, que o magistrado de primeiro grau entenda existir lacuna legislativa, uma vez
que a matéria conquanto derive de situação fática conhecida de todos, ainda não foi
expressamente regulada. Ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o argumento
de ausência de previsão legal. Admite-se, se for o caso, a integração mediante o uso de analogia,
a fim de alcançar casos não expressamente contemplados… (STJ, REsp 820475/RJ,
02.09.2008). Disponível em: stj.jusbrasil.com.br.
266
Ementa: 1. Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). Perda parcial de
objeto. Recebimento, na parte remanescente, como ação direta de inconstitucionalidade. União
homoafetiva e seu reconhecimento como instituto jurídico. Convergência de objetos entre ações
de natureza abstrata. Julgamento conjunto. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ
pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme à constituição” ao art.
1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação ... 2. Proibição de discriminação das
pessoas em razão do sexo, seja no plano da dicotomia homem/mulher (gênero), seja no plano
da orientação sexual de cada qual deles. A proibição do preconceito como capítulo do
120

Nesse sentido, o julgamento em conjunto dessas duas ações


representou uma quebra de paradigmas e um avanço no Direito das Famílias
brasileiras267 e, felizmente, considerou que a união homoafetiva é entidade
familiar, e que dela decorrem todos os direitos e deveres provenientes de uma
união estável entre um homem e uma mulher. A conduta sensível do relator
ressaltou que a decisão foi pautada com uma postura contra a discriminação e
o preconceito, equiparando as uniões homoafetivas às uniões estáveis268.

Ainda sobre os requisitos encontrados no art. 1.723 do CCB, a lei não


exige um prazo mínimo para a configuração da união estável, não havendo
também qualquer requisito formal obrigatório, como a necessidade de uma
escritura pública ou decisão judicial de reconhecimento para a sua constituição.
Todavia, nesse contexto, para a configuração da união se faz necessário
encontrar uma união pública e com notoriedade; contínua e sem interrupções
(ainda que não seja exigido um lapso temporal mínimo para a caracterização da
união, não pode ser uma relação efêmera); duradoura e com o intuito dos
conviventes estabelecerem uma verdadeira família.

Por conseguinte, observa-se as palavras dos Professores Pablo Stolze


e Rodolfo Pamplona ao apresentarem os elementos caracterizadores essenciais
e os elementos caracterizadores acidentais da união estável que auxiliam na sua
caracterização. Os essenciais são a publicidade, a continuidade, a estabilidade

constitucionalismo fraternal. Homenagem ao pluralismo como valor sócio-político-cultural.


Liberdade para dispor da própria sexualidade, inserida na categoria dos direitos fundamentais
do indivíduo, expressão que é da autonomia de vontade. Direito à intimidade e à vida privada.
Cláusula pétrea … 3. Tratamento constitucional da instituição da família. Reconhecimento de
que a Constituição Federal não empresta ao substantivo “família” nenhum significado ortodoxo
ou da própria técnica jurídica. A família como categoria sócio-cultural e princípio espiritual. Direito
subjetivo de constituir família. Interpretação não-reducionista … 4. União estável. Normação
constitucional referida a homem e mulher, mas apenas para especial proteção desta última.
Focado propósito constitucional de estabelecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia
entre as duas tipologias do gênero humano. Identidade constitucional dos conceitos de “entidade
familiar” e “família” … 6. Interpretação do art. 1.723 do código civil em conformidade com a
constituição federal (técnica da “interpretação conforme”). Reconhecimento da união
homoafetiva como família. Procedência das ações. Disponível em: redir.stf.jus.br.
267
“A família, a partir do julgamento da ADPF 132/RJ e da ADI 4.227/DF, é uma entidade
afetiva que tutela a felicidade e a dignidade de seus integrantes”.
CASALI, Andrea Rodrigues Rodrigues. A interpretação judicial criativa, o ativismo e as
mutações informais da Constituição no direito familiar brasileiro in: Mutações constitucionais.
Coord: Gilmar Ferreira Mendes e Carlos Blanco de Morais, São Paulo: Editora Saraiva, 2016.
ISBN 978-85-472-00639-0 (ebook).
268
Corroborando desse entendimento, destaca-se o enunciado n.º 524 das Jornadas de Direito
Civil, do Conselho da Justiça Federal: “As demandas envolvendo união estável entre pessoas
do mesmo sexo constituem matéria de Direito de Família”. Disponível em: cjf.jus.br
121

da relação e objetivo de constituir família (elementos subjetivos), já os acidentais


são o tempo de convivência, a existência de prole e a coabitação269.

Insta salientar exemplos de relações afetivas que a jurisprudência não


compreendeu como uma união estável.

Não caracteriza uma união estável, uma relação entre duas pessoas que
namoravam há cerca de oito anos e que não chegaram a constituir família. Nesse
caso, mesmo que houvesse um relacionamento amoroso público, contínuo e
duradouro, faltou um requisito essencial que era o objetivo de constituir família
(Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Processo: 70008361990, de
13.08.2004). O que podemos vislumbrar desse julgado, é que o objetivo de
constituir família é essencial para que haja a configuração da união estável, o
mero namoro longo, em que não haja intuito de constituir família, não configura
união estável.

Nesse sentido, cabe destacar decisões270 que utilizaram a expressão


namoro qualificado, termo cunhado e utilizado pelo saudoso Professor Zeno
Veloso, que em sua obra afirma que “os namorados, por mais profundo que seja
o envolvimento deles, não desejam e não querem – ou ainda não querem –
constituir uma família, estabelecer uma entidade familiar, conviver numa
comunhão de vida, no nível de que os antigos chamavam de affectio maritalis”271.

A respeito do que foi demonstrado, cumpre destacar que o entendimento


tanto da doutrina quanto da jurisprudência, é de que para a configuração da
união estável é necessário a cumulação dos requisitos de convivência, sendo:
pública (não oculta da sociedade), de continuidade (com ausência de
interrupções), de durabilidade e, essencialmente, com o objetivo de constituir
família, tanto na perspectiva subjetiva, com tratamento familiar entre os próprios
membros da relação, como também na perspectiva objetiva, na qual deve haver
um reconhecimento da sociedade quanto a existência do ente familiar 272.

269
GAGLIANO, Pablo Stolze e FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil, vol. 6, 9ª
ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2019. ISBN 9788553606474 (ebook).
270
STJ, REsp 1.454.643/RJ; STJ, REsp 1.263.015/RN. Disponíveis em: stj.jusbrasil.com.br.
271
VELOSO, Zeno. É namoro ou união estável?, 2016. Disponível em: www.ibdfam.org.br.
272
TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito de família – v. 5, 14ª ed., Rio de Janeiro: Editora
Forense, 2019, Pág. 358.
122

No §1º, do art. 1.723 do Código Civil brasileiro, encontram-se os


impedimentos para a configuração da união estável constantes no art. 1.521,
salvo o caso do inciso VI que é a situação da pessoa casada se achar separada
de fato ou judicialmente273 274
. E o §2º, estabelece que não são impedimentos
para a constituição da união estável, as causas suspensivas previstas no art.
1523, que, em razão deste, determina ao casal a adoção necessária do regime
de separação obrigatória dos bens.

A legislação civil atribuiu à união estável, assim como o casamento aos


cônjuges, efeitos pessoais para os companheiros. O art. 1.724 do CC brasileiro,
consagra os seguintes deveres decorrentes da relação fática: dever de lealdade,
respeito e assistência, e o de guarda, sustento e educação dos filhos. Observa-
se que esses três últimos também são consagrados aos cônjuges e, a distinção,
é a previsão dos deveres de fidelidade recíproca, vida no domicílio conjugal e
mútua assistência (art.1.566).

Ainda sobre os efeitos pessoais, a lei civil nada declarou sobre a


possibilidade de inclusão do sobrenome (apelido) entre os companheiros.
Embora a Lei dos Registros Públicos, no art. 57, §2º, autorize a mulher a registrar
o sobrenome do companheiro. Cumpre salientar decisão do Superior Tribunal de
Justiça, que afirmou que não se admite o pedido de adoção do nome na união
estável com fundamento na citada lei. Todavia, consagrou a viabilidade da
aplicação analógica das disposições relativas ao casamento, havendo a

273
O art. 1521 estabelece aquelas pessoas que não podem se casar e, de acordo com o §1º do
art. 1723, também estão impedidas de constituírem uma união estável: 1- os ascendentes com
os descendentes, seja no parentesco natural ou civil; 2- os afins em linha reta; 3- o adotante com
quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; 4- os irmãos , unilaterais
ou bilaterais, e demais colaterais até o terceiro grau; 5- o adotado com o filho do adotante; 6- as
pessoas casadas (exceto os separados de fato, judicial ou extrajudicialmente); 7- o cônjuge
sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.
Código Civil Brasileiro.
274
Destaca-se o posicionamento de Maria Berenice Dias a respeito do assunto, ao estabelecer
que: “Em que pese a proibição legal, se ainda assim a relação se constitui, não é possível dizer
que ela não existe...Negar-lhe a existência em face do impedimento é atitude meramente
punitiva. Rejeitar qualquer efeito a esses vínculos e condená-los à invisibilidade gera
irresponsabilidades e enriquecimento ilícito em desfavor do outro…Com ou sem impedimentos
à sua constituição, entidades familiares que se constituem desfocadas do modelo oficial
merecem proteção como núcleo integrante da sociedade”.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 12ª edição revista, atualizada e ampliada,
Editora Revista dos Tribunais. 2017, Págs. 263 e 264.
123

possibilidade de qualquer dos companheiros adotar o nome um do outro, desde


que haja prova documental da relação.275

Outro efeito pessoal que a lei civil não regulamentou na união estável,
foi referente ao estado civil dos companheiros. Porém, embora não haja um
elemento objetivo definindo seu início, não é por isso que não há como produzir
as consequências jurídicas desde a sua constituição276.

Seguindo com a lei civil, o art. 1.725 do CC/2002, trata dos efeitos
patrimoniais dos companheiros, ao regulamentar que em uma união estável,
salvo estipulação contrária em contrato (de convivência no Brasil, e de
coabitação em Portugal) pelos companheiros, será atribuído o regime de
comunhão de bens parcial nas relações fáticas 277.

Nesse regime de bens, a situação é tratada com a separação quanto ao


passado e comunhão quanto ao futuro, preservando a titularidade exclusiva dos
bens particulares e garantida a comunhão do que for adquirido durante a união
estável. Devido a presunção de mútua assistência, é dispensável a prova do
esforço individual para a divisão igualitária do patrimônio adquirido, instituindo a
“mancomunhão”, que é a propriedade em mão comum.

Ressalta-se, que com a possibilidade de realização do contrato de


convivência, poderão os companheiros afastar o regime de comunhão parcial e
estabelecer o regime de separação de bens ou até o de comunhão universal. De
acordo com o Superior Tribunal de Justiça, o pacto de convivência entre os
companheiros que adotar o regime de comunhão universal para as relações
patrimoniais, para ser válido, deverá ser escrito (STJ, REsp 1.459.597SC)278.

275
STJ, REsp 1.306.196/MG, de 22/10/2013. Disponível em: stj.jusbrasil.com.br.
276
O Código de Processo Civil brasileiro, regulamenta no art. 319, II, que na petição inicial deverá
ser indicado se a parte vive em união estável.
Código de Processo Civil Brasileiro.
277
O Regime de comunhão de bens parcial encontra-se regulamentado nos artigos 1.658 a 1.666
do Código Civil. Nesse seguimento, cabe destacar ainda dois enunciados das Jornadas de
Direito civil, do Conselho da Justiça Federal, sobre o assunto: n.º 115 – “Há presunção de
comunhão de aquestos na constância da união extramatrimonial mantida entre os companheiros,
sendo desnecessária a prova do esforço comum para se verificar a comunhão de bens”; n.º 346
– “Na união estável o regime patrimonial obedecerá à norma vigente no momento da aquisição
de cada bem, salvo contrato escrito”. Disponíveis em: cfj.jus.br.
278
STJ – REsp 1.459.597/SC. Disponível em: stj.jusbrasil.com.br
124

Vale destacar ainda, as exceções previstas na legislação civil dos casos


de incomunicabilidade que são resguardados aos membros da união estável,
quais sejam: os bens recebidos por herança, por doação ou mediante sub-
rogação legal (arts. 1.659 e 1.661, CCB).

Quanto a conversão da união estável em casamento, a legislação civil


regula no art. 1.726, que a conversão poderá ocorrer mediante solicitação dos
conviventes ao juiz e assento no Registro Civil279. Ocorre que, a CFB, no seu art.
26, §3º, regulamenta que a lei deve facilitar a conversão da união estável em
casamento. Porém, ao exigir a interferência judicial para que haja a conversão,
o legislador não facilitou, ao contrário, burocratizou. Além do mais, por não
apresentar qualquer regra sobre a forma de operacionalizar a conversão da
união estável em casamento, com o intuito de desburocratizar, resoluções dos
tribunais estaduais estabelecem o procedimento, possibilitando através da via
administrativa.280

Ressalta-se que, quando o legislador constitucional incluiu a facilitação


da conversão da união estável em casamento, não intencionou oferecer
privilégios ao casamento, pois facilitar, nada mais é, do que conceder ao
companheiro para que no exercício de sua liberdade individual, possa migrar de
um modelo de conjugalidade de fato para um modelo formal. Aqui é mais uma
questão de que o casamento, por possuir uma prova pré-constituída, facilita o
exercício dos direitos.

Finalizando os dispositivos do título da união estável, o art. 1.727


regulamenta que constituem concubinato, as relações que sejam não eventuais
entre o homem e mulher. Certamente, a intenção do legislador ao estabelecer
esse artigo foi diferenciar a união estável das relações paralelas ou das famílias
simultâneas. Ocorre que, a referência à expressão foi utilizada de forma infeliz,
tendo em vista o termo concubinato sustentar o estigma do preconceito que fora
utilizado outrora.

279
Sobre o assunto, Enunciado n.º 526 das Jornadas de Direito Civil do Conselho da Justiça
Federal: “É possível a conversão de união estável entre pessoas do mesmo sexo em casamento,
observados os requisitos exigidos para a respectiva habilitação”. Disponível em: cfj.jus.br.
280
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 12ª edição revista, atualizada e
ampliada, Editora Revista dos Tribunais. 2017, Pág. 277.
125

Enfim, cabe mencionar os outros dispositivos que encontram-se fora do


título “da união estável” e que são resguardados aos companheiros, como: é
reconhecido o vínculo de afinidade entre os companheiros (art. 1.595); é mantido
o poder familiar a ambos os pais (art. 1.631); a dissolução da união não interfere
na relação entre pais e filhos (art. 1.632); assegura-se aos companheiros o
direito a alimentos (art. 1.694); confere o direito de instituir bem de família
(art.1.711); admite-se a possibilidade de curadoria entre os membros (art. 1.775);
e, para finalizar, para a adoção conjunta dos companheiros, verifica-se o
requisito da prova da estabilidade da família (Estatuto da Criança e do
Adolescente, art. 42, §2º e 197-A, III).

Para terminar este tópico, ressalta-se que o novo Código de Processo


Civil buscou equiparar a união estável com o casamento para os fins
processuais. E, é com essa compreensão de equiparação no tratamento do
cônjuge e do companheiro, que passaremos a analisar o tópico seguinte.

3.2. Tratamento Similar do Companheiro e do Cônjuge no


Casamento.

No tópico anterior realizamos o estudo do processo da união estável e,


por meio do presente tópico, iremos esclarecer o tratamento do cônjuge e do
companheiro assentado no ordenamento jurídico brasileiro, e a consequência
jurídica nos direitos sucessórios.

Ao determinar na CF, em seu art. 226, que “a família é a base da


sociedade e possui especial proteção do Estado”, o legislador concedeu ao
designado estatuto forma plural, uma vez que determinou mais de uma forma de
constituir família, como o casamento, a união estável, e as concebidas por
qualquer dos pais e seus filhos.

Com a pluralização das entidades familiares definidas pela Carta Magna,


surgiu o questionamento a respeito da hierarquização entre elas. Ao reconhecer
outras formas de constituição da família, “na estrutura social, o pluralismo das
126

relações familiares sobrepôs-se à rigidez conceitual da família matrimonial”281 e,


com isso, o casamento perdeu, indiscutivelmente, o seu papel de único
legitimador do núcleo familiar, não havendo como conceber que haja supremacia
do mesmo em relação às demais entidades familiares, principalmente em
desfavor da união estável.

Já demonstramos no tópico anterior que a partir da Constituição Federal


de 1988, a união estável passou a ser reconhecida constitucionalmente como
entidade familiar. Sendo assim, foi a partir desse momento que surgiu o
tratamento similar entre o companheiro na união estável e o cônjuge no
casamento, tendo em vista o intuito de retirar da união estável aquele estigma
de relação afetiva de segunda categoria, muitas vezes utilizada, no passado,
como única alternativa pelos casais que estavam separados de fato e que não
poderiam se casar, pois não se admitia o divórcio como forma de dissolução
definitiva do vínculo matrimonial.

Vale ressaltar que hoje a realidade é bem distinta, tendo em vista que
com a possibilidade do divórcio, a união estável que era constituída por falta de
opção, passou a ser reconhecida como verdadeira escolha de constituição
familiar, aplicada por aqueles casais que desejam constituir uma família sem a
necessidade da formalidade do matrimônio.

Sabemos que o anterior Código Civil, de 1916, estabelecia para que uma
relação fosse percebida como familiar, a necessidade de que a constituição da
relação decorresse do casamento. Anteriormente, o matrimônio era a única
forma de constituição familiar respeitada e aceita pela sociedade e pela lei 282.

Todavia, em virtude das inúmeras mudanças, e com os novos modelos


familiares regulamentados pela Constituição Federal de 1988, os vínculos
afetivos passaram a nortear as relações e foi nesse sentido, que o legislador

281
BARROSO, Luís Roberto. Voto da decisão RE n.º 878.694/MG. Disponível em: redir.stf.jus.br.
282
“No Código Civil de 1916, a família somente se constituía pelo casamento. Esta devia se
manter coesa, como uma unidade que se legitimava por si mesma. Neste cenário, a proteção
atribuída à família tinha por finalidade afastar toda e qualquer ameaça à estrutura familiar,
justificando a indissolubilidade do vínculo matrimonial, a chefia da sociedade conjugal exercida
pelo marido, enquanto a mulher casada era incluída no rol dos relativamente incapazes, e a
discriminação dos filhos não matrimoniais”.
NEVARES, Ana Luiza Maia. A tutela sucessória do cônjuge e do companheiro na legalidade
constitucional, Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2004, Pág. 187.
127

constitucional incluiu a união estável como entidade familiar, fundamentada na


dignidade da pessoa humana, superando a antiga concepção de individualismo,
para eleger a pessoa na sua dimensão humana, e posicionando-a no centro da
tutela do ordenamento jurídico283.

Quando afirmamos que a partir da CF/88 o legislador regulou a união


estável e aceitou a relação fática como forma de constituição de família,
percebemos que a partir desse momento as semelhanças entre as relações de
direito e de fato foram conquistadas. Entretanto, e quanto aos direitos
sucessórios prescritos ao cônjuge e o companheiro, o legislador respeitou o
dispositivo constitucional?

Lamentavelmente, o Código Civil de 2002 não retratou as mudanças


oferecidas pelo legislador constituinte, na CF de 1988, relativamente aos direitos
sucessórios. Conforme Gustavo Tepedino, quanto ao Direito de Família no novo
Código Civil, a situação é crítica, sendo o mal maior a reprodução de uma
dogmática matrimonialista, institucionalizada, que focaliza a família através da
lente do casamento e dos seus diversos regimes patrimoniais284.

O Código Civil de 2002 não foi regulamentado ponderando a perspectiva


plural das entidades familiares que foi concebida pela Constituição Federal de
88285. Ocorre que, a Carta Magna previu em seu art. 226 outros modelos de
família além do casamento, ao reconhecer a união estável como entidade
familiar. Todavia, a nova legislação civil restou insuficiente, com dispositivos
distorcidos da realidade social, pois deu preferência aos cônjuges no casamento,

283
Nas palavras de Paulo Lobo, “a família, tutelada pela Constituição, está funcionalizada ao
desenvolvimento da dignidade das pessoas humanas que a integram. A entidade familiar não é
tutelada para si, senão como instrumento de realização existencial de seus membros”.
LOBO, Paulo. Direito Civil – Famílias 10ª ed. São Paulo; Saraiva, 2020. ISBN: 9788553616893
(ebook).
284
TEPEDINO, Gustavo. O Novo Código Civil: duro golpe na recente experiência constitucional
brasileira. in: ____. Temas de direito civil, Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2006.
285
Ressalta-se que nesse sentido é o nosso posicionamento nos capítulos anteriores quando
desenvolvemos os institutos da união de facto e do casamento em Portugal. Nos filiamos ao
entendimento doutrinário de que a Constituição da República Portuguesa regulamentou no art.
36, a aceitação de outras formas de constituição da família além do casamento. E, do mesmo
modo, o Código Civil Português não observou as disposições constitucionais de aceitação da
relação fática, não determinando de forma expressa a união de facto como fontes das relações
jurídicas familiares no art. 1576º do CCP.
128

sem conceder o mesmo aos conviventes na união estável. Nesse seguimento,


destaca-se a decisão do acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo.286

Embora tenha havido, inicialmente, resistência da jurisprudência em


conceder a equiparação entre os institutos, a concepção de que haveria uma
hierarquia axiológica entre as entidades familiares, é incompatível com a
Constituição287.

Sintetizando, diante desse cenário de que tanto o casamento quanto a


união estável são entidades familiares reconhecidas constitucionalmente, não há
como corroborar com o tratamento diferenciado em favor daqueles que não
optaram pelo casamento, sobretudo relativamente aos direitos sucessórios
regulamentados no art.1790, do Código Civil de 2002 e das Leis n.ºs 8.971/1994
e 9.278/1996.

A seguir, iremos analisar os companheiros e sua relação com os direitos


sucessórios brasileiros.

Ressalta-se que, quando mencionamos o direito sucessório no capítulo


que apresentamos o estudo do direito português, fizemos menção ao direito
sucessório português e brasileiro, e suas características. Sendo assim, neste
tópico, iremos nos ater a tratar de forma específica a equiparação da sucessão
do companheiro e do cônjuge.

O reconhecimento da possibilidade de sucessão pelos conviventes não


foi uma inovação do Código Civil de 2002. Ocorre que, antes mesmo da previsão
pelo texto constitucional de 1988, a jurisprudência, em atitude praeter legem, foi

286
Vale ressaltar um exemplo de um posicionamento a respeito da supremacia do casamento na
constituição da família. Nesse sentido, foi o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São
Paulo, “há erro de perspectiva na afirmação de que a Constituição da República equiparou o
concubinato à família. Não houve equiparação, já que não foi abolido o casamento como base
legal da constituição da família (…) O texto constitucional não usou a expressão equiparar em
seu art. 226. A família continua sendo a base da sociedade e, o casamento, a base da
constituição da família. Apenas reconheceu para efeito da proteção do Estado a união estável
entre o homem e a mulher como entidade familiar, programando a facilitação do casamento.
Manteve, portanto, a distinção entre casamento e acasalamento”.
NEVARES, Ana Luiza Maia. A tutela sucessória do cônjuge e do companheiro na legalidade
constitucional, Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2004, Pág. 196.
287
Destaca-se que a jurisprudência, antes mesmo da CF/88, era constantemente acionada para
solucionar questões relativas aos direitos dos conviventes, à época denominados concubinos.
Um exemplo é a Súmula 35 do Supremo Tribunal Federal, em 13/12/1963, que regulava: “Em
caso de acidente do trabalho ou de transporte, a concubina tem direito se der indenizada pela
morte do amásio, se entre eles não havia impedimento para o matrimônio”. Disponível:
lexml.gov.br.
129

garantindo, com muita parcimônia, direitos aos conviventes, inclusive, com base
na Lei n.º 6.858/80, a condição de dependente, pelo menos para créditos de
natureza previdenciária288, faz-se necessário mencionar ainda, que
anteriormente a esta lei, já havia a previsão do Decreto-Lei 7.036/1944 que
concedeu a companheira benefício no caso de acidente de trabalho de que foi
vítima o seu companheiro.

Contudo, foi através da Constituição Federal de 1988, quando se


reconheceu a união estável como entidade familiar, que a relação entre os
companheiros passou a ter um novo significado, que influenciou a legislação
infraconstitucional posterior, inclusive no campo sucessório.

Por conseguinte, os direitos sucessórios dos companheiros foram


regulamentados pela primeira vez na Lei n.º 8.971, de 29 de dezembro de 1994,
que praticamente reproduziu o regime sucessório definido para os cônjuges no
Código Civil de 1916, na qual garantiu aos conviventes: o direito ao usufruto de
parte dos bens do decujus; a inclusão do companheiro na terceira ordem da
vocação hereditária; e a meação dos bens comuns para os quais tenha
contribuído para a aquisição.289

Em seguida, foi a vez da Lei n.º 9.278, de 10 de maio de 1996, a regular


o §3º do art. 226 da CF, que outorgou ao companheiro sobrevivente enquanto
viver ou não constituir nova união, o direito real de habitação concernente ao
imóvel destinado à residência da família, disposto no art. 7º, parágrafo único.

Ressalta-se que em relação aos direitos sucessórios, compreende-se


que a Lei n.º 8.971/94 não foi revogada pela Lei n.º 9.278/96, subsistindo no
ordenamento jurídico brasileiro tanto o dispositivo a respeito do usufruto legal e
o direito do convivente a totalidade da herança no caso de não haver

288
GAGLIANO, Pablo Stolze e FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil, volume 7:
direito das sucessões, 6ª ed., São Paulo: Editora Saraiva Educação, 2019 (ebook).
289
No art. 2º da Lei, foi atribuído ao companheiro sobrevivente que não constituísse uma nova
união, o direito ao usufruto de quarta parte dos bens do falecido, no caso de haver filhos deste
ou em comum (inciso I). No caso de não haver filhos e embora sobrevivam ascendentes do
falecido, o usufruto legal recairia sobre a metade dos bens, desde que o convivente sobrevivo
não constituísse uma nova união (inciso II). E, na possibilidade de não haver descendentes e
nem ascendentes ao companheiro caberia a totalidade da herança. O art.3º regulamentou que
quando os bens deixados pelo falecido resultar de esforço comum, caberia ao convivente,
metade dos bens.
Lei n.º 8.971/1994.
130

descendentes e nem ascendentes, previsto na primeira lei, como o direito real


de habitação relativamente ao bem imóvel designado como a residência da
família, na lei de 1996290.

O legislador ao regular a Lei n.º 9.278/1996, reforçou a proteção às


uniões estáveis ao conferir o direito real de habitação aos companheiros, pois o
fez sem exigir o regime de comunhão universal de bens, nem que o imóvel
residencial fosse o único de tal natureza. Todavia, este dispositivo recebeu duras
críticas da doutrina, no sentido de ter estabelecido aos conviventes mais
benefícios em relação àqueles concedidos aos cônjuges.

Acontece que, o direito real de habitação era concedido somente aos


cônjuges casados sob o regime da comunhão universal e apenas enquanto
permanecessem viúvos, e, ainda assim, somente recairia sobre o bem
residencial da família que fosse o único daquela natureza. Desse modo, até a
entrada do CC/2002, a legislação previa um regime jurídico sucessório até mais
favorável ao companheiro do que ao cônjuge.

Desse modo, com tantas inconstâncias legais, seria necessário que a


nova codificação civil tratasse a relação entre os companheiros como previsto
na CF/88, igualando o tratamento entre os cônjuges e os conviventes, e evitando
qualquer dispositivo discriminatório.

Todavia, infelizmente, como foi mencionado acima, o Código Civil de


2002 não correspondeu às expectativas constitucionais291 e, referente aos

290
Nesse sentido, cabe ressaltar julgado sobre o assunto: “Com a entrada em vigor da Lei
9.278/1996 não foi revogado o art. 2º da Lei 8.971/1994 que garante à companheira sobrevivente
direito à totalidade da herança quando inexistirem ascendentes e descendentes. Quanto aos
direitos do companheiro sobrevivente, não há inconstitucionalidade entre a Lei 9.278/1996 e a
Lei 8.971/1994, sendo possível a convivência dos dois diplomas. (STJ, REsp 747.619/SP, Rel.
Ministra Nancy Andrighi, 07.06.05. Disponível em: stj.jusbrasil.com.br.
291
O entendimento dos doutrinadores era de que as leis anteriores possuíam a clara intenção de
equiparar a situação dos cônjuges e dos companheiros. Todavia, lecionou Sílvio Rodrigues: “Em
suma, o Código Civil regulou o direito sucessório dos companheiros com enorme redução, com
dureza imensa, de forma tão encolhida, tímida e estrita, que se apresenta em completo divórcio
com as aspirações sociais, as expectativas da comunidade jurídica e com o desenvolvimento de
nosso direito sobre a questão. Não tenho dúvida em dizer que o art. 1.790 terá vida muito breve,
isto se não for alterado durante a vacacio legis do Código”.
RODRIGUES, Silvio. Direito civil, vol. 7, de acordo com o novo Código Civil, 2002. Págs. 119 e
120.
131

direitos sucessórios dos companheiros, foi acrescido ao Título I do Livro V, um


único dispositivo sobre o assunto, incluído na parte geral das sucessões. 292

Observa-se que o direito das sucessões encontra-se dividido na


legislação civil da seguinte forma: O regulamento do direito das sucessões situa-
se no Livro V; o Título I, trata das disposições a respeito da sucessão em geral;
o Título II, estabelece a sucessão legítima; o Título III, corresponde à sucessão
testamentária e por fim, o Título IV, regula o inventário e a partilha. Ressalta-se
que pela especificidade deste trabalho quanto ao tema, limitaremos a analisar
dispositivos que digam respeito à sucessão do companheiro e do cônjuge.

Nesse caso, chama atenção o fato de o legislador ter designado o


dispositivo sobre o direito sucessório dos companheiros de forma mal
organizada. Para justificar essa situação, alega-se que o tratamento relativo à
união estável fora incluído na legislação civil nos últimos momentos de sua
elaboração. Todavia, o mais indicado, é que a distribuição do artigo resultou da
discriminação do legislador em não respeitar a posição sucessória do
companheiro.

Desse modo, o art. 1.790 do Código Civil que regula o direito dos
conviventes deveria estar no Título II que corresponde à sucessão legítima,
assim como é o caso dos cônjuges (art. 1.829, CC). Ocorre que, a má
organização do legislador a respeito do art. 1.790 não é o único fato que merece
ser destacado relativamente à discriminação, pois o principal é analisar o texto
aprovado.

Nesse sentido, dispõe o art. 1.790 do Código Civil brasileiro, que os


companheiros participarão da sucessão um do outro, relativamente aos bens
adquiridos de forma onerosa durante a vigência da união estável, nos seguintes
termos: se o companheiro sobrevivo concorrer com filho comum, terá direito a
uma quota equivalente que for destinada ao filho (inciso I); se for o caso do
convivente concorrer com filhos somente do companheiro falecido, caberá
àquele, a metade do que couber aos descendentes (inciso II), na situação do

292
“O Código Civil de 2002 não foi capaz de acompanhar essa evolução no tratamento do regime
sucessório aplicável aos companheiros e aos cônjuges”.
BARROSO, Luís Roberto. Voto da decisão RE n.º 878.694/MG. Pág. 10. Disponível em:
redir.stf.jus.br.
132

companheiro concorrer com outros parentes que se encontrem na classe de


sucessores, terá direito a terça parte do bens da herança (inciso III); e somente
na hipótese de não haver nenhum parente sucessível, caberá ao convivente
sobrevivo à totalidade da herança.293

Diante do exposto, caberá neste momento realizarmos as observações


do artigo de forma comparativa com os cônjuges.

A primeira observação, é o fato de que o companheiro deve ser


considerado um sucessor legítimo e, ao invés de ter seus direitos
regulamentados no título que coube à sucessão legítima, teve seus direitos entre
as disposições gerais do Direito das Sucessões294.

Sucessão legítima é aquela que decorre da ausência de testamento e é


transmitida aos herdeiros legítimos. Já os herdeiros legítimos são aqueles
designados pela lei para receber a herança, seja através da parte disponível, ou
da legítima, no caso dos herdeiros necessários.

Nesse ínterim, cabe destacar o art. 1.829 do CC/2002, ao regulamentar


que cabe a sucessão legítima na seguinte ordem: aos descendentes em
concorrência com o cônjuge (inciso I); aos ascendentes em concorrência com o
cônjuge (inciso II); na falta de descendentes e ascendentes, ao cônjuge
sobrevivo (inciso III); e por último aos colaterais (inciso IV).

Vale ressaltar que assim como no direito português, no momento de


analisar a herança, deve ser retirada a parte que cabe a meação dos bens, que
é a metade dos bens comuns que não integram a herança e que pertence ao
cônjuge sobrevivo295.

293
Destaca-se que o direito dos companheiros existe sempre, independentemente do regime de
bens.
294
Nas palavras de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona, a disciplina apresentada com o Código
Civil de 2002 acerca da sucessão pelo companheiro foi confusa. Ao inserir o regramento na parte
das “Disposições Gerais” foi realizado de maneira formalmente atécnica e topologicamente
equivocada, uma vez que a matéria é típica da regulamentação da sucessão legítima, e não da
parte introdutória, o que talvez insira um preconceito sub-reptício em face da união estável.
GAGLIANO, Pablo Stolze e FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil, volume 7:
direito das sucessões, 6ª ed., São Paulo: Editora Saraiva Educação, 2019 (ebook).
295
Destaca-se que a existência da meação e a sua extensão depende do regime de bens
escolhido pelo casal no casamento. Somente no caso do regime de separação convencional de
bens (arts. 1.677 e 1.678, CCB) o cônjuge não recebe a meação, pois não há bens comuns entre
o casal. Nos demais regimes de bens, ao cônjuge sobrevivo corresponderá a metade dos bens,
que será distribuída da seguinte forma: se o regime for de comunhão universal de bens (arts.
1.667 a 1.671), a meação é estabelecida sobre a totalidade dos bens que correspondem ao
133

De acordo com o Título II, Capítulo I, que trata da ordem da vocação


hereditária da sucessão legítima, serão herdeiros legítimos: os descendentes; os
ascendentes; o cônjuge sobrevivo; os colaterais, até o quarto grau; e por fim o
Ente Público, na hipótese de não sobreviver cônjuge ou nenhum parente
sucessível, ou no caso de haver, tendo eles renunciado a herança (art. 1.844 do
CC/2002).

A nossa crítica a esta primeira observação é justamente o legislador, de


forma injustificada, não ter alocado o companheiro na sucessão legítima, mais
precisamente no art. 1.829. A sucessão do membro da união estável deveria
estar inserida juntamente com a sucessão do cônjuge, não somente por uma
questão de organização, mas nomeadamente pela dignidade constitucional
familiar assegurada ao convivente pela Constituição Federal.

Nas palavras de Giselda Maria Fernandes Novaes Hiroraka, é clara a


incoerência que se encontra entre os dispositivos do código (arts. 1.829 e 1.790),
tendo em vista que o dispositivo que trata dos direitos sucessórios dos
companheiros achar-se mal localizado no corpo do texto legislativo, como se
fosse uma infeliz inserção que fora incluída de última hora e que não obedeceu
à regra equalizadora da Carta Magna brasileira 296.

A segunda observação depreende-se do próprio caput do art. 1.790,


pois, o novo regramento restringiu a participação hereditária do companheiro aos
bens onerosamente adquiridos na existência da união estável, relativamente aos
quais o convivente já possuía a meação. A prescrição de que o companheiro
somente é herdeiro se for meeiro não possui similitude com as regras
sucessórias do cônjuge. Desse modo, a sucessão do companheiro exclui
qualquer bem adquirido de forma gratuita, como também qualquer bem adquirido
de forma onerosa anteriormente à vigência da união estável.

acervo hereditário; se for o regime de comunhão parcial de bens (arts. 1.658 a 1.666), a meação
é definida sobre os bens adquiridos durante o período da vida em comum; se for o caso do
regime de participação final nos aquestos (arts. 1.672 a 1.686), calcula-se a meação sobre os
bens que foram adquiridos a título oneroso na constância do casamento.
Código Civil Brasileiro.
296
HINORAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Posição sucessória do companheiro (membro
da união de facto/união estável) nos direitos brasileiro e português in: Escritos de Direito das
Famílias: uma perspectiva luso-brasileira / Coordenado por: Maria Berenice Dias e Jorge Duarte
Pinheiro, Porto Alegre: Editora Magister, 2008. Pág. 437.
134

A terceira observação é a disposição da herança quando se trata da


partilha no que concerne o companheiro e o cônjuge relativamente aos
descendentes.

No que diz respeito ao companheiro, o art. 1.790, inciso I, dispõe que na


concorrência com filhos comuns, caberá a quota em equivalência aos filhos, ou
seja, o companheiro recebe parte igual a seus filhos. No inciso II, no caso de
filhos somente do falecido, aqueles recebem o dobro da fração que corresponde
ao companheiro sobrevivente297.

Já o art. 1.832 determina que a concorrência do cônjuge com os filhos


terá a quota igual, “por cabeça”, porém aqui há um privilégio ao cônjuge, pois
garante a este que a sua quota não será menor que um quarto da herança.
Exemplificando, na situação de um casal de cônjuges que tenha mais de 3 filhos,
ao cônjuge sobrevivo é garantida a quarta parte da herança, recebendo um
quinhão maior que seus filhos, pois a eles, cabe o restante (3/4) dividido em
partes iguais298.

Diante desse exemplo, se compararmos com o companheiro, na


situação de haver mais de 3 filhos, a quota do convivente e dos filhos será
designada de forma igualitária entre ele e os descendentes. Nesse caso,
observa-se que o cônjuge mais uma vez torna-se privilegiado relativamente ao
companheiro, por uma regra sem fundamento do legislador. Não há razão legal
para que ao cônjuge restasse assegurado essa fração mínima e ao companheiro
não ter sido determinado a mesma situação. Esse é somente mais um fato de
distinção fundada na discriminação das relações familiares.

E no caso de concorrência com os ascendentes? Cabe aqui destacar a


semelhança e a distinção nesses casos. De acordo com o art. 1.836, na falta de
descendentes são chamados os ascendentes a concorrer com o cônjuge

297
Nesse dispositivo, verifica-se que o legislador concedeu um tratamento preferencial ao
companheiro sobrevivo no caso da concorrência com filhos comuns, sem nenhum fundamento
para tanto. Diante dessa situação, por consequência da distinção apresentada, observa-se que
no caso de uma situação híbrida, casal de conviventes que possui filhos comuns e filhos somente
do falecido, a lei civil não regulou essa circunstância, gerando mais uma controvérsia
relativamente ao dispositivo que trata da sucessão dos companheiros.
298
Segundo o art. 1.833, entre os descendentes, os de grau mais próximo, exclui os remotos,
com exceção ao direito de representação. E os descendentes de mesma classe possuem os
mesmos direitos à sucessão dos seus antecedentes (art. 1.834).
Código Civil Brasileiro.
135

sobrevivo, sendo atribuído a este um terço da herança em concorrência com os


ascendentes de primeiro grau (art. 1.837), até aqui vemos uma semelhança.
Todavia, no caso da haver somente um ascendente, ou no caso de ascendente
maior que o primeiro grau, independentemente de quantos sejam, caberá ao
cônjuge sobrevivo a metade da herança.

Essa regra de atribuição de metade da herança não cabe ao


companheiro sobrevivo. A este, no caso de concorrência com ascendentes, seja
de qual grau for, será atribuído a fração de um terço ao companheiro e a cada
um dos genitores (art. 1790, inciso III).

Vale ressaltar que a participação do companheiro é atribuída aos bens


adquiridos na constância da união estável. Contudo, no inciso III ao abordar a
concorrência com os parentes sucessíveis, o texto afirma que é garantido um
terço da herança, ou seja, a terça parte de todo patrimônio partilhável e não
somente dos aquestos299.

Uma quarta observação quanto a distinção dos direitos sucessórios dos


companheiros e dos cônjuges, é a absurda situação de concorrência com outros
parentes sucessíveis.

De acordo com o art. 1.790 do CC brasileiro, inciso III, é atribuído ao


companheiro um terço da herança quando concorre com parentes sucessíveis.
Neste momento, iremos abordar os colaterais que, de acordo com o art. 1.829,
IV, são sucessores legítimos e encontram-se na ordem da vocação hereditária.

Ocorre que mais uma vez, de forma privilegiada, encontra-se a posição


do cônjuge à frente quando concorre com parentes colaterais sucessíveis. De
acordo com o art.1.838 do CC brasileiro, na ausência de descendentes e
ascendentes, será concedida a herança inteiramente ao cônjuge sobrevivo e, os
colaterais até o quarto grau somente serão chamados a suceder, se não houver
cônjuge sobrevivente (art. 1.839). E no caso dos conviventes, na possibilidade
de haver parentes colaterais, como: irmãos, sobrinhos, sobrinhos-netos, tios-
avós ou até primos do falecido, o companheiro somente terá direito a um terço

DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões, 4ª ed. rev., atual. E ampl. – São Paulo: Editora
299

Revista dos Tribunais, 2015, pág.194.


136

da herança. Não importa nem quem são e nem quantos são os herdeiros,
sempre ficarão com o dobro da herança que cabe ao companheiro.

Desse modo, de acordo com o art.1.790, inciso IV, para que o


companheiro possua direito à totalidade da herança, não pode haver mais
nenhum parente sucessível do companheiro falecido.

Ora, se o cônjuge encontra-se na terceira ordem da classe sucessória,


a frente dos parentes colaterais, qual o sentido do companheiro não se encontrar
nessa ordem também? A resposta nada mais é, do que mais um tratamento
desigual para situações idênticas, sem absoluta razão.

Nesse sentido, chamamos atenção para o curioso caso trazido pelo


Professor Zeno Veloso em diversos momentos e congressos realizados pelo
Brasil e possivelmente em Portugal, sobre a maravilhosa história de Nagibão 300.

Em seu exemplo, descrevia um homem que saiu do Líbano em direção


ao Brasil com o seu amigo Mustafá deixando o primo Salim por lá. Trabalhou
bastante, adquiriu bens, foi enriquecendo, casou-se com Lívia e de forma
prematura, ficou viúvo e, com muita tristeza, o libanês prometera a sua esposa
que não se casaria novamente.

Ocorre que, Nagibão se apaixonou por outra mulher, Terezinha, levou-a


para morar com ele e viveram muitos anos juntos. Nessa época, Nagibão que já
tinha adquirido muitos bens, achou por bem que já havia bens suficientes para
uma vida tranquila. Depois de anos, Nagibão sofreu um infarto e morreu, não
havia ascendentes e nem descendentes e, por conta do juramento feito a Lívia,
não havia se casado com Terezinha, permaneceu “amigado”. Com a morte, o
seu amigo lembrou do primo que Nagibão deixara no Líbano e o levou para o
Brasil para ser o herdeiro de Nagibão, pois, a legislação civil brasileira afirma
que os conviventes somente herdam os bens adquiridos na constância da união
estável. Nagibão, que teve uma relação sólida, pública, notória, contínua e
respeitosa, por não ter casado com Terezinha, e não ter adquiridos bens durante
a união, teve toda a sua herança atribuída ao seu primo que não via há muitos
anos, deixando Terezinha completamente desamparada.

300
VELOSO, Zeno. A história de Nagibão e o art. 1.790 do Código Civil, 2018. Disponível em:
ibdfam.org.br/artigos.
137

Esse excelente exemplo nos demonstra que o companheiro por não


excluir os colaterais da sucessão é um grave retrocesso na sucessão dos
companheiros301.

Por último, iremos abordar a distinção encontrada quanto a condição de


herdeiros necessários.

O Capítulo II, do Título da sucessão legítima, discorre sobre os herdeiros


necessários e, segundo o art. 1.845 do CC brasileiro, “são herdeiros necessários
os descendentes, os ascendentes e o cônjuge”. Assim como mencionamos que
há em Portugal a chamada “legítima”, no Brasil também há. Sendo assim, é
concedido a esses herdeiros uma parte da herança (a metade dos bens) de
forma obrigatória que constitui a legítima (art. 1.846), parte a qual o decujus não
pode dispor em testamento.

Segundo o art. 1.847, a legítima é calculada sobre o valor dos bens que
existir no momento da abertura da sucessão, excluídas as dívidas e as despesas
com funeral e, salvo houver justa causa, não pode o testador atribuir cláusula de
inalienabilidade, impenhorabilidade ou incomunicabilidade nos bens da legítima
(art. 1.848).

Diante das disposições citadas a respeito da condição de herdeiro


necessário, vemos que esta é mais um grande privilégio concedido ao cônjuge
sobrevivo. Ao cônjuge é atribuída a condição de herdeiro necessário,
independentemente do regime de bens.

Finalizaremos este capítulo com o seguinte questionamento: é


constitucional tantas distinções entre o cônjuge e o companheiro dispostas na
legislação civil? Afinal, enquanto ao cônjuge é reservado: uma parte da herança
de forma obrigatória, a legítima, que é a parte reservada para os herdeiros
necessários que não pode ser reduzida ou ser sujeita a ônus, encargos,
gravames ou condições e, que não pode ainda, privar o cônjuge da condição de

301
Nas palavras do professor Zeno Veloso: “A lei não está imitando a vida, nem está em
consonância com a realidade social, quando decide que uma pessoa que manteve a mais íntima
e completa relação com o falecido, que sustentou com ele uma convivência séria, sólida,
qualificada pelo animus de constituição de família, que com o autor da herança protagonizou, até
a morte deste, um grande projeto de vida, fique atrás de parentes colaterais dele, na vocação
hereditária”.
VELOSO, Zeno. Do direito sucessório dos companheiros in: Direito de família e o novo código
civil, Coord. Maria Berenice Dias; Rodrigo da Cunha Pereira, 2005. Pág. 249.
138

herdeiro, salvo se forem declarados indignos ou deserdados; ao companheiro,


somente é atribuído os bens da herança que tenham sido adquiridos
onerosamente na união estável.

Por fim, verifica-se que diante das situações mencionadas, o que mais
surpreende é o fato de a lei ter tratado de forma desigual situações que são
idênticas, resultando em consequências que afastam o desejo daquelas pessoas
que somente querem ter uma relação respeitada e garantia quanto aos direitos.
Se a Carta Maior garantiu tratamento isonômico aos institutos do casamento e
da união estável, e a lei civil assegura a possibilidade de eleição de regime de
bens seja através do pacto antenupcial ou do contrato de convivência, não há
justificativa para o legislador impor uma divisão de patrimônio de forma
discriminatória.

Isto posto, observa-se que o tratamento diferenciado entre os institutos


é inconstitucional, e que faz-se necessário uma mudança na legislação, para que
seja assegurado o tratamento similar entre o companheiro e o cônjuge
relativamente aos direitos sucessórios.

3.3. STF: O companheiro é herdeiro necessário?

Primeiramente, cabe destacar que restou para este último tópico do


capítulo abordar a respeito do direito sucessório dos conviventes tendo em vista
o julgamento dos recursos extraordinários no Supremo Tribunal Federal, como
também, a possibilidade de o companheiro ter se tornado herdeiro necessário
após a decisão do STF que declarou a inconstitucionalidade do art. 1.790 do
Código Civil brasileiro e, por conseguinte, uma análise a respeito da situação
atual do cônjuge e do companheiro.

Como visto, o Código Civil de 2002 determinou que o cônjuge


juntamente com os descendentes e os ascendentes, são merecedores da
legítima, que é parte da herança reservada por lei. Ocorre que, diante das
observações apresentadas, constatamos que a não inclusão do companheiro
como sucessor legítimo é inconstitucional, pois fere os princípios da igualdade e
139

da dignidade da pessoa humana, gerando um retrocesso que afasta a


razoabilidade.

Quanto ao entendimento pela inconstitucionalidade do artigo 1.790 do


CC brasileiro, vale destacar que parte considerável da doutrina contemporânea
já entendia que o dispositivo sucessório dos companheiros era inconstitucional
por estabelecer um tratamento discriminatório do convivente em relação ao
cônjuge.

Dentre os argumentos, cabe mencionar os seguintes: 1- a concorrência


sucessória com os descendentes, ascendentes e colaterais era exclusivamente
sob os bens adquiridos durante a união estável, resultando em uma grande
restrição aos direitos; 2- a concorrência com os colaterais de até quarto grau
resultaria em apenas um terço da herança ao convivente e, o mais incongruente,
é o fato da concorrência do companheiro com aqueles parentes, não excluir
estes da sucessão, como são com os cônjuges; 3- o fato do companheiro não
estar previsto na ordem de vocação hereditária do art. 1.829; 4- e por fim, o
companheiro não ser herdeiro necessário com disposição expressa no art. 1.845
do CC brasileiro302.

Para tanto, diante desses argumentos e dos intensos debates


doutrinários e jurisprudenciais sobre o assunto303, foram pleiteadas ações
judiciais na busca da equiparação entre os institutos e seus direitos sucessórios,
com frequentes decisões em sentidos divergentes304. Sendo assim, o Superior
Tribunal de Justiça acolheu incidente de inconstitucionalidade 305 e o Supremo

302
TARTUCE, Flávio. Direito Civil, direito das sucessões, v.6, 12ª ed., Rio de Janeiro: Editora
Forense, 2019, Pág. 328.
303
Pelo entendimento da inconstitucionalidade do artigo em questão, cabe ressaltar muitos
nomes, como: Caio Mário da Silva Pereira, Giselda Maria Fernandes Novaes Hinoraka, Luiz
Paulo Vieira de Carvalho, Maria Berenice Dias, Gustavo Tepedino. Contudo, a grande maioria
possuía entendimento diverso amparada na dicção do art. 1.845, CC/2002, são eles: Christiano
Cassettari, Eduardo de Oliveira Leite, Flávio Augusto Monteiro de Barros, Francisco José Cahali,
Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Maria Helena Diniz, Mário Delgado, entre outros.
304
Nesse seguimento, destaca-se, decisão que deferiu a constitucionalidade do art. 1.790 do
CC/2002, repercussão geral no RE 646.721 de 07/12/2011. Já em 2013, o Superior Tribunal de
Justiça, na 4ª Turma, Agravo de Instrumento no REsp. 1.291.636/DF, arguição de
inconstitucionalidade do art. 1.790, caput do CC brasileiro. Disponíveis em: stf.jusbrasil.com.br e
stj.jusbrasil.com.br.
305
STJ, AI no REsp. 1.291.636/DF, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, de 11/06/2013. Disponível
em: stj.jusbrasil.com.br.
140

Tribunal Federal em 2015 reconheceu a repercussão geral ao recurso


extraordinário acerca da inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC brasileiro.

Destaca-se que em 2016 o STF começou o julgamento do recurso em


questão, porém houve um atraso na decisão diante do pedido de vista do
Ministro do tribunal superior. Desse modo, somente em 10.05.2017, o STF
ultimou o julgamento do recurso extraordinário n.º 878.694-MG, em conjunto com
o recurso extraordinário n.º 646.721-RS, no tocante às uniões homoafetivas, que
versavam sobre a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil.

Pela relevância do assunto, cumpre colacionar a ementa da decisão do


recurso extraordinário n.º 878.964/MG, que resultou na inconstitucionalidade do
dispositivo:

Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E CIVIL. RECURSO


EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL.
INCONSTITUCIONALIDADE DA DISTINÇÃO DE REGIME
SUCESSÓRIO ENTRE CÔNJUGES E COMPANHEIROS.
1. A Constituição brasileira contempla diferentes formas de
família legítima, além da que resulta do casamento. Nesse rol
incluem-se as famílias formadas mediante união estável.
2. Não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os
cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo
casamento e a formada por união estável. Tal hierarquização
entre entidades familiares é incompatível com a Constituição de
1988.
3. Assim sendo, o art. 1790 do Código Civil, ao revogar as Leis
nºs 8.971/94 e 9.278/96 e discriminar a companheira (ou o
companheiro), dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos
conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste com os
princípios da igualdade, da dignidade humana, da
proporcionalidade como vedação à proteção deficiente, e da
vedação do retrocesso.
4. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o
entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários
judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da
sentença de partilha, e às partilhas extrajudiciais em que ainda
não haja escritura pública.
5. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em
repercussão geral, da seguinte tese: “No sistema constitucional
vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios
entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em
ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do
CC/2002”.306

306
Supremo Tribunal Federal, RE n.º 878.694/ MG. Relator: Ministro Luís Roberto Barroso,
Disponível em: redir.stf.jus.br.
141

Diante da decisão mencionada acima, cabe as seguintes observações:


a) o STF confirmou que não é legítimo a distinção entre cônjuge e companheiros
para fins sucessórios, tendo em vista a Constituição Federal ter contemplado as
diferentes formas de família como a união estável e o casamento; b) assevera
ainda que o fato do art.1.790 não ter contemplado os direitos aos companheiros
como as leis n.ºs 8.971/1994 e 9.278/1996 regulamentavam, resulta em
discriminação a união estável, ferindo princípios fundamentais da Constituição e
do estado democrático de direito; c) esclarece também, que em razão do
princípio da segurança jurídica a decisão referida obteve modulação dos efeitos
e somente será aplicável às partilhas judiciais que não tenham transitado em
julgado e às extrajudiciais que não tenham lavrado escritura pública; d) por fim,
destaca-se que como tese de repercussão geral, a decisão definiu a aplicação
do art. 1.829 do CCB tanto para os cônjuges como para os companheiros
relativamente aos direitos sucessórios.

Todavia, cabe destacar que na decisão mencionada não foi definido de


forma expressa sobre a possibilidade de o companheiro ter se tornado herdeiro
necessário, assim como dispõe o art. 1.845, aos cônjuges. Além do mais, cabe
ressaltar que a decisão do STF não somente não incluiu o artigo que trata dos
herdeiros necessários, como também os demais artigos que tratam da sucessão
legítima na legislação civil. Sendo assim, instaurou-se um grande debate sobre
a situação e com rigorosa controvérsia tanto na doutrina quanto na
jurisprudência.

Para uns doutrinadores, a ausência de menção aos outros dispositivos


concernentes à sucessão do cônjuge, não teria o condão de gerar conclusão
distinta daquela intrínseca na decisão firmada pelo STF, que é a
inconstitucionalidade do dispositivo que tratava o regime sucessório do cônjuge
e do companheiro com distinções. Sendo assim, aplica-se as disposições legais
dos cônjuges para os companheiros, inclusive, passando a ser considerado
herdeiro necessário.307

Trata-se de um julgamento conjunto das decisões, incluindo-se o RE n.º 646.721/RS, com o


seguinte entendimento: no rol de famílias formadas mediante união estável encontram-se
asseguradas pela decisão do STF para efeitos sucessórios as uniões, hétero ou homoafetivas.
307
NEVARES, Ana Luiza Maia. A condição de herdeiro necessário do companheiro sobrevivente.
Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil I, Belo Horizonte, 2020. Pág. 18.
142

Assevera que se o art. 1.829 do CC brasileiro não tivesse sido inserido


na redação da repercussão geral, não haveria dúvida sobre a situação. Afinal, o
intuito dos julgadores ao transcrever o citado dispositivo, foi evidenciar a
igualdade dos regimes sucessórios (cônjuge e companheiro) indicando o
primeiro artigo do capítulo que estabelece a ordem da vocação hereditária,
intitulado da sucessão legítima e, no qual cita, de forma geral, todos os herdeiros.
Para os adeptos desse entendimento, em razão da decisão, são aplicados aos
companheiros os outros dispositivos, tendo em vista o regime sucessório do
cônjuge não se restringir ao art. 1.829308.

Vale destacar que, para alguns, a questão não era clara e evidente e,
sob outra perspectiva, lançou o entendimento de que a equiparação produzida
pelo STF relativamente às regras aplicadas a união estável, limitava-se à
concorrência sucessória e ao cálculo dos quinhões hereditários. Desse modo,
restaria aos companheiros os seguintes dispositivos: art. 1.829 (ordem da
vocação hereditária e concorrência com os descendentes); art. 1.831 (direito real
de habitação); art. 1.832 (quota hereditária mínima na concorrência com filhos
comuns); arts. 1.836 e 1.837 (concorrência com os ascendentes; art. 1.838 e
1.839 (prioridade do companheiro sobre os colaterais), não tocando o emprego
do art. 1.845 que trata da condição de herdeiro necessário ao companheiro
sobrevivo, tendo em vista a regra da obrigatoriedade da legítima aos herdeiros
necessários ser uma norma restritiva de direitos, na qual limita o livre exercício
da autonomia privada309.

Em vista disso, na tentativa de encerrar as dúvidas instauradas sobre o


assunto, o Instituto Brasileiro de Direito de Família, o IBDFAM, que havia
participado da causa como um dos amicus curae autorizados a atuar no feito,
opôs Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário n.º 878.694/MG, em
que se questionava a aplicabilidade às uniões estáveis do artigo 1.845 e dos
demais dispositivos que correspondem ao regime sucessório dos cônjuges.

Em resposta ao embargo oposto pelo IBDFAM, em seu voto, o Min.


Barroso destacou que não há o que se falar em omissão pela ausência de

308
Op. Cit.
309
DELGADO, Mário. Diferenças entre união estável e casamento: quando a desigualdade é (in)
constitucional. Famílias e Sucessões, Belo Horizonte, 2018, Págs. 386 e 387.
143

manifestação relativamente ao art. 1.845 ou qualquer outro dispositivo, pois não


houve discussão a respeito da integração do companheiro ao rol de herdeiros
necessários.310

Nesse sentido, cumpre colacionar observações jurídicas sobre o


assunto, retiradas do Voto do Ministro Barroso para justificar a necessária
equiparação do cônjuge e do companheiro311.

A CF/88 foi a grande pioneira na ressignificação da família, pois inspirou


as normas civilistas a serem compreendidas a partir da premissa humana dotada
de dignidade e que constitui um fim em si próprio. Nesse ínterim, cabe ao Estado
garantir a autorrealização dos indivíduos, que é que a justificativa para o limite
do Estado intervir nas relações familiares, cabendo um dever estatal de proteção
a qualquer relação familiar que contribua para o desenvolvimento de seus
integrantes, pelo amor, afeto e desejo de viver junto.

Na realidade, as primeiras leis sobre o direito sucessório dos


companheiros estabeleceram regramentos compatíveis com os direitos
sucessórios dos cônjuges no Código Civil de 1916. Essas leis, portanto,
caminharam de forma progressiva a garantir o que a CF de 88 preconizou, que
era a mesma proteção quanto aos direitos sucessórios independentemente da
forma como a família foi constituída.

No Código Civil de 2002 o cônjuge foi privilegiado com a condição de


herdeiro necessário. E ao companheiro, a legislação civil conferiu um retrocesso
quanto aos direitos sucessórios, sem respeitar as leis sucessórias que outrora
haviam buscado uma equiparação. Sendo assim, essa diferenciação dos
regimes jurídicos sucessórios viola os princípios constitucionais de direito, pois
se a redação constitucional não hierarquizou as entidades familiares não cabe
ao legislador infraconstitucional essa possibilidade. Contudo, vale ressaltar que
a distinção entre casamento e união estável somente é legítima se não acarretar
hierarquização entre as famílias.

310
BARROSO, Luís Roberto. Voto do Embargos de Declaração no RE 878.694/ MG. Disponível
em: redir.stf.jus.br.
311
BARROSO, Luís Roberto. Voto da decisão RE n.º 878.694/MG. Disponível em: redir.stf.jus.br.
144

Nesse seguimento, continuaremos pontuando com os argumentos do


Ministro-relator Luís Roberto Barroso, relativamente à violação aos princípios
constitucionais312.

O primeiro princípio citado na referida decisão do RE 878.694/MG é o


princípio da dignidade da pessoa humana.

O art. 1.790 do CC/2002 viola o princípio da dignidade da pessoa


humana que é identificado nos três aspectos encontrados, quais sejam: o valor
intrínseco do ser humano, a autonomia de cada indivíduo, limitada a restrições
legítimas que são impostas em nome dos valores estatais. Quando o legislador
estabeleceu o regime sucessório do companheiro, violou tanto o seu valor
intrínseco, como a dignidade na vertente da autonomia, sem demonstrar
qualquer interesse legítimo para essas restrições (item 50).

O fundamento para o direito sucessório brasileiro é o entendimento de


continuidade patrimonial como razão de proteção, de coesão e de perpetuidade
da família. Nas palavras do Min. Barroso, o regime sucessório possui dois graus
de intensidade. No grau fraco, refere-se a parte disponível da herança na qual o
falecido tem liberdade para dispor. Já o grau forte, coincide com aquela parte da
herança que é necessariamente transferida a pessoas da família e, essa
obrigatoriedade, justifica-se pela necessidade de assegurar aos familiares mais
próximos, recursos que na medida do possível, permitam com que eles
desfrutem do padrão de vida que possuía com o falecido313.

Em seu voto, item 51, o ministro afirma que se o fundamento do direito


sucessório é a proteção da família através da garantia de recursos aos familiares
mais próximos do falecido para que aqueles possam manter a condição de vida
digna, resta incompatível distinguir a proteção maior ou menor entre o cônjuge e
o companheiro, meramente por adotarem um tipo de vida familiar.

Sendo assim, o intuito de prever uma quota obrigatória em um regime


sucessório que seja independentemente da vontade do falecido, é garantir meios
de sustento ao núcleo familiar como um todo e, nesse caso, não faz sentido
desproteger o companheiro.

312
BARROSO, Luís Roberto. Op. Cit.
313
BARROSO, Luís Roberto. Op. Cit.
145

O segundo princípio violado pelo CC brasileiro relativamente aos direitos


sucessórios dos companheiros é o da proporcionalidade como proibição de
proteção deficiente, relativamente a vedação de uma proteção insuficiente de
direitos tutelados, em uma dimensão positiva de violação. Nesse caso, o Estado
também viola os dispositivos constitucionais quando deixa de agir ou age de
forma ineficiente ou inadequada, não satisfazendo os bens jurídicos relevantes.
“E do art. 1.790 do Código Civil veicula uma proteção insuficiente ao princípio da
dignidade da pessoa humana em relação aos casais que vivem em união
estável”314.

O terceiro princípio violado é o princípio da vedação ao retrocesso, pois,


o art. 1.790 ocasiona uma “involução na proteção dos direitos dos
companheiros”. Nesse sentido, o CC/2002 recuou ao estabelecer um retrocesso
que é vedado pela Constituição Federal na proteção das entidades familiares. O
legislador ignorou os direitos que as leis sucessórias posteriores a Constituição
determinaram em favor do indivíduo, não seguindo a nova orientação
constitucional e regredindo na conquista dos direitos do cônjuge e do
companheiro alcançada315316.

Cabe destacar que no voto do Ministro Dias Toffoli, após o pedido de


vista, decidiu rebatendo as considerações do Min. Barroso destacando que não
havia inferiorização nos institutos, pois o legislador cuidou de tratar
diferencialmente para que não houvesse equiparação entre o casamento e a
união estável. Asseverou que esse fundamento decorre da liberdade a
autonomia de vontade dos companheiros.

314
BARROSO, Luís Roberto. Op. Cit.
315
BARROSO, Luís Roberto. Op. Cit.
316
Embora a aceitação da inconstitucionalidade do art. 1.790 não tenha sido unânime entre os
Ministros do STF, cumpre conferir o voto do Ministro Celso de Mello que de forma clara
manifestou seguir o Relator Barroso ao destacar que “o Supremo Tribunal Federal, ao proferir
este julgamento, está a viabilizar a plena realização dos valores da liberdade, da igualdade e da
não discriminação, que representam fundamentos essenciais à configuração de uma sociedade
verdadeiramente democrática, tornando efetivo, assim, o princípio da isonomia, assegurando o
respeito à liberdade pessoal e à autonomia individual, conferindo primazia à dignidade da pessoa
humana, rompendo paradigmas históricos, culturais e sociais e removendo obstáculos que se
antepõem, até mesmo em matéria sucessória, como se vê das diversas posições jurisprudenciais
dos tribunais locais, em relação aos integrantes de uniões estáveis, tanto as heteroafetivas,
quanto as homoafetivas”.
Op. Cit.
146

Contrapondo essa crítica, salienta-se o argumento do Min. Barroso, “o


que a dignidade como autonomia protege é a possibilidade de opção entre um e
outro tipo de entidade familiar, e não entre um e outro regime sucessório”. Não
há como conceber que a autonomia do indivíduo diz respeito somente a escolha
do regime sucessório.

Enfim, diante de tantos argumentos, não se concebe como a


equiparação definida pelo STF não compreende a inclusão da condição de
herdeiro necessário ao companheiro tal como ocorre ao cônjuge 317. Nesse
seguimento, faz-se indispensável uma alteração ao artigo 1.845 do CC/2002
para incluir o companheiro, além de uma necessária harmonização dos demais
dispositivos nesse sentido.318

Contudo, diante da decisão dos embargos de declaração, na qual o Min.


Barroso afirmou que a decisão não abrangeu a condição de herdeiro necessário
para o companheiro, como fica a jurisprudência?

Vale ressaltar, que antes do julgamento dos embargos de declaração


opostos contra a decisão do STF, a jurisprudência já se posicionava no sentido
de conceder ao companheiro a condição de herdeiro necessário, 319 320
como
também, há decisões que reconhecem o companheiro como herdeiro necessário
mesmo após a oposição dos embargos321.

317
Vale ressaltar que a decisão do STF ao julgar o RE 878.694/MG foi sustentada nas técnicas
processuais. Ocorre que, um dos princípios que regem a atividade decisória do juiz, é o princípio
da congruência. De acordo com esse princípio, o pleno do STF ficou impedido de ampliar a
discussão sobre o regime sucessório do companheiro e analisar a condição de herdeiro
necessário. Todavia, o entendimento é de que essa seria uma grande oportunidade de analisar
a condição de herdeiro necessário do companheiro.
HINORAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Cônjuge e companheiro são herdeiros
necessários? in: Direito das sucessões: problemas e tendências Coord: Ana Caolina Brochado
Teixeira e Ana Luiza Maia Nevares: Editora Foco, 2022, Pág. 68.
318
Sendo assim, cabe destacar qual seria a redação ideal para o artigo 1.845 do CC brasileiro:
“São herdeiros necessários, os descendentes, os ascendentes e o cônjuge ou o companheiro do
falecido”.
HINORAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Concorrência do companheiro e do cônjuge, na
sucessão dos descendentes. Pág. 14. Disponível em: www.ibdfam.org.br.
319
STJ, REsp 1.357.117/MG, de 26.03.2018. Disponível em: stj.jusbrasil.com.br
320
No mesmo sentido, foi a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, TJRJ, AI n.º
0005018-70.2018.8.19.0000, de 18.04.2018 na qual afirmou “…Companheiros que, assim como
cônjuges sobreviventes, devem ser reconhecidos como herdeiros necessários amparados pelo
art. 1.829, III do CC…”. Disponível em: tj-rj.jusbrasil.com.br.
321
TJSP, AI n.º 2067760-05.2018.8.26.0000, de 30.01.2019. “...Incabível a distinção de regimes
sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado o regime do artigo 1.829 do
CC/2002. Companheira sobrevivente que deve ser considerada herdeira necessária
independentemente do regime de bens...”. Disponível em: tj-sp.jusbrasil.com.br.
147

Observa-se que há fundamento para a jurisprudência conceder a


condição de herdeiro necessário ao companheiro, pois, “o fundamento da
sucessão hereditária legitimária está na pessoa dos sucessores, integrantes da
família do autor da herança, não importando o tipo de entidade familiar da qual
faziam parte”322.

Em sentido contrário, posiciona-se o nobre Mário Delgado, que há


tempos reforça o pensamento de que na decisão prolatada pelo STF não
equiparou o companheiro à condição de herdeiro necessário. Aduz que a
“pretensão de estender a designação legitimária do art. 1.845 ao companheiro
sobrevivente toma como base um “isonismo” jamais imaginado pelo constituinte
de 88”323.

Por fim, sabemos que a diferença entre o casamento e a união estável


é somente o modo de constituição, pois a formalidade que se exige para a
constituição do casamento é a distinção que há na relação fática. Todavia, de
forma funcional, ambos são exercidos de forma idêntica, tendo os dois institutos
caráter familiar, que é o fundamento para definir os herdeiros estipulados no art.
1.845 do CC/2002.

Não há razão para o legislador diferenciar a proteção sucessória do


cônjuge e do companheiro, se ambos desempenham a mesma função, sendo
claro que tanto o cônjuge quanto o companheiro estão na mesma posição nas
respectivas entidades familiares. Se o legislador entendeu por bem limitar uma
parte da herança para que seja destinada aos membros mais próximos da
família, não há como “desequiparar” o companheiro e o cônjuge. Desse modo,
estabelecer a equiparação entre eles é, na realidade, uma busca pela igualdade
de direitos, pela liberdade de viver como desejar, uma luta contra o preconceito
e uma forma de combate à discriminação.

E quanto à decisão do STF em não reconhecer o companheiro como


herdeiro necessário, observa-se que o Tribunal Superior perdeu uma grande

322
NEVARES, Ana Luiza Maia. A condição de herdeiro necessário do companheiro
sobrevivente. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil I, Belo Horizonte, 2020. Pág. 23.
323
DELGADO, Mário Luiz. A sucessão na união estável após o julgamento dos embargos de
declaração pelo STF: o companheiro não se tornou herdeiro necessário. Disponível em:
ibdfam.org.br.
148

oportunidade de evitar mais discussões sobre o tema nos tribunais inferiores,


equiparando de forma plena os cônjuges e os companheiros.
149

IV- REFLEXÕES DE DIREITO COMPARADO ENTRE A UNIÃO DE


FACTO NO DIREITO PORTUGUÊS E A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA DA
UNIÃO ESTÁVEL.

Finalmente chegamos ao último capítulo deste trabalho. Nele, iremos


abordar de forma clara e suscinta a importância do estudo comparativo dos
institutos da união de facto e da união estável, especialmente em relação aos
direitos sucessórios dos companheiros em Portugal e no Brasil.

O Direito Comparado é uma disciplina jurídica que objetiva um estudo


comparado entre os Direitos, sob uma análise de diferentes ordens jurídicas,
com o intuito de reconhecer quais as semelhanças e as distinções observamos
entre os sistemas jurídicos, verificando as razões que orientam as similitudes e
diferenças encontradas324.

O estudo do Direito comparado tem a sua importância em vários


exemplos, como: a) quando a norma a interpretar inclua uma cláusula de
reciprocidade; b) quando a aplicação da norma esteja dependente de
verificações numa ordem jurídica estrangeira; c) quando a norma a aplicar seja
uma norma de conflitos; d) quando a norma a aplicar depender do
reconhecimento de sentenças estrangeiras; e) e, por último, quando da
descoberta de vias possíveis de reforma do quadro normativo em vigor.

Dentre os exemplos citados, por ser para nós de interesse no nosso


objeto de estudo, nos especificaremos no último exemplo por constituir um
relevante instrumento de política legislativa.

Ocorre que é necessário conhecer outras ordens jurídicas,


preferencialmente aquelas que possuem culturas próximas, para aprender com
os erros e analisar a viabilidade de soluções bem-sucedidas.

Sendo assim, o estudo comparado dos institutos permite a análise do


próprio direito ao perceber qual o lugar que este ocupa em diferentes sistemas
jurídicos e quais as singularidades que o distinguem. Sabemos que tanto
Portugal quanto o Brasil sofrem influência alemã no Direito Civil, sendo ordens

324
JERÓNIMO. Patrícia. Lições de Direito Comparado. 1ª ed., Editora: Elsa Uminho, 2015, Pág.
11.
150

jurídicas culturalmente próximas e, desse modo, vale o estudo comparativo dos


institutos dos dois países, para uma busca do Direito Comparado como
instrumento de política legislativa, ao indicar a alteração da legislação civil 325.

Enfatiza-se que o direito comparado é uma ferramenta de grande


utilidade, sobretudo onde existe lacuna da lei, como no caso de haver
necessidade de uma alteração legislativa para o aperfeiçoamento dos institutos
ajustando às realidades sociais. Neste caso, servirá como auxílio para
argumentar ou questionar na situação de haver processo legislativo.

Nesse sentido, dentro de tantas possibilidades e institutos jurídicos que


poderíamos mencionar, iremos nos manter em um estudo comparativo sobre um
determinado assunto que é indispensável ao objeto do nosso estudo, qual seja:
a análise da viabilidade da condição de herdeiro do companheiro em Portugal
diante da experiência brasileira.

O Direito Constitucional português e o Direito Constitucional brasileiro


encontram-se praticamente conectados desde o início dos constitucionalismos
de ambos os países. A CF/88 foi influenciada pela Constituição da República
Portuguesa, a propósito não somente a ordem jurídica brasileira, mas os demais
países de língua portuguesa sofreram influência do Direito português326.

Desse modo, diante de tantas ligações e reciprocidades entre os países


em questão, traremos a investida brasileira em reconhecer o companheiro como
herdeiro assim como o cônjuge.

Já mencionamos nos capítulos anteriores que prevalece o entendimento


de que o sistema constitucional português, através da Constituição da República
Portuguesa de 1976, reconheceu não somente o casamento como uma entidade
familiar, mas a união de facto também, assegurando-lhe a existência, garantindo

325
Embora o Código Civil Português tenha sido influenciado primeiramente pelo Direito Francês,
o Código de Seabra sofreu influência do Código Civil alemão (BSB), assim como o Código Civil
brasileiro de 1916.
Sobre o assunto, destaca-se o artigo “A influência do Código Civil alemão de 1900”. Disponível
em: www.conjur.com.br.
326
JERÓNIMO. Patrícia. Op. Cit. Pág. 59.
151

aos membros da sociedade que possam optar, no livre desenvolvimento de sua


personalidade, a viver uma vida a dois sem as formalidades do casamento. 327

No Brasil, foi a Constituição da República Federativa Brasileira de 1988


a grande impulsionadora para as mudanças no direito das famílias, sobretudo
com o reconhecimento da união estável.

O art. 36º, 1, da CRP, afirma o posicionamento de que há mais de uma


forma de constituição familiar além do casamento. Nesse sentido, a CFB também
determinou no art. 226, §3º, que é reconhecida a união estável como entidade
familiar. Embora o constituinte português não tenha inserido de forma expressa
as palavras “união de facto” no dispositivo ao adotar um texto aberto, a
interpretação nos leva ao reconhecimento da união de facto como entidade
familiar, pois o dispositivo deixa claro que a família não se restringe ao
casamento.

Tanto o dispositivo português quanto o brasileiro estabelecem que para


o reconhecimento da união fática como entidade familiar, deverá ser uma relação
entre pessoas que vivam em “condições análogas às dos cônjuges” ou “com o
objetivo de constituição de família”.

Mencionamos nesse estudo, de forma exaustiva, que não trata-se de


uma simples relação afetiva para a configuração de uma união de facto / estável
entre um casal, pois é preciso ver as características e o modo como vivia, não
havendo grandes distinções entre os institutos nos dois países, salvo a exigência
de dois anos de convivência encontrada na legislação portuguesa.

Desse modo, se os institutos da união de facto e união estável são tão


semelhantes, por que há essa diferenciação no campo da proteção jurídica, em
especial no direito das sucessões dos conviventes?

327
Reforçando a influência alemã no Direito português, dispõe o art. 2º, n.º 1 da Constituição da
República Federal da Alemanha, que: “todos têm direito ao livre desenvolvimento da sua
personalidade desde que não violem os direitos dos outros nem infrinjam a ordem constitucional
e a lei moral”. Já a CRP consagra o direito ao desenvolvimento da personalidade e a reserva da
vida privada e familiar no art. 26º, 1: “A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal,
ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e
reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção
legal contra quaisquer formas de discriminação”. Quanto ao Brasil, a CFB em seu art. 5º, inciso
X, regulamenta que: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra, a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação”.
152

A legislação brasileira regulamentou o direito sucessório do convivente


desde 1994, através da Lei n.º 8.971/1994, no art. 2º. Na continuação do
processo sucessório, surgiu a Lei n.º 9.278/1996, que garantiu no art. 7º,
parágrafo único, o direito real de habitação.

Embora essas disposições não tenham assegurado ao companheiro


uma grande proteção sucessória, já foi o início de um reconhecimento do
companheiro como herdeiro, assim como o cônjuge.

Vimos que a ampliação dos direitos sucessórios dos conviventes


sucedeu com o Código Civil de 2002, quando inseriu o art. 1.790, e reconheceu
ao convivente, a concorrência dos bens do decujus com os descendentes e os
ascendentes, desde que adquiridos na constância da união estável. Desse
modo, o companheiro não mais era somente um usufrutuário do bem, ou um
mero detentor do direito real de habitação ou herdeiro na terceira classe.

Todavia, ocorre que o mesmo Código Civil/2002, também ampliou a


posição sucessória do cônjuge situando-o em um lugar privilegiado e, esse
tratamento diferenciado entre o cônjuge e o companheiro, resultou em duras
críticas tanto da doutrina quanto da jurisprudência, tendo por consequência, a
decisão de inconstitucionalidade do art.1.790 pelo pleno do Supremo Tribunal
Federal.

Embora tenhamos analisado neste capítulo de forma sucinta a evolução


dos direitos dos conviventes, vimos amplamente nos capítulos anteriores, o
caminho que o companheiro percorreu no direito brasileiro, para que pudesse
obter a equiparação relativamente aos direitos sucessórios dos cônjuges. Como
abordado no tópico anterior, a decisão do STF não concedeu a condição de
herdeiro necessário ao companheiro.

Sintetizando, inicialmente ao convivente foi reconhecido alguns direitos


sucessórios através de leis, na sequência os direitos foram assegurados em leis
próprias, em seguida a codificação civil previu a união estável e na parte
sucessória regulamentou dispositivo específico, no qual conferiu ao
companheiro uma diferença incontestável relativamente ao cônjuge o que
provocou um injustificável retrocesso. Contudo, foi necessário recorrer ao Poder
Judiciário e, diante da possibilidade do STF de decidir sobre a
153

inconstitucionalidade do dispositivo, ao companheiro foi assegurado a sucessão


nos moldes do art. 1.829 do CC/2002.

Nesse sentido, observa-se que o fundamento da inconstitucionalidade


do art. 1.790 é a incompatibilidade do dispositivo com os princípios e garantias
previstos na Carta Magna de 88. E quanto ao regime sucessório dos
companheiros no direito português?

Se a legislação civil brasileira retrocedeu quando não equiparou o


companheiro ao cônjuge para fins sucessórios, torna-se completamente absurdo
compreender a posição ainda mais desprestigiada do companheiro no direito
sucessório português.

O Código Civil Português não previu o companheiro como herdeiro.


Como vimos no segundo capítulo, os direitos sucessórios encontram-se restritos
a legados legais.

Todavia, assim como no direito brasileiro que previu uma posição


privilegiada ao cônjuge, assim também o fez o direito português. O cônjuge ainda
é considerado herdeiro legitimário/necessário. Desse modo, como conceber que
o companheiro nem seja herdeiro?

Vimos que as Constituições tanto de Portugal quanto do Brasil admitem


outras entidades familiares além do casamento. Nelas encontramos a garantia
ao princípio supremo da dignidade da pessoa humana, assegurando a igualdade
em situações semelhantes, garantindo o direito a preservação da intimidade da
vida privada e familiar, reconhecendo o princípio da proporcionalidade e a
vedação ao retrocesso.

Sendo assim, não há como ser constitucional o dispositivo que trata dos
herdeiros no direito português, perante a ausência de uma posição sucessória
do companheiro na legislação civil. É inconcebível que a forma constitutiva da
união gere aos companheiros tratamento tão distinto daquele reservado ao
cônjuge.

Por isso, faz-se necessário uma alteração legislativa que garanta ao


companheiro uma posição de herdeiro e, sobretudo, equivalente ao cônjuge
tanto no direito sucessório quanto no direito das famílias. Sobre o assunto,
destaca-se as palavras do Doutor Professor Jorge Duarte, “afigura-se desejável
154

uma revisão do panorama no sentido de o Direito das Sucessões ser mais


sensível às circunstâncias concretas da relação conjugal”328.

Em suma, que o legislador português possa, se inspirar com a legislação


brasileira a respeito do direito sucessórios dos companheiros, pois, “nesse
aspecto bem avisadamente anda o direito brasileiro”329 e, por conseguinte,
elabore uma legislação civil portuguesa que possibilite ao companheiro em seus
direitos sucessórios não somente ser um mero terceiro, e sim, e como dever ser,
um herdeiro legítimo.

328
PINHEIRO. Jorge Duarte. O estatuto do sobrevivente da união: pontos de conexão e de rutura
entre o direito das sucessões e o direito da família in: Temas Controvertidos de Direito das
Sucessões o Cônjuge e o Companheiro. Coord. Adisson Leal; Carlos Pamplona Corte-Real e
Victor Macedo dos Santos: Editora AAFDL, 2015, Pág. 53.
329
CORTE-REAL, Carlos Pamplona. A não sujeição do cônjuge à colação no Direito Sucessório
Português. Outros considerandos críticos sobre a vocação sucessória do cônjuge e do
companheiro in: Temas Controvertidos de Direito das Sucessões o Cônjuge e o Companheiro.
Coord. Adisson Leal; Carlos Pamplona Corte-Real e Victor Macedo dos Santos: Editora AAFDL,
2015, Pág. 202.
155

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que foi demonstrado no transcorrer do desenvolvimento deste


trabalho, podemos constatar a clara desproporção nos dispositivos legislativos
relativamente ao tratamento da união de facto e do casamento.

Sabemos que com a evolução das relações sociais e o pluralismo das


entidades familiares, não há como o legislador ser indiferente e não observar as
necessidades dos indivíduos e adequá-las à realidade social. Nesse caso, é
preciso de uma atuação que se encaixe nas múltiplas possibilidades de relações
familiares.

Embora a união de facto tenha ganhado importância nas últimas


décadas relativamente ao panorama conjugal português, ficou bastante claro
que a ausência de regulamentação perante os direitos sucessórios dos
companheiros, após o reconhecimento de que há outras maneiras de constituir
família além do casamento pela Constituição da República Portuguesa, nada
mais é do que inconstitucional.

Chama a atenção o fato da legislação portuguesa ser tão avançada em


alguns aspectos, como por exemplo, na permissão do casamento homoafetivo
com a promulgação da Lei n.º 9/2010, como também na possibilidade de
interrupção da gravidez até as doze primeiras semanas pela Lei n.º 16/2007,
todavia, nos direitos sucessórios dos companheiros, não assegurou sequer o
direito a ser herdeiro.

Por conseguinte, vimos que houve uma incongruência entre o texto


constitucional, relativamente aos princípios da dignidade da pessoa humana e
da igualdade, pois possibilitou que as pessoas detivessem iguais direitos; e, em
sentido contrário, vislumbra-se na legislação infraconstitucional, uma ausência
de dispositivos que estabeleçam direitos sucessórios aos companheiros.
Perante o exposto, defendemos a todo momento que não há razoabilidade nas
diferenças conferidas pela legislação civil.

Não é constitucional o Direito Português ter ignorado a posição do


companheiro, ocultando-lhe a possibilidade de reconhecimento de direitos
sucessórios enquanto herdeiro legítimo e legitimário assim como faz com o
156

cônjuge. A supervalorização ao casamento se contrapõe à ausência de direitos


aos conviventes e, por consequência, temos um enaltecimento da família de
direito, em desfavor da família de fato.

Em razão da discriminação encontrada no regime sucessório português,


que regulamentou de forma privilegiada a posição sucessória do cônjuge e uma
completa omissão na proteção dos companheiros, de forma comparativa coube
o estudo do regime sucessório brasileiro.

Vimos que a união estável no Brasil, assim como a união de facto em


Portugal, corresponde a uniões afetivas sem a necessidade da formalidade do
casamento.

Embora não seja necessária uma formalidade na constituição da união


fática, a todo momento descrevemos situações idênticas com direitos desiguais.

Vimos que a união estável é uma entidade familiar constitucionalmente


protegida e que não foi somente em Portugal que o legislador civil foi insuficiente.
Afinal, as leis civis brasileiras que trataram dos direitos sucessórios dos
companheiros aparentavam equiparar o companheiro ao cônjuge.

Contudo, o legislador infraconstitucional quando regulamentou um único


artigo no Código Civil de 2002 que tratava sobre os direitos sucessórios dos
companheiros, o fez com violações e arbitrariedades à Constituição Federal do
Brasil, sendo alvo de críticas e demasiadas decisões contraditórias sobre o
entendimento da aplicação do art. 1.790, diante da equiparação da união estável
a entidade familiar assim como o casamento.

Nesse contexto, defendemos e expomos os argumentos necessários


para que houvesse uma equiparação sucessória relativamente ao cônjuge e ao
companheiro, pois a discriminação violava os princípios da dignidade, da
igualdade e da vedação ao retrocesso. Se a CF/88 não fez distinção alguma e
em nenhum aspecto, não há razão para que uma legislação civil possa
diferenciar direitos.

Em razão disso, o dispositivo civil foi duramente criticado pelos


estudiosos do direito e questionado por diversas ações judiciais, tendo por
consequência, a declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal
Federal e obtendo como tese de repercussão geral que, atualmente, no sistema
157

constitucional, é inconstitucional realizar diferenciação de regimes sucessórios


entre cônjuges e companheiros, para tanto deve ser aplicado em ambos os
casos, o regime sucessório estabelecido no art. 1.829 do CC/2002.

Vimos que com a decisão o companheiro passou a ser herdeiro legítimo,


e que ainda irá ser duramente criticado o fato de não ser herdeiro necessário,
uma vez que, como já mencionamos, a Constituição não fez distinção entre as
famílias.

O ordenamento jurídico brasileiro já encontrava-se muito mais avançado


no que concerne aos direitos dos companheiros, que o ordenamento jurídico
português. Após a decisão de inconstitucionalidade do art. 1.790, os
companheiros passaram a ser protegidos de forma equivalente, com exceção da
condição de herdeiros necessários.

Nesse sentido, e diante dos argumentos citados e fundamentados nos


princípios constitucionais, observamos que a proteção demasiada ao cônjuge
nada mais é do que uma discriminação a relação de fato, conferindo tratamento
inferior às famílias advindas da comunhão fática.

Ressalta-se que a sociedade portuguesa necessita que o legislador


reformule a codificação civil para que assegure direitos sucessórios aos
companheiros assim como concede aos cônjuges, tendo em vista a previsão
constitucional de dignidade da pessoa humana e de igualdade.

No Brasil, tivemos uma decisão que conferiu a inconstitucionalidade do


dispositivo que diferenciava o tratamento sucessório do companheiro e do
cônjuge. Portanto, cabe também ao legislador realizar a alteração necessária
com a equiparação total dos companheiros e dos cônjuges.

Em suma, afirmo que enquanto não houver a equiparação dos direitos


sucessórios na legislação portuguesa, deve ser aplicado por analogia as
mesmas garantias sucessórias dos cônjuges, no intuito de proteger os
conviventes.

Por fim, peço licença neste momento, para contar a minha história e
reafirmar o porquê de, no meu entendimento, não entender as inúmeras
desigualdades de direitos entre os sujeitos que se relacionam através do
casamento ou união de facto.
158

Os meus pais estão juntos há mais de 40 anos, dividem a mesma casa,


possuem três filhas e três netos. Já adulta ao pegar uma procuração do meu pai,
vi que no seu estado civil encontrava-se solteiro, questionei, e somente aí
descobri que no dia da celebração de casamento dos meus pais, ele não levou
a certidão para que se casassem no civil também. O padre realizou o casamento
religioso, porém não houve certidão para que fosse realizada a união civil e,
sabemos que o casamento religioso no Brasil, não possui efeitos de casamento
civil de maneira automática.

Ao refletir sobre isso, compreendi que se não fosse esse papel que não
foi assinado no dia da celebração do casamento, o registro civil que gera a
certidão de casamento, meus pais seriam “verdadeiramente casados”.

Todavia já que casados não são, pois não assinaram o documento civil
de casamento, meus pais são companheiros em uma relação de união estável
há mais de 40 anos, construindo uma família com três filhas e três netos,
mantiveram por todo esse tempo a família com seus subsídios juntos,
participaram de todos os eventos como se casados fossem, e nunca precisaram
demonstrar que não eram casados pois nunca isso foi questionado socialmente,
uma vez que agiam como se fossem.

Observo se supostamente a relação dos meus pais fosse regida pela lei
portuguesa sucessória e se no Brasil acontecesse o mesmo tratamento. Nesse
caso, por serem conviventes, eles não poderiam ser herdeiros um do outro. Ora,
meus pais passaram mais da metade da vida deles compartilhando tudo juntos
e, por conta de um papel que não foi assinado, meus pais não poderiam ser
herdeiros um do outro. A verdade é que eles teriam menos direitos que um casal
que permaneceu casados por um ano, a título de exemplo.

Ratifico que o meu modelo de uma relação informal de união estável é


mais forte que muitas relações que foram constituídas através do casamento.
Para mim particularmente é, juntos construir uma casa, manter um lar
estabelecido, criar laços afetivos, dividir contas, educar filhos e netos, participar
da vida de cada um, conviver com os amigos, unir forças ao adoecer, se
preocupar e cuidar um do outro, companheirismo nos finais de semana,
compartilhar os programas de televisão, celebrar juntos feriados e dias festivos,
159

ou seja, é partilhar o dia-a-dia com aquela pessoa da mesma forma como


qualquer família procede, seja constituída através do casamento ou não.
160

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