Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
COMUNICAÇÃO E CULTURA CONTEMPORÂNEAS
TELEJORNALISMO
E A TEMÁTICA POLICIAL NO BRASIL:
Análise cultural de gênero dos programas Brasil Urgente
e Cidade Alerta
Salvador, BA
2014
CAROLINA SANTOS GARCIA DE ARAÚJO
TELEJORNALISMO
E TEMÁTICA POLICIAL NO BRASIL:
Análise cultural de gênero dos programas Brasil Urgente
e Cidade Alerta
Salvador, BA
2014
2
Sistema de Bibliotecas da UFBA
Inclui anexos.
Orientadora: Fernanda Maurício da Silva.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Comunicação,
Salvador, 2014.
CDD - 070.195
CDU - 070.4 3
Para Ceci. Raio de luz e amor, força para escrever.
4
AGRADECIMENTOS
5
“Longo e difícil percurso, embora secretamente iluminado (benjaminianamente)
pelas palavras de Gramsci: ‘só investigamos de verdade o que nos afeta’, e afetar
vem de afeto”.
Jesús Martin-Barbero, 2002.
6
ARAÚJO, Carolina Santos Garcia de. Telejornalismo e a temática policial na TV
brasileira: análise cultural de gênero nos programas Brasil Urgente e Cidade Alerta.
185 fls. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Comunicação e
Cultura Contemporâneas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2014.
RESUMO
Esta dissertação tem como principal objetivo identificar marcas que configuram o
reconhecimento da temática policial no telejornalismo brasileiro a partir da análise de
gênero. Colocamo-nos no âmbito dos gêneros televisivos, que para nós caracterizam-
se não como rótulos ou formas pré-definidas, mas como estratégias interativas que se
configuram a partir de situações específicas e contextuais, o que nos faz compreendê-
los como uma categoria cultural. Em termos teóricos, tal compreensão se apoia nos
pressupostos dos Estudos Culturais e no entendimento do telejornalismo enquanto
uma instituição social e uma forma cultural, conforme Raymond Williams. Em
termos metodológicos, ela se apoia nas propostas formuladas por Jesús Martín-
Barbero e Jason Mittell, que entendem, respectivamente, o gênero como uma
estratégia de comunicabilidade, e como uma categoria que se forma cultural e
discursivamente a partir da indústria, da recepção, da academia e da crítica televisiva.
Analisamos os programas Brasil Urgente (TV Bandeirantes), Cidade Alerta (TV
Record) e suas versões regionais - Brasil Urgente Bahia e Cidade Alerta Bahia –
atentando para o modo como eles se constroem como exemplares contemporâneos do
subgênero telejornal policial e como possibilitam tal reconhecimento. Concluímos
que o subgênero caracteriza-se predominantemente pela atuação do apresentador,
cujo discurso verbal se concentra na valorização da instituição policial e da violência
como principal problema social do país. Tal subgênero negociam ainda com
elementos do melodrama e do entretenimento, estratégias que se vinculam aos
programas ditos populares e às práticas do gênero policial no cinema e na literatura.
Tal influência, no entanto, é discursivamente velada em favor de um alinhamento a
padrões do telejornalismo, que historicamente se orienta pela recusa a estes
elementos.
7
ABSTRACT
This dissertation has as principal aim identify the brands that shape the recognition of
police theme on brazilian telejournalism from gender analysis. We place ourselves
here in the analysis of television genres, which for us is not configured as a result of
not pre-defined labels or forms, but as interactive strategies that are configured based
on specific and contextual situations, what makes us understand them as a cultural
category. Theoretically, this understanding is based on the assumptions of Cultural
Studies and at the understanding of television journalism as a social institution and a
cultural form, in accordance with Raymond Williams. In methodological terms, it
supports the proposals made by Jesús Martín-Barbero and Jason Mittell, who
understand, respectively, gender as a strategy of communicability, and as a category
that cultural form and discursively from industry, reception, academic field and
television criticism. We analyzed Brasil Urgente (TV Bandeirantes) and Cidade
Alerta (TV Record) programs and its regional versions - Brasil Urgente Bahia and
Cidade Alerta Bahia – paying attention to how they are constructed as contemporary
exemplaries of subgenre TV newscast policial and how they allow the recognition.
We conclude that the subgenre is characterized predominantly by the performance of
the presenter, whose verbal discourse focuses on the valuation of the police
institution and the understanding of violence as a major social problem in the
country. That subgenre still negotiate with elements of melodrama and
entertainment, strategies that are linked to popular programs and practices of the
detective genre in film and literature. This influence, however, is discursively veiled
in favor of an alignment to standards in television journalism, which historically is
guided by the refusal of these elements.
8
LISTA DE FIGURAS
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................... p. 11
1 PRESSUPOSTOS DA ANÁLISE CULTURAL: REFERÊNCIAS
TEORICAS E METODOLÓGICAS................................................................... p. 18
1.1 Os Estudos Culturais e os meios de comunicação............................................. p. 18
1.1.2 A televisão e o jornalismo como objeto da análise cultural...................... p. 25
1.2 Proposta analítica.............................................................................................. p. 29
1.2.1 Gênero televisivo como categoria cultural.................................................. p. 31
1.2.2 Estrutura de sentimento............................................................................... p. 40
1.2.3 Modo de endereçamento e operadores de análise...................................... p. 43
5. REFERÊNCIAS................................................................................................. p. 179
6. ANEXOS............................................................................................................. p. 184
10
INTRODUÇÃO
Este termo ganhou força na crítica televisiva entre as décadas de 1950 e 1980,
funcionando como um dispositivo genérico de programas que compartilhavam
características específicas. Ser “mundo-cão” significava dar preferência ao grotesco e
às mazelas da vida do cidadão comum, entre as quais as situações de crime e
violência se encaixam. No entanto, as experiências contemporâneas dos programas
que se dedicam à cobertura dos crimes e das situações de violência nos mostra que
tal alcunha pode não ser definitiva. Isto porque têm-se observado que mais do que
uma cobertura grotesca e sensacional, estes programas desejam aproximar-se dos
padrões referenciais do telejornalismo brasileiro, no intuito de suprimir a alcunha
“mundo-cão” e sua faceta pejorativa. Esta pelo menos, é uma estratpegia que vem
sendo afirmada pelas emissoras e equipes desses programas, e que tem reverberado
na crítica e nas pesquisas acadêmicas, que agora parecem reconhecer a existência de
um “programa policial” ou mesmo “telejornal policial”. É neste momento em que
classificar tais programas, entender de que forma se orientam quanto à prática e ao
gênero, torna-se uma tarefa ainda mais complexa.
11
atuação predominante do apresentador; acionamento de certos códigos da cultura
popular como o melodrama e a oralidade. O relato do crime e as consequências do
fato noticiado, a sua investigação, ficariam em segundo plano, quando relacionadas à
atuação e articulação discursiva verbal do apresentador. Estrategicamente, o
programa se colocava como um poder mediador entre as camadas mais pobres da
população e o Estado, através do tema da segurança pública.
Este primeiro trabalho nos chamou a atenção ainda de que, embora fosse classificado
como jornalístico - o que no nosso entendimento, estabelece uma promessa em
relação a formato, e aos valores e premissas de que irá se valer para referir-se à
audiência - o programa se utilizava fortemente de estratégias historicamente
vinculadas aos programas de auditório, aos shows, aos programas radiofônicos e aos
produtos ficcionais no âmbito do gênero policial do cinema e da literatura. Dessa
forma que optamos por continuar o trabalho de pesquisa em programas televisivos
considerando mais fortemente a sua construção no âmbito dos gêneros, atentando
para os seus aspectos históricos e culturais.
1
Nossa proposta inicial pretendia a análise dos programas Hoje em Dia Bahia (Record Bahia, antiga
TV Itapoan, afiliada da TV Record do Estado da Bahia); Hoje em Dia Bahia (BAND Bahia, afiliada
da TV Bandeirantes) e Globo Esporte Bahia (TV Bahia, emissora afiliada). Os dois primeiros
programas foram extintos e o terceiro continua a ser exibido.
12
Além da familiaridade com o objeto e sua importante presença na grade televisiva,
outro aspecto chamava a nossa atenção, que eram as inconstâncias em torno do
reconhecimento e dos discursos sobre desse tipo de programa. Programa popular,
programa policial, programa sensacionalista, telejornal temático, telejornal policial,
ou mesmo indefinido são algumas das classificações atribuídas a uma mesma
atração, como o programa Brasil Urgente, por exemplo. Embora se tornem cada vez
mais presentes na grade, circulam predominantemente as críticas negativas,
sobretudo no campo da crítica televisiva especializada.
Nosso objetivo central tornou-se identificar quais são as marcas que operam, ou
predominam no reconhecimento genérico deste tipo de programa considerando o
repertório da TV brasileira. Partimos da premissa de que os gêneros televisivos
atuam como categorias culturais, ou seja, não como resultado não de rótulos ou
formas pré-definidas, mas sim como estratégias de comunicabilidade que estão
sujeitas a situações especificas e contextuais. Logo, gênero é compreendido aqui
como uma estratégia que se constrói historicamente, reafirmando, negando ou
atualizando elementos específicos. Desse modo, procuramos compreender o que
significa falar de programa jornalístico policial na televisão brasileira na
contemporaneidade, considerando também a trajetória construída historicamente
pelos programas que privilegiam a cobertura policial.
13
entende o gênero enquanto uma categoria que se forma cultural e discursivamente a
partir da indústria, da recepção, da academia e da crítica televisiva. Ambos os autores
buscam entender o gênero televisivo considerando a totalidade do processo
comunicativo em que ele está inserido.
Escolhemos como objetos de análise para estre trabalho os programas Brasil Urgente
e Cidade Alerta por sua representatividade na grade televisiva brasileira, em termos
de tempo de exibição e índices de audiência – aspectos relevantes para o tipo de
análise que pretendemos. Acolhemos a perspectiva de uma análise comparativa,
aproveitando a exibição de suas versões regionais, por acreditar que esta estratégia
nos revela os limites e potencialidades do reconhecimento genérico, para além de
marcas contemporâneas de construção. Como o gênero opera nas circunstâncias em
que programas com apresentadores e cenários diferentes possuem o mesmo nome? O
que faz com que eles se coloquem num mesmo lugar, apesar de se dirigirem a
públicos distintos, para nós também uma questão de gênero, e que só se explica pelo
âmbito cultural, porque depende mais da ativação de certas práticas e códigos
historicamente construídos do que de padrões estabelecidos.
Entendemos que os programas Brasil Urgente e Cidade Alerta podem ser entendidos
como exemplos do subgênero “programa jornalístico policial”, conforme análises já
efetuadas no âmbito do Grupo de Pesquisa2. Selecionamos em nosso corpus de
2
Silva (2005) destaca que no esforço inicial pela consolidação da Metodologia, o Grupo de Pesquisa
opta por dividir o conteúdo televisivo em programas de auditório, programas jornalísticos, ficção
seriada, publicidade e realities shows. Telejornais e programas temáticos (como o policial)
funcionariam como subgêneros dos programas jornalísticos. No trabalho de Duarte (2007), que no
mesmo contexto de aplicação desta metodologia analisa os programas Brasil Urgente e o Cidade
Alerta entende estes conteúdos como programas jornalísticos temáticos, do âmbito policial,
reconhecimento que adotamos aqui pelo esforço de análise já empregado, sob os mesmos referenciais
adotados aqui.
14
análise a partir de programas gravados entre os meses de novembro de 2012 e maio
de 2013, de modo randômico. O período selecionado não se vincula a nenhum evento
específico ou imprescindível para a análise, pois para nós, mais importante que
verificar o modo como tais programas se endereçam aos seus públicos, é perceber
como eles se articulam a marcas que se constroem historicamente, e como, na
contemporaneidade, contribuem para o reconhecimento da temática policial.
15
fortemente utilizados nestes programas e que eles sobrevivem à sazonalidade destes
programas na grade. Estes elementos vão reverberar na complexa articulação que
estes programas vão fazer, e que se torna evidente, com estratégias utilizadas tanto
pelos programas populares quanto pelos telejornais.
Para nós, faz-se ainda de extrema importância registrar neste trabalho que, embora o
modo randômico para coleta do nosso corpus não interfira na qualidade de nossa
análise, esta não foi a nossa opção prioritária. Tornou-se a partir da imensa
dificuldade em registrar estes objetos, que são exibidos quase que ao mesmo tempo,
e pela falta de apoio por parte das emissoras em viabilizar o acesso a estes conteúdos,
16
mesmo que apenas para fins acadêmicos. Há uma dificuldade estrutural de análise
destes programas não só pela partilha do horário na grade, mas também na própria
veiculação, já que boa parte dos canais por assinatura não veicula programação
local/regional. Isso significa que por vezes, são necessários dois aparelhos de TV
para acompanhar, em tempo real, as versões regional e nacional. Desse modo que o
apoio das emissoras – que disponibilizam apenas pequenos trechos dos programas
em seus respectivos sites –, na disponibilização desses conteúdos seria fundamental.
É sabido que para um analista, é necessário voltar ao objeto quantas vezes for
preciso. A opção que nos restou diante de tais dificuldades foi a de recorrer às
empresas de clipagem televisiva, que a custos elevados comercializam, na maioria
das vezes, apenas trechos ou matérias veiculadas nos programas. Esta dificuldade
evidencia aspectos culturais que acabam por reverberar em nossa analise, porque
sinalizam o modo como a televisão e o seu conteúdo são tratados dentro da esfera de
produção cultural no país: não como um patrimônio, mas sim como um bem de
mercado3.
3
Esta realidade em torno do acervo televisivo brasileiro é um dos interesses de investigação do Grupo
de Pesquisa em Análise de Telejornalismo, e vem sendo debatido a partir de atividades realizadas com
professores de outras Universidades, a exemplo do Seminário Internacional Estudos de Televisão
Brasil-França, realizado em 2013 na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia.
Sobre este assunto, ver mais em GOMES, Itania Maria Mota. Constrangimentos históricos para
constituição de uma política pública de conservação e acesso ao acervo televisivo no Brasil. Revista
do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Escola de Comunicação da
Universidade Federal do Rio de Janeiro - ECOPÓS. Vol. 17, n. 1, 2014. Disponível em:
http://revistas.ufrj.br/index.php/eco_pos/article/view/1292/pdf_21
17
1. PRESSUPOSTOS DA ANÁLISE CULTURAL: REFERENCIAL
TEÓRICO-METODOLÓGICO
4
Escosteguy (2001) afirma que esta é a versão sobre as origens dos Estudos Culturais é a mais
lembrada, mas que existem outros relatos que explicitam diferenças nacionais e de propostas teórico-
metodológicas em relação aos objetivos centrais dos Estudos Culturais. Ver ainda nesta referência, e
também em Gomes (2004) mais sobre a origem dos Estudos Culturais a partir da criação do CCCS e
das obras consideradas seminais.
5
Os três títulos possuem publicações em língua portuguesa. Ver E.P. Thompson, A formação da
classe operária inglesa, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987 [1963]. As obras de Hoggart e Williams
constam nas referências do nosso trabalho.
18
ser estudados quando eles mesmos operam durante um considerável período
histórico.
Hoggart, que foi o primeiro diretor do CCCS, reúne na obra The Uses of Literacy
(1973), dividida em duas partes, observações sobre as figuras, os hábitos e atitudes
da classe operária inglesa para compreender as transformações ocorridas com este
grupo, e como ele interage sob a influência dos produtos de comunicação massiva.
Embora revele certa preocupação em relação à qualidade e ao efeito produzido por
alguns destes produtos, Hoggart compreende que as relações entre o produto e sua
audiência não se caracterizam por uma troca unilateral e degradante, mas sim, a
partir de uma interativa negociação que considera os modos fundamentais desse
grupo agir e pensar.
Já Raymond Williams foi um dos teóricos ligado aos Estudos Culturais que mais
contribuiu com o campo da comunicação. Em Culture and Society (1958), ele propõe
uma revisão teórica do termo “cultura”. A partir desse esforço, ele compreende que
as transformações em torno das utilizações e dos significados deste termo não
derivam apenas da produção cultural, da indústria e da tecnologia. Eles surgem de
transformações ocorridas no âmbito do processo histórico, que por sua vez acomete
em transformações também ocorridas nos termos indústria, classe e democracia e
arte. Nesse sentido, “indústria”, “democracia”, “arte”, “classe”, e “cultura” acabam
formando um sistema de referência.
19
sobretudo, em formas de conceber a natureza da relação social” (GOMES, 2004, p.
128). Se cultura então é modo de vida, e não artefato ou conhecimento refinado, a
cultura popular e os modos de expressão da classe trabalhadora se legitimam, em
contraponto às ideias de massificação, manipulação das massas e de “cultura sem
classe”6. A proposta de Williams é a que formula, de forma mais explícita, a
premissa central dos Estudos Culturais: a de que a cultura não pode ser pensada fora
das relações com a sociedade.
Não é nosso objetivo ir a fundo nestas obras consideradas seminais, até porque
existem outros temas e perspectivas que orientam as questões no âmbito dos Estudos
Culturais na contemporaneidade. No entanto, entendemos que elas localizam
questões importantes para a compreensão desta proposta teórica e suas contribuições
para o campo da comunicação.
6
Tais ideias circulavam entre as principais correntes teóricas e investigativas da comunicação,
apoiadas sob a perspectiva do modelo matemático da comunicação, que previa uma relação pontual e
unilateral entre meio e receptor. No contexto de surgimento dos EC, a Teoria Funcionalista e a Teoria
Crítica (Escola de Frankfurt) se colocavam em disputa direta em relação ao que propunha os Estudos
Culturais, por se interessarem mais fortemente pelo lado do emissor e seus efeitos sobre a audiência,
encarada como massa.
20
partir de uma dupla agenda: a constituição de um novo projeto político e de um novo
campo de estudos (ESCOSTEGUY, 2001). No campo da política, vincula-se o
esforço destes pesquisadores de pensar novos rumos para a política cultural,
influenciados por vários movimentos sociais surgidos na época, bem como de pensar
criticamente o Marxismo. Do ponto de vista teórico, a própria criação do CCCS
marca a insatisfação destes pesquisadores com os caminhos trilhados por algumas
disciplinas e os limites impostos por elas, que não davam conta de pensar questões
cruciais para eles naquele momento.
Considerado como um dos seus fundadores, Stuart Hall (2003) define os Estudos
Culturais como uma “formação discursiva”7. Isso significa que, mais do que
afinidade textual ou discursiva, o projeto tem como essência o estabelecimento da
tensão e o posicionamento político. Para Hall, de forma inevitável, pensar de acordo
com os Estudos Culturais significa: a) recusar-se a um projeto fechado, e ao mesmo
tempo, reivindicar uma tomada de posições e defesa de interesses; b) Acolher o que
ele chama de “mundanidade” das questões, ou seja, realizar o necessário exercício de
“sujar-se” - identificar as viradas, as conjunturas teóricas que contribuem para a
formação dos EC.
7
Hall refere-se ao conceito de formação discursiva nos termos de Michel Foucault (2009). Vamos
explorar esse conceito mais adiante, na proposta metodológica.
8
O modelo Behaviorista da Comunicação se apoia na perspectiva da psicologia behaviorista, que
defende a ideia de que os comportamentos humanos podem ser descritos em termos de estímulo e
resposta. Esta perspectiva portanto entende o fenômeno comunicacional a partir de uma relação
21
Se a cultura não pode ser pensada fora das suas relações com a sociedade, os
processos simbólicos de produção da cultura (popular, massiva) estão diretamente
imbricados nas práticas institucionais e sociais. Assim, não faz sentido compreender
a audiência como uma massa passiva, nem as mensagens transmitidas pelo meio
como absolutamente transparentes. Para os Estudos Culturais, os meios de
comunicação atuam como “forças sociais e políticas amplas e difusas cuja influência
é quase sempre indireta, sutil e mesmo imperceptível” (GOMES, 2004, p. 228).
Segundo Itania Gomes (2004), as pesquisas vinculadas aos propósitos dos Estudos
Culturais tinham um objetivo claro de contribuir com o campo da comunicação a
partir de um modelo teórico que considerasse de forma central as culturas e as
práticas comunicativas, o que daria conta da investigação sobre os processos de
constituição do massivo a partir de transformações na cultura.
unidirecional, em que o emissor envia o estímulo e o receptor responde pelo efeito. Ver mais em
Gomes (2004).
22
linguagem9 para entender como os meios de comunicação atuam no seio cultural.
Um dos textos que apresentou esse método de forma mais impactante entre estas
pesquisas foi o Codificação e Decodificação, de Stuart Hall, cuja primeira versão foi
publicada em 1973 (ESCOSTEGUY, 2001; ROCHA, 2011).
Trazendo mais especificamente a questão dos produtos televisivos, Hall propõe nesse
texto pensar o processo de comunicação a partir de articulação de momentos
distintos, mas interligados: produção, circulação, distribuição, consumo, reprodução.
O momento da produção e circulação é para Hall um momento privilegiado do
processo. É nesse ponto em que se evidencia a codificação da mensagem, que depois
seria decodificada nos processos de consumo e reprodução.
9
Rocha (2011) identifica que o trunfo metodológico dos Estudos Culturais na pesquisa em
comunicação está na articulação de duas estratégias metodológicas; uma, derivativa das influências da
semiótica e do estruturalismo; e outra, a partir dos estudos etonográficos.
10
Esta abordagem se coloca assumidamente como uma proposta alternativa à oferecida pelos autores
Klaus Bruhn Jensen e Karl Erik Rosengren na obra Five traditions in search of the audience (1990).
Neste trabalho, os autores entendem que cinco tradições de investigação que se dedicam à articulação
dos media com o público receptor: as investigações sobre os efeitos; sobre os usos e gratificações; as
de enfoque culturalista; as análises de recepção, e a análise literária. Estes autores portanto,
23
saber, os Estudos dos Efeitos e os Estudos da Recepção - as correntes de investigação
que se preocupavam com as relações entre os media e a audiência considerando a
figura do receptor.
Agora é possível colocar outros problemas. Não por vontade dos investigadores,
e dos estudiosos, mas pela busca em nossa investigação do que a sociedade, as
24
nossas culturas e a nossa história criaram, e que nós não estamos vendo
(MARTÍN-BARBERO, 1995, p. 42).
É nestes termos então que acolhemos a perspectiva dos Estudos Culturais e suas
contribuições para as pesquisas em comunicação. Como vimos, esta tradição entende
que “a análise dos processos comunicativos não tem por objetivo compreender o
funcionamento dos media em si mesmos e para si mesmos, mas compreender o
funcionamento dos media na sua vinculação com cultura, sociedade e relações de
poder” (GOMES, 2010, p. 8).
11
Culture and Society (1958) e The Long Revolution (1961)
25
A partir deste percurso histórico Williams analisa o desenvolvimento da televisão,
suas formas e os efeitos afim de oferecer uma compreensão que não fosse nem
determinista nem sintomática. Uma das formas pelas quais a televisão teria
constituído esse seu lugar de distinção é através do seu modo peculiar de
organização, denominado por Williams de fluxo - série de unidades sincronizadas e
difundidas em sequência distinta. A partir dessa forma - fragmentada e ao mesmo
tempo, sincrônica e fluida - que a televisão organiza seus conteúdos e formas (ou
gêneros), que por sua vez, se configuram como práticas e produzem sentido. É a
ideia de fluxo, para Williams, que melhor explica a complexa experiência televisiva.
Seria como tratar de ver a experiência de duas peças de teatro, de ter lido três
jornais e três ou quatro revistas no mesmo dia em que um assistiu a um
espetáculo de variedades, a uma conferência e a uma partida de futebol. E no
entanto, em outros sentidos, não se parece em nada a esta última experiência
porque, ainda que as unidades possam ser variadas, a experiência televisiva as
unifica de modo significativo (WILLIAMS, 2011 [1974], p. 126)
Entre as pesquisas de recepção, o meio televisivo aos poucos foi se tornando um dos
objetos mais explorados. Segundo Rocha (2011), muitas dessas pesquisas oscilavam
entre a TV enquanto determinante do significado social, e os telespectador, enquanto
livres interpretantes das mensagens televisivas. O ensaio de Stuart Hall, como já
havíamos colocado, oferece um contraponto e torna-se um marco da análise
televisiva a partir da proposta dos Estudos Culturais.
26
do esquema elaborado por Stuart Hall para entender as relações entre o programa e a
sua audiência12. Esta pesquisa foi importante não só para reforçar o paradigma
teórico-metodológico proposto pelos Estudos Culturais, mas para colocar a televisão
também como um meio central para articulação entre as questões sobre a recepção,
cultura e sociedade.
Pois nos encante ou nos dê asco, a televisão constitui-se hoje ao mesmo tempo
como o mais sofisticado dispositivo de modelamento e deformação da
cotidianidade e dos gostos dos setores populares, e uma das mediações históricas
mais expressivas de matrizes narrativas, gestuais e cenográficos do mundo
cultural popular (...). (MARTÍN-BARBERO, 2002, p. 25).
12
Ver mais em Hall (2003) e Gomes (2004) sobre este trabalho e outras pesquisas que se atém ao
produto televisivo para investigação do processo receptivo, a partir dos pressupostos dos Estudos
Culturais.
27
Reconhecemos esta como uma lacuna preocupante dentro das pesquisas em
comunicação, uma vez que em muitas delas, não se questiona o valor e a importância
cultural que a televisão assume no país. Em 60 anos de história, segundo Arlindo
Machado (2005), a televisão mostra que possui “[...] um repertório suficientemente
denso e amplo para que se possa incluí-la sem esforço entre os fenômenos culturais
mais importantes do nosso tempo” (MACHADO, 2005, p. 15). Para o sociólogo
Renato Ortiz (1988), o desenvolvimento da televisão (que ele localiza no período da
década de 60) é o processo que melhor identifica a própria consolidação da indústria
cultural no Brasil, caracterizando-se assim como um mercado de produção de bens
simbólicos de caráter transformador. Para Ribeiro, Roxo e Sacramento (2010),
13
Como explicamos no tópico anterior, Williams entende a televisão como uma tecnologia e uma
forma cultural e explicita isso em Television (1974). O seu entendimento em relação ao jornalismo
como instituição social ele explicita em Marxismo e Literatura (1971), quando afirma que os meios de
comunicação atuam como uma das instituições formadoras da cultura.
28
referencial de sentidos, ideias, definições e pressupostos que circulam numa
determinada estrutura sociocultural e política particular [...] (ESCOSTEGUY,
2012, p. 26).
Segundo Gomes (2007), assumir o jornalismo enquanto uma construção implica uma
contextualização profunda, que nos mostrará que ele configura-se de certo modo nas
sociedades ocidentais contemporâneas. Ou seja, se estamos falando do Brasil,
devemos considerar elementos que conformam e atualizam as práticas profissionais e
os produtos jornalísticos neste país, como por exemplo a influência do jornalismo
norte-americano, a noção de quarto poder, a relação com o público e o privado,
relação com valores como interesse público, vigilância e credibilidade, entre outros.
Isso sob o entendimento de que “(...) é da ordem da cultura e não da natureza do
telejornalismo ter se desenvolvido desse modo em sociedades especificas” (GOMES,
2007, p. 5).
Propomos, através deste trabalho, contribuir com as pesquisas que tem esse
referencial teórico-metodológico a partir dos gêneros televisivos. Para Gomes (2002;
2010) os gêneros funcionam como um local estratégico de articulação entre a
proposta dos Estudos Culturais e a dos Estudos de Linguagem para a compreensão de
produtos televisivos. Nestes termos, entendemos o gênero como uma chave
importante para analisar texto, contexto e o processo receptivo. É a partir deste
conceito que escolhemos analisar o produto televisivo, seguindo as premissas de que
importam as suas implicações textuais, mas também as suas regularidades, suas
rupturas e seus distintos modos de configurar culturalmente o reconhecimento.
14
Ver mais em Gomes (2010) sobre os resultados trazidos pela aplicação desta metodologia nos
trabalhos desenvolvidos pelo Grupo de Pesquisa em Análise de Telejornalismo e seus resultados.
30
Especificamente no nosso trabalho, esta centralidade do gênero é de fundamental
importância, pois buscamos compreender de que forma os programas Brasil Urgente
e Cidade Alerta configuram marcas do subgênero programa jornalístico policial15,
defendendo que esta referência genérica se constrói historicamente no Brasil a partir
de uma articulação entre as experiências dos programas populares, dos telejornais, e
do gênero policial no cinema e na literatura. Tomando o contexto contemporâneo,
estes programas se articulam ainda às discussões em torno da violência e do papel da
instituição policial no país.
O conceito de gênero tem como matriz a Teoria Literária, que encerra os limites de
sua compreensão nos aspectos textuais da obra. Para a nossa perspectiva aqui, em
que consideramos o gênero operacionalizado a partir de produtos da indústria
cultural massiva, assumimos a proposição de gênero televisivo enquanto gênero
midiático16. Isso por que:
15
Silva (2005) destaca que no esforço inicial pela consolidação da Metodologia, o Grupo de Pesquisa
opta por dividir o conteúdo televisivo em programas de auditório, programas jornalísticos, ficção
seriada, publicidade e realities shows. Telejornais e programas temáticos (como o policial)
funcionariam como subgêneros dos programas jornalísticos. No trabalho de Duarte (2007), que no
mesmo contexto de aplicação desta metodologia analisa os programas Brasil Urgente e o Cidade
Alerta entende estes conteúdos como programas jornalísticos temáticos, do âmbito policial,
reconhecimento que adotamos aqui pelo esforço de análise já empregado, sob os mesmos referenciais
adotados aqui.
16
Na Metodologia de Análise de Telejornalismo, tomamos como referencial o entendimento dos
programas como gênero midiático e a notícia como um gênero discursivo, este ultimo a partir de
Klaus Bruhn Jensen, conforme ele aborda no livro Making sense of the news (1986). Este autor
entende que é preciso considerar três aspectos para compreensão da notícia sob a perspectiva
discursiva - a posição (forma de abordagem e apresentação dos conteúdos. qualquer texto é sempre
uma comunicação socialmente situada); o assunto adequado (grande variação. um dos principais
mecanismos de controle de produção de sentido); e o seu modo de composição formal. É a partir dessa
abordagem que ele propõe estrutura um modelo de análise de recepção televisiva, inspirador do
conceito de modo de endereçamento tal como o Grupo de Pesquisa em Análise de Telejornalismo se
apropia. Ver mais em Gomes (2004; 2007).
31
[...] se por um lado a noção de gênero remete à ideia de um modelo textual,
paradigma de determinadas expressões discursivas, por outro, não se pode deixar
de lado o papel que os aspectos materiais dos diversos mídias ocupam na própria
denominação de gênero no campo comunicacional. Só para citar um exemplo,
seria difícil manter a noção de gênero jornalístico independentemente das
especificidades de um veículo impresso, radiofônico, televisivo ou digital.
(JANOTTI JÚNIOR, 2005. PP. 1/2)
Sabemos que boa parte das análises dos produtos midiáticos no âmbito da
Comunicação se apoiam na perspectiva literária, a fim de proporcionar modelos
taxionômicos que demonstrem os limites dos seus modos de fazer, ou melhor, suas
fórmulas. Entendemos no entanto, que esta perspectiva isenta aspectos aqui cruciais
para a abordagem cultural que pretendemos. Conforme Gutmann (2012), esta
abordagem de raiz estruturalista, ao concentrar demasiada atenção no texto, “deixa
de fora articulações com contextos culturais, sociais e políticos, impedindo avaliação
de marcas de transformação e rupturas no diálogo com marcas de institucionalização
dos gêneros” (GUTMANN, 2012, p. 202).
Interessados nesta perspectiva, de analisar os gêneros como uma instância que nos
coloque frente aos aspectos televisivos imbricados ao processo comunicativo como
um todo é que acompanhamos a proposta de Itania Gomes (2010). A ideia é articular
uma análise de gênero encarando-o como uma categoria cultural, a partir da
articulação das abordagens de Jason Mittell e Jesús Martín-Barbero.
32
específicas de indústria e de audiência. Ele entende portanto que os gêneros
televisivos são categorias que se formam culturalmente e para compreendê-los, é
necessário recorrer ao seu percurso histórico e olhar como circulam as práticas
discursivas de interpretação, avaliação e definição sobre eles.
33
Neste trabalho, Mittell conclui que a partir deste raciocínio, os gêneros funcionam
como uma “estabilidade em fluxo”, ou seja, criam códigos e padrões mas não como
uma estrutura fixa, que nasce de uma geração especifica. O gênero está sujeito a
rupturas que acontecem no âmbito cultural.
17
Do original: “Texts works as a sites of articulations, in wich certain cultural assumptions of
definition, interpretations and evaluation are linked to larger generic categories in a dynamics
process”.
34
Jesús Martín-Barbero é outro autor que igualmente acolhe a perspectiva cultural em
relação aos gêneros midiáticos. Para ele o gênero é um local por onde podemos
melhor compreender a dinâmica cultural da televisão. Esta dinâmica - que é
complexa porque é a televisão quem está no centro das transformações sociais e
tecnológicas da contemporaneidade - se organiza, segundo o autor, a partir de três
mediações - “lugares dos quais provêm as construções que delimitam e configuram a
materialidade social e a expressividade cultural da televisão (MARTÍN-BARBERO,
2009, p. 294). Seriam três as mediações televisivas: a cotidianidade familiar, a
temporalidade social e a competência cultural.
A cotidianidade familiar diz respeito aos modos como a televisão acessa de forma
mais direta a audiência, interpelando-a através da simulação do contato e da retórica
do direto. A temporalidade social diz respeito às estratégias de organização temporal
dos seus conteúdos, a partir da repetição e do fragmento. Já a competência cultural
se reporta aos modos possíveis de leitura e interação com este meio. O gênero se liga
diretamente a esta terceira mediação, porque pressupõe que o seu reconhecimento se
dá a partir de uma estratégia de leitura. “Enquanto as pessoas não encontram a chave
do gênero, não entendem o que está se passando na história” (MARTÍN-BARBERO,
1995, p. 64). Assim é que eles revelam-se como uma importante entrada para
compreendermos a dinâmica cultura televisiva.
18
Martín-Barbero faz a referência direta ao pesquisador Paolo Fabri.
35
No texto América Latina e os anos recentes: o estudo da recepção em comunicação
social (1995) ele argumenta que a abordagem da história cultural e social dos
gêneros é uma das quatro chaves conceituais fundamentais para os estudos da
recepção na América Latina - as demais seriam repensar o papel da vida cotidiana; a
apropriação dos produtos sociais (consumo); as relações com a estética e a semiótica
da leitura. Neste trabalho, ele reafirma que os gêneros não funcionam, nos media,
como propriedades do texto, mas sim “como estratégia de comunicação, ligada
profundamente aos vários universos culturais” (MARTÍN-BARBERO, 1995, pg. 64).
Não depende apenas das estratégias de escritura para se configurar, mas também das
estratégias de leitura a que serão submetidos.
19
A primeira edição deste livro é datada de 1987 mas utilizamos neste trabalho apenas a edição
publicada em 2009. Portanto, todas as referências com este ano referem-se a esta obra.
36
diretamente a partir de um eixo Sincrônico (que se realizam ao mesmo tempo). Estes
quatro pontos se articulam através das mediações provocadas pela ritualidade,
tecnicidade, institucionalidade e socialidade. Essas mediações se tocam, interagem.
Percorrer o mapa significa entender como essas relações se constituem na articulação
total entre esses pontos.
Figura 1 - Mapa das Mediações. MARTÍN-BARBERO, 2009. Reconfigurado por OSELAME, Renato, 2013.
37
competências de recepção. Já institucionalidade diz respeito à regulação dos
discursos públicos. Aqui também há uma mediação forte pelo poder - da parte das
lógicas, de conformar e instituir ordem, e da parte das matrizes (onde estão os
cidadãos), de “fazer-se reconhecer, isto é, re-constituir permanentemente o social”
(MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 18). Pela socialidade, a comunicação é vista como
um fim - construção de sentido dentro da sociedade. Pela institucionalidade, torna-se
uma questão de meio, que hoje, mais do que construção de discursos públicos, se
concentra hegemonicamente em interesses privados, segundo Martín-Barbero.
38
acontecem na contemporaneidade, em que novas relações geram novas experiências
e ressacralizações.
A articulação com o Mapa das Mediações aparece para nós como uma possibilidade
de analisar os nossos objetos empíricos - os programas jornalísticos televisivos com
temática policial - a partir de uma perspectiva mais ampla da comunicação. Já a
perspectiva de Mittell ajuda-nos a compreender de que forma eles circulam
culturalmente, considerando as relações de poder e os discursos que historicamente
participam da sua formação. As duas propostas habilitam-nos ainda a perceber
continuidades e rupturas, ou nas palavras de Jason Mittell, como os gêneros se
reproduzem, mudam, ou se extinguem. Esta articulação, portanto, permite-nos fazer
um duplo movimento: “compreender os gêneros em sua relação com as
transformações culturais, numa perspectiva histórica, e a enfrentar o desafio
39
metodológico implicado na ambição de adotar uma visão global e complexa do
processo comunicativo” (GOMES, 2010, p.40). Cabe a nós agora observar não a qual
gênero pertence o nosso objeto empírico, mas quais as suas condições de existência
que permitem o seu reconhecimento e a sua partilha - ou seja, como ele produz
sentido.
40
dominantes vem da classe burguesa. O fato de muitas vezes não associarmos essa
relação no tempo histórico demonstra os seus modos de reinvenção e interação com
as práticas para manter-se enquanto dominante.
O residual refere-se aos valores e práticas que eram dominantes em tempo passado,
mas que de algum modo podem aparecer reconfigurados no presente. Já o emergente
se configura em oposição direta ao dominante, colocando-se num lugar de resistência
e proporcionando novos valores e práticas. Williams ainda salienta os elementos de
ordem alternativa, que não almejam oposição ao dominante, podem coexistir sem
pretender uma ruptura; e também os elementos inovadores, que podem parecer
emergentes, mas em realidade, operam sob os códigos dos valores dominantes a fim
de reforçar o seu lugar de predominância. (SILVA, 2013). Estas categorias servem
para nos falar das práticas, valores, normas, hábitos que no terreno cultural, orientam
nossos modos de vida e organização. A interação complexa entre caracteriza o
processo de hegemonia, que organiza esta coexistência e disputas.
É a partir então deste raciocínio, que considera a dinâmica das categorias, que
Williams formula a hipótese da Estrutura de Sentimento. Nesta expressão, Williams
quer entender, numa perspectiva teórico-metodologica, como uma estrutura – as
convenções, os elementos engendrados e firmes na nossa cultura – é tensionada pelos
constrangimentos do mundo vivido, pela força dos elementos que conceitualmente
são menos palpáveis, como ideologia, consciência, visão de mundo, experiências,
41
que é o que ele vai abrigar da expressão “sentimento” (GOMES, 2011). O conceito
nos habilita a olhar, dentro do processo cultural, o que é da ordem do instituído e o
que é da ordem do vivido. Em termos práticos, significa pensar nas instituições (na
Língua, na Economia, no Jornalismo...) e nos modos como vivemos com elas. Então,
o termo estrutura permite ver o que está culturalmente consolidado e “sentimento”
ver o que está em fluxo, em transformação.
42
Quando propõe uma análise que considere eixos sincrônicos e diacrônicos, Martín-
Barbero também chama para a importância da interação entre os elementos em
distintas temporalidades na configuração do processo cultural. Jason Mittell, quando
sugere que os gêneros operam em uma “estabilidade em fluxo”, convida-nos a pensar
nos limites textuais que se conformam a partir de implicações contextuais e
históricas.
20
Gomes (2007) indica as obras de David Morley, (1978, 1999) e John Hartley (1997, 2000; 2001)
como exemplos de trabalhos que articulam a pesquisa de recepção, do modo como entendemos aqui,
com o conceito de modo de endereçamento. Ver sobre estes trabalhos nesta referência.
43
O mediador corresponde, a priori, à disposição daqueles que ocupam a função de
âncoras, apresentadores, repórteres, comentaristas, correspondentes, mas amplia-se
na medida em que é atribuído àquele personagem (ou personalidade) que vai
estabelecer diretamente o vínculo com o público através de sua postura, sua
condução, e claro, sua imagem como figurativa do programa, ou seja, assume a
posição de ser “a cara” do programa. Nos programas jornalísticos policiais, a figura
do apresentador enquanto mediador central é recorrente. Eles concentram uma
importância peculiar no programa, articulada pela performance e por estratégias da
oralidade no texto verbal - recurso histórica e culturalmente constitutivo das práticas
comunicativas nos países latino-americanos (MARTÍN-BARBERO, 2009).
A partir do mesmo autor, Gutmann (2012) entende que performances específicas são
“corporificadas” pelos mediadores de modo a dar sentido ao programa televisivo, e
que acessamos esse modo de construção do programa “a partir dessas camadas de
medição, conformadas pela voz, pelo gesto, pelos posicionamentos de câmera, pelo
olhar, entendidos como dispositivos de performatização dos sujeitos do discurso”
(GUTMANN, 2012, p. 53). O apresentador costuma exercer um papel centralizador
no programa, e muitas vezes, tem a sua figura atrelada aos ideais de credibilidade e
legitimidade pretendidos pela atração. É através de sua performance então, que ele
materializa um “contrato de confiança”, que tem como finalidade forjar um “não eu”,
afim de se comportar como um porta voz do programa; ou mesmo personalizar a
notícia, uma tendência contemporânea, que procura coloca-lo enquanto “dono da
voz” para evocar maior proximidade com o público. (GUTMANN, 2012).
44
bastante explorado. Eles acabam configurando-se como “apresentadores-
animadores” que, na visão de Martín-Barbero (2009), funcionam como
intermediários fundamentais na construção do popular na televisão, pois ele
representa a condição de facilitador do trânsito entre a realidade do cotidiano e o
espetáculo ficcional.
Segundo Gutmann (2012), é neste operador que de modo mais proveitoso podemos
observar a construção de sentido promovida pelo programa pois ele procura dá conta
das trocas comunicativas, interação entre enunciador, enunciatário e instancias
contextuais que essa interação acontece. Ou seja, é pela observação dos contextos
comunicativos criados pelos programas que observamos os elementos contextuais
que participam daquele processo comunicativo especifico - os papeis assumidos no
âmbito da recepção e da produção; as ideologias e referências culturais partilhadas.
Isso não significa no entanto, que estamos buscando a revelação de um “código”
especifico travado entre programa e audiência. Entender o contexto implica no
entendimento também de saberes, valores e expectativas compartilhados de modo
mais amplo, as referências que dizem respeito ao mundo vivido. No programa
policial então, determinadas escolhas que configuram o seu formato se conectam ‘as
expectativas partilhadas de gênero, mas também aos modos como a audiência
reconhece e ativa as referências a policia, a gênero policial, a programa televisivo, a
telejornal.
45
Pressupõe-se, portanto, uma experiência comum, partilhada que norteará o
reconhecimento das construções de posições e conformações espaço-temporais
materializadas nos diversos expedientes significantes de linguagem (corpo,
performance, fala, cenário, transmissão direta, cor, enquadramento de câmera,
desenhos das vinhetas, etc.). (GUTMANN, 2012, p. 230)
O operador que diz respeito ao pacto sobre o papel do jornalismo mostra como são
atualizados os valores e práticas da atividade jornalística dentro do programa, ou
seja, como ele se apropria dos elementos que o instituem como profissão reconhecida
na sociedade. Falamos aqui, por exemplo, das noções de objetividade,
imparcialidade, interesse público, factualidade, relevância, responsabilidade social, e
outros, aliados aos recursos técnicos, estratégias de construção de credibilidade,
formatos de apresentação, lugar de fala, tratamento das fontes e do cidadão – em
efeitos de recepção ou mesmo como personagem – que estão presentes no modelo
com o qual as organizações jornalísticas no Brasil (ALBUQUERQUE, 2008), e que
de certa forma, regulam as expectativas com que o próprio público brasileiro recebe
os programas de cunho jornalístico. O programa então, a partir deste pacto sobre o
papel do jornalismo, realiza um acordo com a sua audiência sobre a forma como vão
articular as notícias e os valores jornalísticos que eles partilharam histórica e
socialmente.
46
2. A TEMÁTICA POLICIAL E A CONFIGURAÇÃO DO GÊNERO
“[...] somente correndo riscos se pode descobrir a conexão cultural
entre a estética melodramática e os dispositivos de sobrevivência
e de revanche da matriz que irriga as culturas populares”.
Jesús Martin-Barbero, 1987.
Nesse sentido é que propomos então uma breve recuperação histórica do gênero
policial na literatura, no cinema e no jornalismo tendo como recorte o contexto
brasileiro. Não é nosso objetivo nos alongar nestas referências, inclusive porque elas
não representam nem o principal elemento do nosso trabalho e nem o nosso campo
de análise – produtos jornalísticos televisivos. Mas entendemos como valiosa a
observação e compreensão de como certos elementos circulam entre os produtos e se
tornam recorrentes, a partir dessas práticas anteriores, e culminam por se tornarem
fundamentais para a apropriação desse gênero na televisão - como por exemplo, o
melodrama e a predileção pelo plano-sequência. Acreditamos que tais referências
narrativas e audiovisuais nos mostram como e em quais circunstâncias o
reconhecimento genérico é ativado nos produtos televisivos contemporâneos.
47
2.1 Na literatura, no jornalismo, no cinema: matrizes da narrativa escrita e
audiovisual
Para Vera Lúcia Follain de Figueiredo (2013), a origem difusa do gênero policial,
ancorada nos campos jornalístico, científico e literário, faz com que ele tenha
potencial para reproduzir-se em diferentes mídias, gerando diversas narrativas que se
orientam pelo reconhecimento, mesmo a partir de pequenas variações. Marco
Antônio de Almeida (2002) acredita que, justo por essa origem difusa é que definir o
gênero policial trata-se de um grande obstáculo. Isso porque, historicamente, as
produções demonstram o quanto este gênero se configura “como um espaço
relativamente aberto e flexível, onde muitas vezes as fronteiras não estão claramente
delimitadas”. (ALMEIDA, 2002, p. 127).
48
que logo se tornaria tendência: problema, hipótese inicial, complicação, estágio de
confusão, as primeiras luzes, a solução e a explicação. O estilo chama a atenção dos
intelectuais, que passam a reconhecer os relatos ficcionais envolvendo crime e
polícia a partir desse modelo de Allan Poe como referencias do gênero policial na
literatura.
21
Ver mais em Angrimani (1995), Schudson (2005) e Santos (2009) sobre o surgimento da penny
press, no século XIX. Originário nos Estados Unidos, representa os jornais que, incorporando novas
técnicas de impressão, passam a circular em formato tabloide e a priorizar as notícias do tipo fait
divers - notícias sensacionais que causam excitação, comoção e/ou curiosidade no público -
geralmente ligadas a celebridades, casos policiais, desastres, etc. Com preço de venda baixíssimos,
logo tornaram-se fenômeno de consumo.
49
O primeiro diz respeito à escolha pelas letras grandes e espaçadas na disposição do
texto, que mais do que estratégias para vender mais, caracterizam modos de
passagem da cultura oral para a letrada. A fragmentação da leitura, diz respeito a um
novo modo de apreensão da obra, que por partes, mostra a quantidade, os “cortes”
que caracterizam a leitura popular, não especializada.
50
jornais World e Journal protagonizaram uma disputa declarada e ferrenha pelo
público (ANGRIMANI, 1995), vendendo seus exemplares a custos baixíssimos e
explorando notícias “quentes”, ou seja, mais recentes. Utilizavam em seus textos
toda a retórica dos adjetivos para relatar de forma sensacional tais eventos cotidianos.
Para Martín-Barbero (2009), esse modo de articular “o noticioso ao poético e à
narrativa” (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 248), na América Latina, se conecta de
forma original menos às disputas empresariais, e mais às formas da oralidade, que
marcam os modos ancestrais de comunicação das classes populares.
Assim que os aspectos contextuais vão conferir uma forma peculiar ao gênero
policial brasileiro, colocando-o em paralelo ao modelo clássico de narrativa criado
por Allan Poe. Segundo Marco Antônio de Almeida (2002), elementos como o
realismo exacerbado e o humor eram justificados por autores como recursos à “falta
de clima” para elaborar romances policiais autênticos, devido à estrutura social do
país e a organização do aparelho policial, que proporcionava uma ambientação fora
dos padrões convencionais em torno desta narrativa. Também no cinema, o uso
destes elementos é justificado como uma saída “tupiniquim” para trazer o gênero às
suas produções. Desse modo, percebemos o que parece ser uma recusa a um estilo
próprio de narrativa policial, colocando-o à margem do que seria um modelo
referencial.
51
A partir destas constatações, Almeida (2002) entende que, diante das inúmeras
classificações adquiridas pelo gênero no cinema - terror, suspense, thriller, western,
noir, etc. -, a ideia do thriller funcionaria como uma perspectiva razoável para
compreensão geral das produções cinematográficas brasileiras pelo forte uso da
intriga, mistérios e perseguição. Especificamente, ele acolhe a denominação “Thriller
tropical”, utilizada pelo crítico Sérgio Augusto22, que significa o modo de usar estas
características do thriller valendo-se de signos culturais como migração, música
popular, umbanda, carnaval, etc.
Inspirado também pelo o raciocínio do crítico Sérgio Augusto, José Mario Ortiz
Ramos (2004), afirma que a época mais promissora do gênero policial no cinema
brasileiro - os anos 70 e 80 - revela o quanto o naturalismo, destinado a revelar da
forma mais real possível as mazelas dos grandes centros urbano, é importante nas
produções. É essa característica que vai tornar o filme policial brasileiro mais
próximo de um estilo romance-reportagem, cujo enredo é quase sempre baseado em
algum fato real.
Ramos chega a esse dado a partir da análise de uma série de filmes brasileiros deste
período e estabelece uma conexão direta dessas preferências textuais e estilísticas
com o momento sociocultural do país, que abria cada vez mais para a indústria
massiva, a modernização e o momento de transição para abertura política, após vinte
anos de regime de Ditadura. Ramos identifica também a comicidade e exploração da
violência e do sexo como elementos que fortemente estarão ligados ao gênero
policial, como uma estratégia que almeja “muito mais o impacto e a aproximação
com um público que se supõe popular, do que a denúncia” (RAMOS, 2004, p. 179).
Sob o argumento da produção massiva, os diretores relatavam intenção de
aproximar-se do cotidiano das classes populares, e por aí se utilizam também dos
apelos visuais sensacionais e também do melodrama. Assim, entende este autor, o
gênero policial audiovisual no Brasil “deixa transparecer tanto uma mutação interna,
22
AUGUSTO, Sérgio. Apontamentos para uma história do thriller tropical, Filme Cultura nº 40, Rio
de Janeiro, 1982.
52
seguindo influxos da vida cultural brasileira, como uma complexidade em termos das
locuções ideológicas que estabeleceu com o telespectador” (RAMOS, 2004, p. 192).
Segundo Marco Roxo e Igor Sacramento (2013), a década de 1950 foi emblemática
para situar esta tensão. A dualidade entre os jornais que preferiram orientar-se pelo
modelo “ético-discursivo da objetividade jornalística” e os que preferiam manter-se
sob a estética melodramática folhetinesca se tornou mais evidente. Alguns deles
funcionavam como instrumentos políticos, com intuito de favorecer ou dar
visibilidade a seus proprietários e ou grupos de orientações à direita ou esquerda.
Mas em 1969, quando instaura-se a obrigatoriedade do diploma para exercício da
atividade jornalística, o primeiro modelo torna-se definitivamente a opção
dominante.
53
noticiosos de elite, cuja audiência principal é formada pelo mainstream político-
partidário e sociocultural. De outro, os jornais populares que mesclam de forma
intensa e variada informação e entretenimento. Um tende tratar de temas “sérios”
como política e economia, e o outro foco os temas sensacionalistas e
personalistas, ao gosto do público de massa. (ROXO E SACRAMENTO, 2013,
p. 7)
Esse tipo de cobertura, a policial, não deve ser feita de forma empírica, tanto que
é um dos setores mais especializados da imprensa no mundo todo. Sua
excelência advém da convivência com boas fontes policiais, promotores,
procuradores e magistrados, o que tende a criar uma relação positiva do repórter
com os meandros desse tipo de notícia (FORTES, 2005, p. 33).
54
ficcionista que não foi repórter policial tem um desfalque”23. Para ele, portanto,
jornalismo policial bom era aquele que declaradamente mostrava as suas afinidades
com a narrativa literária ficcional, prática que caracterizava os primordiais jornais
populares no Brasil e que aos poucos, era substituída.
O nariz de cera, que a imprensa atual não usa, era inevitável. O leitor babava na
gravata de satisfação literária e estilística, porque o sujeito caprichava no nariz
de cera, em seguida saía galopando a fantasia. Ninguém era preto, nunca uma
adúltera era preta ou mulata; tinha olho azul, era loura. O pessoal caprichava,
retocava a realidade. (RODRIGUES, Nelson. Entrevista para o Ciclo de Teatro
Brasileiro do Museu da Imagem e do Som, 30/06/1967).
Embora preocupado com outras questões que não só o jornalismo, Nelson Rodrigues
nos chama a atenção aqui sobre como o processo de modernização da prática
jornalística suscita em uma recusa a certos modos e práticas que de historicamente
estavam ligadas ao ofício, e sua posição demarca um contexto de disputa entre o que
seria de fato um relato policial aceitável, vinculado à prática jornalística, e o que não
passaria de sensacionalismo. É certo que aos poucos, a vinculação ao drama, ao
grotesco e ao popular foram fazendo com que os relatos do crime e das ocorrências
policiais ocupassem um espaço pouco “nobre” no jornalismo. “A maldição da
reportagem policial era justamente essa capacidade de dar cores melodramáticas e
mais intensas e tornar interessantes temas e ocorrências capazes de pôr em desfile
pessoas classificadas como ‘mendigos, indigentes, loucos, viciados, casais
desajustados, ladrões’” (MENDONÇA, 2010, P. 178).
Neste sentido, a televisão se configura como mais um espaço onde esta disputa
continua a reverberar. Estruturada a partir das experiências da literatura e do cinema,
a televisão vai configurar produtos complexos que irão evidenciar múltiplas
possibilidades em esta temática será abordada, colocando em xeque não só a
legitimidade da cobertura jornalística dos relatos de crime e ação policial, mas
também levantando discussões sobre violência, o cotidiano dentro dos grandes
centros urbanos, o senso de justiça e punição, a ética e também as representações do
povo e do popular. Procuramos então, retomar de forma breve quais os programas
que dentro da história da TV brasileira, colocaram em evidência esta temática e de
que modo permitem o reconhecimento do termo “policial” enquanto categoria
genérica.
23
Entrevista disponível em http://www.nelsonrodrigues.com.br/site/comnelson_det.php?Id=16
.Acesso em dezembro/2013.
55
2.2 O percurso na TV brasileira
Vemos aqui que para Aronchi de Souza, um programa como Brasil Urgente não
seria oficialmente reconhecido como jornalístico, sendo esta atribuição uma
responsabilidade da emissora e da própria atração. Já Alexandre Assis Campello
(2008), a partir da definição de telejornal adotada por Aronchi de Souza compreende
que a expressão “telejornalismo policial” caberia a programas como Aqui Agora,
Brasil Urgente e Cidade Alerta pela forma como articulam o formato. Tais
programas seriam “narrativas do cotidiano que, na nossa avaliação, se não fundam
um novo gênero na televisão brasileira, criam um novo formato de telejornalismo”.
(CAMPELLO, 2008, p. 17).
56
perfil, mas sim, em um tipo de programa que especificamente orienta a população
para a “sobrevivência nas grandes cidades”. Seriam portanto, mais facilmente
reconhecidos como “programas policiais”, e a referência “telejornal” seria atribuído
ao Jornal Nacional, Jornal da Record, Jornal do SBT e Jornal da Band.
Kléber Machado, em análise do programa Linha Direta (TV Globo), que abordava
casos policiais a partir da articulação entre jornalismo e dramaturgia, entende que a
atração cria um “estilo híbrido” que insinua mudanças e novos padrões no
telejornalismo brasileiro. Ele seria um ilustre representante dos modos
contemporâneos de abordagem desta temática na TV brasileira. Por isso, “(...) o
Linha Direta pode ajudar a dimensionar melhor a adaptação crescente do jornalismo
à ideia de espetáculo que tem norteado os caminhos dos meios de comunicação de
massa até hoje” (MENDONÇA, 2010, p. 261).
24
Consideramos aqui os resultados obtidos pela pesquisa de Dannilo Duarte Oliveira (2007), entre os
trabalhos no âmbito do Grupo de Pesquisa em Análise de Telejornalismo. Tendo como objetos os
programas Cidade Alerta, Brasil Urgente e Linha Direta, o autor considera os dois primeiros como
“telejornais temáticos”, pela articulação com valores caros ao telejornalismo - características comuns
e marcas genéricas atribuídas aos telejornais, reconhecidas histórica e culturalmente - e pela
predominância das notícias ligadas a crimes e violência. Já o Linha Direta seria um “programa
temático de jornalismo policial”, e não um telejornal, por conta de diferentes apropriações no formato
e na linguagem.
57
mesma seria a vítima e acaba estrangulada com o fio do telefone pelo marido, mentor
do crime.
58
único aparelho, disposto na sala de estar, onde todos assistiam juntos), a televisão
ampliava a sua programação baseando-se em um público que a priori, seria o mesmo
do rádio. Aos poucos, a linha que hierarquizava os conteúdos cultos dos populares
vai se tornando mais fluida, pois o “povo” que ansiava por atrações passou a servir
de inspiração. Nesse contexto as histórias reais de crime e as ocorrências policiais se
tornam peças relevantes na programação.
O povo, sua vida e os dramas que são particulares a cada um de acordo com a
posição social que ocupam na sociedade (caixas de lojas, figurantes, bicheiros,
59
bandidos, etc.), passam então para o primeiro plano da teledramaturgia. Isso
marcou tanto os teleteatros quanto, posteriormente, mais ainda nos anos 1960, as
telenovelas. O “povo”, e com isso, o “público” que eles imaginavam ser o da
televisão, assume um duplo valor, artístico e social, como fonte de inspiração e
como arma simbólica contra as posições dominantes do teatro consagrado,
fundidos em uma mesma imagem: era “a beleza da verdade, a realidade”.
(BERGAMO, 2010, p. 72)
25
Em entrevista à Revista Istoé Gente, em 2001, Jacinto afirma ser criador da expressão e diz que
programas policiais de sucesso da década imitam a sua fórmula. Disponível em:
http://www.terra.com.br/istoegente/94/reportagem/jacintho_figueira.htm. Acesso em maio/2012.
26
Descrição disponível em: http://memoriaglobo.globo.com/Memoriaglobo/0,27723,GYN0-5273-
241589,00.html. Acesso em maio/2012
60
trajavam sapatos brancos para exercerem suas atividades, conforme descrição
oferecida pela TV Globo.
O Homem do Sapato Branco é uma das atrações que ganhou mais notoriedade na
audiência mas antes dele, alguns programas já evidenciavam que as estratégias dos
jornais populares no relato do crime já haviam chegado à televisão. “002 Contra o
Crime (1965) e Polícia às suas Ordens (1966) na Excelsior; Patrulha da Cidade
(1965), na Tupi; Plantão Policial Canal 13 (1965-1966) na TV Rio; e A Cidade
Contra o Crime (1966), na Globo” (RIBEIRO E SACRAMENTO, 2010, p. 111).
Estes programas, embora privilegiassem casos policiais, eram reconhecidos na
maioria das vezes pelas emissoras como programas de entretenimento, ao lado dos
musicais, humorísticos e de variedades em formato de programa de auditório.
Não tardou para que o aumento deste tipo de atração da grade televisiva fosse alvo da
crítica cultural. “Mundo-cão” era um termo que definitivamente representava o mau
gosto, a má qualidade. As críticas aos programas que se valiam se situações de
violência e drama cresciam a cada ano. Eli Houlfon, colunista do jornal Última Hora,
chegou a liderar declaradamente uma “campanha contra o grotesco na TV” (ROXO,
2010).
27
Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=Ry8BVszRpP4&feature=related. Acesso em
maio 2012.
61
O adjetivo mais próximo a “mundo-cão” para definir estes programas na crítica
cultural televisiva era o “popularesco”. O termo, ao mesmo tempo atrelava “povo”
(audiência e personagens desses programas) a um sentido específico, funciona como
um discurso demarcador de gosto, ou melhor, do que é bom ou ruim na sociedade e
na televisão.
O termo “popularesco” não tem uma definição precisa: nos dicionários da língua
portuguesa é sinônimo de popular. No entanto, na crítica cultural, uma produção
“popularesca” tem uma conotação negativa, significa degenerescência do
popular. (...) Com o passar do tempo, as concepções sobre arte e cultura se
transformam, a legitimidade cultural, ou seja, o poder de definir o que é certo ou
errado, em termos de cultura, se desloca, vai parar em outras mãos. Portanto,
para se compreender o que é “popular”, “popularesco” (...), é fundamental
descobrir quem tem o poder de nomear e quando o fez (MIRA, 2010, p. 166).
Neste contexto, destaca-se a TV Globo como a emissora que mais cresceu, pois
investiu na readequação de sua grade, orientada pela política vigente. A partir do
acordo financeiro com a agência norte-americana Time Life, refez a sua programação
a partir da nova estética orientada pelo Estado, passando a investir nos programas
jornalísticos com recursos da tecnologia, que tornavam a atração mais “qualificada”,
em termos de preparo do conteúdo e da imagem. Esta estratégia ficou conhecida
como “padrão Globo de qualidade”. A principal inspiração eram os programas
jornalísticos norte-americanos, que preconizavam a técnica para produção e
apresentação dos conteúdos, em detrimento do improviso e da informalidade.
62
também era possível suprimir equívocos e imperfeições. (RIBEIRO E
SACRAMENTO, 2010, p. 119).
O Jornal Nacional, que estreia em 1969, torna-se símbolo desse modo de fazer da
emissora. Pelo pioneirismo, pelo prestígio adquirido, pela influência - demonstrada
pelo modo de fazer nos telejornais de outras emissoras -, e por uma série de
características técnicas e estilísticas, é o programa que melhor representa o modo de
fazer telejornal no Brasil. Embora tenha sofrido alterações ao longo desse período
ininterrupto de veiculação, continua sendo uma referência para o telejornalismo
nacional. (GOMES, 2012).
Por conta desta mudança de panorama, a década de 1970 pode ser encarada como um
período de inflexão, como sugere Roxo (2010). Isso pela condição em que se
caracteriza o monopólio de audiência da TV Globo e a diminuição relevante dos
programas dedicados ao “mundo-cão”. O espaço que estes programas encontraram
para ressurgir foi no SBT (antes TVS), na década seguinte, quando o período de
redemocratização política permite que novos conteúdos tenham aposta na televisão.
Desde a sua criação, a emissora investiu basicamente nos programas de auditório,
humorísticos e seriados, sem tanta atenção aos produtos jornalísticos. Com essa
estratégia, a emissora deseja implantar “uma programação popular de qualidade”,
conforme descreve o seu site institucional.
63
(...) Wilton Franco, astro principal de O Povo na TV, não trata dos problemas de
filhos ilegítimos, de ascensão social, de encontros e desencontros amorosos com
a cor e o brilho da ficção. Ao vivo, fala de dramas familiares, de mal-
atendimento em órgãos públicos, de moças estupradas, de filhos roubados, de
falta de água ou de policiamento. É o tom da realidade de uma parcela da
população que encontra num programa de televisão a porta para suas denúncias,
queixas e apelos, exibidos diariamente, de segunda a sexta-feira, entre duas e seis
e meia da tarde, no vídeo da TVS, canal 11 (Jornal do Brasil, “O Povo na TV”,
8/09/1981)
Podemos interpretar que esta mudança simboliza um novo lugar para representação
das situações de crime, violência e dramas pessoais, em que pelo cenário, coloca nas
entrelinhas o distanciamento pretendido entre aquele que reporta, que assiste, e a
aquele que vive as situações de crime e polícia – o povo. A estratégia pretende
aproximar-se do ambiente e dos gostos da classe média, numa tentativa de “suavizar”
a representação das situações ditas grotescas e assim alavancar a audiência, mas não
consegue blindar-se das críticas negativas:
Lamentavelmente, Sílvio Santos levou para seu Canal 11 o pátio dos milagres
chamado O Povo na TV, repetindo a mesma equipe do Aqui e Agora e reunindo
alguns exemplares lamentáveis da sucata do jornalismo carioca. (...) O repelente
Wagner Montes, com sua mentalidade policialesca e reacionária, desanda a
puxar o saco da Policia, lembrando de cor os nomes de todos os delegados
titulares de distritos do Rio de Janeiro, o que demonstra que a figurinha anda dia-
e-noite no meio nada recomendável de policiais e bandidos. (Última Hora,
“Agressões Gratuitas”, 2/10/1980)
A esta altura, percebemos que os casos de polícia da vida real na TV brasileira são
preferencialmente acolhidos por atrações que também dão espaço à prestação de
serviço e aos mais diversos acontecimentos da vida urbana, utilizando uma boa dose
de drama. Não fossem reais, tais ocorrências pareceriam mais histórias fictícias,
retiradas de um romance policial. Nesse sentido, estes casos funcionariam também
como uma denúncia da face chocante, bizarra e/ou dramática da sociedade no
ambiente urbano.
Este viés de denúncia dos casos policiais foi aos poucos ganhando força, quando
alguns desses programas ditos populares passaram a aproximar-se das técnicas dos
telejornais de referência, no intuito de manter os níveis de audiência e amenizar os
efeitos da crítica cultural. O Povo na TV, por exemplo, fez mudanças em sua equipe
um tempo após sua estreia, trazendo figuras de respaldo político e social: a ex-
repórter da TV Globo Ana Davis, o advogado Roberto Jefferson (que mais tarde se
elegeria deputado federal), e o médium e parapsicólogo Roberto Lengruber. Para
64
Marco Roxo (2010), essa era talvez uma estratégia de conferir, com mais
credibilidade, uma esfera de debate popular a partir de referências distintas, e no
intuito de dar audiência:
Em 1979, quando estreou na TV Tupi, o Aqui Agora tinha como objetivo fazer uma
cobertura jornalística ao-vivo pautada na prestação de serviço e nas ocorrências
cotidianas do Rio de Janeiro. Wilton Franco era diretor do programa e Wagner
Montes, um dos apresentadores - ambos, destaques de O Povo na TV, anos mais
tarde. Foi nesta atração que figuraram os primeiros esforços de trazer de volta a alma
e o “calor” dos programas populares à televisão, com um flerte no telejornalismo de
referência. Para Roxo (2010), o programa localizava uma dialética recorrente na
cultura brasileira, na tensão que se estabelece entre a modernidade - que no caso da
TV, era representado pelos programas da Globo naquele momento - e o arcaico,
“representado pelos aspectos informal e improvisado do misto de programa
jornalístico e de auditório conduzido com mão de ferro pela personalidade
carismática do apresentador” (ROXO, 2010, p. 182).
Antes que a atração pudesse ser extinta em função das críticas, a TV Tupi encerrou
as suas atividades, e dai temos o recomeço no SBT. Após a tentativa frustrada com O
Povo na TV, Silvio Santos recupera o formato do Aqui Agora e exibe aquele que
seria um marco na cobertura policial da TV brasileira.
65
2.2.2 Anos 90 a 2000: sensacionalismo e a violência enquanto estratégias
O argumento utilizado pela emissora e pela equipe do programa para se proteger das
críticas que logo atingiram a atração era o de que o objetivo era resgatar a
espontaneidade e a instantaneidade da linguagem radiofônica (ROXO, 2010), valores
que para os críticos se traduziam como sensacionalismo. Um dos principais alvos da
crítica, a crônica policial de Gil Gomes - um então velho conhecido das reportagens
policiais radiofônicas - era justamente o ponto alto do programa. Do tom da voz às
perguntas feitas na reportagem, o estilo de Gil mesclava referenciais culturais com a
linguagem televisiva. “O que significa isso? Uma junção da gestualidade necessária à
televisão, fundamentalmente nas gravações improvisadas na rua, com a oralidade
herdada do exercício de narrar milhares de histórias no rádio ao longo de mais de
vinte anos de profissão” (ROXO, 2010. p. 190).
66
Embora saibamos que o Aqui Agora pode ser considerado como um telejornal
temático, pela preferência às notícias policiais e aos dramas urbanos, não se pode
deixar escapar a tensão que ele estabelece com os telejornais tradicionais. No
momento em que resgata-se um estilo taxado como popularesco, utilizando de certos
padrões e códigos do telejornal convencional, o Aqui Agora estabelece um novo
referencial para o valor-notícia, imediaticidade e verdade. Provoca no sentido de que
para mostrar a “realidade” do fato, era preciso abrir mão do rigor estético. Ao mesmo
tempo, ele também estabelece de forma mais direta a relação com as camadas mais
pobres da população, personagens recorrentes das notícias que compõem o
programa, colocando esta camada social diretamente no lugar de público-alvo.
A “fórmula de sucesso” do Aqui Agora durou até 1997, quando o programa deixou
de ser exibido. Segundo Marco Roxo (2010), um conjunto de fatores explica a sua
extinção, alguns mais evidentes: a) crise financeira da emissora, já que o programa
sofrera diversos processos judiciais por danos morais; b) perda de originalidade, já
que outros programas surgiram, utilizando das mesmas estratégias; c) um suposto
acordo do SBT com os Estúdios Disney, que exigia o horário do telejornal (18h30,
faixa considerada nobre - pois considera maior volume de audiência - na grade
televisiva). Ainda assim, o programa imprimiu um marco tão forte que nas décadas
seguintes, é possível observar um aumento das notícias policiais nos telejornais
tradicionais e também um esforço pra flexibilizar a linguagem, torna-la menos
“formal”. (CAMPELLO, 2008).
De forma mais direta, essa mudança de paradigma pode ser exemplificada pelo
programa Linha Direta, uma produção da TV Globo. Exibido pela primeira vez em
1999, a atração noturna trazia uma vez por semana duas situações reais de crime em
que os assassinos estariam foragidos. Através do programa, os telespectadores
poderiam fazer denuncias e ajudar a polícia a encontrar os culpados. Toda a situação
era reproduzida por meio de depoimentos dos envolvidos (parentes, vítimas, etc) e de
representação teatral da cena do crime. Nos dois primeiros anos, é apresentado por
Marcelo Rezende (atual apresentador do Cidade Alerta). Depois, é comandado pelo
também jornalista Domingos Meirelles, que fica até 2007, ano em que o programa
sai da grade de programação.
67
Ao investir em um formato híbrido, que utiliza as técnicas da dramaturgia (terreno
sob o qual a TV Globo tem amplo domínio e experiência) e do telejornalismo, a TV
Globo revelou que estava aberta a novas possibilidades, diante de outras experiências
bem sucedidas em termos de audiência, a exemplo do Aqui Agora. Para Kleber
Mendonça (2010), o programa mostrou de forma bem sucedida como as emissoras
estavam se comportando aos movimentos contemporâneos das audiências: buscando
novas alternativas, ao mesmo tempo em que revista e negocia com formas ancestrais
do modo de fazer TV no Brasil.
Mendonça (2010) aponta ainda dois fatores que teriam influenciado diretamente essa
“virada” nos padrões do telejornalismo: o crescimento voraz da audiência televisiva,
pelo número de aparelhos e pelo público, agora cada vez mais composta pelas classes
C e D, e o advento das TV’s por assinatura. Atrelado a isso, as melhorias no processo
de digitalização televisiva viabilizaram produções mais complexas, a partir de uma
exploração mais precisa dos recursos audiovisuais e da tecnologia, proporcionando
uma aproximação da televisão com o cinema e a internet, como apontam Fechine e
Figuerôa (2010).
68
constará, para alguns críticos, em um fator imperativo para organização desse tipo de
formato. Segundo Alexandre Campello (2008), é partir dos anos 1990 que órgãos
estatais e pesquisas passam a apresentar com maior frequência dados que
demonstram aumentos progressivos dos casos de assassinato e mortalidade por
homicídios. Os grandes atingidos por esses dados seriam os pobres e negros do país,
os mesmos que se configuravam enquanto público crescente da televisão. O autor
destaca que muitas pesquisas e críticas irão atribuir como consequência direta a este
panorama um sentimento de descrença geral, por parte da população, com o Estado e
o aparelho judiciário nacional.
De fato, a passagem dos anos 1990 para a década de 2000 representa um retorno
expressivo dos programas dedicados às notícias do “mundo-cão”. Até o programa
Cadeia, que fez sucesso em uma emissora local do Paraná entre as décadas de 1970 e
1980, volta à TV em 1992 em formato nacional, através da Rede OM de Televisão.
O apresentador Luiz Carlos Alborghetti, uma excêntrica figura que bradava contra
tudo e todos que o indignavam, comandava o programa com bordões como “bandido
bom é bandido morto”, ou “Cadeia para vocês, vagabundos”. Afirmava com
frequência ser “contra todas as formas de violência que venham a desintegrar a
moral e os princípios da família brasileira”28.
Neste período mais recente então, os programas policiais ganham estrutura mais
robusta, cenários mais bem elaborados, com mais apelo estético e audiovisual.
Discursivamente, flertam de modo mais incisivo com as estratégias dos telejornais de
referência. Passam a ocupar a faixa de horário considerada nobre na grade televisiva
brasileira (a partir do começo da noite, como fez o Aqui Agora, horário de maior
audiência), e possuem sofisticadas equipes de produção e repórteres, capazes de
produzir coberturas extensas. Concentram-se no discurso de que querem mostrar as
mazelas da sociedade e seu lado violento mas com “credibilidade”, “atualidade”,
“compromisso” – palavras frequentemente utilizadas nos textos tanto do
apresentador quanto dos repórteres. Assim, os relatos da violência e o uso do
“sensacionalismo” tornam-se então estratégicos, mas dessa vez, pela disputa da
audiência e também pelo mercado publicitário.
28
Entrevista do apresentador para um fã que mantém um site em sua homenagem. Disponível em
http://alborghetti.wordpress.com/autobiografia/. Acesso em abril/2012.
69
Entre os filhos mais notáveis do “mundo-cão” contemporâneo estão os programas
Repórter Cidadão (Rede TV, 2002 - 2005), Cidade Alerta (TV Record) e Brasil
Urgente (TV Bandeirantes). Uma reportagem que anuncia a estreia do Cidade Alerta
dá o tom do clima de concorrência e das estratégias pretendidas pela neo cobertura
policial:
Roberto Cabrini avisa: seu programa Brasil Urgente, que deve estrear na Band
em 19 ou 26 de novembro, não vai concorrer apenas com o Cidade Alerta. O
programa, diz o jornalista, que será exibido ao vivo das 18h às 19h20m (mesmo
horário em que José Luiz Datena está no ar), vai entrar no páreo com todos os
canais. - Vai ter polícia e helicóptero, mas quem conhece meu trabalho sabe que
eu não faria um programa só de polícia, apesar de respeitar quem faz - diz. - A
intenção é fazer uma atração com muita flexibilidade. (O Globo, “Agora, a
guerra é pela audiência” 04/11/2001)
A figura do apresentador torna-se uma peça chave nestes programas. Atuam como
mediadores principais, tal como os âncoras dos telejornais, conduzindo um formato
que parece buscar uma articulação entre as formas ancestrais dos programas
populares (shows e do tipo auditório) e as dos telejornais convencionais. As críticas a
essas programas irão se concentrar muitas vezes na postura desses apresentadores.
Marco Roxo e Igor Sacramento (2013) sugerem que nesse contexto, duas tendências
de reorganização discursiva do telejornalismo brasileiro podem ser verificadas, uma
mais fortemente vinculada aos programas que priorizam a cobertura policial, e outro
mais aos telejornais convencionais. A primeira seria a prevalência do tipo
“apresentador-jornalista carismático”, conforme indicamos antes, que para estreitar o
vínculo com a audiência, se valem de uma performance “cênica e verborrágica”
calcada em recursos do melodrama. A segunda tendência seria a mudança de cenário
e a participação cada vez mais recorrente de agentes externos (telespectadores) na
70
produção do telejornal. Segundo os autores, estas tendências atualizam a noção de
informalidade, que por sua vez se configura como principal trunfo de popularização
dessas atrações, ou seja, de aproximação com as audiências.
71
colocarem em uma posição mais afinada com os telejornais convencionais, estes
programas dialogam não só com as formas clássicas do modo de contar histórias de
crime (que em outra esfera, se constitui num conjunto de características e
procedimento historicamente partilhados) e com a cultura popular, mas também de
modo mais intenso com as demais instâncias sociais. Observaremos como estes
programas dialogam então com essas estratégias, a fim de compreender como eles
constituem essa marca contemporânea do programa jornalístico policial.
72
3. TELEJORNALISMO, CRIME E POLÍCIA: AS EXPERIÊNCIAS DE
BRASIL URGENTE, CIDADE ALERTA E SUAS VERSÕES REGIONAIS
Brasil Urgente (TV Bandeirantes - BAND) e Cidade Alerta (TV Record) compõem a
grade televisiva brasileira há pelo menos uma década. A batalha pelos índices de
audiência e pela atenção do mercado publicitário, cada vez mais acirrada entre as
emissoras, faz com que a programação estseja cada vez mais sujeita a alterações,
experimentos e novos formatos. Nesse sentido, podemos interpretar que estes são
exemplares bem sucedidos, resistentes neste panorama volátil e flexível em que se
estabelece a produção televisiva nacional.
Ambos são concorrentes diretos, não só pela temática, mas pela exibição quase que
simultânea, ocupando a faixa compreendida entre 16h30 e 19h, antecedendo os
telejornais noturnos de suas respectivas emissoras. Ao longo dos anos de exibição,
registraram índices considerados altos de audiência, ocupando assim o posto de
produtos “carro-chefe” (SERRALVO, 2006)29 tanto para a BAND quanto para a TV
Record. São descritos por estas como programas jornalísticos diferenciados, de
formato arrojado, dispostos a levar o que é notícia ao telespectador de forma
diferenciada.
29
Serralvo apresenta os índices registrados pelo IBOPE alcançados pelos programas nos anos de suas
estreias e nos anos de sua amostragem de corpus (2004 e 2005). A autora registra ainda que os dois
programas costumam ocupar as segundas e terceiras posições nesse horário, no comparativo com as
demais emissoras de transmissão aberta. Em Junho de 2013, o jornal Folha de S. Paulo publicou que
juntos, os dois programas atingem “mais 900 mil lares na Grande São Paulo” enquanto são exibidos -
disponível em http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/06/1296044-jose-luiz-datena-e-marcelo-
rezende-atingem-cerca-de-900-mil-familias.shtml
30
Emissora afiliada do Grupo Bandeirantes. Disponível em:
http://www.tvbandvale.com.br/v2/programa.php?id=13
31
Apresentação do programa no site da Rede Record. Disponível em: http://noticias.r7.com/cidade-
alerta/o-programa/
73
Entendemos que são aspectos que reforçam suas relevâncias no âmbito da produção
televisiva brasileira e no reconhecimento de um formato ou estilo específico por
parte da audiência.
Segundo Uziel Bueno, a BAND teria investido cerca de R$1 milhão na produção
baiana. O piloto da atração teria, inclusive, servido de modelo para as demais versões
das afiliadas. À época da estreia, o repórter afirmou que o intuito da atração era
reforçar a presença do jornalismo popular na Bahia e também de integrar a produção
de conteúdo jornalístico da emissora feita em todo o país32. A TV Record Bahia
apresentou a nova atração sob os mesmos argumentos. Segundo Carlos Alves, diretor
da afiliada, o investimento na programação local tem o objetivo de fortalecer a
imagem unificada da rede. “Temos que fazer a emissora crescer junto com a cabeça
de rede, e para isso é preciso ter um destaque em rede nacional. Esse é o nosso
desafio” (“Carlos Alves - novo diretor da Record Bahia”, Site Bocão News, 27 de
Abril de 2013) 33.
Pela trajetória que construíram, Brasil Urgente e Cidade Alerta se tornam objetos
expressivos para verificação de um determinado estilo no âmbito da produção
televisiva contemporânea brasileira, que culmina na identificação do subgênero
programa jornalístico policial. Seus respectivos modos de fazer os conectarão com as
referências em torno do reconhecimento genérico. As versões regionais se
constituem como desdobramentos que revelam os limites desse reconhecimento, que
32
Entrevista dada ao jornal Tribuna da Bahia. Acesso em outubro/2012 Disponível em
http://www.tribunadabahia.com.br/2011/09/14/brasil-urgente-estreia-na-bahia . Acesso em maio/2012
33
Disponível em: http://www.bocaonews.com.br/entrevista/65,carlos-alves-novo-diretor-da-record-
bahia.html . Acesso em outubro/2012
74
para nós, se dá no âmbito tanto da produção televisiva quanto no cultural. Através do
exercício analítico, pretendemos observar como se dá a construção desse estilo, e de
que forma ele se relaciona ao processo de formação cultural, social, econômico e
político brasileiro, tornando válido o nosso entendimento do produto midiático
enquanto forma cultural.
O programa Brasil Urgente surge no momento em que a Rede Bandeirantes faz o seu
principal investimento em telejornalismo, desde o seu surgimento. No site
institucional da emissora, a imagem de uma “linha do tempo” destaca o ano de 2001
como o da criação de sua Central de Jornalismo. O Brasil Urgente seria um dos
conteúdos que marcaria esta fase, que para a própria emissora, significava não só um
investimento em tecnologia, mas a pretensão de causar impacto na maneira de fazer
jornalismo na televisão brasileira.
A estréia do Brasil Urgente, com Roberto Cabrini, o novo Jornal da Noite, com
Maria Cristina Poli, e a reformulação do Jornal da Band marcam, a partir de
hoje, o pontapé inicial da Rede Bandeirantes na sua nova fase jornalística. Terão
início hoje, também, as operações da Central de Jornalismo - o News Center -,
uma redação/estúdio de 700 metros quadrados que reúne em um único local os
profissionais da área. "Não é apenas uma redação, é uma filosofia de trabalho
diferente, totalmente multimídia", explica Johnny Saad, presidente da Band.[...]
Para Mitre [Fernando Mitre, Diretor de Jornalismo], o programa comandado por
Roberto Cabrini será uma aposta radical no jornalismo. "Haverá exploração total
do News Center, usando uma linguagem agressiva, sem cair no
sensacionalismo." (Jornalismo da Band entra em nova fase, O Estado de S.
Paulo, 03 de dezembro de 2001)
Não tardou para que alguns críticos da televisão enxergassem que uma atração como
Brasil Urgente representasse um movimento das emissoras para apelação ao baixo
nível em busca pela audiência.
Para além das intenções pretendidas pela emissora, é fato que este investimento na
linguagem jornalística se colocava como uma novidade, quando os olhos da BAND
75
se voltam para um campo que até então nunca tinha sido prioridade. Na década de
1980, a emissora atingiu o seu auge em audiência sob o slogan “o canal do esporte”.
A atração dominical Show do Esporte (1983-2004) era responsável por uma
cobertura esportiva que ocupava quase que todo o dia, e durante a semana, os
eventos e notícias do esporte, bem como a transmissão de jogos de futebol, tinham
relevante espaço na programação. Além dos esportivos, programas de shows e
variedades como o Clube do Bolinha, eram atrações fortes na emissora.
Os programas de entrevista Cara a Cara e Canal Livre - este, no ar até os dias atuais
- formavam o time jornalístico ao lado do Jornal da Bandeirantes (que a partir de
1997, passa a se chamar Jornal da Band). A inconstância dos apresentadores e do
horário de veiculação (entre 19h e 21h) tornavam o Jornal da Band um produto de
pouco destaque na concorrência. Os momentos mais expressivos (em relação ao
investimento da emissora - tempo, cenário, apresentadores, equipes, etc. - e no
retorno da audiência) ocorreram primeiro em 1997, quando assume o jornalista Paulo
Henrique Amorim, e em 2006, quando assumem a bancada o âncora Ricardo
Boechat e o comentarista Joelmir Betting. Boechat possui larga experiência no
jornalismo brasileiro atuando como repórter, colunista e diretor de redação de outros
veículos antes da BAND. Joelmir Beting, que faleceu em 2012, tinha larga
experiência como comentarista de política e economia e antes de chegar ao Jornal da
BAND, já participava do programa Canal Livre.
34
De acordo com o site institucional, a BAND foi pioneira na transmissão de debates políticos
eleitorais, transformando esta vertente em uma tradição jornalística da emissora. Disponível em
http://www.band.uol.com.br/grupo/jornalismo.asp .Acesso em julho/2013.
76
do esporte fez com que a própria emissora tratasse este tema como uma “tradição”35
em sua existência.
Assim, o Brasil Urgente nasce com a missão de inserir mais fortemente a BAND na
disputa protagonizada pelos produtos jornalísticos e a escolha do apresentador
denunciava tal intenção. Em mais de vinte anos atuando como um dos mais
destacados repórteres da Rede Globo, Cabrini passou primeiro pela cobertura
esportiva, foi correspondente internacional, mas atingiu o auge da carreira nas
reportagens investigativas elaboradas para o Jornal Nacional e Fantástico. Em uma
entrevista dada ao jornal O Estado de S. Paulo, à época da estreia do Brasil Urgente,
declarou que a atração representava um “desafio” na carreira, já que pela primeira
vez sairia do papel de repórter para o de âncora. No entanto, fez questão de frisar,
não deixaria de imprimir ao programa o know-how adquirido pela reportagem
investigativa.
Roberto Cabrini ficou dois anos no programa, quando deu lugar ao apresentador José
Luiz Datena, na época recém-saído da TV Record, onde comandava o Cidade Alerta,
concorrente direto do Brasil Urgente. Em entrevista à revista Istoé Gente, Datena
afirma que pedira demissão por conta de um desgaste com o vice-presidente da
Record, e que a nova atração seria uma continuação do seu trabalho. “Eu é que tenho
que me adaptar ao programa e não o programa a mim. Como o Brasil Urgente e o
Cidade Alerta têm fórmulas parecidas, acho que vai ser uma sequência do meu
trabalho” (ISTOÉ Gente, “Agora na BAND”, 13/03/2003).
35
Em 2012, a emissora comemorou os 75 anos de existência com o lançamento do livro “Futebol É
com a Rádio Bandeirantes”, composto de quatro volumes que contam a história dos principais times
de futebol de São Paulo, e suas coberturas junto à emissora. Na ocasião, Milton Leite, apresentador de
um programa esportivo da TV Bandeirantes, publicou em seu blog junto ao site da emissora fatos
marcantes da história da emissora, destacando o começo gloriosos, a partir dos shows de auditório,
que a tornaram a “mais popular emissora paulista, e o investimento para transmissão dos jogos da
Copa do Mundo de 1958, pontapé para se tornar a rádio com tradição em esportes.
77
mais enérgico, cujo âncora se posiciona de forma mais rude e agitada, simulando a
pouca sutiliza que o sentido de “urgência”, convocado no próprio nome da atração,
deveria provocar. A linguagem coloquial passa a ser um grande trunfo na construção
da identidade do programa, principalmente nos comentários sobre as notícias
envolvendo crime ou atuação policial, quando o âncora irá demonstrar maior
intimidade. Sob o comando de Datena, o programa dobrou os índices de audiência da
emissora nesta faixa de horário e logo o apresentador se tornou um dos ícones
contemporâneos do jornalismo policial na TV brasileira, ou como prefere
caracterizar a emissora, “um dos mais importantes e influentes apresentadores do
Brasil”36. A popularidade lhe traz o status de celebridade, referendado pela
audiência, por algumas publicações, e até pela crítica televisiva.
36
Disponível em: http://noticias.band.uol.com.br/brasilurgente/datena.asp. Acesso em junho/2012.
37
Em 2003, Datena recebeu uma proposta da BAND e decidiu rescindir seu contrato com a Record,
onde ficou acordado uma multa pela rescisão antecipada. Oito anos depois, a Record fez uma proposta
ainda mais vantajosa para Datena, que decidiu rescindir com a BAND e voltar à Record, que além de
oferecer melhor pagamento, o abonaria da multa antiga. Datena voltou a apresentar o Cidade Alerta,
mas atritos e discordâncias entre o apresentador e a alta direção da emissora, com relação à condução
do programa fizeram com que o apresentador ficasse apenas seis semanas. Embora alegasse
problemas, a condução de Datena no Cidade Alerta fez a audiência do programa subir 70%. A certeza
do sucesso fez com que a BAND não fechasse as portas para o apresentador, e lhe abrisse espaço para
uma volta, com direito a mais uma renegociação vantajosa. Datena aceitou e em troca adquiriu uma
multa com a Record de R$ 50milhões, renegociada para R$20 milhões. Em entrevista ao programa 8
minutos, veiculado via Youtube, Datena diz que agora trabalha para assumir os custos dessa multa.
“Eu já tive que pagar uma multa que ninguém nunca pagou na TV brasileira por quebrar um contrato.
Paguei do meu bolso, perdi imóveis, perdi carro, perdi uma série de coisas. Então eu não tenho
condição de chegar no cara da televisão e dizer que eu não quero fazer isso, não posso me arriscar a
perder mais coisas”.
78
Quando começa o Brasil Urgente, Datena está sozinho no centro de um cenário
virtual, que em profundidade, projeta sobre a técnica do croma-key três ambientes
distintos para enquadramento de câmera. Ele está sempre de pé, circula pelos três
ambientes e a gesticulação aparece como um movimento natural, tal como acontece
em uma conversa com um grupo de pessoas. Normalmente, anuncia as chamadas
com voz grave e empostada, que remete ao estilo dos antigos locutores radiofônicos.
Durante todo o programa, esforça-se para manter a voz em tom cordial, o que não
impede a ocorrência de alguns excessos, ou seja, quando a situação noticiada parece-
lhe deveras repugnante. Quando isso acontece, não raro pede desculpas ao público.
Datena parece querer manter sempre a figura de um homem polido, cortês, dentro
dos limites da moral e dos bons costumes.
Brasil Urgente entra ao ar no fim da tarde, após uma programação que reúne
programas sobre esportes, seriados e desenhos animados. Nos grandes centros
urbanos, essa faixa horária é geralmente turbulenta, com o trânsito difícil marcado
pela volta pra casa do cidadão após a jornada regular de trabalho. Com duração
média 2h20min, o programa prioriza a cobertura ao vivo desta rotina hodierna da
cidade de São Paulo, ao momento em que o programa é transmitido. Tanto a
cobertura ao vivo quanto a gravada, composta pelas reportagens, destacam situações
79
relacionadas à prestação de serviço, mas em grande maioria, as que relatam crimes,
violência e ação policial.
A vinheta que anuncia o programa apresenta formas retangulares, na cor azul e com
detalhes em vermelho, que atravessam a tela em movimento diagonal, como se
fossem mostrar um feixe de luz. O movimento efetuado pela arte, revelando o nome
do programa, dura cerca de cinco segundos, e mais três segundos são utilizados para
que a imagem final com o nome completo componha a tela. A velocidade com que
os elementos da arte utilizada na vinheta se compõem também se relaciona com o
ritmo frenético de urgência proposto pelo programa.
80
Figura 2 - Vinheta de abertura Brasil Urgente
A trilha sonora utilizada na abertura é a mesma da sua estreia, e foi composta pelo
maestro Mario Boffa Júnior, a pedido da emissora. Aqui, a emissora procura mostrar
que houve uma preocupação formal e estilística na composição de tal melodia, que
também ajuda a imprimir referências e construir a marca identitária do programa – ao
familiarizar-se com a música, o telespectador reconhece o programa. A preocupação
com a música, trilha e vinheta do programa vai de encontro referências estéticas
adotadas pelo telejornalismo brasileiro de referência.
81
logomarca do telejornal já está na tela, a diminuição da velocidade das imagens
(paralelogramos achatados) é acompanhada por um contínuo sonoro. É
interessante destacar a questão do “contínuo”, porque as imagens não chegam a
se estabelecer, ou seja, fixar-se na tela, apenas diminuem o ritmo. O mesmo
acontece com o som. (SCHIAVONI, 2007, PP. 78 e 79).
O programa demonstra a busca pelo rigor estético também através dos recursos
tecnológicos que procura dispor, revelados nos efeitos de edição, composição de
cenário e transmissão das imagens em tempo real. De acordo com Juliana Gutmann
(2012), tais artifícios podem funcionar, no produto telejornalístico, como “estratégias
de simulação de atualidade e interesse público; bem como meros artifícios de
promoção de comoção” (GUTMANN, 2012, p. 12) Entendemos que tal estratégia
adotada pelo Brasil Urgente relaciona-se a um sentido de modernidade, atualização
do que poderia configura-se como padrão no telejornal brasileiro mas por outro lado,
ela acaba por suscitar outros valores e referências quando analisadas em conjunto
com a performance do apresentador. Queremos dizer que, embora pareça moderno,
futurista ou mais revelador do que métodos tradicionais, tais recursos podem tão
somente mascarar ou até mesmo inutilizar este sentido, a partir do momento em que
a conduta do apresentador aglutina a carga simbólica dos valores e do modo de
endereçamento do programa.
Após a vinheta de abertura, Datena faz uma pequena escalada no estúdio, em que
anuncia cerca de três ou quatro manchetes, sendo que uma delas será destaque
durante todo o programa. A estrutura pleiteada pela atração funciona tal como uma
“narrativa fragmentada”: há uma reportagem principal, que costura todo o programa
e é exibida em partes, alternativamente às outras notícias, que podem originar-se de
reportagens gravadas ou de eventos que acontecem em tempo real. Ganham destaque
as histórias de crimes ou violência que contenham detalhes bizarros, imagens
importantes, desfechos surpreendentes. Quase sempre também suscitam algum tema
para debate, que será convocado por Datena através dos seus comentários de tom
opinativo. Como informa a descrição do programa no site institucional da emissora,
em uma das paginas de suas afiliadas, “(...) as matérias têm o tempo que merecem, 1
minuto ou meia hora”38, e podem ser interrompidas para dar lugar à cobertura ao
vivo, prioritária no programa.
38
Descrição disponível no site da afiliada Band Vale:
http://www.tvbandvale.com.br/v2/programa.php?id=13. Acesso em junho/2013
82
O Brasil Urgente se organiza pela abordagem de uma reportagem principal, que será
convocada durante todo o programa, de forma fragmentada entre os blocos, embora
esta estrutura possa ser alterada ou não tão organizada, já que a prioridade do
programa é a transmissão direta. Se tratar de um caso que demande investigação
policial e judiciária, ou cause grande repercussão em outros programas, pode ser
retomadas em suíte ao longo da semana.
De acordo com Araújo (2012), a serialidade constitui-se como uma das principais
marcas do jornalismo televisivo, e configura-se culturalmente como uma estratégia
vinculada aos sentidos de vigilância, interesse público, promoção do debate e serviço
públicos. “[...] ao fazer isso, o jornalismo se relaciona com o cotidiano do seu
público, com seu tempo fragmentado, como ele se apresenta com um sentido de
presença continuada e se torna próximo, familiar” (ARAÚJO, 2012, p. 56). Esta
estratégia de abordagem fragmentada da notícia vincula-se ainda a uma estratégia
utilizada pelo folhetim, estreitando laços com formas populares de contar histórias e
manter o interesse do telespectador.
Datena: Olha, uma garota bonita, inteligente e muito batalhadora. Pâmela havia
acabado de entrar na faculdade, mudou de emprego, tudo isso pensando em dar um
futuro melhor à filha de apenas três anos. Mas acabou morta. É o caso em que está o
Marcelo Moreira? Que o cara botou no Facebook que ia matar a moça? É esse o
caso? É esse o caso? Que coisa terrível hein? Meu Deus do céu. Na tela!
83
(ROXO E SACRAMENTO, 2013). O modo como o cenário se configura sobre o
chromakey, em profundidade, coloca o apresentador em uma perspectiva
evidenciada, que sugere liderança e autoridade para executar tal performance. Do
centro, Datena controlaria o que está ao seu redor - entrada de repórteres e imagens
ao vivo e reportagens gravadas.
84
No início do programa, quando anuncia a primeira reportagem ou entrada ao vivo a
ser exibida pelo programa, geralmente diz: “Brasil Urgente pra você! Atenção Fidel,
atenção Latino, som na caixa”, ou então “Por gentileza, Latino! Olho na tela, olho
na imagem” ou “Me dá as imagens, Paletó”. Supomos aqui que estes sejam os
assistentes de áudio, de vídeo, ou mesmo o repórter cinematográfico que reproduz as
imagens desde o helicóptero. A ocultação desses personagens aguçariam o
imaginário do telespectador e o tom anedótico com que o apresentador se refere a
eles simula uma relação de intimidade e familiaridade entre apresentador e equipe.
Estas estratégias se vinculam ao que propõe Jesús Martin-Barbero (2009) com a ideia
de cotidianidade familiar, uma mediação importante exercida pela televisão na
contemporaneidade e que se constrói pela simulação do contato e pela retórica do
direto. A primeira se refere aos modos como os agentes do programa se comunicam
e falam com o seu público. Datena usa gírias, apelidos e expressões da sabedoria
popular como estratégia para se aproximar dos modos de comunicar das classes ditas
populares, como se desejasse romper com os paradigmas de formalidade construídos
pelo telejornal. Já a retórica do direto diz respeito ao modo como esta forma de
comunicar se atualiza ao tempo presente do telespectador. O programa é ao vivo, e
ao inserir estes diálogos como imprevistos, ocorridos à naturalidade, Datena convoca
o telespectador a entrar na esfera da produção, do bastidor, no intuito de que ele se
“familiarize” com o que vê. Em consequência, tais estratégias simulam também os
efeitos de instantaneidade, verdade e transparência.
Para nós, Datena comporta-se como uma espécie de guardião da moral da sociedade,
prometendo ser duro e incisivo com aqueles que desejam perturbar esta ordem. No
site institucional da emissora, é caracterizado como um profissional famoso por ser
“polêmico” e não ter “papas na língua”, ou seja, disposto a dizer a verdade
independentemente das consequências que isso possa trazer. Na edição do dia
01/03/13, por exemplo, ele demonstra o que poderia ser um comentário do tipo
polêmico, ao falar sobre um processo judicial que estaria sendo acionado contra ele.
José Luiz Datena: “Olha, com voz ou sem voz, eu não vou ficar calado, quando eu,
er(sic)..., sinto que o cidadão é prejudicado, quando eu me sinto prejudicado, não
vou ficar calado. Só queria avisar que o senhor Ricardo Teixeira, que havia me
processado na esfera criminal, retirou o processo contra mim, retirou o processo. O
85
senhor Ricardo Teixeira retirou. Fez muito bem. Não tenho medo de poderoso, não
tenho medo de conglomerado, e fico no pé. E se der algum vacilo, e eu descobrir
alguma coisa, rapaz...eu vou na jugular!”(Brasil Urgente, 01/03/13).
Em uma edição anterior, Datena havia chamado Ricardo Teixeira, então presidente
da Confederação Brasileira de Futebol, de “gambá” e “inseto”, o que teria motivado
o processo. Através do discurso verbal, Datena procurar paliar o seu lugar enquanto
profissional vinculado a um grande grupo de comunicação para se dizer isento e
comprometido com o bem da população. Ao utilizar o programa para comentar uma
situação de esfera particular, Datena insinua uma aproximação ao telespectador no
sentido de estabelecer, pela esfera da intimidade, um pacto de vigilância em prol da
verdade, a justiça e a moralidade.
Percebemos no entanto que, nesta passagem específica, Datena deixa escapar o seu
lugar de autoridade que o coloca em um lugar distinto do telespectador. Ao dizer que
não ficaria calado quando algo incomodasse, ele fala primeiro do cidadão, e depois
de si mesmo, e que buscará a justiça quando qualquer um dos dois - o cidadão ou ele
- for prejudicado por outrem.
Queremos dizer que embora bastante sutil, esta passagem revela o lugar de alteridade
que contribui na construção do lugar de autoridade assumido por este mediador
principal. Tal estratégia relaciona-se diretamente ao contexto comunicativo do
programa, através do âncora que se dirige diretamente ao telespectador e coloca a sua
opinião como discurso majoritário, e também ao pacto sobre o papel do jornalismo
estabelecido, pois a autoridade aqui validaria o sentido de credibilidade. Datena tem
status de celebridade, é um cidadão que se enquadra em uma uma posição social
economicamente favorecida, mas joga com o discurso autoritário para posicionar-se
com propriedade em relação a uma realidade que não seja a sua, não lhe pertença de
fato. Isso faz com que em muitas situações, quando fale do “povo”, Datena não se
inclua.
“E vamos pedir para os governos, federal, estadual e municipal, que arrumem casa
pro povo, que é pro povo não precisar invadir terreno. Essa é a verdade”. (José Luiz
Datena, Brasil Urgente, edição 22/11/2012).
86
“Eu não quero perder a paciência aqui né, porque o povo é tão maltratado, e os
impostos que o cara paga, velho (sic)? Esse é o fim do mundo, velho! (sic)” (José
Luiz Datena, Brasil Urgente, edição 23/11/2012).
Em perfis disponíveis nos mais variados tipos de jornais e revistas, Datena se destaca
pela condição financeira e alguns hábitos pessoas considerados extravagantes. É
colecionador de relógios, todos de grifes caras e importadas (são geralmente de
tamanhos grandes e sempre está trajando um nas edições do Brasil Urgente).
Também é apreciador de obras de arte, possui peças valiosas (entre quadros,
esculturas e imagens religiosas) em sua residência, localizada em um dos
condomínios mais luxuosos de São Paulo39. Pela remuneração que recebe pelo seu
ofício, podemos dizer que Datena é um homem milionário, e isso o coloca como
integrante de uma classe que constitui-se em uma parcela ínfima entre o número de
brasileiros. Um indivíduo, portanto, alinhado ao mesmo patamar social da família
Saad, proprietária do Grupo Bandeirantes de Comunicação, uma das mais ricas e de
maior prestígio do país40.
Sendo um homem rico, estabeleceria portanto vínculo, na esfera pessoal, com os que
detêm o poder econômico. No entanto, o programa apresenta situações que na grande
maioria das vezes, estão ligadas ao cotidiano das classes mais pobres do país, que
compõem a maioria da população. Datena não é pobre, mas, em sua conduta como
mediador principal da atração, age como se soubesse do que o pobre - figura
majoritária no país - precisa por uma questão de “conhecimento de causa”,
argumento que constantemente usa no programa. Esse conhecimento, por vezes
justifica em seus depoimentos pessoais emitidos durante a transmissão do programa,
viria tanto da sua origem como “classe média” baixa quanto pela sua experiência em
programas televisivos que predominantemente abordam os casos de violência e
drama humano, cujas vítimas são pessoas de classes menos abastadas.
39
Referência extraída de um perfil do apresentador publicado pela revista Veja em 2011. Disponível
em http://vejasp.abril.com.br/materia/datena-band-apresentador-perfil. . Acesso em junho/2012.
40
João Carlos Saad, o Johnny, herdou a presidência da emissora de seu pai, João Jorge Saad, um
descendente de imigrantes libaneses que, ao casar-se com uma das filhas do influente político
Adhemar de Barros (por duas vezes governador de São Paulo), herda do sogro a Rádio Bandeirantes.
Atualmente, a TV Bandeirantes é uma das 30 marcas que compõe o conglomerado do comunicação do
Grupo. Em 2011, Johnny foi eleito empreendedor do ano da área da Comunicação, pela Revista Istoé
Dinheiro, pelo grupo ter investido R$ 217 milhões e ter como retorno, em faturamento, R$1,4 bilhões.
87
Esta estratégia nos remete a outra que se mostrou inovadora na década de 1980,
quando o programa O Povo na TV mudou o cenário para uma sala de estar típica dos
lares de classe média brasileira. Datena busca popularizar o endereçamento do
programa pelo discurso, propondo falar em nome de um “povo”, mas na imagem e
na esfera pessoal, aciona os códigos discursivos da elite, de quem também depende
da audiência e por onde também se exerce poder de influência.
Esse lugar de alteridade que gera efeito de autoridade também é revelado pela
performance enquanto âncora, em que revela os modos de lidar com os conteúdos
apresentados e com os repórteres. Os comentários que profere a cada reportagem
exibida ou durante as coberturas ao vivo, além de marcar o tom opinativo, coloca o
apresentador no papel de especialista.
41
O crime teve ampla repercussão nacional nos jornais, revistas e emissoras de TV: pelo réu, uma
personalidade bastante conhecida por integrar o elenco do Flamengo, equipe de futebol que tem uma
das maiores torcidas do país; pelos requintes de crueldade que o crime teria acontecido, segundo as
investigações; pelo ocultamento do cadáver; pelo envolvimento mal esclarecido entre o réu e os
acusados de executar o crime - José Henrique Romão, o Macarrão, um dos melhores amigos de
Bruno, e o ex-policial Marcos Aparecido dos Santos, o Bola.
88
Datena entrevistou ao vivo, por meio do ponto eletrônico (onde conversava apenas
por áudio), alguns dos personagens envolvidas no julgamento - advogado, delegado e
promotor atuantes no caso. Em cada uma das entrevistas, os repórteres Eloi Oliveira
(afiliada BAND Minas), e Márcio Campos (repórter do Brasil Urgente nacional)
eram incumbidos das perguntas mais diretas e genéricas, enquanto que a Datena era
reservado o espaço para perguntas de caráter mais polêmico ou constrangedor, em
que sugere hipóteses ou pede esclarecimentos e/ou detalhes referentes ao processo de
investigação.
Na edição do dia 19/11/12, Datena conversa com o advogado Ércio Quaresma, que
defende o ex-policial Marcos Aparecido dos Santos, o Bola, um dos acusados pelo
assassinato. Datena posiciona-se ao lado da acusação, e demonstra impaciência ao
ouvir os argumentos da defesa dos réus. Depois que o advogado explica a sua
estratégia de defesa, Datena questiona:
José Luiz Datena: Me diga uma coisa doutor...vocês tão (sic) alegando um fato né,
a defesa alega um fato, de que porque não tem corpo, a Eliza tá viva. E a gente
alega, faz uma pergunta, de que não tem corpo, então ela pode não tá (sic) viva
também, essa é a nossa opinião. Opinião não, é uma forma de contestar. O que
vocês têm a dizer sobre isso?
Neste momento, quando não se dirige ao telespectador e mantém diálogo com uma
fonte oficial, preocupa-se em marcar o discurso opinativo enquanto editorial: nós,
equipe do programa e Grupo Bandeirantes de Comunicação, nos colocamos em
oposição ao argumento da defesa neste caso específico. Nesse sentido, marca o lugar
de vigilância e de quarto poder do jornalismo, quando se reserva no direito de
argumentar contra pelo exercício do ofício. É como se nas entrelinhas Datena
justificasse que após analisarem todas as perspectivas, eles se posicionam contra e
desejam saber porque a defesa insistiria nesse trabalho.
89
Datena: “Ô Quaresma, você faz uma cortina de
fumaça tão grande, que até o som você derruba
ô fumaça! Ô Quaresma! Você não chama
Quaresma à tôa!”.
90
astúcia.
Os dois travam um diálogo confuso, pois falam ao mesmo tempo durante muitos
momentos, e a conversa dura em torno de 25 minutos. Esta passagem ilustra uma
situação recorrente no programa, que é o de uma entrevista dominada pelo
apresentador que, numa pretensão de simular debate ou de abrir o direito de resposta
da fonte, acaba por evidenciar o forte lugar de autoridade e controle exercido pelo
mediador principal. Em muitas ocasiões como esta, ao diálogo se prolonga mas não
no intuito direto de fornecer mais dados ou informações sobre ao fato noticiado, e
sim, de reforçar este lugar , em que este mediador promove ainda um espaço para
que a opinião-editorial do apresentador esteja em evidência.
91
“Isso é inaceitável, perante a lei dos homens e obviamente perante a lei de Deus”.
(José Luiz Datena, ao comentar sobre um assassinato. Brasil Urgente, edição
03/12/12)
“Hoje em dia, a gente tem dar graças a Deus para que o ônibus funcione, e que o
metrô funcione, e que o trem funcione” (José Luiz Datena, Brasil Urgente, edição
07/12/12)
92
Repórter Lucas Martins (em off):
A reportagem inclui sonora com a vitima, o vizinho que ajudou a socorrê-lo, fotos
dos acusados, passagem do repórter em frente à Delegacia, e termina com o
depoimento bastante emocionado da irmã da vítima, uma senhora que ajuda a igreja
e que ainda não tinha visto o irmão após o ocorrido. Ela vê o seu estado pelas
imagens registradas pela equipe. A imagem volta para Datena no estúdio, que
comenta:
Datena: Descrição:
93
criminoso, né, ficar imagem em close do
defendendo por ai, rosto do idoso
brincando, com criminoso, e machucado.
fazendo musiquinha, ou
coisa parecida pra fazer
apologia ao crime, vocês
também são responsáveis
por esse tipo de canalha que
faz esse tipo de coisa, olha
aí! Olha aí o que fizeram
com o velhinho!
Em seguida, pergunta ao telespectador “que tipo de pena merece um cara que faz
isso com um velhinho”, e pede à equipe que coloque em tela o número do “Orelhão
do Latino”, que seria o número disponibilizado pelo programa para que o público
mande mensagens de texto através do celular. Datena tem a percepção de que ele
lidera e conduz a discussão provocada pelo programa (no caso, por ele mesmo), mas
se isenta a todo o tempo, num gesto que simula humildade, tentativa de tirá-lo da
condição de condutor principal. O “orelhão” - o próprio nome a que se refere ao
canal de comunicação, simbolizando o que seria um canal popular e de caráter
público, como é o orelhão de fato - não é dele, é de Latino, porque não seria ele
quem recebe as ligações diretamente. Valoriza os esforços de sua equipe, e preocupa-
se em manter o tempo inteiro a imagem de que é só mais um componente no
programa. Após dar o número do telefone, orienta:
Datena: Quero saber, vamo (sic) botar o rosto do velhinho o programa inteiro e
você manda a sua opinião, e vou passar os torpedos aqui embaixo! Não há nem a
necessidade d’eu ler mas quando é pr’eu ler, eu leio! Mas, por favor, vamo (sic)
passar!
94
rodapé da tela: “pena de morte - AM; pena de morte - SP; pena de morte - RJ; uma
surra - ES; pena de morte - BA; prisão perpétua - AM”, entre outras mensagens
exibidas ao longo do programa, que teriam sido enviadas pelos telespectadores. No
papel de apresentador em comando de uma atração de grande audiência, Datena
simula a ideia do debate, da discussão, organizando uma espécie de plebiscito
simbólico para articular a discussão sobre um tópico que posiciona-se a favor. Na
edição do dia anterior, a comentar outro crime, Datena já havia provocado a
audiência sobre o mesmo tema. “Isso é inaceitável. Eu acho que tinha que ser feito
um plebiscito no Brasil, se a gente tinha que ter pena de morte e prisão perpétua”.
Reclama constantemente da condição social do país, mas, alinhado com a temática
principal do programa, as maiores críticas são direcionadas ao judiciário e ao sistema
de segurança pública nacional.
“(...) o sistema não funciona, além, nos temos leis de 1932, temos um código penal
que tem 72 anos”. (José Luiz Datena, Brasil Urgente, edição 03/12/12)
“(...) Aliás, o Estado de São Paulo tá querendo que aqui vigore a lei de que o cara
mesmo tendo cumprido a maioridade penal, dependendo do crime que ele cometeu
ele continue cumprindo pena em cadeia comum, e isso eu venho falando a duzentos
anos [estala os dedos, indicando pelo gesto a passagem de tempo].( José Luiz
Datena, Brasil Urgente, edição 03/12/12)
95
Datena foi o precursor da cobertura aérea, a partir de sua experiência no Cidade
Alerta e da interação com o Comandante Hamilton42. Na edição do dia 06/12/12, por
exemplo, a ocorrência de uma forte chuva em São Paulo torna-se uma noticia de
destaque em todo o programa, pois as imagens aéreas e seu apelo visual revelam em
dimensão ampliada o que significa um dia de temporal na maior cidade do país.
Figura 4 - Brasil Urgente nacional: Cobertura aérea da chuva em São Paulo (edição 06/12/12)
A chuva começa a se formar e Datena, informa sobre a quantidade de raios que cai
em São Paulo e seus prováveis riscos. Participam da cobertura o repórter Márcio
Campos, que fica na redação da emissora, e um representante do órgão de trânsito da
capital paulista, que vai informando sobre as consequências da chuva para o tráfego,
no momento em que ela vai atingindo cada região mostrada pelo helicóptero. Pela
cobertura aérea, o telespectador acompanha a chegada da chuva, o momento em que
ela está mais forte, e ao final, o caos instalado na cidade, com pontos de alagamento
e longos engarrafamentos. Além do forte apelo visual, a ocorrência da chuva serve
42
O comandante Hamilton Alves da Rocha é um piloto de helicóptero profissional, que começou a
prestar serviço na televisão no SBT, quando passou a gravar imagens aéreas para um quadro do
programa Domingo Legal. Em 2003, comandou o programa Viva Ação, na Rede TV mas em paralelo,
participava já de inserções em programas de outras emissoras. Fez faculdade de jornalismo, e passou a
atuar efetivamente como repórter cinematográfico, desde o seu helicóptero, quando se tornou fixo na
equipe do Cidade Alerta, então comandado por Datena na Rede Record. Quando Datena migra para a
BAND, Hamilton vai mas depois, retorna à Record, onde hoje volta a atuar pelo Cidade Alerta,
atualmente sob a apresentação de Marcelo Rezende.
96
como pano de fundo para o discurso do apresentador, que salienta o quanto a cidade
de São Paulo tem problemas estruturais, que não suportam nem mesmo a ocorrência
de uma chuva. A cobertura ao vivo simula ainda a ideia de serviço público,
mostrando ao telespectador o que acontece naquele momento e orientando-o sobre
locais que deve evitar, caso esteja prestes a sair ou retornar para casa.
Márcio, que substitui Datena na apresentação nas edições de sábado, fica durante
todo o programa como um repórter de plantão. Quando solicitado pelo apresentador,
ele aparece no vídeo e fornece informações sobre o assunto que está sendo
comentado no momento. Márcio Campos não entra em debate com Datena, e sempre
apresenta informações que complementam ou reafirmam o discurso do apresentador.
Embora quase sempre, nas edições que compõem esse corpus, Márcio atue mais
como um comentarista em apoio a Datena do que essencialmente um repórter, o seu
lugar expressa um sentido de jornalismo que não para: enquanto os demais repórteres
estão nas ruas cobrindo os acontecimentos, ele estaria na redação preparando outros
conteúdos e checando outras informações.
Para interagir com os repórteres e com os fatos noticiados pelo programa, Datena
utiliza das estratégias audiovisuais que simbolicamente convocam o sentido de
imediaticidade, de uso da tecnologia a serviço da notícia – estas das quais falamos no
início desta análise. Além das imagens aéreas, onde interage e conversa com Paletó,
Datena usa o recurso identificado pelo programa como “duas” e “três” telas, que
possibilita ao telespectador observar ao mesmo tempo três situações distintas - o
apresentador, a fonte com quem fala no momento (repórter Márcio Campos no
estúdio ou outro repórter ao vivo em algum outro lugar, ou mesmo outra fonte), e as
imagens aéreas.
97
Figura 5 - Brasil Urgente nacional: Recurso “duas telas” e "três telas"
Mas a predileção pela transmissão direta atua aqui neste programa nas entrelinhas
como um elemento importante para viabilizar a cobertura policial, tema de maior
abrangência na atração. Ela permite inserir um aspecto novo à abordagem desta
temática, quando coloca em relevo o acompanhamento, em tempo real, das ações
policiais. A Polícia aliás, é o pilar norteador dos discursos em relação à violência,
crime e segurança pública proferidos por Datena. O apresentador acolhe a
perspectiva desta instituição, que para Datena, é a única capaz de manter a ordem, a
paz e a segurança dos indivíduos.
Em quase todos os fatos noticiados pelo programa que envolvem situações de crime,
os repórteres realizam inserções ao vivo desde a Delegacia, e os delegados e policiais
responsáveis pelas investigações noticiadas são quase sempre as fontes que encerram
uma reportagem, com uma sonora definitiva. Após exibição das reportagens, Datena
sempre reitera seu posicionamento.
98
“Deus é grande mas nós precisamos pegar esses caras aí. E a policia precisa pegar
esses caras aí, a sociedade precisa pegar esses caras aí. A sociedade que eu digo é a
policia” (José Luiz Datena, Brasil Urgente, edição 03/12/12)
“Ligue pra policia. Não tem ninguém melhor pra te defender do que a polícia, velho”
(José Luiz Datena, Brasil Urgente, edição do dia 03/12/12).
99
O repórter Márcio Campos, em off, descreve a operação como “intensa e violenta”, e
Datena complementa com o seguinte comentário:
Datena [em off. Na tela, imagens da ação policial]: “Olha, são quase 100 policiais
mortos em São Paulo do começo do ano ate agora. A gente tá defendendo pra
caramba a tese de que isso não pode acontecer, de que a policia não pode ser
atacada, defendendo a tese de que a policia é mal paga, cortaram até o beneficio dos
policiais. E que a maioria dos policiais, né, é de competência e de honra acima de
qualquer coisa. Agora, quando se pensa em...que a policia vai usar de força, dentro
da lei, legitimamente, pra combater bandido, não se pensa nessas ações aí, de
reintegração de posse, com tiro pra todo lado ou coisa parecida. O que eu quero
dizer é que a polícia deve usar de força, né, contra bandido, canalha, vagabundo e
sem vergonha. E que deve evitar, na medida do possível, essas ações aí em relação
ao povo, que não tem casa pra morar, né? Agora, eles foram recebidos a pedradas, e
tal. Agora não sei se a reação é proporcional a essas pedras que tão caindo aí.
Então eu peço calma, não só aos policiais, mas também aos moradores, porque o
pau tá quebrando solto aí. Marcelo Moreira, mais informações!”.
Ao pedir que polícia e população “se acalmem”, Datena tenta paliar o seu discurso
mostrando-se em favor da instituição policial mas também do povo, e no sentido de
conscientizar a população de que a polícia é a sua guardiã, responsável pela
manutenção da ordem social. Além disso, mostra a incumbência política que deseja
dar através do seu papel enquanto apresentador deste programa. Para além de noticiar
o fato, pede aos seus telespectadores que ouçam o seu conselho afim de reestabelecer
a paz. Estabelece-se, no seu lugar de autoridade, o respaldo para determinar, de
forma direta, modos de comportamento social que, assegura o apresentador, seriam
fundamentais para estabelecimento do bem estar social.
100
ex-goleiro Bruno. Antes de se despedirem, Sorocaba parabeniza o apresentador “pelo
seu programa, pela sua história, você é um cara que tem orgulho do seu passado,
luta pra mostrar, pra revelar pro Brasil o que realmente acontece nesses bastidores,
nesses fundões do Brasil”. No contexto brasileiro, o status de pessoa pública
funciona como um sinônimo de relevância social. Nesse sentido que a esfera de
celebrização criada em torno de Datena funciona como mais um dispositivo de
autoridade, que por sua vez, pretende-se funcionar como artifício de legitimidade do
discurso em prol de certos valores, condutas e instituições.
Na edição do dia 03/12/12, uma situação mostrada em uma das reportagens revela
como este reconhecimento funciona de modo decisivo não só na configuração de
Datena como mediador principal, mas também na configuração do programa e no
pacto que ele estabelece com a informação jornalística. Nesta edição, Datena atualiza
os telespectadores em relação aos desdobramentos de um fato noticiado pelo
programa na edição de 28/11/12, em que Datena interveio diretamente em uma ação
policial. A polícia tentava desarticular ação de um homem que mantinha reféns sua
mãe e sua irmã dentro da sua própria casa. Sem sucesso na negociação, os policiais
resolvem acatar um pedido do homem, que deseja falar com Datena. O apresentador
convence-o a liberar as mulheres e se entregar à polícia. A edição do dia 03/12/13
exibiu uma reportagem com as duas reféns libertadas, que falam sobre o momento do
cárcere e como estaria a família após o episódio.
101
conversado com o meu da irmã é coberta com
irmão, né, por meu irmão imagens feitas no dia
ter ficado calmo, por ele ter da libertação, da
aceitado conversar com o policia negociando e
meu irmão, porque se ás de Datena no estúdio
vezes ele não conversasse, acompanhando.
não sei o que seria. Todo
momento ele queria falar
com o Datena porque ele ia
se sentir seguro, eu
percebia isso”.
O repórter finaliza
Repórter Lucas Martins:
perguntando à mãe do
“A senhora acredita que ele
sequestrador. Tímida, a
se acalmou nesse momento
mãe fala pouco, mas
em que ele teve o Datena
depois também se
ali”?
emociona ao relembrar
dos fatos e chora. A
câmera, antes
Mãe do sequestrador: “Se
transmitindo em plano
acalmou... Se acalmou
médio, aproxima em
bastante”.
close no rosto da
senhora.
Após exibição da reportagem, Datena inicia o comentário sobre outra notícia exibida
anteriormente. Espera-se que ele não volte ao assunto, mas ele volta a este tema e
busca realizar uma espécie de reflexão em relação ao se desempenho naquela ação,
em diálogo com o repórter Márcio Campos.
Datena: “[...] não dá, pra viver com 29 baleados e 14 mortos num fim de semana de
novo, não dá. Eu não sei, eu não sou expert nessas soluções, até naquela negociação
muita gente diz que olha, realmente o Datena reconheceu que não tinha condição de
102
negociar, evidente que não, eu não sou polícia, só que teve um editorial aí de um
jornal que o cara botou que eu tava (sic) negociando com o bandido, e o cara não é
bandido coisa nenhuma, o cara é pedreiro, né? Se eu sou o cara inclusive eu
processo o sujeito que escreveu essa bobagem, que eu tava conversando com um
bandido, o rapaz é predreiro né, Ari?
Datena: “Eu reconheço que realmente eu não me senti bem, que tava errado e eu
nunca mais vou fazer isso. [...] Aliás, o cara nunca teve passagem pela policia, foi
103
um cara que surtou, eu podia surtar, você podia surtar, o cara que escreveu aquele
editorial acho que surtou na hora, pra dizer que o cara era bandido”.
Datena pede que sejam exibidas cenas da reportagem que a rede norte-americana
CNN fez repercutindo o caso. Além de mostrar o alcance internacional de sua
atitude, o programa mostra que a repercussão foi positiva, já que o editor de assuntos
internacionais da rede comenta na reportagem que Datena reconheceu que
intermediar uma ação policial não é uma função habilitada para jornalistas.
Esta situação nos diz claramente sobre a importância que o mediador assume no
endereçamento deste programa, e de como ela reverbera em outros dois operadores –
o contexto comunicativo e o pacto sobre o papel do jornalismo. É no tom opiniativo,
104
embalado pela linguagem coloquial e pelo sentido de autoridade construído pela
performance e pelo discurso que Datena traz o programa para si, e forja na sua figura
os valores de verdade, justiça e credibilidade. Entendemos aqui que tal postura desse
mediador se configura ainda como uma estratégia de popularização tanto em relação
ao programa e seus conteúdos, quanto à sua própria figura de mediador. Ao recorrer
a artifícios do melodrama e à personificação do relato, Datena se coloca em uma
posição mais próxima do telespectador. Reivindica nas entrelinhas, que apesar da sua
autoridade, de ser uma figura pública e conhecida (seria apenas mais uma notícia
caso o sequestrador não fosse, ele próprio, um telespectador do Brasil Urgente e
admirador de Datena), é também um homem simples, comum, sujeito às emoções.
Ao sucumbir aos seus instintos emotivos para oferecer um desfecho “feliz” à notícia,
adquire simbolicamente uma posição de herói, que simbolicamente pode se reverte
em credibilidade e popularidade.
105
O tom melodramático também é evidenciado no texto dos repórteres, tanto na
construção das reportagens gravadas quanto nas inserções ao vivo. Perguntas do tipo
“Como você está se sentindo?”, “Qual foi a sua reação/sensação ao saber do fato?”,
“Como será daqui pra frente?” ou “Onde você está buscando forças para seguir
adiante”, são recorrentes em suas atuações. No texto, detalhes e adjetivos que em
regra geral, seriam evitados em telejornais tradicionais, servem para caracterizar os
personagens envolvidos nas notícias tais como “moça pura e ingênua”, “homem de
bem”. Na edição do dia 19/11/12, ao encerrar uma entrevistar ao vivo com o pai da
garota de doze anos assassinada pelo padrasto, o repórter Eloi Oliveira diz: “Datena,
a dor do Fernando é compartilhada por toda a nossa equipe, viu?”. Há, no entanto,
um esforço para que este tom não se exceda; ele está sempre presente em situações
onde a comoção por parte das fontes e demais personagem seja explícito. Durante
todo o programa, os repórteres, que se vestem de maneira formal, executam suas
reportagens e inserções ao vivo seguindo a mesma estrutura e procedimento dos
telejornais de referência.
107
atos de violência, que transgredem a lei e a conduta de boa convivência na sociedade,
é justamente o que dá força ao argumento de Datena - se não temos um judiciário
que funciona, se o sistema social estatal é falho, o resultado é a barbárie, e isso
precisa ser mostrado porque pelas vias políticas convencionais (o voto, as
manifestações da sociedade civil em geral) já não bastam. Ao escolher esse tipo de
situação para fomentar a discussão em torno de uma questão específica (pena de
morte), Datena subtrai as consequências éticas, com se qualquer tipo de censura ou
rechaço à exibição fosse pouco diante do apelo político que ele estaria tentando
levantar, que é o de medidas mais severas de combate à criminalidade afim de que se
reestabeleça a ordem e o bem estar social.
Datena: Eu acho que tem que mostrar, o Nelson Rodrigues dizia isso! Se você
empurra a sujeira pra debaixo do tapete, você não mostra os podres da sociedade.
Expondo os podres da sociedade, e o Nelson Rodrigues além de dramaturgo,
durante muito tempo foi repórter policial, e sabia bem o que é isso, e é por evitar de
falar a verdade que na questão da segurança pública nos chegamos a esse ponto.
[...] O objetivo é chocar? Não! O objetivo é mostrar que nós temos assassinos desses
aí! Porque a gente fica com moleza, moleza, moleza, falando manso, falando manso,
falando manso, e de repente essas bestas-feras cruzam com alguém da minha, da
sua, da nossa família.
Datena ainda mantém o assunto em debate, enquanto a cena é reprisada outras vezes,
priorizando o momento em que o assassino desfere as facadas na vitima. Quando a
imagem da cena sai da tela e fica apenas em Datena no estúdio, o apresentador
reclama e pergunta à equipe porque eles tiraram a imagem. Faz uma pausa e afirma
“Porque tá muito forte?”, como se tivesse recebido essa justificativa do ponto
108
eletrônico para retirada da imagem e responde: “É, tá muito forte mas tem que
mostrar! Ah, então sabe o que nós podemos fazer? [aumenta o tom de voz].
Mostra...er, desenho da Xuxa aí, pô!”.
109
Figura 9 - Brasil Urgente Bahia: anúncio de estreia
No mesmo mês, um pouco após a estreia, o programa foi dividido em duas edições:
uma às 13h e outra que se mantém às 16h5043, o que representa para nós uma
estratégia de vinculação mais forte com o público local. Isso porque a faixa de
horário das 12h às 14h é considerada “horário nobre” da programação local entre as
emissoras, pois é o período em que a emissora de rede fornece mais tempo às
afiliadas para que exibam suas produções locais. Nesses termos, a estratégia revela
que não basta manter o vínculo apenas com o programa matriz, em sequência. Seria
estratégico estreitar relações com a ritualidade construída pela programação
televisiva baiana.
43
No final do mês de abril deste ano, o programa voltou a ter apenas a edição do final da tarde, ás
16h50.
44
Ver mais sobre a performance de Uziel Bueno como mediador principal do Na Mira em Araújo
(2010).
110
A vinheta de abertura do programa é a mesma utilizada pela versão nacional. Na
maioria das vezes, ela não marca o começo do programa. Na primeira edição, o
programa começa quando Juliana Guimarães, apresentadora do programa Jogo
Aberto, marca o fim de sua atração e o início do Brasil Urgente Bahia a partir de uma
interação com o apresentador. Os dois conversam sobre algum assunto que será
abordado pela atração que começará ou que foi noticiada pelo Jogo Aberto, riem,
fazem piadas e brincadeiras. A interação é apresentada ao telespectador através do
efeito “duas telas”; os apresentadores conversariam por áudio, mas poderiam ver-se
uma ao outro através de monitores disponíveis em cada estúdio.
A ordem descrita no parágrafo acima nem sempre acontece exatamente desta forma,
mas o clipe de abertura está presente em todas as edições analisadas e é a intervenção
que, definitivamente, marca o começo do programa. “V’ambora (sic) que vai
começar o programa mais amado e odiado pelos pombos-sujos da Bahia”, anuncia
Uziel e pede à produção que “solte o clipe”: uma sequencia de imagens e
depoimentos de reportagens já veiculadas ou que serão mostradas naquela edição,
acompanhadas por uma trilha sonora em BG que, na amostra utilizada, eram dos
ritmos rap, pagode, funk e música pop internacional.
111
Figura 10 - Brasil Urgente Bahia: Frames clipe de abertura
Uziel sempre veste roupas escuras, e nunca usa gravata. A preferência por este traje
tornou-se também uma espécie de traço distintivo de sua performance, pois em outro
programa de temática policial que apresentava, também utilizava-se deste mesmo
estilo. Assim, passou a ser referenciado pela crítica televisiva e pelos telespectadores
- a partir de comentários dos vídeos disponibilizados na plataforma Youtube e nas
mensagens enviadas ao programa - como “cavaleiro negro”.
113
O telespectador é convocado ainda, a partir do mediador principal, a interagir com a
atração através de outros canais, a saber, e-mail (brasilurgente@band.com.br),
telefones da produção, e Twitter. Neste último, o perfil indicado é o do próprio Uziel
Bueno, o que reforça a imagem e o papel desempenhado pelo apresentador como
principal articulador do programa.
114
ou regras de etiqueta, que agiria basicamente por instinto. Reitera, nesse sentido, uma
representação simplória e calcada no estereótipo comum e preconceituoso,
reforçando inclusive o lugar de diferenciação – o jeito de ser do homem pobre em
completa oposição ao modo polido do homem rico. Simbolicamente, essa
representação calcada na performance é corroborada pelas retórica do improviso,
viabilizada pela transmissão direta, também valorizada nas inserções ao vivo dos
repórteres.
A presentificação, o efeito real reforçado pela transmissão direta serve como pano de
fundo também para que o apresentador recorra a estratégias que simulam uma esfera
de informalidade, especialmente na relação que este mediador estabelece com os
demais componentes da equipe do programa. Ao contrário da versão nacional, onde
parte dos mediadores tem a imagem ocultada (que, ao mesmo tempo, aguça o
imaginário do telespectador e coloca José Luiz Datena em uma posição amplificada
de destaque e relevância), estes mediadores em Brasil Urgente Bahia são revelados e
interagem na construção do programa. Ramon Margiolle, diretor da atração,
frequentemente aparece em tela. Acrescenta informações e tece comentários sobre as
reportagens exibidas desde uma sala onde há mesa de som - local de onde dirige a
atração. As brincadeiras e comentários de ordem pessoal entre apresentador e diretor
(e também entre repórteres) também são frequentes. A revelação do ambiente de
bastidor forja a criação de uma esfera de intimidade junto ao telespectador, e
funciona como mais um apelo à proximidade, popularização e construção da verdade
- o programa não se limitaria aos constrangimentos estéticos convencionados e revela
ao telespectador como tudo acontece à vera, e em tempo real. É também mais uma
estratégia para articular-se a determinados valores e premissas da atividade
jornalística para estabelecer um vínculo entre a audiência, o que é dito e o que é
mostrado (GUTMANN, 2012).
Na edição do dia 28/02/13, por exemplo, após exibição de uma reportagem que
mostra uma briga entre dois vizinhos (identificados como “Balbina” e “Cabeça”),
Uziel ri do fato de um dos entrevistados, durante a reportagem, ter acusado o outro
de ter-lhe feito uma macumba. Ironicamente, comenta com o diretor: “Ô Ramon
Margiolle, isso aqui é um programa sério, é o programa da família baiana, você vem
com um problema que começa com muro, com a parede, e termina no bozó!”. O
diretor responde que está “na linha” (ao telefone) com o Pai de Santo Aritana de
115
Oxóssi, e que este havia previsto que o caso entre os vizinhos seria resolvido. Uziel
insiste no assunto e diz que o repórter do caso, Ícaro Silva, também precisaria de um
“banho de folhas”. Chama o repórter ao estúdio, que entra comendo uma banana –
estaria o repórter, no seu horário de lanche mas não hesita em atender ao pedido do
apresentador. Uziel faz piadas com o repórter e mantém-lo no estúdio entre cinco e
dez minutos, um tempo considerado bastante razoável no telejornalismo.
116
discursivo para construir um lugar de autoridade dentro do contexto comunicativo
estabelecido pelo programa. Apropria-se deste experiência para frequentemente,
colocar-se como uma espécie de “maestro” na interação com os repórteres (alguém
quem teria mais experiência, autentica o que revel o repórter naquele momento) e em
seus comentários, proferidos à exibição de cada conteúdo (gravado ou transmitido
em via direta) costuma exaltar o trabalho de investigação e de compromisso com a
revelação do fato, qualidades que seriam legitimadoras do ofício do repórter.
Além da atuação como jornalista nos meios radiofônicos e televisivos, Uziel Bueno,
a partir de 2010, passou a investir em outro segmento profissional. No período da
nossa amostra, Uziel ocupava também o cargo de Deputado Estadual46. O
45
Entrevista dada ao site Bahia Notícias. Disponível em:
http://www.bahianoticias.com.br/holofote/entrevista/134-uziel-bueno-fala-sobre-seu-novo-programa-
na-band-e-diz-que-o-jornalismo-popular-na-bahia-e-ultrapass.html. Acesso em junho/2013.
46
Após deixar a TV Aratu, onde apresentava o programa Na Mira, Uziel Bueno lança-se candidato a
Deputado Estadual nas eleições de 2010, pelo PTN. Seu numero de votação era 19000, uma
coincidente referência ao número de atendimento telefônico da Policia, o 190. Não foi eleito, mas pela
quantidade de votos recebidos, adquire o status de suplente do Deputado Luizinho Sobral. Este por
sua vez, se ele prefeito de um município do interior baiano e com a vacância do cargo, Uziel assume
como Deputado em dezembro de 2013. Fica no cargo até julho de 2013, quando o cargo é retomado
pelo Deputado João Carlos Bacelar, que saiu para assumir a Secretaria Municipal de Educação, mas
117
estreitamento com o campo da política parece-nos uma pista importante para
compreensão do discurso em tom populista e o viés assistencialista que assume o
apresentador na condução do programa.
Tal como a sua versão nacional, o Brasil Urgente Bahia se constrói pela abordagem
predominante dos casos de polícia, crimes e atuação policial sendo que uma notícia
especifica é tomada como manchete principal e é abordada de forma fragmentada
entre as duas edições diárias. Sinaliza então a organização temática do programa, que
é similar à sua versão nacional: prioridade na cobertura policial, nos eventos de
transmissão direta e na estratégia de serialização. Tal cobertura divide espaço com
outros eventos ordinários que são referidos frequentemente pelo próprio apresentador
não como notícias ou fatos, mas sim como “casos”, o que estabelece aqui o tom
investigativo. Além do vínculo com o linguajar da instituição policial, esta referência
atenua a sua tomada de posição enquanto “delegado”, autoridade que assumirá o
trato (e consequente resolução) daquela situação apresentada pelo programa. Estes
casos são encarados por Uziel Bueno, conforme frequentemente dito pelo próprio
apresentador, como uma “missão”, e o seu papel ali seria solucioná-los. A notícia
tomada como principal, geralmente, é a que recebe a incumbência de resolução
proposta apresentador.
Na edição do dia 27/02/13, temos um exemplo. Uziel chama o repórter Bruno Sales,
que está no Hospital Geral do Estado (HGE). Esta é uma inserção em transmissão
direta recorrente feita pelo programa: o repórter espera à porta da emergência de um
hospital público com grande fluxo de atendimento para registrar a entrada de vítimas
de crimes ou acidentes. Ele aponta para o canto superior esquerdo da tela, mostrando
o efeito gráfico em caracteres onde se lê “BRASIL URGENTE AO VIVO”. Um
efeito sonoro semelhante ao de uma bomba que estoura acompanha a entrada do
artifício.
reassume a posição na Assembleia Legislativa da Bahia quando é dispensado pelo prefeito local,
ACM Neto.
118
sabia da presença da equipe no local e teria se dirigido até lá com o intuito de pedir
ajuda para a realização de uma cirurgia na criança, que possui um problema cardíaco.
Para isso, seria necessária uma vaga em um dos dois hospitais indicados pelo HGE,
os únicos onde a cirurgia pode ser feita. Quando o repórter pede que a mãe explique
a Uziel Bueno qual o problema que eles possuem, ela chora bastante e diz: “Por
favor, consiga essa vaga, eu preciso da minha filha em casa, não quero ver minha
filha naquela situação”. Após este depoimento, o apresentador se dirige ao pai da
criança pede que ele confie no programa, pois a produção entrará em contato com a
Secretaria Estadual de Saúde para conseguir a vaga.
119
Uziel Bueno: Descrição:
O outro exemplo surge na edição do dia 26/02/13. Ao lado de Uziel no estúdio está
uma senhora, Dona Maria. Com semblante choroso, ela estaria no estúdio para contar
a história do filho, vítima de “um caso bárbaro, de selvageria, em Salvador”,
120
conforme qualifica Uziel Bueno. Após uma briga com um colega de trabalho, o
jovem Leandro, de 19 anos, foi atingido por ácido sulfúrico, e teve o rosto
desfigurado, além de graves queimaduras pelo corpo. Entram imagens da reportagem
feita com a vítima, e depois, imagem em close da mãe, que do estúdio, assiste à
reportagem que ela também participou. Uma trilha sonora suave e triste, com sons de
piano, acompanha a conversa do apresentador com a mãe da vitima.
121
O acidente com Leandro acontecera em novembro de 2012, e nessa edição, a
reportagem mostra o seu estado após receber alta hospitalar. Uziel pergunta o dia
exato do ocorrido à mãe, que diz lembrar apenas o mês, ao que ele completa:
“Disseram que foi dia 22. Dia 22 de novembro, dia do meu aniversário. No dia do
meu aniversário jogaram ácido no filho dela”. Na reportagem, a sobrinha do rapaz
diz que procurou o programa para conseguir ajuda para que ele fizesse uma cirurgia
plástica, única solução para tentar reconfigurar o rosto do rapaz e dar-lhe uma melhor
condição de vida. O caso de Leandro ocupa quase todo o programa. Uziel convoca o
telespectador e os cirurgiões da Bahia, pedindo ajuda para o caso de Leandro, e se
compromete a solucioná-lo, que havia mobilizado não só a sua equipe, mas toda a
emissora.
Uziel Bueno: Quando eu levei ele até a Diretora de Jornalismo aqui da Band, a
diretora também da rádio Bandnews FM, a Silvana Oliveira, elas realmente ficaram
chocadas, acho que todos nós aqui da produção, da edição, os cinegrafistas, os
motoristas, todos, todos nós aqui da BAND ficamos muito chocados com isso,
tocados com isso.
No dia seguinte, Uziel anuncia com satisfação que exibirá nova reportagem sobre o
caso. O repórter Bruno Sales levou Leandro até o Hospital das Clínicas, onde ele foi
atendido pelo Doutor Valber Menezes, que lhe garantiu cuidados. Afirmou que o
tratamento levará cerca de três anos, mas que com o passar do tempo, ele poderia
levar uma vida normal. Após exibição da reportagem, com final feliz.
Uziel Bueno: A gente recebe muitas críticas, né? Esse programa recebe muitas
críticas, eu particularmente recebo muitas críticas. Mas a gente passa pelas pedras,
pelos tropeços no caminho, e segue. É, muita gente torce contra o nosso programa,
muita gente torce contra a gente, muita gente torce contra, não gosta nem quando a
gente ajuda alguém, porque acha que isso é até desnecessário. Desnecessário é
quando você não tá no lugar dessas pessoas que a gente ajuda todos os dias aqui.
Desnecessário quando você não está na pele do Leandro, por exemplo, que tá
sofrendo todos os dias, por causa de uma violência que aconteceu e m novembro do
ano passado [aumenta o tom de voz] e ninguém ajudou ele! Ninguém ajudou essa
família! (...) Autoridade pública, nenhum outro programa, nenhum jornal, ninguém!
Ninguém. Então eu fico muito feliz, e aí, agradecer ao doutor Valber, né isso?
122
Doutro Valber Menezes, um dos melhores cirurgiões plásticos dessa terra, quero
agradecer a ele, ao Hospital das Clínicas, quero agradecer inclusive à produção do
Brasil Urgente, todo o departamento de jornalismo da Band, que abraçou de
coração e de corpo e alma esta causa, que não é só uma causa do Uziel Bueno, é
uma causa da BAND hoje.
Vejamos então que este caráter assistencialista aparece mais forte na versão regional
comparado à versão nacional. Cada apresentador recorre a um valor/estratégia
específico para construir papéis de mediador que aqui revelam distinções: enquanto
Uziel recorre à premissa da verdade, da revelação e do serviço público para
promover o assistencialismo, Datena prefere recorrer às premissa da isenção e da
objetividade para manter-se em uma simulada situação de distanciamento. Na
conduta de Uziel, vigilância e do serviço público são valores tomados como posição
pessoal - do mediador e do programa como um todo. Assim, o assistencialismo se
volta como uma estratégia de popularização que pretende construir sentido de
compromisso e a verdade. Ao se posicionar em relação a prováveis críticas que a
atração recebe, ele se coloca em uma posição heroica, assumindo questões que
hipoteticamente, não teriam espaço nos telejornais convencionais e os órgãos
públicos não teriam capacidade para resolver.
123
de forma ainda mais enfática que a versão nacional, servem para mostrar a tomada de
posição em favorecimento à instituição policial e o estreito relacionamento que o
apresentador mantém com esta classe.
Na edição do dia 11/03/13, ele comenta a morte de um policial com lamento, de que
os traficantes e ladrões teriam perdido o respeito pela instituição. “Como é que
pode? Perderam o respeito pela policia!”, brada olhando em direção à tela. Na
edição seguinte, após a exibição de uma nota que mostra uma viatura da polícia
encontrada queimada em um bairro periférico da cidade, ele diz que tal atitude é
“afronta” à Polícia, e garante não ter medo de represálias (por parte dos bandidos,
supostos autores do ataque), em defesa da instituição. “Tá (sic) achando o quê? Que
a gente não vai mostrar a viatura queimada não é? Aqui a gente mostra!”, afirma,
demonstrando que não teme supostas represálias.
Quando a queixa à polícia vem de algum telespectador, o programa abre espaço para
que a instituição possa se justificar. Na edição do dia 25/02/13, por exemplo, torna-se
uma “missão” para o programa apresentar uma reposta da Polícia Militar a uma mãe
desesperada, que após perder a filha assassinada, supostamente por conta de um
envolvimento com tráfico de drogas, desabafa aos prantos: “Todo mundo morre, fica
por isso mermo (sic). [...] Se a policia prendesse os bandido, eles num fazia isso com
minha filha!”. Apenas o trecho com esse depoimento é exibido várias vezes durante
o programa até ser veiculada a reportagem. Uziel anuncia: “Guerra do tráfico!
Realidade nua e crua! Você só vê aqui no Brasil Urgente! [desfere tapas na câmera]
Aqui não é a Disneylândia. Essa é a realidade da Bahia”.
124
dar?” (...) “Eu quero saber o que a Secretaria de Segurança Pública tem a dizer
sobre o pranto dessa mãe aí”. Percebemos aqui que Uziel cobra uma resolução não
diretamente aos policiais, mas do Estado, através da Secretaria.
125
mãe continua a gritar desesperada. O repórter, em tom
de voz bastante baixo, volta a falar coberto pelas
imagens.]
126
Uziel Bueno: “Realmente...Acho que essa mãe
merecia mais!”.
As situações de crime e polícia, que servem como pano de fundo para que o
apresentador apoie seu discurso opinativo e exerça uma performance de tom
assistencialista, são habitualmente construídas a partir de estratégias do melodrama, e
motivadas a criar sensação de tensão, suspense e excitação. Ao adotar
frequentemente o estilo do plano-sequencia, o programa se coloca alinhado a uma
estratégia que historicamente se vincula aos programas dedicados à cobertura
policial, mas que atualmente, foi incorporado pelo telejornalismo de modo mais
amplo como um estilo que reforça os sentidos de presentificação e veracidade do fato
relatado (GUTMANN, 2012). O plano sequencia transmite um sentido de realidade
que compartilha com o telespectador a sensação vivida pela equipe de reportagem no
momento exato em que se faz a notícia.
127
A riqueza dos detalhes e o tom dramático da voz do repórter enquanto narra a
situação reforça também o sentido trágico que, segundo o programa, definiria a atual
situação da Bahia: dominada pela violência e pelo tráfico de drogas. O repórter
prescinde de informações como quem teria cometido o assassinato e as
consequências das investigações para enfatizar este cenário, questão que será ainda
mais problematizada pelo discurso do apresentador.
Para enfatizar o apelo dramático, o programa não prescinde das imagens de corpos,
ignorando as críticas e os impedimentos normativos e éticos que este tipo de
veiculação enfrenta47. As imagens de corpos no chão não são dispensadas. Elas
servem como argumento de força para validar a discussão. “Aqui a gente mostra”, é
o argumento recorrentemente utilizado frase de ordem. Mesmo com o efeito borrado,
a câmera ainda usa o recurso zoom in, na tentativa de ir a fundo nos detalhe mórbidos
da imagem chocante do corpo humano morto e dilacerado.
Tal como Datena, Uziel se vale das situações de crime e polícia para reafirmar um
discurso em favor não só da atividade da instituição policial, mas da manutenção de
valores tradicionais e da ordem social. Casado com uma policial militar e pai de uma
criança, Uziel coloca-se como defensor da instituição familiar e dos valores da
religião católica, mas não deixa de negociar com o público cristão de modo geral,
quando frequentemente pede aos entrevistados que “orem” por ele ou por qualquer
47
Em 2002 foi criada a Campanha nacional “Quem Financia a Baixaria é contra a Cidadania”. A
partir de uma inciativa da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, a campanha foi
deliberada durante a VII Conferência Nacional de Direitos Humanos. Segundo representantes da
organização que mobiliza a campanha, a ideia da ação é promover “o respeito aos princípios éticos e
os direitos humanos na televisão brasileira”. Anualmente, a organização promove o Ranking da
Baixaria, que classifica os programas de acordo com o seu nível antiético, que segundo o
telespectadores, estaria vinculado à exibição de cenas de violência e de apelo ao sexo. Em 2009, o
programa Na Mira, então comandado por Uziel Bueno, apareceu na 16º posição deste ranking. Neste
mesmo ano, o Ministério Público da Bahia chegou a impetrar uma ação judicial contra o programa,
suspendendo a sua veiculação durante dois dias (ARAÚJO, 2010). Informações sobre a campanha
disponíveis no site http://www.eticanatv.org.br. Acesso em novembro/2013.
128
personagem de alguma reportagem veiculada pelo programa, que esteja em
sofrimento. Repreende fortemente o uso de drogas, e, de modo performático, mostra
que está ao lado da polícia no combate a elas.
Na edição do dia 13/03/13, após a reportagem sobre a prisão de um rapaz que teria
sido flagrado portando maconha, Uziel comenta: “O rapaz aí combate incêndio no
capão, mas quer fazer fumaça aqui na capital. E muita gente nesse momento com
água na boca [aumenta o tom de voz e usa um objeto preto, que parece uma placa de
um material maleável e chicoteia-o no chão no estúdio] vendo essa maconha na tela
[entra um efeito sonoro, som de bebê chorando. Uziel chicoteia o objeto mais uma
vez e depois entra uma trilha musical em ritmo de reggae. Pede que mostre
novamente a imagem do rapaz - “o combatente de incêndio lá” - enquanto a música
segue como BG. Depois aparece com outro objeto que se assemelha a um cassetete
preto, e avisa: “Ói (sic), pra vocês que gostam de fazer fumaça, tem um charuto bom
aqui”, e ergue o cassetete]”.
48
O vídeo foi hospedado pelo canal da emissora na plataforma Youtube mas logo após as reações
negativas, foi retirado. O vídeo no entanto ainda pode ser visualizado através de postagens de
telespectadores comuns na rede social. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=1lk0yMCCWso
129
mais recorrente na versão regional do que na versão nacional. É como se, ao alcance
de um espectro menor de grupo, fosse mais coerente recorrer a uma performance
mais extravagante, assemelhada aos shows e programas de auditório. Já no âmbito
nacional, seria estratégico recorrer a padrões estéticos e estilísticos convencionados
pelo telejornalismo brasileiro. Embora com performances distintas, os programas se
constroem como exemplares do telejornalismo policial que recorrem menos a certos
símbolos estéticos da narrativa fictícia policial e mais a uma defesa da instituição
policial, e de outros valores e instituições tradicionais na cultura brasileira.
Mais antigo que o Brasil Urgente, o programa Cidade Alerta destaca-se como uma
das atrações que marcam o retorno dos programas policiais na TV brasileira, a partir
da década de 1990. Seu percurso, no entanto, é marcado por interrupções e trocas de
apresentador.
A primeira versão, em 1995, foi apresentada por Ney Gonçalves Dias, que fez uma
carreira notória no rádio e da TV. Uma das marcas de sua performance enquanto
apresentador era na apresentação das cabeças de reportagem, quando ao anuncia-las,
fazia um gesto de abrir as mãos, como se quisesse congelar a imagem na tela. Em
pouco tempo, o programa conquistou bons índices de audiência para a emissora. A
consagração, no entanto, veio na década de 2000, quando passou a ser apresentado
por José Luiz Datena. Neste período surgem mais críticas sobre o programa,
destacando principalmente o esforço da emissora naquele momento em articular de
modo direto as temáticas do “mundo-cão” às práticas do telejornalismo tradicional.
Se, quando estreou, o "Cidade Alerta" era uma versão ainda mais "trash" do
extinto "Aqui Agora", do SBT, hoje o programa vem tentando mudar sua
imagem. A base continua sendo a cobertura policial, ainda recheada de crimes,
assaltos, estupros, sequestros. Mas, desde o ano passado, a atração passou a
investir pesado na agilidade das reportagens, conseguindo transmitir, muitas
vezes antes da Globo, cenas de enchentes, rebeliões e acidentes, entre outros
temas. (“Jornalismo-verdade” beira a ficção no vídeo”, Folha de S. Paulo,
10/03/1997)
A receita foi tornar-se mais crítico, não mostrar cadáveres nem ter a polícia como
fonte principal. Como resultado, a audiência cresceu e Cidade Alerta ganhou
mais credibilidade. Atualmente é o programa de maior ibope da Record.
(“Violência retocada”, IstoÉ Gente, 21/06/2000)
130
Esta década torna-se um marco para a emissora, agora liderada pela Igreja Universal
do Reino de Deus. Atravessando problemas financeiros, a TV Record foi vendida em
1990 para o grupo do Bispo Edir Macedo, que logo anunciou a prioridade da
emissora - que passara a ser chamada de Rede Record: investir em telejornalismo.
A TV Record pretende investir cerca de US$ 8 milhões (Cr$ 600 milhões) nos
próximos dois anos na reformulação de sua programação. O projeto da emissora,
que começa a ir ao ar no fim de maio, é voltar a ser um canal competitivo e se
transformar em rede nacional. Os responsáveis pelas mudanças são o diretor-
superintendente da emissora, Ailton Trevisan, 44, e o diretor de Operações,
Dante Matiussi, 42, que estão concentrando suas atenções sobre o jornalismo.
(“Nova direção da Record investe no jornalismo”, Folha de S. Paulo,
29/04/1990).
49
Em entrevista recente, o presidente da emissora confirma que o projeto Rumo à Liderança continua
como uma das metas da emissora. Disponível em: http://rd1.ig.com.br/televisao/nosso-projeto-
continua-o-mesmo-rumo-a-lideranca-diz-presidente-da-record/170399. Acesso em maio/2013.
131
Marcelo Rezende tem 62 anos, mais de trinta deles trabalhando como jornalista. Tal
como o concorrente José Luiz Datena, começou cobrindo eventos esportivos, em um
jornal impresso do Rio de Janeiro. No Jornal O Globo, teria descoberto a sua
verdadeira vocação, em uma reportagem sobre um assassinato de um milionário, em
1989. “A direção da Globo falou para mim que esse era meu caminho e estou nessa
até hoje”, conta em uma entrevista ao Portal IG50. Na mesma entrevista, Marcelo se
diz um homem sem grandes vaidades, que gosta de se vestir de modo simples -
camiseta, bermuda e sandálias havaianas. Gastaria o dinheiro que ganha em viagens,
vinho e livros. O hábito pelo vinho aliás, frisa o apresentador, teria adquirido no
intuito de reduzir o consumo de outras bebidas alcoólicas, como cerveja e uísque. Já
os livros funcionam como uma compensação pela falta de estudo, já que não
conseguira completar o segundo grau.
Tal como Datena, Rezende aquiriu status de celebridade e as informações sobre a sua
vida pessoal frequentemente circulam em revistas de variedades. Observamos no
entanto que os dois apresentadores parecem exibir estilos e modos de vida distintos,
pelo menos no que circula enquanto informação disponível à audiência, ao cidadão
comum. Para nós, este é um detalhe importante porque a revelação do bastidor, os
detalhes da vida pessoal e a condição de celebridade operam enquanto fator
simbólico, uma vez que estes mediadores vão colocar suas opiniões aparentemente
pessoais como principal discurso do programa, configurando de modo fundamental
seus modos de endereçamento.
50
Disponível em: http://gente.ig.com.br/2012-12-04/marcelo-rezende-tem-fila-de-feinhos-pra-me-dar-
tiro-botei-muitos-na-cadeia.html. Acesso em abril/2013.
132
negativa por parte da crítica, que entendia aquela reportagem como uma aposta da
emissora em sensacionalismo barato e apelativo.
Seria a volta do homem do sapato branco. Como fizeram com Godzilla: mais
rápido, mais letal... e menos eficiente, já que o público estaria anestesiado com
tanta porcaria que engole diariamente. Mas nem por isso deixaria de merecer
uma vaia em cadeia nacional, não é mesmo? (“O Homem do Sapato Branco”,
Jornal do Brasil, 27/11/1998)
Logo após esta exibição, a emissora anunciou que a entrevista era uma espécie de
piloto de uma nova atração, que entraria no ar no ano seguinte à entrevista. O
programa Linha Direta, que já havia sido exibido por um curto período em 1990,
seria retomado com a direção de Roberto Talma, com experiência na produção de
séries ficcionais da emissora como Anos Dourados e O sorriso do Lagarto, e
apresentação de Marcelo Rezende. A cada edição, era mostrada uma situação
envolvendo um crime cujos culpados ainda estariam a espera de um julgamento ou
prisão. Depoimentos e cenas de reconstituições contextualizavam o fato, e ao final, o
programa se oferecia como “ponte” para esclarecimento da situação, ou seja, prisão
dos culpados.
51
Descrição disponível no site do Memória Globo:
http://memoriaglobo.globo.com/programas/jornalismo/programas-jornalisticos/linha-direta/ficha-
tecnica.htm. Acesso em: junho/2013.
133
O programa, além de gerar a expectativa sobre o trato da temática policial sob o
“padrão Globo de Qualidade”, marcava a entrada da Rede Globo na disputa pela
audiência através dos policiais, bem sucedidos em outras emissoras (a exemplo do
Cidade Alerta). Para Kléber Mendonça (2010), o Linha Direta, mesmo propondo
outra articulação (telejornalismo e dramaturgia), reforça uma tendência, já salientada
anteriormente por nós, de construção de programas dedicados à cobertura policial a
partir de uma negociação mais forte com certos padrões convencionados pelos
telejornais tradicionais. A partir desse caráter híbrido, em que negocia com códigos
da narrativa policial fictícia e do telejornalismo, o Linha Direta, configuraria novas
estratégias de produção do sentido de autoridade, nos âmbitos discursivo e também
político.
A partir desta experiência então é que Rezende consagra a sua trajetória enquanto
apresentador e a sua relação com a cobertura policial. Comandou o Linha Direta
durante dez anos, e nesse período, a atração chegou a ser a terceira mais assistida da
televisão. No estilo construído pelo jornalista, que se perpetua no Cidade Alerta, a
voz e o modo informal como se porta diante do fato noticiado se destacam na sua
performance.
Para anúncio de cada reportagem a ser exibida no Cidade Alerta, utiliza uma
entonação mais grave mas logo em seguida imprime um tom mais pausado, quase
musicado, para contar os detalhes do fato, valendo-se da linguagem coloquial.
Assemelha-se à estratégia utilizada por narradores radiofônicos e simula, a cada
detalhe contado, um clima de suspense e mistério envolvendo o fato noticiado. A
performance de Rezende é frequentemente explorada por humoristas que, seja na TV
ou no teatro, fazem do apresentador um personagem recorrente em shows de
imitação52. Na mesma entrevista citada anteriormente, Rezende diz que acha graça e
que entende a preferência dos humoristas como uma homenagem ao seu trabalho.
52
Um exemplo de imitação do apresentador veiculada pela própria Rede Record, no Programa da
Tarde, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=XMgDm4d7ZKk. Acesso em abril/2014
134
Eu adoro as imitações, dou muita risada. [...] Um dia, um deles chegou para mim
e disse: “A primeira casa que eu comprei foi às suas custas e às custas do Galvão
Bueno. Fazia show no Nordeste imitando vocês dois e ganhei muito dinheiro.”
Quer homenagem melhor que essa? (“Marcelo Rezende: Tem fila de feinhos pra
me dar tiro. Botei muitos na cadeia”, Portal IG, 04/12/12)
53
Entrevista disponível em: http://br.screen.yahoo.com/2-chopes-com-marcelo-rezende-
003210783.html. Acesso em julho/2012
135
frase, proferida repetidamente, ajuda a simbolicamente produzir efeitos de
autoridade, tanto em relação ao mediador principal quanto em relação à própria
emissora. Simboliza a ideia de ordem, comando sobre as tarefas da equipe; de
intimidade, pela forma como se refere a, provavelmente, alguma produtora ou
editora; forja o sentido de credibilidade, argumentando que a exclusividade é um
esforço único e próprio da equipe da TV Record, que disporia de variados recursos
para viabilizar a transmissão imediata das imagens (por terra e por ar), sob diversos
ângulos.
136
das letras. O nome “Alerta” em tamanho maior que o nome “Cidade”, está na cor
vermelha, simbolizando emergência, gravidade - vinculo com a temática abordada
pelo programa.
137
tempo com as notícias que serão veiculadas, e com os repórteres, através de entradas
ao vivo. Este posicionamento revela a importância que as imagens e as
potencialidades audiovisuais terão na construção da notícia e do programa como um
todo.
138
verdade não altera a e quando se recorda que
questão do atropelador, tem o lado, sai do
porque, porque...ah, eu estúdio para ele mesmo
tenho o laudo! Quer ver? buscar o papel. Põe
Olha só, eu vou sair porque óculos e lê o conteúdo
eu não tenho ninguém pra do papel.
me ajudar, eu sou sozinho,
eu e o Percival aqui que
tem um monte de gente, eu
não tenho nem um
estagiário pra ajudar, assim
pra trazer as coisinhas, mas
é assim, eu e você, vamo
(sic) fazendo”.
As cabeças das reportagens são apresentadas por Rezende. O modo como ele articula
o discurso verbal nestas situações produz a sensação de que se, há um texto prévio,
não há tempo para segui-lo. Há também a pretensão, argumentada pelo apresentador,
de “explicar” o fato para o telespectador. Nesse sentido, recorre aos detalhes para
contextualizar a notícia, e o texto da cabeça, que no telejornalismo de referência se
orienta por ser curto e objetivo, pode ser logo e confuso. Rezende também
frequentemente se refere aos telespectadores de outros Estados, que fora de São
Paulo (de onde o programa é veiculado), necessitariam de explicações,
esclarecimentos sobre onde a noticia teria ocorrido. O programa é veiculado para
todo o país durante cerca de uma hora (metade de sua duração total), tal como o
Brasil Urgente.
139
na ciclofaixa no sentido atropelamento do
Consolação...”. ciclista David Santos
Sousa. Enquanto a
Marcelo Rezende: “Peraê
repórter passa as
só um pouquinho, pera um
informações para o
instantinho, pera um
apresentador, ele a
instantinho”.
interrompe justificando
[imagem sai da repórter e vai que precisa “explicar”
para o apresentador no melhor para o público.
estúdio] Ele explica a logística
entre os pontos
“Merie, peraê só um
“Paulista” e
minutinho, só um minutinho
“Consolação”,
que nós tamo (sic) falando
informados pela
pro Brasil inteiro, e as
repórter, através de
pessoas não sabem o que e
movimentos com as
que e Paraíso, não sabem o
mãos.
quê que é Consolação. Pra
que as pessoas, er, deixa eu
explicar pra que possa
entender. Avenida Paulista tá
aqui, correto, vai nesse
sentido. Uma ponta e o
Paraiso, a outra e con... é
mais ou menos como eu aqui,
que começo no Paraíso e
termino na Consolação”.
140
vale de recursos do melodrama para convocar o telespectador e se tornam pano de
fundo para a articulação da opinião do programa sobre assuntos específicos, emitida
a partir desses mediadores.
Marcelo Rezende: “Bom agora deixa eu explicar uma coisa aqui, agora não é mais
o Mizael. Vô (sic) pra um outro assunto que eu trabalhei a madrugada inteira. Você
vai ver agora comigo, você lembra, põe aqui o acusado. [entra foto na tela do
cenário do jovem que atropelou outro rapaz na avenida paulista em são Paulo]. O
caso, né, que a gente vem mostrando, do estudante Alex Siwek de 22 anos, de
Psicologia, que saiu de uma boate, não, né (sic) bem isso, saiu de uma casa noturna,
né (sic), uma casa noturna chamada Josephine que eu já disse que é excelente, e aí,
e aí, atropelou o ciclista. Pois você vai ver, pela primeira vez, porque eu tava (sic) lá
trabalhando, né, não foi só agora, você vai ver as imagens do homem que está preso
por decepar o braço do ciclista, na boate. Eu consegui as imagens na boate, fui lá,
procuraram, e você vai ver em primeira mão ele lá, ele entrando, ele saindo, e aí
141
estas são as imagens que a polícia ainda não conseguiu. Põe no ar pra mim, deixa
eu mostrar”.
142
Para mostrar as potencialidades do equipamento utilizado por Hamilton, Rezende
frequentemente solicita movimentos em zoom ou mudança de perspectiva. Na edição
do dia 15/03/13, Rezende pede algumas vezes que Hamilton mostre, pela ferramenta
zoom, como a cidade de São Paulo se caracteriza como um “caldeirão”, a partir da
cobertura de uma perseguição policial a assaltantes que estariam fugindo com um
carro roubado, em um bairro periférico da cidade.
143
Marcelo Rezende: “Me dá a Descrição:
imagem, me dá a imagem!
Antes de entrar estas
Corta e abre! Nesse
imagens, Rezende estava
momento, nesse momento
acompanhando a
você vai vendo imagens”.
entrevista coletiva que o
[abre áudio externo, gritos promotor do caso estava
de “assassino”, das pessoas dando aos jornalistas no
que aguardavam fora do júri]. Tribunal. Ao receber a
informação de que o
“Imagens! É ele? É ele?
acusado estava deixando
Olha aí, a Policia e Mizael,
o local, Rezende corta o
vai saindo, você vai
áudio com a entrevista e
acompanhando a imagens, as
acompanha a cobertura
primeiras informações! [...]
feita pelo motolink.
Você vê aqui, rápido e com
exclusividade!”.
Marcelo Rezende: “Vamo (sic) tocar a vida, porque a vida passa ligero! Um, dois,
três: Duas mulheres e um homem. Um triângulo amoroso, que acaba num crime em
família. Um homem tinha um caso com a sogra [expressão de surpresa]. A mulher
dele descobriu. E ao descobrir, a mulher dele, esta aqui [aponta para o centro da tela
de TV, onde estão as fotos dos envolvidos], é a...filha. Esta aqui é...a sogra. Este
144
aqui é...o que pegava todo mundo. O que que aconteceu, aí a filha descobre, vai, e
parte pra cima da mãe, você diz partiu com a mão, não, ela pegou logo uma faca.
Pegou uma faca, a mãe tá internada e ela tá presa, e ele tá com essa cara de gaiato.
Põe no ar pra mim!” (Marcelo Rezende, Cidade Alerta nacional, edição 13/03/13).
Nesta reportagem anunciada por Rezende, há uma ilustração com a imagem do rosto
das pessoas envolvidas da situação sobre um triângulo - uma imagem em cada
vértice da figura, demostrando a situação de “triângulo amoroso”. Uma música
instrumental, de notas mais graves que simulam efeito de suspense compõe a
reportagem em BG. Além da passagem da repórter, em frente a um hospital, a
matéria contra com imagens da acusada, feitas através da fresta da porta da
Delegacia, e a sonora de uma fonte não identificada, mas que pela vestimenta, parece
ser da polícia ou do corpo de bombeiros, que pode ter socorrido a vítima.
A polícia, tal como em Brasil Urgente, é a fonte preferencial nas situações de crime e
violência noticiadas pelo programa. Especialmente nos comentários e na transmissão
direta de ações policiais, o apresentador enfatiza a assertividade da instituição
policial, e sua importância enquanto mantenedora da ordem e do bem estar social. No
entanto, a eficiência da polícia é passível de crítica e julgamento para dar relevância
ao trabalho de investigação jornalística. Ao mesmo tempo em que valoriza a ação
policial, Rezende critica e cobra desta instituição, reforçando simbolicamente o seu
papel de repórter e membro da imprensa - instituição esta que, simbolicamente na
fala de Rezende, atuaria tão em prol do bem estar social e do cidadão quanto a
própria polícia.
145
quê? Investiga-se onde a imprensa mira o holofote. Acontece um crime, a imprensa
corre, corre todo mundo, e aquilo abafa, correto?” (Marcelo Rezende, Cidade
Alerta Nacional, edição 02/05/13).
Marcelo Rezende: “Eu tenho nesse momento, pode botar na tela o Delegado
Antonio Olim, meu amigo de muitos e muitos anos, que ontem ficou, desde o
primeiro dia na verdade, quando depois falaram que ele [Mizael] tinha espancado,
torturado o vigia, mas, se esse caso foi resolvido, pode deixar o Olim aqui meu filho,
se esse caso foi resolvido, foi resolvido por duas razões, primeiro, o empenho da
família da Mércia, e segundo, porque entregaram o caso p’rum (sic) Delegado que
soube dosar, esperar a família ir, enfim, tem a psicologia da coisa”.
146
Marcelo Rezende: “O repórter Afonso Mônaco, meu amigo querido, e um dos
repórteres mais competentes desse país, entrou no local [do crime]. Entrou no
consultório. E as peças estavam lá. Estão lá. E sem que ninguém removesse nada,
como se aquelas peças, fossem e elas são reflexo, o reflexo de um Estado, que é São
Paulo, entregue às mãos dos criminosos. Segundo, de um Estado, aí eu falo de
Brasil, que não pega os tais menores de idade, e os pune, rigorosamente. E eu digo
mais. Que Deus me perdoe o que eu vou dizer aqui. Mas quem toca fogo em alguém
assim, se tivesse pena de morte, deveria também morrer assim”.
Percival tem larga experiência como jornalista policial. É autor de dois livros e
vencedor, por quatro vezes, do Prêmio Esso, o de maior prestígio do jornalismo
brasileiro. Também é autor de livros religiosos, é cristão da Igreja Metodista. Seria
ainda, segundo o próprio Rezende sugere durante suas participações, um homem rico
e que tem hábitos extravagantes, luxuosos. A presença de Percival funciona
estrategicamente como um referendo, um respaldo em relação ao valor jornalístico
da temática policial. Ao mesmo tempo, é na sua interação com Rezende que o tom
cômico encontra grande espaço.
147
Marcelo Rezende: “Uma mulher. Aparece o
corpo da mulher, correto? Aparece o corpo de
uma mulher, com várias facadas. Percival me
perguntaria, chato do jeito que é, quantas? Ai eu
diria, quantas vocês acham? Ele diria, dez! Não.
Me perguntaria, vinte? Não. O quê que você mais
me perguntaria”.
Na mesma edição, outra situação mostra que nos mais variados tipos de assunto, é
possível encontrar um aspecto cômico na interação entre apresentador e
comentarista. A notícia é sobre uma briga entre duas mulheres, motivada por ciúmes
de um homem com mais de setenta anos, marido de uma das envolvidas. Rezende diz
que o homem é o “Vovô do amor” e que o seu olhar é bastante parecido com o de
Percival, “um olhar sonso”, segundo o apresentador. Pede então que o cinegrafista
deixa na tela uma imagem em close do olhar do comentarista e depois, do
personagem da matéria, para provar ao telespectador a veracidade do comentário.
Já na edição do dia 13/03, Rezende propõe ao comentarista uma análise séria, a partir
de um fato que lhe estaria causando indignação. Uma professora de 27 anos fora
148
morta a facadas por um aluno inconformado por não ter a paixão correspondida pela
moça.
Marcelo Rezende: “Percival, eu cada vez mais tô (sic) convencido que no Brasil
precisa ter pena de morte p’rum (sic) caso como esse, que num é mole um cara como
esse, doente, vai lá porque a moça não quer sair com ele, deu facada nela, e foi
facada à vontade”.
A imagem volta para o comentarista, cujos lábios murmuram como se quisesse rir
enquanto o apresentador segue falando sobre o crime e insiste sobre o tema que
gostaria de levantar a partir da notícia, que é a pena de morte.
Marcelo Rezende: “Você fugir da pergunta me faz lembrar de um velho politico que
ainda anda aí não tá preso não sei porque, que você pergunta uma coisa e ele
responde outra. Eu tenho uma opinião com toda a sinceridade como eu sempre faço.
Eu acho, presta atenção no que eu vou dizer [virando-se para Percival], eu tenho
certeza que o Brasil tem que ter pena de morte. Nesses casos então, que o sujeito
mata por nada, tem que sentar na cadeira dos réus e ter pena de morte. Essa é a
minha opinião, tem que acabar de uma vez por todas, com essa falta de vergonha,
esse medo de alguns políticos aí por causa de igreja Y, igreja X, e nós discutirmos
no país a pena de morte, a prisão perpétua. Essa é a minha opinião. A sua, Percival
de Souza.
Percival de Souza: Vou te fazer uma confissão. Você está colocando minhocas na
minha cabeça. Hoje eu defendo que um cara desse tem que ficar segregado. A minha
duvida é, segregado por um certo tempo, ou eternamente, pra sempre? Você tá
enfiando minhoca na minha cabeça.
Marcelo Rezende: “Esse Percival, não consegue responder, isso tem um medo de
responder a coisa...” [Fala em tom mais baixo, olhando para a câmera].
149
A relação com o humor se apresenta como uma estratégia de popularização, de
convocar e aproximar o telespectador do conteúdo e das discussões pretendidas
através deles através do apelo do riso. Dessa forma, o Cidade Alerta nacional
negocia com elemento que já era vinculado à temática policial na esfera da ficção.
Como abordado antes, muitos escritores, cineastas e produtores nos anos 1970
(período considerado forte na produção temática policial no Brasil) justificavam a
inserção do aspecto cômico como uma “saída” para configurar gênero, já que as
condições socioeconômicas do país inviabilizavam a criação de uma narrativa
policial realista tal como as europeias e norte-americanas, tomadas naquele momento
como modelos referenciais.
150
Maurício da Silva (2010) em estudo sobre a configuração do gênero talk show na TV
brasileira, identifica a conversação como uma estratégia de construção cada vez mais
utilizada pelo programas jornalísticos. Tal estratégia funcionaria sob pelo menos
duas dimensões: uma, ancorada na possibilidade de instaurar o debate e remeter à
premissa do interesse público; outra, aproximando-se do entretenimento para
provocar o efeito de espontaneidade e consequentemente, de veracidade. No caso do
Cidade Alerta por exemplo, o tom de conversa pretendido pelo apresentador simula o
efeito de espeotaneidade, aproxima-o da esfera do entretenimento para então forjar
não um debate, mas colocar em relevo uma determinada opinião sobre assuntos
específicos. A linguagem coloquial e o modo informal configuram uma espécie de
“conversa” com o telespectador, em que no entanto, apenas o ponto de vista de
apenas um locutor prevalece e se configura enquanto verdade, enquanto dominante.
Desse modo que no Cidade Alerta nacional, o apelo ao humor funciona, de modo
mais forte que no Brasil Urgente nacional, como uma estratégia de popularização
que ajuda a construir o contexto comunicativo do programa. A ideia de povo se
constrói na referência ao homem pobre, ocupante das favelas e dos bairros
periféricos da grande cidade, personagem das reportagens que em sua maioria,
envolvem situações de crime, violência e ação policial. O humor e a conversação
atuam como elos de convocação desse povo, como um modo de marcar referência e
estabelecer proximidade. Este artifício será fortemente explorado na versão regional
do programa, veiculada na Bahia.
151
apresentações, tais como “Seu vizinho tá de olho em você”, “Eu vi!”, “Jovem,
Jovem”, “Pressão, Pressão”54.
54
Informação publicada no site da Rádio Sociedade. Disponível em: http://varelanoticias.com.br/para-
mim-e-mais-um-desafio-diz-adelson-carvalho-ao-estrear-novo-programa-na-radio-sociedade/
55
Anúncios publicitários nos anexos. Vídeo institucional disponível em : https://es-
es.facebook.com/video/video.php?v=291974057565150 /
152
No entanto, o programa prioriza os enquadramentos de câmera em ângulos mais
fechados no apresentador, e este espaço do cenário é pouco evidenciado. Nas edições
analisadas, Adelson Carvalho se movimenta pouco neste espaço, o que reforça a
sensação de que ele e sua performance são os elementos que devem se manter em
destaque no programa.
153
realmente trata-se de um fato espantoso, assustador, ou alegre), tais recursos
vinculam-se a estratégias do humor, que por sua vez, funcionam como uma estratégia
para conferir um caráter popular ao conteúdo.
154
Mas se o apresentador não oferece dinheiro do seu próprio bolso, o programa se
encarrega de providenciá-lo em outra situação. Há, diariamente, um sorteio em que o
telespectador participa por telefone e concorre a prêmios que variam entre as
quantias de mil e dois mil reais. A participação se efetiva quando o telespectador
ligar para a produção do programa e deixa registrado o seu número de telefone
pessoal. O apresentador avisa que vai sortear um desses números de telefone, e ao
retornar a ligação, a pessoa deve atender e falar um dos bordões mais utilizados por
ele: “Quem ronca não ouve bronca”, para então ser contemplada com o prêmio.
155
pela polícia. Em muitas situações, não há reportagem sobre a operação policial que
demonstre em quais condições aquele indivíduo foi capturado. A própria notícia é a
entrevista dada ao apresentandor-âncora. O diálogo travado entre ambos se
caracteriza pelo apelo sensacional, grotesco e constrangedor.
Na edição do dia 12/03/13 por exemplo, ele inicia o programa falando que foi
entrevistar um preso que seria um dos mais procurados pela Polícia, caracterizado
pela instituição como um indivíduo de alta periculosidade. Ao chegar na Delegacia
onde o homem estaria detido, o apresentador faz perguntas em tom irônico e
consegue irritar o entrevistado.
156
da Bahia inteira entrevistaram entrevista.
esse sujeito. Eu fui lá, ele
mandou recado que queria
conversar comigo, eu fui até a
delegacia, olha aí ó [entram
imagens da entrevista]. Ficou
lá com bico, viu aí? [Volta
para o estúdio]. O cara pegou
ar com o bico, rapaz! pode
uma coisa dessa?
O “bico” nos lábios feito pelo apresentador é uma das expressões mais recorrentes e
marca a sua performance corporal. Além de funcionar, nas entrevistas, como um
elemento de constrangimento e ironia perante os entrevistados, ajuda a provocar o
efeito de autoridade pretendido pelo âncora. Elevando o seu rosto, ele
simbolicamente demonstra que está acima daquele cidadão, que estaria em uma
situação degradante humilhante. Ela ainda convoca o sentido de autoridade da
instituição policial. O preso, antes bandido, era poderoso. Agora, detido pela polícia,
chateia-se, faz bico, e de acordo com a performance do âncora, torna-se merecedor
do deboche, pois perde as forças diante da polícia.
De modo mais explícito que a versão nacional, o Cidade Alerta Bahia se posiciona
em favor da instituição policial. Boa parte das reportagens mostra acompanhamento
de suas operações, e em quase todos os crimes relatados, algum representante da
polícia entra como fonte oficial, encerrando a reportagem ou nota coberta. Na edição
do dia 11/03/13, por exemplo, uma dessas reportagens mostra uma operação policial
frustrada - a polícia recebe uma denúncia de um assassinato mas ao chegar no local,
verifica que trata-se de um trote. No entanto, a equipe segue acompanhando a policia
que, aproveitando a ronda, aborda algumas pessoas e executa algumas revistas.
Segundo o repórter Marcelo Castro, cuja presença é oculta (aparece apenas a sua voz
em off, narrando a conduta dos policiais), a polícia naquele momento estaria tomando
aquela atitude para preservar a segurança dos moradores e das próprias pessoas
revistadas.
157
Nas edições analisadas, o âncora costuma parabenizar a polícia pela sua atuação e
referencia os presos como “vagabundos”, “otários” ou “caramunhões”. O ultimo
termo faz uma alusão à figura do diabo, trata-se de um termo utilizado pela
linguagem popular mais especificamente na região Nordeste do país. Embora não
tenhamos notificado nenhuma declaração literal de sua preferência religiosa no nosso
corpus de referência, o âncora costuma exaltar a figura de Deus e do crente,
associando-os à imagem do bem. Constrói-se, a partir do discurso verbal de Adelson
Carvalho, a condição moral a partir do maniqueísmo, em que aquele que não for
religioso ou não crente na figura divina fatalmente terminaria do lado do mau, ou
seja, da bandidagem, das drogas, da marginalidade.
“Tem gente que não gosta quando eu falo, tem jovem aí que me ameaça, dá bicuda
na minha perna mas eu não tô (sic) preocupado com isso não. Não tô preocupado
com isso. Né (sic), não tô preocupado. Feira de Santana infelizmente tá assim né,
Germano? [...] A mais importante cidade do interior da Bahia! A cidade que é maior
que nove capitais do Brasil! Tá entre as 50 maiores cidades do Brasil”. (Adelson
Carvalho, Cidade Alerta Bahia, edição 14/03/13).
56
Declaração concedida em entrevista ao site UOL. Disponível em:
http://natelinha.ne10.uol.com.br/noticias/2012/07/23/nao-tenho-medo-diz-ancora-do-cidade-alerta-ba-
sobre-ameacas-164749.php
158
As denúncias articuladas pelo programa destacam as situações de violência mas
também as condições de vida e a falta de recursos que atinge as classes mais pobres
do Estado. Do mesmo modo que o Brasil Urgente Bahia, o programa convoca de
modo direto a sua audiência na figura do homem popular, que se personifica na
figura do homem pobre. Os repórteres do Cidade Alerta Bahia reiteram as estratégias
de popularização, no sentido de aproximar-se desse povo, utilizadas pelo âncora, a
partir de uma performance ancorada no uso da linguagem coloquial e expressão
corporal intensa.
159
Dona Olívia Silva (Dona de casa): “Inventaram
que eu tinha um caso aqui com um rapaz que eu
nem conhecia”.
161
3.5 A experiência construindo o gênero: a contemporaneidade do programa
jornalístico policial no Brasil
Na abordagem dos Estudos Culturais, esse caráter distintivo não faz sentido porque
nem o “povo” é sinônimo de inércia ou ignorância, e nem o campo jornalístico está
alheio aos constrangimentos sociais, culturais, políticos e econômicos. Desse modo,
cultura popular para os Estudos Culturais significa a cultura contemporânea em
convivência com as tecnologias da comunicação e da informação, “num movimento
162
teórico e político que reconhece a articulação das práticas populares na cultura”
(GOMES, 2008, p. 2).
163
Dessa forma que durante muitos anos, as próprias emissoras e a crítica televisiva não
reconheciam os programas que privilegiavam a cobertura policial como programas
jornalísticos policiais. A redução a uma temática que se reconhece pelo termo
“mundo-cão” revela então um esforço pela manutenção desse lugar de alteridade,
que coloca as formas do popular em um lugar diferente das práticas do jornalismo.
Nos formatos assumidos por Brasil Urgente e Cidade Alerta, vemos que as
emissoras procuram, discursivamente, aproximar os programas dos modos de fazer
do telejornalismo tradicional, e distanciá-los dos antigos formatos vinculados ao
“mundo-cão” (como O Homem do Sapato Branco e O Povo na TV). A análise, no
entanto, revela que estes formatos se valem das mesmas estratégias desses
programas, convencionalmente reconhecido como programas populares. Esta
referência se torna inclusive mais forte que a conexão com o gênero policial nos
produtos literários e cinematográficos. Dessa matriz, tornam-se mais fortes os
elementos que suscitam a oralidade, o melodrama, o humor. Assim, parece que
delineia-se para nós que a faceta mundo-cão inova no sentido de deixar mais
evidente os aspectos de popularização, remetimento a um “público-povo”, em
detrimento das situações, do contar histórias.
164
garantidora da moral, dos bons costumes e da ordem social. A violência, que aparece
no programa como o principal problema social enfrentado no país, funciona como
elemento articulador do posicionamento pró-redução da maioridade penal e
estabelecimento da pena de morte. Para isso, o programa não só articula uma critica,
ignora os posicionamentos contrários a estes temas, excluindo-os da discussão
fomentada pela figura do apresentador-âncora.
165
de caráter conservador, dominantes na cultura social, econômica e política brasileira.
Em alcance nacional, a discussão se articula tendo então o pobre como personagem
principal e as classes dominantes como audiência preferencial.
Cidade Alerta nacional, ainda que priorize a cobertura em transmissão direta, se vale
menos que o Brasil Urgente de recursos audiovisuais e tecnológicos e concentra seus
esforços de vinculação aos padrões convencionados pelo telejornalismo a partir da
performance de Marcelo Rezende. Ele personaliza o relato, participa da construção
de reportagens e através da vestimenta e linguagem - tidas como informais para os
padrões referenciais telejornalisticos -, alça o papel do repórter à condição de herói e
justiceiro, comprometido com a verdade e com o interesse público, aquele que
hipoteticamente seria capaz de “arregaçar as mangas” pela revelação do fato. É pela
condição de repórter experiente, de trajetória sólida, que ele constrói o sentido de
autoridade e articula, em tom opinativo, os argumentos em relação à violência e à
atuação policial em uma perspectiva conservadora, e ignorando, do mesmo modo que
José Luiz Datena, uma perspectiva contrária à sua.
166
popularização e aproximação com o público, que no fim das contas é dialeticamente
convocado por um lugar de distanciamento – você, público; eu, mediador,
autoridade. Um lugar bastante distinto das formas populares de que coloca Jesus
Martín-Barbero – um lugar de resistência e de legitimação perante à cultura
dominante. Construído então, mais do que audiência mas como um personagem
principal o povo é convocado pelo programa a chorar e a rir pela sua condição.
As versões regionais dos dois programas operam sob o mesmo código, de abordar
predominantemente a temática policial menos pela excitação dos fatos e mais pela
possibilidade de articular a discussão de certos temas, sob um ponto de vista
específico. A partir de seus apresentadores-âncora, colocam-se como vigilantes das
ações do poder estatal e apoiadores da atuação policial. No entanto, sob um contexto
comunicativo diferente da versão-mãe (delimitada pelo alcance regional) permitem-
se executar performances de caráter ainda mais cênico e exagerado, forçando nas
postura corporal e verbal o estabelecimento do contato, a aproximação com o
público. Uziel Bueno grita, balança a câmera, gesticula energicamente. Adelson
Carvalho mantém-se no enquadramento em primeiro plano a todo o tempo, abusa das
gírias e das brincadeiras, de um modo que o programa se torna quase que codificado,
como se só fizesse sentido para o baiano caricaturado. Constroem o seu lugar de
autoridade a partir da postura enérgica e intempestiva, como se fossem chefes de
Estado e justo por isso, se comportam de modo ainda mais próximo ao público-povo,
através da doação de prêmios e dinheiro.
167
uma política de subordinação e de concessão de direitos” (ROXO E
SACRAMENTO, 2013, p. 4). Desse modo que poderíamos identificar as estratégias
destas versões regionais mais vinculadas a esta perspectiva populista, por usar a
figura do povo e seus desejos para justificar a conduta e construção do programa -
mostramos porque o povo sofre; damos dinheiro porque o povo precisa e o Estado é
inoperante. É uma performance que funciona portanto, na convocação do popular a
partir da reiteração de práticas arcaicas, mas suscitadoras de outras tantas ainda
dominantes na nossa cultura como o assistencialismo e o autoritarismo.
57
Dado extraído de reportagem publicada pelo site da Revista Exame. Disponível em:
http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/catolicos-serao-ultrapassados-por-evangelicos-ate-2040.
Acesso em junho/2013.
168
Também o posicionamento em favor da autoridade policial se configura como um
aspecto importante do referencial político assumida pelos programas. De acordo com
Francis Albert Cotta (2012), o percurso histórico da atividade policial no Brasil
revela que o caráter militar é predominante em sua formação, adquirindo portanto,
uma filosofia e conduta de caráter autoritário, diferente da experiência de polícia
cidadã idealizada pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, efetuada
em 1789 na França. Ao mesmo tempo em que se reivindica a sua autonomia
enquanto instituição, desvinculando-o da esfera estatal, assume-se uma política de
manutenção de ordem que engloba as esferas política e administrativa.
No mesmo sentido, Flávio Tadeu Ege (2013) defende que a polícia brasileira se
forma sobre tradições militares e oligárquicas, e que as contradições históricas da
função surgem em decorrência desta própria manutenção da clássica hierarquização
social do país, independente do contexto político dominante no país.
169
Segundo Roxo e Sacramento (2013), a crise de hegemonia sofrida pelo país entre
1930 e 1964 possibilitou o surgimento de doutrinas políticas de caráter conservador
como o populismo e o regime militar. Assim,
A herança da política nos deixou uma estrutura corporativa sindical e uma justiça
do trabalho fortemente ativas, porém as outras instâncias do poder político e
judiciário são vistas com desconfianças. Isto redunda num desejo de justiça
exercido de forma diferenciada pelos jornalistas (ibidem, p. 13).
Brasil Urgente, Cidade Alerta e suas versões, disputam então pela manutenção de
um discurso baseado em valores tradicionais da cultura brasileira, num exercício de
recusa e aceitação. Através dos recursos de tecnologias, projetados sob o âmbito
audiovisual, negociam com os padrões que convencionaram o telejornalismo e que
configuram tendências contemporâneas no fazer televisivo para legitimar-se
enquanto jornalísticos e enquanto produtos televisivos modernos. Mas ao mesmo
tempo, sobrepõem esse uso ao poder do discurso verbal empregado pelos
apresentadores-âncora, e por uma performance que se apoia nos códigos que
historicamente remetiam aos programas populares, dedicados aos temas do mundo-
cão. Assumem, portanto, a condição da oralidade enquanto matriz formadora do
modo de fazer televisivo brasileiro.
170
modo ambíguo, se vale de tais estratégias mas reafirma discursivamente a recusa a
estes elementos, historicamente vinculados ao entretenimento, para legitimar-se
enquanto jornalísticos.
171
percebemos as descontinuidades que representam o impacto dos constrangimentos
culturais na construção desses programas. Nas versões nacionais, São Paulo - cidade
mais importante do país em termos econômicos e políticos - é tida como padrão
referencial e que funciona como representativa de toda a realidade de um país. As
versões regionais, embora assumam uma promessa em termos de gênero, que se
efetiva no nome do programa e na temática assumida, permitem-se estabelecer um
outro contexto comunicativo. Na performance dos seus mediadores e na abordagem
das notícias, constroem a imagem o baiano como um homem simples e tradicional,
cuja comunicação deve se efetivar no limite da oralidade.
172
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
173
forma pelas suas práticas, pelo que se diz e pelo o que se convenciona de modo
dominante, residual e arcaico em relação ao seu universo referencial.
Não é nosso intuito verificar o quanto Brasil Urgente e Cidade Alerta conformam
características próprias do cinema e da literatura. Desejamos aqui compreender como
eles configuram experiências contemporâneas que viabilizam o reconhecimento em
torno do subgênero programa telejornalístico policial, a partir das referências dessas
esferas e da produção televisiva como um todo. Verificamos que o imbricamento
entre essas fronteiras, no caso desses programas, é fatal, e ainda que resulte em uma
análise complexa, faz-se indispensável acolher suas perspectivas para compreensão
do endereçamento, dos modos de fazer e se reportar à audiência que eles irão
construir.
174
Propomos aqui a análise dos dois programas e de versões exibidas em âmbito
regional, no caso, para o Estado da Bahia. Não foi nosso objetivo verificar como
estas versões articulam questões sobre identidade e territorialidade contextualizadas
nos referenciais da cultura baiana. Pretendíamos, ao incluir estas versões, verificar os
desdobramentos e limites em torno do gênero, quando estabelecemos o programa a
uma situação comunicativa distinta e específica, ainda que sustente sob a promessa
da reprodução pela temática, pela marca e pela emissora.
A análise nos mostrou que tanto Brasil Urgente quanto Cidade Alerta se endereçam
à audiência enquanto programas telejornalisticos policiais a partir de uma tendência
contemporânea, que é a da valorização da atuação policial em detrimento do relato
da situação de crime e/ou violência. Tal estratégia articula o posicionamento pró-
instituição policial adotado pelos dois programas. Nesse sentido, ser policial
significa, mais do que privilegiar situações que envolvem crime, violência e
consequentemente, dramas pessoais, privilegiar a conduta, os valores e a atuação da
instituição policial. Este posicionamento aparece como elo argumentativo para dois
outros elementos que ajudam a compor o modo de endereçamento destes programas.
175
credibilidade e legitimidade pretendidos pelo programa (GUTMANN, 2012). Nesse
sentido que cabe a esses apresentadores, a partir de sua trajetória e do uso da
primeira pessoa, articular o posicionamento editorial do programa.
176
comunicação, o telespectador desses programas necessitariam de performances mais
grosseiras, mais enérgicas, como se a simulação do contato corporal fosse mais
eficaz do que qualquer efeito audiovisual gráfico de som e imagem. Reforçam a
tradição e se eximem de uma contextualização identitária e cultural dessa região em
tempo presente.
177
reitera um modo de disputa em torno de um referencial especifico de cultura, de
telejornalismo e de sociedade.
178
4. REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, Afonso de. Um outro Quarto Poder: imprensa e
compromisso político no Brasil. Contracampo: Revista do Mestrado em
Comunicação, Imagem e Informação n. 4, 2000 ( p. 23-57).
ALBUQUERQUE, Afonso de. A mídia como “Poder Moderador”: uma
perspectiva comparada. Artigo apresentado na XVII COMPÓS: São Paulo/SP, GT -
Comunicação e Política, 2008.
ALMEIDA, Marco Antônio de. Sangue, suor & tiros: a narrativa policial na
literatura e cinema brasileiros. Tese (Doutorado). Campinas: UNICAMP/IFCH, 2002
ANGRIMANI, Danilo. Espreme que sai sangue: um estudo do sensacionalismo
na imprensa. São Paulo: Summus, 1995
ARAÚJO, Carlos Alberto Ávila; FRANÇA, Vera Regina Veiga. AUTORES. In:
FRANÇA, Vera Regina Veiga (Org.). Narrativas televisivas: programas
populares na TV, Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
ARAÚJO, Carolina Santos Garcia de. Cultura Popular e Telejornalismo local:
uma análise do modo de endereçamento do programa Na Mira, da TV Aratu.
Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação em Jornalismo), Universidade Federal
da Bahia, Salvador, 2010.
ARAUJO, Valéria Maria Sampaio Vilas Bôas. Outras notícias virão logo mais: A
construção da serialidade nos telejornais diários da TV Globo. Dissertação
(Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura
Contemporâneas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012.
BARBOSA, Marialva Carlos. Imaginação Televisual e os primórdios da TV no
Brasil. In: RIBEIRO, Ana Paula Goulart, ROXO, Marco, SACRAMENTO, Igor
(orgs.). História da Televisão no Brasil. São Paulo: Contexto, 2010.
BERGAMO, Alexandre. A reconfiguração do público. In: RIBEIRO, Ana Paula
Goulart, ROXO, Marco, SACRAMENTO, Igor (orgs.). História da Televisão no
Brasil. São Paulo: Contexto, 2010.
BRANDÃO, Cristina. As primeiras produções teleficcionais. In: RIBEIRO, Ana
Paula Goulart, ROXO, Marco, SACRAMENTO, Igor (orgs.). História da Televisão
no Brasil. São Paulo: Contexto, 2010.
CAMPELLO, Alexandre de Almeida. Novo Olhar sobre os Telejornais Policiais:
Interação pelo formato. Dissertação (Mestrado), Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, 2008
CANCLINI, Néstor García. Consumidores e Cidadãos. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ, 2007, 7a ed.
CANCLINI, Nestor García. Latino-americanos à procura de um lugar neste
século, São Paulo, Iluminuras, 2008. (p. 29-40; 59-86).
COTTA, Francis Albert. Matrizes do Sistema Policial Brasileiro. Belo Horizonte:
Crisálida, 2012.
179
DALHGREN, Peter. Journalism as a popular culture. In: Journalism and popular
culture. London, Sage, 2000. p. 1-23.
DUARTE, Dannilo de Oliveira. Jornalismo Policial na televisão: gênero e modo
de endereçamento dos programas Cidade Alerta, Brasil Urgente e Linha Direta.
2007. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura Contemporânea),
Universidade Federal da Bahia.
EGE, Flávio Tadeu. Uma breve história da polícia no Brasil: críticas à
militarização e seu caráter oligárquico. 2 edição, São Paulo: Santarém, 2013
ESCOSTEGUY, Ana Carolina D. Os Estudos Culturais. In: HOHLFELDT,
Antonio; MARTINO, Luiz C.; FRANÇA, Vera Veiga (org.). Teorias da
Comunicação: conceitos, escolas e tendências. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001, p.151-
170.
ESCOSTEGUY, Ana Carolina D. Uma releitura de um clássico dos Estudos
Culturais: As Utilizações da Cultura. In: GOMES, Itania e JANOTTI JR., Jeder
(Orgs). Comunicação e Estudos Culturais, Salvador, Edufba, 2011, p.13-27
___. Jornalismo e estudos culturais: uma perspectiva cultural. In: GOMES, Itania
Maria Mota (Org.). Análise de Telejornalismo. Desafios Teórico-Metodológicos,
Salvador, EDUFBA, 2012.
FECHINE, Yvana; FIGUERÔA, Alexandre. Cinema e televisão no contexto da
transmediação. In: RIBEIRO, Ana Paula Goulart, ROXO, Marco, SACRAMENTO,
Igor (orgs.). História da Televisão no Brasil. São Paulo: Contexto, 2010.
FIGUEIREDO, Vera Lúcia Follain de. O gênero policial como máquina de narrar,
Salvador, XXII COMPÓS, 2013. (Trabalho apresentado no GT de Cultura das
mídias)
FORTES, Leandro. Jornalismo Investigativo. São Paulo: Contexto, 2005.
FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. 7ª edição, Rio de Janeiro, Forense
Universitária, 2009.
FREIRE FILHO, João. Por uma nova agenda de investigação da história da TV
no Brasil. Contracampo, vol. 10/11, 2004, p. 201-217
FREIRE FILHO, João. Os estudos culturais e os deslocamentos do domínio
estético. In: GUIMARÃES et al (org.). Entre o sensível e o comunicacional. Belo
Horizonte: Autêntica, 2010, p. 105-127
GOMES, Itania Maria Mota. Efeito e Recepção: a interpretação do processo
receptivo em duas tradições de investigação sobre os media, Rio de Janeiro, E-
Papers, 2004.
GOMES, Itania Maria Mota. Questões de método na análise do telejornalismo:
premissas, conceitos, operadores de análise. Revista da Associação Nacional dos
Programas de Pós-Graduação em Comunicação – Compós. n. 8, 2007.
180
_______. O que é o popular no jornalismo popular In FREIRE FILHO, João;
GRANJA COUTINHO, Eduardo; e PAIVA, Raquel (orgs.). Mídia e Poder:
Ideologia, Discurso e Subjetividade, Rio de Janeiro, Ed. Mauad X, 2008;
_________. Metodologia de Análise de Telejornalismo (II): Um protocolo de
análise de gênero televisivo como categoria cultural. Projeto de Pesquisa
apresentado ao CNPq – Produtividade em pesquisa 2012/2015. Salvador, 2010.
_________. Raymond Williams e a hipótese cultural da estrutura de sentimento.
In: GOMES, Itania e JANOTTI JR., Jeder (Orgs). Comunicação e Estudos Culturais,
Salvador, Edufba, 2011.
GOMES, Itania e JANOTTI JR., Jeder (Orgs). Comunicação e Estudos Culturais,
Salvador, Edufba, 2011.
GUTMANN, Juliana Freire. Formas do telejornal: um estudo das articulações
entre valores jornalísticos e linguagem televisiva. 2012. Tese (Doutorado).
Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas,
Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2012.
HALL, Stuart. Estudos Culturais e seu legado teórico (Trad. de Cláudia Álvares)
in SOVIK, Liv (Org.) Da Diáspora: identidades e mediações culturais, Belo
Horizonte, Editora UFMG; Brasília, Representação da Unesco no Brasil, 2003, 199-
218
HALL, Stuart. Codificação/Decodificação. In: SOVIK, Liv (Org.) Da Diáspora:
identidades e mediações culturais, Belo Horizonte, Editora UFMG; Brasília,
Representação da Unesco no Brasil, [1973] 2003, 387-404
HOGGART, Richard. As Utilizações da Cultura: aspectos da vida cultural da
classe trabalhadora, Lisboa, Editorial Presença, V. I e II, 1973.
JANOTTI JR, Jeder Silveira. Dos gêneros textuais, dos discursos e das canções:
uma proposta de análise da música popular massiva a partir da noção de gênero
midiático, Niterói, XIV Compós, 2005 (Trabalho apresentado no GT de Cultura das
Mídias);
MACHADO, Arlindo. A Televisão Levada a Sério. São Paulo: SENAC, 2005.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações. Comunicação, Cultura e
Hegemonia. 4ª, Rio de Janeiro, ed.UFRJ, [1987] 2009;
MARTÍN-BARBERO, Jesús. América Latina e os anos recentes: o estudo da
recepção em comunicação social. In: SOUSA, Mauro Wilton de (Org.). Sujeito, o
lado oculto do receptor, São Paulo, Brasiliense, 1995, p. 39-68
___. Oficio de cartógrafo. Travesías latinoamericanas de la comunicación en la
cultura. México-DF: Fondo de Cultura Económica, 2002.
MENDONÇA, Kléber. Em “Linha Direta” com os novos padrões para o
telejornalismo. In: RIBEIRO, Ana Paula Goulart, ROXO, Marco, SACRAMENTO,
Igor (orgs.). História da Televisão no Brasil. São Paulo: Contexto, 2010.
181
MIRA, Maria Celeste. O moderno e o popular da TV de Silvio Santos. In: RIBEIRO,
Ana Paula Goulart, ROXO, Marco, SACRAMENTO, Igor (orgs.). História da
Televisão no Brasil. São Paulo: Contexto, 2010, p.159-175.
MITTELL, Jason. A cultural approach to television genre. In: Cinema Journal, 40,
SILVA, Rodrigo Barbosa. Criminalidade na televisão baiana: o telejornal policial
Se Liga Bocão e os relatos dos sujeitos privados de liberdade. Tese (Doutorado em
Comunicação e Cultura Contemporânea) - Universidade Federal da Bahia, 2012.
MITTELL, Jason. Genre and Television: From Cop Shows to Cartoons in
American Culture. NewYork: Routledge, 2004
OLIVEIRA, Dannilo Duarte. Jornalismo Policial na televisão: gênero e modo de
endereçamento dos programas Cidade Alerta, Brasil Urgente e Linha Direta.
Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura Contemporâneas), Universidade
Federal da Bahia, Salavdor, 2007.
ORTIZ, Renato. A Moderna Tradição Brasileira. São Paulo: Perspectiva, 1988.
RAMOS, José Mário Ortiz. Cinema, televisão e publicidade: cultura popular de
massa no Brasil nos anos 1970-1980. São Paulo: Ananablume, 2004.
RIBEIRO, Ana Paula Goulart; SACRAMENTO, Igor. A renovação estática da TV.
In: RIBEIRO, Ana Paula Goulart, ROXO, Marco, SACRAMENTO, Igor (orgs.).
História da Televisão no Brasil. São Paulo: Contexto, 2010.
RIBEIRO, Ana Paula Goulart, ROXO, Marco, SACRAMENTO, Igor (orgs.).
História da Televisão no Brasil. São Paulo: Contexto, 2010.
ROCHA, Simone M. A análise cultural da televisão. In: GOMES, Itania Maria
Mota; JUNIOR, Jeder Janotti (orgs.). Comunicação e Estudos Culturais. Salvador:
EDUFBA, 2011
ROXO, Marco. A volta do “ jornalismo cão” na TV. In: RIBEIRO, Ana Paula
Goulart, ROXO, Marco, SACRAMENTO, Igor (orgs.). História da Televisão no
Brasil. São Paulo: Contexto, 2010. p. 177-195.
ROXO, Marco, SACRAMENTO, Igor. Populismo e o neopopulismo no jornalismo
televisivo brasileiro. Salvador, XXII COMPÓS, 2013. (Trabalho apresentado no GT
de Televisão)
SANTOS, Mirella de Freitas. Apropriação do popular pelo telejornalismo
brasileiro: análise dos programas Se liga Bocão, Balanço geral e Que venha o
povo. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Faculdade de
Comunicação, 2009
SCHIAVONNI, Jaqueline. Vinheta: uma questão de identidade na televisão.
Dissertação (Mestrado), Faculdade de Arquitetura, Comunicação e Artes,
Universidade Estadual Paulista Júlio Pinto de Mesquita, 2008.
SILVA, Fernanda Mauricio da. Dos telejornais aos programas esportivos: gêneros
televisivos e modos de endereçamento, Salvador, UFBA, 2005 (Dissertação)
Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas.
182
SILVA, Fernanda Maurício da. A conversação como estratégia de construção de
programas jornalísticos televisivos. 2010. Tese (Doutorado em Comunicação e
Cultura Contemporânea - UFBA). Disponível em <http://telejornalismo.org/wp-
content/uploads/2010/05/SILVA-Fernanda.-A-conversao-como-estratgia.pdf>.
___. Convenções históricas do talk show brasileiro: de 1950 a 1990. ECO-PÓS, v.
16, n. 2, p 191-204, mai/ago, 2013.
SCHUDSON, Michael. Descobrindo a notícia: Uma história social dos jornais
nos Estados Unidos. Rio de janeiro: Editora Vozes, 2010.
SOUZA, José C.A. Gêneros e formatos na televisão brasileira. São Paulo:
Summus, 2004
SOVIK, Liv. Pensando com Stuart Hall. In: GOMES, Itania Maria Mota; JUNIOR,
Jeder Janotti (orgs.). Comunicação e Estudos Culturais. Salvador: EDUFBA, 2011
TONDATO, Marcia P. Os gêneros televisivos no cotidiano da recepção televisiva.
São Paulo, 2009.
WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. (Trad. Waltensir Dutra), Rio de
Janeiro, p. 79-142: Jorge Zahar [1971]1979.
WILLIAMS, Raymond. Televisión: Tecnología y forma cultural. (Trad. Alcira
Bixio). 1. ed. Buenos Aires: Paidós [1974] 2011
ZUMTHOR, Paul. Introdução a Poesia Oral. (Trad. Jerusa Pires Ferreira, Maria
Lúcia Diniz Pochat e Maria Inês de Almeida). São Paulo: Hucitec; EDUC, [1983]
1997. p 164-232.
183
6. ANEXO
184
VINHETA: edição gráfica que marca a abertura ou intervalo de um programa
televisivo. Normalmente acompanhada com música.
ZOOM: objetiva de distância focal variável que pode provocar um movimento de
aproximação de um objeto ou pessoa (zoom in) ou de afastamento de um objeto ou
pessoa (zoom out).
185