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2023
NICOLE ARYANE ALVES DE SOUZA
Porto
2023
ÍNDICE
Introdução...................................................................................................................................4
Conclusão..................................................................................................................................19
Referências bibliográficas.........................................................................................................22
Resumo
O artigo tem por objetivo discutir a aplicação das regras de direito familiar nos ordenamentos
jurídicos português e brasileiro no que tange à configuração das uniões de facto e uniões
estáveis, respectivamente, a fim de compreender qual a regulamentação e proteção jurídicas
destinadas aos participantes dessa configuração familiar. O trabalho demonstrará como se
desenvolve a abordagem legislativa e jurisprudencial de ambos os institutos em seus respectivos
ordenamentos jurídicos, bem como os requisitos para sua configuração e sua viabilidade
segundo a garantia de direitos fundamentais aos participantes dessas entidades familiares. Dessa
forma, a pesquisa analisará como ambos os ordenamentos jurídicos compreendem o direito
familiar quanto à essa entidade familiar em específico, demonstrando as semelhanças e
diferenças entre os institutos nos seus países de aplicação. Por fim, serão analisadas as
problemáticas existentes no ordenamento jurídico português no que tange à regulamentação das
uniões de facto conforme a legislação vigente, quando comparado com a abordagem da
legislação brasileira vigente. O estudo desenvolveu-se a partir da pesquisa teórica por
intermédio de estudo bibliográfico de abordagem qualitativa, com ênfase em procedimentos
conceituais e críticos.
Abstract
The article aims to discuss the application of family law rules in Portuguese and Brazilian legal
systems regarding the configuration of in fact unions and stable unions, respectively, in order
to understand what legal regulation and protection is for participants in this family
configuration. The work will demonstrate how the legislative and jurisprudential approach of
both institutes in their respective legal systems develops, as well as the requirements for their
configuration and their viability according to the guarantee of fundamental rights to the
participants of these family entities. Thus, the research will analyze how both legal systems
understand family law regarding this specific family entity, demonstrating the similarities and
differences between institutes in their countries of application. Finally, the problems existing in
the Portuguese legal system with regard to the regulation of unions in fact according to current
legislation will be analyzed, when compared to the current Brazilian legislation approach. The
study was developed from theoretical research through a bibliographic study of a qualitative
approach, with emphasis on conceptual and critical procedures.
INTRODUÇÃO
1
Leandro, Maria Engrácia. (2006). Transformações da família na história do ocidente. Braga: Theologica, p. 02.
7
Dessa forma, o direito de família moderno brasileiro conta com inovações e rege-se
especialmente por princípios – explícitos e implícitos no ordenamento. Dentre os quais, vale a
pena destacar: o princípio da ratio do matrimônio e da união estável – assim identificada a união
de facto no ordenamento brasileiro – segundo o qual a afetividade e a necessidade de completa
comunhão de vida são os fundamentos básicos da vida conjugal; o princípio da igualdade
jurídica entre os cônjuges e companheiros, no que tange aos seus direitos e deveres; o princípio
da igualdade jurídica de todos os filhos, também positivado nos artigos 227, §6º, CRFB/88 e
artigos 1.596 a 1.629 do Código Civil brasileiro (CC/2002); o princípio da pluralidade familiar,
que valoriza a família matrimonial e entidades familiares (união estável) de maneira equânime;
2
Tartuce, Flávio. (2006). Novos princípios do direito de família brasileiro. Seminário virtual: Âmbito Jurídico, p.
02.
8
Cabe ressaltar que estes são apenas alguns princípios que devem ser entendidos
enquanto base obrigatória para o melhor entendimento do direito de família na organização
jurídica brasileira, enquanto valores sociais a serem mantidos, e que servem como norte para
interpretação da legislação civilista familiar.
Para melhor entendimento do instituto das uniões de facto, é essencial dar enfoque à
perspectiva da mutabilidade das relações interpessoais, mais especialmente no que tange às
relações fundamentadas pela afetividade. Não obstante as limitações políticas e culturais de
cada sociedade – as quais inevitavelmente determinam a rapidez da evolução social no que
tange aos institutos legais – em ambos os ordenamentos jurídicos, o direito de família estabelece
uma nova roupagem na sociedade contemporânea. Isto é, a compreensão da entidade familiar,
agora não proveniente necessariamente de um casamento formal – entendido aqui enquanto
matrimônio, para fins legais – deve ser observada enquanto uma evolução jurídico-social, tendo
em vista a facilidade de construção e viabilidade financeira desse tipo familiar para muitos
núcleos afetivos. Especialmente, no que tange à realidade brasileira.
No Brasil, o instituto da união estável surge como uma das diversas formas alternativas
de construção familiar ao matrimônio, sendo resultado das mudanças nos núcleos familiares da
contemporaneidade – que juntamente com a facilidade promovida pela informalidade e pela
economia financeira – torna-se uma forma de entidade familiar que aparece no ordenamento
pelos costumes e é acolhida pelo Direito.
A observação social dos fatos nas relações familiares revela dados novos, como as
famílias monoparentais, as uniões entre pessoas do mesmo sexo, a filiação
socioafetiva, num horizonte que revaloriza a família desatando alguns nós. Clama-
se, e não é de agora, por um Direito de família que veicula amor e solidariedade.
Em verdade, uma lei se faz código no cotidiano concreto da força construtiva dos
fatos, à luz de uma interpretação conforme os princípios, época e valores
constitucionais. Será no porvir que a sociedade brasileira poderá nele ver uma família
aberta e plural, até por que não pode haver família plenamente justa numa sociedade
escancaradamente injusta.
De outra forma, o direito familiar português obteve larga influência do direito romano
e da doutrina imposta pela igreja – segundo os quais o matrimônio tinha carácter indissolúvel e
sacramental – e, posteriormente, nos séculos XII e XIII, obtém-se a construção jurídica do
instituto por meio do direito canônico, a ser aplicado pelo Estado, cuja normas tinham carácter
indissolúvel, perpétuo, monogâmico, heterossexual e sacramental. Apenas no final do século
XVIII, há a imposição de um modelo matrimonial universal – solene, sacramental, indissolúvel,
monogâmico e heterossexual – e contrário às práticas não solenes de construção familiar,
combatendo fortemente a “marginalidade” das relações particulares4.
3
Fachin, Edson Luiz. (2000). Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, p. 332.
4
Coelho, Francisco Pereira; Oliveira, Guilherme. (2003). Curso de direito da família: Introdução direito
matrimonial. Coimbra: Coimbra Editora.
10
núcleos familiares – tendo em vistas que podem coexistir em ambos os sistemas jurídicos, sem
acarretar na exclusão de uma em detrimento da outra; e da liberdade, fundamentando-a no livre
poder de constituir uma comunhão de vida familiar por meio de quaisquer um dos institutos já
referidos.
5
Coelho, Francisco Pereira; Oliveira, Guilherme. (2003). Curso de direito da família: Introdução direito
matrimonial. Coimbra: Coimbra Editora.
11
6
Coelho, Francisco Pereira; Oliveira, Guilherme. (2003). Curso de direito da família: Introdução direito
matrimonial. Coimbra: Coimbra Editora.
12
jurisprudência7 atuais não definem questões de gênero e sexualidade como condição a ser
cumprida pelos indivíduos para que obtenham a proteção da lei sobre a sua união de facto
construída, passo que é considerado importante na garantia de direitos fundamentais e direitos
de personalidade.
Todavia, como inicialmente exposto, no que tange aos efeitos práticos do instituto da
união de facto, houve notadamente uma limitação pelo legislador português, que previu amarras
legais para comprovação e efetivação da relação de maneira análoga ao casamento. Isto é, os
artigos 3º, 4º e 5º da LUF preveem um rol exemplificativo de direitos concedidos aos unidos de
facto, dentre alguns muito próximos à proteção prevista aos cônjuges, como a proteção da casa
de morada e de família (art. 3º, alínea a). Por outro lado, nota-se que, em sua maioria, os direitos
detentores de proteção aos unidos de facto têm aspecto trabalhista, previdenciário e tributários,
momento em que o legislador português prima pela análise individualista do instituto,
esquecendo-se de quem deve ser o protagonista e motivo principal da união: o afeto. Perde-se
o carácter familiar o instituto ao passo em que o legislador pretende proteger primordialmente,
dentro do âmbito familiar, questões relativas à seara trabalhista e previdenciária.
Ainda, em matéria de paternidade, deve ser aplicado as disposições do código civil
português (CCiv.) no que couber, o que implica dizer que, o artigo 1871º, nº 1, alínea c, estipula
que esta presume-se quando, durante o período legal de concepção, a mãe e o pretenso pai
vivessem em união de facto; bem como, as responsabilidades parentais serão garantidas em
conjunto por ambos, quando a filiação for relativamente dos dois, conforme previsto no artigo
1911º, nº 1 da mesma legislação. Ainda, o artigo 1904º prevê que, findada a união de facto por
morte de um dos seus membros, as responsabilidades parentais ficam sob o exercício do
membro sobrevivo; enquanto o artigo 1911º, nº 2, prevê que rompendo-se a união de facto, será
aplicado ao regime do divórcio as responsabilidades parentais.
Por outro lado, é válido destacar que, ainda que a heterossexualidade não seja requisito
obrigatório para configuração do instituto, no que tange às maneiras alternativas de filiação, o
artigo 7º da LUF atribui aos coniventes de sexo diferente o direito de adoção em conjunto
segundo as condições estabelecidas no artigo 1979º do código civil português, ficando os unidos
de facto homossexuais submetidos ao regime de adoção por pessoas não casadas8.
7
O Tribunal da Relação de Lisboa, por meio da Apelação nº 6284/2006-8 de 15 de fevereiro de 2007, sob a redação
do relator Pedro Lima Gonçalves, ilustra “O casamento não é a única forma de constituir família; as uniões de
facto, registadas ou não, entre pessoas os memos sexo são também uma forma de constituir família”.
8
Cavaleiro, Tiago Nuno Pimentel. (2015). A união de facto no ordenamento jurídico português: análise de alguns
aspectos de índole patrimonial. Coimbra: Universidade de Coimbra, p. 10.
13
Bem como, o artigo 6º, nº 1 da lei 32/2006 prevê pela possibilidade de as pessoas que
não se encontrem separadas judicialmente de pessoas e bens ou separadas de facto; ou as que,
sendo de sexo diferente, vivam em condições análogas às dos cônjuges há pelo menos dois
anos, recorreram às técnicas de procriação medicamente assistidas, vedando assim os unidos de
facto homossexuais esse direito9.
No que tange à seara patrimonial, a Lei de União de Facto não dispõe especificamente
acerca dos regimes a serem adotados em caso de dissolução, ou do quinhão sucessório
específico a ser disposto, em caso de dissolução da união por morte de um dos membros, ao
membro sobrevivo, tais como dispostas tais condições no capítulo relativo ao instituto do
casamento na legislação civilista, respectivamente enquanto “regime de bens” e “meação” do
cônjuge sobrevivente na sucessão. Dessa forma, as questões de partilha patrimonial do casal
serão regidas pelo direito obrigacional e real, o que implica compreender que os membros da
união de facto, nesse momento, serão considerados “estranhos” um ao outro, podendo cada um,
contrair dívidas, arrendar, dar ou tomar arrendamento de imóveis e móveis de forma individual.
Sendo assim, a previsão proibitiva constante no artigo 1714º do código civil, pelo qual os
cônjuges não poderão contratar entre si em determinadas questões, não se aplica aos unidos de
facto.
Ocorre que, as relações familiares, em regra, têm como aspecto a vida em economia
comum, e na união de facto não seria diferente. Por esse motivo, tendo em vista a intenção de
manutenção da vida a dois de forma duradoura, e que durante esse período ambos os membros
da união de facto contraem dívidas, firmam negócios, adquirem bens e movimentam contas
bancárias, insurge a necessidade de haver uma forma de regular de forma notarial os aspectos
patrimoniais da relação.
O “contrato de coabitação”, então, poderia ser utilizado – se adotado no ordenamento
jurídico português – para inventariar bens, fizer presunções sobre a propriedade de
determinados bens, contribuição de cada um dos membros nas despesas, etc., devendo ser
apreciado cláusula por cláusula, de modo a não se configurarem em negócio jurídico ilícito ou
ilegal. Tal instrumento é aceito de forma recorrente em alguns países como Estados Unidos,
Canadá e Holanda, porém, em Portugal a questão ainda não tem sido posta em análise para
aplicação.
Logo, observa-se que o instituto das uniões de facto não é detentor de uma tutela legal
tão ampla como o instituto do casamento no ordenamento jurídico português; bem como, as
9
Cavaleiro, Tiago Nuno Pimentel. (2015). A união de facto no ordenamento jurídico português: análise de alguns
aspectos de índole patrimonial. Coimbra: Universidade de Coimbra, p. 10.
14
questões relativas ao casamento em muito não são interpretadas pelo jurista português de modo
ampliativo, de forma a abarcar as relações de facto de maneira análoga. É evidente a evolução
da questão por parte do legislador português nas últimas décadas, que tem demonstrado
progressivo reconhecimento de direitos aos unidos de facto – especialmente na seara laboral,
fiscal e previdenciária –, entretanto, face à dinamicidade das relações afetivas na atualidade, é
necessária maior – e mais sensível – tutela jurisdicional à questão, de modo a torná-la um
instituto detentor dos direitos de família, bem como o casamento.
10
Gonçalves, Helanne Barreto Valera. (2015). O respeito a liberdade de amar ou a Ruptura do modelo monogâmico
de família? Curitiba: Conpedi, p. 11.
11
Dias, Maria Berenice. (2005). Conversando sobre família, sucessões e o novo código civil. Porto Alegre: Livraria
do Advogado.
15
familiar a união estável entre homem e mulher, configurada na convivência pública, contínua,
duradoura e com a finalidade de construção familiar. Bem como na legislação portuguesa, o
parágrafo 1º do mesmo artigo ainda indica que os impedimentos do instituto do casamento
também serão aplicados ao regime das uniões estáveis.
Isto posto, a doutrinadora Maria Berenice Dias12, segundo o contexto familiar do
direito brasileiro, entende que “hoje, o que leva a inserir um relacionamento no âmbito do
Direito de Família é o afeto, independente da sacralização da união, da finalidade procriativa e
até do sexo de seus integrantes”.
Assim, de forma convergente e sem embargo da disposição legal, o Supremo Tribunal
Federal Brasileiro (STF) – órgão máximo da corte brasileira – decidiu em julgamento
conjunto13 que as uniões estáveis homoafetivas são consideradas entidades familiares, das quais
decorrem todos os direitos e deveres advindos de uma união estável entre homem e mulher,
razão pela qual a legislação em comento deverá ser interpretada de modo ampliativo, com a
finalidade de garantir os direitos de personalidade dos interessados.
Isto posto, a legislação civilista brasileira ainda dispõe, no mesmo capítulo, acerca das
responsabilidades paternais dos companheiros (artigo 1.724º); da possibilidade de conversão da
união estável em casamento, se do interesse dos envolvidos (artigo 1.726º); e, da aplicação do
regime da comunhão parcial de bens para regulação dos efeitos patrimoniais da união estável
(artigo 1.725º).
De forma convergente a legislação, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Supremo
Tribunal de Justiça (STJ) decidiram14, em 2017, que a união estável e o casamento possuem o
mesmo valor jurídico em termos de direito sucessório, isto é, os companheiros têm os mesmos
direitos a heranças que os cônjuges; sendo que, tal equiparação sucessória também abarca
cônjuges e companheiros homossexuais. Ambas as decisões têm repercussão geral e servem
para todas as lides sucessórias nas diferentes instâncias da Justiça.
Em face do posicionamento do judiciário brasileiro, percebe-se a aplicação equiparada
de vários dispositivos legais a ambos os institutos, sendo exemplos: as questões relativas a
12
Dias, Maria Berenice. (2005). Conversando sobre família, sucessões e o novo código civil. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, p. 67.
13
Por meio de ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132 e ação de Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 4277 julgadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Brasil.
14
No ano de 2017, o STF, ao julgar os Recurso Extraordinário nº 878694 e o Recurso Extraordinário nº 646721,
reconheceu a inconstitucionalidade do artigo 1.730 do Código Civil, passando a aplicar o artigo 1.829 do Código
Civil também nas sucessões das famílias formadas pela união estável. Cumpre lembrar que esse já era o
entendimento do STJ: "Comprovada a existência de união homoafetiva, é de se reconhecer o direito do
companheiro sobrevivente à meação dos bens adquiridos a título oneroso ao longo do relacionamento." - (STJ
– Jurisprudência em tese – nº 50 – de 11.02.2016).
17
15
Cavaleiro, Tiago Nuno Pimentel. (2015). A união de facto no ordenamento jurídico português: análise de alguns
aspectos de índole patrimonial. Coimbra: Universidade de Coimbra, p. 17.
18
16
Cavaleiro, Tiago Nuno Pimentel. (2015). A união de facto no ordenamento jurídico português: análise de alguns
aspectos de índole patrimonial. Coimbra: Universidade de Coimbra, p. 20.
19
legislação civil portuguesa. Ocorre que, devido à sujeição do contrato de coabitação à ordem
pública e bons costumes, as partes ficar-se-ão impossibilitadas de negociarem direitos e
obrigações de cunho pessoal – a exemplo dos deveres conjugais presentes no artigo 1676º da
mesma lei –, podendo acordar apenas sobre as questões patrimoniais advindas da união.
Além disso, é necessário pontuar que, conforme disposto pelo artigo 125º do CCiv, o
contrato de coabitação firmado entre menores de 18 anos – momento em que, em regra, cessa
a incapacidade do menor – é ferido de anulabilidade, ainda que seja existente a união de facto
pelos mesmos. Ainda, o mesmo efeito se repete aos interditos (artigos 138º e seguintes do CCiv)
e aos inabilitados (artigos 152º e seguintes do CCiv), os quais não dispõem de capacidade
negocial.
Ademais, quanto à forma a ser adotada para realização do negócio jurídico, este terá,
em regra, forma livre, a ser acertada pelas partes da forma que acharem-lhes melhor – de
preferência, na forma escrita como meio de garantir a segurança jurídica do negócio –; salvo
nas ocasiões em que o objeto do contrato exija uma forma predeterminada para sua realização,
momento em que a lei indicará a necessidade: por exemplo, a transmissão de direito sobre
imóvel deverá ser celebrada por contrato na forma de escritura pública ou documento particular
autenticado.
Assim, feita exposição breve acerca do dispositivo jurídico, o contrato de coabitação
a ser realizado entre os unidos de facto caracteriza-se como uma alternativa de regulamentação
dos efeitos patrimoniais relativos aos bens amealhados – e outras determinações – durante a
vigência da união. Todavia, como já exposto anteriormente, tal negócio jurídico não é utilizado
ou mesmo previsto pela legislação portuguesa de maneira concreta, com finalidade especifica,
sendo apenas uma análise jurídica doutrinária a ser realizada pelos juristas com a finalidade de
garantir direitos aos conviventes e eventualmente ser adotada como instrumento jurídico.
CONCLUSÃO
questões importantes da construção familiar, que não podem deixar de serem resolvidas, como
por exemplo a questão patrimonial17.
Tendo em vista que o presente trabalho reside na comparação das legislações sobre as
uniões de facto – ou união estável – nos ordenamentos jurídicos português e brasileiro, faz-se
mister analisar o panorama conjugal brasileiro no que tange às uniões estáveis.
Assim, nota-se que a estrutura legal do Brasil interpreta ambos os institutos de forma
equânime, tendo o legislador se utilizado de princípios constitucionais para embasar tal
entendimento, em especial, o princípio da dignidade da pessoa humana, que é o alicerce para
17
Cavaleiro, Tiago Nuno Pimentel. (2015). A união de facto no ordenamento jurídico português: análise de alguns
aspectos de índole patrimonial. Coimbra: Universidade de Coimbra, p. 47.
21
Nesse mesmo entendimento estão Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho18
quando percebem que “A atuação estatal não poderia invadir essa esfera de intimidade, pois,
em uma relação de afeto, são os protagonistas que devem estabelecer as regras aceitáveis de
convivência, desde que não violem a sua dignidade, nem interesse de terceiros (...)”.
Dessarte, feita a exposição do panorama jurídico-familiar de ambos os países de forma
comparada, acerca do instituto das uniões de facto/estáveis, conclui-se pelo presente trabalho
que estes têm relevantes semelhanças e complexas diferenças entre si. É apreciável o interesse
do legislador português em regular as relações afetivas atuais, atualizando-se de acordo com a
dinamicidade das construções familiares, todavia, o mesmo demonstra tamanha preocupação
na banalização e exclusão do casamento enquanto forma tradicional de formação familiar, como
se não pudessem haver diversos modos de construí-la, cabendo ao particular escolher a melhor
modalidade para si, e ao Estado, proteger os indivíduos ali envolvidos.
A LUF dispõe de direitos relativos às uniões de facto que majoritariamente têm cunho
trabalhista, previdenciário e tributário, os quais não são únicos se tratando de uma unidade
familiar e não empresarial. Assim, em vista da atual solução obrigacional dada ao fim das uniões
de facto – por partilha de bens ou por tutela sucessória – nota-se um afastamento de tais uniões
do panorama familiar e conjugal, tratando-as enquanto sociedades empresariais, perdendo o
cunho afetivo da união.
Negar a existência de direitos seria negar a própria dignidade dos que vivem neste tipo
de relação, reconhecer apenas direitos patrimoniais seria um equívoco, pois quem
18
Gagliano, Pablo Stolze; Filho, Rodolfo Pamplona. (2012). Direito de Família: As famílias em perspectiva
constitucional. São Paulo: Saraiva, p. 108.
19
Marques, Laís Arcanjo do Nascimento Teixeira. (2017). O reconhecimento do concubinato como entidade
familiar e as respectivas consequências no direito sucessório. Paraíba: Universidade Federal da Paraíba, p. 39.
22
mantém uma relação como esta tem a intenção de constituir uma relação de afetividade
e não de constituir uma sociedade de fato.
Por fim, nota-se, no âmbito das relações familiares a serem protegidas e promovidas
pelo Estado, que o ordenamento legal brasileiro demonstra melhor acolhimento às uniões
estáveis – dentre as diversas formas de formação familiar – lá existentes enquanto uniões
afetivas detentoras de proteção pelo direito de família. Tal aspecto deve, então, ser reanalisado
e considerado pelo ordenamento jurídico-familiar português, de modo a priorizar aspectos
afetivos merecedores de proteção estatal, e diferenciando-os de institutos empresariais, devido
à notável diferença de intenção dos envolvidos no momento de formação.
BIBLIOGRAFIA CITADA
Dias, Maria Berenice. Conversando sobre família, sucessões e o novo código civil. - Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2005.
Fachin, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
Gagliano, Pablo Stolze; Filho, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil. Direito de
Família: As famílias em perspectiva Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012.
Tartuce, Flávio. Novos Princípios do Direito de Família Brasileiro. Temas atuais do Direito
de Família, Âmbito Jurídico: Seminário Virtual, maio de 2006, pp. 1-15.
LEGISLAÇÕES CITADAS
PORTUGAL. Código Civil – Lei nº 47.344, de 25 de setembro de 1966. 14ª edição. Coimbra:
Edições Almedina, 2022. ISBN 978-989-40-0325-0.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial
da União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n. 8, p. 1-74, 11 jan. 2002. PL 634/1975.
JURISPRUDÊNCIA
BRASIL. Supremo Tribunal Federal, ADPF nº 132, de 5 de maio de 2011. Relator: Ministro
Ayres Brito.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal, ADI nº 4277, de 5 de maio de 2011. Relator: Ministro
Ayres Brito.