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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
COMUNICAÇÃO E CULTURA CONTEMPORÂNEAS

CAROLINA SANTOS GARCIA DE ARAÚJO

TELEJORNALISMO
E A TEMÁTICA POLICIAL NO BRASIL:
Análise cultural de gênero dos programas Brasil Urgente
e Cidade Alerta

Salvador, BA
2014
CAROLINA SANTOS GARCIA DE ARAÚJO

TELEJORNALISMO
E TEMÁTICA POLICIAL NO BRASIL:
Análise cultural de gênero dos programas Brasil Urgente
e Cidade Alerta

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Comunicação e
Cultura Contemporâneas da Faculdade
de Comunicação – Universidade Federal
da Bahia – como requisito para obtenção
do grau de Mestre em Comunicação e
Cultura Contemporâneas.

Orientadora: Fernanda Maurício da Silva

Salvador, BA
2014

2
Sistema de Bibliotecas da UFBA

Araújo, Carolina Santos Garcia de


Telejornalismo e temática policial no Brasil : análise cultural de gênero dos programas Brasil
Urgente e Cidade Alerta / Carolina Santos Garcia de Araújo. - 2014.
185 f.: il.

Inclui anexos.
Orientadora: Fernanda Maurício da Silva.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Comunicação,
Salvador, 2014.

1. Telejornalismo. 2. Televisão. 3. Jornalismo policial - Aspectos culturais. 4. Reportagens


investigativas. 5. Brasil Urgente (Programa de televisão). 6. Cidade Alerta (Programa de
televisão). I. Silva, Fernanda Maurício da. II. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de
Comunicação. III. Título.

CDD - 070.195

CDU - 070.4 3
Para Ceci. Raio de luz e amor, força para escrever.

4
AGRADECIMENTOS

Durantes dois anos difíceis e proveitosos, muitas pessoas contribuíram de forma


significante para este trabalho, de modo direto e indireto. A estes que estiveram tão
junto, não poderia deixar de oficializar o meu agradecimento.
Muito obrigada à minha orientadora Fernanda Maurício, pela orientação paciente e
dedicada, por dividir comigo seus conhecimentos e experiências. Muito obrigada a
Itania Maria Mota Gomes, por ser a melhor professora do mundo, por ter dado
sentido à minha vida na Universidade.
Agradeço imensamente à FACOM e sua gente, pela sua existência, por proporcionar
os melhores anos de minha vida e a incrível experiência de escrever no quadro. Ao
PÓSCOM, seus funcionários e professores, por abrilhantar essa experiência
universitária e intelectual. A CAPES, pelo incentivo fundamental que possibilitou a
minha dedicação a esse projeto. Á MidiaClip, pelo apoio na captação do corpus.
Aos mais que queridos colegas do Grupo de Pesquisa em Análise de Telejornalismo,
que presenciaram e contribuíram fortemente para o meu amadurecimento intelectual,
com leituras e conselhos atenciosos, gargalhadas e momentos junto memoráveis. Em
especial, meu muito obrigada a Sara, apoio na luta pelo corpus, e Valéria Maria,
presença iluminada, assertiva e fundamental.
Aos amigos que se interessaram, contribuíram e se orgulharam muito de ter uma
amiga mestranda. Vocês são muitos e sei que se reconhecem. Aos meus amores-
irmãos-amigos da FACOM, obrigada por me formarem! A Manuca, melhor amigo
que alguém pode ter na vida, minha referência, minha força, minha irmandade, meu
exemplo e inspiração de homem, amigo e intelectual.
Agradeço à minha linda e enorme família (Garcia, Santos e Abreu Marques) que
além de me ensinarem muito dessa vida, vibraram por esse trabalho. Incluo aqui a
família Triciclo – Martinha, Adelmo e Virgínia – pela amizade e apoio
incondicionais. A meus irmãos, pelo incentivo e força constantes. A meus pais,
sinônimo de vida e dedicação, que sempre me disseram que o amor é maior e que o
impossível não existe. Esse trabalho é pra vocês!
Por fim, ao melhor companheiro, ao meu presente da vida, à pessoa que me mostra
todos os dias o que é o amor e que está em tudo o que eu penso e faço. Lipe, meu
amor, esse trabalho também é seu. Obrigada!

5
“Longo e difícil percurso, embora secretamente iluminado (benjaminianamente)
pelas palavras de Gramsci: ‘só investigamos de verdade o que nos afeta’, e afetar
vem de afeto”.
Jesús Martin-Barbero, 2002.

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ARAÚJO, Carolina Santos Garcia de. Telejornalismo e a temática policial na TV
brasileira: análise cultural de gênero nos programas Brasil Urgente e Cidade Alerta.
185 fls. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Comunicação e
Cultura Contemporâneas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2014.

RESUMO
Esta dissertação tem como principal objetivo identificar marcas que configuram o
reconhecimento da temática policial no telejornalismo brasileiro a partir da análise de
gênero. Colocamo-nos no âmbito dos gêneros televisivos, que para nós caracterizam-
se não como rótulos ou formas pré-definidas, mas como estratégias interativas que se
configuram a partir de situações específicas e contextuais, o que nos faz compreendê-
los como uma categoria cultural. Em termos teóricos, tal compreensão se apoia nos
pressupostos dos Estudos Culturais e no entendimento do telejornalismo enquanto
uma instituição social e uma forma cultural, conforme Raymond Williams. Em
termos metodológicos, ela se apoia nas propostas formuladas por Jesús Martín-
Barbero e Jason Mittell, que entendem, respectivamente, o gênero como uma
estratégia de comunicabilidade, e como uma categoria que se forma cultural e
discursivamente a partir da indústria, da recepção, da academia e da crítica televisiva.
Analisamos os programas Brasil Urgente (TV Bandeirantes), Cidade Alerta (TV
Record) e suas versões regionais - Brasil Urgente Bahia e Cidade Alerta Bahia –
atentando para o modo como eles se constroem como exemplares contemporâneos do
subgênero telejornal policial e como possibilitam tal reconhecimento. Concluímos
que o subgênero caracteriza-se predominantemente pela atuação do apresentador,
cujo discurso verbal se concentra na valorização da instituição policial e da violência
como principal problema social do país. Tal subgênero negociam ainda com
elementos do melodrama e do entretenimento, estratégias que se vinculam aos
programas ditos populares e às práticas do gênero policial no cinema e na literatura.
Tal influência, no entanto, é discursivamente velada em favor de um alinhamento a
padrões do telejornalismo, que historicamente se orienta pela recusa a estes
elementos.

Palavras-chave: Estudos Culturais. Televisão. Telejornalismo. Gênero Televisivo.


Jornalismo Policial.

7
ABSTRACT
This dissertation has as principal aim identify the brands that shape the recognition of
police theme on brazilian telejournalism from gender analysis. We place ourselves
here in the analysis of television genres, which for us is not configured as a result of
not pre-defined labels or forms, but as interactive strategies that are configured based
on specific and contextual situations, what makes us understand them as a cultural
category. Theoretically, this understanding is based on the assumptions of Cultural
Studies and at the understanding of television journalism as a social institution and a
cultural form, in accordance with Raymond Williams. In methodological terms, it
supports the proposals made by Jesús Martín-Barbero and Jason Mittell, who
understand, respectively, gender as a strategy of communicability, and as a category
that cultural form and discursively from industry, reception, academic field and
television criticism. We analyzed Brasil Urgente (TV Bandeirantes) and Cidade
Alerta (TV Record) programs and its regional versions - Brasil Urgente Bahia and
Cidade Alerta Bahia – paying attention to how they are constructed as contemporary
exemplaries of subgenre TV newscast policial and how they allow the recognition.
We conclude that the subgenre is characterized predominantly by the performance of
the presenter, whose verbal discourse focuses on the valuation of the police
institution and the understanding of violence as a major social problem in the
country. That subgenre still negotiate with elements of melodrama and
entertainment, strategies that are linked to popular programs and practices of the
detective genre in film and literature. This influence, however, is discursively veiled
in favor of an alignment to standards in television journalism, which historically is
guided by the refusal of these elements.

Key-words: Cultural Studies. Television. Telejournalism; Television Genre. Police


Journalism.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Mapa das mediações p. 37

Figura 2 Vinheta de abertura Brasil Urgente p. 81

Figura 3 Brasil Urgente nacional: cenário p. 84

Figura 4 Brasil Urgente nacional: Cobertura aérea da chuva em São p. 96


Paulo (edição 06/12/12)

Figura 5 Brasil Urgente nacional: Recurso “duas telas” e "três telas" p. 98

Figura 6 Brasil Urgente nacional: cobertura ação policial p. 99

Figura 7 Brasil Urgente nacional: frames repórteres p. 106

Figura 8 Brasil Urgente nacional: câmeras registram assassinato p. 107

Figura 9 Brasil Urgente Bahia: anúncio de estreia p. 110

Figura 10 Brasil Urgente Bahia: Frames clipe de abertura p. 112

Figura 11 Brasil Urgente Bahia: abertura p. 113

Figura 12 Brasil Urgente Bahia: Perfomance Uziel Bueno p. 114

Figura 13 Brasil Urgente Bahia: Frames repórteres p. 116

Figura 14 Brasil Urgente Bahia: Imagens de corpos desfocadas p. 128

Figura 15 Cidade Alerta nacional: abertura p. 137

Figura 16 Cidade Alerta nacional: cobertura aérea p. 143

Figura 17 Cidade Alerta Bahia: anúncio de estreia p. 152

Figura 18 Cidade Alerta Bahia: cenário (frames) p. 153

9
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................... p. 11
1 PRESSUPOSTOS DA ANÁLISE CULTURAL: REFERÊNCIAS
TEORICAS E METODOLÓGICAS................................................................... p. 18
1.1 Os Estudos Culturais e os meios de comunicação............................................. p. 18
1.1.2 A televisão e o jornalismo como objeto da análise cultural...................... p. 25
1.2 Proposta analítica.............................................................................................. p. 29
1.2.1 Gênero televisivo como categoria cultural.................................................. p. 31
1.2.2 Estrutura de sentimento............................................................................... p. 40
1.2.3 Modo de endereçamento e operadores de análise...................................... p. 43

2. A TEMÁTICA POLICIAL E A CONFIGURAÇÃO DO


GÊNERO................................................................................................................ p. 47

2.1 Na literatura, no jornalismo, no cinema: matrizes da narrativa escrita e


audiovisual............................................................................................................... p. 48
2.2 O percurso na TV brasileira............................................................................... p. 56
2.2.1 Anos 60 a 80: o “mundo-cão” e sua faceta popular................................... p. 59
2.2.2 Anos 90 a 2000: sensacionalismo e violência enquanto
estratégias............................................................................................................... p. 66

3. TELEJORNALISMO, CRIME E POLÍCIA: AS EXPERIÊNCIAS DO


BRASIL URGENTE, CIDADE ALERTA E SUAS VERSÕES
REGIONAIS........................................................................................................... p. 73

3.1 Brasil Urgente.................................................................................................... p. 75


3.2 Brasil Urgente Bahia.......................................................................................... p. 109
3.3 Cidade Alerta..................................................................................................... p. 130
3.4 Cidade Alerta Bahia........................................................................................... p. 151
3.5 A experiência construindo o gênero: a contemporaneidade do programa
jornalístico policial no Brasil................................................................................... p. 162
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ p. 173

5. REFERÊNCIAS................................................................................................. p. 179

6. ANEXOS............................................................................................................. p. 184

10
INTRODUÇÃO

No campo da comunicação, as pesquisas sobre os programas jornalísticos com


temática policial ganharam fôlego nos últimos anos. Muitas delas motivadas pelo
aumento, na grade televisiva brasileira especificamente, desses programas que são
reconhecidos, de modo genérico, pela cobertura prioritária de crimes, ocorrências
policiais diversas ambientadas na maioria das vezes nos grandes centros urbanos. De
modo geral, tais programas teriam como premissa básica o apelo dramático e
sensacional na abordagem de seus relatos diários, uma característica herdada dos
chamados programas do “mundo-cão”.

Este termo ganhou força na crítica televisiva entre as décadas de 1950 e 1980,
funcionando como um dispositivo genérico de programas que compartilhavam
características específicas. Ser “mundo-cão” significava dar preferência ao grotesco e
às mazelas da vida do cidadão comum, entre as quais as situações de crime e
violência se encaixam. No entanto, as experiências contemporâneas dos programas
que se dedicam à cobertura dos crimes e das situações de violência nos mostra que
tal alcunha pode não ser definitiva. Isto porque têm-se observado que mais do que
uma cobertura grotesca e sensacional, estes programas desejam aproximar-se dos
padrões referenciais do telejornalismo brasileiro, no intuito de suprimir a alcunha
“mundo-cão” e sua faceta pejorativa. Esta pelo menos, é uma estratpegia que vem
sendo afirmada pelas emissoras e equipes desses programas, e que tem reverberado
na crítica e nas pesquisas acadêmicas, que agora parecem reconhecer a existência de
um “programa policial” ou mesmo “telejornal policial”. É neste momento em que
classificar tais programas, entender de que forma se orientam quanto à prática e ao
gênero, torna-se uma tarefa ainda mais complexa.

Em 2010, materializamos os nossos primeiros esforços em torno da investigação


deste tipo de programa e dos elementos predominantes em seus formatos. O que nos
motivava naquele momento era a presença cada vez mais forte deste tipo de
programa na grade televisiva, sobretudo na programação aberta na Bahia, a que
acessávamos em maior frequência. A monografia “Cultura popular e telejornalismo
local: uma análise do modo de endereçamento do programa Na Mira, da TV Aratu”,
apresentada à Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia naquele
ano, permitiu-nos verificar características que se apresentavam enquanto tendências:

11
atuação predominante do apresentador; acionamento de certos códigos da cultura
popular como o melodrama e a oralidade. O relato do crime e as consequências do
fato noticiado, a sua investigação, ficariam em segundo plano, quando relacionadas à
atuação e articulação discursiva verbal do apresentador. Estrategicamente, o
programa se colocava como um poder mediador entre as camadas mais pobres da
população e o Estado, através do tema da segurança pública.

Este primeiro trabalho nos chamou a atenção ainda de que, embora fosse classificado
como jornalístico - o que no nosso entendimento, estabelece uma promessa em
relação a formato, e aos valores e premissas de que irá se valer para referir-se à
audiência - o programa se utilizava fortemente de estratégias historicamente
vinculadas aos programas de auditório, aos shows, aos programas radiofônicos e aos
produtos ficcionais no âmbito do gênero policial do cinema e da literatura. Dessa
forma que optamos por continuar o trabalho de pesquisa em programas televisivos
considerando mais fortemente a sua construção no âmbito dos gêneros, atentando
para os seus aspectos históricos e culturais.

Inicialmente, o nosso projeto de pesquisa para o mestrado tinha como objetivo


analisar a questão do gênero a partir de uma experiência bastante recente da TV
brasileira, que era a da criação de “programas filiais”, ou seja, quando um programa
que era veiculado em rede nacional por uma emissora ganhava uma versão regional.
No corpus pretendido naquele momento havia três programas (e suas respectivas
versões regionais), de três emissoras distintas. Dois deles rapidamente foram extintos
da programação, o que revelou para nós uma possível fragilidade daquele tipo de
estratégia1. No entanto, ela se revelou eficiente em dois programas classificados por
suas emissoras como noticiários policiais, e que há bastante tempo integram a grade
televisiva brasileira. São eles: Brasil Urgente, exibido pela TV Bandeirantes, e
Cidade Alerta, exibido pela TV Record. Há cerca de dois anos, as versões regionais
dos dois programas passaram a ser exibidas na Bahia. Dessa forma que optamos por
aprofundar a nossa pesquisa retomando o objeto trabalhado na monografia.

1
Nossa proposta inicial pretendia a análise dos programas Hoje em Dia Bahia (Record Bahia, antiga
TV Itapoan, afiliada da TV Record do Estado da Bahia); Hoje em Dia Bahia (BAND Bahia, afiliada
da TV Bandeirantes) e Globo Esporte Bahia (TV Bahia, emissora afiliada). Os dois primeiros
programas foram extintos e o terceiro continua a ser exibido.

12
Além da familiaridade com o objeto e sua importante presença na grade televisiva,
outro aspecto chamava a nossa atenção, que eram as inconstâncias em torno do
reconhecimento e dos discursos sobre desse tipo de programa. Programa popular,
programa policial, programa sensacionalista, telejornal temático, telejornal policial,
ou mesmo indefinido são algumas das classificações atribuídas a uma mesma
atração, como o programa Brasil Urgente, por exemplo. Embora se tornem cada vez
mais presentes na grade, circulam predominantemente as críticas negativas,
sobretudo no campo da crítica televisiva especializada.

Nosso objetivo central tornou-se identificar quais são as marcas que operam, ou
predominam no reconhecimento genérico deste tipo de programa considerando o
repertório da TV brasileira. Partimos da premissa de que os gêneros televisivos
atuam como categorias culturais, ou seja, não como resultado não de rótulos ou
formas pré-definidas, mas sim como estratégias de comunicabilidade que estão
sujeitas a situações especificas e contextuais. Logo, gênero é compreendido aqui
como uma estratégia que se constrói historicamente, reafirmando, negando ou
atualizando elementos específicos. Desse modo, procuramos compreender o que
significa falar de programa jornalístico policial na televisão brasileira na
contemporaneidade, considerando também a trajetória construída historicamente
pelos programas que privilegiam a cobertura policial.

Esta proposta tem sido compartilhada nas pesquisas desenvolvidas no âmbito do


Grupo de Pesquisa em Análise de Telejornalismo, vinculado ao Programa de Pós-
Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Universidade Federal da
Bahia. Para nós, compreender o gênero enquanto uma categoria cultural significa,
primeiro, vincular-se aos pressupostos teóricos dos Estudos Culturais, que nos
orientam a compreender os meios de comunicação enquanto elementos que
participam ativamente do processo de construção cultural. Isso implica no
reconhecimento da televisão como fenômeno cultural, social, econômico, político.

Em termos metodológicos, a abordagem do gênero enquanto categoria cultural


pressupõe o acolhimento às propostas formuladas por Jesús Martín-Barbero e Jason
Mittell em relação a esse conceito. O primeiro autor entende o gênero como uma
estratégia de comunicabilidade que por sua vez, é ativada a partir de um complexo
processo cultural que envolve lógicas de produção e de leituras. Jason Mittell

13
entende o gênero enquanto uma categoria que se forma cultural e discursivamente a
partir da indústria, da recepção, da academia e da crítica televisiva. Ambos os autores
buscam entender o gênero televisivo considerando a totalidade do processo
comunicativo em que ele está inserido.

Escolhemos como objetos de análise para estre trabalho os programas Brasil Urgente
e Cidade Alerta por sua representatividade na grade televisiva brasileira, em termos
de tempo de exibição e índices de audiência – aspectos relevantes para o tipo de
análise que pretendemos. Acolhemos a perspectiva de uma análise comparativa,
aproveitando a exibição de suas versões regionais, por acreditar que esta estratégia
nos revela os limites e potencialidades do reconhecimento genérico, para além de
marcas contemporâneas de construção. Como o gênero opera nas circunstâncias em
que programas com apresentadores e cenários diferentes possuem o mesmo nome? O
que faz com que eles se coloquem num mesmo lugar, apesar de se dirigirem a
públicos distintos, para nós também uma questão de gênero, e que só se explica pelo
âmbito cultural, porque depende mais da ativação de certas práticas e códigos
historicamente construídos do que de padrões estabelecidos.

Além disso, notamos que há um esforço, nestes produtos, em vincular o termo


“policial” à prática telejornalística, como salientamos anteriormente. Em outros
países, observamos a predominância do produto ficcional quando se fala em temática
policial no campo televisivo, operando pelas referências do que se reconhece como
gênero policial dentro da literatura e do cinema. De que forma esta interação pode
aparecer - e se aparece – nos programas brasileiros que investem nos relatos de crime
e polícia, também é uma questão que se apresenta para nós no âmbito da investigação
de gênero.

Entendemos que os programas Brasil Urgente e Cidade Alerta podem ser entendidos
como exemplos do subgênero “programa jornalístico policial”, conforme análises já
efetuadas no âmbito do Grupo de Pesquisa2. Selecionamos em nosso corpus de

2
Silva (2005) destaca que no esforço inicial pela consolidação da Metodologia, o Grupo de Pesquisa
opta por dividir o conteúdo televisivo em programas de auditório, programas jornalísticos, ficção
seriada, publicidade e realities shows. Telejornais e programas temáticos (como o policial)
funcionariam como subgêneros dos programas jornalísticos. No trabalho de Duarte (2007), que no
mesmo contexto de aplicação desta metodologia analisa os programas Brasil Urgente e o Cidade
Alerta entende estes conteúdos como programas jornalísticos temáticos, do âmbito policial,
reconhecimento que adotamos aqui pelo esforço de análise já empregado, sob os mesmos referenciais
adotados aqui.

14
análise a partir de programas gravados entre os meses de novembro de 2012 e maio
de 2013, de modo randômico. O período selecionado não se vincula a nenhum evento
específico ou imprescindível para a análise, pois para nós, mais importante que
verificar o modo como tais programas se endereçam aos seus públicos, é perceber
como eles se articulam a marcas que se constroem historicamente, e como, na
contemporaneidade, contribuem para o reconhecimento da temática policial.

No primeiro capítulo, apresentamos os referenciais dos Estudos Culturais,


especificamente a partir da tradição inglesa, e suas contribuições para o campo da
comunicação. Se o nosso objeto é um programa televisivo jornalístico, acompanhar a
premissa dos estudos culturais, conforme colocamos antes, significa entender a
televisão como um fenômeno cultural e também o jornalismo como uma instituição
que se constrói no terreno da cultura. Ainda neste capítulo, apresentamos a nossa
proposta metodológica, que consiste na compreensão do gênero enquanto categoria
cultural, articulada ao conceito de Estrutura de Sentimento, formulado por Raymond
Williams, e ao conceito de Modo de Endereçamento, que no Grupo de Pesquisa é
trabalhado a partir de operadores específicos - mediador, contexto comunicativo,
pacto sobre o papel do jornalismo e organização temática. Estrutura de Sentimento
ajuda-nos a entender a questão do gênero a partir do percurso histórico, levando-nos
a observar de que forma certas estruturas, convenções, elementos dominantes e
residuais permanecem nestes produtos a partir do fluxo cultural; já o conceito de
Modo de Endereçamento ajuda-nos a observar os elementos textuais que compõem o
programa, e de que modo eles operam na construção de um estilo, um modo
especifico de se reportar à audiência.

As estruturas de sentimento presentes nesses programas, que chamaram a nossa


atenção no primeiro e agora nesse segundo trabalho, nos motivaram a organizar no
segundo capítulo, um breve apanhado das matrizes históricas que circulam em torno
do gênero policial, de suas marcas convencionadas, dos modos dominantes que
funcionam como dispositivos de reconhecimento. Primeiro, no cinema, na literatura e
no jornalismo, a partir de um recorte nas produções brasileiras, para entender quais
são referências seriam ativadas em terno desta temática nas produções televisivas.
Em seguida nos detemos a outra breve recuperação, agora na televisão brasileira,
observando o lugar dos programas que priorizam os relatos do crime e das operações
policiais. Percebemos que o drama e a presença do homem comum são elementos

15
fortemente utilizados nestes programas e que eles sobrevivem à sazonalidade destes
programas na grade. Estes elementos vão reverberar na complexa articulação que
estes programas vão fazer, e que se torna evidente, com estratégias utilizadas tanto
pelos programas populares quanto pelos telejornais.

Damos seguimento ao trabalho com as análises dos programas escolhidos,


organizadas no terceiro capítulo. Aqui, buscamos através dos operadores, observar de
que forma os programas se constroem e criam um estilo próprio para se endereçar ao
seu público mas também, como este estilo se vincula historicamente a outros
programas que se propuseram a explorar os mesmos temas que eles. Neste momento,
contamos com a força metodológica do Mapa das Mediações formulado por Jesus
Martín-Barbero, que nos incita a olhar os produtos midiáticos, formados pela
articulação entre comunicação, cultura e política, a partir das mediações que operam
em tempo presente e no tempo histórico, de suas matrizes, lógicas de produção,
formatos industriais e competências de recepção.

Por fim, concluímos o nosso trabalho apresentando os resultados trazidos pela


análise, que nos apontam marcas que ativam, sob um determinado contexto, o
reconhecimento genérico desses programas. Do modo como se constroem, Brasil
Urgente e Cidade Alerta - seja em âmbito nacional, seja regional -, contribuem em
existência de programas desse tipo na grade televisiva a partir não só de uma
operacionalização factual de certo estilo e de técnicas televisivas, mas sobretudo pela
operacionalização também de outros elementos, operados nos contextos politico,
econômico, cultural e social brasileiro. Revelam assim um modo especifico e
contextual de tratar a temática policial na televisão brasileira. Esperamos que esta
análise endosse as pesquisas em torno da comunicação e do produto televisivo em
uma perspectiva cultural, que ampliam nossas perspectivas científicas em torno da
compreensão de como certos elementos e fenômenos podem existir em coerência,
ainda que sob fortes rupturas e disputas discursivas.

Para nós, faz-se ainda de extrema importância registrar neste trabalho que, embora o
modo randômico para coleta do nosso corpus não interfira na qualidade de nossa
análise, esta não foi a nossa opção prioritária. Tornou-se a partir da imensa
dificuldade em registrar estes objetos, que são exibidos quase que ao mesmo tempo,
e pela falta de apoio por parte das emissoras em viabilizar o acesso a estes conteúdos,

16
mesmo que apenas para fins acadêmicos. Há uma dificuldade estrutural de análise
destes programas não só pela partilha do horário na grade, mas também na própria
veiculação, já que boa parte dos canais por assinatura não veicula programação
local/regional. Isso significa que por vezes, são necessários dois aparelhos de TV
para acompanhar, em tempo real, as versões regional e nacional. Desse modo que o
apoio das emissoras – que disponibilizam apenas pequenos trechos dos programas
em seus respectivos sites –, na disponibilização desses conteúdos seria fundamental.
É sabido que para um analista, é necessário voltar ao objeto quantas vezes for
preciso. A opção que nos restou diante de tais dificuldades foi a de recorrer às
empresas de clipagem televisiva, que a custos elevados comercializam, na maioria
das vezes, apenas trechos ou matérias veiculadas nos programas. Esta dificuldade
evidencia aspectos culturais que acabam por reverberar em nossa analise, porque
sinalizam o modo como a televisão e o seu conteúdo são tratados dentro da esfera de
produção cultural no país: não como um patrimônio, mas sim como um bem de
mercado3.

3
Esta realidade em torno do acervo televisivo brasileiro é um dos interesses de investigação do Grupo
de Pesquisa em Análise de Telejornalismo, e vem sendo debatido a partir de atividades realizadas com
professores de outras Universidades, a exemplo do Seminário Internacional Estudos de Televisão
Brasil-França, realizado em 2013 na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia.
Sobre este assunto, ver mais em GOMES, Itania Maria Mota. Constrangimentos históricos para
constituição de uma política pública de conservação e acesso ao acervo televisivo no Brasil. Revista
do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Escola de Comunicação da
Universidade Federal do Rio de Janeiro - ECOPÓS. Vol. 17, n. 1, 2014. Disponível em:
http://revistas.ufrj.br/index.php/eco_pos/article/view/1292/pdf_21

17
1. PRESSUPOSTOS DA ANÁLISE CULTURAL: REFERENCIAL
TEÓRICO-METODOLÓGICO

1.1 Os Estudos Culturais e os meios de comunicação

Pensar o gênero como o resultado não de rótulos ou de formas pré-definidas, mas de


estratégias interativas que se configuram a partir de situações específicas e
contextuais, pressupõe um referencial teórico que privilegie não só os aspectos
técnicos deste gênero, mas também os históricos, sociais, econômicos, políticos e
culturais que perpassam pelo processo comunicativo que o configura. Neste sentido,
acolhemos a perspectiva dos Estudos Culturais, que nos convoca a pensar, de forma
articulada, as relações entre sociedade, meios de comunicação, poder e a cultura.

A versão mais difundida entre os pesquisadores atribui a formação originária dos


Estudos Culturais4 à criação do Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS),
centro de pesquisa vinculado ao English Departament da Universidade de
Birmingham, na Inglaterra; e à publicação das obras The Uses of Literacy (1957), de
Richard Hoggart; Culture and Society (1958) de Raymond Williams; e The Making
of the English Working-class” (1963), de Edward Palmer Thompson5. O CCCS
representaria, de forma organizada, a reunião das pesquisas e estudos que propunham
uma nova concepção de cultura, em reação a situações contextuais especificas dentro
e fora da academia. As três obras, embora tenham objetivos diferentes, seriam a
materialização deste esforço de pesquisa.

Edward Thompson, em The Making of the English Working-class (1963), lança-se


sobre a classe operária e o seu modo de vida para demonstrar que a identidade deste
grupo social constitui-se a partir de um componente fortemente político e de
enfrentamento, de conflito. Ele organiza seu trabalho a partir de relatos tomados em
capelas, tabernas e lares e percebe que não se pode entender a classe a menos que a
vejamos como uma formação social e cultural, que surge de processos que só podem

4
Escosteguy (2001) afirma que esta é a versão sobre as origens dos Estudos Culturais é a mais
lembrada, mas que existem outros relatos que explicitam diferenças nacionais e de propostas teórico-
metodológicas em relação aos objetivos centrais dos Estudos Culturais. Ver ainda nesta referência, e
também em Gomes (2004) mais sobre a origem dos Estudos Culturais a partir da criação do CCCS e
das obras consideradas seminais.
5
Os três títulos possuem publicações em língua portuguesa. Ver E.P. Thompson, A formação da
classe operária inglesa, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987 [1963]. As obras de Hoggart e Williams
constam nas referências do nosso trabalho.

18
ser estudados quando eles mesmos operam durante um considerável período
histórico.

Hoggart, que foi o primeiro diretor do CCCS, reúne na obra The Uses of Literacy
(1973), dividida em duas partes, observações sobre as figuras, os hábitos e atitudes
da classe operária inglesa para compreender as transformações ocorridas com este
grupo, e como ele interage sob a influência dos produtos de comunicação massiva.
Embora revele certa preocupação em relação à qualidade e ao efeito produzido por
alguns destes produtos, Hoggart compreende que as relações entre o produto e sua
audiência não se caracterizam por uma troca unilateral e degradante, mas sim, a
partir de uma interativa negociação que considera os modos fundamentais desse
grupo agir e pensar.

Além de defender a existência de uma cultura popular, legítima das classes


trabalhadoras, Hoggart reconhece também o potencial de resistência dessas classes
perante o consumo, mostrando que, independentemente do que leiam ou consumam,
continuam a ditar seus hábitos e atitudes através da oralidade, da familiaridade e dos
laços comunitários - elementos que diretamente mediam a relação com os meios.
Assim, o efeito dessa relação entre meio e audiência não pode ser compreendido
apenas através do conteúdo, porque eles “dependem de uma ativa negociação com
um mundo cultural já estabelecido” (ESCOSTEGUY, 2011, Pg. 16).

Já Raymond Williams foi um dos teóricos ligado aos Estudos Culturais que mais
contribuiu com o campo da comunicação. Em Culture and Society (1958), ele propõe
uma revisão teórica do termo “cultura”. A partir desse esforço, ele compreende que
as transformações em torno das utilizações e dos significados deste termo não
derivam apenas da produção cultural, da indústria e da tecnologia. Eles surgem de
transformações ocorridas no âmbito do processo histórico, que por sua vez acomete
em transformações também ocorridas nos termos indústria, classe e democracia e
arte. Nesse sentido, “indústria”, “democracia”, “arte”, “classe”, e “cultura” acabam
formando um sistema de referência.

É a partir deste raciocínio, e no modo como estas palavras vão impactar na


transformação social, é que Williams chega à interpretação que consiste no
entendimento da cultura como “modo integral de vida”. “Modo de vida” não implica
apenas a forma de morar, a maneira de vestir ou de aproveitar o lazer; implica

19
sobretudo, em formas de conceber a natureza da relação social” (GOMES, 2004, p.
128). Se cultura então é modo de vida, e não artefato ou conhecimento refinado, a
cultura popular e os modos de expressão da classe trabalhadora se legitimam, em
contraponto às ideias de massificação, manipulação das massas e de “cultura sem
classe”6. A proposta de Williams é a que formula, de forma mais explícita, a
premissa central dos Estudos Culturais: a de que a cultura não pode ser pensada fora
das relações com a sociedade.

Não é nosso objetivo ir a fundo nestas obras consideradas seminais, até porque
existem outros temas e perspectivas que orientam as questões no âmbito dos Estudos
Culturais na contemporaneidade. No entanto, entendemos que elas localizam
questões importantes para a compreensão desta proposta teórica e suas contribuições
para o campo da comunicação.

Embora a criação do CCCS tenha proporcionado um eixo institucional, é preciso


salientar que os Estudos Culturais se organizam enquanto proposta teórica, e não
como disciplina, capaz de acolher objetos das mais distintas naturezas, e valendo-se
da interdisciplinaridade. O seu caráter mais inovador, no entanto, é o esforço em
pensar a cultura a partir de um outro lugar, como fruto de um processo inevitável
com a vida material, e não como artefato ou como um saber estático, representativo
do refinamento e da erudição.

[...] temos, antes de tudo, de assumir que o que usualmente chamamos de


Estudos Culturais é caracterizado por um certo modo de olhar (ou de abordar) os
fenômenos sociais. Essa visada singular parte de uma concepção específica de
cultura, que é vista como um espaço, ao mesmo tempo, antropológico e
sociológico, um lugar caracterizado por diálogos, disputas e tensões;
caracterizado por relações de poder (hegemonias) e suas contrapartidas contra-
hegemônicas. (GOMES E JANOTTI JR, 2011, p. 7)

Importante reforçar que este interesse nas transformações associadas à classe


operária estavam diretamente associadas a um contexto social, econômico, político e
cultural específico, que motivavam os primeiros objetos - a primeira vista, amplos e
complexos demais para uma proposta teórica - dos Estudos Culturais. Mas, de forma
geral, devemos ter em mente que pelo menos esta origem britânica estava orientada a

6
Tais ideias circulavam entre as principais correntes teóricas e investigativas da comunicação,
apoiadas sob a perspectiva do modelo matemático da comunicação, que previa uma relação pontual e
unilateral entre meio e receptor. No contexto de surgimento dos EC, a Teoria Funcionalista e a Teoria
Crítica (Escola de Frankfurt) se colocavam em disputa direta em relação ao que propunha os Estudos
Culturais, por se interessarem mais fortemente pelo lado do emissor e seus efeitos sobre a audiência,
encarada como massa.

20
partir de uma dupla agenda: a constituição de um novo projeto político e de um novo
campo de estudos (ESCOSTEGUY, 2001). No campo da política, vincula-se o
esforço destes pesquisadores de pensar novos rumos para a política cultural,
influenciados por vários movimentos sociais surgidos na época, bem como de pensar
criticamente o Marxismo. Do ponto de vista teórico, a própria criação do CCCS
marca a insatisfação destes pesquisadores com os caminhos trilhados por algumas
disciplinas e os limites impostos por elas, que não davam conta de pensar questões
cruciais para eles naquele momento.

Considerado como um dos seus fundadores, Stuart Hall (2003) define os Estudos
Culturais como uma “formação discursiva”7. Isso significa que, mais do que
afinidade textual ou discursiva, o projeto tem como essência o estabelecimento da
tensão e o posicionamento político. Para Hall, de forma inevitável, pensar de acordo
com os Estudos Culturais significa: a) recusar-se a um projeto fechado, e ao mesmo
tempo, reivindicar uma tomada de posições e defesa de interesses; b) Acolher o que
ele chama de “mundanidade” das questões, ou seja, realizar o necessário exercício de
“sujar-se” - identificar as viradas, as conjunturas teóricas que contribuem para a
formação dos EC.

Seja no contexto britânico, seja no americano, os estudos culturais têm chamado


a atenção não apenas devido ao seu desenvolvimento interno teórico por vezes
estonteante, mas por manter questões políticas e teóricas numa tensão não
resolvida e permanente. Os estudos culturais permitem que essas questões se
irritem, se perturbem e se incomodem reciprocamente, sem insistir numa
clausura teórica final (HALL, 2003, PP. 212/213).

Dentro da multiplicidade de questionamentos que instigavam as pesquisas iniciais


dos Estudos Culturais, a maioria acabou se concentrando nas questões relacionadas à
cultura popular, aos meios de comunicação de massa e logo depois, às identidades -
sexuais, de classe, de gênero, etc. (ESCOSTEGUY, 2001). Em relação aos meios de
comunicação, campo que nos interessa aqui, a proposta dos Estudos Culturais se
vincula diretamente aos Estudos da Recepção, que concentrava os esforços para
superar a concepção Behaviorista8 da comunicação, que considera o esquema
“estímulo-resposta” para entender a relação entre os meios e o público.

7
Hall refere-se ao conceito de formação discursiva nos termos de Michel Foucault (2009). Vamos
explorar esse conceito mais adiante, na proposta metodológica.
8
O modelo Behaviorista da Comunicação se apoia na perspectiva da psicologia behaviorista, que
defende a ideia de que os comportamentos humanos podem ser descritos em termos de estímulo e
resposta. Esta perspectiva portanto entende o fenômeno comunicacional a partir de uma relação

21
Se a cultura não pode ser pensada fora das suas relações com a sociedade, os
processos simbólicos de produção da cultura (popular, massiva) estão diretamente
imbricados nas práticas institucionais e sociais. Assim, não faz sentido compreender
a audiência como uma massa passiva, nem as mensagens transmitidas pelo meio
como absolutamente transparentes. Para os Estudos Culturais, os meios de
comunicação atuam como “forças sociais e políticas amplas e difusas cuja influência
é quase sempre indireta, sutil e mesmo imperceptível” (GOMES, 2004, p. 228).
Segundo Itania Gomes (2004), as pesquisas vinculadas aos propósitos dos Estudos
Culturais tinham um objetivo claro de contribuir com o campo da comunicação a
partir de um modelo teórico que considerasse de forma central as culturas e as
práticas comunicativas, o que daria conta da investigação sobre os processos de
constituição do massivo a partir de transformações na cultura.

Voltamos então à formulação de Williams (1958;1968) que coloca a cultura como


eixo central para então chegarmos à comunicação. Para este autor, se cultura é modo
de vida, logo a cultura seria o terreno onde se desenvolvem as desigualdades e as
resistências; é onde se localiza a disputa pela hegemonia. Enquanto projeto político,
interessa aos Estudos Culturais viabilizar uma nova hegemonia (desestabilizar a
estrutura dominante), e a via para isso era concentrar as análises em torno da cultura
e suas transformações, e também nos estudos da linguagem e da ideologia - a partir
do papel do intelectual nesse projeto. É por esse viés que os Estudos Culturais se
aproximam então da perspectiva do receptor.

[...] no início, o interesse estava em compreender como os “textos” da cultura


representavam a ideologia dominante, mas posteriormente isso já não foi
suficiente e os Estudos Culturais votaram-se para o modo concreto como os
sujeitos empíricos negociavam os sentidos ideológicos das mensagens e
resistiam aos seus apelos. A noção de que a ideologia é um verdadeiro lugar de
luta, a atribuição de poder aos sujeitos e grupos para intervir nos sistemas
políticos e significantes e o entendimento dos media como lugar de construção
da hegemonia vão justificar o surgimento daquilo que se denominou “estudos da
recepção” dos media. (GOMES, 2004, p. 229)

De forma arrojada, os Estudos Culturais buscavam preencher as lacunas deixadas


pelas pesquisas em comunicação com viés mecanicista ou interessadas apenas no
potencial textual das mensagens, oferecendo uma proposta que articulasse texto e
contexto. Ou seja, trazer à tona as questões no âmbito da etnografia e dos estudos de

unidirecional, em que o emissor envia o estímulo e o receptor responde pelo efeito. Ver mais em
Gomes (2004).

22
linguagem9 para entender como os meios de comunicação atuam no seio cultural.
Um dos textos que apresentou esse método de forma mais impactante entre estas
pesquisas foi o Codificação e Decodificação, de Stuart Hall, cuja primeira versão foi
publicada em 1973 (ESCOSTEGUY, 2001; ROCHA, 2011).

Trazendo mais especificamente a questão dos produtos televisivos, Hall propõe nesse
texto pensar o processo de comunicação a partir de articulação de momentos
distintos, mas interligados: produção, circulação, distribuição, consumo, reprodução.
O momento da produção e circulação é para Hall um momento privilegiado do
processo. É nesse ponto em que se evidencia a codificação da mensagem, que depois
seria decodificada nos processos de consumo e reprodução.

Com esta abordagem, Hall afasta qualquer possibilidade de compreensão do media a


partir de um circuito linear, com demasiada atenção na troca de mensagens. Nesse
sentido, tais pesquisas, ainda que predominantes, não davam conta dos diferentes
momentos que caracterizam esse processo denominado por ele de “complexa
estrutura em dominância”. Para Hall, é preciso mostrar a especificidade das formas
pelas quais o produto do processo comunicativo passa, colocando uma distinção
entre o processo discursivo e os demais processos existentes na sociedade e nos
meios de comunicação. Segundo Sovik (2011),

Codificar/Decodificar funcionou tanto como caixa de ferramentas quanto como


gerador de pesquisa: estudiosos partiram do texto, pensaram junto com ele e
fizeram novos lances que estenderam o seu alcance, talvez nem sempre em
direções que o autor almejava, para analisar as posições de audiência entre
hegemônicas e contestatórias e os sentidos “dominantes” e “preferidos” de
programas de televisão. (SOVIK, 2011, pg. 50)

A partir da década de 70, as pesquisas em torno da atividade do receptor são


impulsionadas no campo da Comunicação e o ensaio de Stuart Hall funcionou como
uma mola propulsora destes estudos. Diferentes propostas, de âmbito teórico e
metodológico, surgiram para explicar a relação entre meios e receptores. Gomes
(2004) oferece-nos uma abordagem que organiza em duas grandes tradições 10 - a

9
Rocha (2011) identifica que o trunfo metodológico dos Estudos Culturais na pesquisa em
comunicação está na articulação de duas estratégias metodológicas; uma, derivativa das influências da
semiótica e do estruturalismo; e outra, a partir dos estudos etonográficos.
10
Esta abordagem se coloca assumidamente como uma proposta alternativa à oferecida pelos autores
Klaus Bruhn Jensen e Karl Erik Rosengren na obra Five traditions in search of the audience (1990).
Neste trabalho, os autores entendem que cinco tradições de investigação que se dedicam à articulação
dos media com o público receptor: as investigações sobre os efeitos; sobre os usos e gratificações; as
de enfoque culturalista; as análises de recepção, e a análise literária. Estes autores portanto,

23
saber, os Estudos dos Efeitos e os Estudos da Recepção - as correntes de investigação
que se preocupavam com as relações entre os media e a audiência considerando a
figura do receptor.

Para a autora, as pesquisas que se concentram na medição dos efeitos produzidos


pelos media nas audiências, a fim de classificar a sua intensidade como mínimos ou
máximos são entendidos como Estudos dos Efeitos. “Em geral, pode-se dizer que tais
estudos são guiados pela pergunta: o que os meios de comunicação fazem às
pessoas?” (GOMES, 2004, p. 15).

Já os Estudos da Recepção se referem às pesquisas que se preocupam essencialmente


com a relação estabelecida entre meio e audiência, entendendo que a atividade do
receptor nesse processo não deriva de um efeito de um sobre o outro, nem é fruto de
uma relação passiva entre meio e audiência. Esta compreensão estaria fortemente
associada à proposta téorico-metodológica dos Estudos Culturais, e se configura,
para a autora, como a perspectiva mais promissora entre os estudos que voltam
atenção para a atividade do receptor, pelo esforço de compreender as práticas,
experiências da cultura contemporânea a partir da relação com os media.

Queremos chegar ao ponto de que, embora haja distintas percepções sobre a


atividade do receptor e as relações que eles estabelecem com os media, essa “virada”
de atenção de um eixo do processo comunicativo (emissor) para o outro (receptor)
significa, nos termos de Jesús Martín-Barbero (1995), que descobrimos um “lugar
novo, de onde devemos repensar os estudos e a pesquisa em comunicação”
(MARTÍN-BARBERO, 1995, p. 39).

Jesus Martín-Barbero, autor de valiosa importância para os Estudos Culturais e para


a comunicação, entende que os estudos de Recepção, especialmente na América
Latina, fizeram com que questões complexas envolvendo cultura e sociedade sejam
incorporadas no entendimento do processo de comunicação e da constituição dos
produtos da comunicação massiva.

Agora é possível colocar outros problemas. Não por vontade dos investigadores,
e dos estudiosos, mas pela busca em nossa investigação do que a sociedade, as

reconhecidos inclusive como criadores da expressão “Análise da Recepção”, estabelecem uma


distinção entre os estudos da recepção e as pesquisas de enfoque culturalista - onde estariam os
Estudos Culturais. Para Gomes (2003), esta distinção não faz sentido pois o método das análises de
recepção seria essencialmente inspirado na proposta teórico-metodológica dos Estudos Culturais.

24
nossas culturas e a nossa história criaram, e que nós não estamos vendo
(MARTÍN-BARBERO, 1995, p. 42).

Para Martín-Barbero (2009), os meios de comunicação massiva são constitutivos da


cena social e configuram-se, dentro do cenário contemporâneo, como uma
“complexa trama de mediações” que articula comunicação, política e cultura.
Mediação - para o autor e para o modo como entendemos aqui - não significa apenas
algo que parte do meio, mas algo que é convocado pela obra, a partir de sua
complexa relação com uma série de instâncias e situações contextuais. Nestes
termos, torna-se inviável a perspectiva o modelo matemático da comunicação e
demais concepções instrumentais, que colocam os meios como reprodutores de uma
informação ou representativos de uma realidade.

É nestes termos então que acolhemos a perspectiva dos Estudos Culturais e suas
contribuições para as pesquisas em comunicação. Como vimos, esta tradição entende
que “a análise dos processos comunicativos não tem por objetivo compreender o
funcionamento dos media em si mesmos e para si mesmos, mas compreender o
funcionamento dos media na sua vinculação com cultura, sociedade e relações de
poder” (GOMES, 2010, p. 8).

Escolhemos a televisão como o lugar para operacionalizar estes pressupostos, na


pretensão de pensa-la enquanto prática cotidiana e seus produtos a partir de uma
relação articulada entre o texto e o contexto - suas possibilidades técnicas e
estratégias de construção, e também, as transformações nos cenários social, cultural,
econômico, e político.

1.1.2 A televisão e o jornalismo como objeto da análise cultural

Raymond Williams também se detém à questão específica da televisão em


Television: technology and cultural form (1974), livro em que amadurece as questões
sobre este meio tratadas anteriormente por ele em outros dois trabalhos11. Para
Williams, a televisão é ao mesmo tempo uma tecnologia e uma forma cultural porque
historicamente, pois configurou-se a partir da complexa interação entre a tecnologia,
as instituições sociais e a cultura, tornando-se um “caso particular” entre os meios de
comunicação.

11
Culture and Society (1958) e The Long Revolution (1961)

25
A partir deste percurso histórico Williams analisa o desenvolvimento da televisão,
suas formas e os efeitos afim de oferecer uma compreensão que não fosse nem
determinista nem sintomática. Uma das formas pelas quais a televisão teria
constituído esse seu lugar de distinção é através do seu modo peculiar de
organização, denominado por Williams de fluxo - série de unidades sincronizadas e
difundidas em sequência distinta. A partir dessa forma - fragmentada e ao mesmo
tempo, sincrônica e fluida - que a televisão organiza seus conteúdos e formas (ou
gêneros), que por sua vez, se configuram como práticas e produzem sentido. É a
ideia de fluxo, para Williams, que melhor explica a complexa experiência televisiva.

Seria como tratar de ver a experiência de duas peças de teatro, de ter lido três
jornais e três ou quatro revistas no mesmo dia em que um assistiu a um
espetáculo de variedades, a uma conferência e a uma partida de futebol. E no
entanto, em outros sentidos, não se parece em nada a esta última experiência
porque, ainda que as unidades possam ser variadas, a experiência televisiva as
unifica de modo significativo (WILLIAMS, 2011 [1974], p. 126)

A complexidade do meio televisivo, como produto e como elemento da cena social,


também é indicada por Jesus Martín-Barbero (1995; 2002; 2009). Para o autor, é ela
quem melhor representa as sínteses e transformações provocadas pela cultura do
massivo, a partir de sua capacidade única de concentrar importantes transformações
da tecnologia e dos comportamentos.

Entre as pesquisas de recepção, o meio televisivo aos poucos foi se tornando um dos
objetos mais explorados. Segundo Rocha (2011), muitas dessas pesquisas oscilavam
entre a TV enquanto determinante do significado social, e os telespectador, enquanto
livres interpretantes das mensagens televisivas. O ensaio de Stuart Hall, como já
havíamos colocado, oferece um contraponto e torna-se um marco da análise
televisiva a partir da proposta dos Estudos Culturais.

O ensaio Codificação/Decodificação foi visto como um ponto de virada nos


Estudos Culturais ao introduzir a ideia de que os programas de televisão são
textos relativamente abertos, capazes de serem lidos de diferentes modos, por
diferentes pessoas. Hall também sugeriu que há uma correlação entre as
situações sociais das pessoas e os sentidos que elas podem gerar de um
programa. Ele assim postulou então uma possível tensão entre a estrutura do
texto, que sustenta a ideologia dominante, e as situações sociais da audiência.
(ROCHA, 2011, p. 179)

O estudo de David Morley e Charlotte Brundson sobre o programa Natiowide, da


rede inglesa BBB, é um exemplo pioneiro de pesquisa de da recepção no âmbito dos
Estudos Culturais. Em The “Nationwide” Audience (1980), os autores se apropriam

26
do esquema elaborado por Stuart Hall para entender as relações entre o programa e a
sua audiência12. Esta pesquisa foi importante não só para reforçar o paradigma
teórico-metodológico proposto pelos Estudos Culturais, mas para colocar a televisão
também como um meio central para articulação entre as questões sobre a recepção,
cultura e sociedade.

É justamente naquela década que uma vertente latino-americana dos Estudos


Culturais ganha fôlego, a partir de pesquisadores como Martín-Barbero, Nestor
Garcia Canclini e Guillermo Orozco. Uma das preocupações era compreender de que
forma os meios de comunicação massiva interagiam com a cultura popular e
participam ativamente dos processos de modernização destas sociedades, e nessa
perspectiva que a televisão adquire atenção.

Para Martín-Barbero, a hegemonia da televisão – aliada à pluralização do radio –


funcionou como um “motor de desenvolvimento” para as sociedades modernas.
Assim, constitui-se como um importante desafio aos estudos da comunicação, que
devem se empenhar para compreender as formas pelas quais esse meio articula
modernidades e anacronias - esta, que se manifestam a partir da exploração, nos seus
produtos, de narrativas e dispositivos de reconhecimento ancestrais (MARTÍN-
BARBERO, 2002; 2009).

Pois nos encante ou nos dê asco, a televisão constitui-se hoje ao mesmo tempo
como o mais sofisticado dispositivo de modelamento e deformação da
cotidianidade e dos gostos dos setores populares, e uma das mediações históricas
mais expressivas de matrizes narrativas, gestuais e cenográficos do mundo
cultural popular (...). (MARTÍN-BARBERO, 2002, p. 25).

No Brasil, diversos autores tem se dedicado às pesquisas sobre televisão no Brasil.


Especialmente a partir da década de 80, quando a televisão celebra o cinquentenário
de sua existência em muitos países, o interesse por este meio no campo da
comunicação cresce, sobretudo enfatizando os seus aspectos históricos (FREIRE
FILHO, 2004). No entanto, boa parte dessas ainda tem eixo em abordagens
generalizantes, voltadas a uma perspectiva institucional, sociológica ou econômica,
ignorando as suas especificidades e a de seus produtos, e a sua dimensão enquanto
fenômeno cultural (GOMES 2007; FREIRE FILHO, 2004).

12
Ver mais em Hall (2003) e Gomes (2004) sobre este trabalho e outras pesquisas que se atém ao
produto televisivo para investigação do processo receptivo, a partir dos pressupostos dos Estudos
Culturais.

27
Reconhecemos esta como uma lacuna preocupante dentro das pesquisas em
comunicação, uma vez que em muitas delas, não se questiona o valor e a importância
cultural que a televisão assume no país. Em 60 anos de história, segundo Arlindo
Machado (2005), a televisão mostra que possui “[...] um repertório suficientemente
denso e amplo para que se possa incluí-la sem esforço entre os fenômenos culturais
mais importantes do nosso tempo” (MACHADO, 2005, p. 15). Para o sociólogo
Renato Ortiz (1988), o desenvolvimento da televisão (que ele localiza no período da
década de 60) é o processo que melhor identifica a própria consolidação da indústria
cultural no Brasil, caracterizando-se assim como um mercado de produção de bens
simbólicos de caráter transformador. Para Ribeiro, Roxo e Sacramento (2010),

Ao longo de sua existência, foi-se firmando como mídia de maior impacto na


sociedade brasileira. Ela é a principal opção de entretenimento e de informação
da grande maioria da população do país. Para muitos, é a única. Suas imagens
pontuam - e mobilizam em muitas formas - a vida e as ações de milhares de
pessoas. A televisão faz parte, enfim, da vida nacional. Ela está presente na
estruturação da política, da economia e da cultura brasileiras. (RIBEIRO, ROXO
E SACRAMENTO, 2010, p. 7).

O Grupo de Pesquisa em Análise de Telejornalismo tem se dedicado há doze anos ao


estudo da televisão, a partir da construção de metodologias e produção científica que
considere as relações entre comunicação, cultura, política e sociedade, tendo como
objeto empírico os programas jornalísticos (GOMES, 2010, p. 9).

O esforço dos trabalhos ali produzidos se direciona no preenchimento de uma lacuna,


a de encarar televisão e jornalismo a partir da perspectiva cultural. Assim, seguimos
a premissa de que o telejornal é uma forma cultural e uma instituição social, nos
termos de Raymond Williams (1969; 1974)13. Ou seja, o jornalismo e a televisão se
configuram no terreno da cultura.

Reconhecer o jornalismo enquanto forma cultural significa admitir que se trata de


uma prática social construída historicamente e em determinada situação contextual,
para além das formas e valores que tornam esta prática uma instituição socialmente
reconhecida.

Como tal, as práticas jornalísticas e, consequentemente, suas respectivas formas,


embora possam pretender apenas descrever fatos, são constituídas dentro de um

13
Como explicamos no tópico anterior, Williams entende a televisão como uma tecnologia e uma
forma cultural e explicita isso em Television (1974). O seu entendimento em relação ao jornalismo
como instituição social ele explicita em Marxismo e Literatura (1971), quando afirma que os meios de
comunicação atuam como uma das instituições formadoras da cultura.

28
referencial de sentidos, ideias, definições e pressupostos que circulam numa
determinada estrutura sociocultural e política particular [...] (ESCOSTEGUY,
2012, p. 26).

Segundo Gomes (2007), assumir o jornalismo enquanto uma construção implica uma
contextualização profunda, que nos mostrará que ele configura-se de certo modo nas
sociedades ocidentais contemporâneas. Ou seja, se estamos falando do Brasil,
devemos considerar elementos que conformam e atualizam as práticas profissionais e
os produtos jornalísticos neste país, como por exemplo a influência do jornalismo
norte-americano, a noção de quarto poder, a relação com o público e o privado,
relação com valores como interesse público, vigilância e credibilidade, entre outros.
Isso sob o entendimento de que “(...) é da ordem da cultura e não da natureza do
telejornalismo ter se desenvolvido desse modo em sociedades especificas” (GOMES,
2007, p. 5).

Propomos, através deste trabalho, contribuir com as pesquisas que tem esse
referencial teórico-metodológico a partir dos gêneros televisivos. Para Gomes (2002;
2010) os gêneros funcionam como um local estratégico de articulação entre a
proposta dos Estudos Culturais e a dos Estudos de Linguagem para a compreensão de
produtos televisivos. Nestes termos, entendemos o gênero como uma chave
importante para analisar texto, contexto e o processo receptivo. É a partir deste
conceito que escolhemos analisar o produto televisivo, seguindo as premissas de que
importam as suas implicações textuais, mas também as suas regularidades, suas
rupturas e seus distintos modos de configurar culturalmente o reconhecimento.

1.2 - Proposta analítica

O Grupo de Pesquisa em Análise de Telejornalismo (POSCOM/UFBA) construiu


uma metodologia de análise de telejornalismo que consiste na análise destes
programas a partir da articulação entre os conceitos de gênero televisivo, estrutura de
sentimento e modo de endereçamento para que possamos dar conta tanto das
especificidades do produto televisivo, quanto de sua construção em determinado
contexto.

O conceito de gênero habilitava-nos a reconhecer que determinadas formas


televisivas constituem-se a partir de regularidades e especificidades configuradas
historicamente. O conceito de Estrutura de Sentimento, conceito formulado por
Raymond Williams, pede a nossa atenção ao processo histórico, de modo a detectar
29
as rupturas e continuidades do processo o qual observamos. Já modo de
endereçamento, que apreendemos a partir da interpretação feita pela análise fílmica,
ajuda-nos a captar de que forma o programa constrói um estilo que configura o seu
modo específico de se direcionar à audiência, utilizando operadores específicos.

As análises realizadas neste contexto revelaram a viabilidade deste método e


identificaram, de forma geral, modos contemporâneos em que as articulações entre
jornalismo, sociedade e cultura se mostram mais evidentes: a) nos programas que
articulam informação e entretenimento; b) nos programas jornalísticos populares,
cada vez mais presentes na programação (GOMES, 2010)14.

Estes trabalhos revelaram ainda que o conceito de gênero televisivo possui um


importante potencial para seguir na compreensão dos programas televisivos
contemporâneos. O desafio atual dos trabalhos desenvolvidos no âmbito do Grupo de
Pesquisa então tem sido em torno do amadurecimento dessa metodologia, colocando
o conceito do gênero em relevância e assumindo-o como uma categoria cultural.
Dessa forma, assumimos a importância do gênero como um lugar de onde podemos
olhar a totalidade do processo comunicativo, porque funciona como “lugar de
fronteira” entre as especificidades do meio e os códigos textuais.

Nosso esforço será o de explicar como gêneros operam em contextos culturais


específicos, como práticas da produção e da audiência constituem gêneros, como
a materialidade das obras, suas marcas expressivas e poéticas configuram
regularidades e reconhecimento social [...] (GOMES, 2010, p. 41).

Em termos metodológicos, a abordagem do gênero enquanto categoria cultural


pressupõe o acolhimento às propostas formuladas por Jesús Martín-Barbero e Jason
Mittell em relação a esse conceito. O primeiro autor entende o gênero como uma
estratégia de comunicabilidade que por sua vez, é ativada a partir de um complexo
processo cultural que envolve lógicas de produção e de leituras. Jason Mittell
entende o gênero enquanto uma categoria que se forma cultural e discursivamente a
partir da indústria, da recepção, da academia e da crítica televisiva. Ambos os autores
buscam entender o gênero televisivo considerando a totalidade do processo
comunicativo em que ele está inserido.

14
Ver mais em Gomes (2010) sobre os resultados trazidos pela aplicação desta metodologia nos
trabalhos desenvolvidos pelo Grupo de Pesquisa em Análise de Telejornalismo e seus resultados.

30
Especificamente no nosso trabalho, esta centralidade do gênero é de fundamental
importância, pois buscamos compreender de que forma os programas Brasil Urgente
e Cidade Alerta configuram marcas do subgênero programa jornalístico policial15,
defendendo que esta referência genérica se constrói historicamente no Brasil a partir
de uma articulação entre as experiências dos programas populares, dos telejornais, e
do gênero policial no cinema e na literatura. Tomando o contexto contemporâneo,
estes programas se articulam ainda às discussões em torno da violência e do papel da
instituição policial no país.

A dimensão que ganha o conceito de gênero televisivo neste nosso contexto de


análise não torna dispensáveis os demais conceitos utilizados pela metodologia de
análise de telejornalismo. Estrutura de sentimento e modo de endereçamento
continuam ajudando-nos a operacionalizar o gênero considerando o seu percurso
histórico e a sua materialidade no produto televisivo, respectivamente. A seguir,
explicamos quais os percursos que nos habilitam a pensar essa metodologia a partir
desta ênfase mais atual.

1.2.1 Gênero televisivo como categoria cultural

O conceito de gênero tem como matriz a Teoria Literária, que encerra os limites de
sua compreensão nos aspectos textuais da obra. Para a nossa perspectiva aqui, em
que consideramos o gênero operacionalizado a partir de produtos da indústria
cultural massiva, assumimos a proposição de gênero televisivo enquanto gênero
midiático16. Isso por que:

15
Silva (2005) destaca que no esforço inicial pela consolidação da Metodologia, o Grupo de Pesquisa
opta por dividir o conteúdo televisivo em programas de auditório, programas jornalísticos, ficção
seriada, publicidade e realities shows. Telejornais e programas temáticos (como o policial)
funcionariam como subgêneros dos programas jornalísticos. No trabalho de Duarte (2007), que no
mesmo contexto de aplicação desta metodologia analisa os programas Brasil Urgente e o Cidade
Alerta entende estes conteúdos como programas jornalísticos temáticos, do âmbito policial,
reconhecimento que adotamos aqui pelo esforço de análise já empregado, sob os mesmos referenciais
adotados aqui.
16
Na Metodologia de Análise de Telejornalismo, tomamos como referencial o entendimento dos
programas como gênero midiático e a notícia como um gênero discursivo, este ultimo a partir de
Klaus Bruhn Jensen, conforme ele aborda no livro Making sense of the news (1986). Este autor
entende que é preciso considerar três aspectos para compreensão da notícia sob a perspectiva
discursiva - a posição (forma de abordagem e apresentação dos conteúdos. qualquer texto é sempre
uma comunicação socialmente situada); o assunto adequado (grande variação. um dos principais
mecanismos de controle de produção de sentido); e o seu modo de composição formal. É a partir dessa
abordagem que ele propõe estrutura um modelo de análise de recepção televisiva, inspirador do
conceito de modo de endereçamento tal como o Grupo de Pesquisa em Análise de Telejornalismo se
apropia. Ver mais em Gomes (2004; 2007).

31
[...] se por um lado a noção de gênero remete à ideia de um modelo textual,
paradigma de determinadas expressões discursivas, por outro, não se pode deixar
de lado o papel que os aspectos materiais dos diversos mídias ocupam na própria
denominação de gênero no campo comunicacional. Só para citar um exemplo,
seria difícil manter a noção de gênero jornalístico independentemente das
especificidades de um veículo impresso, radiofônico, televisivo ou digital.
(JANOTTI JÚNIOR, 2005. PP. 1/2)

Sabemos que boa parte das análises dos produtos midiáticos no âmbito da
Comunicação se apoiam na perspectiva literária, a fim de proporcionar modelos
taxionômicos que demonstrem os limites dos seus modos de fazer, ou melhor, suas
fórmulas. Entendemos no entanto, que esta perspectiva isenta aspectos aqui cruciais
para a abordagem cultural que pretendemos. Conforme Gutmann (2012), esta
abordagem de raiz estruturalista, ao concentrar demasiada atenção no texto, “deixa
de fora articulações com contextos culturais, sociais e políticos, impedindo avaliação
de marcas de transformação e rupturas no diálogo com marcas de institucionalização
dos gêneros” (GUTMANN, 2012, p. 202).

Assim, optamos por um entendimento dos gêneros em seu aspecto comunicacional


que dê conta da relação entre os produtos e suas audiências ambientadas, tomando
em relevância a perspectiva do fenômeno midiático (JANOTTI JR., 2005).
Assumimos portanto, a premissa de que o gênero opera estrategicamente de forma
interativa entre as instâncias da produção e da recepção.

Raymond Williams (1979), embora estivesse restrito à produção literária, manifestou


uma abordagem dos gêneros neste sentido. No método de análise cultural que ele
formula, a discussão sobre os gêneros deve partir do reconhecimento sobre as
relações sociais e históricas entre as formas literárias e as sociedades em
temporalidades específicas, e das continuidades que estas formas exercem através e
além das sociedades.

Interessados nesta perspectiva, de analisar os gêneros como uma instância que nos
coloque frente aos aspectos televisivos imbricados ao processo comunicativo como
um todo é que acompanhamos a proposta de Itania Gomes (2010). A ideia é articular
uma análise de gênero encarando-o como uma categoria cultural, a partir da
articulação das abordagens de Jason Mittell e Jesús Martín-Barbero.

Para Jason Mittell os formatos televisivos se configuram de forma complexa, de


modo que os gêneros literário e fílmico não dão conta de explicar as suas práticas

32
específicas de indústria e de audiência. Ele entende portanto que os gêneros
televisivos são categorias que se formam culturalmente e para compreendê-los, é
necessário recorrer ao seu percurso histórico e olhar como circulam as práticas
discursivas de interpretação, avaliação e definição sobre eles.

No artigo A cultural approach to television genre (2001), em que discute pela


primeira vez efetivamente a questão dos gêneros televisivos, Mittell afirma que uma
abordagem cultural dos gêneros deve partir de cinco princípios: compreender os
gêneros como uma prática cultural; situá-los em amplos sistemas de hierarquias
culturais e relações de poder; escrever as histórias dos gêneros a partir de genealogias
discursivas; considerar os atributos específicos do meio; negociar com as
especificidades e generalidade dos gêneros.

Estes cinco princípios tem como fundamento a noção de formação discursiva em


Michel Foucault (2009). O discurso em Foucault é sempre a articulação de uma
representação, mas a partir das relações de poder e numa perspectiva coletiva. Nesse
sentido, as formações discursivas são conjuntos de enunciados em torno de uma
questão, conceito ou objeto especifico. As regras de formação são condições de
existência - e também de coexistência, de manutenção, de modificação e de
desaparecimento - em uma dada repartição discursiva.

Por sistema de formação é preciso, pois, compreender um feixe complexo de


relações que funcionam como regra: ele prescreve o que deve ser correlacionado
em uma prática discursiva, para que esta se refira a tal ou qual objeto, para que
empregue tal ou qual enunciação, para que utiliza tal ou qual conceito, para que
organize tal ou qual estratégia. Definir em sua individualidade singular um
sistema de formação é, assim, caracterizar um discurso ou um grupo de
enunciados pela regularidade de uma prática (FOUCAULT, 2009, p. 83)

Mittell se aproxima do raciocínio de Foucault para argumentar que os gêneros se


formam a partir de sistemas históricos específicos relacionados a amplos sistemas de
poder. Em termos práticos, os gêneros para Mittell então são ativados culturalmente
a partir dos discursos que circulam na indústria televisiva, na recepção, na crítica e
na academia, e emergem a partir das relações estabelecidas por esses textos. Para
analisar estas formações discursivas genéricas, são necessários três tipos de trabalho:
“definição (por exemplo, "este espetáculo é uma comédia porque tem uma trilha de
riso"); interpretação ("sitcoms refletem e reforçam o status quo"); e avaliação
("sitcoms são melhores no entretenimento do que novelas")” (MITTELL, 2001, p. 8).

33
Neste trabalho, Mittell conclui que a partir deste raciocínio, os gêneros funcionam
como uma “estabilidade em fluxo”, ou seja, criam códigos e padrões mas não como
uma estrutura fixa, que nasce de uma geração especifica. O gênero está sujeito a
rupturas que acontecem no âmbito cultural.

No livro Genre and Television (2004), Mittel operacionaliza a sua proposta


metodológica a partir das análises de produtos representante dos gêneros Quiz Show,
Cartoons, Talk Show, Policial, e ainda, o que seria um exemplar de um gênero misto
na produção norte-americana. Nestas análises ele demonstra, a partir dos produtos
escolhidos, como o objeto se configura pela formação do gênero.

Neste trabalho, ele amadurece os argumentos apresentados no trabalho anterior e


assume a proposição de que os gêneros devem ser encarados como categorias
culturais, assumindo como uma abordagem alternativa aos paradigmas tradicionais
da pesquisa em comunicação que se atém aos gêneros no meio televisivo. Esta
abordagem, no entanto, de modo algum prescinde do texto. É um elemento
importante, mas é preciso analisa-lo em contexto. “Os textos funcionam como locais
de articulação, em que certos pressupostos culturais de definição, interpretação e
avaliação são ligados a grandes categorias genéricas, em um processo dinâmico”
(MITTEL, 2004, p. 124, tradução nossa, grifo do autor)17.

A partir da articulação com Foucault, Mittell propõe uma metodologia conforme os


objetivos dos Estudos Culturais, ou seja, que parte do esforço de articular a
abordagem cultural com a dos estudos da linguagem. Chamar a atenção para os
discursos e as relações de poder, na sua proposta, não significa mostrar suas
intencionalidades, mas sim “explorar correlações, posições, funcionamentos,
transformações, regularidades”. (GOMES, 2010, p. 20). Esta preocupação com o
processo histórico cultural, que se efetiva na sua ideia de gênero como “estabilidade
em fluxo”, mostra que Mittel evidencia um aspecto bastante caro à analise do
processo cultural, que é o de não perder de vista as rupturas e continuidades que
marcam determinado objeto.

17
Do original: “Texts works as a sites of articulations, in wich certain cultural assumptions of
definition, interpretations and evaluation are linked to larger generic categories in a dynamics
process”.

34
Jesús Martín-Barbero é outro autor que igualmente acolhe a perspectiva cultural em
relação aos gêneros midiáticos. Para ele o gênero é um local por onde podemos
melhor compreender a dinâmica cultural da televisão. Esta dinâmica - que é
complexa porque é a televisão quem está no centro das transformações sociais e
tecnológicas da contemporaneidade - se organiza, segundo o autor, a partir de três
mediações - “lugares dos quais provêm as construções que delimitam e configuram a
materialidade social e a expressividade cultural da televisão (MARTÍN-BARBERO,
2009, p. 294). Seriam três as mediações televisivas: a cotidianidade familiar, a
temporalidade social e a competência cultural.

A cotidianidade familiar diz respeito aos modos como a televisão acessa de forma
mais direta a audiência, interpelando-a através da simulação do contato e da retórica
do direto. A temporalidade social diz respeito às estratégias de organização temporal
dos seus conteúdos, a partir da repetição e do fragmento. Já a competência cultural
se reporta aos modos possíveis de leitura e interação com este meio. O gênero se liga
diretamente a esta terceira mediação, porque pressupõe que o seu reconhecimento se
dá a partir de uma estratégia de leitura. “Enquanto as pessoas não encontram a chave
do gênero, não entendem o que está se passando na história” (MARTÍN-BARBERO,
1995, p. 64). Assim é que eles revelam-se como uma importante entrada para
compreendermos a dinâmica cultura televisiva.

Para Martín-Barbero (2009), o gênero importa também porque ele materializa a


relação entre as lógicas de produção e as lógicas dos usos. Ou seja, é a partir do
gênero que reconhecemos as regras que compõem os produtos e as formas pelas
quais se dá o seu reconhecimento cultural. “No sentido em que estamos trabalhando,
um gênero não é algo que ocorra no texto, mas sim pelo texto, pois é menos questão
de estrutura e combinatórias do que de competência” (MARTÍN-BARBERO, 2009,
p. 303). Dessa forma que o autor, inspirado nas proposições antes defendidas por um
grupo de pesquisadores italianos18, entende o gênero como uma estratégia de
comunicabilidade. É este sentido que revela a compreensão do autor, de que os
gêneros são capazes de revelar as competências comunicativas do produtor e do
receptor (GOMES, 2010).

18
Martín-Barbero faz a referência direta ao pesquisador Paolo Fabri.

35
No texto América Latina e os anos recentes: o estudo da recepção em comunicação
social (1995) ele argumenta que a abordagem da história cultural e social dos
gêneros é uma das quatro chaves conceituais fundamentais para os estudos da
recepção na América Latina - as demais seriam repensar o papel da vida cotidiana; a
apropriação dos produtos sociais (consumo); as relações com a estética e a semiótica
da leitura. Neste trabalho, ele reafirma que os gêneros não funcionam, nos media,
como propriedades do texto, mas sim “como estratégia de comunicação, ligada
profundamente aos vários universos culturais” (MARTÍN-BARBERO, 1995, pg. 64).
Não depende apenas das estratégias de escritura para se configurar, mas também das
estratégias de leitura a que serão submetidos.

O gênero é um estratagema da comunicação, completamente enraizado nas


diferentes culturas, por isso, geralmente, não podemos entender o sentido dos
gêneros senão em termos de sua relação com as transformações culturais na
história e com os movimentos sociais. (MARTÍN-BARBERO, 1995, p. 65)

A partir deste raciocínio, Martín-Barbero entende que os gêneros são os espaços


onde, no contexto da indústria cultural massiva, localizamos com melhor eficácia as
relações e os constrangimentos entre as lógicas de produção e as matrizes culturais.
Isso porque, numa dimensão histórica, eles são capazes de evidenciar não só as
formas regulares, mas também as rupturas, em formas engendradas pela osmose,
fusão, de práticas culturais e formatos de produção industrial.

Devemos salientar que o entendimento de Martín-Barbero em relação à televisão e o


funcionamento dos gêneros é fortemente associado a uma preocupação não só de
ênfase comunicacional, mas sobretudo cultural. Em Dos Meios às Mediações (1987
[2009])19 sobretudo, as suas reflexões em torno destes dois aspectos se dá de modo
ampliado, ao oferecer uma proposta de análise da Comunicação tomando a totalidade
do seu processo (GOMES, 2010). Pensando nesta totalidade e nas questões
contemporâneas envolvendo comunicação, cultura e política é que o autor propõe no
prefácio a uma versão mais recente desta obra, um mapa analítico que operacionaliza
as instâncias dos processos comunicativos e as mediações que eles convocam.

O Mapa das Mediações proposto por Martín-Barbero (2009) articula Matrizes


Culturais e Formatos Industriais a partir de um eixo Diacrônico (histórico e de longa
duração); Lógicas de Produção e Competências de Recepção se articulam

19
A primeira edição deste livro é datada de 1987 mas utilizamos neste trabalho apenas a edição
publicada em 2009. Portanto, todas as referências com este ano referem-se a esta obra.

36
diretamente a partir de um eixo Sincrônico (que se realizam ao mesmo tempo). Estes
quatro pontos se articulam através das mediações provocadas pela ritualidade,
tecnicidade, institucionalidade e socialidade. Essas mediações se tocam, interagem.
Percorrer o mapa significa entender como essas relações se constituem na articulação
total entre esses pontos.

Figura 1 - Mapa das Mediações. MARTÍN-BARBERO, 2009. Reconfigurado por OSELAME, Renato, 2013.

O eixo Diacrônico, que liga diretamente Matrizes e Formatos, remete à história da


articulação entre movimentos sociais e discursos públicos e destes com as formas
produtivas hegemônicas de organização da comunicação coletiva. Para exemplificar
essa relação, Martín-Barbero recorre ao gênero melodrama, que segundo o autor, se
constitui historicamente num referencial movediço, que articula elementos da ordem
do hegemônico e do subalterno e se traduz em formas distintas, que ao mesmo tempo
se entrelaçam por marcas especificas desse código genérico. Aqui, se articula
elementos residuais e inovadores, e também velhas e novas competências de leitura.

No lado esquerdo do Mapa, Matrizes, Lógicas de Produção e Competências e


Recepção são interligados pelas mudanças na socialidade e na institucionalidade. A
primeira, segundo Barbero, diz respeito aos modos como os homens simplesmente
existem em conjunto, e disso resultam também os modos como concebem a prática
comunicativa, e seus usos. Assim então, matrizes culturais “ativam e moldam” as

37
competências de recepção. Já institucionalidade diz respeito à regulação dos
discursos públicos. Aqui também há uma mediação forte pelo poder - da parte das
lógicas, de conformar e instituir ordem, e da parte das matrizes (onde estão os
cidadãos), de “fazer-se reconhecer, isto é, re-constituir permanentemente o social”
(MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 18). Pela socialidade, a comunicação é vista como
um fim - construção de sentido dentro da sociedade. Pela institucionalidade, torna-se
uma questão de meio, que hoje, mais do que construção de discursos públicos, se
concentra hegemonicamente em interesses privados, segundo Martín-Barbero.

No eixo superior do Mapa, vemos que Matrizes, Lógicas de Produção e Formatos


Industriais se tocam através da Institucionalidade, que já discutimos anteriormente, e
da Tecnicidade. Isso implica, para o autor, pensar em uma “tríplice indagação”: a
estrutura empresarial (dimensão, rotina e ideologia profissional), a sua competência
comunicativa (capacidade de interpelar o sujeito e organizar os discursos públicos) e
a sua competitividade tecnológica (usos da tecnicidade). A Tecnicidade diz respeito
mais aos “operadores perceptivos e destrezas discursivas” do que estritamente aos
aparatos. Significa falar também globalização e seu potencial global, e nas
convergências dos meios que provocam um novo status sensível -
TV/Telefone/Computador, que reconfiguram as relações dos discursos públicos
produzidos e dos relatos midiáticos (gêneros) com os Formatos Industriais e textos
virtuais.

No lado direito do mapa, vemos as articulações mediadas pelas tecnicidades e pela


ritualidade. Esta última representa, para Martín-Barbero, o nexo simbólico que
sustenta a comunicação: os hábitos e usos em torno dos meios, ancorados na
memória a nas possibilidades de ação e interação. Com os Formatos Industriais, a
ritualidade opera a partir de gramáticas de ação que regulam as nossas interações
com os meios e os conformam. Aqui negociam meio e receptores, entre sentido e
significação (O hábito, por exemplo, de ver novela à noite, Jornal Nacional às 20h,
etc.). Já com as Competências de Recepção, as ritualidades operam a partir das
múltiplas trajetórias de leitura possíveis - poder assistir Jornal Nacional ao meio dia,
por exemplo, pelo computador. Essas trajetórias têm a ver com condições sociais,
questões de classe ou gênero, convivência com a leitura oral ou audiovisual, etc.
Pensando pelo viés dos antropólogos e sociólogos, quando falamos de ritualidades
falamos também dos “modos de existência do simbólico”, ou seja, de como os ritos

38
acontecem na contemporaneidade, em que novas relações geram novas experiências
e ressacralizações.

A partir deste Mapa, Martín-Barbero não só atualiza as suas questões sobre


comunicação e os meios e seus papéis na contemporaneidade, mas também uma
questão fundamental para nós que é o do gênero. Percebemos que ele circula entre as
mediações, não mais apenas como uma estratégia, mas como uma gramática de
ação.

Em seu trabalho mais recente, Ofício de Cartógrafo (2002), Martín-Barbero resgata o


que já havia antecipado antes sobre o lugar dos gêneros na pesquisa de comunicação,
mas falando nas Gramáticas discursivas como locais em que podemos, de forma
criativa, vincular a análise e a crítica à produção.

Gramáticas que dão lugar a uma topografia de discursos movediça, e em


constante evolução que vem exigida não só pela revolução do capital e das
transformações tecnológicas como pelo movimento permanente das
intertextualidades que alimentam os diferentes gêneros nos diferentes meios
(MARTÍN-BARBERO, 2002, p. 234).

A nossa proposta de entendimento do gênero enquanto categorial cultural, a partir da


referência de Gomes (2010), pressupõe duas dimensões: a) colocar o gênero no
centro do mapa das mediações, e entende-lo no objeto empírico a partir das
articulações entre aquelas instâncias e mediações; b) considerar na sua análise, as
suas condições de definição, interpretação e avaliação, a partir dos discursos que
circulam do meio produtivo, da recepção, da academia e da crítica, conforme Jason
Mittell.

A articulação com o Mapa das Mediações aparece para nós como uma possibilidade
de analisar os nossos objetos empíricos - os programas jornalísticos televisivos com
temática policial - a partir de uma perspectiva mais ampla da comunicação. Já a
perspectiva de Mittell ajuda-nos a compreender de que forma eles circulam
culturalmente, considerando as relações de poder e os discursos que historicamente
participam da sua formação. As duas propostas habilitam-nos ainda a perceber
continuidades e rupturas, ou nas palavras de Jason Mittell, como os gêneros se
reproduzem, mudam, ou se extinguem. Esta articulação, portanto, permite-nos fazer
um duplo movimento: “compreender os gêneros em sua relação com as
transformações culturais, numa perspectiva histórica, e a enfrentar o desafio

39
metodológico implicado na ambição de adotar uma visão global e complexa do
processo comunicativo” (GOMES, 2010, p.40). Cabe a nós agora observar não a qual
gênero pertence o nosso objeto empírico, mas quais as suas condições de existência
que permitem o seu reconhecimento e a sua partilha - ou seja, como ele produz
sentido.

1.2.2 Estrutura de sentimento

De acordo com as nossas pretensões metodológicas neste trabalho, nos guiaremos


pela perspectiva de Gomes (2011) que considera este conceito, formulado por
Raymond Williams, como uma hipótese cultural, ou seja, como um modo de
entender as formas como distintas temporalidades coexistem no terreno da cultura, a
partir de elementos dominantes e residuais. Williams abordou mais fortemente esta
hipótese nas obras The Long Revolution (1961) e em Marxismo e Literatura (1979),
mas depois disso, ela não encontra mais tanta atenção em suas obras. Embora dê
conta de questões fundamentais para o pensamento do autor em relação aos Estudos
Culturais e à comunicação, ele se configura como um conceito “difícil”, de
aplicabilidade metodológica questionável (GOMES 2007; 2011), mas ainda assim,
bastante relevante para pensamos nossas questões sobre gênero, televisão e cultura.

De acordo com Gomes (2011), Estrutura de Sentimento representa o duplo esforço


do autor, presente em toda a sua obra intelectual, de operacionalizar conceitualmente
a sua compreensão da cultura como um modo inteiro de vida, e também o seu
posicionamento político de enfrentamento do capitalismo. Porque é a partir das
disputas tensionadas por esses elementos que podemos ter a mudança cultural, o
surgimento de novas hegemonias. Hegemonia, para Williams, é o processo que
define o cenário em que os limites e pressões são exercidas na cultura. Mas isso não
significa a sobreposição de uma ideologia sobre a outra. A hegemonia é um campo
de forças, em que as categorias do dominante, residual e emergente a todo tempo
estão em disputa.

O dominante refere-se às praticas, valores e significados partilhados de modo


predominante. Para se tornar uma formação hegemônica, o dominante precisa estar
em constante reprodução. Para efetuar esse processo, ele pode, estrategicamente,
apreender elementos da ordem do residual e do emergente. Em nossa sociedade
(ocidental), por exemplo, boa parte das ideias que se configuram enquanto

40
dominantes vem da classe burguesa. O fato de muitas vezes não associarmos essa
relação no tempo histórico demonstra os seus modos de reinvenção e interação com
as práticas para manter-se enquanto dominante.

O residual refere-se aos valores e práticas que eram dominantes em tempo passado,
mas que de algum modo podem aparecer reconfigurados no presente. Já o emergente
se configura em oposição direta ao dominante, colocando-se num lugar de resistência
e proporcionando novos valores e práticas. Williams ainda salienta os elementos de
ordem alternativa, que não almejam oposição ao dominante, podem coexistir sem
pretender uma ruptura; e também os elementos inovadores, que podem parecer
emergentes, mas em realidade, operam sob os códigos dos valores dominantes a fim
de reforçar o seu lugar de predominância. (SILVA, 2013). Estas categorias servem
para nos falar das práticas, valores, normas, hábitos que no terreno cultural, orientam
nossos modos de vida e organização. A interação complexa entre caracteriza o
processo de hegemonia, que organiza esta coexistência e disputas.

(...) a hegemonia não é única; ao contrário, suas próprias estruturas


internas são muito complexas e devem ser renovadas, recriadas e
defendidas de forma contínua; pelo mesmo motivo, podem ser
constantemente desafiadas e, em certos aspectos, modificadas.
(WILLIAMS, 1979, p. 52)

Segundo Gomes (2011b), a dinâmica entre as categorias evidencia que Williams


reconhece que o processo cultural é composto por distintas temporalidades -
elementos da ordem do residual, do dominante e do emergente convivem no presente
em disputa pela hegemonia. É esse processo que caracteriza as continuidades e
rupturas convivem na nossa estrutura social e que só o processo histórico pode
revelar. Esta interação é que nos permite ver, em um mesmo momento, como
presente, passado e futuro se articulam (SILVA, 2013).

É a partir então deste raciocínio, que considera a dinâmica das categorias, que
Williams formula a hipótese da Estrutura de Sentimento. Nesta expressão, Williams
quer entender, numa perspectiva teórico-metodologica, como uma estrutura – as
convenções, os elementos engendrados e firmes na nossa cultura – é tensionada pelos
constrangimentos do mundo vivido, pela força dos elementos que conceitualmente
são menos palpáveis, como ideologia, consciência, visão de mundo, experiências,

41
que é o que ele vai abrigar da expressão “sentimento” (GOMES, 2011). O conceito
nos habilita a olhar, dentro do processo cultural, o que é da ordem do instituído e o
que é da ordem do vivido. Em termos práticos, significa pensar nas instituições (na
Língua, na Economia, no Jornalismo...) e nos modos como vivemos com elas. Então,
o termo estrutura permite ver o que está culturalmente consolidado e “sentimento”
ver o que está em fluxo, em transformação.

De todo modo, estrutura de sentimento se refere a uma experiência social que


está em processo ou em solução, com frequência ainda não reconhecida como
social. Com ele, Williams pensa poder acessar a emergência de novas
características que ainda não se cristalizaram em ideologias, convenções,
normas, gêneros. (GOMES, 2007, p. 16 - grifo da autora)

Em relação ao nosso trabalho, pensamos o gênero como o lugar do reconhecimento,


da partilha de convenções, de práticas e códigos que definem um conjunto. A
proposta de Williams ajuda-nos a pensar nos elementos que cristalizam essas suas
formas, como configuram-se hegemônicas e como interagem com elementos de
ordem residual, ou emergente, alternativa, inovadora. Nossa proposta, à luz da
hipótese cultural da Estrutura de Sentimento, é a partir do processo histórico – que é
por onde podemos ver essa interação passado-presente-futuro –, vermos como o
programa se vincula historicamente a essas marcas convencionadas do gênero e
como se dá a sua partilha de sentido, observando os elementos que o padronizam e
quais os que escapam a esta condição - já que a hegemonia, da forma como
entendemos aqui, está sempre em disputa. “Se concordamos que os gêneros são um
elemento fundamental para a compreensão da relação televisão e cultura, devemos
analisar os gêneros em relação com as suas transformações culturais na história”
(GOMES, 2010, p. 38). Os gêneros midiáticos (televisivos, no nosso caso), operam
sob condição contextual e por isso, fundamental considerar este processo para
entender sua forma contemporânea.

Também não podemos prescindir desta abordagem para pensar o telejornalismo, de


acordo com o nosso objeto empírico. É na análise das tensões estabelecidas entre as
normas e as práticas culturais em torno do jornalismo e da cultura televisiva que
vamos perceber como a obra atualiza as suas questões de gênero.

No âmbito da nossa proposta de considerar o gênero como categoria cultural,


entendemos que a hipótese da Estrutura de Sentimento se vincula tanto ao mapa
metodológico de Martín-Barbero quanto à proposta metodológica de Jason Mittell.

42
Quando propõe uma análise que considere eixos sincrônicos e diacrônicos, Martín-
Barbero também chama para a importância da interação entre os elementos em
distintas temporalidades na configuração do processo cultural. Jason Mittell, quando
sugere que os gêneros operam em uma “estabilidade em fluxo”, convida-nos a pensar
nos limites textuais que se conformam a partir de implicações contextuais e
históricas.

1.2.3 Modo de Endereçamento e operadores de análise

O conceito de modo de endereçamento é originário da análise fílmica, onde era


operacionalizado para que se pudesse compreender de que forma os textos dos filmes
se relacionavam com o público espectador. O conceito passou a ser utilizado por
pesquisas de análise da recepção televisiva20, em que o objetivo se torna entender
como um programa se relaciona com a sua audiência através da construção de um
tom ou estilo que o identifica e o diferencia dos demais (GOMES, 2007).

A sua abordagem, no âmbito da pesquisa de recepção televisiva, consiste na


articulação entre o que pretende o emissor e como ele negocia, através do programa,
com o seu público receptor. Ou seja, devemos estar atentos à construção dos seus
“modos de dizer” específicos, mas também como ele se configura na prática, porque
há a interdependência com o receptor que exige a construção de um tom ou estilo
específico. No nosso caso específico, consiste na compreensão dos modos como o
telejornalismo, enquanto instituição social e forma cultural, se atualiza na situação
específica de um programa O modo de endereçamento vai nos ajudar a observar os
elementos em fluxo dentro da cultura televisiva e do telejornalismo.

Os operadores específicos de análise viabilizam o olhar nos diferentes dispositivos


técnicos, semióticos e verbais dispostos na construção do programa, sem deixar à
margem os aspectos culturais, sociais, e ideológicos. Configuram-se portanto, como
os “lugares” para onde devemos olhar, durante o processo analítico, afim de observar
os aspectos textuais do programa. No entanto, a análise a partir destes operadores
deve evidenciar a articulação entre eles, e não as suas descrições. São eles: mediador,
contexto comunicativo, pacto sobre o papel do jornalismo, organização temática.

20
Gomes (2007) indica as obras de David Morley, (1978, 1999) e John Hartley (1997, 2000; 2001)
como exemplos de trabalhos que articulam a pesquisa de recepção, do modo como entendemos aqui,
com o conceito de modo de endereçamento. Ver sobre estes trabalhos nesta referência.

43
O mediador corresponde, a priori, à disposição daqueles que ocupam a função de
âncoras, apresentadores, repórteres, comentaristas, correspondentes, mas amplia-se
na medida em que é atribuído àquele personagem (ou personalidade) que vai
estabelecer diretamente o vínculo com o público através de sua postura, sua
condução, e claro, sua imagem como figurativa do programa, ou seja, assume a
posição de ser “a cara” do programa. Nos programas jornalísticos policiais, a figura
do apresentador enquanto mediador central é recorrente. Eles concentram uma
importância peculiar no programa, articulada pela performance e por estratégias da
oralidade no texto verbal - recurso histórica e culturalmente constitutivo das práticas
comunicativas nos países latino-americanos (MARTÍN-BARBERO, 2009).

Entendemos performance aqui a partir da definição apresentada por Paul Zumthor


(1997), que define o conceito como uma competência que é da ordem do corpo. “É
pelo corpo que nós somos tempo e lugar: a voz o proclama, emanação do nosso ser”
(ZUMTHOR, 1997, p. 166). São os gestos e a gestualidades desse corpo que
conferem sentido à oralidade, à emoção e ao tempo em que a performance se
materializa. Constituem-se por fim, como uma ação que articula duplamente emissor
e receptor, colocando em presença atores (um ou vários), meios (voz, gesto e
mediação), e as circunstâncias de tempo e lugar.

A partir do mesmo autor, Gutmann (2012) entende que performances específicas são
“corporificadas” pelos mediadores de modo a dar sentido ao programa televisivo, e
que acessamos esse modo de construção do programa “a partir dessas camadas de
medição, conformadas pela voz, pelo gesto, pelos posicionamentos de câmera, pelo
olhar, entendidos como dispositivos de performatização dos sujeitos do discurso”
(GUTMANN, 2012, p. 53). O apresentador costuma exercer um papel centralizador
no programa, e muitas vezes, tem a sua figura atrelada aos ideais de credibilidade e
legitimidade pretendidos pela atração. É através de sua performance então, que ele
materializa um “contrato de confiança”, que tem como finalidade forjar um “não eu”,
afim de se comportar como um porta voz do programa; ou mesmo personalizar a
notícia, uma tendência contemporânea, que procura coloca-lo enquanto “dono da
voz” para evocar maior proximidade com o público. (GUTMANN, 2012).

No caso dos programas jornalísticos policiais, em que os mediadores apresentadores


frequentemente seguem esta segunda tendência, a retórica da oralidade é um recurso

44
bastante explorado. Eles acabam configurando-se como “apresentadores-
animadores” que, na visão de Martín-Barbero (2009), funcionam como
intermediários fundamentais na construção do popular na televisão, pois ele
representa a condição de facilitador do trânsito entre a realidade do cotidiano e o
espetáculo ficcional.

O apresentador-animador – presente nos noticiários, nos concursos, nos


musicais, nos programas educativos e até nos “culturais”, para reforçá-los – mais
do que um transmissor de informações, é na verdade um interlocutor, ou melhor,
aquele que interpela a família convertendo-a em seu interlocutor. Daí seu tom
coloquial e a simulação de um diálogo que não se restringe a um arremedo do
clima “familiar”. (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 296)

O operador contexto comunicativo está relacionado ao modo como as ideias estão


encadeadas na construção do programa, e das circunstâncias espaciais e temporais
em que ele acontece: “os modos como os emissores se apresentam, como
representam seus espectadores e como situam uns e outros em uma situação
comunicativa concreta” (GOMES, 2007, p. 25). Ou seja, o contexto comunicativo
implica o modo como o programa se comunica, e os elementos técnicos escolhidos
que permitem a sua existência daquela forma. No nosso caso, significa observar de
quais os elementos que configuram uma situação contextual e especifica de
remetimento ao termo policial e as formas e valores do telejornal.

Segundo Gutmann (2012), é neste operador que de modo mais proveitoso podemos
observar a construção de sentido promovida pelo programa pois ele procura dá conta
das trocas comunicativas, interação entre enunciador, enunciatário e instancias
contextuais que essa interação acontece. Ou seja, é pela observação dos contextos
comunicativos criados pelos programas que observamos os elementos contextuais
que participam daquele processo comunicativo especifico - os papeis assumidos no
âmbito da recepção e da produção; as ideologias e referências culturais partilhadas.
Isso não significa no entanto, que estamos buscando a revelação de um “código”
especifico travado entre programa e audiência. Entender o contexto implica no
entendimento também de saberes, valores e expectativas compartilhados de modo
mais amplo, as referências que dizem respeito ao mundo vivido. No programa
policial então, determinadas escolhas que configuram o seu formato se conectam ‘as
expectativas partilhadas de gênero, mas também aos modos como a audiência
reconhece e ativa as referências a policia, a gênero policial, a programa televisivo, a
telejornal.

45
Pressupõe-se, portanto, uma experiência comum, partilhada que norteará o
reconhecimento das construções de posições e conformações espaço-temporais
materializadas nos diversos expedientes significantes de linguagem (corpo,
performance, fala, cenário, transmissão direta, cor, enquadramento de câmera,
desenhos das vinhetas, etc.). (GUTMANN, 2012, p. 230)

O operador que diz respeito ao pacto sobre o papel do jornalismo mostra como são
atualizados os valores e práticas da atividade jornalística dentro do programa, ou
seja, como ele se apropria dos elementos que o instituem como profissão reconhecida
na sociedade. Falamos aqui, por exemplo, das noções de objetividade,
imparcialidade, interesse público, factualidade, relevância, responsabilidade social, e
outros, aliados aos recursos técnicos, estratégias de construção de credibilidade,
formatos de apresentação, lugar de fala, tratamento das fontes e do cidadão – em
efeitos de recepção ou mesmo como personagem – que estão presentes no modelo
com o qual as organizações jornalísticas no Brasil (ALBUQUERQUE, 2008), e que
de certa forma, regulam as expectativas com que o próprio público brasileiro recebe
os programas de cunho jornalístico. O programa então, a partir deste pacto sobre o
papel do jornalismo, realiza um acordo com a sua audiência sobre a forma como vão
articular as notícias e os valores jornalísticos que eles partilharam histórica e
socialmente.

Por fim, a organização temática do programa define o tema, ou o assunto específico


que o programa pretende adotar, e também de como ele irá selecionar, organizar e
apresentar o que vai ser notícia. É ele quem vai delinear primordialmente, a partir do
tema e sua organização, as expectativas do telespectador e por isso, assume especial
importância na busca pelo modo como o programa se endereça, articulado aos usos
dos demais operadores. No nosso caso, esse é um operador de extrema importância,
porque nos diz das possibilidades trazidas pelo termo “policial”, partilhado como
referência de gênero.

A análise dos operadores e do modo de endereçamento se dá de modo articulado, o


que significa que o nosso objetivo não é enumerar os momentos em que eles
aparecem nos programas, nem mesmo avalia-los comparativamente entre os objetos
(como se um operador se destacasse mais em um programa do que outro, por
exemplo), nosso objetivo é observara como, de modo combinado, eles participam na
construção do estilo e como esse estilo se conecta na partilha e no reconhecimento
cultural do gênero.

46
2. A TEMÁTICA POLICIAL E A CONFIGURAÇÃO DO GÊNERO
“[...] somente correndo riscos se pode descobrir a conexão cultural
entre a estética melodramática e os dispositivos de sobrevivência
e de revanche da matriz que irriga as culturas populares”.
Jesús Martin-Barbero, 1987.

Sabemos que as características que formam e/ou identificam a narrativa policial


aparecem nas mais longínquas referências, como as tragédias gregas, por exemplo
(ALMEIDA, 2002; FIGUEIREDO, 2013). Entendemos que para o nosso objetivo
neste trabalho, voltar a estas origens nos levaria a discussões que escapam ao nosso
tema especificamente, bem como aos contextos convocados pelos nossos objetos.Em
um contexto contemporâneo, entendemos que se faz necessário recorrer às práticas
modernas dessa narrativa executadas na literatura, no cinema e no jornalismo para
compreender de que forma esta narrativa se configura enquanto um gênero. Este é
um passo importante, que pode nos dar pistas sobre como de forma atual, a televisão
se apropria desse código genérico.

Seguindo as contribuições de Jason Mittell (2004), entendemos que a convenção


textual - os atributos formais e os padrões de significado - constitui-se como um
aspecto imprescindível para compreensão dos gêneros mas que, no entanto, não deve
ser dissociados da análise cultural contextual. Isso porque “os textos funcionam
como locais de articulação, em que certos pressupostos culturais de definição,
interpretação e avaliação são ligados a grandes categorias genéricas, em um processo
dinâmico”. (MITTEL, 2004, p. 124. Grifo do autor).

Nesse sentido é que propomos então uma breve recuperação histórica do gênero
policial na literatura, no cinema e no jornalismo tendo como recorte o contexto
brasileiro. Não é nosso objetivo nos alongar nestas referências, inclusive porque elas
não representam nem o principal elemento do nosso trabalho e nem o nosso campo
de análise – produtos jornalísticos televisivos. Mas entendemos como valiosa a
observação e compreensão de como certos elementos circulam entre os produtos e se
tornam recorrentes, a partir dessas práticas anteriores, e culminam por se tornarem
fundamentais para a apropriação desse gênero na televisão - como por exemplo, o
melodrama e a predileção pelo plano-sequência. Acreditamos que tais referências
narrativas e audiovisuais nos mostram como e em quais circunstâncias o
reconhecimento genérico é ativado nos produtos televisivos contemporâneos.

47
2.1 Na literatura, no jornalismo, no cinema: matrizes da narrativa escrita e
audiovisual

Para Vera Lúcia Follain de Figueiredo (2013), a origem difusa do gênero policial,
ancorada nos campos jornalístico, científico e literário, faz com que ele tenha
potencial para reproduzir-se em diferentes mídias, gerando diversas narrativas que se
orientam pelo reconhecimento, mesmo a partir de pequenas variações. Marco
Antônio de Almeida (2002) acredita que, justo por essa origem difusa é que definir o
gênero policial trata-se de um grande obstáculo. Isso porque, historicamente, as
produções demonstram o quanto este gênero se configura “como um espaço
relativamente aberto e flexível, onde muitas vezes as fronteiras não estão claramente
delimitadas”. (ALMEIDA, 2002, p. 127).

Das origens no campo literário ao cinema, as narrativas do crime e da ação policial


se construíram sob diversos estilos e estabeleceram forte relação com a prática
jornalística, mostrando os entrelaçamentos possíveis entre a realidade e seu
cotidiano, e as estratégias do relato ficcional. No caso das produções brasileiras,
veremos que embora seja difícil precisar os limites do gênero, algumas
características serão recorrentes e reiteradas historicamente, sob o argumento cultural
e contextual.

Segundo Marco Antônio de Almeida (2002), que se dedicou a pesquisas históricas


sobre o gênero na literatura e no cinema brasileiros, as origens da narrativa em torno
do crime e da polícia oscilam entre os polos anglo-saxão e francês, a partir de
meados do século XIX. Alguns elementos se destacam como grandes influentes
dessas primeiras produções: o ideal Iluminista do raciocínio lógico-dedutivo; a
criação do aparelho policial com bases científicas por parte do Estado; a
complexidade e as problemáticas do contexto urbano, dotado cada vez mais de
pobreza e delinquência; a ambientação do crime e sua solução como centro da
intriga; a emergência do indivíduo e a constituição das identidades. (ALMEIDA,
2002, p. 82).

Em termos estéticos, estas narrativas seguiam a estrutura do romance popular. A


perspectiva muda com a publicação de Os crimes da Rua Morgue (1841), do escritor
norte americano Edgard Allan Poe. De forma inovadora, ele coloca a figura do
detetive como centro do enredo e organiza a narrativa a partir de um esquema lógico,

48
que logo se tornaria tendência: problema, hipótese inicial, complicação, estágio de
confusão, as primeiras luzes, a solução e a explicação. O estilo chama a atenção dos
intelectuais, que passam a reconhecer os relatos ficcionais envolvendo crime e
polícia a partir desse modelo de Allan Poe como referencias do gênero policial na
literatura.

Antes da publicação de Os crimes da Rua Morgue, no entanto, os contos de Allan


Poe já eram conhecidos do público francês. Eles eram publicados em jornais, sob o
formato de folhetim, em que o nome do autor era trocado por um pseudônimo. A
partir desse autor e sua produção é que se estabelece a primeira tensão em torno do
gênero, em que o formato estabelece parâmetros de legitimidade. Os folhetins
abordavam as questões urbanas, tinham a figura do justiceiro, às estratégias seriadas
e a enigmas difusos; As obras consideradas “literatura”, como vimos, construíam a
narrativa sob o encadeamento lógico e sequencial, cujo eixo estava no enigma e na
figura do detetive.

Para Jesús Martín-Barbero (2009) o folhetim - narrativa ficcional publicada por


partes em seções específicas dos jornais mais baratos e mais competitivos21 -,
estabeleceu um novo padrão na literatura, quando através do jornal, estreita a sua
relação com os meios de comunicação massivos. Através dos textos curtos e letras
grandes, constituiu-se como uma “outra fala”, explicitando o consumo cultural das
classes trabalhadoras. Mais do que uma prática, o folhetim seria um fato cultural, um
fenômeno que “conforma um espaço privilegiado para estudar a emergência não só
de um meio de comunicação dirigido às massas, mas também um novo modo de
comunicação entre as classes” (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 176. Grifos do
autor).

Segundo Martín-Barbero, o folhetim se vincula ao universo cultural popular a partir


de quatro elementos: sua composição tipográfica; a fragmentação da leitura; dos
dispositivos de sedução (organização em episódios, estrutura “aberta” e uso do
suspense); e dos dispositivos de reconhecimento.

21
Ver mais em Angrimani (1995), Schudson (2005) e Santos (2009) sobre o surgimento da penny
press, no século XIX. Originário nos Estados Unidos, representa os jornais que, incorporando novas
técnicas de impressão, passam a circular em formato tabloide e a priorizar as notícias do tipo fait
divers - notícias sensacionais que causam excitação, comoção e/ou curiosidade no público -
geralmente ligadas a celebridades, casos policiais, desastres, etc. Com preço de venda baixíssimos,
logo tornaram-se fenômeno de consumo.

49
O primeiro diz respeito à escolha pelas letras grandes e espaçadas na disposição do
texto, que mais do que estratégias para vender mais, caracterizam modos de
passagem da cultura oral para a letrada. A fragmentação da leitura, diz respeito a um
novo modo de apreensão da obra, que por partes, mostra a quantidade, os “cortes”
que caracterizam a leitura popular, não especializada.

Já os dispositivos de sedução revelam o modo como o leitor aproxima a sua


experiência de vida a essa estrutura narrativa, criando um sentimento de duração:
acompanha uma situação inteira, mas inacabada, nos episódios, em uma estrutura
aberta, flexível. O suspense funciona como um apelo redundante e contínuo à
memória do leitor, que permite que ele apreenda a informação completa, mas
mantenha o desejo de ler a sua sequência. “[...] é justamente um efeito não da
escritura, e sim da narração, isto é, de uma linguagem voltada para fora de si própria
- para sua capacidade de comunicar [...]” (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 188). Em
relação aos dispositivos de reconhecimento, Martín-Barbero fala da identificação
ativada pelo conteúdo, ou seja, quando o leitor identifica a sua vida não só com a
estrutura da narrativa, mas com a vida dos próprios personagens. Isso porque o
folhetim coloca o leitor popular frente a uma realidade que ele pode “aceitar ou
modificar superficialmente, mas não pode recusar”. (MARTÍN-BARBERO, 2009, p.
189). Essa estratégia, que insere na ficção a problemática dos personagens sociais e
suas implicações morais, no contexto complexo do ambiente urbano, confere uma
força dramática ao folhetim semelhante a do melodrama, contribuindo para que se
tornasse uma sensação entre os leitores.

Para Martín-Barbero, é a partir desta matriz cultural “simbólico-dramática” do


folhetim que o gênero policial se estreita ao jornalismo, e ganha forma através dos
jornais populares que logo ganham a alcunha de “sensacionalistas”. Na América
Latina, esse tipo de publicação ganha força no começo do século XX, quando já
eram amplamente conhecidos em países como França, Inglaterra e Estados Unidos.
Em suas primeiras páginas, as notícias de crime e catástrofes que estampmpavam as
primeiras páginas pareciam retiradas de enredos ficcionais.

A forma como se organizavam os jornais populares é interpretada por muitos


analistas como uma eficiente estratégia comercial para capturar massas de leitores.
Como pano de fundo deste argumento está a experiência norte-americana, em que os

50
jornais World e Journal protagonizaram uma disputa declarada e ferrenha pelo
público (ANGRIMANI, 1995), vendendo seus exemplares a custos baixíssimos e
explorando notícias “quentes”, ou seja, mais recentes. Utilizavam em seus textos
toda a retórica dos adjetivos para relatar de forma sensacional tais eventos cotidianos.
Para Martín-Barbero (2009), esse modo de articular “o noticioso ao poético e à
narrativa” (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 248), na América Latina, se conecta de
forma original menos às disputas empresariais, e mais às formas da oralidade, que
marcam os modos ancestrais de comunicação das classes populares.

Nesse protojornalismo popular - que será escrito em grande parte visando à


difusão oral, para ser “lido, declamado, cantado” em lugares públicos como o
mercado, a estação de trem ou mesmo pelas ruas -, já se encontram as chaves do
jornal sensacionalista. Estão lá os grandes títulos chamando a atenção para o
principal fato narrado em versos, importância assumida pela parte gráfica, com
desenhos ilustrando o texto, a melodramatização de um discurso que parece
fascinado pelo sangrento e o macabro, o exagero e até a atração pelos ídolos de
massa dos esportes ou dos espetáculos. (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 248).

No Brasil, os jornais que priorizavam os fait divers e as ocorrências policiais


começaram a ganhar força no início do século XX. Ao mesmo tempo em que
ganhavam espaço e se multiplicavam, tinham péssima reputação nas camadas mais
abastadas, as elites. Almeida (2002) coloca que este mesmo aspecto vai ser
explorado na literatura brasileira. À medida que crescem os centros urbanos, crescem
os relatos ficcionais que abordam o ambiente urbano e sua faceta violenta. Este traço
seria ainda mais explorado nos anos 1960, quando também são acrescidos ao
imaginário ficcional a ação repressora da polícia e do Estado, por conta da
instauração da Ditadura Militar.

Assim que os aspectos contextuais vão conferir uma forma peculiar ao gênero
policial brasileiro, colocando-o em paralelo ao modelo clássico de narrativa criado
por Allan Poe. Segundo Marco Antônio de Almeida (2002), elementos como o
realismo exacerbado e o humor eram justificados por autores como recursos à “falta
de clima” para elaborar romances policiais autênticos, devido à estrutura social do
país e a organização do aparelho policial, que proporcionava uma ambientação fora
dos padrões convencionais em torno desta narrativa. Também no cinema, o uso
destes elementos é justificado como uma saída “tupiniquim” para trazer o gênero às
suas produções. Desse modo, percebemos o que parece ser uma recusa a um estilo
próprio de narrativa policial, colocando-o à margem do que seria um modelo
referencial.

51
A partir destas constatações, Almeida (2002) entende que, diante das inúmeras
classificações adquiridas pelo gênero no cinema - terror, suspense, thriller, western,
noir, etc. -, a ideia do thriller funcionaria como uma perspectiva razoável para
compreensão geral das produções cinematográficas brasileiras pelo forte uso da
intriga, mistérios e perseguição. Especificamente, ele acolhe a denominação “Thriller
tropical”, utilizada pelo crítico Sérgio Augusto22, que significa o modo de usar estas
características do thriller valendo-se de signos culturais como migração, música
popular, umbanda, carnaval, etc.

Inspirado também pelo o raciocínio do crítico Sérgio Augusto, José Mario Ortiz
Ramos (2004), afirma que a época mais promissora do gênero policial no cinema
brasileiro - os anos 70 e 80 - revela o quanto o naturalismo, destinado a revelar da
forma mais real possível as mazelas dos grandes centros urbano, é importante nas
produções. É essa característica que vai tornar o filme policial brasileiro mais
próximo de um estilo romance-reportagem, cujo enredo é quase sempre baseado em
algum fato real.

O romance-reportagem obedece aos princípios jornalísticos da novidade, clareza,


contenção e desficcionalização. Normalmente o que se fez nos anos 70 foi
retomar casos policiais que obtiveram sucesso na imprensa e trata-los numa
reportagem mais extensa que a do jornal. E através de um caso específico,
singular, pretendia se revelar uma realidade mais ampla, recalcada pelas
dificuldades da circulação de informações nos anos 70 (RAMOS, 2004, p. 158).

Ramos chega a esse dado a partir da análise de uma série de filmes brasileiros deste
período e estabelece uma conexão direta dessas preferências textuais e estilísticas
com o momento sociocultural do país, que abria cada vez mais para a indústria
massiva, a modernização e o momento de transição para abertura política, após vinte
anos de regime de Ditadura. Ramos identifica também a comicidade e exploração da
violência e do sexo como elementos que fortemente estarão ligados ao gênero
policial, como uma estratégia que almeja “muito mais o impacto e a aproximação
com um público que se supõe popular, do que a denúncia” (RAMOS, 2004, p. 179).
Sob o argumento da produção massiva, os diretores relatavam intenção de
aproximar-se do cotidiano das classes populares, e por aí se utilizam também dos
apelos visuais sensacionais e também do melodrama. Assim, entende este autor, o
gênero policial audiovisual no Brasil “deixa transparecer tanto uma mutação interna,

22
AUGUSTO, Sérgio. Apontamentos para uma história do thriller tropical, Filme Cultura nº 40, Rio
de Janeiro, 1982.

52
seguindo influxos da vida cultural brasileira, como uma complexidade em termos das
locuções ideológicas que estabeleceu com o telespectador” (RAMOS, 2004, p. 192).

A partir da abordagem destes dois autores, vemos como a prática jornalística


estabelece um vínculo forte com as produções literárias e cinematográficas, passando
a ser uma das fortes referências na criação de um estilo narrativo. Na
contemporaneidade, estas três instâncias articulam-se sob distintas possibilidades
midiáticas. Para Almeida (2002), a literatura policial atualmente é cada vez menos
“folhetinesca” e mais afeita às influências do padrão moderno do relato jornalístico.
Estariam as produções cada vez mais realistas, influenciada pelas intertextualidades,
cortes e fusões rápidos trazidos pelo cinema e pela televisão. A literatura policial
então, se torna uma “cartografia simbólica dos dilemas sociais e existenciais do
homem contemporâneo. Uma mitologia moderna, urbana, problemática e violenta”
(ALMEIDA, 2002, p. 102). Ramos (2004), sobre o cinema policial brasileiro, destaca
que sob o mesmo movimento, o gênero adquire cada vez mais contornos
documentais, sofisticando a tendência explorada na década de 1970.

No jornalismo, observa-se que o processo de modernização da prática profissional


cria uma dupla condição para a cobertura dos casos de polícia. A vinculação à matriz
estética “simbólico-dramática” do folhetim, que aparece forte nas primeiras
publicações que priorizam as ocorrências policiais, vai aos poucos sendo tensionada
pelos princípios da objetividade e imparcialidade, basilares da grande imprensa
moderna.

Segundo Marco Roxo e Igor Sacramento (2013), a década de 1950 foi emblemática
para situar esta tensão. A dualidade entre os jornais que preferiram orientar-se pelo
modelo “ético-discursivo da objetividade jornalística” e os que preferiam manter-se
sob a estética melodramática folhetinesca se tornou mais evidente. Alguns deles
funcionavam como instrumentos políticos, com intuito de favorecer ou dar
visibilidade a seus proprietários e ou grupos de orientações à direita ou esquerda.
Mas em 1969, quando instaura-se a obrigatoriedade do diploma para exercício da
atividade jornalística, o primeiro modelo torna-se definitivamente a opção
dominante.

A integração do jornalismo brasileiro à indústria cultural significou a sua


aproximação com a clivagem desta prática social similar à existente nos países
com maior tradição liberal-democrática. De um lado, estão os meios de

53
noticiosos de elite, cuja audiência principal é formada pelo mainstream político-
partidário e sociocultural. De outro, os jornais populares que mesclam de forma
intensa e variada informação e entretenimento. Um tende tratar de temas “sérios”
como política e economia, e o outro foco os temas sensacionalistas e
personalistas, ao gosto do público de massa. (ROXO E SACRAMENTO, 2013,
p. 7)

José Marques de Melo (2006), uma importante referência no estudo do jornalismo no


Brasil, afirma que embora seja difícil precisar quando que a editoria “polícia” passou
a fazer parte dos jornais oficialmente, o jornalismo policial consiste na apuração
precisa das ocorrências noticiosas verificadas nas delegacias de polícia, em que
elementos do sensacionalismo devem ser evitados. O autor nos convoca a pensar
então que de modo dominante, circula uma perspectiva normativa de exercício e
reconhecimento do jornalismo policial que prevê que o relato dos crimes e
ocorrências policiais deveria vincular-se mais a uma tarefa objetiva de investigação e
menos ao relato dramático ou romantizado. Tal perspectiva ajuda-nos a localizar
então mais uma perspectiva de afastamento das matrizes ligadas ao drama e a
técnicas da oralidade em prol de um relato mais duro da cena de crime ou atuação
policial.

Assim, a cobertura policial jornalística “séria”, acordada com os valores modernos da


prática jornalística, foi-se incorporando a uma prática que passou a ser identificada
como “jornalismo investigativo”. Tratava-se de uma especialidade, que, valia-se da
investigação profunda e ao mesmo tempo impessoal e comprometida. Para alguns
críticos, é o que seria finalmente “uma evolução da velha reportagem policial”
(FORTES, 2005, p. 68). Ao jornalismo investigativo caberiam grandes reportagens
sobre crimes contra a vida e operações policiais densas, mas sobretudo, o espaço
seria para os crimes políticos. Um bom jornalista investigativo, entre outras
habilidades, deveria conhecer as técnicas da investigação policial.

Esse tipo de cobertura, a policial, não deve ser feita de forma empírica, tanto que
é um dos setores mais especializados da imprensa no mundo todo. Sua
excelência advém da convivência com boas fontes policiais, promotores,
procuradores e magistrados, o que tende a criar uma relação positiva do repórter
com os meandros desse tipo de notícia (FORTES, 2005, p. 33).

O dramaturgo, escritor e jornalista Nelson Rodrigues, na década de 1960, era um dos


críticos ferozes desta “modernização” do relato jornalístico, especialmente no trato
das ocorrências policiais. Rodrigues iniciou a carreira escrevendo sobre crimes e
ocorrências em jornais e costumava relatar em suas crônicas, ideias como a de que “o

54
ficcionista que não foi repórter policial tem um desfalque”23. Para ele, portanto,
jornalismo policial bom era aquele que declaradamente mostrava as suas afinidades
com a narrativa literária ficcional, prática que caracterizava os primordiais jornais
populares no Brasil e que aos poucos, era substituída.

O nariz de cera, que a imprensa atual não usa, era inevitável. O leitor babava na
gravata de satisfação literária e estilística, porque o sujeito caprichava no nariz
de cera, em seguida saía galopando a fantasia. Ninguém era preto, nunca uma
adúltera era preta ou mulata; tinha olho azul, era loura. O pessoal caprichava,
retocava a realidade. (RODRIGUES, Nelson. Entrevista para o Ciclo de Teatro
Brasileiro do Museu da Imagem e do Som, 30/06/1967).

Embora preocupado com outras questões que não só o jornalismo, Nelson Rodrigues
nos chama a atenção aqui sobre como o processo de modernização da prática
jornalística suscita em uma recusa a certos modos e práticas que de historicamente
estavam ligadas ao ofício, e sua posição demarca um contexto de disputa entre o que
seria de fato um relato policial aceitável, vinculado à prática jornalística, e o que não
passaria de sensacionalismo. É certo que aos poucos, a vinculação ao drama, ao
grotesco e ao popular foram fazendo com que os relatos do crime e das ocorrências
policiais ocupassem um espaço pouco “nobre” no jornalismo. “A maldição da
reportagem policial era justamente essa capacidade de dar cores melodramáticas e
mais intensas e tornar interessantes temas e ocorrências capazes de pôr em desfile
pessoas classificadas como ‘mendigos, indigentes, loucos, viciados, casais
desajustados, ladrões’” (MENDONÇA, 2010, P. 178).

Neste sentido, a televisão se configura como mais um espaço onde esta disputa
continua a reverberar. Estruturada a partir das experiências da literatura e do cinema,
a televisão vai configurar produtos complexos que irão evidenciar múltiplas
possibilidades em esta temática será abordada, colocando em xeque não só a
legitimidade da cobertura jornalística dos relatos de crime e ação policial, mas
também levantando discussões sobre violência, o cotidiano dentro dos grandes
centros urbanos, o senso de justiça e punição, a ética e também as representações do
povo e do popular. Procuramos então, retomar de forma breve quais os programas
que dentro da história da TV brasileira, colocaram em evidência esta temática e de
que modo permitem o reconhecimento do termo “policial” enquanto categoria
genérica.

23
Entrevista disponível em http://www.nelsonrodrigues.com.br/site/comnelson_det.php?Id=16
.Acesso em dezembro/2013.

55
2.2 O percurso na TV brasileira

A mesma dificuldade que encontram o cinema e a literatura brasileira para definir os


limites do gênero policial também cabe à produção televisiva. Isso porque, ao longo
dos anos, a cobertura policial na TV brasileira vai se manifestar, como falamos
anteriormente, sob distintos formatos. Sofrerá com a repugnância da crítica e ao
mesmo tempo, revelará atrações que alcançam grandes índices de audiência.

Esta diversidade de formatos vai ocasionar, no terreno da pesquisa científica, em


distintas apresentações e posicionamentos daqueles que seriam programas que
priorizam a cobertura policial. José Aronchi de Souza, em Gêneros e Formatos na
Televisão Brasileira (2004), por exemplo, apresenta uma proposta taxionômica para
os gêneros na televisão e não inclui “telejornalismo policial” como um subgênero
vinculado ao telejornalismo. Os nossos objetos de pesquisa neste trabalho, por
exemplo, se encaixariam em “Variedades”, uma subcategoria do gênero
Entretenimento.

A “fórmula” básica destes tipos de programas seria a de levar à tela casos de


pessoas com doenças graves e deformações, brigas, crimes e abusos policiais. A
lista de programa de variedades que aderiram à formula é grande, sempre
associada a um nome de apresentador, que estimula a reação de espanto do
público: Márcia Goldschimidt, João Kléber, José Luis Datena e outros transitam
por programas que se autodenominam jornalísticos, de serviço ou de debate ,a
maioria com auditório. São de variedades, mas nem tanto. (SOUZA, 2004, p.
140).

Vemos aqui que para Aronchi de Souza, um programa como Brasil Urgente não
seria oficialmente reconhecido como jornalístico, sendo esta atribuição uma
responsabilidade da emissora e da própria atração. Já Alexandre Assis Campello
(2008), a partir da definição de telejornal adotada por Aronchi de Souza compreende
que a expressão “telejornalismo policial” caberia a programas como Aqui Agora,
Brasil Urgente e Cidade Alerta pela forma como articulam o formato. Tais
programas seriam “narrativas do cotidiano que, na nossa avaliação, se não fundam
um novo gênero na televisão brasileira, criam um novo formato de telejornalismo”.
(CAMPELLO, 2008, p. 17).

Em pesquisa de recepção sobre os gêneros televisivos, Marcia Perencin Tondato


(2009) identificou, entre a maioria da amostra utilizada na pesquisa, que o Jornal
Nacional (TV Globo) é sinônimo de telejornalismo e que programas como Brasil
Urgente e Cidade Alerta são vistos como programas que não se encaixariam neste

56
perfil, mas sim, em um tipo de programa que especificamente orienta a população
para a “sobrevivência nas grandes cidades”. Seriam portanto, mais facilmente
reconhecidos como “programas policiais”, e a referência “telejornal” seria atribuído
ao Jornal Nacional, Jornal da Record, Jornal do SBT e Jornal da Band.

Kléber Machado, em análise do programa Linha Direta (TV Globo), que abordava
casos policiais a partir da articulação entre jornalismo e dramaturgia, entende que a
atração cria um “estilo híbrido” que insinua mudanças e novos padrões no
telejornalismo brasileiro. Ele seria um ilustre representante dos modos
contemporâneos de abordagem desta temática na TV brasileira. Por isso, “(...) o
Linha Direta pode ajudar a dimensionar melhor a adaptação crescente do jornalismo
à ideia de espetáculo que tem norteado os caminhos dos meios de comunicação de
massa até hoje” (MENDONÇA, 2010, p. 261).

Neste trabalho, orientamo-nos a partir da perspectiva do Grupo de Pesquisa em


Análise de Telejornalismo (POSCOM/UFBA) que reconhece a existência da
articulação entre o telejornalismo e a temática policial enquanto um subgênero do
campo televisivo. (GOMES, 2012). A partir do modo específico como se endereçam,
os programas que priorizam a cobertura policial podem configurar-se como
programas jornalísticos temáticos24, como no caso de Brasil Urgente e Cidade Alerta
(OLIVEIRA, 2007).

Recorrendo à história da produção televisiva do país, que começa em 1950 com a


instalação da TV Tupi, vemos que os relatos do crime, da violência, e da instituição
policial têm espaço desde os primeiros anos de transmissão, mas primeiro, pelo
universo ficcional. Em 1951, uma das primeiras adaptações pensadas para exibição
na TV brasileira foi o teleteatro A vida por um fio, baseado no filme americano
Sorry, Wrong number, um drama policial. No enredo, uma mulher paralítica que,
através de uma linha telefônica cruzada, descobre que um assassinato está prestes a
ser cometido. Ela tenta evitar que o crime aconteça mas ao final, descobre que ela

24
Consideramos aqui os resultados obtidos pela pesquisa de Dannilo Duarte Oliveira (2007), entre os
trabalhos no âmbito do Grupo de Pesquisa em Análise de Telejornalismo. Tendo como objetos os
programas Cidade Alerta, Brasil Urgente e Linha Direta, o autor considera os dois primeiros como
“telejornais temáticos”, pela articulação com valores caros ao telejornalismo - características comuns
e marcas genéricas atribuídas aos telejornais, reconhecidas histórica e culturalmente - e pela
predominância das notícias ligadas a crimes e violência. Já o Linha Direta seria um “programa
temático de jornalismo policial”, e não um telejornal, por conta de diferentes apropriações no formato
e na linguagem.

57
mesma seria a vítima e acaba estrangulada com o fio do telefone pelo marido, mentor
do crime.

O primeiro programa exibido na televisão brasileira, o TV na Taba, era de variedades


e contava com a participação de artistas famosos da rádio. Mas a predominância das
atrações nos primeiros anos da TV no Brasil era das produções ficcionais. Segundo
Cristina Brandão (2010), o objetivo inicial era preencher a programação com
conteúdos artísticos e que trouxesse prestígio aos canais, sob inspiração da produção
cinematográfica e literária. Em termos práticos, essa referência se articulava ao
Know-how já consagrado do rádio, até então veículo de comunicação de maior
alcance e consumo. Assim, os teleteatros - versões das já consagradas radionovelas e
que depois se denominariam telenovelas - materializaram os primeiros esforços de se
construir uma linguagem televisiva de conteúdo da TV brasileira. Fortemente adeptas
ao tom melodramático, as primeiras telenovelas exploravam o modelo de texto
exemplar “da tradição folhetinesca aculturado às paixões latino-americanas”
(BRANDÃO, 2010, p. 51).

Aos poucos, atrações com conteúdo jornalístico, esportivo e de variedades iam


preenchendo a grade televisiva. No entanto, as dificuldades técnicas e de acesso (um
aparelho de televisão era caríssimo e a tecnologia de transmissão ainda incipiente)
faziam com que a programação fosse caracterizada pelo improviso (todas
transmitidas ao vivo) e de alcance basicamente regional. Ainda assim, foi capaz de
aos poucos, seduzir espectadores e abrindo-lhes uma janela simbólica que revela os
acontecimentos do mundo. “Como o ‘brinquedo mais fascinante do século XX’, a
televisão transforma-se em lugar para a produção simbólica, para a realização do
sonho, das utopias, inclusive aquela que torna possível o aprisionamento do tempo”
(BARBOSA, 2010, p. 33/34). Já nesses primeiros anos, conforme registra Renato
Ortiz (2006), era possível perceber uma divisão entre os tipos de produção: as cultas,
de caráter ficcional, e as populares, entre as que mais se assemelhavam aos shows
radiofônicos.

Na década seguinte, a televisão se populariza - a tecnologia se aperfeiçoa, tornando-a


presente em mais cidades e consequentemente, mais residências - e sua
representatividade enquanto fenômeno sociocultural bem como seu potencial
econômico tornam-se mais evidentes. Pensada para ser assistida “em família” (um

58
único aparelho, disposto na sala de estar, onde todos assistiam juntos), a televisão
ampliava a sua programação baseando-se em um público que a priori, seria o mesmo
do rádio. Aos poucos, a linha que hierarquizava os conteúdos cultos dos populares
vai se tornando mais fluida, pois o “povo” que ansiava por atrações passou a servir
de inspiração. Nesse contexto as histórias reais de crime e as ocorrências policiais se
tornam peças relevantes na programação.

2.2.1 Anos 60 a 80: o mundo-cão e sua faceta popular

O período compreendido entre os anos 60 e 80 é caracterizado por muitos analistas


como a fase “popular” da televisão no Brasil, pois é neste período que ela
efetivamente se concretiza como um veículo de massa (ORTIZ, 2006). A
programação se torna mais extensa e a TV vai encontrando formas próprias de
produção, articulando as estratégias bem sucedidas do rádio com as possibilidades
audiovisuais. As emissoras investem sobretudo no formato dos programas de
auditório, shows musicais, humorísticos e telenovelas.

Os anúncios publicitários destacavam a originalidade das produções televisivas,


sugerindo uma “inevitável” substituição ao rádio. Disponível em mais horários, o
conteúdo televisivo ia se ajustando ao cotidiano do telespectador propondo
conteúdos para a “hora de lazer” e para a “hora da informação” (BERGAMO, 2010).
O telespectador, neste caso, era referido na figura da família, mais especificamente a
de classe média, responsável direta pelo crescimento da aquisição de aparelhos.

Os profissionais que sofisticavam e tornavam este veículo mais poderoso vinham do


rádio. De acordo com Bergamo (2010), no intuito de conquistar o seu lugar na nova
mídia e legitimar o lugar de suas produções, estes profissionais contribuíram para
formar o imaginário em relação ao público da televisão. Nessa perspectiva, o “povo”
que era o público da televisão, a audiência, seria o público do rádio - ingênuo,
natural, com mais qualidades morais que intelectuais. Importavam-se assim, não com
o nível intelectual das produções, mas no quanto elas poderiam toca-las. Essa
imagem do povo pelo seu aspecto moral enraizou-se de tal modo que passou a
incorporar inclusive os enredos das produções ficcionais, que ainda ocupavam o
posto de principal atração.

O povo, sua vida e os dramas que são particulares a cada um de acordo com a
posição social que ocupam na sociedade (caixas de lojas, figurantes, bicheiros,

59
bandidos, etc.), passam então para o primeiro plano da teledramaturgia. Isso
marcou tanto os teleteatros quanto, posteriormente, mais ainda nos anos 1960, as
telenovelas. O “povo”, e com isso, o “público” que eles imaginavam ser o da
televisão, assume um duplo valor, artístico e social, como fonte de inspiração e
como arma simbólica contra as posições dominantes do teatro consagrado,
fundidos em uma mesma imagem: era “a beleza da verdade, a realidade”.
(BERGAMO, 2010, p. 72)

Neste contexto, surge o programa O Homem do Sapato Branco, incorporado na


figura do apresentador Jacinto Figueira Júnior. Sentado em uma cadeira giratória, ao
centro do cenário do programa, Jacinto, um homem de meia idade elegantemente
vestido e calçando sapatos brancos, anuncia casos dramáticos do cotidiano de
pessoas comuns. O programa foi exibido na TV Bandeirantes em 1967, e nos dois
anos seguintes na então novata TV Globo. É designado por esta última emissora
como “Entretenimento”, pertencente à categoria de programas auditório e/ou
variedade. Antes disso, Jacinto já havia apresentado o programa Fato em Foco em
1963 pela TV Cultura, que nos mesmos moldes de O Homem do Sapato Branco,
privilegiava as mazelas da sociedade e os casos de violência urbana. Jacinto se
autodenomina criador da expressão “mundo-cão”25, que logo se tornaria emblemática
na caracterização de programas que nos anos seguintes, se valeriam das mesmas
estratégias de Jacinto.

O programa recorria a elementos de suspense, como a penumbra no estúdio,


movimentos de câmera que começavam em plano detalhe e depois iam para o plano
geral, de modo a criar uma esfera dramática e excitante. “A abertura focalizava os
passos de um par de sapatos brancos, em um ambiente noturno, esfumaçado. O fundo
musical aumentava a dramaticidade do quadro” (Site Memória Globo)26. Através de
sua performance no estúdio e nas reportagens de rua, Jacinto apresentava os casos do
dia. O próprio nome do programa já o colocava em uma condição de “personagem”,
um elemento diferenciado e soberano capaz de ouvir, intermediar e opinar sobre os
casos e suas consequências. O caráter assistencialista assumido pelo apresentador era
lembrado pelo próprio traje, já que ser um homem do sapato branco representava os
médicos, enfermeiros e dentistas, pessoas consideradas “do bem” que habitualmente

25
Em entrevista à Revista Istoé Gente, em 2001, Jacinto afirma ser criador da expressão e diz que
programas policiais de sucesso da década imitam a sua fórmula. Disponível em:
http://www.terra.com.br/istoegente/94/reportagem/jacintho_figueira.htm. Acesso em maio/2012.
26
Descrição disponível em: http://memoriaglobo.globo.com/Memoriaglobo/0,27723,GYN0-5273-
241589,00.html. Acesso em maio/2012

60
trajavam sapatos brancos para exercerem suas atividades, conforme descrição
oferecida pela TV Globo.

O programa é considerado um marco na televisão brasileira, especialmente pelo


pioneirismo do estilo “mundo-cão”. Em 2001, em entrevista ao programa TV Fama
(Rede TV), Jacinto descreve tal estilo: “Eu pegava o cotidiano, polícia, pegava
figuras grotescas, engraçadas, figuras que realmente marcavam até época. (...) O
próprio programa era o cotidiano, aquilo que a cidade tinha e ninguém tinha coragem
de mostrar”27. Para mostrar esta realidade, ou seja, o lado difícil e bizarro dos
grandes centros urbanos, era necessário não só descrever os acontecimentos, mas
trazer os seus personagens e seus dramas particulares.

O esquema de televisão-verdade do Homem do Sapato Branco permite a reunião,


no mesmo palco, de um vereador de São Paulo, o massagista Mário Américo, um
velho jornalista policial, Orlando Criscuolo, e prostitutas, que se dizem
massagistas, mascaradas, para a discussão do tema: "Casas de massagem são, na
realidade, prostíbulos?” (Jornal do Brasil, “O velho ‘mundo-cão’ na máquina do
tempo”, 7/4/1980)

O Homem do Sapato Branco é uma das atrações que ganhou mais notoriedade na
audiência mas antes dele, alguns programas já evidenciavam que as estratégias dos
jornais populares no relato do crime já haviam chegado à televisão. “002 Contra o
Crime (1965) e Polícia às suas Ordens (1966) na Excelsior; Patrulha da Cidade
(1965), na Tupi; Plantão Policial Canal 13 (1965-1966) na TV Rio; e A Cidade
Contra o Crime (1966), na Globo” (RIBEIRO E SACRAMENTO, 2010, p. 111).
Estes programas, embora privilegiassem casos policiais, eram reconhecidos na
maioria das vezes pelas emissoras como programas de entretenimento, ao lado dos
musicais, humorísticos e de variedades em formato de programa de auditório.

Não tardou para que o aumento deste tipo de atração da grade televisiva fosse alvo da
crítica cultural. “Mundo-cão” era um termo que definitivamente representava o mau
gosto, a má qualidade. As críticas aos programas que se valiam se situações de
violência e drama cresciam a cada ano. Eli Houlfon, colunista do jornal Última Hora,
chegou a liderar declaradamente uma “campanha contra o grotesco na TV” (ROXO,
2010).

27
Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=Ry8BVszRpP4&feature=related. Acesso em
maio 2012.

61
O adjetivo mais próximo a “mundo-cão” para definir estes programas na crítica
cultural televisiva era o “popularesco”. O termo, ao mesmo tempo atrelava “povo”
(audiência e personagens desses programas) a um sentido específico, funciona como
um discurso demarcador de gosto, ou melhor, do que é bom ou ruim na sociedade e
na televisão.

O termo “popularesco” não tem uma definição precisa: nos dicionários da língua
portuguesa é sinônimo de popular. No entanto, na crítica cultural, uma produção
“popularesca” tem uma conotação negativa, significa degenerescência do
popular. (...) Com o passar do tempo, as concepções sobre arte e cultura se
transformam, a legitimidade cultural, ou seja, o poder de definir o que é certo ou
errado, em termos de cultura, se desloca, vai parar em outras mãos. Portanto,
para se compreender o que é “popular”, “popularesco” (...), é fundamental
descobrir quem tem o poder de nomear e quando o fez (MIRA, 2010, p. 166).

Toda a pressão feita pelos críticos da cultura e da televisão encontrou apoio no


Regime Político de Ditadura, que foi efetivamente instaurado no país em 1964, mas
intensificou suas ações regulatórias no final daquela década. O Estado foi quem
melhor orquestrou o sentido de legitimidade cultural televisiva da década de 70. Aos
poucos, os programas citados e tantos outros de cunho “popular” foram extintos da
programação, sob o esforço de “higienizar” a programação e torna-la unificada, com
potencial para integrar os brasileiros e disseminar “a doutrina de Segurança
Nacional, baseada em valores ligados a um cristianismo conservador, tendo a
família, a religião católica, a pátria, o trabalho, a moral e os bons costumes como
pilares de conduta”. (RIBEIRO E SACRAMENTO, 2010, p. 116).

Neste contexto, destaca-se a TV Globo como a emissora que mais cresceu, pois
investiu na readequação de sua grade, orientada pela política vigente. A partir do
acordo financeiro com a agência norte-americana Time Life, refez a sua programação
a partir da nova estética orientada pelo Estado, passando a investir nos programas
jornalísticos com recursos da tecnologia, que tornavam a atração mais “qualificada”,
em termos de preparo do conteúdo e da imagem. Esta estratégia ficou conhecida
como “padrão Globo de qualidade”. A principal inspiração eram os programas
jornalísticos norte-americanos, que preconizavam a técnica para produção e
apresentação dos conteúdos, em detrimento do improviso e da informalidade.

O videoteipe passou a ser mais usado, e as transmissões ao vivo (sempre


passíveis de imprevistos indesejados) diminuíram. Buscou-se investir em
programações gravadas, que poderiam contar com o mais poderoso recurso de
edição da época, o Editec. Assim, era possível imprimir nos produtos finais
recursos gráficos, voz em off e um ritmo mais acelerado e dinâmico, assim como

62
também era possível suprimir equívocos e imperfeições. (RIBEIRO E
SACRAMENTO, 2010, p. 119).

O Jornal Nacional, que estreia em 1969, torna-se símbolo desse modo de fazer da
emissora. Pelo pioneirismo, pelo prestígio adquirido, pela influência - demonstrada
pelo modo de fazer nos telejornais de outras emissoras -, e por uma série de
características técnicas e estilísticas, é o programa que melhor representa o modo de
fazer telejornal no Brasil. Embora tenha sofrido alterações ao longo desse período
ininterrupto de veiculação, continua sendo uma referência para o telejornalismo
nacional. (GOMES, 2012).

Por conta desta mudança de panorama, a década de 1970 pode ser encarada como um
período de inflexão, como sugere Roxo (2010). Isso pela condição em que se
caracteriza o monopólio de audiência da TV Globo e a diminuição relevante dos
programas dedicados ao “mundo-cão”. O espaço que estes programas encontraram
para ressurgir foi no SBT (antes TVS), na década seguinte, quando o período de
redemocratização política permite que novos conteúdos tenham aposta na televisão.
Desde a sua criação, a emissora investiu basicamente nos programas de auditório,
humorísticos e seriados, sem tanta atenção aos produtos jornalísticos. Com essa
estratégia, a emissora deseja implantar “uma programação popular de qualidade”,
conforme descreve o seu site institucional.

Um desses programas populares de destaque foi O Povo na TV, que estreou no


começo dos anos 80. Havia sido exibido antes na TV Tupi (com o nome A Voz do
Povo na TV), que acabou extinta por conta de uma crise financeira, e depois
adquirida pela TVS. A ideia inicial era a de um programa de variedades e serviços.
Mas uma vez no ar, “valia tudo. Pessoas com doenças graves, agredidas por policiais
ou maltratadas em repartições públicas formavam filas na porta do estúdio” (Folha
de S. Paulo, “‘O Povo na TV’ foi pioneiro na apelação para o mundo cão”,
25/11/2001). O time principal de apresentadores da 1ª versão formava uma
miscelânea do popular: Wagner Montes (que iniciou a carreira como repórter policial
na Rádio Tupi), Cristina Rocha e Sérgio Mallandro.

O cenário já não era escuro e dramático como em O Homem do Sapato Branco;


mesclava o ambiente do auditório com o de uma sala de estar de uma casa de classe
média. Era um novo formato do “mundo-cão”, um drama que mediado, valia-se da
explosão espontânea do público e até dos apresentadores.

63
(...) Wilton Franco, astro principal de O Povo na TV, não trata dos problemas de
filhos ilegítimos, de ascensão social, de encontros e desencontros amorosos com
a cor e o brilho da ficção. Ao vivo, fala de dramas familiares, de mal-
atendimento em órgãos públicos, de moças estupradas, de filhos roubados, de
falta de água ou de policiamento. É o tom da realidade de uma parcela da
população que encontra num programa de televisão a porta para suas denúncias,
queixas e apelos, exibidos diariamente, de segunda a sexta-feira, entre duas e seis
e meia da tarde, no vídeo da TVS, canal 11 (Jornal do Brasil, “O Povo na TV”,
8/09/1981)

Podemos interpretar que esta mudança simboliza um novo lugar para representação
das situações de crime, violência e dramas pessoais, em que pelo cenário, coloca nas
entrelinhas o distanciamento pretendido entre aquele que reporta, que assiste, e a
aquele que vive as situações de crime e polícia – o povo. A estratégia pretende
aproximar-se do ambiente e dos gostos da classe média, numa tentativa de “suavizar”
a representação das situações ditas grotescas e assim alavancar a audiência, mas não
consegue blindar-se das críticas negativas:

Lamentavelmente, Sílvio Santos levou para seu Canal 11 o pátio dos milagres
chamado O Povo na TV, repetindo a mesma equipe do Aqui e Agora e reunindo
alguns exemplares lamentáveis da sucata do jornalismo carioca. (...) O repelente
Wagner Montes, com sua mentalidade policialesca e reacionária, desanda a
puxar o saco da Policia, lembrando de cor os nomes de todos os delegados
titulares de distritos do Rio de Janeiro, o que demonstra que a figurinha anda dia-
e-noite no meio nada recomendável de policiais e bandidos. (Última Hora,
“Agressões Gratuitas”, 2/10/1980)

A esta altura, percebemos que os casos de polícia da vida real na TV brasileira são
preferencialmente acolhidos por atrações que também dão espaço à prestação de
serviço e aos mais diversos acontecimentos da vida urbana, utilizando uma boa dose
de drama. Não fossem reais, tais ocorrências pareceriam mais histórias fictícias,
retiradas de um romance policial. Nesse sentido, estes casos funcionariam também
como uma denúncia da face chocante, bizarra e/ou dramática da sociedade no
ambiente urbano.

Este viés de denúncia dos casos policiais foi aos poucos ganhando força, quando
alguns desses programas ditos populares passaram a aproximar-se das técnicas dos
telejornais de referência, no intuito de manter os níveis de audiência e amenizar os
efeitos da crítica cultural. O Povo na TV, por exemplo, fez mudanças em sua equipe
um tempo após sua estreia, trazendo figuras de respaldo político e social: a ex-
repórter da TV Globo Ana Davis, o advogado Roberto Jefferson (que mais tarde se
elegeria deputado federal), e o médium e parapsicólogo Roberto Lengruber. Para

64
Marco Roxo (2010), essa era talvez uma estratégia de conferir, com mais
credibilidade, uma esfera de debate popular a partir de referências distintas, e no
intuito de dar audiência:

A função de Jefferson no programa era criar um contraponto com Wagner


Montes. Este agia como “chicote do povo” e representava justiça popular com
seus apelos escandalosos ao linchamento e extermínio dos acusados pelo público
do programa por serem “marginais” e “deliquentes”. O programa embaralhava
realidade e ficção para tornar seus quadros atraentes para o público, acentuando
o debate entre o “bem e o mal” (ROXO, 2010, p. 185).

A estratégia, no entanto, funcionou durante pouco tempo. Em 1984 o programa deixa


de ser exibido, após denúncias de casos escandalosos (exibição ao vivo da morte de
um bebê, e a prisão de Ricardo Lengruber e Wilton Franco por charlatanismo) e
rejeição de anunciantes poderosos que se afiliavam cada vez mais às emissoras
(ROXO, 2010, p. 187). O fim coincide com a efetiva mudança de postura do SBT,
que passa a investir mais em telejornalismo, numa disputa clara pela audiência com a
líder TV Globo. O que não significa que o formato popular seria abandonado. A
“alma” de O Povo na TV voltaria na recriação do Aqui Agora, programa que havia
sido o seu embrião.

Em 1979, quando estreou na TV Tupi, o Aqui Agora tinha como objetivo fazer uma
cobertura jornalística ao-vivo pautada na prestação de serviço e nas ocorrências
cotidianas do Rio de Janeiro. Wilton Franco era diretor do programa e Wagner
Montes, um dos apresentadores - ambos, destaques de O Povo na TV, anos mais
tarde. Foi nesta atração que figuraram os primeiros esforços de trazer de volta a alma
e o “calor” dos programas populares à televisão, com um flerte no telejornalismo de
referência. Para Roxo (2010), o programa localizava uma dialética recorrente na
cultura brasileira, na tensão que se estabelece entre a modernidade - que no caso da
TV, era representado pelos programas da Globo naquele momento - e o arcaico,
“representado pelos aspectos informal e improvisado do misto de programa
jornalístico e de auditório conduzido com mão de ferro pela personalidade
carismática do apresentador” (ROXO, 2010, p. 182).

Antes que a atração pudesse ser extinta em função das críticas, a TV Tupi encerrou
as suas atividades, e dai temos o recomeço no SBT. Após a tentativa frustrada com O
Povo na TV, Silvio Santos recupera o formato do Aqui Agora e exibe aquele que
seria um marco na cobertura policial da TV brasileira.

65
2.2.2 Anos 90 a 2000: sensacionalismo e a violência enquanto estratégias

O Aqui Agora, atração emblemática no quesito cobertura policial televisiva, renasce


no SBT em 1991. É ele que vai dar, naquele contexto, uma nova “cara” à temática do
“mundo-cão” na TV brasileira. Isso porque, de forma inovadora, se vale da mesma
cobertura destes programas, mas trazendo os seus apresentadores em uma bancada,
num cenário típico de telejornal. “(...) diferentemente de ‘O Povo na TV’, híbrido
entre programa de auditório e jornalismo comandado por um não-jornalista, ‘Aqui
Agora’ foi pensado e elaborado por jornalistas profissionais” (ROXO, 2010, p. 189).
Tratava-se de um telejornal popular inovador, que apesar da bancada, investia em
recursos que passavam ao largo do “padrão Globo de qualidade” através da
utilização de recursos como plano-sequência, câmera tremida e edição com trilha
sonora e narração em tom de suspense.

O argumento utilizado pela emissora e pela equipe do programa para se proteger das
críticas que logo atingiram a atração era o de que o objetivo era resgatar a
espontaneidade e a instantaneidade da linguagem radiofônica (ROXO, 2010), valores
que para os críticos se traduziam como sensacionalismo. Um dos principais alvos da
crítica, a crônica policial de Gil Gomes - um então velho conhecido das reportagens
policiais radiofônicas - era justamente o ponto alto do programa. Do tom da voz às
perguntas feitas na reportagem, o estilo de Gil mesclava referenciais culturais com a
linguagem televisiva. “O que significa isso? Uma junção da gestualidade necessária à
televisão, fundamentalmente nas gravações improvisadas na rua, com a oralidade
herdada do exercício de narrar milhares de histórias no rádio ao longo de mais de
vinte anos de profissão” (ROXO, 2010. p. 190).

As ocorrências policiais e outros acontecimentos impactantes ou chocantes ocorridos


no cenário urbano eram as principais manchetes do telejornal. Ao passo em que
registrava altos índices de audiência, a atração era fortemente criticada. Quando em
1993, exibiu cenas do suicídio de uma jovem paulista ao vivo, causou furor aos
críticos mais ferozes. Para a emissora, aquele era o preço de se mostrar a realidade,
no mesmo instante em que os fatos acontecem, ou seja, aqui e agora. O slogan
utilizando pelo programa - “o telejornalismo vibrante que mostra a vida como ela é”
- demonstra este esforço. (CAMPELLO, 2008).

66
Embora saibamos que o Aqui Agora pode ser considerado como um telejornal
temático, pela preferência às notícias policiais e aos dramas urbanos, não se pode
deixar escapar a tensão que ele estabelece com os telejornais tradicionais. No
momento em que resgata-se um estilo taxado como popularesco, utilizando de certos
padrões e códigos do telejornal convencional, o Aqui Agora estabelece um novo
referencial para o valor-notícia, imediaticidade e verdade. Provoca no sentido de que
para mostrar a “realidade” do fato, era preciso abrir mão do rigor estético. Ao mesmo
tempo, ele também estabelece de forma mais direta a relação com as camadas mais
pobres da população, personagens recorrentes das notícias que compõem o
programa, colocando esta camada social diretamente no lugar de público-alvo.

A “fórmula de sucesso” do Aqui Agora durou até 1997, quando o programa deixou
de ser exibido. Segundo Marco Roxo (2010), um conjunto de fatores explica a sua
extinção, alguns mais evidentes: a) crise financeira da emissora, já que o programa
sofrera diversos processos judiciais por danos morais; b) perda de originalidade, já
que outros programas surgiram, utilizando das mesmas estratégias; c) um suposto
acordo do SBT com os Estúdios Disney, que exigia o horário do telejornal (18h30,
faixa considerada nobre - pois considera maior volume de audiência - na grade
televisiva). Ainda assim, o programa imprimiu um marco tão forte que nas décadas
seguintes, é possível observar um aumento das notícias policiais nos telejornais
tradicionais e também um esforço pra flexibilizar a linguagem, torna-la menos
“formal”. (CAMPELLO, 2008).

De forma mais direta, essa mudança de paradigma pode ser exemplificada pelo
programa Linha Direta, uma produção da TV Globo. Exibido pela primeira vez em
1999, a atração noturna trazia uma vez por semana duas situações reais de crime em
que os assassinos estariam foragidos. Através do programa, os telespectadores
poderiam fazer denuncias e ajudar a polícia a encontrar os culpados. Toda a situação
era reproduzida por meio de depoimentos dos envolvidos (parentes, vítimas, etc) e de
representação teatral da cena do crime. Nos dois primeiros anos, é apresentado por
Marcelo Rezende (atual apresentador do Cidade Alerta). Depois, é comandado pelo
também jornalista Domingos Meirelles, que fica até 2007, ano em que o programa
sai da grade de programação.

67
Ao investir em um formato híbrido, que utiliza as técnicas da dramaturgia (terreno
sob o qual a TV Globo tem amplo domínio e experiência) e do telejornalismo, a TV
Globo revelou que estava aberta a novas possibilidades, diante de outras experiências
bem sucedidas em termos de audiência, a exemplo do Aqui Agora. Para Kleber
Mendonça (2010), o programa mostrou de forma bem sucedida como as emissoras
estavam se comportando aos movimentos contemporâneos das audiências: buscando
novas alternativas, ao mesmo tempo em que revista e negocia com formas ancestrais
do modo de fazer TV no Brasil.

Ao permear a estrutura jornalística das reportagens com diálogos, imagens e


outros recursos inerentes à narrativa ficcional literária e cinematográfica, os
produtos do “Linha Direta” conseguiram recuperar o diálogo com uma parcela
da população que, naquele momento, não se reconhecia mais na grade de
programação da TV Globo (MENDONÇA, 2010, p. 261).

Mendonça (2010) aponta ainda dois fatores que teriam influenciado diretamente essa
“virada” nos padrões do telejornalismo: o crescimento voraz da audiência televisiva,
pelo número de aparelhos e pelo público, agora cada vez mais composta pelas classes
C e D, e o advento das TV’s por assinatura. Atrelado a isso, as melhorias no processo
de digitalização televisiva viabilizaram produções mais complexas, a partir de uma
exploração mais precisa dos recursos audiovisuais e da tecnologia, proporcionando
uma aproximação da televisão com o cinema e a internet, como apontam Fechine e
Figuerôa (2010).

Do ponto de vista sociocultural, a reconfiguração do público (em que as classes mais


abastadas pagam pelo conteúdo televisivo e as mais pobres, começam a assistir mais
a programação aberta) faz com que as emissoras entrem em disputa acirrada pela
audiência e pelo investimento publicitário - que desde os primeiros anos, constituiu-
se como principal patrocinador dos conteúdos televisivos (ORTIZ, 2006). Do lado da
produção televisiva, os formatos se reconfiguram numa perspectiva de
transmediação, em que os conteúdos convergem, interagem de acordo com
referências de múltiplas plataformas e circulam em dimensão global.

Compreendida aqui em uma acepção mais ampla, a transmediação designa, por


um lado, um conjunto de estratégias cross media que opera a partir da
repercussão, das ressonâncias e da retroalimentação de conteúdos de um meio a
outro, tal como ocorre hoje exemplarmente entre a televisão e a internet, mas
também entre cinema e TV. (FECHINE E FIGUERÔA, 2010, p. 284).

Especificamente no caso dos programas dedicados à cobertura policial, a divulgação


do aumento dos casos de violência nos grandes centros urbanos do país também

68
constará, para alguns críticos, em um fator imperativo para organização desse tipo de
formato. Segundo Alexandre Campello (2008), é partir dos anos 1990 que órgãos
estatais e pesquisas passam a apresentar com maior frequência dados que
demonstram aumentos progressivos dos casos de assassinato e mortalidade por
homicídios. Os grandes atingidos por esses dados seriam os pobres e negros do país,
os mesmos que se configuravam enquanto público crescente da televisão. O autor
destaca que muitas pesquisas e críticas irão atribuir como consequência direta a este
panorama um sentimento de descrença geral, por parte da população, com o Estado e
o aparelho judiciário nacional.

De fato, a passagem dos anos 1990 para a década de 2000 representa um retorno
expressivo dos programas dedicados às notícias do “mundo-cão”. Até o programa
Cadeia, que fez sucesso em uma emissora local do Paraná entre as décadas de 1970 e
1980, volta à TV em 1992 em formato nacional, através da Rede OM de Televisão.
O apresentador Luiz Carlos Alborghetti, uma excêntrica figura que bradava contra
tudo e todos que o indignavam, comandava o programa com bordões como “bandido
bom é bandido morto”, ou “Cadeia para vocês, vagabundos”. Afirmava com
frequência ser “contra todas as formas de violência que venham a desintegrar a
moral e os princípios da família brasileira”28.

Neste período mais recente então, os programas policiais ganham estrutura mais
robusta, cenários mais bem elaborados, com mais apelo estético e audiovisual.
Discursivamente, flertam de modo mais incisivo com as estratégias dos telejornais de
referência. Passam a ocupar a faixa de horário considerada nobre na grade televisiva
brasileira (a partir do começo da noite, como fez o Aqui Agora, horário de maior
audiência), e possuem sofisticadas equipes de produção e repórteres, capazes de
produzir coberturas extensas. Concentram-se no discurso de que querem mostrar as
mazelas da sociedade e seu lado violento mas com “credibilidade”, “atualidade”,
“compromisso” – palavras frequentemente utilizadas nos textos tanto do
apresentador quanto dos repórteres. Assim, os relatos da violência e o uso do
“sensacionalismo” tornam-se então estratégicos, mas dessa vez, pela disputa da
audiência e também pelo mercado publicitário.

28
Entrevista do apresentador para um fã que mantém um site em sua homenagem. Disponível em
http://alborghetti.wordpress.com/autobiografia/. Acesso em abril/2012.

69
Entre os filhos mais notáveis do “mundo-cão” contemporâneo estão os programas
Repórter Cidadão (Rede TV, 2002 - 2005), Cidade Alerta (TV Record) e Brasil
Urgente (TV Bandeirantes). Uma reportagem que anuncia a estreia do Cidade Alerta
dá o tom do clima de concorrência e das estratégias pretendidas pela neo cobertura
policial:

Roberto Cabrini avisa: seu programa Brasil Urgente, que deve estrear na Band
em 19 ou 26 de novembro, não vai concorrer apenas com o Cidade Alerta. O
programa, diz o jornalista, que será exibido ao vivo das 18h às 19h20m (mesmo
horário em que José Luiz Datena está no ar), vai entrar no páreo com todos os
canais. - Vai ter polícia e helicóptero, mas quem conhece meu trabalho sabe que
eu não faria um programa só de polícia, apesar de respeitar quem faz - diz. - A
intenção é fazer uma atração com muita flexibilidade. (O Globo, “Agora, a
guerra é pela audiência” 04/11/2001)

A figura do apresentador torna-se uma peça chave nestes programas. Atuam como
mediadores principais, tal como os âncoras dos telejornais, conduzindo um formato
que parece buscar uma articulação entre as formas ancestrais dos programas
populares (shows e do tipo auditório) e as dos telejornais convencionais. As críticas a
essas programas irão se concentrar muitas vezes na postura desses apresentadores.

No lugar das carinhas singelas, mensagens em defesa da natureza e dos animais,


brincadeiras debilóides, porém, inocentes, entraram os brucutus. Homens de
ternos mal cortados, donos de um mau humor de assustar crianças grandes e de
uma retórica que, apesar de vazia, movimenta cifras milionárias e a gangorra do
ibope (O Estado de S. Paulo, “Os brucutus tomam o lugar das loirinhas”,
30/06/2002).

A reconfiguração do público e as novas possibilidades na construção do conteúdo


televisivo fazem com que atrações do tipo popular (programas de auditório, shows e
variedades) e voltadas à cobertura policial ganhem cada vez mais espaço na
televisão. Em consequência, os telejornais também inserem novas estratégias no
sentido de concorrer com essas atrações.

Marco Roxo e Igor Sacramento (2013) sugerem que nesse contexto, duas tendências
de reorganização discursiva do telejornalismo brasileiro podem ser verificadas, uma
mais fortemente vinculada aos programas que priorizam a cobertura policial, e outro
mais aos telejornais convencionais. A primeira seria a prevalência do tipo
“apresentador-jornalista carismático”, conforme indicamos antes, que para estreitar o
vínculo com a audiência, se valem de uma performance “cênica e verborrágica”
calcada em recursos do melodrama. A segunda tendência seria a mudança de cenário
e a participação cada vez mais recorrente de agentes externos (telespectadores) na

70
produção do telejornal. Segundo os autores, estas tendências atualizam a noção de
informalidade, que por sua vez se configura como principal trunfo de popularização
dessas atrações, ou seja, de aproximação com as audiências.

No primeiro caso, segundo os autores, esta aproximação se dá pela exploração das


mazelas e casos extraordinário do cotidiano através de discurso e performance que
remetem ao “senso comum das massas populares” – por exemplo, quando
discursivamente se colocam em defesa do que seriam interesses do povo, defendendo
atitudes e valores que, segundo eles, o “ povo” aprova e reconhece, entre outras
condutas. No segundo, os telejornais preferem flexibilizar a linguagem, tornar o
cenário mais parecido com um ambiente doméstico para “familiarizar o
telespectador”, mas mantendo uma linguagem mais comedida, que não remeta a
“exageros” que historicamente se vinculam à cultura popular. (ROXO E
SACRAMENTO, 2013, p. 2).

Para os dois autores, o sentido de popularização se conecta à representatividade que


este termo adquiriu na cultura política brasileira, derivativo do populismo. Nesses
termos, os programas voltados à cobertura policiais e extraordinárias, a partir de uma
performance exagerada, adquirem uma estratégia populista no sentido de manter o
controle da vontade popular sobrepondo-a ao poder exercido pela prática jornalística.
Já os telejornais convencionais que se valem das estratégias de informalidade, se
vinculariam a uma perspectiva neopopulista, no sentido de construir um sentido de
“soberania popular” a partir da convocação do público da produção do programa.

Tais reflexões se tornam pistas interessantes para compreendermos a configuração


contemporânea dos programas dedicados à cobertura policial no Brasil.
Consideramos que os programas Brasil Urgente e Cidade Alerta reúnem
características entre as apontadas aqui, e que revelam não só os contornos adquiridos
pelo gênero mas os caminhos trilhados pela produção televisiva brasileira como um
todo, hodiernamente.

Como vimos, os programas dedicados às mazelas da sociedade, aos dramas do


homem comum e às situações de violência e crime existem desde os primeiros anos
da televisão no Brasil. Antes reconhecidos pela critica e pelas emissoras como
programas de variedades, hoje são cada vez mais vinculados ao termo
“telejornalismo policial”. Como esta categoria genérica vai tomando forma? Ao se

71
colocarem em uma posição mais afinada com os telejornais convencionais, estes
programas dialogam não só com as formas clássicas do modo de contar histórias de
crime (que em outra esfera, se constitui num conjunto de características e
procedimento historicamente partilhados) e com a cultura popular, mas também de
modo mais intenso com as demais instâncias sociais. Observaremos como estes
programas dialogam então com essas estratégias, a fim de compreender como eles
constituem essa marca contemporânea do programa jornalístico policial.

72
3. TELEJORNALISMO, CRIME E POLÍCIA: AS EXPERIÊNCIAS DE
BRASIL URGENTE, CIDADE ALERTA E SUAS VERSÕES REGIONAIS

Brasil Urgente (TV Bandeirantes - BAND) e Cidade Alerta (TV Record) compõem a
grade televisiva brasileira há pelo menos uma década. A batalha pelos índices de
audiência e pela atenção do mercado publicitário, cada vez mais acirrada entre as
emissoras, faz com que a programação estseja cada vez mais sujeita a alterações,
experimentos e novos formatos. Nesse sentido, podemos interpretar que estes são
exemplares bem sucedidos, resistentes neste panorama volátil e flexível em que se
estabelece a produção televisiva nacional.

Ambos são concorrentes diretos, não só pela temática, mas pela exibição quase que
simultânea, ocupando a faixa compreendida entre 16h30 e 19h, antecedendo os
telejornais noturnos de suas respectivas emissoras. Ao longo dos anos de exibição,
registraram índices considerados altos de audiência, ocupando assim o posto de
produtos “carro-chefe” (SERRALVO, 2006)29 tanto para a BAND quanto para a TV
Record. São descritos por estas como programas jornalísticos diferenciados, de
formato arrojado, dispostos a levar o que é notícia ao telespectador de forma
diferenciada.

Com uma linguagem coloquial e opinativa, Brasil Urgente dispensa os formatos


tradicionais, assumindo a flexibilidade e o dinamismo, disposto a "mexer muito
na linguagem do telejornalismo, deixando de lado a camisa de força que se vê
por aí", como ressalta Fernando Mitre, diretor nacional de jornalismo da Rede
Bandeirantes. (Site BAND Vale) 30

Cidade Alerta é um jornalístico da TV Record, exibido de segunda à sexta-feira,


às 17h. O jornal carrega muita história. Há tempos fora da grade da TV Record, o
programa retorna já consagrado pelos telespectadores, devido ao jeito ágil de
passar a informação e com a credibilidade dos profissionais de jornalismo da
emissora (Site Rede Record) 31.

A similaridade dos formatos, a repercussão na crítica e na audiência, e as reflexões


suscitadas nos textos acadêmicos são características partilhadas por estes programas.

29
Serralvo apresenta os índices registrados pelo IBOPE alcançados pelos programas nos anos de suas
estreias e nos anos de sua amostragem de corpus (2004 e 2005). A autora registra ainda que os dois
programas costumam ocupar as segundas e terceiras posições nesse horário, no comparativo com as
demais emissoras de transmissão aberta. Em Junho de 2013, o jornal Folha de S. Paulo publicou que
juntos, os dois programas atingem “mais 900 mil lares na Grande São Paulo” enquanto são exibidos -
disponível em http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/06/1296044-jose-luiz-datena-e-marcelo-
rezende-atingem-cerca-de-900-mil-familias.shtml
30
Emissora afiliada do Grupo Bandeirantes. Disponível em:
http://www.tvbandvale.com.br/v2/programa.php?id=13
31
Apresentação do programa no site da Rede Record. Disponível em: http://noticias.r7.com/cidade-
alerta/o-programa/

73
Entendemos que são aspectos que reforçam suas relevâncias no âmbito da produção
televisiva brasileira e no reconhecimento de um formato ou estilo específico por
parte da audiência.

Nos dois últimos anos, BAND e TV Record, reafirmando a perspectiva do êxito


alcançado por estes programas, apostaram em versões regionais homônimas de
ambos os programas em alguns Estados brasileiros. O Brasil Urgente Bahia,
apresentado pelo jornalista Uziel Bueno, estreou na programação em 19 de setembro
de 2011, ao mesmo tempo que em mais outras seis emissoras afiliadas do grupo -
cada uma com sua versão regional antecedendo a versão nacional, apresentada por
José Luiz Datena. Já o Cidade Alerta Bahia estreou em 11 de junho de 2012,
apresentado pelo jornalista Adelson Carvalho. Ambos apresentadores já são
conhecidos do telespectador baiano, com atuação em reportagens de cunho policial.

Segundo Uziel Bueno, a BAND teria investido cerca de R$1 milhão na produção
baiana. O piloto da atração teria, inclusive, servido de modelo para as demais versões
das afiliadas. À época da estreia, o repórter afirmou que o intuito da atração era
reforçar a presença do jornalismo popular na Bahia e também de integrar a produção
de conteúdo jornalístico da emissora feita em todo o país32. A TV Record Bahia
apresentou a nova atração sob os mesmos argumentos. Segundo Carlos Alves, diretor
da afiliada, o investimento na programação local tem o objetivo de fortalecer a
imagem unificada da rede. “Temos que fazer a emissora crescer junto com a cabeça
de rede, e para isso é preciso ter um destaque em rede nacional. Esse é o nosso
desafio” (“Carlos Alves - novo diretor da Record Bahia”, Site Bocão News, 27 de
Abril de 2013) 33.

Pela trajetória que construíram, Brasil Urgente e Cidade Alerta se tornam objetos
expressivos para verificação de um determinado estilo no âmbito da produção
televisiva contemporânea brasileira, que culmina na identificação do subgênero
programa jornalístico policial. Seus respectivos modos de fazer os conectarão com as
referências em torno do reconhecimento genérico. As versões regionais se
constituem como desdobramentos que revelam os limites desse reconhecimento, que

32
Entrevista dada ao jornal Tribuna da Bahia. Acesso em outubro/2012 Disponível em
http://www.tribunadabahia.com.br/2011/09/14/brasil-urgente-estreia-na-bahia . Acesso em maio/2012
33
Disponível em: http://www.bocaonews.com.br/entrevista/65,carlos-alves-novo-diretor-da-record-
bahia.html . Acesso em outubro/2012

74
para nós, se dá no âmbito tanto da produção televisiva quanto no cultural. Através do
exercício analítico, pretendemos observar como se dá a construção desse estilo, e de
que forma ele se relaciona ao processo de formação cultural, social, econômico e
político brasileiro, tornando válido o nosso entendimento do produto midiático
enquanto forma cultural.

3.1 Brasil Urgente

O programa Brasil Urgente surge no momento em que a Rede Bandeirantes faz o seu
principal investimento em telejornalismo, desde o seu surgimento. No site
institucional da emissora, a imagem de uma “linha do tempo” destaca o ano de 2001
como o da criação de sua Central de Jornalismo. O Brasil Urgente seria um dos
conteúdos que marcaria esta fase, que para a própria emissora, significava não só um
investimento em tecnologia, mas a pretensão de causar impacto na maneira de fazer
jornalismo na televisão brasileira.

A estréia do Brasil Urgente, com Roberto Cabrini, o novo Jornal da Noite, com
Maria Cristina Poli, e a reformulação do Jornal da Band marcam, a partir de
hoje, o pontapé inicial da Rede Bandeirantes na sua nova fase jornalística. Terão
início hoje, também, as operações da Central de Jornalismo - o News Center -,
uma redação/estúdio de 700 metros quadrados que reúne em um único local os
profissionais da área. "Não é apenas uma redação, é uma filosofia de trabalho
diferente, totalmente multimídia", explica Johnny Saad, presidente da Band.[...]
Para Mitre [Fernando Mitre, Diretor de Jornalismo], o programa comandado por
Roberto Cabrini será uma aposta radical no jornalismo. "Haverá exploração total
do News Center, usando uma linguagem agressiva, sem cair no
sensacionalismo." (Jornalismo da Band entra em nova fase, O Estado de S.
Paulo, 03 de dezembro de 2001)

Não tardou para que alguns críticos da televisão enxergassem que uma atração como
Brasil Urgente representasse um movimento das emissoras para apelação ao baixo
nível em busca pela audiência.

Nesta semana, a realidade exagerou. A República virou um imenso programa


mundo-cão. Parece ter sido engolida por noticiários como o "Cidade Alerta", da
Record, ou o "Brasil Urgente", da Bandeirantes. A sensação é de que os
criminosos escaparam, não mais das penitenciárias, mas dos telejornais
policialescos. Escaparam do vídeo, em massa. Inundaram as cidades. [...] O que
antes era o atípico, o excesso, o que era doentio e, por isso, era a matéria-prima
das atrações mais apelativas e mais baixas da TV ganha as ruas como a nova
normalidade. (Folha de S. Paulo, “Sensacionalista é a realidade”, 27/01/2002).

Para além das intenções pretendidas pela emissora, é fato que este investimento na
linguagem jornalística se colocava como uma novidade, quando os olhos da BAND

75
se voltam para um campo que até então nunca tinha sido prioridade. Na década de
1980, a emissora atingiu o seu auge em audiência sob o slogan “o canal do esporte”.
A atração dominical Show do Esporte (1983-2004) era responsável por uma
cobertura esportiva que ocupava quase que todo o dia, e durante a semana, os
eventos e notícias do esporte, bem como a transmissão de jogos de futebol, tinham
relevante espaço na programação. Além dos esportivos, programas de shows e
variedades como o Clube do Bolinha, eram atrações fortes na emissora.

Os programas de entrevista Cara a Cara e Canal Livre - este, no ar até os dias atuais
- formavam o time jornalístico ao lado do Jornal da Bandeirantes (que a partir de
1997, passa a se chamar Jornal da Band). A inconstância dos apresentadores e do
horário de veiculação (entre 19h e 21h) tornavam o Jornal da Band um produto de
pouco destaque na concorrência. Os momentos mais expressivos (em relação ao
investimento da emissora - tempo, cenário, apresentadores, equipes, etc. - e no
retorno da audiência) ocorreram primeiro em 1997, quando assume o jornalista Paulo
Henrique Amorim, e em 2006, quando assumem a bancada o âncora Ricardo
Boechat e o comentarista Joelmir Betting. Boechat possui larga experiência no
jornalismo brasileiro atuando como repórter, colunista e diretor de redação de outros
veículos antes da BAND. Joelmir Beting, que faleceu em 2012, tinha larga
experiência como comentarista de política e economia e antes de chegar ao Jornal da
BAND, já participava do programa Canal Livre.

Nesse sentido, a TV Bandeirantes constrói sua identidade televisiva a partir dos


conteúdos ligados ao entretenimento (show, filmes, programas de variedades e
humor) e no campo jornalístico, vincula-se mais à cobertura esportiva e à
transmissão de debates políticos eleitorais34, e menos aos formatos mais tradicionais
como o do Jornal Nacional (TV Globo). Este direcionamento se torna emblemático
se considerarmos a herança da linguagem radiofônica, já que as atividades do hoje
Grupo Bandeirantes de Comunicação começaram pela Rádio Bandeirantes, criada
em 1937. Uma das mais ouvidas na cidade de São Paulo, se destacava pela
predominância das transmissões de eventos esportivos e shows. A expertise no trato

34
De acordo com o site institucional, a BAND foi pioneira na transmissão de debates políticos
eleitorais, transformando esta vertente em uma tradição jornalística da emissora. Disponível em
http://www.band.uol.com.br/grupo/jornalismo.asp .Acesso em julho/2013.

76
do esporte fez com que a própria emissora tratasse este tema como uma “tradição”35
em sua existência.

Assim, o Brasil Urgente nasce com a missão de inserir mais fortemente a BAND na
disputa protagonizada pelos produtos jornalísticos e a escolha do apresentador
denunciava tal intenção. Em mais de vinte anos atuando como um dos mais
destacados repórteres da Rede Globo, Cabrini passou primeiro pela cobertura
esportiva, foi correspondente internacional, mas atingiu o auge da carreira nas
reportagens investigativas elaboradas para o Jornal Nacional e Fantástico. Em uma
entrevista dada ao jornal O Estado de S. Paulo, à época da estreia do Brasil Urgente,
declarou que a atração representava um “desafio” na carreira, já que pela primeira
vez sairia do papel de repórter para o de âncora. No entanto, fez questão de frisar,
não deixaria de imprimir ao programa o know-how adquirido pela reportagem
investigativa.

Um dia pode ser um jornal de debate ou de um grande furo de reportagem, outro


dia pode ser apresentado de uma favela, da praça etc. Vamos valorizar muito as
matérias investigativas. Vou fazer esse jornal como um repórter, não como um
apresentador ortodoxo (“Jornalismo da Band entra em nova fase”, jornal O
Estado de S. Paulo, 3 de dezembro de 2001).

Roberto Cabrini ficou dois anos no programa, quando deu lugar ao apresentador José
Luiz Datena, na época recém-saído da TV Record, onde comandava o Cidade Alerta,
concorrente direto do Brasil Urgente. Em entrevista à revista Istoé Gente, Datena
afirma que pedira demissão por conta de um desgaste com o vice-presidente da
Record, e que a nova atração seria uma continuação do seu trabalho. “Eu é que tenho
que me adaptar ao programa e não o programa a mim. Como o Brasil Urgente e o
Cidade Alerta têm fórmulas parecidas, acho que vai ser uma sequência do meu
trabalho” (ISTOÉ Gente, “Agora na BAND”, 13/03/2003).

O tipo físico avantajado (1,83m de altura e peso em torno de 110 quilos) e a


expressão facial séria - poderíamos dizer até intimadora - de Datena corporificavam
o estilo que o programava adotaria a partir daquele momento: o de um programa

35
Em 2012, a emissora comemorou os 75 anos de existência com o lançamento do livro “Futebol É
com a Rádio Bandeirantes”, composto de quatro volumes que contam a história dos principais times
de futebol de São Paulo, e suas coberturas junto à emissora. Na ocasião, Milton Leite, apresentador de
um programa esportivo da TV Bandeirantes, publicou em seu blog junto ao site da emissora fatos
marcantes da história da emissora, destacando o começo gloriosos, a partir dos shows de auditório,
que a tornaram a “mais popular emissora paulista, e o investimento para transmissão dos jogos da
Copa do Mundo de 1958, pontapé para se tornar a rádio com tradição em esportes.

77
mais enérgico, cujo âncora se posiciona de forma mais rude e agitada, simulando a
pouca sutiliza que o sentido de “urgência”, convocado no próprio nome da atração,
deveria provocar. A linguagem coloquial passa a ser um grande trunfo na construção
da identidade do programa, principalmente nos comentários sobre as notícias
envolvendo crime ou atuação policial, quando o âncora irá demonstrar maior
intimidade. Sob o comando de Datena, o programa dobrou os índices de audiência da
emissora nesta faixa de horário e logo o apresentador se tornou um dos ícones
contemporâneos do jornalismo policial na TV brasileira, ou como prefere
caracterizar a emissora, “um dos mais importantes e influentes apresentadores do
Brasil”36. A popularidade lhe traz o status de celebridade, referendado pela
audiência, por algumas publicações, e até pela crítica televisiva.

Sem formação acadêmica no jornalismo, Datena começou a carreira em uma rádio de


Riberão Preto (SP), sua cidade natal, cobrindo eventos esportivos. A primeira
emissora de televisão que trabalhou foi a TV Record, onde também continua
cobrindo esportes até a primeira oportunidade com a reportagem policial. O ápice se
dá no Cidade Alerta, que comandou durante cinco anos e ajudou a elevar os índices
de audiência da Record. Já nesse programa, utilizava de bordões e do linguajar
coloquial para comentar as notícias exibidas pela atração. À frente do Brasil Urgente
desde a sua estreia, Datena só se afastou do programa em 2011, quando chegou a
negociar uma volta à Record (para reassumir o Cidade Alerta), mas voltou atrás e
desistiu da mudança37. É hoje um dos apresentadores mais bem pagos da TV no
Brasil, com remuneração mensal estimada em cerca de R$1 milhão.

36
Disponível em: http://noticias.band.uol.com.br/brasilurgente/datena.asp. Acesso em junho/2012.
37
Em 2003, Datena recebeu uma proposta da BAND e decidiu rescindir seu contrato com a Record,
onde ficou acordado uma multa pela rescisão antecipada. Oito anos depois, a Record fez uma proposta
ainda mais vantajosa para Datena, que decidiu rescindir com a BAND e voltar à Record, que além de
oferecer melhor pagamento, o abonaria da multa antiga. Datena voltou a apresentar o Cidade Alerta,
mas atritos e discordâncias entre o apresentador e a alta direção da emissora, com relação à condução
do programa fizeram com que o apresentador ficasse apenas seis semanas. Embora alegasse
problemas, a condução de Datena no Cidade Alerta fez a audiência do programa subir 70%. A certeza
do sucesso fez com que a BAND não fechasse as portas para o apresentador, e lhe abrisse espaço para
uma volta, com direito a mais uma renegociação vantajosa. Datena aceitou e em troca adquiriu uma
multa com a Record de R$ 50milhões, renegociada para R$20 milhões. Em entrevista ao programa 8
minutos, veiculado via Youtube, Datena diz que agora trabalha para assumir os custos dessa multa.
“Eu já tive que pagar uma multa que ninguém nunca pagou na TV brasileira por quebrar um contrato.
Paguei do meu bolso, perdi imóveis, perdi carro, perdi uma série de coisas. Então eu não tenho
condição de chegar no cara da televisão e dizer que eu não quero fazer isso, não posso me arriscar a
perder mais coisas”.

78
Quando começa o Brasil Urgente, Datena está sozinho no centro de um cenário
virtual, que em profundidade, projeta sobre a técnica do croma-key três ambientes
distintos para enquadramento de câmera. Ele está sempre de pé, circula pelos três
ambientes e a gesticulação aparece como um movimento natural, tal como acontece
em uma conversa com um grupo de pessoas. Normalmente, anuncia as chamadas
com voz grave e empostada, que remete ao estilo dos antigos locutores radiofônicos.
Durante todo o programa, esforça-se para manter a voz em tom cordial, o que não
impede a ocorrência de alguns excessos, ou seja, quando a situação noticiada parece-
lhe deveras repugnante. Quando isso acontece, não raro pede desculpas ao público.
Datena parece querer manter sempre a figura de um homem polido, cortês, dentro
dos limites da moral e dos bons costumes.

A indumentária que leva o apresentador reforça o sentido de seriedade e


padronização. Datena está sempre vestido de forma elegante e formal, com terno de
cor escura e gravata em tons sóbrios, calça sapatos estilo social. Mesmo não tendo
bancada ou algum móvel de apoio, onde possa colocar paéis, roteiros ou fichas de
informação, Datena leva na mão sempre uma caneta, numa demonstração de que
embora não haja papel à vista, está sempre preparado para assinar, redigir, tomar
alguma nota ou validar algum conteúdo durante o programa ou durante os intervalos,
uma estratégia que almeja, duplamente, revelar um instinto de ofício do jornalista
(sempre pronto para redigir ou tomar nota de algum fato relevante), mas também de
poder e controle sobre a atração. Do mesmo modo, o fato do apresentador estar
“livre” de amarras, cenários ou bancada dá a abertura para o imprevisível, para que o
apresentador se movimente como achar melhor para apresentar a notícia, fazer seus
comentários e assim, imprimir um ritmo mais dinâmico pretendido pelo programa,
que prioriza a cobertura por transmissão direta dos acontecimentos da maior cidade
do país.

Brasil Urgente entra ao ar no fim da tarde, após uma programação que reúne
programas sobre esportes, seriados e desenhos animados. Nos grandes centros
urbanos, essa faixa horária é geralmente turbulenta, com o trânsito difícil marcado
pela volta pra casa do cidadão após a jornada regular de trabalho. Com duração
média 2h20min, o programa prioriza a cobertura ao vivo desta rotina hodierna da
cidade de São Paulo, ao momento em que o programa é transmitido. Tanto a
cobertura ao vivo quanto a gravada, composta pelas reportagens, destacam situações

79
relacionadas à prestação de serviço, mas em grande maioria, as que relatam crimes,
violência e ação policial.

A cobertura ao vivo é feita ora pelas imagens aéreas de um helicóptero a serviço da


atração, ora pelos repórteres e os motolinks (motocicletas equipadas com câmeras).
O cotidiano de São Paulo funciona aqui como um “espelho” da rotina que também
acometeria outras grandes cidades do país. Estabelece-se uma relação causal forte
(São Paulo equivale ao Brasil), de modo que o apresentador frequentemente ignora
explicações ou ressalvas em relação a localização de certos pontos da cidade,
sugerindo que qualquer cidadão brasileiro conhece bem (ou deveria, pelo menos) a
maior e mais importante cidade do país. Quando a transmissão nacional dá lugar à
versão regional do programa (disponível apenas em algumas cidades), poucas vezes
Datena alerta o telespectador de que ele agora assistirá o conteúdo da sua cidade, e o
programa é interrompido bruscamente, provocando uma situação forçada de
continuidade.

A vinheta que anuncia o programa apresenta formas retangulares, na cor azul e com
detalhes em vermelho, que atravessam a tela em movimento diagonal, como se
fossem mostrar um feixe de luz. O movimento efetuado pela arte, revelando o nome
do programa, dura cerca de cinco segundos, e mais três segundos são utilizados para
que a imagem final com o nome completo componha a tela. A velocidade com que
os elementos da arte utilizada na vinheta se compõem também se relaciona com o
ritmo frenético de urgência proposto pelo programa.

80
Figura 2 - Vinheta de abertura Brasil Urgente

Consideramos significativa a incorporação do azul de forma mais incidente. Esta cor


está presente na vinheta dos quatro principais telejornais brasileiros - SBT Brasil
(SBT), Jornal da Band (BAND), Jornal da Record (Record) e Jornal Nacional
(Globo) - e no mais antigo deles, o Jornal Nacional, é utilizada desde os seus
primeiros anos. O vermelho, entendemos aqui, surge para marcar o sinal alerta, de
urgência que o próprio nome convoca. Azul e vermelho, significativamente, também
estão presentes no aparelho giroflex, posicionado nos veículos de policia e que emite
luzes nesses tons, anunciando que a polícia está em atividade (ronda ou operação), o
que simboliza uma referência à atuação policial.

A trilha sonora utilizada na abertura é a mesma da sua estreia, e foi composta pelo
maestro Mario Boffa Júnior, a pedido da emissora. Aqui, a emissora procura mostrar
que houve uma preocupação formal e estilística na composição de tal melodia, que
também ajuda a imprimir referências e construir a marca identitária do programa – ao
familiarizar-se com a música, o telespectador reconhece o programa. A preocupação
com a música, trilha e vinheta do programa vai de encontro referências estéticas
adotadas pelo telejornalismo brasileiro de referência.

O acorde da vinheta do Brasil Urgente é grave e enérgico, e ajuda a compor o clima


de alerta, como também reconhece Schiavoni (2007), em um estudo específico sobre
vinhetas:

O ritmo acelerado da música contribui para criar o efeito de sentido de urgência,


de pressa, de “corrida contra o tempo”. [...] No final da vinheta, quando a

81
logomarca do telejornal já está na tela, a diminuição da velocidade das imagens
(paralelogramos achatados) é acompanhada por um contínuo sonoro. É
interessante destacar a questão do “contínuo”, porque as imagens não chegam a
se estabelecer, ou seja, fixar-se na tela, apenas diminuem o ritmo. O mesmo
acontece com o som. (SCHIAVONI, 2007, PP. 78 e 79).

O programa demonstra a busca pelo rigor estético também através dos recursos
tecnológicos que procura dispor, revelados nos efeitos de edição, composição de
cenário e transmissão das imagens em tempo real. De acordo com Juliana Gutmann
(2012), tais artifícios podem funcionar, no produto telejornalístico, como “estratégias
de simulação de atualidade e interesse público; bem como meros artifícios de
promoção de comoção” (GUTMANN, 2012, p. 12) Entendemos que tal estratégia
adotada pelo Brasil Urgente relaciona-se a um sentido de modernidade, atualização
do que poderia configura-se como padrão no telejornal brasileiro mas por outro lado,
ela acaba por suscitar outros valores e referências quando analisadas em conjunto
com a performance do apresentador. Queremos dizer que, embora pareça moderno,
futurista ou mais revelador do que métodos tradicionais, tais recursos podem tão
somente mascarar ou até mesmo inutilizar este sentido, a partir do momento em que
a conduta do apresentador aglutina a carga simbólica dos valores e do modo de
endereçamento do programa.

Após a vinheta de abertura, Datena faz uma pequena escalada no estúdio, em que
anuncia cerca de três ou quatro manchetes, sendo que uma delas será destaque
durante todo o programa. A estrutura pleiteada pela atração funciona tal como uma
“narrativa fragmentada”: há uma reportagem principal, que costura todo o programa
e é exibida em partes, alternativamente às outras notícias, que podem originar-se de
reportagens gravadas ou de eventos que acontecem em tempo real. Ganham destaque
as histórias de crimes ou violência que contenham detalhes bizarros, imagens
importantes, desfechos surpreendentes. Quase sempre também suscitam algum tema
para debate, que será convocado por Datena através dos seus comentários de tom
opinativo. Como informa a descrição do programa no site institucional da emissora,
em uma das paginas de suas afiliadas, “(...) as matérias têm o tempo que merecem, 1
minuto ou meia hora”38, e podem ser interrompidas para dar lugar à cobertura ao
vivo, prioritária no programa.

38
Descrição disponível no site da afiliada Band Vale:
http://www.tvbandvale.com.br/v2/programa.php?id=13. Acesso em junho/2013

82
O Brasil Urgente se organiza pela abordagem de uma reportagem principal, que será
convocada durante todo o programa, de forma fragmentada entre os blocos, embora
esta estrutura possa ser alterada ou não tão organizada, já que a prioridade do
programa é a transmissão direta. Se tratar de um caso que demande investigação
policial e judiciária, ou cause grande repercussão em outros programas, pode ser
retomadas em suíte ao longo da semana.

De acordo com Araújo (2012), a serialidade constitui-se como uma das principais
marcas do jornalismo televisivo, e configura-se culturalmente como uma estratégia
vinculada aos sentidos de vigilância, interesse público, promoção do debate e serviço
públicos. “[...] ao fazer isso, o jornalismo se relaciona com o cotidiano do seu
público, com seu tempo fragmentado, como ele se apresenta com um sentido de
presença continuada e se torna próximo, familiar” (ARAÚJO, 2012, p. 56). Esta
estratégia de abordagem fragmentada da notícia vincula-se ainda a uma estratégia
utilizada pelo folhetim, estreitando laços com formas populares de contar histórias e
manter o interesse do telespectador.

Na edição do dia 03/12/12, por exemplo, a manchete principal é sobre o caso da


jovem Pâmela, assassinada com um tiro e cujo suspeito é o ex-marido, que já lhe
havia feito ameaças. A primeira reportagem conta como a jovem foi assassinada. Ao
longo do programa, são exibidas outras reportagens mostrando o perfil da vítima, o
perfil do acusado, o depoimento dos familiares, e uma entrada ao vivo do repórter
Marcelo Moreira, na Delegacia que cuida do caso, com mais detalhes sobre a
investigação e a busca pelo acusado, que estaria foragido. Em uma dessas
manchetes, o apresentador anuncia novamente em um dos blocos:

Datena: Olha, uma garota bonita, inteligente e muito batalhadora. Pâmela havia
acabado de entrar na faculdade, mudou de emprego, tudo isso pensando em dar um
futuro melhor à filha de apenas três anos. Mas acabou morta. É o caso em que está o
Marcelo Moreira? Que o cara botou no Facebook que ia matar a moça? É esse o
caso? É esse o caso? Que coisa terrível hein? Meu Deus do céu. Na tela!

Para construir essa narrativa jornalística, Datena prioriza a linguagem coloquial.


Como contraponto a essa tomada do discurso verbal, esforça-se para manter uma
postura corporal comedida, em mais alusão simbólica à postura dos mediadores de
telejornais tradicionais, que prevê atitudes menos afeita a exageros e exaltações

83
(ROXO E SACRAMENTO, 2013). O modo como o cenário se configura sobre o
chromakey, em profundidade, coloca o apresentador em uma perspectiva
evidenciada, que sugere liderança e autoridade para executar tal performance. Do
centro, Datena controlaria o que está ao seu redor - entrada de repórteres e imagens
ao vivo e reportagens gravadas.

As três possibilidades de enquadramento de câmera em que Datena executa sua


performance no estúdio revelam modos simbólicos do apresentador exercer este
controle. Pelo lado esquerdo aparece uma grande imagem aérea e noturna que mostra
a cidade iluminada. Ao centro temos uma visão em profundidade em que aparecem
mais telas com imagens da logomarca do programa. Ao lado direito, onde continua o
plano de fundo do cenário anterior, tem-se ao fundo um painel composto pelo o que
seria telas de TV, que juntas formam uma só tela maior. É nessa direção também que
Datena interage com uma tela virtual, que desce ao seu pedido em algumas matérias.

Figura 3 - Brasil Urgente nacional: cenário

O esforço para manter um comportamento comedido e o vestuário formal são


elementos que dialogam com as preferências estéticas dos telejornais convencionais.
Este apelo à sobriedade funciona como argumento às premissas de compromisso,
seriedade e isenção valoradas pela atividade jornalística. Ao mesmo tempo, Datena
permite-se amenizar essas características no texto verbal, quando utiliza uma
linguagem mais direta e coloquial para se referir ao telespectador e à própria equipe.
Utiliza gírias, expressões da sabedoria popular e algumas frases que utiliza com
frequência adquirem efeito de bordão, como por exemplo “me dá imagens”.

84
No início do programa, quando anuncia a primeira reportagem ou entrada ao vivo a
ser exibida pelo programa, geralmente diz: “Brasil Urgente pra você! Atenção Fidel,
atenção Latino, som na caixa”, ou então “Por gentileza, Latino! Olho na tela, olho
na imagem” ou “Me dá as imagens, Paletó”. Supomos aqui que estes sejam os
assistentes de áudio, de vídeo, ou mesmo o repórter cinematográfico que reproduz as
imagens desde o helicóptero. A ocultação desses personagens aguçariam o
imaginário do telespectador e o tom anedótico com que o apresentador se refere a
eles simula uma relação de intimidade e familiaridade entre apresentador e equipe.

Estas estratégias se vinculam ao que propõe Jesús Martin-Barbero (2009) com a ideia
de cotidianidade familiar, uma mediação importante exercida pela televisão na
contemporaneidade e que se constrói pela simulação do contato e pela retórica do
direto. A primeira se refere aos modos como os agentes do programa se comunicam
e falam com o seu público. Datena usa gírias, apelidos e expressões da sabedoria
popular como estratégia para se aproximar dos modos de comunicar das classes ditas
populares, como se desejasse romper com os paradigmas de formalidade construídos
pelo telejornal. Já a retórica do direto diz respeito ao modo como esta forma de
comunicar se atualiza ao tempo presente do telespectador. O programa é ao vivo, e
ao inserir estes diálogos como imprevistos, ocorridos à naturalidade, Datena convoca
o telespectador a entrar na esfera da produção, do bastidor, no intuito de que ele se
“familiarize” com o que vê. Em consequência, tais estratégias simulam também os
efeitos de instantaneidade, verdade e transparência.

Para nós, Datena comporta-se como uma espécie de guardião da moral da sociedade,
prometendo ser duro e incisivo com aqueles que desejam perturbar esta ordem. No
site institucional da emissora, é caracterizado como um profissional famoso por ser
“polêmico” e não ter “papas na língua”, ou seja, disposto a dizer a verdade
independentemente das consequências que isso possa trazer. Na edição do dia
01/03/13, por exemplo, ele demonstra o que poderia ser um comentário do tipo
polêmico, ao falar sobre um processo judicial que estaria sendo acionado contra ele.

José Luiz Datena: “Olha, com voz ou sem voz, eu não vou ficar calado, quando eu,
er(sic)..., sinto que o cidadão é prejudicado, quando eu me sinto prejudicado, não
vou ficar calado. Só queria avisar que o senhor Ricardo Teixeira, que havia me
processado na esfera criminal, retirou o processo contra mim, retirou o processo. O

85
senhor Ricardo Teixeira retirou. Fez muito bem. Não tenho medo de poderoso, não
tenho medo de conglomerado, e fico no pé. E se der algum vacilo, e eu descobrir
alguma coisa, rapaz...eu vou na jugular!”(Brasil Urgente, 01/03/13).

Em uma edição anterior, Datena havia chamado Ricardo Teixeira, então presidente
da Confederação Brasileira de Futebol, de “gambá” e “inseto”, o que teria motivado
o processo. Através do discurso verbal, Datena procurar paliar o seu lugar enquanto
profissional vinculado a um grande grupo de comunicação para se dizer isento e
comprometido com o bem da população. Ao utilizar o programa para comentar uma
situação de esfera particular, Datena insinua uma aproximação ao telespectador no
sentido de estabelecer, pela esfera da intimidade, um pacto de vigilância em prol da
verdade, a justiça e a moralidade.

Percebemos no entanto que, nesta passagem específica, Datena deixa escapar o seu
lugar de autoridade que o coloca em um lugar distinto do telespectador. Ao dizer que
não ficaria calado quando algo incomodasse, ele fala primeiro do cidadão, e depois
de si mesmo, e que buscará a justiça quando qualquer um dos dois - o cidadão ou ele
- for prejudicado por outrem.

Queremos dizer que embora bastante sutil, esta passagem revela o lugar de alteridade
que contribui na construção do lugar de autoridade assumido por este mediador
principal. Tal estratégia relaciona-se diretamente ao contexto comunicativo do
programa, através do âncora que se dirige diretamente ao telespectador e coloca a sua
opinião como discurso majoritário, e também ao pacto sobre o papel do jornalismo
estabelecido, pois a autoridade aqui validaria o sentido de credibilidade. Datena tem
status de celebridade, é um cidadão que se enquadra em uma uma posição social
economicamente favorecida, mas joga com o discurso autoritário para posicionar-se
com propriedade em relação a uma realidade que não seja a sua, não lhe pertença de
fato. Isso faz com que em muitas situações, quando fale do “povo”, Datena não se
inclua.

“E vamos pedir para os governos, federal, estadual e municipal, que arrumem casa
pro povo, que é pro povo não precisar invadir terreno. Essa é a verdade”. (José Luiz
Datena, Brasil Urgente, edição 22/11/2012).

86
“Eu não quero perder a paciência aqui né, porque o povo é tão maltratado, e os
impostos que o cara paga, velho (sic)? Esse é o fim do mundo, velho! (sic)” (José
Luiz Datena, Brasil Urgente, edição 23/11/2012).

Em perfis disponíveis nos mais variados tipos de jornais e revistas, Datena se destaca
pela condição financeira e alguns hábitos pessoas considerados extravagantes. É
colecionador de relógios, todos de grifes caras e importadas (são geralmente de
tamanhos grandes e sempre está trajando um nas edições do Brasil Urgente).
Também é apreciador de obras de arte, possui peças valiosas (entre quadros,
esculturas e imagens religiosas) em sua residência, localizada em um dos
condomínios mais luxuosos de São Paulo39. Pela remuneração que recebe pelo seu
ofício, podemos dizer que Datena é um homem milionário, e isso o coloca como
integrante de uma classe que constitui-se em uma parcela ínfima entre o número de
brasileiros. Um indivíduo, portanto, alinhado ao mesmo patamar social da família
Saad, proprietária do Grupo Bandeirantes de Comunicação, uma das mais ricas e de
maior prestígio do país40.

Sendo um homem rico, estabeleceria portanto vínculo, na esfera pessoal, com os que
detêm o poder econômico. No entanto, o programa apresenta situações que na grande
maioria das vezes, estão ligadas ao cotidiano das classes mais pobres do país, que
compõem a maioria da população. Datena não é pobre, mas, em sua conduta como
mediador principal da atração, age como se soubesse do que o pobre - figura
majoritária no país - precisa por uma questão de “conhecimento de causa”,
argumento que constantemente usa no programa. Esse conhecimento, por vezes
justifica em seus depoimentos pessoais emitidos durante a transmissão do programa,
viria tanto da sua origem como “classe média” baixa quanto pela sua experiência em
programas televisivos que predominantemente abordam os casos de violência e
drama humano, cujas vítimas são pessoas de classes menos abastadas.

39
Referência extraída de um perfil do apresentador publicado pela revista Veja em 2011. Disponível
em http://vejasp.abril.com.br/materia/datena-band-apresentador-perfil. . Acesso em junho/2012.
40
João Carlos Saad, o Johnny, herdou a presidência da emissora de seu pai, João Jorge Saad, um
descendente de imigrantes libaneses que, ao casar-se com uma das filhas do influente político
Adhemar de Barros (por duas vezes governador de São Paulo), herda do sogro a Rádio Bandeirantes.
Atualmente, a TV Bandeirantes é uma das 30 marcas que compõe o conglomerado do comunicação do
Grupo. Em 2011, Johnny foi eleito empreendedor do ano da área da Comunicação, pela Revista Istoé
Dinheiro, pelo grupo ter investido R$ 217 milhões e ter como retorno, em faturamento, R$1,4 bilhões.

87
Esta estratégia nos remete a outra que se mostrou inovadora na década de 1980,
quando o programa O Povo na TV mudou o cenário para uma sala de estar típica dos
lares de classe média brasileira. Datena busca popularizar o endereçamento do
programa pelo discurso, propondo falar em nome de um “povo”, mas na imagem e
na esfera pessoal, aciona os códigos discursivos da elite, de quem também depende
da audiência e por onde também se exerce poder de influência.

Esse lugar de alteridade que gera efeito de autoridade também é revelado pela
performance enquanto âncora, em que revela os modos de lidar com os conteúdos
apresentados e com os repórteres. Os comentários que profere a cada reportagem
exibida ou durante as coberturas ao vivo, além de marcar o tom opinativo, coloca o
apresentador no papel de especialista.

Na cobertura de uma reintegração de posse de um terreno por parte da Prefeitura em


São Paulo, exibida na edição do dia 22/11/12, Datena esclarece que os projéteis de
cor bege no chão, mostrados em close pelas câmeras, são balas de borracha, pois
“arma letal tem um cartucho vermelho”, complementando a narração feita pelo
repórter Márcio Campos. Antecipa-se à declaração das fontes oficiais e dá o seu
parecer em relação a algum crime. “Porque me parece um caso claro de execução.
Né (sic)? Roubo seguido de morte não foi porque não roubaram carteira, não
roubaram nada, não roubaram a moto, não levaram nada”, afirma na edição do dia
03/12/12, após reportagem sobre um casal assassinado no trânsito. Na edição
seguinte, ao acompanhar as imagens aéreas feitas por helicóptero de uma ação
policial em um bairro periférico de São Paulo, Datena confirma a hipótese sugerida
por Márcio Campos de que poderia ser uma operação de combate ao tráfico de
drogas: “Ah, deve ser sim porque tem muita polícia aí velho, muita polícia aí”.

Datena demonstra conhecimento em relação às condutas da Policia e do aparelho


judiciário. Na primeira semana de novembro de 2012, o programa dedicou boa parte
de seu tempo à cobertura do julgamento do ex-goleiro Bruno Soares, acusado de ser
o mandante do assassinato de sua amante, a modelo Eliza Samudio41. A cada dia,

41
O crime teve ampla repercussão nacional nos jornais, revistas e emissoras de TV: pelo réu, uma
personalidade bastante conhecida por integrar o elenco do Flamengo, equipe de futebol que tem uma
das maiores torcidas do país; pelos requintes de crueldade que o crime teria acontecido, segundo as
investigações; pelo ocultamento do cadáver; pelo envolvimento mal esclarecido entre o réu e os
acusados de executar o crime - José Henrique Romão, o Macarrão, um dos melhores amigos de
Bruno, e o ex-policial Marcos Aparecido dos Santos, o Bola.

88
Datena entrevistou ao vivo, por meio do ponto eletrônico (onde conversava apenas
por áudio), alguns dos personagens envolvidas no julgamento - advogado, delegado e
promotor atuantes no caso. Em cada uma das entrevistas, os repórteres Eloi Oliveira
(afiliada BAND Minas), e Márcio Campos (repórter do Brasil Urgente nacional)
eram incumbidos das perguntas mais diretas e genéricas, enquanto que a Datena era
reservado o espaço para perguntas de caráter mais polêmico ou constrangedor, em
que sugere hipóteses ou pede esclarecimentos e/ou detalhes referentes ao processo de
investigação.

Na edição do dia 19/11/12, Datena conversa com o advogado Ércio Quaresma, que
defende o ex-policial Marcos Aparecido dos Santos, o Bola, um dos acusados pelo
assassinato. Datena posiciona-se ao lado da acusação, e demonstra impaciência ao
ouvir os argumentos da defesa dos réus. Depois que o advogado explica a sua
estratégia de defesa, Datena questiona:

José Luiz Datena: Me diga uma coisa doutor...vocês tão (sic) alegando um fato né,
a defesa alega um fato, de que porque não tem corpo, a Eliza tá viva. E a gente
alega, faz uma pergunta, de que não tem corpo, então ela pode não tá (sic) viva
também, essa é a nossa opinião. Opinião não, é uma forma de contestar. O que
vocês têm a dizer sobre isso?

Neste momento, quando não se dirige ao telespectador e mantém diálogo com uma
fonte oficial, preocupa-se em marcar o discurso opinativo enquanto editorial: nós,
equipe do programa e Grupo Bandeirantes de Comunicação, nos colocamos em
oposição ao argumento da defesa neste caso específico. Nesse sentido, marca o lugar
de vigilância e de quarto poder do jornalismo, quando se reserva no direito de
argumentar contra pelo exercício do ofício. É como se nas entrelinhas Datena
justificasse que após analisarem todas as perspectivas, eles se posicionam contra e
desejam saber porque a defesa insistiria nesse trabalho.

Na edição do dia 23/11/12, Datena volta a conversar com o mesmo advogado. No


meio da entrevista, Quaresma reclama que não consegue ouvir as perguntas de
Datena, ao que o apresentador reclama ironicamente: “Você ouve quando você
quer”. O advogado faz comentários mais generalistas, enfatizando sua opinião sobre
o júri de maneira geral, enquanto Datena insiste em um confronto de
posicionamento.

89
Datena: “Ô Quaresma, você faz uma cortina de
fumaça tão grande, que até o som você derruba
ô fumaça! Ô Quaresma! Você não chama
Quaresma à tôa!”.

Quaresma: “Ô Datena, deixa eu fazer só uma


observação a você”.

Datena (interrompendo o advogado): “Você


faz um rolo tão grande, você imagina o rolo que
você faz na televisão, imagina dentro do tribunal
de júri, por isso que a juíza ficou louca com
você! Deixa eu te perguntar uma coisa, eu tô
dizendo aqui”...

Quaresma: Datena, olhando no teu olho...

Datena (ignorando o pedido de fala do


entrevistado): “...que até a Elize Matsunaga,
você tá (sic) me ouvindo? Tá me ouvindo”?

Quaresma: “Tô, tô”.

Datena: “Você defendeu até a Elize Matsunaga


aqui, você se tornou advogado da Elize
Matsunaga que esquartejou o marido dizendo
que oh, o japonês bateu na mulher [tom de ironia
e deboche], por isso que ela esquartejou o cara e
tal, você fez uma cortina de fumaça tão grande e
o Bola, você vai defender até o fim. E eu sabia
que você ia responder isso porque o Macarrão,
que foi covarde e ficou com medo de dizer que
viu o Bola matando falou ah eu entreguei lá
p’rum (sic) cara, o resto eu não vi. Eu sabia que
você ia dizer isso do depoimento do Macarrão,
eu tinha certeza, pela sua inteligência, pela sua

90
astúcia.

Quaresma (ao mesmo tempo em que Datena


fala): “Me dá os seis números da mega sena aí
Datena que eu não trabalho mais”!

Datena: “Agora! Na hora que ele não quer


ouvir ele não ouve”!

Os dois travam um diálogo confuso, pois falam ao mesmo tempo durante muitos
momentos, e a conversa dura em torno de 25 minutos. Esta passagem ilustra uma
situação recorrente no programa, que é o de uma entrevista dominada pelo
apresentador que, numa pretensão de simular debate ou de abrir o direito de resposta
da fonte, acaba por evidenciar o forte lugar de autoridade e controle exercido pelo
mediador principal. Em muitas ocasiões como esta, ao diálogo se prolonga mas não
no intuito direto de fornecer mais dados ou informações sobre ao fato noticiado, e
sim, de reforçar este lugar , em que este mediador promove ainda um espaço para
que a opinião-editorial do apresentador esteja em evidência.

O discurso verbal é o grande trunfo do apresentador para estabelecer o pacto


comunicativo com o telespectador. Suas opiniões, orientadas sob uma “retórica da
indignação”, revelam um posicionamento em defesa de valores e instituições
tradicionais, como a igreja católica e a polícia.

Datena se diz católico e frequentemente no programa exalta a figura de Deus e os


valores pregados pela religião. Antes de começar o programa, costuma agradecer aos
telespectadores pela audiência e deseja que eles passem a semana ou o dia sob a
“proteção divina”. Quando conversa com alguma vítima de algum crime, ou pessoa
envolvida em algum drama relatado pelo programa, recomenda que ela “fique com
Deus”.

91
“Isso é inaceitável, perante a lei dos homens e obviamente perante a lei de Deus”.
(José Luiz Datena, ao comentar sobre um assassinato. Brasil Urgente, edição
03/12/12)

“São Paulo tá um negócio que tá demais, tá impressionante, mas é no Brasil inteiro.


Agora quem vai arrumar isso e como vai arrumar isso, sinceramente eu não sei.
Jesus Cristo descendo aqui talvez pudesse arrumar, mas acho que só ele, velho”
(José Luiz Datena, Brasil Urgente, Edição 04/12/12).

“Hoje em dia, a gente tem dar graças a Deus para que o ônibus funcione, e que o
metrô funcione, e que o trem funcione” (José Luiz Datena, Brasil Urgente, edição
07/12/12)

O apresentador com frequência argumenta que apenas em alguns casos, em que a


situação apresentada é capaz de exaltar a sua indignação, é que lhe faz “perder a
paciência” e até pensar ou agir como se não fosse cristão. Por exemplo, na edição do
dia 19/11/12, após exibição do depoimento de um homem que confessara o
assassinato de sua própria enteada, pedindo perdão à família da vitíma, Datena se
irrita, pede a si mesmo uma licença para “sentir o que está sentindo”, embora
contrarie os preceitos da religião: “O cara ainda pede perdão à família? E eu sou
cristão! Perdão é o....!” [com a palma da mão aberta, simulando um gesto de
preparação para um tapa a ser dado].

A postura de revolta e indignação adotada pelo apresentador está vinculada a,


segundo a sua postura inicial, situações que abalem a moral e os bons costumes, ou
que revelem dificuldades do cenário político-econômico do país. No dia 07/12/12, a
manchete que foi abordada em todo o programa foi sobre um idoso que havia sido
espancado em um assalto. Na cabeça da reportagem, o repórter narra o fato:

92
Repórter Lucas Martins (em off):

Aos 79 anos, este senhor, que conquistou o


pouco que tem à base de muitos calos nas
mãos, e rugas no rosto, foi espancado por dois
covardes que queriam tomar do idoso o que ele
não tinha.

A reportagem inclui sonora com a vitima, o vizinho que ajudou a socorrê-lo, fotos
dos acusados, passagem do repórter em frente à Delegacia, e termina com o
depoimento bastante emocionado da irmã da vítima, uma senhora que ajuda a igreja
e que ainda não tinha visto o irmão após o ocorrido. Ela vê o seu estado pelas
imagens registradas pela equipe. A imagem volta para Datena no estúdio, que
comenta:

Datena: Descrição:

Tem gente que ainda faz Datena se exalta e


apologia ao crime. Tem aponta o dedo para o
gente que ainda acha que telespectador,
ser bandido eh legal. [...] direcionando o
Então vocês, babacas, discurso a quem “faz
canalhas, safados, sem apologia ao crime”.
vergonhas, que fazem Termina apontando o
apologia ao crime, que dedo para a tela que
gostam de adorar a teria a sua frente, que
criminosos, fazer apologia a estaria mostrando a

93
criminoso, né, ficar imagem em close do
defendendo por ai, rosto do idoso
brincando, com criminoso, e machucado.
fazendo musiquinha, ou
coisa parecida pra fazer
apologia ao crime, vocês
também são responsáveis
por esse tipo de canalha que
faz esse tipo de coisa, olha
aí! Olha aí o que fizeram
com o velhinho!

Em seguida, pergunta ao telespectador “que tipo de pena merece um cara que faz
isso com um velhinho”, e pede à equipe que coloque em tela o número do “Orelhão
do Latino”, que seria o número disponibilizado pelo programa para que o público
mande mensagens de texto através do celular. Datena tem a percepção de que ele
lidera e conduz a discussão provocada pelo programa (no caso, por ele mesmo), mas
se isenta a todo o tempo, num gesto que simula humildade, tentativa de tirá-lo da
condição de condutor principal. O “orelhão” - o próprio nome a que se refere ao
canal de comunicação, simbolizando o que seria um canal popular e de caráter
público, como é o orelhão de fato - não é dele, é de Latino, porque não seria ele
quem recebe as ligações diretamente. Valoriza os esforços de sua equipe, e preocupa-
se em manter o tempo inteiro a imagem de que é só mais um componente no
programa. Após dar o número do telefone, orienta:

Datena: Quero saber, vamo (sic) botar o rosto do velhinho o programa inteiro e
você manda a sua opinião, e vou passar os torpedos aqui embaixo! Não há nem a
necessidade d’eu ler mas quando é pr’eu ler, eu leio! Mas, por favor, vamo (sic)
passar!

Datena relaciona a agressão ao idoso com a impunidade e às regras do judiciário na


classificação dos crimes. Mais tarde, aparecem mensagens na legenda em crawl, no

94
rodapé da tela: “pena de morte - AM; pena de morte - SP; pena de morte - RJ; uma
surra - ES; pena de morte - BA; prisão perpétua - AM”, entre outras mensagens
exibidas ao longo do programa, que teriam sido enviadas pelos telespectadores. No
papel de apresentador em comando de uma atração de grande audiência, Datena
simula a ideia do debate, da discussão, organizando uma espécie de plebiscito
simbólico para articular a discussão sobre um tópico que posiciona-se a favor. Na
edição do dia anterior, a comentar outro crime, Datena já havia provocado a
audiência sobre o mesmo tema. “Isso é inaceitável. Eu acho que tinha que ser feito
um plebiscito no Brasil, se a gente tinha que ter pena de morte e prisão perpétua”.
Reclama constantemente da condição social do país, mas, alinhado com a temática
principal do programa, as maiores críticas são direcionadas ao judiciário e ao sistema
de segurança pública nacional.

“(...) o sistema não funciona, além, nos temos leis de 1932, temos um código penal
que tem 72 anos”. (José Luiz Datena, Brasil Urgente, edição 03/12/12)

“(...) Aliás, o Estado de São Paulo tá querendo que aqui vigore a lei de que o cara
mesmo tendo cumprido a maioridade penal, dependendo do crime que ele cometeu
ele continue cumprindo pena em cadeia comum, e isso eu venho falando a duzentos
anos [estala os dedos, indicando pelo gesto a passagem de tempo].( José Luiz
Datena, Brasil Urgente, edição 03/12/12)

A preferência pela transmissão direta funciona como um artifício que ajuda a


imprimir um efeito de transparência e veracidade ao discurso verbal de Datena, que é
validado também pelo efeito de naturalidade imprimido pelo uso da linguagem
coloquial. Segundo Juliana Gutmann (2012), a transmissão direta, ao lado da
performance dos mediadores e dos elementos de composição audiovisual, funcionam
no telejornal contemporâneo como estratégias para produção de sentido de interesse
público e atualidade. No caso do Brasil Urgente, a performance do mediador
principal se orienta pela retórica da indignação no discurso verbal. A transmissão
direta ajuda a legitimiar o que está sendo noticiado, pela possibilidade do tempo real.
Os efeitos de audiovisual revelam uma especifica articulação “entre o dizer e o
mostrar” (GUTMANN, 2012, p. 61) No caso deste programa, revela um esforço em
mostrar-se alinhado às possibilidades tecnológicas e o seu espectro de modernidade,
que orientaram modos de se fazer telejornalismo no Brasil.

95
Datena foi o precursor da cobertura aérea, a partir de sua experiência no Cidade
Alerta e da interação com o Comandante Hamilton42. Na edição do dia 06/12/12, por
exemplo, a ocorrência de uma forte chuva em São Paulo torna-se uma noticia de
destaque em todo o programa, pois as imagens aéreas e seu apelo visual revelam em
dimensão ampliada o que significa um dia de temporal na maior cidade do país.

Figura 4 - Brasil Urgente nacional: Cobertura aérea da chuva em São Paulo (edição 06/12/12)

A chuva começa a se formar e Datena, informa sobre a quantidade de raios que cai
em São Paulo e seus prováveis riscos. Participam da cobertura o repórter Márcio
Campos, que fica na redação da emissora, e um representante do órgão de trânsito da
capital paulista, que vai informando sobre as consequências da chuva para o tráfego,
no momento em que ela vai atingindo cada região mostrada pelo helicóptero. Pela
cobertura aérea, o telespectador acompanha a chegada da chuva, o momento em que
ela está mais forte, e ao final, o caos instalado na cidade, com pontos de alagamento
e longos engarrafamentos. Além do forte apelo visual, a ocorrência da chuva serve

42
O comandante Hamilton Alves da Rocha é um piloto de helicóptero profissional, que começou a
prestar serviço na televisão no SBT, quando passou a gravar imagens aéreas para um quadro do
programa Domingo Legal. Em 2003, comandou o programa Viva Ação, na Rede TV mas em paralelo,
participava já de inserções em programas de outras emissoras. Fez faculdade de jornalismo, e passou a
atuar efetivamente como repórter cinematográfico, desde o seu helicóptero, quando se tornou fixo na
equipe do Cidade Alerta, então comandado por Datena na Rede Record. Quando Datena migra para a
BAND, Hamilton vai mas depois, retorna à Record, onde hoje volta a atuar pelo Cidade Alerta,
atualmente sob a apresentação de Marcelo Rezende.

96
como pano de fundo para o discurso do apresentador, que salienta o quanto a cidade
de São Paulo tem problemas estruturais, que não suportam nem mesmo a ocorrência
de uma chuva. A cobertura ao vivo simula ainda a ideia de serviço público,
mostrando ao telespectador o que acontece naquele momento e orientando-o sobre
locais que deve evitar, caso esteja prestes a sair ou retornar para casa.

Para compor a performance de Datena no estúdio, seus repórteres possuem funções


diferentes. Márcio Campos atua como um repórter que interage com Datena
enquanto comentarista. Está sempre na redação da emissora, ao lado dos outros
jornalistas, e interage com Datena a partir do recurso “duas telas”, em que a imagem
é dividida no meio para que o telespectador possa ver os dois participantes (os dois
conversam pelo áudio, mas é possível que se vejam, cada um do monitor à sua
frente).

Márcio, que substitui Datena na apresentação nas edições de sábado, fica durante
todo o programa como um repórter de plantão. Quando solicitado pelo apresentador,
ele aparece no vídeo e fornece informações sobre o assunto que está sendo
comentado no momento. Márcio Campos não entra em debate com Datena, e sempre
apresenta informações que complementam ou reafirmam o discurso do apresentador.
Embora quase sempre, nas edições que compõem esse corpus, Márcio atue mais
como um comentarista em apoio a Datena do que essencialmente um repórter, o seu
lugar expressa um sentido de jornalismo que não para: enquanto os demais repórteres
estão nas ruas cobrindo os acontecimentos, ele estaria na redação preparando outros
conteúdos e checando outras informações.

Para interagir com os repórteres e com os fatos noticiados pelo programa, Datena
utiliza das estratégias audiovisuais que simbolicamente convocam o sentido de
imediaticidade, de uso da tecnologia a serviço da notícia – estas das quais falamos no
início desta análise. Além das imagens aéreas, onde interage e conversa com Paletó,
Datena usa o recurso identificado pelo programa como “duas” e “três” telas, que
possibilita ao telespectador observar ao mesmo tempo três situações distintas - o
apresentador, a fonte com quem fala no momento (repórter Márcio Campos no
estúdio ou outro repórter ao vivo em algum outro lugar, ou mesmo outra fonte), e as
imagens aéreas.

97
Figura 5 - Brasil Urgente nacional: Recurso “duas telas” e "três telas"

A possibilidade de mostrar as imagens ao mesmo tempo convocaria ainda o sentido


de presentificação, que funcionaria como um outro modo de legitimar a notícia
(estamos conversando ao tempo em que o fato acontece, e dividindo este
testemunho). O telespectador teria, junto com a equipe, condições de acompanhar
todas as situações em tempo real, enquanto ela acontece. Ao se valer de tais
artifícios, o Brasil Urgente revela que o seu pacto sobre o papel do jornalismo se
vincula ao uso de estratégias de construção da notícia pautada nas possibilidades
tecnológicas, tomando assim como valores os efeitos de imediaticidade e
instantaneidade gerados por tais estratégias.

Ao recorrer aos efeitos de imediaticidade, o jornalismo convoca o público para


uma experiência de instante presente, alçando os acontecimentos midiáticos ao
tempo da vida cotidiana dos espectadores. Nesse movimento, a dimensão de
atualidade, enquanto moldura da experiência mundana, recorre também aos
sentidos de simultaneidade. (GUTMANN, 2012, p. 68)

Mas a predileção pela transmissão direta atua aqui neste programa nas entrelinhas
como um elemento importante para viabilizar a cobertura policial, tema de maior
abrangência na atração. Ela permite inserir um aspecto novo à abordagem desta
temática, quando coloca em relevo o acompanhamento, em tempo real, das ações
policiais. A Polícia aliás, é o pilar norteador dos discursos em relação à violência,
crime e segurança pública proferidos por Datena. O apresentador acolhe a
perspectiva desta instituição, que para Datena, é a única capaz de manter a ordem, a
paz e a segurança dos indivíduos.

Em quase todos os fatos noticiados pelo programa que envolvem situações de crime,
os repórteres realizam inserções ao vivo desde a Delegacia, e os delegados e policiais
responsáveis pelas investigações noticiadas são quase sempre as fontes que encerram
uma reportagem, com uma sonora definitiva. Após exibição das reportagens, Datena
sempre reitera seu posicionamento.
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“Deus é grande mas nós precisamos pegar esses caras aí. E a policia precisa pegar
esses caras aí, a sociedade precisa pegar esses caras aí. A sociedade que eu digo é a
policia” (José Luiz Datena, Brasil Urgente, edição 03/12/12)

“Ligue pra policia. Não tem ninguém melhor pra te defender do que a polícia, velho”
(José Luiz Datena, Brasil Urgente, edição do dia 03/12/12).

No programa do dia 22/11/12, temos um exemplo da forma como o programa


articula discurso em favor desta instituição, a partir da performance de Datena e dos
demais mediadores. Ao vivo, o programa mostra uma ação de reintegração de posse
de um terreno na zona oeste de São Paulo, realizada pela polícia militar. Datena pede
aos dois repórteres incumbidos de dar informações - Peterson Isidoro e Marcelo
Moreira - que mostrem todos os “detalhes visuais” da ação. “São imagens ao vivo aí.
olha, er, tem bomba de gás lacrimogênio, tudo o que já aconteceu ate agora. Me dá
todos os detalhes visuais que o Paletó tem aí, a Policia na reintegração de posse,
mulher, criança atravessando do outro lado aí, ah lá, mulher do outro lado aí, e bala
pra caramba”, narra Datena em off enquanto é exibida imagens da situação, que é de
confronto entre policiais e os ocupantes do terreno.

As imagens são exibidas com tremor, simulando a sensação de movimento e tensão


que seria provocada pelo confronto. O enquadramento está sempre na direção dos
policiais, simulando o que poderia ser o campo de visão um policial. O ângulo indica
simbolicamente uma tomada de posição em relação ao confronto já que
posicionando-se ao lado ou atrás do grupo, parece em muitos momentos que as
imagens são produzidas por um dos policiais. A afirmação de Datena anuncia que se
tratam de imagens “exclusivas” produzidas pela equipe da BAND é que possibilita a
exclusão desta hipótese.

Figura 6 - Brasil Urgente nacional: cobertura ação policial

99
O repórter Márcio Campos, em off, descreve a operação como “intensa e violenta”, e
Datena complementa com o seguinte comentário:

Datena [em off. Na tela, imagens da ação policial]: “Olha, são quase 100 policiais
mortos em São Paulo do começo do ano ate agora. A gente tá defendendo pra
caramba a tese de que isso não pode acontecer, de que a policia não pode ser
atacada, defendendo a tese de que a policia é mal paga, cortaram até o beneficio dos
policiais. E que a maioria dos policiais, né, é de competência e de honra acima de
qualquer coisa. Agora, quando se pensa em...que a policia vai usar de força, dentro
da lei, legitimamente, pra combater bandido, não se pensa nessas ações aí, de
reintegração de posse, com tiro pra todo lado ou coisa parecida. O que eu quero
dizer é que a polícia deve usar de força, né, contra bandido, canalha, vagabundo e
sem vergonha. E que deve evitar, na medida do possível, essas ações aí em relação
ao povo, que não tem casa pra morar, né? Agora, eles foram recebidos a pedradas, e
tal. Agora não sei se a reação é proporcional a essas pedras que tão caindo aí.
Então eu peço calma, não só aos policiais, mas também aos moradores, porque o
pau tá quebrando solto aí. Marcelo Moreira, mais informações!”.

Ao pedir que polícia e população “se acalmem”, Datena tenta paliar o seu discurso
mostrando-se em favor da instituição policial mas também do povo, e no sentido de
conscientizar a população de que a polícia é a sua guardiã, responsável pela
manutenção da ordem social. Além disso, mostra a incumbência política que deseja
dar através do seu papel enquanto apresentador deste programa. Para além de noticiar
o fato, pede aos seus telespectadores que ouçam o seu conselho afim de reestabelecer
a paz. Estabelece-se, no seu lugar de autoridade, o respaldo para determinar, de
forma direta, modos de comportamento social que, assegura o apresentador, seriam
fundamentais para estabelecimento do bem estar social.

A autoridade com que trata os assuntos é respaldada pelo status de personalidade


angariado por Datena em sua trajetória no meio televisivo. O reconhecimento é
explorado muitas vezes a partir das próprias fontes, durante as entrevistas ao vivo. O
advogado Quaresma, citado anteriormente, revelou após a entrevista que é fã do
apresentador e gostaria de lhe pedir um autógrafo. Na edição do dia 22/11/12, a
dupla de cantores Fernando e Sorocaba estava nos bastidores assistindo ao programa
quando foi convidada pelo apresentador entrar no estúdio e comentar sobre o caso do

100
ex-goleiro Bruno. Antes de se despedirem, Sorocaba parabeniza o apresentador “pelo
seu programa, pela sua história, você é um cara que tem orgulho do seu passado,
luta pra mostrar, pra revelar pro Brasil o que realmente acontece nesses bastidores,
nesses fundões do Brasil”. No contexto brasileiro, o status de pessoa pública
funciona como um sinônimo de relevância social. Nesse sentido que a esfera de
celebrização criada em torno de Datena funciona como mais um dispositivo de
autoridade, que por sua vez, pretende-se funcionar como artifício de legitimidade do
discurso em prol de certos valores, condutas e instituições.

Na edição do dia 03/12/12, uma situação mostrada em uma das reportagens revela
como este reconhecimento funciona de modo decisivo não só na configuração de
Datena como mediador principal, mas também na configuração do programa e no
pacto que ele estabelece com a informação jornalística. Nesta edição, Datena atualiza
os telespectadores em relação aos desdobramentos de um fato noticiado pelo
programa na edição de 28/11/12, em que Datena interveio diretamente em uma ação
policial. A polícia tentava desarticular ação de um homem que mantinha reféns sua
mãe e sua irmã dentro da sua própria casa. Sem sucesso na negociação, os policiais
resolvem acatar um pedido do homem, que deseja falar com Datena. O apresentador
convence-o a liberar as mulheres e se entregar à polícia. A edição do dia 03/12/13
exibiu uma reportagem com as duas reféns libertadas, que falam sobre o momento do
cárcere e como estaria a família após o episódio.

Repórter Lucas Martins: Descrição:


“Na hora que ele começou
A irmã, enquanto fala,
a conversar com o Datena
tem a voz embargada.
ele concentrou no telefone e
Enquanto pergunta, o
se acalmou”?
repórter não aparece no
Irmã do sequestrador: “Se quadro, a imagem fica
acalmou, ah sim, eu tenho a todo tempo nas duas
que primeiramente entrevistadas.
agradecer a Deus né (sic),
porque foi Deus na nossa
vida, e segundamente ao No meio do
Datena, né, por ele ter depoimento, a sonora

101
conversado com o meu da irmã é coberta com
irmão, né, por meu irmão imagens feitas no dia
ter ficado calmo, por ele ter da libertação, da
aceitado conversar com o policia negociando e
meu irmão, porque se ás de Datena no estúdio
vezes ele não conversasse, acompanhando.
não sei o que seria. Todo
momento ele queria falar
com o Datena porque ele ia
se sentir seguro, eu
percebia isso”.

O repórter finaliza
Repórter Lucas Martins:
perguntando à mãe do
“A senhora acredita que ele
sequestrador. Tímida, a
se acalmou nesse momento
mãe fala pouco, mas
em que ele teve o Datena
depois também se
ali”?
emociona ao relembrar
dos fatos e chora. A
câmera, antes
Mãe do sequestrador: “Se
transmitindo em plano
acalmou... Se acalmou
médio, aproxima em
bastante”.
close no rosto da
senhora.

Após exibição da reportagem, Datena inicia o comentário sobre outra notícia exibida
anteriormente. Espera-se que ele não volte ao assunto, mas ele volta a este tema e
busca realizar uma espécie de reflexão em relação ao se desempenho naquela ação,
em diálogo com o repórter Márcio Campos.

Datena: “[...] não dá, pra viver com 29 baleados e 14 mortos num fim de semana de
novo, não dá. Eu não sei, eu não sou expert nessas soluções, até naquela negociação
muita gente diz que olha, realmente o Datena reconheceu que não tinha condição de

102
negociar, evidente que não, eu não sou polícia, só que teve um editorial aí de um
jornal que o cara botou que eu tava (sic) negociando com o bandido, e o cara não é
bandido coisa nenhuma, o cara é pedreiro, né? Se eu sou o cara inclusive eu
processo o sujeito que escreveu essa bobagem, que eu tava conversando com um
bandido, o rapaz é predreiro né, Ari?

Márcio Campos: “Nem passagem...”.

Datena: “Não tem passagem nenhuma pela policia!”.

Márcio Campos: “Não...”.

Datena: “Se eu sou o cara eu processo o jornal. Se eu sou o cara eu processo o


jornal! Agora eu realmente reconheci que eu não tinha que negociar, com ninguém,
isso é papel da polícia e a polícia faz isso com uma segurança perfeita, a policia tem
ótimos negociadores, só que quando de repente eu vi, na hora, aquele caso, eu me
sensibilizei e me meti numa coisa que não é a minha função. Graças a Deus deu tudo
certo, parece até que tinha gente torcendo pra que alguém morresse ali, não é? Só
pra meter mais o pau eu mim ou coisa parecida. Eu reconheci isso, independente do
que o jornalista lá da CNN falou, que eu fico até muito grato a ele, mas ora, porque
que o Datena tá preocupado? Não é? Conseguiu salvar três vidas, que não fui eu
quem salvou, quem salvou foi Deus. [...] Se eu sou esse cara eu processo o jornal e o
cara. Ô... Diga Márcio!”.

Marcio Campos: “E a Policia, Datena, tinha toda a habilidade nessa situação


porque o seguinte, ela viu em você a possibilidade de salvar vidas e de resolver a
situação”.

Datena: “Mas foi o menino que pediu pra falar comigo!”.

Márcio Campos: “Exatamente!”.

Datena: “Eu reconheço que realmente eu não me senti bem, que tava errado e eu
nunca mais vou fazer isso. [...] Aliás, o cara nunca teve passagem pela policia, foi

103
um cara que surtou, eu podia surtar, você podia surtar, o cara que escreveu aquele
editorial acho que surtou na hora, pra dizer que o cara era bandido”.

Márcio Campos: “Mestre de obras”.

Datena: “Concorda comigo?”.

Márcio Campos: “Verdade...”.

Datena pede que sejam exibidas cenas da reportagem que a rede norte-americana
CNN fez repercutindo o caso. Além de mostrar o alcance internacional de sua
atitude, o programa mostra que a repercussão foi positiva, já que o editor de assuntos
internacionais da rede comenta na reportagem que Datena reconheceu que
intermediar uma ação policial não é uma função habilitada para jornalistas.

Além do posicionamento em relação à atividade policial, Datena reivindica nesta


passagem que, apesar de terem funções sociais distintas, o jornalista, do âncora, do
mediador televisivo tem um poder de influência tão impactante quanto o do policial
na sociedade. Datena justifica a sua atitude, que teria extrapolado a barreira dos
papéis sociais exercidos por cada um desses profissionais, por conta de uma “falha”
humana, a sensibilidade. Tocado pelo desespero do homem, ele teria “arriscado”
perder a sua credibilidade enquanto comunicador (de quem espera-se a isenção) para
solucionar uma situação que gerava angústia e comoção por parte do público.
Notamos que Datena, que habitualmente se coloca em posição de ataque a quem
exerce papel de bandido, se coloca extraordinariamente em favor deste homem.
Acreditamos que isso acontece por dois motivos. Primeiro, o homem é quem chama
por Datena, pede que ele atue na negociação, o que referenda o seu poder de
autoridade, ao mesmo nível do policial em atuação naquele momento. Segundo, pela
história dramática que se revela naquela situação: um trabalhador pobre, desesperado
e em crise com a família a e a principio, portador de alguma enfermidade ou
distúrbio psicológico.

Esta situação nos diz claramente sobre a importância que o mediador assume no
endereçamento deste programa, e de como ela reverbera em outros dois operadores –
o contexto comunicativo e o pacto sobre o papel do jornalismo. É no tom opiniativo,

104
embalado pela linguagem coloquial e pelo sentido de autoridade construído pela
performance e pelo discurso que Datena traz o programa para si, e forja na sua figura
os valores de verdade, justiça e credibilidade. Entendemos aqui que tal postura desse
mediador se configura ainda como uma estratégia de popularização tanto em relação
ao programa e seus conteúdos, quanto à sua própria figura de mediador. Ao recorrer
a artifícios do melodrama e à personificação do relato, Datena se coloca em uma
posição mais próxima do telespectador. Reivindica nas entrelinhas, que apesar da sua
autoridade, de ser uma figura pública e conhecida (seria apenas mais uma notícia
caso o sequestrador não fosse, ele próprio, um telespectador do Brasil Urgente e
admirador de Datena), é também um homem simples, comum, sujeito às emoções.
Ao sucumbir aos seus instintos emotivos para oferecer um desfecho “feliz” à notícia,
adquire simbolicamente uma posição de herói, que simbolicamente pode se reverte
em credibilidade e popularidade.

O uso de estratégias do melodrama se apresenta também na construção desta


reportagem e de tantas outras do programa, colocando a atração em alinhamento com
as formas ancestrais de se contar histórias de crime e polícia na literatura e no
cinema, reconhecidas como “populares”. Esta atuação de Datena tentando liberar as
reféns por exemplo, ganha contornos de uma narrativa ficcional perfeita: há um
clima de tensão instalado, os envolvidos (polícia e apresentador) precisam pensar em
uma estratégia eficaz e rápida de atuação, e a história ganha um desfecho “feliz” - o
sequestrador se entrega à polícia.

Na breve escalada que faz no início de cada edição, as manchetes se assemelham às


utilizadas pelos jornais populares do início do século. Ao anuncia-las, Datena
geralmente empossa a voz e mantém os olhos fixos na câmera, atenuando o sentido
de tensão e expectativa diante do fato.

“Vingança sangrenta. Traficante executa mulher que o denunciou para a polícia. O


assassinato brutal aconteceu em frente a um mercadinho, em plena luz do dia.
Getúlio Costa na tela” (José Luiz Datena, Brasil Urgente, 23/11/12)

“Frieza e ironia. Um homem é morto a golpes de canivete por outro ao tentar


apartar uma briga. A Mariana Rodrigues fez a reportagem. Na tela, parece que o
cara ri, na tela”. (José Luiz Datena, Brasil Urgente, 04/12/12)

105
O tom melodramático também é evidenciado no texto dos repórteres, tanto na
construção das reportagens gravadas quanto nas inserções ao vivo. Perguntas do tipo
“Como você está se sentindo?”, “Qual foi a sua reação/sensação ao saber do fato?”,
“Como será daqui pra frente?” ou “Onde você está buscando forças para seguir
adiante”, são recorrentes em suas atuações. No texto, detalhes e adjetivos que em
regra geral, seriam evitados em telejornais tradicionais, servem para caracterizar os
personagens envolvidos nas notícias tais como “moça pura e ingênua”, “homem de
bem”. Na edição do dia 19/11/12, ao encerrar uma entrevistar ao vivo com o pai da
garota de doze anos assassinada pelo padrasto, o repórter Eloi Oliveira diz: “Datena,
a dor do Fernando é compartilhada por toda a nossa equipe, viu?”. Há, no entanto,
um esforço para que este tom não se exceda; ele está sempre presente em situações
onde a comoção por parte das fontes e demais personagem seja explícito. Durante
todo o programa, os repórteres, que se vestem de maneira formal, executam suas
reportagens e inserções ao vivo seguindo a mesma estrutura e procedimento dos
telejornais de referência.

Figura 7 - Brasil Urgente nacional: frames repórteres

O esforço pela manutenção de um padrão estético e estilístico culturalmente


convencionado pela prática telejornalística no Brasil não impede no entanto que o
programa se valha de elementos do grotesco ou de imagens com qualidade inferior
de visualização. As notícias referentes a crimes e ações policiais, predominantes no
programa, são geralmente as que se revelam a partir de flagrantes feitos com câmeras
de circuito interno de estabelecimentos privados ou de vias públicas, ou mesmo de
câmeras particulares de telespectadores. Embora se verifiquem como tendência no
telejornalismo contemporâneo, a partir de quanto as potencialidades visuais da
imagem ampliam seu aspecto valorativo na construção e legitimação da notícia
(GUTMANN, 2012) tais artifícios se constroem aqui no Brasil Urgente também
como um reforço a um apelo sensacional gerado por alguma dessas notícias,
potencializando efeitos de repulsa, choque, espanto, tensão, curiosidade, admiração.
106
É o caso por exemplo de uma notícia exibida no programa do dia 23/11/12. O
apresentador anuncia, como cabeça de reportagem, a entrada de cenas de um
assassinato brutal, ocorrido “em plena luz do dia”. Exibe-se uma nota coberta nota,
com narração do repórter Getúlio Costa. O crime acontecera na cidade de Macapá,
em 2012, e só agora o acusado teria sido preso.

As imagens apresentadas pertencem a uma câmera de um estabelecimento comercial


localizada diretamente sob o local do crime. A mulher está de costas, próximo à
entrada do estabelecimento. O homem se aproxima e desfere facadas nas costas da
mulher. Ela agoniza no chão, o homem vai embora e uma criança passa correndo, ao
lado da mulher caída. A imagem do momento do assassinato é exibida com detalhes
e sem efeito de sombreamento, cortes ou efeito embaçado, que dificulte ou atenuasse
os detalhes dos golpes de faca. Enquanto o repórter narra a cena e dá informações
sobre a prisão do acusado, a cena exata em que ocorre o ferimento fatal é reprisada
no mínimo cinco vezes.

Figura 8 – Brasil Urgente nacional: câmeras registram assassinato

Após a exibição, o apresentador comenta:

Datena: “A gente que é contra mostrar isso aí na televisão. Eu acho que é


importante você mostrar isso na televisão pra você ver o que tem, o que tem de gente
má, ruim, bandida, e que merece um, um cara que mata uma mulher desse jeito,
merece outra coisa que não seja pena de morte? [...] Você não acha que esse cara
tem que ser mostrado, pra gente ver que nesse país tem gente que merece pena de
morte? Ou não, ou você acha que não? Isso aí ele tá matando a mulher como se
fosse um porco, a coitada da menina grávida de quatro meses!”.

Embora faça a ressalva de que o programa é “contra” a exibição de imagens fortes,


Datena trata de legitimá-la pelo debate que ela é capaz de provocar, e que é de
interesse do programa em discutir. Embora desmereça as cenas, o choque a força dos

107
atos de violência, que transgredem a lei e a conduta de boa convivência na sociedade,
é justamente o que dá força ao argumento de Datena - se não temos um judiciário
que funciona, se o sistema social estatal é falho, o resultado é a barbárie, e isso
precisa ser mostrado porque pelas vias políticas convencionais (o voto, as
manifestações da sociedade civil em geral) já não bastam. Ao escolher esse tipo de
situação para fomentar a discussão em torno de uma questão específica (pena de
morte), Datena subtrai as consequências éticas, com se qualquer tipo de censura ou
rechaço à exibição fosse pouco diante do apelo político que ele estaria tentando
levantar, que é o de medidas mais severas de combate à criminalidade afim de que se
reestabeleça a ordem e o bem estar social.

Assumindo esta postura, Datena marca também um posicionamento que se constrói


no limite do gênero. As situações de crime e ação policial seriam reveladoras destes
problemas sociais maiores, e de acordo com os argumentos de Datena, apenas
programas dedicados a estes temas teriam condições de levantar esse debate.
Conforme tenta justificar na mesma edição, em sequência à exibição das cenas do
assassinato, caberia à reportagem policial, desde sempre, revelar “verdades
inconvenientes” porém necessárias e importantes para se problematizar a sociedade e
seu cotidiano.

Datena: Eu acho que tem que mostrar, o Nelson Rodrigues dizia isso! Se você
empurra a sujeira pra debaixo do tapete, você não mostra os podres da sociedade.
Expondo os podres da sociedade, e o Nelson Rodrigues além de dramaturgo,
durante muito tempo foi repórter policial, e sabia bem o que é isso, e é por evitar de
falar a verdade que na questão da segurança pública nos chegamos a esse ponto.
[...] O objetivo é chocar? Não! O objetivo é mostrar que nós temos assassinos desses
aí! Porque a gente fica com moleza, moleza, moleza, falando manso, falando manso,
falando manso, e de repente essas bestas-feras cruzam com alguém da minha, da
sua, da nossa família.

Datena ainda mantém o assunto em debate, enquanto a cena é reprisada outras vezes,
priorizando o momento em que o assassino desfere as facadas na vitima. Quando a
imagem da cena sai da tela e fica apenas em Datena no estúdio, o apresentador
reclama e pergunta à equipe porque eles tiraram a imagem. Faz uma pausa e afirma
“Porque tá muito forte?”, como se tivesse recebido essa justificativa do ponto

108
eletrônico para retirada da imagem e responde: “É, tá muito forte mas tem que
mostrar! Ah, então sabe o que nós podemos fazer? [aumenta o tom de voz].
Mostra...er, desenho da Xuxa aí, pô!”.

Desse modo, Datena, enquanto apresentador e âncora, materializa a estratégia maior


de construção do programa que é o de buscar popularidade a partir do uso de certos
códigos vinculados à cultura popular, mas negociando fortemente com certos valores
e estratégias convencionadas pelo telejornalismo brasileiro para gerar o efeito de
credibilidade, compromisso e seriedade. No âmbito regional, estas estratégias se
revelam de modo ainda mais intenso, quando a convocação performática do seu
mediador principal se torna, mais do que o texto, uma estratégia de interação com o
telespectador, com elementos da cultura popular, e com o gênero policial em seus
símbolos.

3.2 Brasil Urgente Bahia

A versão regional do Brasil Urgente na Bahia estreou em setembro de 2011 no


horário de 17h, sendo exibido antes da versão nacional que entraria no ar cerca de 40
minutos depois. A mesma versão é exibida também para o Estado de Sergipe,
simultaneamente. A estreia foi divulgada pela emissora através de outdoors e um
vídeo promocional, exibido durante os intervalos comerciais, em que o apresentador
define a temática: “Os bastidores da ação policial, muita polêmica e cidadania”. A
promessa é a de um programa que, primeiro, privilegia as denúncias e que teria como
dever apresentar soluções. Depois, sugere também, através da aproximação no
enunciado, que as ações policiais podem envolver (ou mesmo ser sinônimo) de ações
“polêmicas”, dando, portanto, pistas do modo como será representada a atuação
policial. A marca do Brasil Urgente e a imagem do apresentador José Luiz Datena
são utilizadas para reforçar o vínculo com um produto já conhecido do público.

109
Figura 9 - Brasil Urgente Bahia: anúncio de estreia

No mesmo mês, um pouco após a estreia, o programa foi dividido em duas edições:
uma às 13h e outra que se mantém às 16h5043, o que representa para nós uma
estratégia de vinculação mais forte com o público local. Isso porque a faixa de
horário das 12h às 14h é considerada “horário nobre” da programação local entre as
emissoras, pois é o período em que a emissora de rede fornece mais tempo às
afiliadas para que exibam suas produções locais. Nesses termos, a estratégia revela
que não basta manter o vínculo apenas com o programa matriz, em sequência. Seria
estratégico estreitar relações com a ritualidade construída pela programação
televisiva baiana.

O apresentador, como ressaltado anteriormente, é uma figura conhecida do


telespectador baiano desta referida faixa de horário. Uziel Bueno foi repórter policial
de telejornais da TV Aratu, emissora afiliada no SBT na Bahia, e apresentador do
programa policial Na Mira44, veiculado pela mesma emissora, durante dois anos.
Nesse período, se tornou um dos líderes de audiência entre seus concorrentes de
programação, e chegou a receber o título de “Amigo da Polícia Militar”, dado pela
própria instituição na Bahia, em reconhecimento ao seu trabalho no telejornalismo
policial (ARAÚJO, 2010). Foi nesta atração que o apresentador consolidou um estilo
que se tornaria distintivo de sua performance enquanto no comando de um programa,
pautada pelo comportamento frenético no estúdio, gesticulações e movimentações
corporais exuberantes, e usos recorrente de bordões como “o sistema é bruto”.

43
No final do mês de abril deste ano, o programa voltou a ter apenas a edição do final da tarde, ás
16h50.
44
Ver mais sobre a performance de Uziel Bueno como mediador principal do Na Mira em Araújo
(2010).

110
A vinheta de abertura do programa é a mesma utilizada pela versão nacional. Na
maioria das vezes, ela não marca o começo do programa. Na primeira edição, o
programa começa quando Juliana Guimarães, apresentadora do programa Jogo
Aberto, marca o fim de sua atração e o início do Brasil Urgente Bahia a partir de uma
interação com o apresentador. Os dois conversam sobre algum assunto que será
abordado pela atração que começará ou que foi noticiada pelo Jogo Aberto, riem,
fazem piadas e brincadeiras. A interação é apresentada ao telespectador através do
efeito “duas telas”; os apresentadores conversariam por áudio, mas poderiam ver-se
uma ao outro através de monitores disponíveis em cada estúdio.

Tal estratégia, entendemos aqui, funciona como um artifício de serialização, que


simula continuidade e alinhamento entre as atrações, que são destinadas ao público
regional (Bahia). A conversa descontraída travada pelos apresentadores demostra um
modo de convocar o telespectador a partir da informalidade no discurso verbal e na
revelação do bastidor, no intuito de mostrar familiaridade e também verdade,
realidade.

Quando Juliana Guimarães se despede do telespectador e determina o fim de sua


atração, Uziel Bueno se posiciona com enquadramento em close e um efeito sonoro
forte, semelhante ao som de paredes ou blocos pesados caindo ao chão, anuncia a sua
apresentação. “Uziel Bueno tá na área”, diz uma voz em off com efeito remixado.
Uziel profere o seu bordão mais recorrente, “o sistema é bruto!”, agradece aos
telespectadores pela audiência e anuncia um clipe de abertura.

A ordem descrita no parágrafo acima nem sempre acontece exatamente desta forma,
mas o clipe de abertura está presente em todas as edições analisadas e é a intervenção
que, definitivamente, marca o começo do programa. “V’ambora (sic) que vai
começar o programa mais amado e odiado pelos pombos-sujos da Bahia”, anuncia
Uziel e pede à produção que “solte o clipe”: uma sequencia de imagens e
depoimentos de reportagens já veiculadas ou que serão mostradas naquela edição,
acompanhadas por uma trilha sonora em BG que, na amostra utilizada, eram dos
ritmos rap, pagode, funk e música pop internacional.

111
Figura 10 - Brasil Urgente Bahia: Frames clipe de abertura

O clipe tem curta duração e as imagens se alternam em acompanhamento ao ritmo da


trilha sonora. São produzidas sob diversos enquadramentos, mas há uma prevalência
do close no rosto das pessoas em situações de choro ou desespero. A edição frenética
e a música de forte apelo popular que a acompanha construção do clipe simula um
efeito de realidade e do que seria a sociedade, segundo aquele programa: um
aglomerado de pessoas desesperadas, indignadas e com poucos recursos, que levam
uma vida agitada e permeada por tensões, mas que embaladas por elementos festivos
de sua cultura popular (representado pela música e pela dança), conseguem sorrir e
tocar a vida. Nesse sentido, o programa estabelece um pacto comunicativo, de que irá
direcionar o seu conteúdo, a sua atenção àqueles personagens e seu cotidiano, ou
seja, às cenas de vida das camadas mais pobres da população baiana.

O cenário do Brasil Urgente Bahia dispõe de menos recursos técnicos e estéticos


quando comparado à versão nacional. O espaço disponível para o apresentador é
menor e não há projeção em chromakey. Ao fundo, há um painel iluminado pelas
cores azul e vermelho (que compõem o logotipo do programa) e uma coluna na cor
prata que suporta uma tela de TV, de onde o apresentador irá interagir com as
reportagens gravadas e inserções ao vivo dos repórteres. Não há bancada ou cadeiras,
o que do mesmo modo que no cenário nacional, possibilita um campo livre para
movimentação do apresentador, mas por outro lado ( e aí, diferente do que se
112
apresenta na versão nacional), também indica que o programa é feito com menos
recursos, já que não vai contar com o suporte dos efeitos de chromakey. Após ouvir o
efeito sonoro de uma voz que em off diz “Uziel tá na área”, o apresentador,
posicionado ao fundo do cenário, se aproxima rapidamente da câmera, deixando a
imagem do seu rosto em close, e enuncia mais uma vez o bordão “o sistema é bruto”.

Figura 11 - Brasil Urgente Bahia: abertura

Uziel sempre veste roupas escuras, e nunca usa gravata. A preferência por este traje
tornou-se também uma espécie de traço distintivo de sua performance, pois em outro
programa de temática policial que apresentava, também utilizava-se deste mesmo
estilo. Assim, passou a ser referenciado pela crítica televisiva e pelos telespectadores
- a partir de comentários dos vídeos disponibilizados na plataforma Youtube e nas
mensagens enviadas ao programa - como “cavaleiro negro”.

Enquanto anuncia ou comenta alguma reportagem, Uziel grita e gesticula bastante.


Suas inferências frequentemente são acompanhadas pela execução de tapas na
câmera que estiver lhe enquadrando, gesto que faz com que a imagem chacoalhe.
Simbolicamente, produz o efeito de um tapa atingindo o rosto próprio telespectador,
num sentido de mantê-lo alerta, atento ao que está sendo dito, aconselhado pelo
apresentador-âncora. Os movimentos, bruscos e exagerados, simulam ainda uma
tentativa de contato direto com o telespectador, que simbolicamente teria o intuito de
revelar a possibilidade de dissolução das barreiras que separaram o mediador
televisivo do público. É a estratégia utilizada pelo apresentador para dizer que está
próximo, que sua conduta e suas atitudes não se restringem ao campo televisivo, e
que sim, possuiriam alcance real. Do mesmo modo, é também um modo de chamar a
atenção do telespectador, como se estivesse convocando-o a “acordar” para a
realidade que o programa estaria prestes a revelar.

113
O telespectador é convocado ainda, a partir do mediador principal, a interagir com a
atração através de outros canais, a saber, e-mail (brasilurgente@band.com.br),
telefones da produção, e Twitter. Neste último, o perfil indicado é o do próprio Uziel
Bueno, o que reforça a imagem e o papel desempenhado pelo apresentador como
principal articulador do programa.

Figura 12 - Brasil Urgente Bahia: Perfomance Uziel Bueno

Faltam recursos ao cenário que o equiparem à versão nacional, no entanto, o recurso


das “duas e três telas” está disponível para a versão regional, e é através dele que o
apresentador também interage com os repórteres e entrevistados. No entanto, não é
utilizado tão frequentemente quanto na versão nacional. O programa investe mais
fortemente na performance corporal de Uziel Bueno. Além de funcionar como uma
estratégia de popularização e aproximação da audiência, a exuberância da
performance funciona como um tensionamento às preferências estéticas
convencionadas pelos telejornais tradicionais, ao mesmo tempo que um remetimento
aos programas ditos populares como shows e variedades em formato de auditório.

O modo como o discurso verbal do mediador central é configurado permite-nos


caracterizá-lo enquanto uma performance de caráter cênico, caráter este que para nós
funciona como um marcador da estratégia de popularização e aproximação com a
audiência pretendidos pelo programa. Uziel Bueno utiliza-se de muitas gírias e
ditados populares; fala alto e ri quando acha o assunto divertido; muda a expressão
facial de acordo com o tema abordado. Age com informalidade e força uma interação
nesse sentido inclusive com entrevistados durante as inserções ao vivo. De modo
simulado (porque recorre a exageros que se assemelham a uma representação
cênica), o apresentador coloca-se a todo tempo como alguém que fala e age com a
mesmo naturalidade de um cidadão comum, aquele a quem ele frequentemente
recorre como sendo a sua audiência. Nesse sentido, constrói uma representação de
povo na figura de um homem de atitudes grosseiras, sem acesso a educação formal

114
ou regras de etiqueta, que agiria basicamente por instinto. Reitera, nesse sentido, uma
representação simplória e calcada no estereótipo comum e preconceituoso,
reforçando inclusive o lugar de diferenciação – o jeito de ser do homem pobre em
completa oposição ao modo polido do homem rico. Simbolicamente, essa
representação calcada na performance é corroborada pelas retórica do improviso,
viabilizada pela transmissão direta, também valorizada nas inserções ao vivo dos
repórteres.

A presentificação, o efeito real reforçado pela transmissão direta serve como pano de
fundo também para que o apresentador recorra a estratégias que simulam uma esfera
de informalidade, especialmente na relação que este mediador estabelece com os
demais componentes da equipe do programa. Ao contrário da versão nacional, onde
parte dos mediadores tem a imagem ocultada (que, ao mesmo tempo, aguça o
imaginário do telespectador e coloca José Luiz Datena em uma posição amplificada
de destaque e relevância), estes mediadores em Brasil Urgente Bahia são revelados e
interagem na construção do programa. Ramon Margiolle, diretor da atração,
frequentemente aparece em tela. Acrescenta informações e tece comentários sobre as
reportagens exibidas desde uma sala onde há mesa de som - local de onde dirige a
atração. As brincadeiras e comentários de ordem pessoal entre apresentador e diretor
(e também entre repórteres) também são frequentes. A revelação do ambiente de
bastidor forja a criação de uma esfera de intimidade junto ao telespectador, e
funciona como mais um apelo à proximidade, popularização e construção da verdade
- o programa não se limitaria aos constrangimentos estéticos convencionados e revela
ao telespectador como tudo acontece à vera, e em tempo real. É também mais uma
estratégia para articular-se a determinados valores e premissas da atividade
jornalística para estabelecer um vínculo entre a audiência, o que é dito e o que é
mostrado (GUTMANN, 2012).

Na edição do dia 28/02/13, por exemplo, após exibição de uma reportagem que
mostra uma briga entre dois vizinhos (identificados como “Balbina” e “Cabeça”),
Uziel ri do fato de um dos entrevistados, durante a reportagem, ter acusado o outro
de ter-lhe feito uma macumba. Ironicamente, comenta com o diretor: “Ô Ramon
Margiolle, isso aqui é um programa sério, é o programa da família baiana, você vem
com um problema que começa com muro, com a parede, e termina no bozó!”. O
diretor responde que está “na linha” (ao telefone) com o Pai de Santo Aritana de

115
Oxóssi, e que este havia previsto que o caso entre os vizinhos seria resolvido. Uziel
insiste no assunto e diz que o repórter do caso, Ícaro Silva, também precisaria de um
“banho de folhas”. Chama o repórter ao estúdio, que entra comendo uma banana –
estaria o repórter, no seu horário de lanche mas não hesita em atender ao pedido do
apresentador. Uziel faz piadas com o repórter e mantém-lo no estúdio entre cinco e
dez minutos, um tempo considerado bastante razoável no telejornalismo.

Além do modo coloquial como articula a conversa, que forjam o sentido de


intimidade, esta passagem evidencia o modo como os mediadores recorrem e se
apropriam de símbolos referenciais da cultura baiana como estratégia de construção
de discurso que se pretende articulado à esfera da cultura popular. Ao se
posicionarem em tom de pilhéria e deboche na abordagem destas referências,
reforçam os sentidos estereotipados de exotismo e distanciamento que de forma
dominante, conformam estereótipos partilhados em torno das matrizes religiosas
africanas na Bahia.

O apelo à informalidade e à popularidade é convocado também a partir da vestimenta


e das condutas corporal e discursiva adotada pelos repórteres. Geralmente estão em
trajes considerados “despojados” no âmbito do telejornalismo tradicional: calça jeans
e camisetas de mangas curtas. É como se aqui, a estética importasse menos, diante
imagens – que devem ter potencial “polêmico” - que estão sendo produzidas para
revelar a notícia. O texto verbal se articula em uma dinâmica mais afinada à narração
e descrição do fato, que geralmente está vinculado a uma situação de crime, violência
ou atuação policial.

Figura 13 - Brasil Urgente Bahia: Frames repórteres

Na amostra selecionada para este trabalho não identificamos nenhuma situação em


que o apresentador participe da construção de alguma reportagem gravada. No
entanto, encontramos passagens em que Uziel Bueno faz referência à sua trajetória
como repórter policial, e esta referência funciona muitas vezes como um artíficio

116
discursivo para construir um lugar de autoridade dentro do contexto comunicativo
estabelecido pelo programa. Apropria-se deste experiência para frequentemente,
colocar-se como uma espécie de “maestro” na interação com os repórteres (alguém
quem teria mais experiência, autentica o que revel o repórter naquele momento) e em
seus comentários, proferidos à exibição de cada conteúdo (gravado ou transmitido
em via direta) costuma exaltar o trabalho de investigação e de compromisso com a
revelação do fato, qualidades que seriam legitimadoras do ofício do repórter.

Com formação acadêmica em jornalismo, Uziel acredita que desenvolveu um


trabalho pioneiro em jornalismo policial televisivo na Bahia. Conta em uma
entrevista45 que gostava do tema desde que era repórter de rede, mas só quando a
emissora lhe deu uma oportunidade, vestiu um colete à prova de balas e fez
reportagens acompanhando as operações policiais, conduta que, segundo o
apresentador, teria contribuído para o aumento da audiência da atração. Como
Datena, Uziel também atua no meio radiofônico. Apresentou durante cinco anos o
programa Acorda Pra Vida, na Rádio Tudo FM, dedicado à prestação de serviços e
denúncias. Na opinião pessoal do apresentador, os relatos de crime e da violência na
rádio e na TV, configuram os limites do jornalismo popular contemporâneo. Ao
afirmar então, que seu objetivo é executar um jornalismo que esteja “a serviço do
povo”, reforça o sentido de que povo vincula-se diretamente à figura do pobre e da
vítima dos crimes da violência urbana. A importância que dá ao fato de “vestir um
colete à prova de balas” para reportar um fato também macula o sentido de que um
repórter autêntico deve se expor a riscos, deve suportar as consequências a fim de
revelar a verdade do fato.

Além da atuação como jornalista nos meios radiofônicos e televisivos, Uziel Bueno,
a partir de 2010, passou a investir em outro segmento profissional. No período da
nossa amostra, Uziel ocupava também o cargo de Deputado Estadual46. O

45
Entrevista dada ao site Bahia Notícias. Disponível em:
http://www.bahianoticias.com.br/holofote/entrevista/134-uziel-bueno-fala-sobre-seu-novo-programa-
na-band-e-diz-que-o-jornalismo-popular-na-bahia-e-ultrapass.html. Acesso em junho/2013.
46
Após deixar a TV Aratu, onde apresentava o programa Na Mira, Uziel Bueno lança-se candidato a
Deputado Estadual nas eleições de 2010, pelo PTN. Seu numero de votação era 19000, uma
coincidente referência ao número de atendimento telefônico da Policia, o 190. Não foi eleito, mas pela
quantidade de votos recebidos, adquire o status de suplente do Deputado Luizinho Sobral. Este por
sua vez, se ele prefeito de um município do interior baiano e com a vacância do cargo, Uziel assume
como Deputado em dezembro de 2013. Fica no cargo até julho de 2013, quando o cargo é retomado
pelo Deputado João Carlos Bacelar, que saiu para assumir a Secretaria Municipal de Educação, mas

117
estreitamento com o campo da política parece-nos uma pista importante para
compreensão do discurso em tom populista e o viés assistencialista que assume o
apresentador na condução do programa.

Tal como a sua versão nacional, o Brasil Urgente Bahia se constrói pela abordagem
predominante dos casos de polícia, crimes e atuação policial sendo que uma notícia
especifica é tomada como manchete principal e é abordada de forma fragmentada
entre as duas edições diárias. Sinaliza então a organização temática do programa, que
é similar à sua versão nacional: prioridade na cobertura policial, nos eventos de
transmissão direta e na estratégia de serialização. Tal cobertura divide espaço com
outros eventos ordinários que são referidos frequentemente pelo próprio apresentador
não como notícias ou fatos, mas sim como “casos”, o que estabelece aqui o tom
investigativo. Além do vínculo com o linguajar da instituição policial, esta referência
atenua a sua tomada de posição enquanto “delegado”, autoridade que assumirá o
trato (e consequente resolução) daquela situação apresentada pelo programa. Estes
casos são encarados por Uziel Bueno, conforme frequentemente dito pelo próprio
apresentador, como uma “missão”, e o seu papel ali seria solucioná-los. A notícia
tomada como principal, geralmente, é a que recebe a incumbência de resolução
proposta apresentador.

Na edição do dia 27/02/13, temos um exemplo. Uziel chama o repórter Bruno Sales,
que está no Hospital Geral do Estado (HGE). Esta é uma inserção em transmissão
direta recorrente feita pelo programa: o repórter espera à porta da emergência de um
hospital público com grande fluxo de atendimento para registrar a entrada de vítimas
de crimes ou acidentes. Ele aponta para o canto superior esquerdo da tela, mostrando
o efeito gráfico em caracteres onde se lê “BRASIL URGENTE AO VIVO”. Um
efeito sonoro semelhante ao de uma bomba que estoura acompanha a entrada do
artifício.

Frequentemente o programa registra, neste local, a chegada de vítimas feridas por


bala de fogo, resultantes de algum confronto policial, ou mesmo de apreensões feitas
pela própria Polícia. Nesta situação específica, o repórter está ao lado de um casal,
pais de uma bebê de nome Luna Vitória. Conforme relatado pelo repórter, o casal

reassume a posição na Assembleia Legislativa da Bahia quando é dispensado pelo prefeito local,
ACM Neto.

118
sabia da presença da equipe no local e teria se dirigido até lá com o intuito de pedir
ajuda para a realização de uma cirurgia na criança, que possui um problema cardíaco.
Para isso, seria necessária uma vaga em um dos dois hospitais indicados pelo HGE,
os únicos onde a cirurgia pode ser feita. Quando o repórter pede que a mãe explique
a Uziel Bueno qual o problema que eles possuem, ela chora bastante e diz: “Por
favor, consiga essa vaga, eu preciso da minha filha em casa, não quero ver minha
filha naquela situação”. Após este depoimento, o apresentador se dirige ao pai da
criança pede que ele confie no programa, pois a produção entrará em contato com a
Secretaria Estadual de Saúde para conseguir a vaga.

Uziel Bueno: “Eu tenho certeza que você


acompanha esse programa e sabe que a
gente vai até o final com tudo aqui né?”.

Pai de Luna Vitória: “Com certeza, eu


confio muito no seu trabalho.
Primeiramente em Deus, mas eu sei que
você é um cara que ajuda o povo né (sic),
uma pessoa que precisa vai até você eu vejo
sempre seu programa e você ajudar. Então,
eu creio em Deus primeiramente e abaixo
dele só a autoridade que Deus deixou na
Terra né (sic), como você, um homem, um
guerreiro.”.

Ao final da primeira edição, a produção informa que já tem a resposta da Secretaria:


uma vaga será disponibilizada à criança. A notícia é comemorada pelo apresentador e
a família não se contém em lágrimas de agradecimento.

119
Uziel Bueno: Descrição:

Graças a Deus! Com fé Uziel pede que seja


em Deus, Deus é bom!” disponibilizado o
recurso das três telas
que mostrem ele, os
pais emocionados, e o
bebê que será
contemplado. Um
efeito sonoro de
aplausos acompanha a
fala de Uziel.

Na edição do dia seguinte, também no ao vivo desde a porta do HGE, o programa


mostra uma mãe que precisa fazer um exame no seu bebê que custa R$300,00. “O
problema tá (sic) resolvido”, anuncia Uziel, confirmando à mãe que ela terá o
dinheiro para fazer o exame, mesmo sem deixar claro se esse dinheiro viria da
emissora ou do próprio apresentador. Uziel, no entanto, incorpora essa atitude e a
responsabilidade por ela, quando ao informar que o dinheiro seria dado à mãe, o faz
como se fosse um ato movido por instinto de sensibilidade, em que ele não precisou
consultar nem mesmo o diretor do programa ou da emissora, responsável direto pela
veiculação do programa.

Em seguida, atualiza o telespectador sobre o caso de outra bebê, de nome Hillary


Vitória, e que seria outra “missão” do programa, segundo o apresentador. O
programa teria conseguido todos os recursos necessários à transferência da criança
para um hospital de São Paulo ou Rio de Janeiro, onde ela pudesse também fazer
uma cirurgia. Ao mesmo tempo em que informa que a produção está acompanhando
quando será a transferência, garante ao telespectador: “A bebê Hillary não vai
morrer! Não vai morrer!”.

O outro exemplo surge na edição do dia 26/02/13. Ao lado de Uziel no estúdio está
uma senhora, Dona Maria. Com semblante choroso, ela estaria no estúdio para contar
a história do filho, vítima de “um caso bárbaro, de selvageria, em Salvador”,

120
conforme qualifica Uziel Bueno. Após uma briga com um colega de trabalho, o
jovem Leandro, de 19 anos, foi atingido por ácido sulfúrico, e teve o rosto
desfigurado, além de graves queimaduras pelo corpo. Entram imagens da reportagem
feita com a vítima, e depois, imagem em close da mãe, que do estúdio, assiste à
reportagem que ela também participou. Uma trilha sonora suave e triste, com sons de
piano, acompanha a conversa do apresentador com a mãe da vitima.

Dona Maria: “Sinto muito Descrição:


meu filho...”.
Após ver a
Uziel Bueno: “Meu Deus do reportagem, D.
céu...”. Maria chora pelo
filho. Á medida em
Dona Maria: “Eu num guento
que conversam, a
(sic) olhar...”.
câmera aproxima a
Uziel Bueno: “O que é que imagem em close,
vem no coração da mãe”. primeiro no rosto da
senhora, depois nas
Dona Maria: “Dor, muita
mãos dadas do
dor... Muita dor dentro de
apresentador com
mim. Eu não posso fazer o
ela, em sinal de
rosto do meu filho como era...
solidariedade e
Tão lindo, tão querido na
conforto pela
Valéria [bairro onde moram]”.
emoção provocada
Uziel Bueno: “Eu quero pela reportagem.
colocar a reportagem do Exibe também,
Bruno Sales. Você vai ver o enquanto conversa
que aconteceu com o filho da com a mãe, um
Dona Maria, que mora em comparativo entre o
Valéria, Salvador, Bahia, antes e o depois do
Brasil”. jovem, explorando a
gravidade do seu
estado físico.

121
O acidente com Leandro acontecera em novembro de 2012, e nessa edição, a
reportagem mostra o seu estado após receber alta hospitalar. Uziel pergunta o dia
exato do ocorrido à mãe, que diz lembrar apenas o mês, ao que ele completa:
“Disseram que foi dia 22. Dia 22 de novembro, dia do meu aniversário. No dia do
meu aniversário jogaram ácido no filho dela”. Na reportagem, a sobrinha do rapaz
diz que procurou o programa para conseguir ajuda para que ele fizesse uma cirurgia
plástica, única solução para tentar reconfigurar o rosto do rapaz e dar-lhe uma melhor
condição de vida. O caso de Leandro ocupa quase todo o programa. Uziel convoca o
telespectador e os cirurgiões da Bahia, pedindo ajuda para o caso de Leandro, e se
compromete a solucioná-lo, que havia mobilizado não só a sua equipe, mas toda a
emissora.

Uziel Bueno: Quando eu levei ele até a Diretora de Jornalismo aqui da Band, a
diretora também da rádio Bandnews FM, a Silvana Oliveira, elas realmente ficaram
chocadas, acho que todos nós aqui da produção, da edição, os cinegrafistas, os
motoristas, todos, todos nós aqui da BAND ficamos muito chocados com isso,
tocados com isso.

No dia seguinte, Uziel anuncia com satisfação que exibirá nova reportagem sobre o
caso. O repórter Bruno Sales levou Leandro até o Hospital das Clínicas, onde ele foi
atendido pelo Doutor Valber Menezes, que lhe garantiu cuidados. Afirmou que o
tratamento levará cerca de três anos, mas que com o passar do tempo, ele poderia
levar uma vida normal. Após exibição da reportagem, com final feliz.

Uziel Bueno: A gente recebe muitas críticas, né? Esse programa recebe muitas
críticas, eu particularmente recebo muitas críticas. Mas a gente passa pelas pedras,
pelos tropeços no caminho, e segue. É, muita gente torce contra o nosso programa,
muita gente torce contra a gente, muita gente torce contra, não gosta nem quando a
gente ajuda alguém, porque acha que isso é até desnecessário. Desnecessário é
quando você não tá no lugar dessas pessoas que a gente ajuda todos os dias aqui.
Desnecessário quando você não está na pele do Leandro, por exemplo, que tá
sofrendo todos os dias, por causa de uma violência que aconteceu e m novembro do
ano passado [aumenta o tom de voz] e ninguém ajudou ele! Ninguém ajudou essa
família! (...) Autoridade pública, nenhum outro programa, nenhum jornal, ninguém!
Ninguém. Então eu fico muito feliz, e aí, agradecer ao doutor Valber, né isso?

122
Doutro Valber Menezes, um dos melhores cirurgiões plásticos dessa terra, quero
agradecer a ele, ao Hospital das Clínicas, quero agradecer inclusive à produção do
Brasil Urgente, todo o departamento de jornalismo da Band, que abraçou de
coração e de corpo e alma esta causa, que não é só uma causa do Uziel Bueno, é
uma causa da BAND hoje.

Temos aqui exemplos de como Uziel Bueno, na condição de mediador principal do


programa, assume um papel central na construção do contexto comunicativo do
programa, que por sua vez reverbera no pacto sobre o papel do jornalismo. Ele é
investiga, ancora, e através de sua performance corporal e discursiva, revela as
prioridades do programa, que pretende noticiar fatos ligados a um cotidiano em que
predominantemente seria marcado por súplicas, cenário de miséria, necessidades não
atendidas, e eventos violentos. A passagem acima destaca a posição assistencialista
assumida pelo apresentador, que aparece forjada pelo papel de mediador, de
jornalista, comandante de atração, que detém o poder de solucionar eventos que seria
de responsabilidade ou da Polícia, ou de Estado.

Vejamos então que este caráter assistencialista aparece mais forte na versão regional
comparado à versão nacional. Cada apresentador recorre a um valor/estratégia
específico para construir papéis de mediador que aqui revelam distinções: enquanto
Uziel recorre à premissa da verdade, da revelação e do serviço público para
promover o assistencialismo, Datena prefere recorrer às premissa da isenção e da
objetividade para manter-se em uma simulada situação de distanciamento. Na
conduta de Uziel, vigilância e do serviço público são valores tomados como posição
pessoal - do mediador e do programa como um todo. Assim, o assistencialismo se
volta como uma estratégia de popularização que pretende construir sentido de
compromisso e a verdade. Ao se posicionar em relação a prováveis críticas que a
atração recebe, ele se coloca em uma posição heroica, assumindo questões que
hipoteticamente, não teriam espaço nos telejornais convencionais e os órgãos
públicos não teriam capacidade para resolver.

Além de colocar-se como mediador e solucionador de questões “demandadas” pelo


povo, Uziel utiliza os casos mostrados pelo programa como pano de fundo para
reafirmar opiniões e condutas de ordem moral, outro aspecto que volta a aproximar-
lo do mediador da versão nacional. As situações de crime, violência e ação policial,

123
de forma ainda mais enfática que a versão nacional, servem para mostrar a tomada de
posição em favorecimento à instituição policial e o estreito relacionamento que o
apresentador mantém com esta classe.

Entre as situações mais recorrentes do programa estão as de pessoas que acabam de


ser presas pela polícia; corpos encontrados em via pública, vítimas de assassinato;
ocorrências e operações policiais em geral, na maioria em combate ao tráfico de
drogas. Quando alguma ação da polícia parece ineficiente em algum bairro da
cidade, Uziel não hesita em cobrar mais empenho à instituição, valendo-se do papel
de vigilante enquanto jornalista mas também de “camarada”, pelo modo coloquial
como se refere aos policiais.

Na edição do dia 11/03/13, ele comenta a morte de um policial com lamento, de que
os traficantes e ladrões teriam perdido o respeito pela instituição. “Como é que
pode? Perderam o respeito pela policia!”, brada olhando em direção à tela. Na
edição seguinte, após a exibição de uma nota que mostra uma viatura da polícia
encontrada queimada em um bairro periférico da cidade, ele diz que tal atitude é
“afronta” à Polícia, e garante não ter medo de represálias (por parte dos bandidos,
supostos autores do ataque), em defesa da instituição. “Tá (sic) achando o quê? Que
a gente não vai mostrar a viatura queimada não é? Aqui a gente mostra!”, afirma,
demonstrando que não teme supostas represálias.

Quando a queixa à polícia vem de algum telespectador, o programa abre espaço para
que a instituição possa se justificar. Na edição do dia 25/02/13, por exemplo, torna-se
uma “missão” para o programa apresentar uma reposta da Polícia Militar a uma mãe
desesperada, que após perder a filha assassinada, supostamente por conta de um
envolvimento com tráfico de drogas, desabafa aos prantos: “Todo mundo morre, fica
por isso mermo (sic). [...] Se a policia prendesse os bandido, eles num fazia isso com
minha filha!”. Apenas o trecho com esse depoimento é exibido várias vezes durante
o programa até ser veiculada a reportagem. Uziel anuncia: “Guerra do tráfico!
Realidade nua e crua! Você só vê aqui no Brasil Urgente! [desfere tapas na câmera]
Aqui não é a Disneylândia. Essa é a realidade da Bahia”.

Antes de ir ao ar a reportagem, Uziel Bueno questiona e pede que a Secretaria de


Segurança Pública se posicione. “Não era pra tar (sic) funcionando a base
comunitária de Itinga?”. (...) “Eu quero meu direito de ir e vir. Alguém pode me

124
dar?” (...) “Eu quero saber o que a Secretaria de Segurança Pública tem a dizer
sobre o pranto dessa mãe aí”. Percebemos aqui que Uziel cobra uma resolução não
diretamente aos policiais, mas do Estado, através da Secretaria.

A reportagem começa com imagens tremidas, e a narração do repórter informando


que eles estão chegando junto com o “rabecão” - nome como é popularmente
reconhecido o veículo do instituto médico legal responsável pelo recolhimento de
corpo de pessoas mortas em via pública. A câmera está dentro do carro, junto com o
repórter, e quando o rabecão estaciona, o carro da reportagem também para
imediatamente e o repórter sai do veiculo para acompanhar a ação.

Repórter: “Tá chegando agora aqui o veículo, o


rabecão, nessa área de Itinga conhecida como
parque São Paulo, Uziel. Eles vieram buscar o corpo
de uma mulher, que foi encontrada aqui nessa
região”.

[câmera filma o chão, acompanha o movimento


natural do cinegrafista priorizando o estilo “plano-
sequência”].

"Aqui uma viatura da 81ª Companhia de Polícia


Militar...bom dia, bom dia...Com licença gente, com
licença, bom dia, bom dia. Meu Deus... [sussurra o
repórter, quando se depara com o corpo. Entram
imagens da mãe, desesperada, que abraça o corpo da
filha e aos gritos]

Mãe: “Minha filhinha, você morreu, você me


deixou!”.

[Entra trilha sonora dramática. Uma música suave,


sons que se assemelham aos de um piano piano.
repetem-se as cenas do corpo sendo removido para
uma espécie de caixa, para onde será levado pela
equipe do Instituto Médico Legal. O corpo vai e a

125
mãe continua a gritar desesperada. O repórter, em tom
de voz bastante baixo, volta a falar coberto pelas
imagens.]

Repórter: “Por volta de cinco da manhã, vítima de


vários tiros. Ainda tem sangue aí, no local, e o nome
da vitima, Sheila Santos da Silva, de apenas 20 anos.
Vítima do crime, com vários tiros, aqui na região de
Itinga, mais precisamente no Parque São Paulo, um
lugar onde muitas pessoas moram. Uma mãe perdeu
a sua filha.”.

[Fim da reportagem. Volta para o estúdio e Uziel


comenta]

Uziel Bueno: Meu amigo, minha amiga. Essa cena aí


se repete dia após dia na Bahia. Já foram mais de
300 pessoas mortas desde o começo desse ano. Só em
Salvador e região metropolitana. 300 mães de família
[grita] dessa forma aí, que muitas vezes tem até medo
de falar, mas essa mãe aí não tem mais nada a
perder, porque perdeu a única filha dela!

[Logo após o seu comentário, a chegada de uma nota


enviada pelo Departamento de Comunicação da
Policia Militar da Bahia, informando que o
policiamento na região onde ocorreu o crime é feito
pela 81ª Companhia, e que a ação será intensificada
no local. Uziel mostra o papel, que recebe
enquadramento em close. Um efeito na imagem
mostra, ao fundo do papel, as imagens do corpo sendo
removido]

126
Uziel Bueno: “Realmente...Acho que essa mãe
merecia mais!”.

Apesar de cobrar (e conseguir) da polícia uma justificativa que em tese, pudesse


amparar o sofrimento da mãe, Uziel Bueno não parece satisfeito. O “merecer mais”
que ele reivindica, nas entrelinhas, é direcionado ao estado e ao judiciário, tomados
aqui como inoperantes. A polícia, de acordo com a construção da reportagem,
apareceria como entidade comprometida em fazer a sua parte para que casos
violentos como este não voltem a acontecer.

As situações de crime e polícia, que servem como pano de fundo para que o
apresentador apoie seu discurso opinativo e exerça uma performance de tom
assistencialista, são habitualmente construídas a partir de estratégias do melodrama, e
motivadas a criar sensação de tensão, suspense e excitação. Ao adotar
frequentemente o estilo do plano-sequencia, o programa se coloca alinhado a uma
estratégia que historicamente se vincula aos programas dedicados à cobertura
policial, mas que atualmente, foi incorporado pelo telejornalismo de modo mais
amplo como um estilo que reforça os sentidos de presentificação e veracidade do fato
relatado (GUTMANN, 2012). O plano sequencia transmite um sentido de realidade
que compartilha com o telespectador a sensação vivida pela equipe de reportagem no
momento exato em que se faz a notícia.

127
A riqueza dos detalhes e o tom dramático da voz do repórter enquanto narra a
situação reforça também o sentido trágico que, segundo o programa, definiria a atual
situação da Bahia: dominada pela violência e pelo tráfico de drogas. O repórter
prescinde de informações como quem teria cometido o assassinato e as
consequências das investigações para enfatizar este cenário, questão que será ainda
mais problematizada pelo discurso do apresentador.

Para enfatizar o apelo dramático, o programa não prescinde das imagens de corpos,
ignorando as críticas e os impedimentos normativos e éticos que este tipo de
veiculação enfrenta47. As imagens de corpos no chão não são dispensadas. Elas
servem como argumento de força para validar a discussão. “Aqui a gente mostra”, é
o argumento recorrentemente utilizado frase de ordem. Mesmo com o efeito borrado,
a câmera ainda usa o recurso zoom in, na tentativa de ir a fundo nos detalhe mórbidos
da imagem chocante do corpo humano morto e dilacerado.

Figura 14 - Brasil Urgente Bahia: Imagens de corpos desfocadas

Tal como Datena, Uziel se vale das situações de crime e polícia para reafirmar um
discurso em favor não só da atividade da instituição policial, mas da manutenção de
valores tradicionais e da ordem social. Casado com uma policial militar e pai de uma
criança, Uziel coloca-se como defensor da instituição familiar e dos valores da
religião católica, mas não deixa de negociar com o público cristão de modo geral,
quando frequentemente pede aos entrevistados que “orem” por ele ou por qualquer

47
Em 2002 foi criada a Campanha nacional “Quem Financia a Baixaria é contra a Cidadania”. A
partir de uma inciativa da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, a campanha foi
deliberada durante a VII Conferência Nacional de Direitos Humanos. Segundo representantes da
organização que mobiliza a campanha, a ideia da ação é promover “o respeito aos princípios éticos e
os direitos humanos na televisão brasileira”. Anualmente, a organização promove o Ranking da
Baixaria, que classifica os programas de acordo com o seu nível antiético, que segundo o
telespectadores, estaria vinculado à exibição de cenas de violência e de apelo ao sexo. Em 2009, o
programa Na Mira, então comandado por Uziel Bueno, apareceu na 16º posição deste ranking. Neste
mesmo ano, o Ministério Público da Bahia chegou a impetrar uma ação judicial contra o programa,
suspendendo a sua veiculação durante dois dias (ARAÚJO, 2010). Informações sobre a campanha
disponíveis no site http://www.eticanatv.org.br. Acesso em novembro/2013.

128
personagem de alguma reportagem veiculada pelo programa, que esteja em
sofrimento. Repreende fortemente o uso de drogas, e, de modo performático, mostra
que está ao lado da polícia no combate a elas.

Na edição do dia 13/03/13, após a reportagem sobre a prisão de um rapaz que teria
sido flagrado portando maconha, Uziel comenta: “O rapaz aí combate incêndio no
capão, mas quer fazer fumaça aqui na capital. E muita gente nesse momento com
água na boca [aumenta o tom de voz e usa um objeto preto, que parece uma placa de
um material maleável e chicoteia-o no chão no estúdio] vendo essa maconha na tela
[entra um efeito sonoro, som de bebê chorando. Uziel chicoteia o objeto mais uma
vez e depois entra uma trilha musical em ritmo de reggae. Pede que mostre
novamente a imagem do rapaz - “o combatente de incêndio lá” - enquanto a música
segue como BG. Depois aparece com outro objeto que se assemelha a um cassetete
preto, e avisa: “Ói (sic), pra vocês que gostam de fazer fumaça, tem um charuto bom
aqui”, e ergue o cassetete]”.

Para defender o seu posicionamento moral, Uziel é adepto da estratégia de


estabelecer uma postura condenatória, pautada no deboche, na ironia e no
constrangimento dos que se desviam deste padrão desde a sua experiência anterior,
no comando de outro programa. Em maio de 2012, o Brasil Urgente Bahia foi
repreendido pelo Ministério Público e sofreu intervenções na própria emissora, após
uma situação como esta, que causou ampla repercussão no país. A repórter Mirela
Cunha, ao entrevistar um acusado de estupro dentro de uma delegacia, ri e
ridiculariza-o após este se atrapalhar e responder equivocadamente a uma de suas
questões. A reportagem motivou críticas e condenações de diversos setores da
sociedade civil, incluindo um abaixo assinado de jornalistas baianos em repúdio à
repórter, que no mesmo mês, foi afastada do programa48.

Se ainda depois desse episódio podemos constatar situações em que o apresentador


torna a usar a condição de cárcere de algum indivíduo para legitimar o seu discurso,
é porque estamos diante de uma situação dominante e conformada dentro no âmbito
da cobertura policial brasileira. Esta estratégia, no entanto, apresenta-se de forma

48
O vídeo foi hospedado pelo canal da emissora na plataforma Youtube mas logo após as reações
negativas, foi retirado. O vídeo no entanto ainda pode ser visualizado através de postagens de
telespectadores comuns na rede social. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=1lk0yMCCWso

129
mais recorrente na versão regional do que na versão nacional. É como se, ao alcance
de um espectro menor de grupo, fosse mais coerente recorrer a uma performance
mais extravagante, assemelhada aos shows e programas de auditório. Já no âmbito
nacional, seria estratégico recorrer a padrões estéticos e estilísticos convencionados
pelo telejornalismo brasileiro. Embora com performances distintas, os programas se
constroem como exemplares do telejornalismo policial que recorrem menos a certos
símbolos estéticos da narrativa fictícia policial e mais a uma defesa da instituição
policial, e de outros valores e instituições tradicionais na cultura brasileira.

3.3 Cidade Alerta

Mais antigo que o Brasil Urgente, o programa Cidade Alerta destaca-se como uma
das atrações que marcam o retorno dos programas policiais na TV brasileira, a partir
da década de 1990. Seu percurso, no entanto, é marcado por interrupções e trocas de
apresentador.

A primeira versão, em 1995, foi apresentada por Ney Gonçalves Dias, que fez uma
carreira notória no rádio e da TV. Uma das marcas de sua performance enquanto
apresentador era na apresentação das cabeças de reportagem, quando ao anuncia-las,
fazia um gesto de abrir as mãos, como se quisesse congelar a imagem na tela. Em
pouco tempo, o programa conquistou bons índices de audiência para a emissora. A
consagração, no entanto, veio na década de 2000, quando passou a ser apresentado
por José Luiz Datena. Neste período surgem mais críticas sobre o programa,
destacando principalmente o esforço da emissora naquele momento em articular de
modo direto as temáticas do “mundo-cão” às práticas do telejornalismo tradicional.

Se, quando estreou, o "Cidade Alerta" era uma versão ainda mais "trash" do
extinto "Aqui Agora", do SBT, hoje o programa vem tentando mudar sua
imagem. A base continua sendo a cobertura policial, ainda recheada de crimes,
assaltos, estupros, sequestros. Mas, desde o ano passado, a atração passou a
investir pesado na agilidade das reportagens, conseguindo transmitir, muitas
vezes antes da Globo, cenas de enchentes, rebeliões e acidentes, entre outros
temas. (“Jornalismo-verdade” beira a ficção no vídeo”, Folha de S. Paulo,
10/03/1997)

A receita foi tornar-se mais crítico, não mostrar cadáveres nem ter a polícia como
fonte principal. Como resultado, a audiência cresceu e Cidade Alerta ganhou
mais credibilidade. Atualmente é o programa de maior ibope da Record.
(“Violência retocada”, IstoÉ Gente, 21/06/2000)

130
Esta década torna-se um marco para a emissora, agora liderada pela Igreja Universal
do Reino de Deus. Atravessando problemas financeiros, a TV Record foi vendida em
1990 para o grupo do Bispo Edir Macedo, que logo anunciou a prioridade da
emissora - que passara a ser chamada de Rede Record: investir em telejornalismo.

A TV Record pretende investir cerca de US$ 8 milhões (Cr$ 600 milhões) nos
próximos dois anos na reformulação de sua programação. O projeto da emissora,
que começa a ir ao ar no fim de maio, é voltar a ser um canal competitivo e se
transformar em rede nacional. Os responsáveis pelas mudanças são o diretor-
superintendente da emissora, Ailton Trevisan, 44, e o diretor de Operações,
Dante Matiussi, 42, que estão concentrando suas atenções sobre o jornalismo.
(“Nova direção da Record investe no jornalismo”, Folha de S. Paulo,
29/04/1990).

Orientada neste objetivo, a emissora realiza mudanças constantes na programação,


no intuito de mais a frente, consolidar uma grade televisiva que dê conta do seu
objetivo principal, que é o de estabelecer concorrência clara e direta à TV Globo.
Com o projeto “Rumo à Liderança”49, a Record assume que a meta é ultrapassar a
emissora líder, e a alçada ao objetivo se materializa não só no investimento ao
telejornalismo, mas em qualquer outro ponto que seja expertise da concorrente
superior - na dramaturgia, por exemplo.

Os investimentos recaem sob o formato do Cidade Alerta, que sofre constantes


alterações até chegar ao modelo que represente esse direcionamento da emissora. Em
2003, José Luiz Datena deixa o programa, e a audiência cai consideravelmente. Em
2005, após novo rodízio de apresentadores, a emissora anuncia o fim da atração,
alegando “pressão da Justiça”, que já havia sinalizado à emissora de que o programa
era inadequado para exibição antes de 21h. Uma das especulações levantadas pela
crítica era a de que o programa já não gerava mais receita. “O ‘Cidade Alerta’ dá
audiência, mas não atrai anunciantes. Para executivos da Record, é ruim para a
imagem da emissora”. (“Record tira ‘Cidade Alerta’ do ar sem aviso prévio”, Folha
de S. Paulo, 04/06/2005).

O programa volta a ser exibido em 2011, ainda com oscilações de horário e


rotatividade de apresentadores, até a chegada de Marcelo Rezende, que já havia
comandado o programa por um curto período (Entre 2004 e 2005), e volta com o
intuito de recolocar o programa como uma das atrações “carro-chefe” da Record.

49
Em entrevista recente, o presidente da emissora confirma que o projeto Rumo à Liderança continua
como uma das metas da emissora. Disponível em: http://rd1.ig.com.br/televisao/nosso-projeto-
continua-o-mesmo-rumo-a-lideranca-diz-presidente-da-record/170399. Acesso em maio/2013.

131
Marcelo Rezende tem 62 anos, mais de trinta deles trabalhando como jornalista. Tal
como o concorrente José Luiz Datena, começou cobrindo eventos esportivos, em um
jornal impresso do Rio de Janeiro. No Jornal O Globo, teria descoberto a sua
verdadeira vocação, em uma reportagem sobre um assassinato de um milionário, em
1989. “A direção da Globo falou para mim que esse era meu caminho e estou nessa
até hoje”, conta em uma entrevista ao Portal IG50. Na mesma entrevista, Marcelo se
diz um homem sem grandes vaidades, que gosta de se vestir de modo simples -
camiseta, bermuda e sandálias havaianas. Gastaria o dinheiro que ganha em viagens,
vinho e livros. O hábito pelo vinho aliás, frisa o apresentador, teria adquirido no
intuito de reduzir o consumo de outras bebidas alcoólicas, como cerveja e uísque. Já
os livros funcionam como uma compensação pela falta de estudo, já que não
conseguira completar o segundo grau.

Tal como Datena, Rezende aquiriu status de celebridade e as informações sobre a sua
vida pessoal frequentemente circulam em revistas de variedades. Observamos no
entanto que os dois apresentadores parecem exibir estilos e modos de vida distintos,
pelo menos no que circula enquanto informação disponível à audiência, ao cidadão
comum. Para nós, este é um detalhe importante porque a revelação do bastidor, os
detalhes da vida pessoal e a condição de celebridade operam enquanto fator
simbólico, uma vez que estes mediadores vão colocar suas opiniões aparentemente
pessoais como principal discurso do programa, configurando de modo fundamental
seus modos de endereçamento.

Foi na TV Globo que Rezende começou como repórter televisivo e consagrou-se


enquanto repórter e apresentador de programas policiais. Em 22 de novembro de
1998, o programa dominical Fantástico exibiu, ao final da edição, uma grande
reportagem feita por ele com o motoboy Francisco de Assis Pereira, conhecido como
“Maníaco do Parque”. O homem fora acusado por estupro e assassinato de nove
mulheres e o caso teve ampla repercussão nacional. A reportagem, que além da
entrevista com o acusado exibiu a reconstituição dos crimes e depoimentos de
videntes e psicanalistas, que deram palpites sobre a personalidade do criminoso,
rendeu altos índices de audiência ao programa e ao mesmo tempo, uma repercussão

50
Disponível em: http://gente.ig.com.br/2012-12-04/marcelo-rezende-tem-fila-de-feinhos-pra-me-dar-
tiro-botei-muitos-na-cadeia.html. Acesso em abril/2013.

132
negativa por parte da crítica, que entendia aquela reportagem como uma aposta da
emissora em sensacionalismo barato e apelativo.

A tentativa de concorrer com ratinhos, leões e outros bichos criou esse


subproduto mórbido. Um programa com técnicas audiovisuais sofisticadas e
conteúdo tão sensacionalista quanto o dos concorrentes, mostrando que as
objeções éticas à TV não podem restringir-se a programas ostensivamente
escandalosos. Sob o verniz cosmético do famoso "padrão de qualidade" há muita
coisa de podre. (“Técnicas sofisticadas e a baixaria de sempre”, O Estado de S.
Paulo, 28/11/1998)

Seria a volta do homem do sapato branco. Como fizeram com Godzilla: mais
rápido, mais letal... e menos eficiente, já que o público estaria anestesiado com
tanta porcaria que engole diariamente. Mas nem por isso deixaria de merecer
uma vaia em cadeia nacional, não é mesmo? (“O Homem do Sapato Branco”,
Jornal do Brasil, 27/11/1998)

Naquele domingo, a revista do fim de noite da Globo dedicou mais de 40


minutos a um show canhestro que incluiu "análises" de experts no além -
astrólogo e vidente - diagnósticos de psiquiatras, simulação dos assassinatos,
depoimentos de parentes e uma interminável entrevista em que o repórter usou
de toda a sua habilidade para que o motoboy Francisco de Assis Pereira
revivesse o passo a passo de cada crime. Por isso só, o espetáculo foi chocante.
(“Deslizes abalam ética do jornalismo na TV”, O Estado de S. Paulo,
12/12/1998).

Logo após esta exibição, a emissora anunciou que a entrevista era uma espécie de
piloto de uma nova atração, que entraria no ar no ano seguinte à entrevista. O
programa Linha Direta, que já havia sido exibido por um curto período em 1990,
seria retomado com a direção de Roberto Talma, com experiência na produção de
séries ficcionais da emissora como Anos Dourados e O sorriso do Lagarto, e
apresentação de Marcelo Rezende. A cada edição, era mostrada uma situação
envolvendo um crime cujos culpados ainda estariam a espera de um julgamento ou
prisão. Depoimentos e cenas de reconstituições contextualizavam o fato, e ao final, o
programa se oferecia como “ponte” para esclarecimento da situação, ou seja, prisão
dos culpados.

O idealizador do projeto, o jornalista Hélio Costa, pretendia adaptar o conceito


dos programas norte-americanos a um formato brasileiro, com doses de suspense
e mistério. O Linha Direta imprimia um forte tom realista às reconstituições de
crimes praticados por bandidos foragidos da Justiça, mas havia espaço para
histórias que misturavam jornalismo e ficção, como no episódio A Máscara de
Chumbo, sobre um suposto caso de abdução alienígena51 (Linha Direta, Memória
Globo).

51
Descrição disponível no site do Memória Globo:
http://memoriaglobo.globo.com/programas/jornalismo/programas-jornalisticos/linha-direta/ficha-
tecnica.htm. Acesso em: junho/2013.

133
O programa, além de gerar a expectativa sobre o trato da temática policial sob o
“padrão Globo de Qualidade”, marcava a entrada da Rede Globo na disputa pela
audiência através dos policiais, bem sucedidos em outras emissoras (a exemplo do
Cidade Alerta). Para Kléber Mendonça (2010), o Linha Direta, mesmo propondo
outra articulação (telejornalismo e dramaturgia), reforça uma tendência, já salientada
anteriormente por nós, de construção de programas dedicados à cobertura policial a
partir de uma negociação mais forte com certos padrões convencionados pelos
telejornais tradicionais. A partir desse caráter híbrido, em que negocia com códigos
da narrativa policial fictícia e do telejornalismo, o Linha Direta, configuraria novas
estratégias de produção do sentido de autoridade, nos âmbitos discursivo e também
político.

No plano discursivo, a simulação e a narrativa híbrida permitiam a produção de


uma “verdade” enfática o suficiente para mobilizar o telespectador a efetivar as
suas denuncias. Já em seu conflito “político” com a instância jurídica, na medida
em que a sensação de insegurança decorrente da alegada inoperância da justiça
era tomada como a razão principal para a existência dos casos apresentados, o
programa conquistava uma legitimidade próxima a de um poder de “Estado”.
(MENDONÇA, 2010, p. 261)

A partir desta experiência então é que Rezende consagra a sua trajetória enquanto
apresentador e a sua relação com a cobertura policial. Comandou o Linha Direta
durante dez anos, e nesse período, a atração chegou a ser a terceira mais assistida da
televisão. No estilo construído pelo jornalista, que se perpetua no Cidade Alerta, a
voz e o modo informal como se porta diante do fato noticiado se destacam na sua
performance.

Para anúncio de cada reportagem a ser exibida no Cidade Alerta, utiliza uma
entonação mais grave mas logo em seguida imprime um tom mais pausado, quase
musicado, para contar os detalhes do fato, valendo-se da linguagem coloquial.
Assemelha-se à estratégia utilizada por narradores radiofônicos e simula, a cada
detalhe contado, um clima de suspense e mistério envolvendo o fato noticiado. A
performance de Rezende é frequentemente explorada por humoristas que, seja na TV
ou no teatro, fazem do apresentador um personagem recorrente em shows de
imitação52. Na mesma entrevista citada anteriormente, Rezende diz que acha graça e
que entende a preferência dos humoristas como uma homenagem ao seu trabalho.

52
Um exemplo de imitação do apresentador veiculada pela própria Rede Record, no Programa da
Tarde, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=XMgDm4d7ZKk. Acesso em abril/2014

134
Eu adoro as imitações, dou muita risada. [...] Um dia, um deles chegou para mim
e disse: “A primeira casa que eu comprei foi às suas custas e às custas do Galvão
Bueno. Fazia show no Nordeste imitando vocês dois e ganhei muito dinheiro.”
Quer homenagem melhor que essa? (“Marcelo Rezende: Tem fila de feinhos pra
me dar tiro. Botei muitos na cadeia”, Portal IG, 04/12/12)

A situação de informalidade também é pretendida pelo apresentador através dos


gestos e da movimentação pelo estúdio. Veste-se habitualmente com um paletó e
uma camisa social de cor clara, dispensando o uso de gravata, numa preferência que
gera a sensação de esforço para colocar-se em um lugar intermediário entre o
formalismo profissional e a simplicidade com que prega, de acordo com as
informações pré-textuais que aqui disponibilizamos. No Cidade Alerta, gesticula e
orienta o seu discurso como se estivesse conversando com o telespectador. O tom de
naturalidade que pretende construir por vezes adquire um caráter cômico. Chegou a
afirmar, em outra entrevista, que a utilização do tom de “conversa amena” está ligado
à natureza do repórter, papel do qual não deseja desvincular-se, embora ocupe a
posição de apresentador e âncora.

Meu papel na TV é muito simples, porque eu jamais vou deixar de ser um


repórter. Eu sou um repórter, né? Eu sempre digo uma frase do Rubem Braga,
né, o maior contista que já teve nesse país: “o repórter é olho”, né, e não é só o
olhar, na verdade são todas as suas sensibilidades diante de algo que tá
acontecendo à sua frente, ou na sua percepção. Então eu acho que meu papel é
esse, perceber como o país se move socialmente, correto, e levar uma conversa
amena, não é? Não é essa conversa pesada, cheia e rancor não 53 (“2 chopes com
Marcelo Rezende”, Portal Yahoo, junho de 2012)

Nesses termos, Rezende orienta o seu estilo de apresentação seguindo o ritmo


fragmentado e improvisado, característico de uma conversa comum. Diferente do
Brasil Urgente nacional, o Cidade Alerta nacional não está sempre orientado por
uma notícia principal que será convocada em partes durante todo o programa,
priorizando uma estrutura mais improvisada também, que se orienta pelo o que for
mais relevante no momento, segundo o apresentador, na cobertura gravada ou ao
vivo. A todo o tempo, inclusive, o apresentador evidencia a inexistência de um
roteiro ou organização prévia da edição.

Há espaço para brincadeiras, improvisos e bordões - estes inclusive, se configuram


como marca registrada do apresentador. O mais recorrente é o “põe exclusiva, minha
filha! Dá trabalho pra fazer!”, anunciado geralmente com sua voz em off, enquanto
são exibidas imagens de uma reportagem gravada ou de uma cobertura ao vivo. A

53
Entrevista disponível em: http://br.screen.yahoo.com/2-chopes-com-marcelo-rezende-
003210783.html. Acesso em julho/2012

135
frase, proferida repetidamente, ajuda a simbolicamente produzir efeitos de
autoridade, tanto em relação ao mediador principal quanto em relação à própria
emissora. Simboliza a ideia de ordem, comando sobre as tarefas da equipe; de
intimidade, pela forma como se refere a, provavelmente, alguma produtora ou
editora; forja o sentido de credibilidade, argumentando que a exclusividade é um
esforço único e próprio da equipe da TV Record, que disporia de variados recursos
para viabilizar a transmissão imediata das imagens (por terra e por ar), sob diversos
ângulos.

Rezende, apesar da posição de destaque enquanto âncora e mediador principal do


programa, procura a todo o momento colocar-se em um lugar de igualdade em
relação ao repórter e ao próprio telespectador, que como ele, seria capaz de indignar-
se e emocionar-se com as situações de crime e violência. Esta medida convoca-nos
aqui uma estratégia ligada à popularidade pretendida pelo programa. Ao colocar-se
no mesmo patamar, ele produz uma aproximação com o telespectador, de
envolvimento que gera efeito também em relação à própria função social do
jornalista. Para articular esse modo de referenciar-se à equipe, Rezende se vale de
uma retórica orientada pela informalidade, que se articula pelo uso da linguagem
coloquial de apelo ora dramático, ora cômico, a partir das gírias e das brincadeiras
proferidas tanto nos comentários individuais, quanto na interação com os demais
mediadores.

O Cidade Alerta nacional começa às 17h30, na sequência do programa de variedades


Show da Tarde. A vinheta de abertura do programa tem uma edição gráfica que
mostra, através de uma sequência de ilustrações, a construção do logotipo do
programa, que estará projetado sobre a imagem de edifícios, simbolizando um
ambiente urbano. Nas cores do logotipo - azul e vermelho - blocos que emergem de
uma superfície dão origem aos edifícios. Em seguida, estes blocos se unem por um
fio. Um movimento gráfico coloca-nos mais próximo dos cubos, como se
estivéssemos “entrando” nos edifícios, e ali dentro se forma o nome do programa.
Simbolicamente, a imagem provoca a sensação de estarmos dentro de uma residência
onde lá, pela televisão, o Cidade Alerta se materializa, já que letra por letra, o nome
do programa surge e se projeta através de duas colunas espelhadas, que assemelham-
se às lentes de uma TV. O nome “Cidade” está em azul (simbologia com o
jornalismo), e uma sombra de pessoas com os braços levantados desenhadas na borda

136
das letras. O nome “Alerta” em tamanho maior que o nome “Cidade”, está na cor
vermelha, simbolizando emergência, gravidade - vinculo com a temática abordada
pelo programa.

Figura 15 - Cidade Alerta nacional: abertura

A cor vermelha aparece em predominância, o que para nós significa produção de


sentido de alerta, emergência, que por conseguinte sugere os efeitos de tensão e
imediaticidade que a própria palavra “alerta” convoca. A música utilizada na vinheta
é enérgica, vibrante e composta por notas mais graves, produzido de forma mais
enfática um sentido de alerta e tensão, quando comparada à música que compõe a
vinheta do Brasil Urgente. Não encontramos referências sobre a sua composição, e
por isso, não é possível precisar se a música foi composta por algum maestro ou tem
versão orquestrada, seguindo a mesma preocupação estética do programa
concorrente.

Marcelo Rezende começa o programa cumprimentando os telespectadores. “Olá,


muito boa tarde, boa tarde pro senhor, pra senhora, pro amigo, pra amiga”, é a
forma como habitualmente se refere à audiência. O cenário ocupa um espaço não
muito extenso e não é projetado em chromakey. Imagens de um ambiente urbano,
com edifícios nas cores branco e vermelho, decoram o painel que está ao fundo do
apresentador. Ao centro, numa coluna onde está afixada uma tela de TV. Rezende
passa a maior parte do programa ao lado da tela. É dali que interage a maior parte do

137
tempo com as notícias que serão veiculadas, e com os repórteres, através de entradas
ao vivo. Este posicionamento revela a importância que as imagens e as
potencialidades audiovisuais terão na construção da notícia e do programa como um
todo.

No entanto, o apresentador não deixa de, em algumas situações, explorar os limites


do cenário, revelando uma área de bastidores que surge de maneira imprevisível. Ao
familiarizar a audiência com o espaço onde as notícias são produzidas, revela-se um
efeito de veracidade e transparência. Rezende justifica, no entanto, que precisa sair
de sua posição “normal”, que seria ao lado da tela, porque não possui roteiro nem
produção, que é “sozinho” no programa, e assim precisa se movimentar para não
comprometer a continuidade do programa. Para nós, esta postura reforça o seu lugar
de autoridade, comandante da atração, principal responsável pela sua construção.
Como não possui mesas ou bancadas, qualquer material que necessite só estaria
disponível fora dos limites do cenário.

Marcelo Rezende: “Deixa Descrição: Na edição do


eu dizer uma coisa, só pra dia 12/03/13, o
que consiga entender que apresentador está
foi tudo muito rápido. A comentando sobre o
Delegada Priscila foi hoje, caso do ciclista David
interrogar o David, né (sic), Santos Sousa que foi
tomar o depoimento dele na atropelado na Avenida
verdade, no hospital, Paulista, em São Paulo,
correto? E ele diz pra e perdeu um braço. O
Delegada que estava na motorista, que teria
contramão da ciclovia, isto consumido bebida
é, a ciclovia anda pra lá alcoólica antes do
[faz movimento com a mão acidente, estava preso.
em direção à direita da tela], Rezende sai do estúdio
correto, e ele tava pra cá para buscar o laudo que
[faz movimento na direção comprova o exame feito
oposta]. Mas ele estava no motorista. Gesticula
dentro da ciclovia, o que na enquanto explica o caso

138
verdade não altera a e quando se recorda que
questão do atropelador, tem o lado, sai do
porque, porque...ah, eu estúdio para ele mesmo
tenho o laudo! Quer ver? buscar o papel. Põe
Olha só, eu vou sair porque óculos e lê o conteúdo
eu não tenho ninguém pra do papel.
me ajudar, eu sou sozinho,
eu e o Percival aqui que
tem um monte de gente, eu
não tenho nem um
estagiário pra ajudar, assim
pra trazer as coisinhas, mas
é assim, eu e você, vamo
(sic) fazendo”.

As cabeças das reportagens são apresentadas por Rezende. O modo como ele articula
o discurso verbal nestas situações produz a sensação de que se, há um texto prévio,
não há tempo para segui-lo. Há também a pretensão, argumentada pelo apresentador,
de “explicar” o fato para o telespectador. Nesse sentido, recorre aos detalhes para
contextualizar a notícia, e o texto da cabeça, que no telejornalismo de referência se
orienta por ser curto e objetivo, pode ser logo e confuso. Rezende também
frequentemente se refere aos telespectadores de outros Estados, que fora de São
Paulo (de onde o programa é veiculado), necessitariam de explicações,
esclarecimentos sobre onde a noticia teria ocorrido. O programa é veiculado para
todo o país durante cerca de uma hora (metade de sua duração total), tal como o
Brasil Urgente.

Merie Gervásio (repórter): Descrição: Ainda na


“[...] O quê que o David edição do dia 12/03/13,
explicou pra Delegada, ele a repórter Merie
disse que seguia pela Gervásio está ao vivo da
Paulista, o motorista seguia Delegacia responsável
sentido Paraiso, e o ciclista pelo caso do

139
na ciclofaixa no sentido atropelamento do
Consolação...”. ciclista David Santos
Sousa. Enquanto a
Marcelo Rezende: “Peraê
repórter passa as
só um pouquinho, pera um
informações para o
instantinho, pera um
apresentador, ele a
instantinho”.
interrompe justificando
[imagem sai da repórter e vai que precisa “explicar”
para o apresentador no melhor para o público.
estúdio] Ele explica a logística
entre os pontos
“Merie, peraê só um
“Paulista” e
minutinho, só um minutinho
“Consolação”,
que nós tamo (sic) falando
informados pela
pro Brasil inteiro, e as
repórter, através de
pessoas não sabem o que e
movimentos com as
que e Paraíso, não sabem o
mãos.
quê que é Consolação. Pra
que as pessoas, er, deixa eu
explicar pra que possa
entender. Avenida Paulista tá
aqui, correto, vai nesse
sentido. Uma ponta e o
Paraiso, a outra e con... é
mais ou menos como eu aqui,
que começo no Paraíso e
termino na Consolação”.

No corpus analisado, dois fatos de ampla repercussão do noticiário nacional


ocuparam tempo considerável de algumas edições - o atropelamento do ciclista
David Santos Sousa, já citado, e o julgamento do ex-policial Mizael Bispo dos
Santos, acusado de matar a ex-namorada Mércia Nakashima. Em ambas as
coberturas, vemos como a performance dos repórteres, tal como a do apresentador, se

140
vale de recursos do melodrama para convocar o telespectador e se tornam pano de
fundo para a articulação da opinião do programa sobre assuntos específicos, emitida
a partir desses mediadores.

No caso do atropelamento, a cobertura priorizou os links ao vivo e reportagens com


detalhes sobre o acidente e a vida pessoal dos envolvidos (o motorista, um jovem de
21 anos de classe média alta, e um ciclista de classe média baixa, com a mesma
idade). Já o julgamento de Mizael Bispo dos Santos ocupou mais tempo do programa
porque foi transmitido pela TV aberta, através de um acordo feito entre o Tribunal de
São Paulo e emissoras. Na edição do dia 13/03/13, Rezende se dividiu entre os dois
assuntos. Enquanto o julgamento era transmitido, aparecia em pequenos intervalos
convocando o telespectador a continuar junto com o programa:

Marcelo Rezende: “Agora, nesse momento, o interrogatório continua, mas começou


agora, e de que maneira, o promotor, não quis fazer perguntas, dizendo que Mizael
já deu várias versões para o crime, e que portanto não tinha nada o que perguntar.
Mas eu e você vamos mergulhar no plenário, nós vamos assistir, e só aqui nós vamos
assistir o Mizael contando a história dele, pela primeira vez diante do tribunal do
júri. Põe no ar!”.

Finalizada a sessão, Rezende dá continuidade ao programa retomando o caso do


ciclista. A novidade seria mais um item da investigação que o próprio apresentador
teria descoberto.

Marcelo Rezende: “Bom agora deixa eu explicar uma coisa aqui, agora não é mais
o Mizael. Vô (sic) pra um outro assunto que eu trabalhei a madrugada inteira. Você
vai ver agora comigo, você lembra, põe aqui o acusado. [entra foto na tela do
cenário do jovem que atropelou outro rapaz na avenida paulista em são Paulo]. O
caso, né, que a gente vem mostrando, do estudante Alex Siwek de 22 anos, de
Psicologia, que saiu de uma boate, não, né (sic) bem isso, saiu de uma casa noturna,
né (sic), uma casa noturna chamada Josephine que eu já disse que é excelente, e aí,
e aí, atropelou o ciclista. Pois você vai ver, pela primeira vez, porque eu tava (sic) lá
trabalhando, né, não foi só agora, você vai ver as imagens do homem que está preso
por decepar o braço do ciclista, na boate. Eu consegui as imagens na boate, fui lá,
procuraram, e você vai ver em primeira mão ele lá, ele entrando, ele saindo, e aí

141
estas são as imagens que a polícia ainda não conseguiu. Põe no ar pra mim, deixa
eu mostrar”.

Após exibir as imagens internas do circuito da casa noturna, mostrando o jovem


chegando ao estabelecimento e saindo de lá pela manhã, o apresentador explica que
observou os dados apresentados pela boate mostravam incoerência. A comanda de
consumo do rapaz marcava a primeira compra de bebida às 21h e segundo o
apresentador, a Josephine só permite a entrada do público a partir das 23h30. Ao ir
até ao local, solicitar as imagens e conversar com o dono, Rezende apura que houve
uma queda de energia e os horários registrados no sistema estão errados. Isso
comprovaria então que o jovem consumiu bebida alcoólica em um horário mais
próximo da sua saída da local, ou seja, do momento do acidente.

Percebemos aqui que Rezende não só participa da construção da reportagem como


realiza um “furo”, demonstrando a sua habilidade na tarefa investigativa. Evidencia-
se então a construção de um lugar de autoridade pela figura do repórter e sua
trajetória. Nesse sentido, a experiência coloca Rezende em um lugar diferenciado,
acima dos demais repórteres do programa.

A vestimenta ajuda a marca os lugares de apresentador e repórter. Enquanto Rezende


adota uma vestimenta mais leve, os demais repórteres trajam terno, gravata, blazer,
seguindo o estilo formal. Rezende se desarma desse formalismo e estabelece assim,
que se convencionou como padrão no telejornalismo tradicional. Embora haja
considerável número de reportagens gravadas, elas ocupam um espaço menor no
programa, que prioriza as inserções ao vivo e os comentários do mediador principal.
No caso da transmissão direta, as notícias são veiculadas ora pelas imagens aéreas
produzidas e comentadas pelo Comandante Hamilton, ora pelos demais repórteres.

As imagens aéreas no Cidade Alerta geralmente entram quando o Comandante


Hamilton, referenciado pelo programa como “repórter aéreo”, capta alguma situação
“em flagrante” - ação policial, atendimento do SAMU ou Corpo de Bombeiros ou
alguma movimentação/aglomeração relevante de pessoas. Rezende refere-se à
cobertura de Comandante Hamilton como “câmera nervosa”, revelando aqui que a
intenção é manter o ritmo frenético, real e imediatismo proporcionado pela
transmissão direta, e pela perspectiva sensacional e amplificada da imagem aérea.

142
Para mostrar as potencialidades do equipamento utilizado por Hamilton, Rezende
frequentemente solicita movimentos em zoom ou mudança de perspectiva. Na edição
do dia 15/03/13, Rezende pede algumas vezes que Hamilton mostre, pela ferramenta
zoom, como a cidade de São Paulo se caracteriza como um “caldeirão”, a partir da
cobertura de uma perseguição policial a assaltantes que estariam fugindo com um
carro roubado, em um bairro periférico da cidade.

Figura 16 - Cidade Alerta nacional: cobertura aérea

Nas coberturas terrestres em transmissão direta, o uso do plano sequencia é


recorrente, provocando um efeito de tensão e urgência, que por sua vez, ajudam a
imprimir a sensação agilidade e de realidade na revelação da notícia. Na edição do
dia 14/03/13 temos um exemplo de como este artifício é apropriado pelo Cidade
Alerta nacional.

Ao fim do julgamento do ex-policial Mizael Bispo dos Santos, em que o acusado é


decretado culpado, duas repórteres e o comentarista Percival de Souza estão no
Tribunal para realização da cobertura do fato. No estacionamento do local, repórteres
cinematográficos registram a movimentação da família da vítima e também do réu,
que logo deixará o local para retornar ao presídio onde já estava detido. No momento
em que Mizael sai do Tribunal dentro de um automóvel da polícia, uma câmera fixa,
localizada no portão de saída do estacionamento, registra o momento. A sequência
do trajeto efetuado pelo automóvel é registrada pelos motolinks. Enquanto Rezende
narra a sequência de imagens, a sensação de velocidade se torna mais forte, quando
as imagens capturadas pelos motolinks, em perseguição ao automóvel da polícia,
tornam-se mais tremidas. “O nosso motolink vai entrando, você vai entrando com a
polícia, já há escolta por todos os lados!”, informa o apresentador. A sensação é a de
que o espectador acompanha, como num filme de ação, uma perseguição ao carro da
polícia. O objetivo é mostrar o acusado dentro do carro flagrar a sua expressão facial,
na intenção de revelar qual seria o seu sentimento após a condenação.

143
Marcelo Rezende: “Me dá a Descrição:
imagem, me dá a imagem!
Antes de entrar estas
Corta e abre! Nesse
imagens, Rezende estava
momento, nesse momento
acompanhando a
você vai vendo imagens”.
entrevista coletiva que o
[abre áudio externo, gritos promotor do caso estava
de “assassino”, das pessoas dando aos jornalistas no
que aguardavam fora do júri]. Tribunal. Ao receber a
informação de que o
“Imagens! É ele? É ele?
acusado estava deixando
Olha aí, a Policia e Mizael,
o local, Rezende corta o
vai saindo, você vai
áudio com a entrevista e
acompanhando a imagens, as
acompanha a cobertura
primeiras informações! [...]
feita pelo motolink.
Você vê aqui, rápido e com
exclusividade!”.

O efeito de tensão e dramaticidade é pretendido também nas reportagens gravadas,


através do uso de plano sequência e dos recursos audiovisuais de edição. O texto
utilizado pelos repórteres frequentemente privilegia os adjetivos e a descrição de
detalhes do fato noticiado (crimes e ações policiais), e as músicas utilizadas em BG,
geralmente instrumentais, suscitam sensação de tristeza, drama ou suspense.

Marcelo Rezende: “Vamo (sic) tocar a vida, porque a vida passa ligero! Um, dois,
três: Duas mulheres e um homem. Um triângulo amoroso, que acaba num crime em
família. Um homem tinha um caso com a sogra [expressão de surpresa]. A mulher
dele descobriu. E ao descobrir, a mulher dele, esta aqui [aponta para o centro da tela
de TV, onde estão as fotos dos envolvidos], é a...filha. Esta aqui é...a sogra. Este

144
aqui é...o que pegava todo mundo. O que que aconteceu, aí a filha descobre, vai, e
parte pra cima da mãe, você diz partiu com a mão, não, ela pegou logo uma faca.
Pegou uma faca, a mãe tá internada e ela tá presa, e ele tá com essa cara de gaiato.
Põe no ar pra mim!” (Marcelo Rezende, Cidade Alerta nacional, edição 13/03/13).

Nesta reportagem anunciada por Rezende, há uma ilustração com a imagem do rosto
das pessoas envolvidas da situação sobre um triângulo - uma imagem em cada
vértice da figura, demostrando a situação de “triângulo amoroso”. Uma música
instrumental, de notas mais graves que simulam efeito de suspense compõe a
reportagem em BG. Além da passagem da repórter, em frente a um hospital, a
matéria contra com imagens da acusada, feitas através da fresta da porta da
Delegacia, e a sonora de uma fonte não identificada, mas que pela vestimenta, parece
ser da polícia ou do corpo de bombeiros, que pode ter socorrido a vítima.

A polícia, tal como em Brasil Urgente, é a fonte preferencial nas situações de crime e
violência noticiadas pelo programa. Especialmente nos comentários e na transmissão
direta de ações policiais, o apresentador enfatiza a assertividade da instituição
policial, e sua importância enquanto mantenedora da ordem e do bem estar social. No
entanto, a eficiência da polícia é passível de crítica e julgamento para dar relevância
ao trabalho de investigação jornalística. Ao mesmo tempo em que valoriza a ação
policial, Rezende critica e cobra desta instituição, reforçando simbolicamente o seu
papel de repórter e membro da imprensa - instituição esta que, simbolicamente na
fala de Rezende, atuaria tão em prol do bem estar social e do cidadão quanto a
própria polícia.

“Todo dia, e você ouvia, e também me ouvia, eu reclamar, os repórteres iam, e a


investigação foi para o DHPP. que é o departamento responsável pela investigação
dos crimes. Você escutou, em algum momento, o número de elucidação dos crimes?
Você não escutou por uma única razão. Porque nem cinco por cento foram
esclarecidos. Aí você diz o seguinte, então são os policiais que não servem pra (sic)
nada. Não. Primeiro, o numero de crimes é muito grande, em relação ao número de
policiais, correto? Segundo, estes policiais, raramente, passam por ótimos
treinamentos, por quê? Porque o dinheiro que era pra ser investido na segurança,
cai no ralo de uma monte de coisas (sic), correto? O cara é um policial, ganha mal,
não tem treinamento, e não existe número físico pra investigar. E ai, acontece sabe o

145
quê? Investiga-se onde a imprensa mira o holofote. Acontece um crime, a imprensa
corre, corre todo mundo, e aquilo abafa, correto?” (Marcelo Rezende, Cidade
Alerta Nacional, edição 02/05/13).

O seu lugar de repórter com experiência na cobertura policial é que o coloca


inclusive numa condição de intimidade com delegados, policiais, advogados,
promotores e demais agentes da segurança pública. Na edição do dia 14/03/13 por
exemplo, interrompe uma entrevista ao vivo com um promotor de acusação do
julgamento de Mizael Bispo dos Santos para falar com o Delegado Antônio Olim,
responsável pelo indiciamento do acusado.

Marcelo Rezende: “Eu tenho nesse momento, pode botar na tela o Delegado
Antonio Olim, meu amigo de muitos e muitos anos, que ontem ficou, desde o
primeiro dia na verdade, quando depois falaram que ele [Mizael] tinha espancado,
torturado o vigia, mas, se esse caso foi resolvido, pode deixar o Olim aqui meu filho,
se esse caso foi resolvido, foi resolvido por duas razões, primeiro, o empenho da
família da Mércia, e segundo, porque entregaram o caso p’rum (sic) Delegado que
soube dosar, esperar a família ir, enfim, tem a psicologia da coisa”.

As situações de crime, violência e operações policiais, temática predominante no


programa, funcionam também como uma espécie de ponte para que o apresentador
articule a sua opinião em relação a violência urbana de modo geral, maioridade penal
e pena de morte - estes dois últimos, recorrentes nas edições do corpus. Tal como
José Luiz Datena no Brasil Urgente nacional, Rezende se mostra favorável à redução
da maioridade penal e à pena de morte.

Na edição do dia 29/04/13 ao comentar sobre o assassinato de uma dentista em São


Paulo, Rezende se mostra indignado com o trabalho da polícia, que deveria ter feito
algo para evitar esse tipo de crime. Ele alega já conhecer essa situação pois anos
antes, trabalhando para o Fantástico (TV Globo), entrevistara uma dentista que
confirmara uma “onda” de ataques e assaltos a estas profissionais. Em seguida,
reivindica atitude por parte do Governo estadual, diz que ele próprio poderia
solucionar este caso (“Bota eu lá pra você ver se não tem comando!”) se estivesse no
poder, e oferece sua perspectiva de resolução para casos como aquele.

146
Marcelo Rezende: “O repórter Afonso Mônaco, meu amigo querido, e um dos
repórteres mais competentes desse país, entrou no local [do crime]. Entrou no
consultório. E as peças estavam lá. Estão lá. E sem que ninguém removesse nada,
como se aquelas peças, fossem e elas são reflexo, o reflexo de um Estado, que é São
Paulo, entregue às mãos dos criminosos. Segundo, de um Estado, aí eu falo de
Brasil, que não pega os tais menores de idade, e os pune, rigorosamente. E eu digo
mais. Que Deus me perdoe o que eu vou dizer aqui. Mas quem toca fogo em alguém
assim, se tivesse pena de morte, deveria também morrer assim”.

Para respaldo de seus comentários e das diversas situações de crime mostradas no


programa, o apresentador conta com a atuação do comentarista Percival de Souza,
que é fixo do programa. Sempre usando óculos e trajando paletó e gravata, Percival
convoca o sentido de autoridade não só pelo papel de comentarista, especialista em
assuntos da esfera criminal, mas pela postura intelectual que constrói, antagônica e
ao mesmo tempo, complementar à exercida por Rezende, já que na maioria das
vezes, Percival concorda com as opiniões de Rezende e reforça-as através de dados e
informações adquiridas ao longo de sua experiência como jornalista e também de
cunho “exclusivo”, adquirido de fontes policiais. Porta-se sempre de modo formal e
polido, preferencialmente recorre a um vocabulário mais rebuscado, em tom de voz
mais baixo.

Percival tem larga experiência como jornalista policial. É autor de dois livros e
vencedor, por quatro vezes, do Prêmio Esso, o de maior prestígio do jornalismo
brasileiro. Também é autor de livros religiosos, é cristão da Igreja Metodista. Seria
ainda, segundo o próprio Rezende sugere durante suas participações, um homem rico
e que tem hábitos extravagantes, luxuosos. A presença de Percival funciona
estrategicamente como um referendo, um respaldo em relação ao valor jornalístico
da temática policial. Ao mesmo tempo, é na sua interação com Rezende que o tom
cômico encontra grande espaço.

Na edição do dia 15/03/13, Rezende comenta com Percival sobre a brutalidade de um


crime ocorrido em São Paulo:

147
Marcelo Rezende: “Uma mulher. Aparece o
corpo da mulher, correto? Aparece o corpo de
uma mulher, com várias facadas. Percival me
perguntaria, chato do jeito que é, quantas? Ai eu
diria, quantas vocês acham? Ele diria, dez! Não.
Me perguntaria, vinte? Não. O quê que você mais
me perguntaria”.

Percival de Souza: “Porquê que você não dá o


numero correto d’uma vez?”.

Marcelo Rezende: “Então foram cento e nove.


Cento e nove facadas!”.

Percival de Souza: “Cento e nove facadas.


Finalmente você falou hein?”.

[Pausa e a câmera mostra Rezende rindo].

Percival de Souza: “Você precisa ser provocado,


estimulado!”.

Marcelo Rezende: “Você tá ficando... eu já te


falei, isso tá ficando melhor que encomenda”

Na mesma edição, outra situação mostra que nos mais variados tipos de assunto, é
possível encontrar um aspecto cômico na interação entre apresentador e
comentarista. A notícia é sobre uma briga entre duas mulheres, motivada por ciúmes
de um homem com mais de setenta anos, marido de uma das envolvidas. Rezende diz
que o homem é o “Vovô do amor” e que o seu olhar é bastante parecido com o de
Percival, “um olhar sonso”, segundo o apresentador. Pede então que o cinegrafista
deixa na tela uma imagem em close do olhar do comentarista e depois, do
personagem da matéria, para provar ao telespectador a veracidade do comentário.

Já na edição do dia 13/03, Rezende propõe ao comentarista uma análise séria, a partir
de um fato que lhe estaria causando indignação. Uma professora de 27 anos fora

148
morta a facadas por um aluno inconformado por não ter a paixão correspondida pela
moça.

Marcelo Rezende: “Percival, eu cada vez mais tô (sic) convencido que no Brasil
precisa ter pena de morte p’rum (sic) caso como esse, que num é mole um cara como
esse, doente, vai lá porque a moça não quer sair com ele, deu facada nela, e foi
facada à vontade”.

A câmera enquadra apenas Percival, em plano americano, e após concordar com o


apresentador sobre a dificuldade de se compreender logicamente um crime como
esse, ele diz que a professora, apesar de ensinar biologia, parecia não entender tudo
da disciplina já que “pelo menos de verme, ela não conhecia”. Ao que o apresentador
responde, com os lábios frouxos que parecem querer formar um riso: “A piada não
teve a menor graça e eu vou repetir a pergunta”.

A imagem volta para o comentarista, cujos lábios murmuram como se quisesse rir
enquanto o apresentador segue falando sobre o crime e insiste sobre o tema que
gostaria de levantar a partir da notícia, que é a pena de morte.

Marcelo Rezende: “Você fugir da pergunta me faz lembrar de um velho politico que
ainda anda aí não tá preso não sei porque, que você pergunta uma coisa e ele
responde outra. Eu tenho uma opinião com toda a sinceridade como eu sempre faço.
Eu acho, presta atenção no que eu vou dizer [virando-se para Percival], eu tenho
certeza que o Brasil tem que ter pena de morte. Nesses casos então, que o sujeito
mata por nada, tem que sentar na cadeira dos réus e ter pena de morte. Essa é a
minha opinião, tem que acabar de uma vez por todas, com essa falta de vergonha,
esse medo de alguns políticos aí por causa de igreja Y, igreja X, e nós discutirmos
no país a pena de morte, a prisão perpétua. Essa é a minha opinião. A sua, Percival
de Souza.

Percival de Souza: Vou te fazer uma confissão. Você está colocando minhocas na
minha cabeça. Hoje eu defendo que um cara desse tem que ficar segregado. A minha
duvida é, segregado por um certo tempo, ou eternamente, pra sempre? Você tá
enfiando minhoca na minha cabeça.

Marcelo Rezende: “Esse Percival, não consegue responder, isso tem um medo de
responder a coisa...” [Fala em tom mais baixo, olhando para a câmera].

149
A relação com o humor se apresenta como uma estratégia de popularização, de
convocar e aproximar o telespectador do conteúdo e das discussões pretendidas
através deles através do apelo do riso. Dessa forma, o Cidade Alerta nacional
negocia com elemento que já era vinculado à temática policial na esfera da ficção.
Como abordado antes, muitos escritores, cineastas e produtores nos anos 1970
(período considerado forte na produção temática policial no Brasil) justificavam a
inserção do aspecto cômico como uma “saída” para configurar gênero, já que as
condições socioeconômicas do país inviabilizavam a criação de uma narrativa
policial realista tal como as europeias e norte-americanas, tomadas naquele momento
como modelos referenciais.

Para Martín-Barbero (2009), a articulação entre o humor e a natureza da narrativa do


crime se explicaria no melodrama, gênero que permeia os formatos da produção
televisiva desde os seus primórdios, especialmente no contexto latinoamericano.
Segundo o autor, a estrutura dramática do melodrama tem como eixo central quatro
sentimentos básicos: o medo, o entusiasmo, a dor e o riso, cada um deles incorporado
pelos personagens que constroem a história. Para Martín-Barbero, o melodrama, no
processo de formação da indústria cultural massiva, efetua uma mediação entre o
folclore e o espetáculo popular-urbano. “Mediação que no plano das narrativas passa
pelo folhetim e no dos espetáculos pelo music hall e o cinema. Do cinema ao
radioteatro, uma história dos modos de narrar e da encenação da cultura de massas é,
em grande parte, uma história do melodrama” (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 172).

Relacionado à função do entretenimento e às formas fundadas na ficção, o humor foi


historicamente desvinculado à prática jornalística moderna, que prega o relato
objetivo e isento da realidade. Dessa forma que a incorporação de elementos do
melodrama, o apelo sensacional e a tabloidização seriam vinculados a outra
dissidência da prática jornalística, o jornalismo popular, que ao mesmo tempo em
que suscita vinculação ao popular comercial (como na estratégia dos penny press),
reconhece-se pela reiteração aos modos orais e populares de comunicação (GOMES,
2008).

Da mesma forma, o modo como os dois mediadores articulam a opinião, através de


uma performance pautada no diálogo, na conversação, também remete ao
entretenimento e a um modo de interação fundado nas formas populares. Fernanda

150
Maurício da Silva (2010) em estudo sobre a configuração do gênero talk show na TV
brasileira, identifica a conversação como uma estratégia de construção cada vez mais
utilizada pelo programas jornalísticos. Tal estratégia funcionaria sob pelo menos
duas dimensões: uma, ancorada na possibilidade de instaurar o debate e remeter à
premissa do interesse público; outra, aproximando-se do entretenimento para
provocar o efeito de espontaneidade e consequentemente, de veracidade. No caso do
Cidade Alerta por exemplo, o tom de conversa pretendido pelo apresentador simula o
efeito de espeotaneidade, aproxima-o da esfera do entretenimento para então forjar
não um debate, mas colocar em relevo uma determinada opinião sobre assuntos
específicos. A linguagem coloquial e o modo informal configuram uma espécie de
“conversa” com o telespectador, em que no entanto, apenas o ponto de vista de
apenas um locutor prevalece e se configura enquanto verdade, enquanto dominante.

Desse modo que no Cidade Alerta nacional, o apelo ao humor funciona, de modo
mais forte que no Brasil Urgente nacional, como uma estratégia de popularização
que ajuda a construir o contexto comunicativo do programa. A ideia de povo se
constrói na referência ao homem pobre, ocupante das favelas e dos bairros
periféricos da grande cidade, personagem das reportagens que em sua maioria,
envolvem situações de crime, violência e ação policial. O humor e a conversação
atuam como elos de convocação desse povo, como um modo de marcar referência e
estabelecer proximidade. Este artifício será fortemente explorado na versão regional
do programa, veiculada na Bahia.

3.4 Cidade Alerta Bahia

A versão baiana do programa Cidade Alerta estreou na programação da Record


Bahia, emissora afiliada, em 11 de junho de 2013. A atração é comandada pelo
apresentador Adelson Carvalho, que já trabalhava na emissora há pelo menos seis
anos fazendo reportagens que iam ao ar em outras atrações da emissora como o
programa Balanço Geral, chegando inclusive a apresentar esses outros programas em
algumas ocasiões. Antes de torna-se repórter de televisão, Adelson já trabalhava na
Rádio Sociedade, onde ficou conhecido pelos bordões que utilizava em suas

151
apresentações, tais como “Seu vizinho tá de olho em você”, “Eu vi!”, “Jovem,
Jovem”, “Pressão, Pressão”54.

A promessa veiculada em anúncios e vídeos institucionais é a de que o programa vai


se valer do “jornalismo verdade”, priorizando as notícias policiais, entretenimento e
serviços, a fim de mostrar o cotidiano dos baianos55. Isso pressupõe a cobertura de
eventos ocorridos em todo o Estado. O programa começa às 17h e tem duração de
cerca de 2h30min. Em sua sequência, é exibido o telejornal local da emissora
afiliada.

Figura 17 - Cidade Alerta Bahia: anúncio de estreia

A abertura do programa é a mesma do Cidade Alerta nacional, com a diferença de


que ao logo do programa acrescenta-se a palavra “Bahia”. O cenário aparenta ser
maior que o da versão nacional: em aspecto tridimensional, é possível ver a
decoração das paredes de madeira, exibindo de um lado diversos televisores por onde
passa a programação da Rede Record, e de outro, painéis que exibem imagens de
cenas do cotidiano, mas borradas como se tivessem sido capturadas em movimento.

54
Informação publicada no site da Rádio Sociedade. Disponível em: http://varelanoticias.com.br/para-
mim-e-mais-um-desafio-diz-adelson-carvalho-ao-estrear-novo-programa-na-radio-sociedade/
55
Anúncios publicitários nos anexos. Vídeo institucional disponível em : https://es-
es.facebook.com/video/video.php?v=291974057565150 /

152
No entanto, o programa prioriza os enquadramentos de câmera em ângulos mais
fechados no apresentador, e este espaço do cenário é pouco evidenciado. Nas edições
analisadas, Adelson Carvalho se movimenta pouco neste espaço, o que reforça a
sensação de que ele e sua performance são os elementos que devem se manter em
destaque no programa.

Figura 18 - Cidade Alerta Bahia: cenário (frames)

Os bordões e o enquadramento muito próximo ao rosto do apresentador funcionam


como estratégias de aproximação com a audiência. Tal como Uziel Bueno no Brasil
Urgente Bahia, Adelson Carvalho simula uma aproximação literal com o
telespectador, olha para a câmera como se estivesse olhando para os olhos de quem o
assiste e é como se estivesse, a partir desses artifícios, mostrando que a distância
entre ele e o “povo” é apenas virtual. A atuação corporal produz ainda o efeito de
familiaridade, como se ao chegar o mais próximo possível (ainda que de maneira
virtualizada), ele conhecesse bem o público e o assunto sobre o qual se fala. Este
modo de interação, aliado à linguagem coloquial utilizada pelo mediador principal,
simularia um contraponto ao distanciamento tradicionalmente executado nos
telejornais de referência, que por sua vez, materializam o ideal de objetividade e de
isenção pretendido pela atividade jornalística. Tal estratégia colocaria então a atração
como vinculada às práticas do jornalismo popular, e é a partir dela que o programa
vai organizar a abordagem das notícias de crime e ação policial.

A performance corporal e discursiva do mediador principal adquire um caráter


cênico, que é complementada pelo uso recorrente de efeitos sonoros. Seja através de
sons (de bombas, aplausos, assobios, etc) ou frases com expressões populares e/ou
gírias, as interferências sonoras funcionam como uma reiteração aos efeitos de susto,
espanto, aborrecimento ou comemoração pretendidos pela fala do apresentador, ou
pelas imagens mostradas em transmissão direta ou em reportagem gravada. No
entanto, mais do que reforçar o sentido de veracidade desses efeitos (de que

153
realmente trata-se de um fato espantoso, assustador, ou alegre), tais recursos
vinculam-se a estratégias do humor, que por sua vez, funcionam como uma estratégia
para conferir um caráter popular ao conteúdo.

O uso excessivo destes recursos sonoros ajuda a conferir um ritmo frenético e um


tanto quanto desordenado ao programa, aliado ao modo como o apresentador
organiza os conteúdos a serem abordados em cada edição. Não há escalada e a
abertura feita pelo apresentador sempre breve, já emenda com uma cabeça de
reportagem. Geralmente, a primeira notícia apresentada é a principal do programa, e
a que é escolhida para ser apresentada em trechos, só exibida por completo ao final
da atração, mesma estratégia utilizada pelo Brasil Urgente. Esta fragmentação, ao
mesmo tempo em que funciona como uma estratégia de captação de audiência, ajuda
a compor um clima de suspense e expectativa. Tal como nos folhetins, a notícia é
revelada aos poucos e adquire um contorno fictício e sensacional, simulando a ideia
de que, para saber o que aconteceu, o telespectador deve assistir a toda a edição.

No nosso corpus de referência, houve uma predominância na exibição de reportagens


gravadas, muitas delas também exibidas em outros programas da emissora. Mas tal
como a versão nacional, o Cidade Alerta Bahia também dispõe de um helicóptero,
denominado “Águia Dourada”, por onde coberturas aéreas em transmissão direta são
realizadas. O programa conta também com a entrada ao vivo de repórteres. Um
deles, diariamente, realiza um boletim ao vivo direto do Hospital Geral do Estado, tal
como o Brasil Urgente Bahia. O repórter fica de plantão e observa quantas pessoas
dão entrada na emergência do Hospital, e ficam em busca de flagrantes do estado de
saúde dessas pessoas. A entrada, tal como no programa concorrente, funciona
também como um espaço para que pessoas façam reclamações ou pedidos de ajuda,
que geralmente é direcionado ao programa ou mesmo ao próprio Adelson Carvalho.
O repórter reforça o lugar de intermediação do programa neste processo, quando
oferece o telefone da produção do programa para que qualquer pessoa que esteja
assistindo ao programa e que deseje ajudar, o faça através daquele canal. Em
nenhuma das edições analisadas, no entanto, verificamos uma situação como a
ocorrida no Brasil Urgente Bahia, em que o próprio apresentador se oferece para
ajudar uma mulher que precisava de trezentos reais para fazer um exame no seu filho
recém-nascido.

154
Mas se o apresentador não oferece dinheiro do seu próprio bolso, o programa se
encarrega de providenciá-lo em outra situação. Há, diariamente, um sorteio em que o
telespectador participa por telefone e concorre a prêmios que variam entre as
quantias de mil e dois mil reais. A participação se efetiva quando o telespectador
ligar para a produção do programa e deixa registrado o seu número de telefone
pessoal. O apresentador avisa que vai sortear um desses números de telefone, e ao
retornar a ligação, a pessoa deve atender e falar um dos bordões mais utilizados por
ele: “Quem ronca não ouve bronca”, para então ser contemplada com o prêmio.

Tais estratégias permitem-nos interpretar que o contexto comunicativo construído


pelo programa se vale de práticas assistencialistas, em que o telespectador, além de
audiência, é um cidadão que obterá vantagens em dinheiro ao assistir àquele
programa. A prestação de serviço pretendida pelo programa então, ultrapassa o limite
da informação e da prática jornalística no intuito de suprir financeiramente o cidadão.
Nesse sentido, o programa simula uma situação de empoderamento similar à do
Estado, quando, através da figura do mediador principal, afirma que está ajudando o
povo, que com aquele dinheiro, poderia sanar necessidades básicas. Este
assistencialismo se vincularia ainda ao próprio pacto sobre o papel do jornalismo
estabelecido pelo programa, criando o sentido de que jornalismo popular e cidadão
deveria, de fato, ultrapassar o limite da veiculação dos fatos para literalmente, ajudar
o cidadão, mas através do dinheiro. A prática, que como vimos é também utilizada
pelo Brasil Urgente Bahia, remete-nos à estratégia que se tornou marca de um dos
programas considerados populares de maior audiência de prestigio na televisão
brasileira, o Programa Silvio Santos (SBT), em que o apresentador que dá nome ao
programa distribui dinheiro entre a plateia, arremessando as notas em formas de
avião. Isso indica a forte conexão deste programa com os programas populares
televisivos, que por sua vez beberam na fonte dos programas radiofônicos que desde
os primórdios entretêm os ouvintes através do sorteio brindes e quantias em dinheiro.

O pacto pelo papel do jornalismo é construído pelo programa principalmente a partir


do sentido de vigilância pretendido tanto pelos repórteres como pelo apresentador.
Tal como Marcelo Rezende, Adelson Carvalho também procura a todo tempo
reforçar a sua experiência como repórter, e busca construir um referencial de
autoridade a partir desta trajetória. Dessa forma, participa do programa também a
partir de reportagens, mas sua principal atuação é nas entrevistas a indivíduos presos

155
pela polícia. Em muitas situações, não há reportagem sobre a operação policial que
demonstre em quais condições aquele indivíduo foi capturado. A própria notícia é a
entrevista dada ao apresentandor-âncora. O diálogo travado entre ambos se
caracteriza pelo apelo sensacional, grotesco e constrangedor.

Na edição do dia 12/03/13 por exemplo, ele inicia o programa falando que foi
entrevistar um preso que seria um dos mais procurados pela Polícia, caracterizado
pela instituição como um indivíduo de alta periculosidade. Ao chegar na Delegacia
onde o homem estaria detido, o apresentador faz perguntas em tom irônico e
consegue irritar o entrevistado.

Preso: “Pare de encurralar os Descrição:


ôto (sic). Entreviste sério que
Adelson Carvalho,
eu vou lhe responder tudo, na
enquanto entrevista o
medida do possível, se você
acusado, vira o rosto e
quiser sacanear, parceiro... Ah
fica de perfil para a
parceiro, você quer
tela. Não responde ao
sacanear?”.
entrevistado e faz um
[Câmera abre o enquadramento bico com os lábios.
e mostra o apresentador] Tal gesto simula,
ironicamente e de
Preso: “Eu não sou moleque,
modo caricato, a
não faça esse bico que eu não
expressão facial que
sou otário! Tô preso mas num
acometeria uma
tô morto, rai ai (sic)!”
pessoa quando ela
[Volta para imagem estúdio, está chateada ou
corte feito pela entrada do logo irritada. Nesse caso, o
do programa. Entra efeito apresentador ironiza a
sonoro de uma voz que diz própria condição do
“Pegou ar”.] entrevistado, que se
mostra indignado com
Adelson Carvalho: “Pegou
a exposição
ar! Volta a cara dele aí porque
provocada pela
ele pegou ar! Vários repórteres

156
da Bahia inteira entrevistaram entrevista.
esse sujeito. Eu fui lá, ele
mandou recado que queria
conversar comigo, eu fui até a
delegacia, olha aí ó [entram
imagens da entrevista]. Ficou
lá com bico, viu aí? [Volta
para o estúdio]. O cara pegou
ar com o bico, rapaz! pode
uma coisa dessa?

O “bico” nos lábios feito pelo apresentador é uma das expressões mais recorrentes e
marca a sua performance corporal. Além de funcionar, nas entrevistas, como um
elemento de constrangimento e ironia perante os entrevistados, ajuda a provocar o
efeito de autoridade pretendido pelo âncora. Elevando o seu rosto, ele
simbolicamente demonstra que está acima daquele cidadão, que estaria em uma
situação degradante humilhante. Ela ainda convoca o sentido de autoridade da
instituição policial. O preso, antes bandido, era poderoso. Agora, detido pela polícia,
chateia-se, faz bico, e de acordo com a performance do âncora, torna-se merecedor
do deboche, pois perde as forças diante da polícia.

De modo mais explícito que a versão nacional, o Cidade Alerta Bahia se posiciona
em favor da instituição policial. Boa parte das reportagens mostra acompanhamento
de suas operações, e em quase todos os crimes relatados, algum representante da
polícia entra como fonte oficial, encerrando a reportagem ou nota coberta. Na edição
do dia 11/03/13, por exemplo, uma dessas reportagens mostra uma operação policial
frustrada - a polícia recebe uma denúncia de um assassinato mas ao chegar no local,
verifica que trata-se de um trote. No entanto, a equipe segue acompanhando a policia
que, aproveitando a ronda, aborda algumas pessoas e executa algumas revistas.
Segundo o repórter Marcelo Castro, cuja presença é oculta (aparece apenas a sua voz
em off, narrando a conduta dos policiais), a polícia naquele momento estaria tomando
aquela atitude para preservar a segurança dos moradores e das próprias pessoas
revistadas.

157
Nas edições analisadas, o âncora costuma parabenizar a polícia pela sua atuação e
referencia os presos como “vagabundos”, “otários” ou “caramunhões”. O ultimo
termo faz uma alusão à figura do diabo, trata-se de um termo utilizado pela
linguagem popular mais especificamente na região Nordeste do país. Embora não
tenhamos notificado nenhuma declaração literal de sua preferência religiosa no nosso
corpus de referência, o âncora costuma exaltar a figura de Deus e do crente,
associando-os à imagem do bem. Constrói-se, a partir do discurso verbal de Adelson
Carvalho, a condição moral a partir do maniqueísmo, em que aquele que não for
religioso ou não crente na figura divina fatalmente terminaria do lado do mau, ou
seja, da bandidagem, das drogas, da marginalidade.

A violência no programa está diretamente associada à questão do consumo de


drogas, é alias um dos assuntos que mais motiva os comentários proferidos pelo
âncora. É claro o seu papel de destaque na atração e a partir destes comentários,
geralmente proferidos a cada exibição de trecho ou reportagem completa, que define-
se o posicionamento da atração em relação à violência e a situação de criminalidade
que, a partir da atração, configura-se como um dos principais problemas da Bahia, e
consequentemente, do Brasil. As situações de crime e operação policial
demonstradas pelo programa funcionam portanto, como base para articulação desse
posicionamento, que culmina em críticas ao governo estatal. O âncora se vale
também desta posição para provocar o efeito de autoridade e reforçar,
discursivamente o seu lugar “acima do bem”, de repórter destemido e corajoso, de
que não teme a represálias em nome da veiculação da notícia. Já teria inclusive
sofrido ameaças de morte por conta da sua atuação incisiva e denunciatória56, mas tal
situação não seria suficiente para amedronta-lo.

“Tem gente que não gosta quando eu falo, tem jovem aí que me ameaça, dá bicuda
na minha perna mas eu não tô (sic) preocupado com isso não. Não tô preocupado
com isso. Né (sic), não tô preocupado. Feira de Santana infelizmente tá assim né,
Germano? [...] A mais importante cidade do interior da Bahia! A cidade que é maior
que nove capitais do Brasil! Tá entre as 50 maiores cidades do Brasil”. (Adelson
Carvalho, Cidade Alerta Bahia, edição 14/03/13).

56
Declaração concedida em entrevista ao site UOL. Disponível em:
http://natelinha.ne10.uol.com.br/noticias/2012/07/23/nao-tenho-medo-diz-ancora-do-cidade-alerta-ba-
sobre-ameacas-164749.php

158
As denúncias articuladas pelo programa destacam as situações de violência mas
também as condições de vida e a falta de recursos que atinge as classes mais pobres
do Estado. Do mesmo modo que o Brasil Urgente Bahia, o programa convoca de
modo direto a sua audiência na figura do homem popular, que se personifica na
figura do homem pobre. Os repórteres do Cidade Alerta Bahia reiteram as estratégias
de popularização, no sentido de aproximar-se desse povo, utilizadas pelo âncora, a
partir de uma performance ancorada no uso da linguagem coloquial e expressão
corporal intensa.

Também na aparência buscam um estilo mais informal, que os colocam em condição


mais de equidade do que de sobriedade e autoridade perante este povo-audiência, em
mais uma estratégia que reforça esse sentido de aproximação. Ao contrário do padrão
de repórter dominante nos telejornais convencionais (homem/mulher branco, magro,
de aparência jovem), os repórteres do Cidade Alerta Bahia que mais aparecem
assume tipos variados: Jutan Araújo é negro e gordo; Guiherme Santos é grisalho, de
idade avançada; Marcelo Castro é bastante jovem e tem cabelos lisos. Ao se
colocarem em semelhança ao tipo de homem comum, reiteram, além do sentido
popular, o espectro do jornalista como figura simples, “do povo”, que se desarma dos
trajes e do texto comedido para ouvir aquele povo-audiência e retratar as suas
angústias.

Procuram estabelecer assim um diálogo mais próximo possível de uma conversa


informal, como se repórter e fonte se conhecessem. Na construção das reportagens,
se valem de elementos do melodrama: piadas e ironias se o assunto for leve, ou
pareça absurdo, extravagante; semblante facial que denote tristeza e voz mais grave e
tom mais baixo se a situação representa algo grave ou triste para o envolvido. O texto
geralmente é adjetivado e o uso de música em BG é recorrente. Mas, qualquer que
seja a situação, o tom de deboche, gozação, e ironia é predominante, tal como faz o
âncora em suas performances durante as entrevistas. No Cidade Alerta Bahia, tudo
parece ser digno do riso e da caricatura, encimados nas diversas situações
vivenciadas pelo povo que seria, ao mesmo tempo, audiência-alvo e personagem.

Na edição do dia 11/03/13, o repórter Jutan Araújo, foi a um bairro periférico de


Salvador para ouvir o apelo feito por uma senhora ao programa, que alega sofrer com
a má convivência com os seus vizinhos e pede que o programa interceda por ela.

159
Dona Olívia Silva (Dona de casa): “Inventaram
que eu tinha um caso aqui com um rapaz que eu
nem conhecia”.

[entra um recurso sonoro, um trecho de uma


música popular em língua castelhana em que se
diz “Uêpa”]

Jutan Araújo: “E a senhora não teve não?”.

Dona Olívia Silva: “Não”.

Jutan Araújo: “Inventaram que a senhora tava


(sic) pulando cerca”.

Olivia Silva: “Foi”.

Jutan Araújo: “Chamaram a senhora então de


corneteira!”.

Olivia Silva: “Com certeza!”.

Jutan Araújo (primeiro plano): “Agora veja o


sofrimento dessa senhora aqui em Auto de Coutos,
chamaram ela de corneteira!

Na sequência o repórter pergunta quais seriam as outras mentiras que os vizinhos


teriam inventado da mulher, se solidariza com a sua situação e recomenda à senhora
que peça um conselho a Adelson Carvalho. Pede-lhe que primeiro faça o “bico”, que
seria uma espécie de marca registrada do âncora e em seguida, peça-lhe o conselho.
Ao fim da reportagem, no estúdio, o âncora diz que “fofoca tem em todo lugar” e que
a mulher agora precisa “largar os nomes”, os seja, dizer quem especificamente fez a
fofoca sobre ela. E apela à audiência: “Você sabe dessa história? Fale comigo
agora: facebook.com/adelsoncarvalhobr. Olha aí amigo, me curta aí agora! É o
verdadeiro! É o verdadeiro!”.

Como é possível perceber, as reportagens policiais ocupam um lugar importante no


programas, mas assuntos triviais do cotidiano do homem comum também possuem
um espaço importante. Este traço revela-nos um traço evidente de conexão com
estratégias dos programas populares, e da tentativa de, pelas matrizes dessas
estratégias, de articular determinadas discussões, incluindo o posicionamento sobre
160
violência e a atuação policial. Nesse sentido, o mediador principal aqui, além de
justiceiro e dono da verdade, ocupa um papel de conselheiro, mediador de conflitos
sociais. Também nessa outra perspectiva coloca-se num lugar diferenciado, alguém
capaz de interceder pelo público denominado “povo” e por isso, estaria
simbolicamente acima deste povo.

Na edição do dia 15/03/13, por exemplo, o personagem de uma das matérias do


programa é o taxista Ricardo Moura, apresentado pelo repórter como um
“personagem da madrugada”. Ele revela ao repórter que é virgem e que deseja
encontrar um companheiro, homem, para ter um relacionamento estável. Pede ajuda
ao programa para encontrar esse parceiro, divulgando seu telefone para a produção.
A declaração dele, afirmando que deseja encontrar um “garotão” para abraçar e
beijar, se repete várias vezes durante a reportagem, como se devesse ser repetido para
que o telespectador acreditasse realmente naquele fato “inusitado”. Na edição, a
imagem do taxista é sobreposta a corações e uma música romântica compõe o BG. O
repórter ri enquanto entrevista o taxista. Quando a reportagem encerra e a imagem
volta para o estúdio, Adelson Carvalho reforça que se trata daquilo mesmo que o
telespectador acabara de ouvir. Com os olhos arregalados, produzindo efeito de
espanto e surpresa, afirma não ter preconceito e que cada um faz o que quer da vida e
que por isso, o programa iria lhe ajudar a encontrar um parceiro.

O apelo ao humor e ao escracho é o vínculo mais forte que o programa estabelece


com a sua versão nacional. Sempre há uma possibilidade de encarar o drama pelo
lado cômico. Esta perspectiva não se coloca porém apenas pelo lado cômico de modo
gratuito. De modo simbólico, suscita também um lugar de alteridade, em que o
programa se autolegitima para fazer do drama do outro um riso, do constrangimento
o deboche. O poder da ironia pode convocar também, nesse sentido, o poder de
ridicularizar, depreciar, colocar o outro abaixo daquele que tem o poder de fazer a
piada - no caso, o âncora e os repórteres. Nesse sentido, o riso se projeta na audiência
referida - que é também personagem - numa condição depreciativa, no sentido de que
melhor rir da própria desgraça do que esperar que outra situação, mais digna, lhe
acometa.

161
3.5 A experiência construindo o gênero: a contemporaneidade do programa
jornalístico policial no Brasil

Historicamente, os casos reais de crimes, violência e ação policial adquiriram um


lugar diferenciado na produção jornalística. Tratados como notícias do tipo fait
divers, estes casos ajudaram a conformar os parâmetros do que se rotulou como
jornalismo popular. Aspectos do processo de modernização do jornalismo
convencionaram códigos de padrão e estilo que reforçaram esse lugar de alteridade,
colocando em polos distintos o jornalismo do tipo popular e aquele tomado como de
referência. À margem então, desse padrão de referência, logo a cobertura policial
adquiriu um caráter depreciativo, em que, diferentemente do bom jornalismo de
referência, adquire sentido popularesco, grotesco, de baixo nível, ruim.

De acordo com Peter Dalhgren (2000), originalmente, o termo popular deriva de


quantidade de pessoas, mas desde os séculos XVI e XVII que o termo adquire uma
associação à classe social mais pobre. Assim, lido pela elite letrada, a referência ao
popular, à cultura popular, adquire uma qualificação de alteridade ancorada no
sentido do vulgar, do exótico. O povo então, se configura num lugar de
distanciamento, sempre lido como algo pertencente, vivenciado por “eles”, nunca
“nós”.

Com a ascensão do capitalismo, o popular passa a vincula-se diretamente à classe


trabalhadora, e com o advento da chamada indústria cultural massiva, o que se
relaciona aos hábitos e gostos da classe trabalhadora ganha, além dos sentidos todos
já adquiridos pelo termo popular, também o sentido de massificação, alienação.
Dessa forma que, nos estudos sobre comunicação de massa, o popular vai se vincular
à ficção, ao entretenimento, enquanto que a pesquisa do jornalismo se apoia na
manutenção de consensos e do controle discursivo, acentuando esse lugar então
distintivo. (DAHLGREN, 2000).

Na abordagem dos Estudos Culturais, esse caráter distintivo não faz sentido porque
nem o “povo” é sinônimo de inércia ou ignorância, e nem o campo jornalístico está
alheio aos constrangimentos sociais, culturais, políticos e econômicos. Desse modo,
cultura popular para os Estudos Culturais significa a cultura contemporânea em
convivência com as tecnologias da comunicação e da informação, “num movimento

162
teórico e político que reconhece a articulação das práticas populares na cultura”
(GOMES, 2008, p. 2).

A televisão, meio de comunicação e produto cultural de poderosa expressividade e


influência em todo o mundo, constitui-se atualmente, conforme assinala Martín-
Barbero (2002) “ao mesmo tempo o mais sofisticado dispositivo de modelamento e
deformação da cotidianidade e dos gostos dos setores populares, e uma das
mediações históricas mais expressivas de matrizes narrativas, gestuais e cenográficos
do mundo cultural popular” (MARTÍN-BARBERO, 2002, p. 25. Grifo do autor).
Seus conteúdos, que circulam entre as esferas do entretenimento, da ficção e do
jornalismo, são capazes de formar gêneros dos mais diversos, de modo que se
configuram, na perspectiva que acolhemos aqui, como estratégias de leitura, e não
como pacotes referenciais com códigos fechados. Assim, “os gêneros são um
dispositivo do popular por excelência já que não são só modos de escritura mas sim
de leitura: um “lugar” desde o qual se lê e se olha, se decifra e se compreende o
sentido de um relato” (ibidem, 2002, p. 157)

Como vimos no capítulo anterior, a temática policial na TV brasileira é introduzida a


partir da ficção logo nos seus primeiros anos de existência. Mas não tardou para que
situações reais envolvendo crimes, violência e atuação policial passassem a integrar
os programas. Tal abordagem encontrou mais espaço nos programas que, sob o
caráter inicial instintivo e improvisado da televisiva, configuravam formatos híbridos
que reuniam referências do rádio, do cinema e da literatura. Historicamente, passam
a ser reconhecidos como programas populares, cuja temática se encerrava no termo
“mundo-cão”.

Por outros caminhos, o jornalismo televisivo brasileiro, que também tivera um


começo de improvisos e experimentações na construção de formatos, adquire um
formato padronizado e referencial a partir da experiência do Jornal Nacional (TV
Globo), no ar desde 1969. Influenciado pelas experiências da programação televisiva
norte-americana, o programa investiu em uma abordagem que privilegia as
potencialidades estéticas do audiovisual no trato das notícias, caracterizada pela
apresentação formal, comedida e livre de excessos - estratégias que teriam como
objetivo convocar valores como objetividade, imparcialidade e interesse público.

163
Dessa forma que durante muitos anos, as próprias emissoras e a crítica televisiva não
reconheciam os programas que privilegiavam a cobertura policial como programas
jornalísticos policiais. A redução a uma temática que se reconhece pelo termo
“mundo-cão” revela então um esforço pela manutenção desse lugar de alteridade,
que coloca as formas do popular em um lugar diferente das práticas do jornalismo.
Nos formatos assumidos por Brasil Urgente e Cidade Alerta, vemos que as
emissoras procuram, discursivamente, aproximar os programas dos modos de fazer
do telejornalismo tradicional, e distanciá-los dos antigos formatos vinculados ao
“mundo-cão” (como O Homem do Sapato Branco e O Povo na TV). A análise, no
entanto, revela que estes formatos se valem das mesmas estratégias desses
programas, convencionalmente reconhecido como programas populares. Esta
referência se torna inclusive mais forte que a conexão com o gênero policial nos
produtos literários e cinematográficos. Dessa matriz, tornam-se mais fortes os
elementos que suscitam a oralidade, o melodrama, o humor. Assim, parece que
delineia-se para nós que a faceta mundo-cão inova no sentido de deixar mais
evidente os aspectos de popularização, remetimento a um “público-povo”, em
detrimento das situações, do contar histórias.

No Brasil Urgente, o investimento em recursos audiovisuais funciona como um


apelo aos modos que historicamente referenciaram os formatos do telejornalismo
tradicional brasileiro, capitaneado pela TV Globo. No discurso do âncora, estes
recursos funcionariam como estratégias modernas e contemporâneas de estabelecer o
pacto com valores basilares do telejornalismo - os motolinks e a cobertura área para
oferecer agilidade, imediaticidade na cobertura do fato; as duas e três telas convocam
transparência e o sentido de verdade, reforçando o sentido de presentificação e
testemunho real do fato (GUTMANN, 2012).

No entanto, a importância destas estratégias é forjada pela performance


desempenhada pelo apresentador, âncora e principal mediador do programa,
principal elemento formador do modo de endereçamento do programa. José Luiz
Datena orquestra a atração, controlando as entradas em transmissão direta e das
reportagens gravadas, e concentra a maior parte do programa na pronúncia dos seus
comentários opinativos, que revelam a intenção de levantar a discussão sobre temas
específicos. A predominância da cobertura policial funciona como pano de fundo
para que o programa se posicione a favor da instituição policial, como peça

164
garantidora da moral, dos bons costumes e da ordem social. A violência, que aparece
no programa como o principal problema social enfrentado no país, funciona como
elemento articulador do posicionamento pró-redução da maioridade penal e
estabelecimento da pena de morte. Para isso, o programa não só articula uma critica,
ignora os posicionamentos contrários a estes temas, excluindo-os da discussão
fomentada pela figura do apresentador-âncora.

O vínculo com as formas do popular aparecem também forjados na denominação do


“povo” na figura do pobre e trabalhador brasileiro. Como personagem recorrente das
situações de crime e polícia, o povo aparece como vítima da violência e do abandono
por parte do poder estatal, responsável pela manutenção do seu bem estar e
garantidor das condições básicas de sobrevivência. Atentos também ao crescimento
das classes mais pobres enquanto audiência, este povo torna-se espetacularizado;
forja-se na condição de personagem central a atenção e o destaque que ele teria em
nível nacional. O poder e a autoridade exercidos pelo programa se personificam na
figura de José Luiz Datena, que na condição de comunicador, assume o papel de
vigia, cão de guarda e defensor desses direitos e do acesso às informações. A
experiência de Datena, que confere o seu caráter de autoridade para exercer esse
papel, é exaltada não exatamente pela sua experiência enquanto jornalista, mas como
comandante de atrações policiais que se caracteriza pelo “polêmico” e arrojado, pela
aparência bruta e séria e pelo reconhecimento enquanto personalidade influente, de
trânsito fácil com as classes mais poderosas e abastadas economicamente do país.

Como estratégia de popularização, de aproximação com esse público “povo”, o


programa recorre a estratégias de construção do suspense, da tensão, do drama e do
humor para abordar as notícias de crime. Negocia com matrizes que ajudaram a
formar o gênero policial em outra esfera, como apelo aos modos historicamente
populares de narrar e contar histórias de crime e atuação policial. O esforço para
atenuar esse sentido popular, que tenderia, a piori, a colocar o programa num
contexto depreciativo e vulgar, poderia ser interpretado aqui como uma estratégia
neopopulista, como sugerem Roxo e Sacramento (2013). Recorrem a certas
estratégias do popular mas não abrem mão de manter os parâmetros conformados
pelo telejornalismo, “plenamente aceitos pelas classes dominantes e - não deixa de
ser uma coincidência - pelos princípios normativos da profissão” (ROXO E
SACRAMENTO, 2013, p. 15). Fazem sentido então, os discursos em prol de valores

165
de caráter conservador, dominantes na cultura social, econômica e política brasileira.
Em alcance nacional, a discussão se articula tendo então o pobre como personagem
principal e as classes dominantes como audiência preferencial.

Do modo semelhante, o Cidade Alerta nacional se estrutura como um programa


predominantemente vinculado à cobertura dos casos de crime, violência e atuação
policial, em que tais casos tornam-se pano de fundo para a discussão de temas
específicos, especialmente pena de morte e a maioridade penal. A estratégia de
caráter neopopulista adotada pelo programa, no entanto, se configura pelo apelo a
figura heroica do repórter, alimentada pelo apresentador e âncora Marcelo Rezende,
e pela comunicação popular ancorada, com predominância, nas estratégias do
entretenimento e do humor.

Cidade Alerta nacional, ainda que priorize a cobertura em transmissão direta, se vale
menos que o Brasil Urgente de recursos audiovisuais e tecnológicos e concentra seus
esforços de vinculação aos padrões convencionados pelo telejornalismo a partir da
performance de Marcelo Rezende. Ele personaliza o relato, participa da construção
de reportagens e através da vestimenta e linguagem - tidas como informais para os
padrões referenciais telejornalisticos -, alça o papel do repórter à condição de herói e
justiceiro, comprometido com a verdade e com o interesse público, aquele que
hipoteticamente seria capaz de “arregaçar as mangas” pela revelação do fato. É pela
condição de repórter experiente, de trajetória sólida, que ele constrói o sentido de
autoridade e articula, em tom opinativo, os argumentos em relação à violência e à
atuação policial em uma perspectiva conservadora, e ignorando, do mesmo modo que
José Luiz Datena, uma perspectiva contrária à sua.

O apresentador se vale ainda de uma narrativa fragmentada e enérgica, simulando os


efeitos produzidos por um diálogo real, ocorrido no calor do tempo real. O drama é
costurado pelo uso do humor, pelo deboche e pela ironia e este conjunto se constrói
como uma retórica à oralidade. Apesar de ser uma estratégia que remete às formas
populares de se contar histórias, fundadas nos contos, nas piadas, nas canções e nos
ditos populares (MARTÍN-BARBERO, 2002; 2009), neste programa ela funciona de
modo forjado, através de uma conduta cênica e exagerada que busca a todo tempo
remeter ao povo e à cultura popular, mas na base do deboche e não do
reconhecimento, da partilha. Funciona então como uma estratégia mercadológica de

166
popularização e aproximação com o público, que no fim das contas é dialeticamente
convocado por um lugar de distanciamento – você, público; eu, mediador,
autoridade. Um lugar bastante distinto das formas populares de que coloca Jesus
Martín-Barbero – um lugar de resistência e de legitimação perante à cultura
dominante. Construído então, mais do que audiência mas como um personagem
principal o povo é convocado pelo programa a chorar e a rir pela sua condição.

É só no espaço da comicidade que a televisão se atreve a deixar ver o povo, esse


“feio povo” que a burguesia racial quis a todo custo ocultar. Só aí a televisão se
trai, ao mostrar sem pudor as faces do povo. Mais uma vez, o realismo grotesco
do cômico se faz espaço de expressão dos de baixo, que nele se dão uma face e
apresentam suas armas, sua capacidade de paródia e caricatura (MARTÍN-
BARBERO, 2009, p. 320).

As versões regionais dos dois programas operam sob o mesmo código, de abordar
predominantemente a temática policial menos pela excitação dos fatos e mais pela
possibilidade de articular a discussão de certos temas, sob um ponto de vista
específico. A partir de seus apresentadores-âncora, colocam-se como vigilantes das
ações do poder estatal e apoiadores da atuação policial. No entanto, sob um contexto
comunicativo diferente da versão-mãe (delimitada pelo alcance regional) permitem-
se executar performances de caráter ainda mais cênico e exagerado, forçando nas
postura corporal e verbal o estabelecimento do contato, a aproximação com o
público. Uziel Bueno grita, balança a câmera, gesticula energicamente. Adelson
Carvalho mantém-se no enquadramento em primeiro plano a todo o tempo, abusa das
gírias e das brincadeiras, de um modo que o programa se torna quase que codificado,
como se só fizesse sentido para o baiano caricaturado. Constroem o seu lugar de
autoridade a partir da postura enérgica e intempestiva, como se fossem chefes de
Estado e justo por isso, se comportam de modo ainda mais próximo ao público-povo,
através da doação de prêmios e dinheiro.

Tal postura permite-nos aludir às práticas do coronelismo, sistema que durante


muitos anos caracterizou o poder político na região nordeste do país. Toda a ordem
era mantida pela figura única do coronel, detentor de maior poder econômico e de
influência da região, a quem todos deviam respeito e subserviência em troca da
manutenção da ordem e da concessão de benesses à cidade e à população. A tônica
do sistema de governo e influência exercida pelos coronéis se fundamenta no
populismo, tradição politica caracterizada sobretudo pelo autoritarismo e pela
convocação e vinculação das massas urbanas ao processo politico, “ao mesmo tempo

167
uma política de subordinação e de concessão de direitos” (ROXO E
SACRAMENTO, 2013, p. 4). Desse modo que poderíamos identificar as estratégias
destas versões regionais mais vinculadas a esta perspectiva populista, por usar a
figura do povo e seus desejos para justificar a conduta e construção do programa -
mostramos porque o povo sofre; damos dinheiro porque o povo precisa e o Estado é
inoperante. É uma performance que funciona portanto, na convocação do popular a
partir da reiteração de práticas arcaicas, mas suscitadoras de outras tantas ainda
dominantes na nossa cultura como o assistencialismo e o autoritarismo.

O modo com abordam a questão da religiosidade também se conecta a esse


posicionamento político. No Brasil Urgente, a religião católica é reiterada como
primordial, dominante e garantidora da moral e dos bons costumes. Apesar da
situação de estado laico, a tradição cristã romana ainda é predominante do país e
historicamente a Igreja se constituiu como uma forte instituição detentora de poder
político, moral e econômico do país. Simbolicamente, o programa entra em disputa
pelo do catolicismo enquanto poder moral válido, reforça seus valores
discursivamente e ignorando o panorama de crise que se verifica em relação a esta
religião. De acordo com o último Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE)57, o número de brasileiros que se declaram católicos
decresce, enquanto que o número de evangélicos (numa outra perspectiva de crença
do cristianismo) aumenta. Um dos argumentos sugeridos pela pesquisa é de que os
evangélicos proporiam uma aproximação mais efetiva com os jovens, enquanto que o
catolicismo se apoia em valores tradicionais, e por isso estariam em ascensão. A
disputa pela audiência se configura, a partir deste tema, em uma disputa moral, mas
também político e econômico, quando temos um contexto em que a Rede Record é
comandada por um grupo evangélico e se configura hoje como a segunda emissora
mais lucrativa e representativa do cenário brasileiro. Admite-se ainda, uma segunda
perspectiva em relação a este posicionamento. Ao mesmo passo que exaltam a figura
de Deus e os valores vinculados às duas perspectivas (católica e evangélica), os dois
programas se eximem da discussão sobre outros temas tais como preferência sexual,
aborto, uso de camisinha, entre outros.

57
Dado extraído de reportagem publicada pelo site da Revista Exame. Disponível em:
http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/catolicos-serao-ultrapassados-por-evangelicos-ate-2040.
Acesso em junho/2013.

168
Também o posicionamento em favor da autoridade policial se configura como um
aspecto importante do referencial político assumida pelos programas. De acordo com
Francis Albert Cotta (2012), o percurso histórico da atividade policial no Brasil
revela que o caráter militar é predominante em sua formação, adquirindo portanto,
uma filosofia e conduta de caráter autoritário, diferente da experiência de polícia
cidadã idealizada pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, efetuada
em 1789 na França. Ao mesmo tempo em que se reivindica a sua autonomia
enquanto instituição, desvinculando-o da esfera estatal, assume-se uma política de
manutenção de ordem que engloba as esferas política e administrativa.

No mesmo sentido, Flávio Tadeu Ege (2013) defende que a polícia brasileira se
forma sobre tradições militares e oligárquicas, e que as contradições históricas da
função surgem em decorrência desta própria manutenção da clássica hierarquização
social do país, independente do contexto político dominante no país.

Esperava-se que com o fim da Ditadura em 1988, a Constituição Cidadã tratasse


de reformar e destituir ao aparelhamento fortalecido pelo regime, mas como
vimos na a análise das redações constitucionais, a manutenção do velho aparato
foi ratificada na constituição de 1988 (EGE, 2013, p. 76)

Entendemos que através da noção de quarto poder se configura como um importante


elemento articulador desses argumentos de posição política adotados pelos quatro
programas, e funciona como um aspecto relevante no modo como se endereçam ao
público. Segundo Afonso de Albuquerque (2000), apesar de boa parte das pesquisas
sobre jornalismo salientar a influência do jornalismo norte americano no brasileiro,
ambos se submetem a constrangimentos culturais e contextuais que permitem
experiências específicas. Nos Estados Unidos, a condição de quarto poder assumida
pela imprensa se apoia na perspectiva do liberalismo, na concepção de que a divisão
em três poderes é garantidora da democracia, no compromisso com o ideal de
objetividade e de representação do individuo. Já no Brasil, essa premissa se efetiva
de modo distinto, mais próxima à perspectiva do Poder Moderador - vigente
oficialmente no período de Império. Neste tipo de regime, a divisão em três poderes
caracteriza uma situação de civilidade, mas que na prática, é um “estorvo”, pois a
divisão descentraliza o poder e ameaça a ordem social. Daí que o autoritarismo passa
a fazer sentido. No intuito de garantir a manutenção dessa ordem social, a imprensa
se posiciona numa condição reivindicatória, compreendida como “quarto poder”.

169
Segundo Roxo e Sacramento (2013), a crise de hegemonia sofrida pelo país entre
1930 e 1964 possibilitou o surgimento de doutrinas políticas de caráter conservador
como o populismo e o regime militar. Assim,

A herança da política nos deixou uma estrutura corporativa sindical e uma justiça
do trabalho fortemente ativas, porém as outras instâncias do poder político e
judiciário são vistas com desconfianças. Isto redunda num desejo de justiça
exercido de forma diferenciada pelos jornalistas (ibidem, p. 13).

Brasil Urgente, Cidade Alerta e suas versões, disputam então pela manutenção de
um discurso baseado em valores tradicionais da cultura brasileira, num exercício de
recusa e aceitação. Através dos recursos de tecnologias, projetados sob o âmbito
audiovisual, negociam com os padrões que convencionaram o telejornalismo e que
configuram tendências contemporâneas no fazer televisivo para legitimar-se
enquanto jornalísticos e enquanto produtos televisivos modernos. Mas ao mesmo
tempo, sobrepõem esse uso ao poder do discurso verbal empregado pelos
apresentadores-âncora, e por uma performance que se apoia nos códigos que
historicamente remetiam aos programas populares, dedicados aos temas do mundo-
cão. Assumem, portanto, a condição da oralidade enquanto matriz formadora do
modo de fazer televisivo brasileiro.

“[...] a predominância do verbal na televisão se inscreve na necessidade de


subordinar a logica visual à logica do contexto, dado que é esta que articula o
discurso televisivo sobre o eixo da relação estreita e a preeminência da palavra
em culturas fortemente orais”. (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 296)

O uso de elementos do grotesco e do melodrama, historicamente desvinculados do


ideal de modernidade construído no Brasil (ROXO E SACRAMENTO, 2013), são
convocados e ao mesmo tempo atenuados em nome do papel do jornalismo. Valem-
se das estratégias de construção do suspense e da tensão, que configuram-se como
matrizes formadoras da narrativa policial, mas não no intuito de valorizarem o relato
e a construção da reportagem de crime, mas sim, de reforçar o sentido de construção
da verdade e provocar uma disputa, um suposto tensionamento com os padrões
estéticos comedidos. Requerem um outro lugar legítimo do telejornalismo, a partir
de um uso forjado do popular, e de um exercício jornalístico que coloca certos
assuntos em relevância e ignora a discussão sobre outros.

O termo “policial”, inclusive, se configura nesses quatro programas mais a partir da


convocação literal da instituição policial, um posicionamento em favor de sua
atividade, e menos sobre as narrativas sobre o crime, violência e atuação policial. De

170
modo ambíguo, se vale de tais estratégias mas reafirma discursivamente a recusa a
estes elementos, historicamente vinculados ao entretenimento, para legitimar-se
enquanto jornalísticos.

No entanto, o cenário contemporâneo da produção telejornalística brasileira aponta


tendências que cada vez mais negociam com os recursos do entretenimento, por sua
vez vinculado às formas da cultura popular. Uso por exemplo de estratégias do
populismo e do neopopulismo (ROXO E SACRAMENTO, 2013); a presença dos
recursos e dispositivos do audiovisual como configuradores contemporâneos das
noções de atualidade e interesse público (GUTMANN, 2012); o uso das estratégias
da serialidade (ARAÚJO, 2012) e da conversação (SILVA, 2010) como
configuradores de certas premissas, a partir do vínculo com a ficção e o
entretenimento, apontam que na prática, não se consegue prescindir de certas
matrizes formadoras do nosso modo de fazer televisivo, mas que a todo tempo são
submetidas a uma recusa, em nome da manutenção de certas práticas e valores que
ajudam a manter o decoro, o alinhamento a valores tradicionais sustentados pela
classe dominante (ROXO E SACRAMENTO, 2013).

Por isso, o jornalismo televisivo é tido como uma máquina centralizadora-


democratizante, tanto em função do seu comercialismo (a ditadura da audiência)
quanto pelo seu papel populista de representante do cidadão vulgar sem
representação nas instâncias políticas tradicionais. Isto explica a orientação dos
telejornais para o entretenimento e o sensacionalismo em tensão com um
profissionalismo “neutro” e “objetivo” (ROXO E SACRAMENTO, 2013, p.8 ).

Assim, entendemos que sob a perspectiva cultural, a formação híbrida desses


programas funciona nesse movimento de disputa - sobre a televisão, o popular, o
jornalismo - que convoca distintas temporalidades, no âmbito dos valores e modos de
fazer televisivo culturalmente construídos e compartilhados. De acordo com Renato
Ortiz (2006), o próprio processo de modernização sofrido pelo país, que é recente e
concatenado ao advento da indústria cultural, impacta nessa multiplicidade de
referências, nesse movimento complexo de recusa e aceitação. “Espremida entre o
pensamento conservador e a questão nacional, tal como ela havia sido posta, a
modernização foi assumida como um valor em si, sem ser questionada” (ORTIZ,
2006).

Embora haja o esforço em reforçar um padrão jornalístico de influência norte-


americana, moldado a partir de valores vinculados ao ideal de modernidade,

171
percebemos as descontinuidades que representam o impacto dos constrangimentos
culturais na construção desses programas. Nas versões nacionais, São Paulo - cidade
mais importante do país em termos econômicos e políticos - é tida como padrão
referencial e que funciona como representativa de toda a realidade de um país. As
versões regionais, embora assumam uma promessa em termos de gênero, que se
efetiva no nome do programa e na temática assumida, permitem-se estabelecer um
outro contexto comunicativo. Na performance dos seus mediadores e na abordagem
das notícias, constroem a imagem o baiano como um homem simples e tradicional,
cuja comunicação deve se efetivar no limite da oralidade.

Reconhecer esses constrangimentos na conformação do programa jornalístico


policial no Brasil significa admitir, tal como colocou Canclini (2008), que o processo
de globalização não ocorre igual e nem significa dependências reciprocas porque
existem as afinidades geográficas e históricas, que conformam relações especificas.
De modo bastante particular e complexo então, falar de programa policial neste
contexto significa trazer às situações de crime, violência e atuação policial as
disputas e as convenções sobre a televisão, o jornalismo, o popular, sobre a violência,
a sociedade e suas instituições.

172
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O reconhecimento em torno do gênero policial, historicamente vinculado às


produções ficcionais, se dá, a priori, a partir de um conjunto variado de
características que estariam atreladas às situações de crime, violência e atuação
policial. Quando estas situações ocorrem no plano da realidade, o jornalismo se
encarrega do seu relato e cobertura e a partir de diferentes formatos, estilos e
técnicas, configura um referencial de reconhecimento genérico. Neste trabalho, nos
propomos a compreender de que forma este gênero se configura no âmbito
televisivo, a partir da experiência contemporânea dos programas Brasil Urgente e
Cidade Alerta, que a partir de versões veiculadas em âmbito nacional e regional, se
valem de modo predominante desta temática.

A partir do referencial teórico-metodológico dos Estudos Culturais, orientamos o


nosso argumento em relação ao entendimento de gênero televisivo como uma
estratégia de comunicabilidade articulada às possibilidades culturais e tecnológicas
do meio televisivo, no contexto de indústria cultural de massa. Isso significa admitir
que o reconhecimento em torno de um gênero se dá menos a partir de um pacote de
características pré-estabelecidas, e mais a partir das experiências sociais, culturais,
econômicas e políticas que impactam no modo de tratar aquele tema ou assunto.
Nesse sentido, o programa televisivo, é entendido como uma forma cultural
especifica de lidar com a notícia na TV (GOMES, 2007).

Para compreender de que modo é possível então se conforma um programa


jornalístico policial na TV brasileira, propomo-nos a fazer uma breve recuperação
das principais características e modos de fazer que conformam o reconhecimento do
gênero policial no campo ficcional, para em seguida, passar à trajetória histórica
desta temática no contexto brasileiro. Este movimento se realiza a partir da
verificação de que a televisão no Brasil constrói a sua linguagem a partir de um
estreito relacionamento com as produções ficcionais. Desde os folhetins à produção
cinematográfica contemporânea, verificamos marcas que tensionam e ajudam a
construir o produto televisivo contemporâneo, tais como recursos do melodrama, uso
do humor, presença do realismo, efeitos de texto e imagem que provocam efeito de
suspense e mistério. Consideramos ainda as disputas e discursos em relação a essas
práticas e características, entendendo que o gênero, enquanto categoria cultural, se

173
forma pelas suas práticas, pelo que se diz e pelo o que se convenciona de modo
dominante, residual e arcaico em relação ao seu universo referencial.

Em uma segunda dimensão, procuramos compreender de que modo o telejornalismo


temático se constrói nesse contexto e como se relaciona com tais matrizes.
Historicamente, os programas televisivos brasileiros dedicados à cobertura de
situações de crime, violência e atuação policial foram referenciados - pelas emissoras
e sobretudo pela crítica - a partir do termo genérico “mundo-cão”. A eles se
juntariam os demais programas dedicados ao entretenimento, que genericamente
eram dominados de “populares”. Conforma-se aí o sentido de que popular não se
refere somente pela quantidade, mas pela qualidade de revelar o homem brasileiro
comum, seus dramas e suas tragédias.

Simbolicamente, esta referência significa que a adoção desta temática privilegia as


mazelas da vida humana a partir do seu aspecto grotesco, baixo, ruim, e daí o sentido
de popularesco se agrega a esses programas. Construiu-se portanto, um
reconhecimento em torno desses programas de cunho pejorativo e desvinculado da
prática jornalística de referência. Tal contexto influenciou para que estes programas
fossem, em épocas distintas, rechaçados e até excluídos da programação. Na
atualidade, no entanto, verificamos a retomada desses programas e um esforço para
desvinculá-los da alcunha “mundo-cão”, a partir de uma aproximação com certos
códigos e modos convencionados pelo telejornal brasileiro tradicional. Nesse
movimento, delineia-se uma disputa em torno do que é telejornalismo, do que é
gênero policial a partir do telejornalismo, e o que é popular.

Não é nosso intuito verificar o quanto Brasil Urgente e Cidade Alerta conformam
características próprias do cinema e da literatura. Desejamos aqui compreender como
eles configuram experiências contemporâneas que viabilizam o reconhecimento em
torno do subgênero programa telejornalístico policial, a partir das referências dessas
esferas e da produção televisiva como um todo. Verificamos que o imbricamento
entre essas fronteiras, no caso desses programas, é fatal, e ainda que resulte em uma
análise complexa, faz-se indispensável acolher suas perspectivas para compreensão
do endereçamento, dos modos de fazer e se reportar à audiência que eles irão
construir.

174
Propomos aqui a análise dos dois programas e de versões exibidas em âmbito
regional, no caso, para o Estado da Bahia. Não foi nosso objetivo verificar como
estas versões articulam questões sobre identidade e territorialidade contextualizadas
nos referenciais da cultura baiana. Pretendíamos, ao incluir estas versões, verificar os
desdobramentos e limites em torno do gênero, quando estabelecemos o programa a
uma situação comunicativa distinta e específica, ainda que sustente sob a promessa
da reprodução pela temática, pela marca e pela emissora.

A análise nos mostrou que tanto Brasil Urgente quanto Cidade Alerta se endereçam
à audiência enquanto programas telejornalisticos policiais a partir de uma tendência
contemporânea, que é a da valorização da atuação policial em detrimento do relato
da situação de crime e/ou violência. Tal estratégia articula o posicionamento pró-
instituição policial adotado pelos dois programas. Nesse sentido, ser policial
significa, mais do que privilegiar situações que envolvem crime, violência e
consequentemente, dramas pessoais, privilegiar a conduta, os valores e a atuação da
instituição policial. Este posicionamento aparece como elo argumentativo para dois
outros elementos que ajudam a compor o modo de endereçamento destes programas.

Por um lado, ajudam a contextualizar a violência como principal problema social do


país e a partir dela, o programa emite a sua opinião, a partir da performance de
apresentadores-âncora, sobre temas como pena de morte e maioridade penal,
recorrentes no nosso corpus de referência. Tais opiniões se orientam por uma
perspectiva tradicional e conservadora, ancoradas no autoritarismo, e por isso,
perspectivas contrárias são ignoradas ou mesmo recusadas, ainda que participem de
debate no cenário social. De outro lado, a preferência em torno da cobertura policial
se alinha à predileção pela cobertura ao vivo, estratégia que, a partir do discurso
empregado pelos programas, reforçaria o espectro de modernidade (a partir dos
recursos tecnológicos e audiovisuais que permitem a transmissão) e reforçariam o
sentido de veracidade e imediaticidade, premissas valoradas pelo telejornalismo
contemporâneo.

Articulado a esta tendência, outra estratégia se destaca, em ambos os programas,


como marca dominante: a figura do apresentador enquanto âncora e mediador
principal. Enquanto estratégia do telejornalismo contemporâneo, esta posição tem
como intuito “personificar”, e consequentemente reforçar, os sentidos de

175
credibilidade e legitimidade pretendidos pelo programa (GUTMANN, 2012). Nesse
sentido que cabe a esses apresentadores, a partir de sua trajetória e do uso da
primeira pessoa, articular o posicionamento editorial do programa.

No Brasil Urgente nacional, José Luiz Datena se comporta como um vigilante, um


guardião da justiça, capaz de ultrapassar os limites convencionados pelo seu papel de
comandante da atração em nome da revelação do fato e da suposta satisfação de sua
audiência. Apesar de descrito pela emissora como um profissional “polêmico”, “sem
papas na língua”, a análise nos mostra um esforço do apresentador em manter os
limites do pudor, do recato, numa estratégia que para nós funciona tanto como uma
forma de reiterar modos dominantes, tomados como parâmetro de telejornalismo no
Brasil, bem como de, à luz dos argumentos de Roxo e Sacramento (2013), alinhar-se
aos padrões culturalmente convencionados pela classe dominante, em que o exagero
e a conduta informal se relacionam às formas da cultura popular, demonizadas como
ruim ou de baixa qualidade. A gestualidade, a voz empostada, a linguagem coloquial,
o apelo ao humor e ao grotesco são justificados no programa como estratégias em
nome da factualidade e da revelação do fato, e desempenhadas no como uma forma
de popularizar o seu conteúdo e aproximar-se da audiência.

Já no Cidade Alerta nacional, a performance de Marcelo Rezende - que também se


configura como central para colocar em relevo a discussão sobre temas específicos -
trata de estreitar os laços com as práticas referenciais do telejornalismo a partir da
figura do repórter, que na sua própria figura, se mitifica enquanto justiceiro, vigia
comprometido com a verdade e a revelação. Diferentemente de Datena, que constrói
o seu poder de autoridade pela negociação entre o posicionamento firme e a
manutenção da conduta; Rezende se coloca ao lado dos seus repórteres, valoriza a
sua trajetória e convoca a autoridade do papel de âncora pela experiência vivida.

Nas versões regionais, verificamos que os símbolos estereotipados e compartilhados


em dominância servem como estratégia para articular esse endereçamento em torno
da cobertura policial e do reforço a valores tradicionais da cultura brasileira. Menos
do que contextualizar, Brasil Urgente Bahia e Cidade Alerta Bahia se valem destes
códigos para reiterar o lugar do baiano e do nordestino enquanto rústico, descolado
do brasileiro referencial, tomado na figura do paulista, através das versões-mãe do
programa. Sendo um individuo telúrico, simples e afeito às formas orais de

176
comunicação, o telespectador desses programas necessitariam de performances mais
grosseiras, mais enérgicas, como se a simulação do contato corporal fosse mais
eficaz do que qualquer efeito audiovisual gráfico de som e imagem. Reforçam a
tradição e se eximem de uma contextualização identitária e cultural dessa região em
tempo presente.

O programa jornalístico contemporâneo policial no Brasil, então, seria aquele que


historicamente remete ao chamado “mundo-cão”, que se vale das histórias de crime e
violência que atingem o cotidiano do homem comum e pobre. Mas numa perspectiva
contemporânea, esse aspecto histórico é suprimido para, alinhar-se a convenções em
torno do telejornalismo e assim, legitimar-se socialmente. Na prática, no entanto, se
valem de estratégia que outrora caracterizaram esses programas, e as justificam a
partir do exercício jornalístico. Com isso, reforçam o sentido de alteridade que
historicamente coloca o jornalismo em um ponto e a cultura popular e o
entretenimento. O argumento se mantém pelo discurso, mas pela análise, verificamos
que o imbricamento entre essas esferas é inevitável, constitutivo do modo de fazer
televisivo brasileiro.

Colocado no centro do mapa das mediações que propõe Martín-Barbero (2009),


vemos que tais programas se constroem a partir do melodrama e do entretenimento,
matrizes do gênero policial do âmbito ficcional. Quando submetido à lógica de
produção televisiva e à esfera jornalística, constrói uma trajetória fragmentada
pautada pelo rechaço e ao mesmo tempo, pela aprovação da audiência.

Pelo movimento sincrônico, vemos que eles se formatam, contemporaneamente, por


um estilo híbrido que funciona pela negociação, com usos forjados de estratégias
vinculadas ao popular para aproximar-se do público, ao mesmo tempo em que
recusa-as em nome dos padrões convencionados pelo telejornalismo e pela classe
dominante brasileira. A lógica de produção a que são submetidos é configurada pela
disputa de audiência e pela valorização do aspecto comercial. Isso se torna ainda
mais evidente quando, nas versões regionais, a propaganda publicitária é feita pelo
próprio apresentador e configura-se também como estratégia de aproximação e
interação com o público. Convocando distintas temporalidades, reportam-se à
audiência a partir da recusa a certos debates pela manutenção de valores tradicionais,
colocando-se assim numa posição que, longe de ser espectro da realidade absoluta,

177
reitera um modo de disputa em torno de um referencial especifico de cultura, de
telejornalismo e de sociedade.

As tendências sobre o telejornalismo brasileiro, verificadas em outras pesquisas e


acolhidas aqui nesse trabalho, revelam cada vez mais esse estreitamento entre
práticas convencionadas pelo jornalismo, a cultura popular e o entretenimento. É
possível encontrar argumentos que justificam essa aproximação a partir da
globalização e das possibilidades tecnológicas. Neste trabalho, procuramos dar força
ao esforço das pesquisas que procuram entender esse movimento a partir dos
constrangimentos e das transformações culturais, sociais, econômicas e políticas,
entendendo que é no terreno na cultura, do mundo vivido, que se convencionam
padrões e se disputam por outros. No caso do programa jornalístico policial, torna-se
imprescindível a compreensão sobre o popular, sobre violência, sobre o papel do
Estado e da instituição policial no que tange à conduta moral brasileira, e sobre as
próprias referências e padrões em relação ao campo jornalístico e sua configuração
no meio televisivo.

178
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EDUFBA, 2011
ROXO, Marco. A volta do “ jornalismo cão” na TV. In: RIBEIRO, Ana Paula
Goulart, ROXO, Marco, SACRAMENTO, Igor (orgs.). História da Televisão no
Brasil. São Paulo: Contexto, 2010. p. 177-195.
ROXO, Marco, SACRAMENTO, Igor. Populismo e o neopopulismo no jornalismo
televisivo brasileiro. Salvador, XXII COMPÓS, 2013. (Trabalho apresentado no GT
de Televisão)
SANTOS, Mirella de Freitas. Apropriação do popular pelo telejornalismo
brasileiro: análise dos programas Se liga Bocão, Balanço geral e Que venha o
povo. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Faculdade de
Comunicação, 2009
SCHIAVONNI, Jaqueline. Vinheta: uma questão de identidade na televisão.
Dissertação (Mestrado), Faculdade de Arquitetura, Comunicação e Artes,
Universidade Estadual Paulista Júlio Pinto de Mesquita, 2008.
SILVA, Fernanda Mauricio da. Dos telejornais aos programas esportivos: gêneros
televisivos e modos de endereçamento, Salvador, UFBA, 2005 (Dissertação)
Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas.

182
SILVA, Fernanda Maurício da. A conversação como estratégia de construção de
programas jornalísticos televisivos. 2010. Tese (Doutorado em Comunicação e
Cultura Contemporânea - UFBA). Disponível em <http://telejornalismo.org/wp-
content/uploads/2010/05/SILVA-Fernanda.-A-conversao-como-estratgia.pdf>.
___. Convenções históricas do talk show brasileiro: de 1950 a 1990. ECO-PÓS, v.
16, n. 2, p 191-204, mai/ago, 2013.
SCHUDSON, Michael. Descobrindo a notícia: Uma história social dos jornais
nos Estados Unidos. Rio de janeiro: Editora Vozes, 2010.
SOUZA, José C.A. Gêneros e formatos na televisão brasileira. São Paulo:
Summus, 2004
SOVIK, Liv. Pensando com Stuart Hall. In: GOMES, Itania Maria Mota; JUNIOR,
Jeder Janotti (orgs.). Comunicação e Estudos Culturais. Salvador: EDUFBA, 2011
TONDATO, Marcia P. Os gêneros televisivos no cotidiano da recepção televisiva.
São Paulo, 2009.
WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. (Trad. Waltensir Dutra), Rio de
Janeiro, p. 79-142: Jorge Zahar [1971]1979.
WILLIAMS, Raymond. Televisión: Tecnología y forma cultural. (Trad. Alcira
Bixio). 1. ed. Buenos Aires: Paidós [1974] 2011
ZUMTHOR, Paul. Introdução a Poesia Oral. (Trad. Jerusa Pires Ferreira, Maria
Lúcia Diniz Pochat e Maria Inês de Almeida). São Paulo: Hucitec; EDUC, [1983]
1997. p 164-232.

183
6. ANEXO

Glossário de termos técnicos

São referências para a nomenclatura adotada neste glossário os trabalhos:


PATERNOSTRO, Vera Íris. O Texto na TV. Manual de telejornalismo. Rio de
Janeiro: Campus, 1999; GUTMANN, Juliana Freire. Formas do telejornal: um estudo
das articulações entre valores jornalísticos e linguagem televisiva. 2012. Tese
(Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura
Contemporâneas, Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2012.
BG (background): em relação à parte sonora do programa televisivo, o termo
designa os ruídos, sons, músicas ou vozes que acompanham o áudio da voz do
mediador (repórter, apresentador, comentarista) ou da fonte que fornece a
informação.
CABEÇA: texto dito pelo apresentador que anuncia entrada da reportagem gravada
ou entrada ao vivo do repórter.
CRAWL: entrada de texto na tela em movimento do lado direito para o esquerdo, no
rodapé da tela, configurando uma legenda.
ESCALADA: resumo das principais notícias a serem abordadas pelo programa,
anunciadas geralmente pelo apresentador. Utiliza texto e imagem.
GRADE: conjunto de programas e intervalos comerciais em exibição que de modo
organizado e sequencial, define a programação de uma emissora.
OFF: É o áudio da narração colocado sobre a imagem, ou seja, quando ouvimos a
fala do sujeito mas ele não aparece na tela.
PASSAGEM do repórter: gravação feita pelo repórter na qual sua imagem aparece.
Geralmente, a passagem é inserida no meio da reportagem.
PLANO GERAL (PG): serve para identificar o local onde acontece o fato. Cenários
e personagens são visualizados.
PLANO MÉDIO (PM): Tomada um pouco mais fechada do que o PG, destaca um
objeto ou pessoa na cena. Se for uma pessoa, ela é vista de corpo inteiro frente ao
cenário.
PLANO SEQUÊNCIA: tipo de plano em que a filmagem (ou gravação) é uma ação
contínua sem cortes.
PLONGÉE (câmera alta): é a tomada de cima para baixo.
PRIMEIRO PLANO (PP): enquadra a pessoa da altura dos ombros (ou um pouco
abaixo) para cima.
SOBE-SOM: momento da reportagem em que o som é aumentando, suprimindo a
narração.
SONORA: termo usado para designar uma fala da entrevista na qual a imagem da
fonte aparece.

184
VINHETA: edição gráfica que marca a abertura ou intervalo de um programa
televisivo. Normalmente acompanhada com música.
ZOOM: objetiva de distância focal variável que pode provocar um movimento de
aproximação de um objeto ou pessoa (zoom in) ou de afastamento de um objeto ou
pessoa (zoom out).

185

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