Você está na página 1de 88

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL – JORNALISMO

EMERSON MACIEL ESTEVES

PELE ALVA E PELE ALVO:


Uma análise sobre a cobertura do jornalismo esportivo audiovisual sobre casos de racismo no
futebol

SÃO CRISTÓVÃO
2020
EMERSON MACIEL ESTEVES

PELE ALVA E PELE ALVO:


UMA ANÁLISE SOBRE A COBERTURA DO JORNALISMO ESPORTIVO
SOBRE CASOS DE RACISMO NO FUTEBOL

Monografia apresentada como Trabalho de Conclusão do curso


de Jornalismo da Universidade Federal de Sergipe
(DCOS/UFS), no semestre letivo 2019.2, como pré-requisito
para obtenção do título de Bacharel em Jornalismo.
Prof. Vitor Curvelo Fontes Belém

SÃO CRISTÓVÃO
2020
RESUMO

O Observatório da Discriminação Racial no Futebol, através de seus relatórios anuais, tem


apontado um aumento no número de denúncias de casos de suspeita de racismo no futebol. Isso
se deve, também, pelo fato de que os casos estão mais perceptivos devido a uma maior cobertura
da imprensa a esses incidentes. Tendo em vista a força da televisão no Brasil, e o segmento do
jornalismo esportivo ser relevante nesta mídia, o objetivo geral deste trabalho é compreender
de que forma o jornalismo esportivo audiovisual pauta os casos de racismo no futebol brasileiro
em seus conteúdos. A metodologia de pesquisa adotada foi o estudo de caso e análise de
conteúdo, que resultou em um livro de códigos que guiou a observação de doze reportagens que
retrataram o assunto entre os anos de 2016 e 2017. A partir da análise concluiu-se que as
matérias tratavam cada novo caso como se fosse o primeiro, como um problema novo e
esporádico, sem fazer nenhuma relação com os outros casos de racismo no futebol, no esporte
e no Brasil. Em relação a construção dos conteúdos, notou-se a tendência em não entrevistar
ninguém quando o foco da matéria é sobre racismo. Além do indicativo de tratamento do tema
como mera polêmica, já que esmagadora maioria das matérias nem ao menos mencionou que a
prática de racismo é crime. Este trabalho poderá contribuir para o entendimento da forma como
o jornalismo esportivo vem cobrindo o racismo no futebol e desta forma fomentar reflexões
sobre a importância do jornalismo esportivo em abordar de forma profunda as questões raciais
em suas narrativas.
Palavras-chave: Jornalismo Esportivo; Futebol; Racismo; Televisão.
ABSTRACT

The Observatory of Racial Discrimination in Football, through their annual reports, has pointed
to an increase in the number of reports of suspected cases of racism in football. This is also due
to the fact that the cases are more perceptive due to increased press coverage of these incidents.
In view of the strength of television in Brazil, and the relevance of the sports journalism segment
in this media, the aim of this study is to understand how the audiovisual sports journalism guides
the cases of racism in brazilian football in its content. The research methodology adopted was
the case study and content analysis which resulted in a code book that guided the observation
of twelve subjects between the years of 2016 and 2017. From the analysis it was concluded that
the subjects treated each new case as if it were the first, as a new and sporadic problem, without
making any connection with the other cases of racism in football, sport and Brazil. Regarding
the construction of content, there was a tendency to not interview anyone when the focus of the
story was racism. Moreover, it was noticed an indication of treatment of the subject as a mere
controversy, since the overwhelming majority of subjects did not even mention that the practice
of racism is a crime. This work may contribute to the understanding of how sports journalism
has been covering racism in football and in this way foster reflections on the importance of
sports journalism in addressing racial issues in depth in their narratives.
Keywords: Sports Journalism; Soccer; Racism; Television.
“80 tiros te lembram que existe pele alva e
pele alvo” (Ismália, Emicida, 2019)
AGRADECIMENTOS

Concluir esse trabalho e consequentemente a graduação em jornalismo não é uma vitória


minha, no singular. Antes de mais nada é uma vitória da minha família. Os Maciel Esteves, na
figura de senhor Carlito e dona Zefinha, respectivamente painho e mãe, apostaram em mim
quando ninguém mais apostou, quando nem eles possuíam condições suficientes para que eu
pudesse sonhar com a universidade. Concluir esse trabalho é um orgulho para eles, também.
Ver seu caçula de dez filhos alcançar algo antes nunca visto na família, sempre foi para mim
um combustível de dar meu melhor sempre. Agradeço a vocês por sempre acreditarem que a
educação é o único caminho em tempos tão desesperançosos. Amo vocês. Obrigado família.
Não chegaria até esse momento se não fosse o apoio financeiro, afetivo e espiritual de vocês.
Por falar em família, quero agradecer a minha madrinha Rosa, minha família desde que
me entendo por gente e que me acolheu no início da graduação em sua casa. No auge dos meus
17 anos, num estado e cidade que eu não conhecia nada, ter seu amor e afeto foi fundamental
para que eu não desistisse logo de cara. Te amo. Outra mulher forte e especial que eu quero
agradecer é minha tia Maria, a segunda pessoa a me acolher em sua casa quando eu nem ao
menos tinha casa para ficar. A senhora foi minha segunda mãe, quando a minha de sangue
esteve ausente fisicamente. Obrigado pelo carinho, pela comida, pela atenção e cuidado. Eu
nunca vou esquecer como a cidade de São Cristóvão me fez bem por sua causa.
Gosto de falar que as relações que eu construí durante a graduação de algum modo
contribuíram para que eu chegasse até esse ponto. As minhas microfamílias, também chamados
de amigos, que fiz durante essa fase me ajudaram e me fortaleceram enquanto profissional e
pessoa. Quero agradecer a todas as pessoas do grupo “Vc endoido. Me poupe” vocês fazem
parte disso. Dudu e Vinícius, vocês foram os primeiros amigos que eu tive na vida. Nosso
carinho e proteção é algo que eu sempre busquei em qualquer relação. Os quatro anos de
graduação ao lado de vocês sem dúvidas moldaram quem eu sou hoje. Obrigado pelos
trocadilhos, piadas internas, momentos de estudo. Por tudo. Meu décimo e décimo primeiro
irmão, amo vocês.

Rebeca, Yara e Vic se tornaram meus grandes portos seguros. Obrigado por tudo.
Obrigado pela compreensão, por estarem presentes em momentos de crise, mas também por
dividir os momentos de alegria comigo. Rebeca, nossa conexão não é explicada por nenhuma
pesquisa cientifica. O que a gente construiu juntos foi e está sendo algo marcante e que muda
minha vida a cada dia. Obrigado sempre. Yara, obrigado por nunca desistir de mim, quando em
vários momentos eu tentei fazer isso. Obrigado por sempre ser uma inspiração, de mulher forte
e profissional no jornalismo que eu quero seguir. Vic, obrigado pelos momentos de diversão e
de constante aprendizado que tive e ainda tenho contigo. Você é especial demais para esse
mundo doido que vivemos.
Também gostaria de citar Igor, Geo, Murilo, Chaves, Afonso, Kellisson, Analu, Dantas,
Letícia, Malu, Haline, Kathy, Diana, Louise, Hector, Talisson, Samuel, Taís, Mikaella, cada
um do seu jeito me incentivou, viu em mim algo que eu não via, ou que fui ensinado a não ver.
Obrigado por tudo. Amo vocês. Cada um sabe o que significou para mim a companhia de vocês
nesse período. Quero agradecer ao meu quilombo do Coletivo de Estudantes Negros Beatriz
Nascimento da Universidade Federal de Sergipe. Obrigado a todos pelo apoio, vocês
fortaleceram minha autoestima física e principalmente intelectual. Seguimos nossa luta
antirracista na universidade.
Por fim, queria agradecer a minha professora Vera do Fundamental 1. Obrigado por
plantar uma semente na minha cabeça de que eu poderia ser o que eu quiser, que eu podia sonhar
com a universidade, mesmo em um contexto desfavorável. Você costumava dizer que eu seria
o presidente do Brasil. Olha professora, eu não tenho as competências técnicas para ser político,
me encontrei no jornalismo, mas sem dúvidas eu sou mais inteligente que nosso atual chefe de
estado. Obrigado.
Agradecer também ao meu orientador Vitor Belém que me respeitou e incentivou esse
estudo de forma excelente. Obrigado pelo apoio. E claro, todo corpo docente de jornalismo do
Departamento de Comunicação Social da UFS. Cada um contribuiu de alguma forma para este
trabalho.
Também não vou deixar de agradecer aos artistas negros dos mais variados gêneros
musicais que foram minha trilha sonora em dias e noites enquanto eu escrevia esse trabalho.
Muito obrigado. Essa conquista não é apenas minha. É de toda nossa gente. Sigamos firmes!
LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Casos de racismo no futebol brasileiro ......................................................... 38


Figura 2: Distribuição dos casos analisados ................................................................. 57
Figura 3: Gráfico de veículos ....................................................................................... 57
Figura 4: Tipos de formatos .......................................................................................... 58
Figura 5: Forma como o conteúdo aborda o racismo ................................................... 59
Figura 6: Vítimas de racismo no futebol ...................................................................... 60
Figura 7: Vítimas entrevistadas .................................................................................... 60
Figura 8: Fontes entrevistadas sobre o fato do racismo ................................................ 61
Figura 9: Atleta Guaraci/Crac ....................................................................................... 62
Figura 10: Atleta Jorginho/Crac ................................................................................... 63
Figura 11: Membro da comissão técnica do Crac ........................................................ 63
Figura 12: Significado da atitude racista ...................................................................... 64
Figura 13: Torcedoras do Bahias são vítimas de racismo ............................................ 65
Figura 14: Racismo aconteceu paralelo a uma situação de derrota .............................. 66
Figura 15: Conteúdo informa sobre as leis de racismo/injúria racial ........................... 66
Figura 16: Repórter da TV Bahia e promotora de justiça ............................................. 67
Figura 17: Menção a outros casos de racismo no futebol ............................................. 68
Figura 18: Caso do jogador Michel Bastos é citado em outra matéria ......................... 68
Figura 19: Jogadora de vôlei Fabi fala sobre situação de racismo no esporte .............. 69
Figura 20: Caso de racismo na internet com a atriz Taís Araújo .................................. 69
Figura 21: Utilização de adjetivos no caso de racismo ................................................. 70
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 9

2 RACISMO: CONCEITOS, PRECONCEITO E CRIME ...................................... 11

2.1 Dimensões e concepções ................................................................................ 11

2.2 Racismo no Brasil ........................................................................................... 18

2.3 Legislação antirracista .................................................................................... 23

2.3.1. O artigo 140 do Código Penal: a questão da injúria ................................ 24

3 RACISMO EM CAMPO: AS REGRAS DO JOGO ............................................. 28

3.1 Racismo no futebol brasileiro ......................................................................... 28

3.2 Significado de macaco no futebol ................................................................... 33

3.3 Fifa, Conmebol e CBF .................................................................................... 34

3.4 Observatório da Discriminação Racial no Futebol ......................................... 37

3.5 Racismo estrutural no futebol ......................................................................... 39

4 JORNALISMO ESPORTIVO E O RACISMO NO BRASIL ............................... 41

4.1 Jornalismo especializado ................................................................................ 41

4.2 Força da televisão e características do jornalismo audiovisual ...................... 43

4.3 Mídia e discriminação racial ........................................................................... 48

5 ANÁLISE ............................................................................................................... 51

5.1 Análise do livro de códigos ............................................................................ 54

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 72

REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 75

APÊNDICE A – Entrevista Estruturada com Marcelo Medeiros Carvalho ................. 83

APÊNDICE B – Livro de Códigos “COBERTURA JORNALÍSTICA AUDIOVISUAL


SOBRE O RACISMO NO FUTEBOL BRASILEIRO” .......................................................... 85

ANEXO A – Código Disciplinar da FIFA – Capítulo Discriminação ......................... 87


9

1 INTRODUÇÃO

No dia 22/05/2019, o programa esportivo “Bem, Amigos!”, do canal de TV por


assinatura SporTV recebeu o técnico Roger Machado, atual comandante do Esporte Clube
Bahia, um dos poucos treinadores negros que atua nas principais divisões do futebol brasileiro.
Durante a conversa, o jornalista Marco Antônio Rodrigues proferiu as seguintes afirmações
quando o assunto sobre questões raciais foi pautado: “a baixa escolaridade reflete na
segregação”, “tem menos negros na faculdade”. Frases sem nenhum embasamento teórico,
prontas e que são repetidas constantemente no dia-a-dia. A última afirmação foi a mais
impactante: “no nosso ambiente do futebol, felizmente, não tem racismo”. Como o racismo no
futebol tem conquistado mais espaço nos noticiários esportivos como em outrora, o objetivo
deste trabalho é entender de que forma o jornalismo esportivo audiovisual tem retratado a
temática a partir do futebol brasileiro – tanto o praticado dentro do território do Brasil quanto
por jogadores brasileiros que atuam no exterior.
Muito do aumento dessa cobertura se deve ao trabalho do Observatório da
Discriminação Racial no Futebol, que tem desempenhado papel fundamental em noticiar, listar
e realizar campanhas sobre a temática no cenário nacional. A partir dele pretendo levantar os
dados sobre os casos de discriminação racial no futebol e extrair informações relacionadas à
cobertura televisiva, para que assim possa filtrar as reportagens audiovisuais dos demais
formatos jornalísticos. O intuito deste processo é analisar como é a abordagem da temática de
racismo no futebol brasileiro a partir de parâmetros da análise de conteúdo. Depois de analisar
o material, o terceiro objetivo deste trabalho é refletir sobre a importância do jornalismo
esportivo em abordar as questões raciais de forma responsável no futebol.
Os casos de racismo no futebol têm aumentado ano após ano. Desde 2014, o Relatório
de Discriminação Racial no Futebol é uma fonte de dados segura e detalhada, que situa como
as questões relacionadas à discriminação (não apenas racial, como também de orientação
sexual, de gênero e de origem) tem se estabelecido no esporte. Em 2019, de acordo com o
relatório, 56 (cinquenta e seis) casos foram identificados como discriminação racial, um
aumento em relação a 2018 (44 casos), 2017 (43 casos) e 2016 (25 casos).
É preciso ter em vista que a televisão ainda é o meio de comunicação preferido pelos
brasileiros para se informar, com cerca de seis a cada dez pessoas utilizando-a como o seu meio
principal de obter informação diariamente, e o jornalismo esportivo, enquanto segmento do
10

jornalismo, possui grande relevância na grade de horários das emissoras de TV. Nesse segmento
são discutidos no dia-a-dia o mundo da “bola”, o pré e pós-jogo, o mercado de transferências,
a rotina dos clubes, etc.
Eu, como outros milhões de brasileiros, cresci numa casa que tinha a televisão aberta
como a única forma de interação e comunicação com o mundo. Cresci vendo grandes jogadores,
grandes jogos do futebol brasileiro e posteriormente mundial. A televisão e o esporte estiveram
presentes na minha formação enquanto cidadão e, dentre outros motivos, foi o mais contundente
para me fazer cursar jornalismo. Com a questão racial transversal na minha vida, sendo minha
família paterna inteiramente preta e a materna em sua maioria branca, a tríade “televisão –
futebol – racismo” fazem parte de mim.
Através do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, 12 matérias audiovisuais
foram coletadas para submeter ao processo de análise de conteúdo. Um livro de código foi
organizado para guiar os dezesseis pontos de análise no que tange as questões técnicas do
jornalismo e também questões de reflexão sobre o racismo no futebol abordado nas matérias.
Os resultados quantitativos ajudaram a fomentar discussões sobre a cobertura de forma
qualitativa.
O estudo pretende ser apenas um indicativo de como o assunto foi abordado pelo
jornalismo com o recorte temporal em 2016, 2017 e 2018 através de uma revisão bibliográfica
que se divide em quatro capítulos: “Racismo: conceitos, preconceito e crime”, “Racismo em
campo: as regras do jogo”, “O jornalismo esportivo e o racismo no Brasil” e, por fim, a análise.
O primeiro visa introduzir os conceitos e dimensões do racismo a fim de diferenciar
suas diversas frentes; também neste capítulo apresento as noções de racismo no cenário
brasileiro e a legislação que criminaliza essa prática. No capítulo dois exponho o racismo
dentro do futebol brasileiro e suas diversas manifestações. Descrevo a relação legislativa de
cunho racista no futebol a partir das principais entidades que organizam o esporte: Fifa,
Conmebol e CBF e, por fim, um histórico da atuação do Observatório da Discriminação Racial
na luta antirracista no Brasil. O último capítulo consiste na análise de conteúdo das doze
matérias audiovisuais coletadas.
11

2 RACISMO: CONCEITOS, PRECONCEITO E CRIME

O primeiro capítulo tem o objetivo de contextualizar as dimensões e concepções que o


conceito de racismo pode ser analisado. Neste primeiro momento cabe rememorar as definições
trazidas por autores ainda no século XX para traçar paralelos e distanciamentos com outros
autores mais recentes. As facetas do racismo brasileiro e suas peculiaridades também são
abordadas, juntamente com a legislação federal sobre a prática do crime de racismo.

2.1 Dimensões e concepções

O termo racismo tem uma pluralidade de significados e acepções que vai nos guiar para
buscar entender suas diversas dimensões. Segundo Moreira (2019), é um conceito dinâmico,
que vai expressar especificações do contexto sociocultural ao qual ele é alvo de estudo. Não é
minha intenção neste capítulo trazer um único conceito para embasar a discussão de racismo.
Buscarei retratar um panorama epistemológico e cientifico do estudo do tema com base em
diversos autores, que em alguns momentos se complementam em aspectos específicos.
Antes de adentrar as abordagens que o racismo condensa, vale caracterizar o conceito
do termo raça, já que ele é transversal em toda discussão subsequente. A raça pode ser entendida
como uma construção social que procura validar projetos de dominação que se baseia na
hierarquização entre grupos sociais com base em suas características físicas (MOREIRA,
2019). Ao procurar categorizar e classificar grupos minoritários, o grupo social dominante tem
a intuição de garantir que seu status social seja mantido.
Além de fomentar a hierarquização, o grupo dominante tipifica estereótipos que
inferiorizam e criam um parâmetro social a ser seguido. Como Almeida (2017, p. 38) frisa:

A raça é um conceito construído pela burguesia para desenhar, no campo das


ideias, construções que falseiam a realidade, pois o racismo e seus derivados
não apresentam nenhuma validade científica. Com esse sistema de supremacia
racial um ideal de branqueamento ganha centralidade e que carrega em seu
bojo representações negativas sobre a população negra. Animalização,
bestialização e irracionalidade são alguns dos estereótipos evocados para
caracterizar a inferioridade da população negra. A branquitude, por seu turno,
servirá de parâmetro distintivo universal.

Antes de falar em racismo propriamente dito, é preciso distinguir outras duas categorias
que são usualmente associadas ao conceito de raça: preconceito e discriminação. O preconceito
racial é baseado em estereótipos impostos a grupos racializados e que pode resultar ou não em
12

práticas discriminatórias. Como exemplifica Almeida (2019, p.32) “Considerar negros


violentos e inconfiáveis, judeus avarentos ou orientais ‘naturalmente’ preparados para as
ciências exatas são exemplos de preconceitos”.
É necessariamente uma atitude negativa a um outro grupo, ou a uma pessoa pertencente
ao grupo, que se baseia num processo de comparação social em que o grupo ao qual o indivíduo
pertence é visto como o ponto de referência positivo (JONES, 1973). Por exemplo, para ilustrar,
Harris (1967), diz que a maioria dos brasileiros considera abstratamente os negros como
inatamente inferiores em inteligência, honestidade e confiança. As características estéticas do
negro são consideradas feias em relação aos brancos. Helal e Gordon Jr (2007) vão além,
afirmando que a partir deste ideário estético negativo que se sucedeu a uma supervalorização
dos cabelos lisos, dos negros de olhos verdes ou com traços mais finos, características que se
aproximavam da branquitude e que eram mais aceitas socialmente.

Não custa repetir que todo esse conjunto de representações sociais sobre o
negro e sobre a mestiçagem, que podem ser verificados em diversos estudos
sociológicos sobre o tema, se apoiavam em determinadas concepções raciais,
profundamente arraigadas no pensamento científico até o início do nosso
século como também no “senso comum” (HELAL e GORDON JR, 2007, p.
61).

Já a discriminação racial, por sua vez, possui a atribuição de um tratamento diferenciado


para membros de grupos racialmente identificados. Como reflete Almeida (2019, p. 32), “a
discriminação tem como requisito fundamental o poder, ou seja, a possibilidade efetiva do uso
da força, sem o qual não é possível atribuir vantagens ou desvantagens por cima da raça”. A
discriminação racial não se manifesta necessariamente como uma forma jurídica ou social
explicita, como nos casos de segregação racial praticada nos Estados Unidos até os anos 1960
ou na África do Sul até a década de 1990 (JUNIOR, 2009).
Como cada especificidade do racismo só pode ser compreendido a partir da sua própria
história (GUIMARÃES, 1999), a proposta não é articular uma hierarquia entre as ideias
apresentadas e nem se sugere que uma noção seja excludente a outra.
De acordo com o sociólogo e o cientista político Campos (2017), o racismo pode ser
organizado sistematicamente a partir de três dimensões: precedência das ideologias,
precedência das práticas e precedência das estruturas.
A primeira dimensão foi conceituada a partir dos anos 1940, autores como Ruth
Benedict (1945, p. 87) definia racismo como “o dogma segundo o qual um grupo étnico está
13

condenado pela natureza à inferioridade congênita e outro grupo está destinado à superioridade
congênita”. Na década de 1960, Pierre van den Berghe (1967, p.11) descrevia o racismo como
“um conjunto de crenças de que diferenças orgânicas, genéticas transmitidas (reais ou
imaginadas) entre grupos humanos estão intrinsecamente associadas com a presença ou a
ausência de certas habilidades ou características socialmente relevantes”.
Conforme Campos (2017) afirma, é comum encontrar nos autores desse período uma
diferenciação terminológica que reservava o termo “racismo” às ideologias raciais e lidava com
as práticas racistas a partir das noções de “preconceito” e “discriminação”.
Também neste contexto, Banton (1970) descrevia o termo como uma doutrina na qual
o comportamento humano é determinado por características herdadas, estáveis, derivadas de
estoques raciais separados e que possuem atributos distintivos. São considerados usualmente
como mantendo uma relação de superioridade e inferioridade uma com a outra.
Em sua análise crítica, Campos (2017, p. 5) destaca a abordagem fraca e incipiente de
racismo por esses autores:

A própria ênfase em uma acepção de ideologia mais frouxa, capaz de abarcar


crenças e estereótipos relativamente desestruturados, já insinua duas
complicações: primeiro, o caráter eminentemente prático do racismo e,
segundo a importância dos efeitos estruturais em sua definição.

A segunda dimensão descrita pelo autor é a de “precedência a partir das práticas”, que
começou a ser estudada ainda nos anos 1930. Nessa concepção o destaque vai para o papel que
os processos psicológicos inconscientes têm na formação de preconceitos e nas sequentes ações
discriminatórias (CAMPOS, 2017).
Nesta lógica, as ações e a prática discriminatória têm precedência quando se pretende
compreender ou mensurar o racismo existente em nossas sociedades e, em segundo lugar,
entende-se que as atitudes são muito mais emotivas, irracionais e reativas, e por isso, nem
sempre possui uma ideologia como fonte. Isso não implica que ações discriminatórias,
intencionalmente racistas, tenham deixado de existir, mas que apenas os motores da
discriminação racial vão além delas (CAMPOS, 2017).
Segundo o autor, essa concepção de “racismo sutil” ou “implícito” destaca o papel de
inúmeras condutas reativas e irrefletidas para a reprodução das atitudes discriminatórias”
(CAMPOS, 2017, p. 6).
Blank, Dabady e Citro (2004, apud CAMPOS, 2017) caracterizam quatro exemplos de
racismo que demonstrariam a autonomia entre crenças/ideologias raciais dos
14

preconceitos/discriminações raciais. São elas: preconceito indireto, respostas automáticas,


orientação ambígua e orientação ambivalente. Eles chamam de preconceito indireto, por
exemplo, os comportamentos discriminatórios que são justificados apelando para as
características secundárias pelo grupo-alvo, como quando indivíduos evitam negros por
considerarem que eles costumam ser pobres. As chamadas respostas automáticas são atitudes
racistas que refletem uma reação emotiva, impelida por ansiedades e afecções inconscientes e
ligadas a imagens negativas da negritude bem rudimentares. O terceiro tipo é a orientação
ambígua, quando o foco da reação racista recai mais na autopreservação do agente
discriminador do que na aversão ao grupo do discriminado. Por fim, a orientação ambivalente
se refere ao tratamento diferenciado conferido aos membros de um mesmo grupo racial. Tal
orientação seria uma forma de escamotear a aversão a determinados membros de um grupo pela
empatia por outros membros.
Segundo Campos (2017), porém, um problema desse enquadramento é que ele promove
uma invisibilização do papel que estruturas sociais desiguais têm na extrapolação perceptiva
que caracteriza todo preconceito. Porém, ao enfatizar o papel dos atos discriminatórios na
reprodução do racismo pode se pensar em estratégias legais focadas na tipificação desses atos
e na prescrição de punições para eles, como veremos em capítulos sequentes.
A terceira e última dimensão citada pelo autor é a de “precedência por estruturas”. De
acordo com as teorias que possuem esse foco, as estruturas, sistemas e instituições enxergam
tais mecanismos, não apenas como incentivos potenciais de conflitos entre grupos raciais, mas
como os princípios causais que engendram o racismo em si (CAMPOS, 2017). Ou seja, mais
que ideologia e ações individuais, o racismo é fruto das estruturas sociais e de poder existentes.
Como corrobora Bonilla-Silva (1997, p. 469),

Ainda que processos de racialização estejam sempre incrustrados em outras


estruturações, eles adquirem autonomia e têm ‘efeitos pertinentes’ no sistema
social. Isso significa que o fenômeno que é codificado como racismo e é visto
como uma ideologia que paira sobre nós tem, a rigor, uma fundação estrutural.

O jurista, filósofo e professor brasileiro Silvio Luiz de Almeida em seu livro “Racismo
Estrutural” (2019) também classifica o racismo a partir de três concepções sendo elas a
individualista, institucional e estrutural, a partir dos seguintes critérios: relação entre racismo e
subjetividade; relação entre racismo e Estado; relação entre racismo e economia.
Na concepção individualista, o racismo
15

É concebido como uma espécie de “patologia” ou anormalidade. Seria um


fenômeno ético e psicológico de caráter individual ou coletivo, atribuído a
grupos isolados; ou, ainda, seria o racismo uma “irracionalidade” a ser
combatida no campo jurídico por meio da aplicação de sanções civis –
indenizações, por exemplo – ou penais. Por isso, a concepção individualista
pode não admitir a existência de “racismo”, mas somente de “preconceito”, a
fim de ressaltar a natureza patológica do fenômeno em detrimento de sua
natureza política. (ALMEIDA, 2019, p. 36)

Sob essa ótica não existiria sociedades ou instituições racistas, mas indivíduos ou grupos
isolados que teriam atitudes racistas. O racismo se manifesta principalmente de forma direta,
na forma de discriminação (ALMEIDA, 2019). O autor aponta as limitações dessa concepção,
especialmente no que tange a história e os efeitos concretos do racismo:

É uma concepção que insiste em flutuar sobre uma fraseologia moralista


inconsequente – “racismo é errado”, “somos todos humanos”, “como se pode
ser racista em pleno século XXI”, “tenho até amigos negros” etc. – e uma
obsessão pela legalidade. No fim das contas, quando se limita o olhar sobre o
racismo a aspectos comportamentais, deixa-se de considerar o fato de que as
maiores desgraças produzidas pelo racismo foram sob o abrigo da legalidade
e com o apoio moral de líderes políticos, líderes religiosos e dos considerados
“homens de bem” (ALMEIDA, 2019, p. 37)

A segunda concepção é a institucional, sob essa perspectiva o racismo não se resume a


comportamentos individuais, mas é tratado como resultado do funcionamento das instituições
que passam a atuar em uma dinâmica que confere, ainda que indiretamente, desvantagens e
privilégios com base na raça (ALMEIDA, 2019).
Stokeley Carmichael e Charles Hamilton (1969, p. 6), cunhadores da noção de “racismo
institucional”, o caracterizam da seguinte forma:
Quando terroristas brancos bombardeiam uma igreja negra e matam crianças
negras, esse é um ato de racismo individual, amplamente deplorado pela
maioria dos segmentos da sociedade. Mas quando na mesma cidade –
Birmingham, Alabama – 500 bebês negros morrem cada ano por falta de uma
alimentação adequada, vestimenta, dormitório e facilidades médicas
adequadas, e milhares além desses são destruídos ou fisicamente,
emocionalmente ou intelectualmente mutilados por causa das condições de
pobreza e discriminação na comunidade negra, isso se dá em função do
racismo institucional.

Miles e Brown (2004) solidificam o conceito de “racismo institucional” sob a forma de


qualquer ação, sistematicamente prejudicial a um grupo racial, seria racista independentemente
16

se tal reivindicação é ou não justificada por uma motivação refletida ou ideológica para a ação
(ou inação).
As primeiras discussões sobre a concepção institucional iniciaram a partir da luta pelos
direitos civis nos Estados Unidos e na África do Sul na década de 1960.

Reconheceu-se que as instituições, práticas e administrativas e estruturas


políticas podiam agir de maneira adversa racialmente discriminatória ou
excludente. [...] O racismo passou a ser identificado como uma situação que
poderia ocorrer independentemente da vontade das pessoas, e se reconheceu
que certas práticas, realizadas por instituições, não têm atitudes, mas podem
certamente discriminar, criar obstáculos e prejudicar os interesses de um
grupo por causa de sua raça, de sua cor (SANTOS, I., 2015, p. 23).

Desta forma, instituições da sociedade poderiam criar mecanismos e estratégias,


explícitas ou não, para dificultar a presença dos negros nesses espaços, causando efeitos
negativos a longo prazo para esses grupos, mesmo que tais consequências não tenham sido
previstas nem desejáveis pela instituição responsável (JONES, 1973).
Almeida (2019) retrata que a desigualdade racial é caracterizada não apenas por causa
da ação isolada de grupos ou de indivíduos racistas, mas sim através da presença de
determinados grupos raciais (brancos) no poder das instituições irá refletir em ações
institucionais para manter os seus interesses políticos e econômicos. Isso faz com que a cultura,
os padrões estéticos e as práticas de poder de um determinado grupo (branco) tornem-se
horizonte civilizatório do conjunto da sociedade.
Por exemplo, segundo Wieviorka (2007, p. 33) “há racismo institucional quando um
órgão, entidade, organização ou estrutura social cria um fato social hierárquico – estigma
visível, espaços sociais preservados -, mas não reconhece as implicações raciais do processo”.

Em sua terceira concepção, Almeida (2019, p. 46) destaca o aspecto estrutural do


racismo:
Se é possível falar de um racismo institucional, significa que a imposição de
regras e padrões racistas por parte da instituição é de alguma maneira
vinculada à ordem social que ela visa resguardar. Assim como a instituição
tem sua atuação condicionada a uma estrutura social previamente existente –
com todos os conflitos que lhe são inerentes -, o racismo que essa instituição
venha a expressar também parte dessa mesma estrutura.

Conforme Moore (2007) ressalta, o caráter estrutural é evidenciado a partir do momento


que o racismo está arraigado em todas as instâncias de funcionamento do mundo, tanto na
17

econômica como na política, na cultural e no militar. Santos, I. (2015, p. 50) destaca a


penetrabilidade do racismo nas estruturas políticas, econômicas e jurídicas:

O racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo


“normal” com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas
e até familiares, não sendo uma patologia social e nem um desarranjo
institucional. O racismo é estrutural. Comportamentos individuais e processos
institucionais são derivados de uma sociedade cujo o racismo é regra e não
exceção.

Instituições que não tratam de forma ativa o problema da desigualdade racial e nem
possui leis antirracistas em seus códigos de conduta internos estão sujeitos a reproduzir práticas
racistas tidas como “normais” em toda sociedade (ALMEIDA, 2019). De acordo com o autor,
tais situações se tornam uma “correia de transmissão de privilégios”:

É o que geralmente acontece nos governos, empresas e escolas em que não há


espaços ou mecanismos para tratar de conflitos raciais e sexuais. Nesse caso,
as relações do cotidiano no interior das instituições vão reproduzir as práticas
sociais corriqueiras, dentre as quais o racismo, na forma de violência explícita
ou de microagressões – piadas, silenciamento, isolamento etc. Enfim, sem
nada a fazer, toda instituição irá se tornar uma correia de transmissão de
privilégios e violências racistas e sexistas. (Almeida, 2019, p. 48)

As “microagressões” também estão contidas num outro conceito de estudo do tema:


Racismo recreativo. Moreira (2019, p. 148) o conceitua como um “projeto de dominação que
procura promover a reprodução das relações assimétricas de poder entre grupos raciais por meio
de uma política cultural baseada na utilização do humor como expressão e encobrimento de
hostilidade racial”. As microagressões são expressas por atos, mensagens, e representações que
demonstram desprezo pelas minorias raciais; podem ser observadas a partir de três tipos:
microassaltos, microinsultos e microinvalidações (MOREIRA, 2019).
O primeiro está relacionado com atitudes que expressam desprezo ou agressividade de
uma pessoa em relação a outra em função de seu pertencimento social; geralmente são
conscientes e propositais, sendo então expressão de estereótipos negativos em relação ao outro.
Os microinsultos são formas de comunicação que demonstram de maneira expressa ou
encoberta uma ausência cultural de uma pessoa ou um grupo de pessoas; podem não ser
propositais, mas revelam um sentimento de superioridade. As microinvalidações ocorrem
quando sujeitos deixam de atribuir relevância às experiências, aos pensamentos e aos interesses
de um membro específico de uma minoria (MOREIRA, 2019).
18

O racismo recreativo, que possui uma dimensão institucional, dispõe de premissas


especificas da cultura brasileira: ideia de cordialidade do nosso povo; busca gratificação
psicológica dos membros do grupo social dominante por meio da afirmação da suposta
inferioridade de minorias raciais; possui caráter estratégico, pois “possibilita a perpetuação da
falsa representação de relevância do racismo no nosso país ao classificar piadas racistas
derrogatórias sobre negros como atos que não expressam desprezo ou condescendência”
(Moreira, 2019, p. 151).
Além disso, se almeja preservar um sistema de representações culturais que legitima a
dominação branca por meio da desqualificação sistemática de minorias sociais; dificulta o
pertencimento entre os negros; opera como uma pedagogia da subordinação racial baseado nas
noções de inferiorização social e de antipatia social, o que resulta também em pessoas não-
brancas utilizarem o humor racista para degradar pessoas negras (MOREIRA, 2019).

2.2 Racismo no Brasil

No primeiro momento irei conceituar, caracterizar e trazer abordagens com diferentes


autores sobre a temática do racismo inseridas no contexto brasileiro. A princípio, vale salientar
que o preconceito racial é um espelho da sociedade como um todo e não se origina no aspecto
socioeconômico, como salienta Beatriz Nascimento (2006, p.101):

Preferem muitos “teóricos” repetir obviamente que a origem da discriminação


está no aspecto socioeconômico que caracteriza a sociedade brasileira.
Insistem em não ver o preconceito racial como reflexo de uma sociedade como
um todo, ou seja, em todos os seus níveis, pois a ideologia, onde repousa o
preconceito, não está dissociada do nível econômico, ou do jurídico-político.

Segundo Abdias Nascimento (1978) justificar a estratificação econômica dos afro-


brasileiros embasado na questão “puramente social e econômica” é um slogan de uma
racionalização essencialmente racista. A raça determina a posição social e econômica na
sociedade brasileira. De acordo com informativo do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatísticas (IBGE), "Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil”, no estrato dos 10%
com maior rendimento per capita, os brancos representavam 70,6%, enquanto os negros eram
27,7%. Entre os 10% de menor rendimento, isso se inverte: 75,2% são negros, e 23,7%, brancos.
(IBGE, 2019)
19

Além de não se originar apenas no aspecto socioeconômico, o racismo permite que os


grupos majoritários desfrutem de privilégios:
De início, descartamos a ideia de que o racismo possa não resultar em
benefícios explícitos para as populações fenotípicas (raças) e,
consequentemente, para os indivíduos integrados nelas ou que se encontram
social, econômica e culturalmente abrigados e protegidos por ela. Pois, em
nenhum momento, se deve esquecer que, desde o que conhecemos do seu
início, o racismo surgiu e se desenvolveu em torno da luta pela posse e a
preservação monopolista dos recursos vitais da sociedade. (MOORE, 2007, p.
282)

No Brasil, o racismo corresponde a uma forma específica de ódio que se dirige a um


grupo específico de pessoas identificadas a partir de seu fenótipo (MOORE, 2007). A
tonalidade da pele, associada a diversas características como o tipo de cabelo, a forma do nariz,
a cor dos olhos, por exemplo, compõe um complexo de unidades diferenciais relativas a
diferentes formas e intensidades de discriminação que os indivíduos estão sujeitos. De tal forma
que, quantos mais traços negroides a pessoa tenha consigo, mais recursos vitais – como acesso
à educação, serviços públicos e sociais, ao poder político, ao capital financeiro, às
oportunidades de emprego – lhe serão dificultados, ou até negados (JUNIOR, 2008).
Existem algumas modalidades que caracterizam o racismo brasileiro. Dentre elas vale
mencionar a animalização e o tratamento como bicho as pessoas negras, a crença na
superioridade que os brancos são melhores em qualquer coisa que se proponham a fazer, os
preconceitos negativos se relacionam com a ideia que a sociedade brasileira não é racista,
respingando ainda no fato até de enxergar os negros como não-brasileiros (SANTOS, J., 1984).
E a evidência em deslegitimar as demandas por igualdade e equidade racial, muitas das vezes,
recaem num discurso baseado na ideia do racismo reverso. Almeida (2019) ressalta que esse
racismo supostamente das minorias dirigido às maiorias é absolutamente sem sentido.

Há um grande equívoco nessa ideia porque membros de grupos raciais


minoritários podem até ser preconceituosos ou praticar discriminação, mas
não podem impor desvantagens sociais a membros de outros grupos
majoritários, seja direta, seja indiretamente. Homens brancos não perdem
vagas de emprego pelo fato de serem brancos, pessoas brancas não são
suspeitas de atos criminosos por sua condição racial, tampouco têm sua
inteligência ou capacidade profissional questionada devido à sua cor da pele.
(ALMEIDA, 2019, p. 53)
20

Segundo Nascimento (2006, p. 99) “Ser negro (no Brasil) é enfrentar uma história de
quase quinhentos anos de resistência à dor, ao sofrimento físico e moral, à sensação de não
existir, a prática de ainda não pertencer a uma sociedade na qual consagrou tudo o que possuía,
oferecendo ainda hoje o resto de si mesmo”.
Em consonância com isso, Moore (2008, p.284) frisa que “O racismo veda o acesso a
tudo isso, limitando para alguns, segundo seu fenótipo, as vantagens e benefícios e liberdades
que a sociedade outorga livremente a outros, também em função de seu fenótipo”.
Diferentemente do racismo segregacionista explícito de países como Estados Unidos e África
do Sul, o racismo brasileiro possui nuances e características próprias da nossa formação racial
enquanto sociedade. O racismo com jeitinho brasileiro se apresenta, muitas vezes, de forma
educada e polida, ao ponto de se questionar o porquê de a pessoa negra ter ficado irritada com
um comentário de cunho racial pejorativo, o chamado “Racismo à Brasileira” (DAMATTA,
1981; TELLES, 2003; SCHWARCZ, 2001)
Segundo Santos, J. (1984, p.41) “Nosso preconceito racial, zelosamente guardado, vem
à tona, quase sempre, num momento de competição. (o futebol é um caso mais que típico de
‘momento de competição’)”. Quando o time perde se procura um culpado para justificar a
derrota, e esse culpado normalmente tem cor.
Conforme Júnior (2008) explica, a discriminação racial como uma norma jurídica ou
social explícita, como nos casos de segregação racial praticada nos Estados Unidos até os anos
1960 ou na África do Sul durante o Apartheid (1948-1994), são algumas manifestações da
discriminação racial, mas não as únicas. Como supracitado anteriormente a nossa discriminação
racial é aparentemente branda, às vistas da expressão racista ostensiva dos países citados, mas
não menos efetiva. O estereótipo racial e o estigma racial que o negro brasileiro transporta
consigo acaba segregando-o em outro nível.
No primeiro momento, há uma série de expectativas socialmente esperadas de como o
corpo negro deve ser e agir em sociedade. Por exemplo, é comumente aceito e esperado que
uma pessoa negra no Brasil seja naturalmente sambista ou jogador de futebol: “Em nosso país
os brancos sempre esperam que as minorias raciais cumpram corretamente os papéis que lhe
passaram – no caso do negro, os mais comuns são artista e jogador de futebol. Se fracassam,
lhe jogam na cara a suposta razão do fracasso: a cor da pele”. (SANTOS, J., 1984, p. 41)
O segundo é uma forma de estereótipo menos flexível, a do “negro bem-sucedido” ou o
negro que transpõe os limites do estereótipo que vive uma situação ambígua e ambivalente. Ele
é sempre colocado em constante dúvida por conta da cor da sua pele (“mas eles são negros”),
21

fator aliado a um ostracismo social na qual a transgressão do estereótipo é sancionada pela


exclusão do não-branco (“ele nunca será um de nós”). (SANTOS, J., 1984)
O racismo muitas vezes velado visto no Brasil resulta em uma sociedade que não se
assume enquanto racista, mesmo desfrutando dos benefícios de se viver nela. Como ratifica
Júnior (2008, p. 29):

No Brasil, ninguém aparece como racista declarado, e, todos parecem reprovar


o racismo e o racista. Todos se declaram simpatizantes, amigos ou parentes de
pessoas negras, ou, até mesmo, assumem-se como pessoas negras, porém isso
não parece impedir a exclusão cultural, política e econômica dos
afrodescendentes.

Segundo Abdias Nascimento (1978), a realidade de muitos afro-brasileiros o coloca na


posição de suportar uma discriminação, onde mesmo sendo a maior parte da população (56,10%
da população se autodeclara negra), pretos e pardos no Brasil existem como minoria econômica,
cultural e nos negócios políticos. Segundo o IBGE, o rendimento médio domiciliar per capita
de pretos e pardos era de R$ 934 em 2018. No mesmo ano, os brancos ganhavam, em média,
R$ 1.846 – quase o dobro. Em 2018, 3,9% da população branca era analfabeta, percentual que
se eleva para 9,1% entre negros, valor mais que o dobro em relação ao primeiro (IBGE, 2019).
Quanto ao ensino superior, segundo a PNAD Contínua de 2017, a porcentagem de
brancos com 25 anos ou mais que possuíam ensino superior completo era de 22,9%. É mais que
o dobro da porcentagem de negros com diploma: 9,3%. (IBGE, 2018)
No aspecto da violência o número de pessoas vítimas de homicídios se inverte
totalmente. O Atlas da Violência 2019, constatou a continuidade do processo de
aprofundamento da desigualdade racial nos indicadores de violência letal no Brasil, como já
apontado em outras edições. Em 2017, 75,5% das vítimas de homicídios foram indivíduos
negros, sendo que a taxa de homicídios por 100 mil para os negros foi de 43,1, ao passo que a
taxa de não negros foi de 16,0 (VIOLÊNCIA, 2019).
Diante dos dados que mostram diferenciação significativa de acesso à renda e educação
e a porcentagem de assassinatos aos corpos negros no Brasil ser muito superior ao de brancos,
caracteriza-se um racismo institucionalizado e estrutural (ALMEIDA, 2019).
Para Lopes (2005), a escolha desigual, por parte das autoridades competentes, das áreas
habitadas primordialmente por brancos e negros para fins de investimentos em serviços
públicos (escola, hospital, coleta de lixo, água potável); a postura leniente diante das práticas
racialmente preconceituosas e discriminatórias no interior das agências públicas fornecedoras
22

desses serviços; como também a ação seletiva do aparato judicial e policial junto aos
afrodescendentes, seja pela via passiva, através da oferta mais precária dos serviços de
segurança pública, ou ativa mediante a ação racialmente seletiva da ação judiciária, carcerária
e policial, com especiais drásticos efeitos sobre a população negra (LOPES, 2005), são também
formas de se visualizar em nosso país o racismo institucional e estrutural, quando se verifica a
ausência dos negros e negras nos espaços da vida social de maior prestígio social ou que
permitam acessos mais favoráveis aos mecanismos de empoderamento econômico ou político.
Diante deste cenário de desigualdade, falta de oportunidade e da esmagadora maioria de
pessoas mortas no Brasil possuírem a mesma cor, o mito de que a população brasileira vive
democracia racial é invalidado e incipiente. Amplamente difundida no século XX por autores
como Gilberto Freyre, o mito da democracia racial brasileira foi uma ferramenta que a elite e
intelectuais brancos se utilizaram como forma de controle social (SANTOS, J., 1984).
Para Júnior (2008, p. 59), “o Mito da Democracia Racial é constituído por uma forma
dramática que sintetiza o processo de formação de uma vontade coletiva como ‘povo’ ou
‘nação’ brasileira, fantasia concreta que atua sobre uma multiplicidade heterogênea,
segmentada e estratificada”. Segundo o autor, através do “mito das três raças” (branca, indígena
e negra), o resultado é uma sociedade hegemônica, que transcende qualquer classe ou grupo
social, desta forma sem a necessidade de se discutir o racismo:
Através do “mito das três raças”, o novo bloco dominante torna-se
hegemônico, alcançando a capacidade prática e imaginária de transcender, o
horizonte de uma determinada classe ou grupo social interpelando, assim, uma
vontade coletiva nacional-popular, como protagonista de um efetivo drama-
histórico: o povo brasileiro, fruto de miscigenação, do sincretismo, da mistura
cultural. (JÚNIOR, 2008, p. 59)

Também é um dos objetivos não expressos dessa ideologia, conforme Nascimento


(1978, p. 7) evidencia é “negar ao negro a possibilidade de autodefinição, subtraindo-lhe os
meios de identificação racial. Embora na realidade social o negro seja discriminado exatamente
por causa de sua raça e cor”.
Ao contrário de outrora, atualmente na legislação brasileira existe leis antirracistas para
punir ações diretas que tenham esse caráter. Entretanto, “a brincadeira ‘de mau gosto’, o insulto
que no fundo não tinha ‘intenção racista’, o mero desentendimento, a música que pretendia
apenas fazer uma sátira, todos esses elementos que compõem o tipo de manifestação racista
plenamente vigente no Brasil não são reconhecidos pelo Judiciário como racismo”
(MACHADO; LIMA; NERIS, 2016).
23

2.3 Legislação antirracista

A Constituição de 1988 coincidiu com as comemorações do centenário da Abolição da


Escravidão. Isto permitiu que o movimento negro se utilizasse da mobilização da celebração do
centenário. Esta Constituição é considerada um marco jurídico do período de transição política,
já que tinha uma ênfase nos Direitos Humanos (SANTOS, I., 2015).

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu que a cidadania e a dignidade da


pessoa humana são princípios estruturantes do Estado democrático de direito
(art. 1º, incisos II e III da CF) e que um dos objetivos fundamentais do país é
a promoção do bem de todos “sem preconceito de origem, raça, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, inciso IV, e o artigo 4º
incisos II e VII da CF).

De acordo com o art. 5º, inciso XLII, da Constituição Federal de 1988 “a prática do
racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão nos termos da
lei” (BRASIL, 1988, p. 2)
Para Santos (2015) trata-se de uma medida efetiva de combate às práticas de exclusão,
tanto em nível legal, quanto institucional, uma conquista resultante da mobilização do
movimento negro, no ano do centenário da Abolição, que centralizou suas reivindicações para
que as práticas discriminatórias saíssem da condição de contravenção penal e fossem
classificadas como crime.
A legislação anterior, a Lei Afonso Arinos, era qualificada pelo ministro
presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, como “lei de
contravenção penal topográfica”, ou seja, se o racismo se manifestasse em
determinada conduta se caracterizava como ilícito. Era topográfica porque só
eram ilícitas se se realizassem em determinado espaço: hospedagem, em
elevador, clubes, bares, etc. Enfim, criminalização ou tipificação de ilícitos
penais contravencionais por localização de espaços – não pela conduta em si.
(SANTOS, 2015, p.61)

O deputado Carlos Alberto de Oliveira (conhecido como Caó), apresentou o projeto de


Lei nº 668 de 1998 e ainda no mesmo ano conseguiu a aprovação, se transformando na Lei nº
7.716, que foi sancionada e publicada em 1989. Com a Lei Caó, o racismo deixa de ser
contravenção e passava a ser crime. A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989 define os crimes
resultantes de preconceito de raça ou de cor.

Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou


preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
24

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia,
religião ou procedência nacional.
Pena: reclusão de um a três anos e multa (BRASIL, 1989, p. 1)

Nos artigos 3º a 14, os comportamentos criminalizados são definidos pelos verbos


utilizados na redação da Lei, todos referentes à exclusão ou segregação, tais como “impedir”,
“obstar”, “negar”, “recusar”, seja o acesso a serviços públicos ou a residências, seja o
atendimento em estabelecimentos, seja o convívio familiar e social (BRASIL, 1989).
Na década de 1990 surgem alterações e aumenta-se a penalização do preconceito para
incluir a precedência nacional. A Lei nº 9.459/1997 incluiu novos tipos penais, visando
principalmente a combater os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor,
etnia, religião ou procedência nacional.

Art. 1º Os arts. 1º e 20 da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passam a vigorar com


a seguinte redação:
Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou
preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. [..]
Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia,
religião ou procedência nacional.
Pena: reclusão de um a três anos e multa. (BRASIL, 1997, p. 1)

Vale destacar que nessa Lei não há uma definição ou diferenciação do que seriam
discriminação e preconceito (JUNIOR, 2008). Quanto ao crime de injúria, a nova Lei acrescenta
um parágrafo ao artigo 140 do Código Penal, prescrevendo pena de reclusão de um a três anos
e multa “se a injúria consiste na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou
por procedência nacional” (BRASIL, 1997, p. 1).

2.3.1 O artigo 140 do Código Penal: a questão da injúria

Numa diferenciação prática, de acordo com a legislação brasileira, injúria racial consiste
em ofender a honra de alguém se valendo de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou
origem. Já o crime de racismo atinge uma coletividade indeterminada de indivíduos,
discriminando toda a integralidade de uma raça. Ao contrário da injúria racial, o crime de
racismo é inafiançável e imprescritível. (BRASIL, 1997).
25

Por parte do Poder Judiciário, Ministério Público e delegados estabeleceu-se um padrão


normativo em relação à maioria de casos de situações de práticas de racismo que tenderá a ser
desclassificado de racismo para injúria. Em diversas pesquisas já mencionadas e em
depoimentos de militantes do movimento negro envolvidos em serviços de assistência jurídica,
é recorrente a afirmação de que a tendência é desqualificar determinadas atitudes como não
sendo crime de racismo tipificado na lei antidiscriminatória, transformando-as em injúria.
(SANTOS, I., 2015)
A Lei nº 9. 459, de 13 de maio de 1997, incorpora no Código Penal uma nova
modalidade de injúria (art.140,§ 3º), com a seguinte redação: “Se a injúria consiste na utilização
de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora
de deficiência: Pena - reclusão de um a três anos e multa” (BRASIL, 1997, p. 1)
As ofensas subjetivas a outra pessoa com base em elementos preconceituosos e
estereotipados são classificados como um delito de injúria qualificada e não caracteriza o crime
de racismo. Embora ao se examinar as situações demonstre-se que é racismo de forma direta
ou indireta, este não é classificado como tal. (SANTOS, I., 2015)
No dia 29 de setembro de 2009, foi promulgada a Lei n. 12.033 que alterou o parágrafo
único do art. 145 do Código Penal que recebeu a atual redação:

Art. 1º Esta Lei torna pública condicionada a ação penal em razão de injúria
consistente na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou
a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Parágrafo único. Procede-se
mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso do inciso I do caput do art. 141
deste Código, e mediante representação do ofendido, no caso do inciso II do mesmo
artigo, bem como no caso do § 3º do art. 140 deste Código. (BRASIL, 2009, [s.p.])

Assim, após a referida modificação, o crime de injúria preconceituosa passou a ser de


ação penal pública condicionada a representação. Segue abaixo um quadro que traz as principais
características da Lei de Racismo e de Injúria Racial no Brasil.
26

Tabela 1: Diferenças entre injúria racial e racismo

CARACTERÍSTICAS INJÚRIA RACIAL RACISMO


BEM JURÍDICO Honra subjetiva Dignidade humana/coletiva
Raça, cor, etnia, religião, Raça, cor, etnia, religião ou
PRECONCEITO origem ou a condição de procedência nacional
pessoa idosa ou
portadora de deficiência
PREVISÃO LEGAL Art. 140, § 3º CP Lei nº 7.716/89

AÇÃO PENAL Pública condicionada à Pública incondicionada


representação
FIANÇA Cabe fiança Inafiançável
PRESCRIÇÃO Prescreve (art. 109 CP) Imprescritível
VÍTIMAS Número determinado de Número indeterminado de
vítimas vítimas
Fonte: Autoria própria

Carneiro (2000) vai classificar alguns fatores que conduzem a situação do


enquadramento de casos de racismo em injúria racial: o tratamento da discriminação no Brasil
como assunto irrelevante ou de menor valor; inadequação da tipificação do crime de racismo
pelo Código Penal; a desqualificação do crime de racismo como injuria ou difamação como
estratégia para invisibilizá-lo; a escassa jurisprudência em casos de discriminação racial no
Brasil etc.
Em 20 de julho de 2010, uma lei especial do Brasil era promulgada voltada para a
população negra brasileira, a Lei nº 12.288 institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a
garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos
étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de
intolerância étnica.
Em seu artigo 1º, o Estatuto vai considerar:

I - discriminação racial ou étnico-racial: toda distinção, exclusão, restrição ou


preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que
tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em
igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos
político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou
privada;
II - desigualdade racial: toda situação injustificada de diferenciação de acesso e
fruição de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e privada, em virtude
de raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica;
III - desigualdade de gênero e raça: assimetria existente no âmbito da sociedade que
acentua a distância social entre mulheres negras e os demais segmentos sociais;
27

IV - população negra: o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas,


conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição análoga; (BRASIL, 2010, [s.p.])
28

3 RACISMO EM CAMPO: AS REGRAS DO JOGO

Entender de que forma se deu as relações raciais assim que a bola de futebol começou
a rolar pela primeira vez no Brasil é importante tanto para contextualizar as noções de poder e
de raça que eram colocadas na época, e que podem ser vistas até hoje, tanto para refletir sobre
os preconceitos e estereótipos que a população negra enfrenta dentro dessa modalidade. Cabe
também o diálogo de como as entidades esportivas lidam e punem casos de racismo no futebol.
Neste capítulo explico com mais profundidade sobre o Observatório da Discriminação Racial
no Futebol e de maneira pincelada sobre as relações raciais estruturais que afetam o futebol.

3.1 Racismo no futebol brasileiro

Como mencionado anteriormente, os brancos sempre esperam que os negros cumpram


dois papéis pré-determinados na nossa sociedade: ser artista (músico, sambista) e jogador de
futebol (SANTOS, 1984). E o futebol, como sendo um espaço de competição, é o local que,
“zelosamente guardado”, vem à tona quase sempre às expressões de nosso preconceito racial
(idem). Desde sua inserção no cenário brasileiro, num contexto de proibição da prática do
esporte a partir de recortes sociais/raciais, até situações de um racismo institucional maquiado,
neste tópico farei um breve aparato histórico da relação do negro com o futebol no Brasil e da
atual situação de negros dentro do esporte mais popular do país.
O futebol chega em terras brasileiras apenas seis anos depois do fim da escravatura do
Brasil. Em 1894, Charles Muller e Oscar Cox traziam debaixo do braço a bola e as regras de
um esporte que tinha sido criado anos antes na Grã-Bretanha. Em um contexto de uma recente
abolição da escravidão no país, a prática do esporte acabou refletindo as questões raciais e
sociais que se apresentavam na época para os grupos racializados (HELAL e GORDON JR,
2007).
Uma longa e profunda herança colonialista e escravista pesava ainda nas estruturas
sociais e nas instituições, e o futebol absorveu, direta e indiretamente, essas influências. Por
isso foi no solo brasileiro, durante os primeiros anos de sua existência, uma prática elitista,
racista e excludente, reproduzindo constantes estruturais de nossa formação, como a exclusão
de pessoas negras. O racismo foi um dos traços mais marcantes na conjuntura inicial do futebol
brasileiro. Um racismo acoplado a um elitismo social e cultural flagrantes na concentração de
rendas, de poder e de oportunidades. (HELAL e GORDON JR, 2007)
29

De acordo com Carvalho (2018), nos primeiros anos, a formação dos times se deu
basicamente por orientação racial. Os clubes que não declararam abertamente em seus estatutos
que apenas brancos podiam praticar o esporte tornavam isso explícito a partir do momento que
se colocava altos preços nas mensalidades. Desta forma, os negros recém-saídos da escravidão
e que se encontravam em situação financeira muito abaixo dos brancos se viam incapazes de
atuar no futebol.
Não há um consenso sobre uma data e um time específico que um jogador negro tenha
praticado o futebol pela primeira vez no Brasil. Um dos clubes pioneiros em possuir negros em
seu plantel de jogadores foi a Ponte Preta, time do interior de São Paulo. Desde sua fundação,
em 11 de agosto de 1900, o clube já possuía jogadores negros em seu quadro de atletas. O
Bangu Atlético Clube, time da periferia do Rio de Janeiro, também se destacou nesse cenário
ao escalar o atleta negro Francisco Carregal em 1905, sendo um dos primeiros clubes a fazer
isso (CARVALHO, 2018).
Porém, a inserção de jogadores negros não foi vista com bons olhos pelas ligas
desportivas que organizavam as competições na época. Existia uma exclusão racial
regulamentada nos campeonatos. Em 1907, por exemplo, a Liga Metropolitana de Football
(equivalente à atual FERJ) publicou uma nota proibindo o registro de “pessoas de cor” como
atletas amadores de futebol. Isso resultou no abandono do Bangu à Liga e na disputa do
Campeonato Carioca, que possuía em seu plantel um número considerável de jogadores negros
que também eram operários. O time da Zona Oeste do Rio de Janeiro também foi importante
na inserção da torcida negra e pobre em seu estádio sem a separação por cor e classe social.
Como Carvalho (2018, [s.p.]) destaca:

Outra conquista foi a quebra do preconceito entre os torcedores, já que na


maioria dos campos os pobres assistiam às partidas em locais separados, que
se chamaria geral, e não nas arquibancadas. O Bangu permitiu que todos
acompanhassem juntos as partidas, sem distinção de classe ou cor de pele.

Posteriormente, em 1921, o então presidente da República Epitácio Pessoa se reuniu


com diretores da Confederação Brasileira de Desportos (CBD) para solicitar que apenas
jogadores de “pele mais clara” e “cabelos lisos” fossem convocados para o Sul-americano do
mesmo ano. Uma clara demonstração de como a elite administrativa do futebol tentava expulsar
negros da prática do esporte e manter uma visão mais embranquecida possível de seu povo para
o exterior.
30

Além do Bangu, outro clube do Rio de Janeiro que foi muito importante na inclusão de
negros no futebol brasileiro foi o Vasco da Gama. Em 1904, o time já tinha elegido um
presidente negro, Cândido José de Araújo, que foi fundamental na história em adotar atitudes
que contribuíssem para a inserção de atletas negros e demais jogadores que não pertencessem
a elite. Depois de subir para a primeira divisão, em 1923, o Vasco conquistou o título do
Campeonato Carioca com um quadro de jogadores repleto de atletas negros, um feito histórico
para época, o que foi um choque para sociedade classe média-alta branca carioca. (SOARES,
2007).
Como Carvalho (2018) cita, o fim dos primeiros anos do século XX ainda se dividia
entre o amadorismo e o profissionalismo, entre o futebol com caráter elitista e o popular, entre
a supremacia dos jogadores brancos e a introdução dos negros.

Mesmo diante do contexto hostil de ser negro num país que recém tinha abolido o
sistema escravocrata e diante de uma sociedade, no início do século XX, explicitamente
racializada, o primeiro grande jogador amador do país foi ironicamente um negro. Arthur
Friedenreich era filho de alemão com uma brasileira negra e despontou como o maior jogador
do futebol brasileiro na época. O jogador, entretanto, precisava se apresentar de forma mais
branca possível. Ele alisava seu cabelo crespo para se tornar mais palatável e que assim não
sofresse nenhum tipo de retaliação por parte das diretorias e das torcidas.

Autor do gol que daria o primeiro título à Seleção Brasileira, o Sul-Americano


de 1919, Friedenreich era mulato e tinha olhos verdes. antes de entrar em
campo, o atacante esticava o cabelo rente ao couro cabeludo para parecer
‘mais branco’” (CARVALHO, 2018, [s.p.]).

Um segundo exemplo de jogador negro que precisou renegar seus traços fenótipos (e
nesse caso a própria cor) para conseguir praticar o esporte neste contexto foi Carlos Alberto,
atleta do Fluminense. No clube de elite da zona sul do Rio de Janeiro, o jogador entrava em
campo coberto de pó de arroz no rosto para transparecer ser o mais branco possível. Porém,
com o andamento da partida e o suor produzido pelo corpo, o pó de arroz escorria por seu rosto.
Isso rendeu o apelido que o perseguiu durante sua carreira “pó-de-arroz” (CARVALHO, 2018).
Neste contexto, todo mundo queria de alguma forma “embranquecer” para atender a um
ideal da branquitude, seja do ponto de vista físico, seja moral. Um fenômeno comumente visto
neste período era de negar à negritude (HELAL e GORDON JR, 2007).
Numa sociedade em que o racismo estava explicitamente institucionalizado, como a
presença dos negros não era vista com bons olhos na modalidade, os atletas começaram a se
31

articular e montar suas próprias ligas, onde não houvesse o fator cor como impedimento para a
prática do futebol. Devido o estatuto das Ligas oficiais vetar atletas amadores “de cor” surgiram
em resposta a isso as Ligas Negras, como a Liga Suburbana de Futebol, criada em 1907, assim
como, a Liga Nacional de FootBall Porto Alegrense (pejorativamente conhecida como Liga da
Canela Preta), no Rio Grande do Sul e a Liga Brasileira de Desportos Terrestres
(pejorativamente chamada de Liga dos Pretinhos), na Bahia; entre outras tantas espalhadas pelo
Brasil. Eram que serviam de resistência e luta no enfrentamento a discriminação racial
(CARVALHO, 2018).
Como é mostrado na série documental o “Negro no futebol brasileiro” (HBO, 2018)
inspirada no clássico livro homônimo de Mário Filho (1964), longe dos campos de elite e
reprimidos ao campo de várzea e pelado, os atletas negros construíram seu próprio estilo e modo
de jogar o futebol. A ginga, o drible e a movimentação com muita habilidade foram recursos
aperfeiçoados pela falta de espaço nesses gramados periféricos. Muitas dessas técnicas e
habilidades também são oriundas das raízes africanas, advindas da capoeira e de outras
manifestações corporais trazidas com os negros escravizados para o Brasil. Com a habilidade
na prática do futebol, não demorou muito para que as Ligas entendessem que a proibição de
escalar atletas negros era uma perda de competitividade e com a iminente profissionalização do
esporte no Brasil, os técnicos e cartolas se abriram de vez para a excelência negra.
Porém, antes da profissionalização, as regras não permitiam que os jogadores fossem
remunerados, e vivendo em condições de baixa rentabilidade, os negros precisavam trabalhar e
não tinham tempo para ter o futebol como hobby. O aparecimento do ‘operário-jogador’
proporcionou aos operários a possibilidade de o esporte ser uma segunda fonte de renda, além
de uma relativa mobilidade social dentro da fábrica. A prática começou então a ser vista como
possibilidade de ascensão social (CARVALHO, 2018).
É com a remuneração pela prática da modalidade que o futebol inicia sua história como
ferramenta de ascensão social pelos negros no Brasil (CARVALHO, 2018).

Com efeito, as mudanças nas condições de exercício do futebol após o


profissionalismo beneficiaram imediatamente os setores econômica e
socialmente desfavorecidos, na medida em que ao mesmo tempo permitiram
maior igualdade de acesso aos meios necessários ao bom desempenho
esportivo, e funcionaram como porta de ingresso a economia formal. (HELAL
e GORDON JR, 2007, p. 65)
32

A defesa do amadorismo em detrimento de uma eminente profissionalização do futebol,


era declarada ou implicitamente uma defesa a um futebol não-negro, que se fechava às classes
populares e se tornava restrito às elites urbanas (HELAL e GORDON JR, 2007). De acordo
com os autores,

O fato de que eventualmente, alguns jogadores penetrassem nesse “espaço


defendido” não invalida o quadro geral de fechamento. Sem o
profissionalismo não haveria meios pelos quais os extratos socioeconômicos
inferiores pudessem fornecer sistematicamente jogadores de futebol com o
devido preparo atlético para competir em torneios oficiais, organizados pelas
ligas. (HELAL E GORDON JR, 2007, p. 65)

A partir desse momento surgiram grandes jogadores negros da história do Brasil. O


primeiro deles foi Leônidas da Silva, um dos principais atacantes brasileiros da primeira metade
do século XX. Como Carvalho (2018 [s.p.]) pontua:

Leônidas da Silva levou o pagamento do bicho a uma outra dimensão.


Leônidas é quem se pode chamar de primeiro garoto-propaganda do futebol
brasileiro. Além do chocolate “Diamante Negro”, vendido até hoje, ganhou
dinheiro anunciando diversos tipos de produto.

Passado este momento, o esporte começou a se popularizar e a se massificar no Brasil,


principalmente entre as camadas mais baixas. A era Vargas, com suas políticas nacionalistas e
integralistas, contribuíram para a distribuição do esporte no país. A Rádio Nacional, durante a
década de 30, como é mostrado na minissérie “O negro no futebol brasileiro” (2018) – uma
coprodução da HBO Latin America com a Filmes do Equador e dirigida por Gustavo Acioli –
teve o papel de disseminar o esporte e criar ídolos e enredos de heróis no imaginário dos seus
ouvintes. Pelé, Garrincha, Dadá Maravilha e Adílio foram alguns dos grandes jogadores negros
que se destacaram. Além de sobrepujarem o racismo nas condições de homens negros no Brasil,
se consolidaram como nomes importantes da história da seleção brasileira e do futebol – tendo
Pelé como o maior expoente, coroado como o rei do futebol. Toda essa aclamação e
reconhecimento ajudou a firmar uma autoestima negra no Brasil.
33

3.2 Significado de macaco no futebol

O racismo se manifesta das mais diversas formas no cotidiano brasileiro. A


discriminação se revela desde a infância nos mais diversos contextos: na supervalorização da
branquitude e uma suposta inferioridade que é relegada aos negros (FERÉ, 2019). O estudo
lançado pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol (2019) tinha como proposta
saber das pessoas que frequentam os estádios brasileiros: que palavras essas julgavam ter
conotação racista e quais eram mais repetidas durante uma partida de futebol.
Nas respostas, os entrevistados designaram a si mesmos como negro (preto, preto de
pele clara), pardo ou branco (caucasiano). Os percentuais alcançados nas respostas às questões
postas foram de 70% de negras(os), 19% de brancas(os) e de 9% pardas(os), todos brasileiros,
com idades variando entre 15 e 60 anos, originários de vários estados do país.
A palavra que aparece de forma unânime como forma de discriminar os jogadores, é
“macaco”; além desta, as palavras que apresentaram o maior número de ocorrências foram
“macacada” e “tição”, seguidas da expressão “nêgo burro”.
De acordo com a jornalista, escritora e professora na área da Análise do Discurso, Liz
Feré (2019) nesse campo semântico, o emprego dos termos macaco e macacada ou nêgo burro
condicionam as pessoas negras a um estado semelhante ao de espécies primitivas, subumanas.
Ressalte-se que as opiniões emitidas pelos indivíduos são sociais e não se dirigem somente a
um interlocutor direto. Deste modo, as narrativas evidenciam, sobretudo, a influência, enraizada
e sorrateira, das teorias racistas na linguagem.
De tal modo que, reduzir o negro a animalização traduz a resistência, consciente ou não,
de muitos brancos para considerar o negro como seu igual. Tanto isso é verdadeiro que, durante
uma partida de futebol, a palavra macaco não apenas é a mais proferida como insulto, mas
também o gesto mais comum é o de jogar bananas, ou cascas da fruta, no campo (FERÉ, 2019).
Os relatos traduzem o racismo materializado na linguagem e constitutivo da cultura
brasileira. De acordo com Feré (2019) a grande maioria dos brancos no Brasil, como em vários
países do mundo e sobretudo os descendentes de europeus, veem-se como normais. E tal como
essa normalidade foi construída, ela implica, de acordo com Michel Foucault (apud Feré, 2019),
uma relação de poder. Esse poder controla, classifica e impõe como diretriz o que é correto ou
não e em que momento, além de punir toda(o) aquela(e) a quem essa norma não se aplica.
Segundo ela, essas expressões com sentido similar, sua forma primitiva de linguagem
faz referência direta a termos originários do período da escravidão, tais como “volta para a
senzala”, mas também à desvalorização étnico-social e à sujeira, “como tinha de ser
34

negro/preto, nêgo fedido/sujo”, ou ainda, remetendo a uma responsabilização dos jogadores


negros por uma possível derrota, seja qual for a equipe e a que estado brasileiro ela pertença,
como por exemplo, “se a gente perder, você tá f..., preto filho da p....” (FERÉ, 2019).
As justificativas para o uso destes termos discriminatórios, como foram relatadas pelos
entrevistados, e a liberdade que os torcedores sentem durante a partida, nada mais são do que a
exteriorização de um preconceito bem internalizado no inconsciente individual e coletivo, o
qual é muitas vezes velado na vida cotidiana (FERÉ, 2019).

3.3 Fifa, Conmebol e CBF

Em 2005, O Juventude foi o primeiro clube brasileiro punido por racismo no futebol. O
time de Caxias do Sul (RS), por conta de atos racistas de sua torcida que imitava um macaco
todas as vezes que Tinga, volante do Internacional, tocava na bola, foi julgado pelo Superior
Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), que em decisão unânime, puniu o time com R$ 200 mil
e tirou o mando de campo de duas partidas da equipe.
A Confederação Brasileira de Justiça Desportiva (CBJD), diferentemente da legislação
criminal brasileira, não diferencia os tipos de injúria racial (art. 140, § 3º do Código Penal) e
racismo (Lei n. 7.716/1989), optando pelo único dispositivo referente à prática de ato
discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, conforme dispõe o Art. 243-G do referido diploma
legal: “Praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em
razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de
deficiência” (BRASIL, 2009).
O Direito Desportivo é um ramo do Direito que trata das relações jurídicas existentes
nas atividades desportivas. No Brasil, a Justiça Desportiva atua na área administrativa e não
pertence ao Poder Judiciário brasileiro. É uma instituição de direito privado dotada de interesse
público, tendo como atribuição dirimir as questões de natureza desportiva definidas no Código
Brasileiro de Justiça Desportiva, formada por um conjunto de instâncias autônomas e
independentes das entidades de administração do esporte. A sua existência está prevista no
artigo 217 da Constituição Federal. Seu funcionamento é similar ao dos órgãos do judiciário
brasileiro, que julga casos de acordo com denúncias realizadas por procuradores, tal qual fazem
os promotores públicos.
A pena por praticar um ato discriminatório no futebol brasileiro, de acordo com o STJD
é suspensão de cinco a dez partidas, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador,
35

médico ou membro da comissão técnica, e suspensão pelo prazo de cento e vinte a trezentos e
sessenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código, além de
multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais).

1º Caso a infração prevista neste artigo seja praticada simultaneamente por


considerável número de pessoas vinculadas a uma mesma entidade de prática
desportiva, esta também será punida com a perda do número de pontos
atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente
do resultado da partida, prova ou equivalente, e, na reincidência, com a perda
do dobro do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da
competição, independentemente do resultado da partida, prova ou
equivalente; caso não haja atribuição de pontos pelo regulamento da
competição, a entidade de prática desportiva será excluída da competição,
torneio ou equivalente.
2º A pena de multa prevista neste artigo poderá ser aplicada a entidade de
prática desportiva cuja torcida praticar os atos discriminatórios nele
tipificados, e os torcedores identificados ficarão proibidos de ingressar na
respectiva praça esportiva pelo prazo mínimo de setecentos e vinte dias.
3º Quando a infração for considerada de extrema gravidade, o órgão judicante
poderá aplicar as penas dos incisos V, VII e XI do art. 170.
Das espécies de penalidades
V - perda de pontos;
VII - perda de mando de campo;
XI - exclusão de campeonato ou torneio.

A Confederação Sul-Americana de Futebol (CONMEBOL), entidade que coordena o


futebol sul-americano, expressa no artigo 12 “Discriminação e comportamentos similares” de
seu Regulamento Disciplinário as diretrizes de conduta a serem julgados no que concerne os
atos discriminatórios em competições realizadas na América do Sul:

Qualquer pessoa que insulte ou atente contra a dignidade humana de outra


pessoa ou grupo de pessoas, por qualquer meio, por motivos de cor de pele,
raça, etnia, idioma, credo ou origem será suspensa por pelo menos cinco
partidas ou por um período de tempo específico.
Qualquer Associação Membro ou clube cuja torcida incorra em
comportamentos descritos no parágrafo anterior será sancionado com uma
multa de pelo menos TRÊS MIL DÓLARES AMERICANOS (USD 3.000).
Se as circunstâncias particulares de um caso o exigir, os órgãos judiciais
competentes poderão impor sanções adicionais à Associação Membro ou
clube responsável, como jogar uma ou mais partidas de portas fechadas, a
proibição de jogar uma partida em um estádio determinado, a concessão da
vitória do jogo pelo resultado que se considere, a dedução de pontos ou a
desclassificação da competição.
36

É proibida qualquer forma de propaganda de ideologia extremista antes,


durante e depois da partida. Aos infratores desta disposição serão aplicadas
sanções previstas nos parágrafos 1 a 3 deste mesmo artigo. (CONMEBOL,
2018, p. 19)

No artigo 4, a Confederação informa que na falta de disposições especificas neste e


demais regulamentos ou de forma complementar e adicional, os órgãos judiciais poderão
fundamentar suas decisões nas normas disciplinares no Código Disciplinar da FIFA. A entidade
suprema que rege todas as regras do mundo futebolístico, a FIFA, em 2019, fez alterações
significativas no que tange atitudes discriminatórias no ambiente esportivo (VER ANEXO A)

A FIFA reconhece a sua responsabilidade nos esforços para acabar com todas as formas
de preconceito no futebol, como descrito no Artigo 3 do seu estatuto.

A discriminação de qualquer tipo contra um país, uma pessoa ou grupos de


pessoas por causa da raça, cor da pele, etnia, origem social, gênero, língua,
religião, opinião política ou qualquer outra opinião, saúde, local de
nascimento ou qualquer estatuto, orientação sexual ou qualquer outra razão é
estritamente proibida e passível de punição por suspensão ou expulsão (FIFA,
2019).

No Art. 23, a FIFA determina:

Pessoas vinculadas por este Código não podem ofender a dignidade ou a


integridade de um país, pessoa privada ou grupo de pessoas por meio
desprezo, palavras ou ações discriminatórias […] em virtude da raça, cor da
pele, origem étnica, nacional ou social, sexo, língua, religião, opinião política
ou qualquer outra condição, orientação sexual ou qualquer outro motivo.
(FIFA, 2019)

O novo Código Disciplinar da Fifa, art.13, permite que os árbitros suspendam um jogo
por incidentes de racismo e inclusive defina a equipe infratora - ou cujos torcedores tiverem
cometido a infração - como derrotada. A partir da implantação do novo Código, em 2019, as
partidas poderão ser suspensas após a aplicação do “sistema de três passos”. No primeiro
momento, um jogo poderá ser interrompido para que seja feito pelo sistema de som do estádio
um anúncio formal contra palavras e gestos racistas. Se os atos persistirem, o árbitro terá de
impor uma suspensão temporária e solicitar uma nova mensagem oficial. O terceiro e último
passo será o cancelamento, com a saída de todos de campo.
O Código Disciplinar da FIFA deve ser observado em todos os jogos e competições
organizados não apenas pela própria FIFA, mas também por todas as federações e por todos os
37

respectivos membros, entre clubes, dirigentes, jogadores, árbitros e todas as outras pessoas
aceitas pela FIFA em um jogo ou competição, inclusive os espectadores, que podem fazer com
que seu time ou seleção seja punido e até mesmo afastado das competições caso se manifestem
de forma racista ou discriminatória.

3.4 Observatório da Discriminação Racial no Futebol

O Observatório da Discriminação Racial no Futebol, uma parceria com o Museu da


Universidade Federal do Rio Grande do Sul, foi idealizado com o objetivo de monitorar,
acompanhar e noticiar os casos de racismo no futebol brasileiro, assim como divulgar e
desenvolver ações informativas e educacionais que visam erradicar ações discriminatórias no
futebol brasileiro. O projeto nasceu “a partir dos casos de racismo com o Tinga, Márcio Chagas
e o Arouca em março de 2014. Após uma pesquisa para tentar descobrir o histórico de casos e
punições e não encontrando a informação surgiu a ideia de lançar o Observatório”, diz o um
dos organizadores do Observatório Marcelo Medeiros Carvalho (2020).1 (APÊNDICE A)
O Observatório anualmente divulga o Relatório da Discriminação Racial no Futebol,
que se propõe a fazer uma análise sistêmica sobre os incidentes raciais no futebol brasileiro,
como também de atletas do país que atuam no exterior. Pelo documento são divulgados os casos
de preconceito e discriminação ocorridos no esporte brasileiro correspondentes de 1 de janeiro
até 31 de dezembro do mesmo ano. As situações de racismo no futebol possuem informações
sobre os desdobramentos dos casos, assim como suas respectivas punições. O relatório também
aborda os casos de LGBTfobia, xenofobia e machismo.
O relatório é atualmente a principal fonte de pesquisa nacional e internacional sobre a
questão de discriminação e preconceito no esporte brasileiro, não só no que tange o racismo e
futebol, mas também outros tipos de preconceitos e em todos os esportes praticados no país. Os
casos catalogados são descritos como “supostos casos de racismo” sem a distinção entre
racismo e injúria racial, definições presentes na legislação brasileira, sendo assim, o
Observatório parte da premissa da maneira pela qual os casos são julgados pela Justiça
Desportiva, por meio do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), o qual não faz
distinção entre injúria racial e racismo, utilizando-se somente do termo “ato discriminatório”,
conforme dispõe o Art.243-G.

1
Entrevista realizada via e-mail no dia 01 de março de 2020 com o título “Entrevista Estruturada |
Trabalho de Conclusão de Curso” — Ver Apêndice A
38

Em 2019, a incidência de casos de suspeita de atitudes racistas no futebol brasileiro


apontou para um novo recorde. O Observatório apontou 56 (cinquenta e seis) ocorrências
relacionadas como “suposto caso de racismo” ou “denúncia de racismo”, no futebol.
O dado representou um leve aumento em comparação com 2018, ano em que ocorreram
44 denúncias de suspeitas de racismo no futebol. O que representa uma tendência crescente no
número de denúncias nos últimos anos; em 2017 foram 43 e em 2016, 25 denúncias foram
reportadas na mídia.

Figura 1: Casos de racismo no futebol brasileiro

Como o relatório anual de 2019 ainda não foi lançado, detalharei a situação dos casos
referentes ao ano de 2018, oficialmente o último relatório divulgado. Em relação a punições, a
situação dos 44 (quarenta e quatro) casos classificados como de “suposto caso de racismo”
(denúncias de racismo), até o fechamento do relatório, tiveram as seguintes apurações:
De acordo com o relatório de 2018 (FUTEBOL, 2019), dos 12 (doze) casos que
ocorreram via internet, em 01 (um) houve registro de Boletim de Ocorrência. A ocorrência foi
registrada no artigo 140 do Código Penal, como injúria, mas não foram encontradas
informações sobre o andamento do processo na justiça comum. Nas demais 11 (onze)
ocorrências não foram encontradas informações de qualquer procedimento por parte das
vítimas, clubes ou autoridades.
Em relação aos 03 (três) casos que ocorreram fora dos estádios e da internet, em 02
(dois) não foram encontradas informações sobre alguma punição aos envolvidos. Em 01 (um)
39

caso o Ministério Público de São Paulo entrou com uma ação e pediu que o agressor fosse
condenado a pagar R$ 7,4 milhões de multa, por dano social e coletivo.
Em relação aos 29 (vinte e nove) casos que correspondem a incidentes raciais nos
estádios de futebol, eles podem ser julgados pela Justiça Desportiva (que possui prazo de até
sessenta dias para tomar uma decisão) se houver denúncia, e/ou pela Justiça Comum (Cível
e/ou Criminal). O mesmo caso pode ser julgado nas duas esferas da Justiça, sendo que na Justiça
Penal a vítima deve entrar com processo Cível e/ou Criminal.
02 (dois) casos foram julgados e punidos pelo TJD (Tribunal Justiça Desportiva) ou pelo
STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva): multa de R$ 3 mil ao Nacional Fast Clube e
duas partidas de punição e advertência para o treinador Carlos Donizete.
03 (três) casos foram julgados e absolvidos pelo TJD ou STJD: O Botafogo de Futebol
e Regatas foi absolvido no caso Vinicius Junior, a União Recreativa de Torcedores foi absolvida
no caso do jogador Marquinhos e o atleta Ryan da Silva foi absolvido no caso envolvendo o
outro atleta Matheus Felipe.
Existem 02 (dois) casos os quais existem a informação de que os incidentes constam em
súmula, mas não foram encontradas informações de julgamentos dos incidentes raciais.
Os casos que ocorreram durante a Copa Libertadores da América, Copa Sul-Americana
e Recopa Sul-Americana são julgados conforme o Artigo 12 da CONMEBOL. No Relatório
existem 13 (treze) casos que ocorreram em competições de responsabilidade da CONMEBOL.
Destes, não há informação de punição aos envolvidos ou mesmo se o caso foi para análise.
Na Justiça Comum, em 06 (seis) casos foram encontradas informações sobre registro de
Boletim de Ocorrência: em 01 (um) o agressor foi preso e liberado após o pagamento de fiança
e em 05 (cinco) casos não se obteve informações se houve abertura de processo na justiça. Nos
casos em que ocorre o registro de Boletim de Ocorrência (B.O.) o delito de injúria racial
depende da representação da vítima. Nos casos que ocorrem em jogos de Futebol Amador não
foram encontradas informações de punição aos envolvidos, de acordo com o Relatório.

3.5 Racismo estrutural no futebol

Para além do racismo ostensivo individual e/ou grupal que o Observatório de


Discriminação Racial monitora é importante destacar também o racismo estrutural que afeta
diretamente as estruturas administrativas do futebol brasileiro. Como Almeida (2019) destaca,
o racismo estrutural pode atuar impedindo, dificultando ou excluindo pessoas negras de cargos
40

de gerências nas estruturas organizacionais. Essas estruturas possuem a predominância de uma


maioria (branca) que visa resguardar seus privilégios. E com o aditivo do preconceito da
sociedade em conceber que naturalmente negros não possuem intelecto suficiente para
desempenhar funções de gerência e liderança (SANTOS, 1986), não existe representação negra
nos cargos administrativos do futebol brasileiro.

Dentre os 20 clubes da Série A do Campeonato Brasileiro, apenas Roger Machado,


treinador do Bahia e Vanderlei Luxemburgo se autoafirmam enquanto negros. Não há nenhum
presidente de clube negro à frente de equipes da primeira divisão, nem das 27 federações
vinculadas à CBF.
Um levantamento do site Superesportes de 2018 aponta que apenas três entre 100
dirigentes e treinadores da Série A são negros: o técnico Roger Machado, do Bahia, o diretor
do Grêmio, Deco Nascimento, e o assessor de futebol do Palmeiras, Zé Roberto. A investigação
levou em conta os cargos de presidente, vice de futebol, diretor, gerente, executivo,
coordenador, supervisor e técnico (inclusive os interinos) dos 20 clubes da elite do futebol
brasileiro.
Nas 13 diretorias (desenvolvimento do futebol, assessoria legislativa, coordenação,
competições, comunicações, projetos estratégicos, relações institucionais, financeira,
governança, marketing, patrimônio, registro e transferência e tecnologia da informação), não
há um negro.
Para obter uma licença tipo A da CBF, obrigatória para trabalhar na principal divisão
do país, o treinador terá que desembolsar R$ 10.550,00. Já para adquirir a licença Pro, a mais
alta dos cursos da CBF, o técnico tem que pagar ainda mais caso: R$ 19.130,00. Sendo que,
segundo o (IBGE, 2018), no ano de 2018, pretos e pardos recebiam em média menos da metade
que brancos no Brasil.
O único técnico negro da primeira divisão, Roger Machado, já relatou publicamente que
teve que se clarear para ser aceito no meio futebolístico e social:

"O futebol embranquece o negro. Até os 19 anos eu era negro; quando comecei
a jogar bola, eu comecei a clarear um pouquinho. Primeiro que, por uma
ascensão social, pela visibilidade e por uma questão financeira, eu comecei a
frequentar outros lugares que a maioria de nós não consegue frequentar.
Segundo porque, em torno dessa habilidade artística com a bola nos pés, você
é aceito. Esse seria o lugar de direito do negro, por suas habilidades artísticas
— como costumam dizer —, como futebol, capoeira, ser cantor, no samba”
(VICO, 2019)
41

4 JORNALISMO ESPORTIVO E O RACISMO NO BRASIL

Neste capítulo, objetivo abordar algumas características do jornalismo esportivo


enquanto uma subdivisão temática especializada. Também é proposto trazer para o debate a
força que a televisão exerce no Brasil enquanto mídia informativa e em como o jornalismo
esportivo se enquadra nesta lógica. Por fim, é exposto de que forma a discriminação racial pode
ser observada no cenário midiático.

4.1 Jornalismo especializado

O jornalismo esportivo, assim como o jornalismo político, cultural, econômico ou


cultural, é uma área de especialidade do jornalismo que possui nuances próprias. É uma editoria
que possui importância pela diversidade de assuntos que aborda, seja nos setores profissionais
ou amadorísticos (ERBOLATO, 1980). A editoria de esporte é uma área especializada no
jornalismo, como apontam Erbolato (1980), Barbeiro e Rangel (2006), sendo que o termo
“especializado” é utilizado para denominar o campo de atuação a determinada área e que
considera suas interfaces como esporte e lazer, esporte e saúde, esporte e prestação de serviço,
etc.
Para cada especialidade (modalidade esportiva), o jornalista deve entender do assunto,
para explicar e comentar as possibilidades do jogo para a audiência (ERBOLATO, 1980).
Embora o jornalismo esportivo obedeça às regras gerais que regem a profissão, ele apresenta
algumas particularidades. Oselame (2012) diz que essa especialização do jornalismo permite
uma abrangência de possibilidades de narrativas, sendo orientado pela lógica comercial,
especialmente na televisão. Por se tratar de um assunto (esporte) que tem o objetivo de entreter
(OSELAME, 2012), o jornalismo esportivo pode utilizar uma linguagem mais informal, porém
não menos objetiva. Historicamente, é uma área muitas vezes sujeita a um certo preconceito.
Segundo Coelho (2008) o nascimento desse preconceito remonta ao Brasil no início do
século passado, quando sequer existia uma imprensa especializada no país. Neste contexto, uma
vitória no futebol, por exemplo, não ganhava as manchetes: era algo impensável para uma época
que ainda não sentia os efeitos da espetacularização do esporte. As editorias de política e
economia eram as mais prestigiadas e eram tidas como os carros-chefe dos jornais neste cenário
inicial.
42

Entretanto, a partir dos anos 2000, num contexto propício à popularização da internet e
com a inevitável e ferrenha concorrência com a agilidade dos meios digitais, o jornalismo
esportivo, principalmente na televisão, teve que se readaptar. De acordo com Bourdieu (1997),
a espetacularização dos acontecimentos esportivos passou a ser o principal atributo para se
definir as notícias. Este foi o pontapé da era do jornalismo esportivo da informação-
entretenimento. O objetivo já não era buscar, apurar e divulgar as informações, mas divertir,
distrair e entreter o telespectador.
Segundo o jornalista Coelho (2008), em muitas oportunidades a informação esportiva
teve que ficar em segundo plano em detrimento da necessidade de se promover o espetáculo, já
que o produto - fruto de alto investimento das concessões de direitos de transmissão, por
exemplo - necessita ter um retorno, um lucro.
Bernal (apud MONTÍN, 2008) aponta cinco aspectos do jornalismo esportivo praticado
no século XXI: o descomedido espaço destinado ao futebol (em muitos programas dito
esportivos, o assunto central é o futebol, sem muita abertura para outras modalidades); o
superdimensionamento dos acontecimentos; a utilização de um vocabulário no superlativo, que
em muitas vezes abusa de adjetivos, e que pode tender a agressividade; a capacidade de criação
de personagens (heróis e vilões); e até na inclusão de aspectos que a primeira vista não
condizem com a prática esportiva.
Diante da maturação de uma linguagem própria e da espetacularização do esporte, a
cobertura dos eventos esportivos exigiu de repórteres, fotógrafos, radialistas, cinegrafistas e
comentaristas, uma dinâmica de constante movimentação para cobertura dos eventos
(ROSEMBERG, 1999). Muitas vezes, precisam-se construir narrativas em que o produto final
não fosse dos mais atrativos aos olhos do público, porém a necessidade de construir uma
narrativa excitante não possui restrição quanto à qualidade.
As narrativas remontam à emoção. Esta é a área do jornalismo que lida diretamente com
as paixões do torcedor, do amante do esporte, e existe a necessidade de fazer com que a
audiência se emocione (LOVISOLO, 2011).

O esporte aumentou o campo de atuação profissional na mídia. O “estar aí”


tornou-se uma marca do jornalismo esportivo, portanto, de “veracidade”. A
forma e o conteúdo emocional dominaram o jornalismo esportivo desde a
fotografia e o radialismo. Formar o apreciador do esporte significou, e ainda
significa, criar suas emoções, fazer com que se emocione com o esporte
(LOVISOLO, 2011, p. 93)
43

Segundo o autor, o jornalismo esportivo desempenhou um papel relevante em trazer


para os meios de comunicação a informação, com o objetivo de divertir, entreter, emocionar.
“Por último, nossas atitudes e sentimentos em relação ao esporte seriam pouco compreensíveis
se não levássemos em conta a formação de emoções, crenças e competências técnicas geradas
e difundidas pelo jornalismo esportivo” (LOVISOLO, 2011, p. 94).
Além de transmitir informação, ao passo em que envolve sua audiência com narrativas
de heróis e vilões, o jornalismo esportivo também tem uma função social que se traduz em
“cumprir o seu papel de estimular as novas vocações e de valorizar o espírito de competição”
(BUENO, 2005, p. 21). Num país como o Brasil, conhecido mundo afora como o “país do
futebol”, tradicional em outras tantas modalidades esportivas, a narrativa do jornalismo
esportivo incide na criança e no jovem, um estímulo para seguir carreira no esporte. Dito isso,
não se pode negar este papel social que o jornalismo temático no esporte possui.

4.2 Força da televisão e características do jornalismo audiovisual

A televisão ainda é o meio de comunicação preferido pelos brasileiros para se informar.


De acordo com a "Pesquisa Brasileira de Mídia - Hábitos de Consumo de Mídia pela População
Brasileira" (BRASIL, 2016), encomendada pela Secretaria de Comunicação Social do Governo
ao IBOPE, cerca de 63% da população entrevistada tinha nesta mídia o seu meio principal de
obter informação diariamente. Ainda de acordo com a pesquisa, 77% dos entrevistados
afirmaram assistir televisão ao menos uma vez todos os dias. Isso se deve, também, pelo fato
de o aparelho de tevê ser acessível às camadas mais populares da população brasileira (SODRÉ,
1977). A televisão fala através da imagem; se estrutura com base na imagem para informar
(CHARAUDEAU, 2007). E, já que utiliza as imagens, o cuidado na forma como é feito
jornalismo deve ser redobrado, pois o processo de significação se torna mais complexo e amplo
(FILHO, 2012).
Noticiar na televisão é ainda mais complicado, pois envolve simultaneamente dois
sentidos do ser humano, a visão e a audição. Tendo que mensurar também seu poder de ser uma
mídia capilarizada e popular, isso acaba afetando as pessoas de forma emocional. Dependendo
da intensidade e da força, uma imagem que aparece no ar por restritos 15 segundos permanece
na mente do telespectador por muito tempo, às vezes para sempre (PATERNOSTRO, 1999).
Como a televisão utiliza primordialmente da informação visual para atingir seu público,
ela é limitada quanto à análise da mensagem que emite. Segundo Paternostro (1999, p. 63)
44

A programação da TV - e aqui estamos falando da tv aberta – tem um ritmo


contundente próprio de sua natureza como meio de comunicação de massa, e
acaba voltada à transmissão de notícias de maneira breve. O que considera
desvantagem na TV (superficialidade) aliada a uma vantagem (imagem) gera
um momento peculiar dentro do processo global da informação. A TV
estimula e provoca o interesse e a necessidade de se ampliar o conhecimento
dos fatos: acreditamos no poder motivador da TV enquanto meio de
informação.

Visto que na TV aberta, o telejornalismo não é o principal produto de uma emissora,


dado que ele precisa competir com atrações do entretenimento, o jornalismo neste suporte
esbarra na limitação do fator tempo, o que influencia no grau de aprofundamento dos assuntos
(PATERNOSTRO, 1999).
A autora (1999) relaciona sete características que o telejornalismo apresenta. A primeira
se relaciona com o uso de uma linguagem visual, que exclui a necessidade de leitura por parte
do receptor; a segunda é o imediatismo que consiste na transmissão de informação no momento
exato em que ela ocorre; a terceira é a capacidade de alcance que a televisão possui, sua
abrangência e capilaridade no território brasileiro, o que exige um texto do jornalista de fácil
assimilação para que todos compreendam a mensagem; a quarta é a instantaneidade, que
ressalta a característica que a televisão tem de transmitir o fato na “hora certa”. A quinta é o
envolvimento, o ato de trazer o telespectador para dentro da sua narrativa; a sexta são os índices
de audiência, que orientam a programação e criam condições de sustentação comercial; e por
fim, a sua limitação por conta da superficialidade, já mencionada.
Conforme Paternostro (1999) ressalta, o texto da televisão também possui suas
peculiaridades. O texto é feito para ser falado, há a necessidade de utilizar frases curtas para
auxiliar a compreensão do telespectador.

Em telejornalismo, a preocupação é fazer com que texto e imagem caminhem


juntos, sem um competir com o outro: ou o texto tem a ver com o que está
sendo mostrado ou não tem razão de existir, perde a sua função. O papel da
palavra é dar apoio à imagem e não brigar com ela. (PATERNOSTRO, 1999,
p. 72)

O texto e as características já citados do telejornalismo condicionam especificidades dos


diversos formatos de se noticiar nesta mídia. A nota é a forma de relato mais sintética do
telejornalismo. Normalmente ela provém de informações fornecidas pelas agências de notícias,
ou, por exemplo, da cobertura prevista na pauta que não foi levada à reportagem externa.
Segundo Squirra (1990, p.71-72), “normalmente são matérias curtas, que informam
45

objetivamente o fato acontecido ou por acontecer”. Este formato pode assumir duas formas, a
nota simples e a nota coberta. A nota simples ou nota ao vivo é a “forma mais simples de
apresentação de uma notícia na televisão” (MACIEL, 1995, p. 49). Nela, o apresentador ou
locutor apenas lê, em quadro, o texto preparado pelo editor. Já a nota coberta é formada por
duas partes que se complementam. A cabeça, correspondente ao lead, é lida pelo apresentador
em quadro ou ao vivo. Na segunda parte, chamada de off, o apresentador ou o repórter faz a
narração, “enquanto as imagens da notícia são exibidas na tela do televisor.” (MACIEL, 1995,
p. 52).
A notícia, como um formato jornalístico, é o relato de um fato mais profundo do que a
nota, pois combina a apresentação ao vivo e a narração em off coberta por imagens, “em
televisão, a imagem pode determinar ou priorizar o que é notícia”. (PATERNOSTRO, 1999,
p.146). A notícia nos telejornais tem uma duração curta, em média de 45 segundos, um pouco
maior do que a nota, mas bem abaixo da reportagem. (REZENDE, 2009)
Um outro formato de se noticiar na televisão é através da entrevista. O que a caracteriza
é a capacidade “de ser destinada a um único objetivo: fazer emergir uma informação, esclarecê-
la e midiatizá-la” (JESPERS, 1998, p.149). De acordo com Rezende (2009), esse formato se
define pelo diálogo que um jornalista mantém com um entrevistado, através do sistema -
estruturado ou não - de perguntas e repostas, com o objetivo de extrair informações, ideias e
opiniões a respeito de fatos, questões de interesse público e/ ou de aspectos da vida pessoal do
entrevistado. A entrevista estruturada, modelo mais fechado, segundo Gil (1999) se desenvolve
a partir de uma relação fixa de perguntas, cuja ordem e redação permanecem invariáveis para
todos os entrevistados que geralmente, são em grande número.
A reportagem é o formato de se noticiar mais completo e complexo da televisão
(MACIEL, 1995). É o tipo que melhor fornece um relato ampliado de um acontecimento,
mostrando suas causas, correlações e repercussões. Como subcategoria informativa, tal como
em outros veículos de comunicação, a reportagem na TV presta um serviço aos telespectadores,
ao articular “as relações dos antecedentes e das consequências do acontecimento ou fenômeno
abordado”. (JESPERS, 1998, p.167). De acordo com Rezende (2009), a reportagem com uma
duração mais longa, sua estrutura completa, constitui-se de cinco partes: cabeça, off, boletim,
sonoras e nota pé, mas pode configurar-se também sem uma ou mais dessas partes.
A partir do gênero opinativo, o formato de comentário é um dos mais reconhecidos no
jornalismo diário. É definido como matéria jornalística em que um jornalista especializado em
um determinado assunto (economia, esporte, política, etc.) faz uma análise, uma interpretação
de fatos do cotidiano. O comentarista, muitas vezes, além de explicar os acontecimentos e
46

problemas, orienta o público, o que se aproxima de jornalismo de serviço (MELO, 1997).


Normalmente ele pode ser encontrado em programas de debate. “É o número de pessoas que
cria o debate, diferentemente da entrevista, que pode ser produzida com apenas um
entrevistador e um entrevistado” (SOUZA, 2004, p. 144). A principal característica do
programa de debate é o número de entrevistados e entrevistadores envolvidos na discussão de
fatos e temas. Nos programas de debate de jornalismo especializado (esporte, ciência, educação
e agropecuária), praticam-se vários formatos informativos e opinativos - nota, notícia,
reportagem, comentário, crônica, resenhas culturais (REZENDE, 2009).
Como afirma Barbero (1995, p. 64) “o gênero não é só uma estratégia de produção, de
escritura, é tanto ou mais de leitura. Enquanto as pessoas não encontram a chave do gênero, não
entendem o que está se passando na história”. Na busca de serem compreendidas pelo público,
as reportagens televisivas utilizam um quadro de referências, instituindo padrões operacionais.

Falas e sotaques, vestimentas, modelos de beleza, procedência geográfica são


balizas que conduzem a modos específicos de escrever, filmar e fotografar, ou
seja, de mostrar ou ocultar, que acaba, em última instância, de forma arbitrária
e excludente, sintetizando o universal do homem. Tanto no Brasil quanto em
outros países, os sistemas informativos demarcam e diferenciam o que é
relatado/ mostrado, estabelecendo sempre modelos e estilos de vida a serem
seguidos. (BORGES, p. 182, 2012)

Para Borges (2012) existe um repertório acumulado que nos faz associar e compreender
os discursos expostos na mídia. Os livros estão atrás do entrevistado? Trata-se de intelectuais.
Há a utilização de números, porcentagens, cálculos e gráficos? Notícias de economia.
Compreendido os principais formatos, é preciso refletir sobre o papel do telejornalismo
esportivo e sua estabilidade na programação televisiva após a consolidação dos telejornais como
tipo de programa padrão do jornalismo televisivo. Na década de sessenta, o país viveu um
período de avanço tecnológico e abertura política que permitiu o surgimento de programas
jornalísticos com formatos diferenciados. (SILVA, 2005).

Com uma abordagem mais leve e informal, o telejornalismo esportivo foi


configurando características próprias que o diferenciam de outros programas
temáticos (programas jornalísticos que têm enfoque em apenas um tema,
como economia, política, agricultura, música). (SILVA, 2005, p. 1)

Se os telejornais consolidaram uma linguagem textual e visual com uma maior


formalidade na apresentação das notícias, os programas esportivos têm seus limites ampliados
47

permitindo uma maior informalidade e a utilização de recursos criativos para contar suas
histórias (SILVA, 2005).
De acordo com a autora, o esporte passou a ocupar um espaço importante na
programação televisiva em programas que vão desde boletins contendo informações simples
sobre o universo esportivo, a mesas redondas com debate entre especialistas e atuantes da área
(ex-jogadores, por exemplo), além de programas exibidos diariamente para relatar os assuntos
extracampo (SILVA, 2005).
Mesmo num contexto que permite mais liberdade, a linguagem utilizada nos programas
esportivos diários ainda é primordialmente jornalística. Os programas fazem referências a
acontecimentos diários com a utilização dos elementos do jornalismo: lead, entrevistas, critérios
de noticiabilidade, busca da objetividade, etc. “Por se tratar de acontecimentos referentes a
apenas um tema, os programas esportivos podem ser considerados como uma vertente do
jornalismo temático” (SILVA, 2005, p. 2)
No pacote de conteúdos informativos que a televisão tem a oferecer com o apoio do
telejornalismo esportivo, o futebol é o maior destaque. O esporte mais popular e assistido no
Brasil garantiu para a emissora TV Globo em 2019, só com TV Aberta e Pay-per-view, uma
renda de aproximadamente R$ 3 bilhões2. Porém, se em 2016 a Globo gastava em torno de R$
1,3 bilhão pelos direitos de todas as competições, agora o valor foi de R$ 2,1 bilhão.
Se antes a TV Globo possuía pouquíssima concorrência na garantia dos direitos de
transmissão dos campeonatos, assegurando um monopólio de transmissão que dava o direito
até de determinar dias, horários e a tabela do campeonato de forma a melhor adequá-la à sua
grade de programação e ao público alvo específico (SANTOS, A., 2013), agora a emissora
realiza disputas intensas pelos direitos de transmissão, o que só aumentou seus gastos com o
futebol.

Além do dinheiro, o futebol ganhou um valor estratégico dentro da Globo.


Representa boa parte das maiores audiências da emissora e, portanto, puxa
para o alto o restante da programação. Assim como acontece no restante do
mundo, os eventos esportivos aumentaram sua relevância porque não são
afetados por produtos "on demand" de entretenimento por serem ao vivo.
(MATTOS, 2019, [s.p.])

2
Os dados são do jornalista Rodrigo Mattos (UOL, 2019)
<https://rodrigomattos.blogosfera.uol.com.br/2019/09/19/saiba-como-aumentou-a-importancia-do-futebol-na-
renda-da-globo/> acesso em: 04 de março de 2020
48

Por estar numa emissora que possui os direitos de transmissão (muitas vezes exclusiva)
da maioria dos eventos esportivos, o Globo Esporte, principal programa esportivo diário da
emissora, é privilegiado com relação aos programas das outras emissoras, pois pode mostrar os
trechos dos eventos esportivos sem precisar pagar pelas imagens. (SILVA, 2005)
O esporte gera lucro, audiência e fidelização na televisão. O jornalismo esportivo,
gênero segmentado do jornalismo que cobre o tema, tem o desafio de através de sua linguagem
e formatos mais flexíveis, conciliar aspectos financeiros estruturais da mídia, com a sua
cobertura que se estreita com recursos do entretenimento. Como lida com assuntos que a grosso
modo têm o objetivo de entreter a audiência, o jornalismo esportivo, a partir dos procedimentos
técnicos do profissional, não pode esquecer também do seu papel social que desempenha junto
com sua audiência de massa.

4.3 Mídia e discriminação racial

Muniz Sodré (1999), a partir da modalidade institucional que o racismo pode se


manifestar, suscita algumas nuances que o racismo pode adquirir no meio midiático. O primeiro
é o estado de negação onde a mídia tende a negar a existência do racismo por considerar essas
discussões de outros tempos:

De maneira geral, porém, as elites logotécnicas, ao contrário das elites


identitárias do passado, tendem a considerar “anacrônica” a questão racial,
deixando de perceber as suas formas mutantes e assim contribuindo para a
reprodução do fenômeno em bases mais extensas (1999, p. 245)

A segunda relação que autor faz entre a mídia com a discriminação racial é o
recalcamento. Neste caso, o autor destaca a capacidade do jornalismo, como também da
indústria cultural, em conter aspectos identitários positivos das manifestações simbólicas de
origem negra, isso graças a um fruto de desconhecimento da história do negro no Brasil.
(SODRÉ, 1999).
Sodré (1999) manifesta que a referência ao negro na mídia constrói identidades virtuais,
que condiciona essas pessoas aos estereótipos e as folclorizações em torno do indivíduo de pele
escura. Conforme o autor afirma, os profissionais midiáticos acabam dessensibilizando-se com
problemas dessa ordem, o que gera uma indiferença profissional. Outro elemento que
proporciona situações de racismo no cenário midiático e a quantidade reduzida de pessoas
negras trabalhando nas redações:
49

Quando indivíduos de pele escura conseguem empregar-se em redações de


jornais ou em estações de televisão, mesmo que possam eventualmente ocupar
uma função importante, são destinados a tarefas ditas “de cozinha”, isto é,
aquelas que se desempenham nos bastidores do serviço, longe da visibilidade
pública. (SODRÉ, 1999, p. 246)

No Brasil, vale destacar que as elites específicas do meio midiático possuem


basicamente uma natureza familiar. Os editorialistas, articulistas, editores, colunistas, âncoras
de tevê, etc., funcionam como filtro e sintetizam de variadas formas a ação e cognição presentes
nas elites econômicas, políticas, culturais coexistentes num contexto social. Eles são
responsáveis pela absorção, reelaboração e retransmissão de um imaginário coletivo atuante
nas representações sociais (SODRÉ, 1999).
Sodré (1999) aponta que discursos danosos, quando se trata da autodiscriminação entre
os negros, são absorvidos, pois estes internalizam as imagens negativas sobre si mesmos. Os
discursos atuam nos níveis micro e macro:
A mídia funciona no nível macro como um gênero discursivo capaz de
catalisar expressões políticas e institucionais sobre as relações inter-raciais,
em geral estruturadas por uma tradição intelectual elitista que, de uma maneira
ou de outra, legitima a desigualdade social pela cor da pele (SODRÉ, 1999, p.
243)

Diante disso, segundo Borges (2012) às questões raciais projetadas nos meios de
comunicação podem nos conduzir a entender as múltiplas formas que o racismo pode ser
retroalimentado. Conforme a autora especifica:

O primeiro deles diz respeito ao papel nuclear, à presença incisiva e capilar da


mídia em nossas vidas. É fato inconteste o fato de que os sistemas midiáticos
tornaram-se vetor majoritário das sociedades ocidentais no primeiro quarto do
século XX. Tornou-se moeda corrente dizer que, em tempos de inegável
supremacia da técnica, inundados de rápidas transformações, a cultura das
mídias instaura novas formas de sociabilidade. É de trivial evidência que o
repertório de assuntos e temas que circulam no tecido social é fornecido,
sobretudo, pela mídia. (BORGES, 2012, p. 186)

O jornalista negro Flávio Carrança, que escreveu o texto “ O combate ao racismo nos
meios de comunicação: A experiência dos sindicatos de jornalistas” (2012), evidencia que, se
antes a reflexão sobre o papel da imprensa e dos meios de comunicação era restrita ao âmbito
50

acadêmico, nos últimos anos um espaço maior na agenda se deu ao movimento negro. Isso foi
possível, segundo o autor:

A partir do momento em que percebeu que o jornalismo pode ser um


instrumento poderoso, tanto para o reforço ou a produção de preconceito
quanto para a promoção da igualdade. Essa mudança teve significativa
contribuição dos jornalistas negros e antirracistas organizados em seus
sindicatos (CARRANÇA, 2012, p.152)

De acordo com Borges (2012), algumas mudanças a respeito da imagem do negro foram
concretizadas, porém existe uma matriz que se replica, um padrão que define o seu lugar no
sistema de representação.

Partimos do entendimento de que os estigmas se repetem, não em termos de


conteúdos, mas de articulação. Embora não sejam invariáveis (enquanto
formas constituídas da sociedade), os estigmas são invariantes (enquanto
estruturas constituintes da sociedade) (BORGES, 2012, p. 188)

As noções expostas sobre o racismo no meio midiático remonta às ideias de racismo


estrutural (ALMEIDA, 2019) e institucional (MILES e BROWN, 2004) anteriormente
discutidas no capítulo 1. A mídia de massa, neste caso a televisão, é uma instituição social que
atinge as mais diversas camadas sociais e aos mais diversos grupos étnico-sociais. Dito isso,
neste contexto o jornalismo possui uma responsabilidade social intrínseca a sua atuação.
51

5 ANÁLISE

Após a discussão fomentada nos três capítulos anteriores, a partir de uma revisão de
bibliografia sobre os temas centrais da pesquisa (racismo no Brasil e no futebol brasileiro,
jornalismo esportivo e televisão no Brasil), a etapa seguinte é utilizar a metodologia de pesquisa
de estudo de caso com análise de conteúdo (BARDIN, 1977) para descrever de forma objetiva,
sistemática e quantitativa o conteúdo das reportagens audiovisuais sobre racismo no futebol
brasileiro.
Sobre esta metodologia, Bardin especifica:
Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter (por
procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens) indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis
inferidas) destas mensagens. (BARDIN, 1977, p. 42)

Para descrever e quantificar de forma objetiva as produções audiovisuais fez-se


necessário a criação de um livro de códigos para auxiliar na pesquisa. O livro condiciona pontos
de observação nos conteúdos que foram analisados. Tal livro, além de indicar os códigos
alfanuméricos que correspondem a cada variável e categoria, deve discriminar, detalhadamente,
inclusive com exemplos, como a codificação deve ser feita em cada opção disponível
(SAMPAIO e LYCARIÃO, 2017).
Ao todo, 12 matérias audiovisuais foram coletadas para submeter ao processo de análise
de conteúdo. Chegou-se a este número a partir das fontes de pesquisa detalhadas no Relatório
Anual da Discriminação Racial no Futebol, organizado pelo Observatório da Discriminação
Racial no Futebol. O projeto, sendo a principal fonte de pesquisa nacional e internacional sobre
a questão de discriminação e preconceito no esporte brasileiro (FUTEBOL, 2019), cataloga e
filtra com auxílio de um sistema de monitoramento, que funciona com alguns programas que
utilizam palavras chaves e via serviço oferecido pelo Google, noticiando os casos de racismo
no futebol brasileiro que tenham repercutido na mídia.
Com o Observatório sendo a base de pesquisa para localizar as matérias audiovisuais,
fez-se necessário fazer uma curadoria com as fontes citadas pelo projeto. Na aba “Fontes
originais das notícias publicadas” (FUTEBOL, 2019), os links de acesso às matérias utilizadas
como base para a pesquisa, não faziam nenhuma distinção do conteúdo no que se refere a tipo
de mídia (audiovisual/televisão, digital, sonoro). Após a apuração de todos os links, chegou-se
ao número de 12 reportagens audiovisuais divididas entre os anos de 2016, 2017 e 2018. O
52

Observatório já divulgou cinco relatórios anuais desde 2014. Logo, optou-se por utilizar os anos
mais recentes nesta pesquisa pela disponibilidade dos conteúdos na internet ser mais precisa.

Com o objeto de estudo em mãos, o procedimento de análise de conteúdo já tinha sido


iniciado (BARDIN, 1977). A pré-análise, ao optar por tornar a base de dados do Observatório
como a sustentação da pesquisa e a checagem individual dos links para identificar as matérias
audiovisuais, deu suporte para a criação do livro de códigos, sendo a fase de exploração do
material. Nesta etapa, tratou-se de operacionalizar procedimentos aplicados manualmente e
com auxílio de programa.
A organização da codificação deste livro, compreendeu algumas escolhas (BARDIN,
1977): O recorte, escolha das unidades (matérias audiovisuais que foram base para o Relatório
Anual da Discriminação Racial no Futebol nos anos de 2016, 2017 e 2018), a enumeração e a
escolha das regras de contagem e a classificação e a escolha das categorias de análise.
Foram definidas 16 unidades de registro que auxiliaram a destrinchar de forma
descritiva e analítica o objeto de estudo. A plataforma escolhida para fazer a catalogação dessas
categorias de análise foi o Google Formulário, por conta da sua praticidade e operacionalidade.
O “livro de códigos - cobertura jornalística audiovisual sobre o racismo no futebol
brasileiro” (APÊNDICE A) se dividiu da seguinte forma:
1. Título da matéria;
2. Caso (Figura 2)
3. Publicação;
4. Veículo;
5. Tempo;
6. Formato;
7. De que forma o conteúdo aborda o racismo?
8. Quem foi(ram) a(s) vítima(as)?
9. A(s) vítima(s) foi/foram entrevistadas?
10. No que se refere ao fato do racismo em si, excluídos outros desdobramentos do
conteúdo, quais tipos de fontes foram entrevistadas?
11. O ato racista remete a quê;
12. A atitude racista ocorreu paralela a uma situação de derrota?
13. O conteúdo informa e/ou menciona sobre a lei de racismo/injúria racial;
14. O conteúdo relaciona e/ou menciona outros casos de racismo no futebol;
53

15. No que se refere especificamente ao texto do repórter e/ou apresentador foi


utilizado algum adjetivo atribuído ao caso do racismo;
16. Quais adjetivos foram utilizados pelo repórter/apresentador ao se referir ao caso
de racismo? (Item condicionado ao anterior).

Aqui vale dedicar-se a explicação mais detalhada para o que levou selecionar e utilizar
cada um desses códigos de análise. O título se refere a como o identificado foi registrado no
momento da coleta na internet; o caso é um resumo breve da situação de racismo no futebol
que o Observatório fez em seu Relatório Anual; a publicação se refere a data que o conteúdo
foi publicado; e o veículo é a identificação de onde o material foi retirado – aqui as opções já
estavam pré-dispostas de acordo com o que se foi observado durante a pré-análise, e as opções
são: TV Globo/SP, TV Brasil, TV Tem, TV Anhanguera, FoxSports, RBS TV e TV Bahia.
O tempo diz respeito a quantos segundos/minutos cada matéria teve e o formato
relaciona o conteúdo publicado ao tipo de formato jornalístico, sendo eles: nota (SQUIRRA,
1990), notícia (PATERNOSTRO, 1999), entrevista (REZENDE, 2009), reportagem
(JESPERS, 1998), comentário (MELO, 1997), indicador, editorial, crônica e outros formatos
menos frequentes (ex: coluna, charge, participação do telespectador), é uma opção fechada de
múltipla escolha.
Em “de que forma o conteúdo aborda o racismo” existem duas opções: o racismo é foco
do conteúdo ou o racismo é parte de um conteúdo mais abrangente. O intuito dessa observação
é quantificar quantas matérias possuem o fato do racismo como o gancho central da narrativa,
se o que conduziu a matéria foi o fato o racismo no futebol ou se a temática foi retrata de forma
diluída em meio a outros assuntos, somente como um acessório. O oitavo código de análise tem
o objetivo de verificar quem foi(ram) a(s) vítima(as) de racismo. As opções são: Jogadore(s),
comissão técnica, comissão de arbitragem, torcedor(es), podendo marcar mais de uma opção.
O código seguinte serviu para verificar se as vítimas dos casos relatados foram entrevistadas.
Nesta categoria o critério foi analisar se conteúdo veiculado se preocupou em entrevistar as
vítimas de suspeita de caso de racismo, múltipla escolha (sim ou não).
O décimo código teve o objetivo de constatar quais tipos de fontes foram entrevistadas
no que se refere ao fato do racismo em si, excluídos outros desdobramentos do conteúdo. As
opções são: jogador(es), comissão técnica, comissão de arbitragem, torcedores, juristas,
entidades do meio esportivo, entidades sociais, suspeitos/acusados do crime e a opção de
nenhuma delas - esta categoria permitiu marcar mais de uma opção. O código sequente
54

procurou observar qual a significado que ato racista veiculado se remetia. As opções foram:
animalização – a partir dos referenciais de (ALMEIDA, 2019) (SANTOS, 1984) (FERÉ, 2019),
escravidão em (FERÉ, 2019), incapacidade mental/física (ALMEIDA, 2019) (SANTOS, 1984)
(HARRIS, 1967) e inferioridade estética (HARRIS, 1967) (HELAL e JR, 2007), além da
alternativa “nenhuma das opções”. Aqui decidiu por possibilitar a seleção de mais de uma
categoria, pois os autores consideram que tais significações negativas podem convergir em
algum grau. A intenção dessa questão é quantificar o que remete os referenciais mais comuns
dos atos racistas no futebol.
A categoria 12 – “a atitude racista ocorreu paralela a uma situação de derrota?” – visa
identificar se existe alguma relação com a derrota e a atitude racista em culpabilizar o negro,
como identifica (SANTOS, 1984), é uma categoria de múltipla escolha (sim ou não).
O código 13 pergunta se o conteúdo da matéria informa e/ou menciona sobre a
criminalização do racismo, citando as Leis de Racismo (BRASIL, 1988) e Injúria Racial
(BRASIL, 1997) ou os códigos disciplinares da CBF (2009) e FIFA (2019), por exemplo. Este
questionamento foi pensado para verificar se o jornalismo esportivo trata a questão do racismo
com o viés criminal, como uma questão de justiça, é um código de múltipla escolha (sim ou
não). Na sequência, temos a categoria 14, que visa observar se conteúdo da matéria relaciona
e/ou menciona outros casos de racismo no futebol. O objetivo é constatar ou não se o jornalismo
esportivo trata os casos de racismo como esporádico ou como algo recorrente no esporte,
múltipla escolha (sim ou não).
O penúltimo ponto de análise “No que se refere especificamente ao texto do repórter
e/ou apresentador foi utilizado algum adjetivo atribuído ao caso do racismo?”, visto que é
comum que no jornalismo esportivo se utilize uma linguagem mais flexível, com uso de
adjetivos e de superlativos (BERNAL, 2008; OSELAME, 2012), existe a necessidade de se
observar quais termos estão sendo utilizados para se referir ao racismo no futebol, múltipla
escolha (sim ou não).
A última questão de análise do livro de código é condicionada a resposta anterior. Caso
a resposta tenha sido sim, o derradeiro código identifica quais os adjetivos/termos de valor
foram utilizados pelo repórter/apresentador ao se referir ao caso de racismo.
5.1 Análise do livro de códigos

Após finalizar o preenchimento do livro de códigos com base na análise da dados, os


resultados brutos foram tratados de maneira a serem significativos e válidos. Operações
estatísticas como percentagens, ou mais complexas encorpadas na análise, permitiram
55

estabelecer quadros de resultados, tabelas, figuras, gráficos os quais condensam e põem em


relevo as informações fornecidas pela análise do livro de códigos. (BARDIN, 1977).
Os doze casos analisados se dividem da seguinte forma: 4 (quatro) casos correspondem
ao ano de 2016 e 8 (oito) casos ao ano de 2017. Em 2018, mesmo sendo o ano com mais casos
de suspeita de racismo catalogado pelo Observatório, com 52 (cinquenta e dois), no que tange
fontes audiovisuais não houve nenhuma fonte identificada pelo projeto disponível para o acesso
(FUTEBOL, 2019).
Segue abaixo uma breve discrição de cada caso analisado de acordo com o Relatório da
Discriminação Racial de 2016 e 2017:

Caso 1: Neymar – Barcelona F.C (2016) veiculado na TV Brasil em 04/01/2016: Em


jogo válido pelo Campeonato Espanhol, o atacante Neymar foi alvo de racismo por parte da
torcida do Espanyol (clube catalão da cidade de Barcelona) que entoou cânticos racistas e a TV
flagrou torcedores imitando o som de macacos e direcionando xingamentos ao atleta. Um
detalhe importante desse caso é que no site da TV Brasil, onde o conteúdo audiovisual foi
consultado, o caso de Neymar é o ponto central da discussão e a partir dele que são traçados
casos semelhantes de racismo no esporte; já na matéria audiovisual analisada, o caso de racismo
no futebol que é utilizado como parâmetro é o de Michel Bastos.

Caso 2: Gabriel Jesus – S.E. Palmeiras (2016) veiculado na TV Globo/SP em


07/04/2016: Atleta foi alvo de racismo durante jogo do Palmeiras no Uruguai.

Caso 3: Michel Bastos - São Paulo F.C (2016) veiculado na TV Globo/SP em


14/04/2016: Jogador diz ter sido chamado de "negro" por D'Alessandro do River Plate.

Caso 4: Anderson Cavalo – C.A. Votuporaguense (2016) veiculado na TV Tem em


26/10/2016: O atacante Anderson Cavalo, após ser expulso, afirmou que no momento em que
se dirigia ao vestiário, foi chamado de “macaco” pelo fisioterapeuta do Red Bull Brasil, Hedras
Russo.

Caso 5: Guaraci – CRAC (2017) veiculado na TV Anhanguera em 10/02/2017: O


jogador Guaraci, do CRAC, agrediu um colega em partida válida pelo campeonato local após
alegar ter sido chamado de “preto” e “sujo”.
56

Caso 6: Fabão – Paulista (2017) veiculado na TV Tem em 07/04/2017: O zagueiro e


capitão do Paulista de Jundiaí, Fabão, utilizou as redes sociais para denunciar que foi alvo de
gritos de “macaco” proferidos pela própria torcida em jogo contra o Comercial.

Caso 7: Felipe Melo – Palmeiras (2017) veiculado no FoxSports em 17/05/2017:


Gustavo H. Souza, assessor de imprensa e membro do estafe do volante Felipe Melo, publicou
em seu Twitter a acusação de que o atleta voltou a receber insultos racistas dos jogadores
uruguaios. Além desse episódio, os torcedores locais foram flagrados fazendo gestos de
macacos para os brasileiros.

Caso 8: Paulo Renato Torres – Aimoré (2017) veiculado na RBS TV em 27/04/2017:


Massagista do Aimoré, Paulo Renato Torres, sofre injúrias raciais. O profissional relatou de
que um homem uniformizado com as cores do Pelotas o chamou de “negrão”, “macaco” e
“vagabundo”. O torcedor pelotense foi identificado e detido pela Brigada Militar. Segundo o
gerente de futebol do Aimoré, Lucas Kunrath, um boletim de ocorrência foi registrado na
DPPA.

Caso 9: Elton – Ceará (2017) veiculado na RBS TV (em dois programas diferentes –
Globo Esporte/RS (em 12/07/2017) e no Bom dia Rio Grande (em 12/07/2017): O atacante
Elton, do Ceará, acusou o zagueiro Victor Cuesta, do Internacional, de chamá-lo de “macaco”.
Dois conteúdos audiovisuais foram analisados de um mesmo caso.

Caso 10: Renê Júnior – Bahia (2017) veiculado na TV Bahia em 10/11/2017: O volante
Renê Júnior, do Bahia, acusou o centroavante colombiano Santiago Tréllez, do Vitória, de
racismo. O atleta do Bahia disse que foi chamado de “macaco” pelo adversário.

Caso 11: Torcedoras – Bahia (2017) veiculado na TV Bahia em 14/09/2017: Imagem


divulgada nas redes sociais mostra torcedora baiana e a filha, ambas negras, diante de uma
montagem que faz comparação com fotos de torcedoras brancas do Grêmio, com a legenda:
“Ainda tem gente que acha que time é tudo igual".
57

Figura 2: Distribuição dos casos analisados

Fonte próprio autor

No que diz respeito aos veículos que produziram conteúdo sobre os casos citados, a RBS
TV, afiliada da TV Globo no Rio Grande do Sul veiculou três conteúdos, sendo dois deles os
materiais audiovisuais do caso Elton – Ceará. Na sequência vem a TV Bahia (dois) – afiliada
da Rede Globo na Bahia -, a TV Globo/SP (dois) – afiliada da TV Globo em São Paulo -, a TV
Tem (dois) – afiliada da Rede Globo em Sorocaba/SP -, a TV Brasil (um), a TV Anhanguera
(um) – afiliada da Rede Globo em Goiás - e o FoxSports (um).

Figura 3: Gráfico de veículos

Fonte: próprio autor


58

Sobre a duração de cada conteúdo audiovisual notou-se uma tendência que as narrativas
sobre jornalismo esportivo em casos de racismo sigam a tendência de duração de matérias
televisivas que duram de 1 (um) a 2 (dois) minutos. Das 12 matérias analisadas, 4 (quatro)
estabeleceram este tempo de duração, 3 (três) matérias tiveram a duração entre 2 (dois) e 3
(três) minutos, outras três matérias duraram até 1 (um) minuto; uma matéria ultrapassou a
barreira de 3 (três) minutos e apenas uma ultrapassou a barreira dos 7 (sete) minutos. Vale
destacar que a matéria de maior duração foi a reportagem da TV Bahia sobre o caso das
torcedoras do Bahia vítimas de racismo veiculada no jornal Bahia Meio Dia.
A reportagem foi o gênero mais identificado entre as matérias: ao total, 5 (cinco) dos 12
materiais audiovisuais analisados utilizaram este formato para informar. A reportagem é
caracteristicamente identificada como uma matéria de duração maior, mais completa e
complexa que os demais formatos jornalísticos informativos (REZENDE, 2009). Empatados na
sequência temos a notícia (3) e o comentário (3). O primeiro é um formato de maior densidade
informativa que a nota (PATERNOSTRO, 1999), porém possui uma duração curta, em média
de 45 segundos (REZENDE, 2009); O comentário é pertencente do gênero opinativo e está
imbricado em programas de debates especializado, neste caso de esporte (REZENDE, 2009).
O comentarista, muitas vezes, além de explicar os acontecimentos e problemas, orienta o
público sobre algum fato (MELO, 1997).
Por fim, uma entrevista foi observada entre os formatos utilizados, no caso Michel
Bastos (2017) na TV Globo/SP. Vale destacar que uma narrativa jornalística pode conter mais
de um formato, porém um tipo acaba se sobressaindo (PATERNOSTRO, 1999).

Figura 4: Tipos de formatos

Fonte: Próprio autor

Na categoria de análise “De que forma o conteúdo aborda o racismo?”, dos 12 conteúdos
audiovisuais estudados, 9 (nove) ou 75% das matérias tiveram o racismo como o foco do
59

conteúdo, enquanto 3 (três) delas tiveram o racismo como parte de um conteúdo mais
abrangente. Ou seja, é possível identificar a partir disso que a grande maioria dos conteúdos
audiovisuais deram ênfase em sua narrativa o caso de suspeita de racismo, ele foi o gancho
principal para narrar a história.
Apenas três citaram o caso de suspeita de racismo como um elemento acessório,
adicional ao conteúdo esportivo e um deles não chegou nem a mencionar. Na nota exibida pela
TV Tem sobre o caso de Anderson Cavalo – Votuporanguense (2017), o âncora descreve o
momento da expulsão do atleta, a confusão que se sucedeu e a sequente agressão do Anderson
com membros da comissão técnica do time adversário. Entretanto, o texto do jornalista não
mencionou em nenhum momento que o jogador foi vítima de insultos raciais por esses mesmos
integrantes. O âncora apenas fala que o jogador alegou ter sido “insultado” por esses
integrantes, mas não frisa que foram insultos racistas – neste caso “macaco”.

Figura 5: Forma como o conteúdo aborda o racismo

Fonte: próprio autor

O critério seguinte foi verificar a partir do conteúdo das reportagens quais foram as
vítimas dos casos relatados. Como em um mesmo caso pode haver mais de uma vítima, ficou
aberta para escolher mais de uma opção. Os casos com os jogadores (10) lideraram a estatística,
seguido pelos torcedores (2) e comissão técnica (1).
60

Figura 6: Vítimas de racismo no futebol

Fonte: próprio autor

Na nona categoria de análise a observação girou em torno de identificar se as vítimas


relacionadas na opção anterior foram entrevistadas. A análise apontou um empate entre as
opções: 6 (seis) matérias entrevistaram as vítimas do suposto caso de racismo e 6 (seis) matérias
não entrevistaram. Todas matérias da categoria reportagem (5) realizaram entrevistas com as
vítimas, e a outra matéria que ouviu a vítima foi a TV Globo/SP com uma entrevista (formato
jornalístico) no caso Michel Bastos - São Paulo F.C (2016). As notícias e comentários não
ouviram as vítimas durante a narrativa do conteúdo.
E no caso Neymar – Barcelona FC, a TV Brasil não o entrevistou diretamente. Como
ele foi o gancho utilizado para falar do assunto, as outras vítimas de racismo no esporte foram
ouvidas.
Figura 7: Vítimas entrevistadas

Fonte: próprio autor


61

A seguir foi verificado quais os tipos de fontes foram ouvidas no que se refere ao fato
do racismo em si. Nesta opção desconsidou qualquer outro entrevistado que não se referisse a
possível situação de racismo. Como tecnicamente mais de uma pessoa pode ser ouvida, esta
categoria ficou aberta para selecionar mais de um tipo de entrevistado. A opção de nenhuma
fonte foi entrevistada sobre o fato do racismo em si (6) foi a situação mais comum observada,
seguido por jogadores (5), comissão técnica (3), torcedores (1), juristas (1), entidades do meio
esportivo (1), suspeitos/acusados do crime (1). Nenhum representante da comissão de
arbitragem (0) e de entidades sociais (0) foram ouvidos. As reportagens concentraram 11 (onze)
dos 12 (doze) entrevistados. O conteúdo no formato de entrevista computou o entrevistado
restante. Matérias no formato de notícia (3) e comentário (3) somadas corresponderam à opção
nenhuma (6).
A opção “nenhuma” em relação a quais fontes foram entrevistadas liderou a estatistica
em decorrência dos formatos mais “simples” de se noticiar como notícia e comentários não
terem ouvido ninguém em seus conteúdos, sendo que somados eles correspondem a metade dos
formatos analisados. Ao invés disso, o repórter e o comentarista utilizaram das imagens, relatos
de redes sociais e de conversas de bastidores para narrar os casos. Mas não houve entrevista em
tela com as vítimas.

Figura 8: Fontes entrevistadas sobre o fato do racismo

Fonte: Próprio autor


62

A reportagem que mais realizou entrevistas em termos quantitativos, num mesmo


conteúdo, foi a da TV Anhanguera sobre o caso Guaraci – CRAC (2017). Na ocasião, a matéria
ouviu a vítima do caso Guaraci, o acusado pelo ato racista Jorginho e um membro da comissão
técnica do Crac. Ao todo, três pessoas foram entrevistadas. (ALMEIDA, 2019) (SANTOS,
1984) (FERÉ, 2019)

Figura 9: Atleta Guaraci/Crac

Fonte: Globo Esporte Goiás, 2017.


63

Figura 10: Atleta Jorginho/Crac

Fonte: Globo Esporte Goiás, 2017.

Figura 11: Membro da comissão técnica do Crac

Fonte: Globo Esporte Goiás, 2017.


64

Na categoria de análise 11, o objetivo era observar a quê remetia o ato racista veiculado
pelos conteúdos audiovisuais. Esse foi outro código que poderia marcar mais de uma opção. A
animalização (11) esteve presente em 91% dos casos, na sequência a incapacidade (mental ou
física) com (4), a inferioridade estética (3) e a escravidão (2). Todos os casos referentes a
animalização da figura do personagem esportivo tiveram como insulto principal o termo
“macaco”, tanto na forma de xingamento verbal quanto na ação de imitar o animal. Os casos
veiculados pela TV Anhanguera (Guaraci – CRAC, 2017) e TV Bahia (Torcedoras – Bahia,
2017) foram os únicos casos em que o ato racista em si obteve todas as inferências do racismo
estabelecidas neste código.

Figura 12: Significado da atitude racista

Fonte: Próprio autor


65

Figura 13: Torcedoras do Bahias são vítimas de racismo

Fonte: TV Bahia, 2017.

O indicador de análise seguinte do livro de códigos foi verificar se o ato racista


aconteceu simultânea a uma situação de derrota – pela equipe da vítima. Em sete (7) das 12
(doze) reportagens analisadas, o caso de racismo não aconteceu paralelo a uma situação de
insucesso do clube ao qual a vítima defendia. Em 5 (cinco) dos casos a vítima foi discriminada
paralela a uma situação de derrota. A situação de derrota pode só ser um potencializador, uma
pólvorá para a atitude racista ainda mais no esporte (SANTOS, 1984), porém de acordo com os
números isso não é o fator decisivo.
66

Figura 14: Racismo aconteceu paralela a uma situação de derrota

Fonte: Próprio autor

No que diz respeito ao conteúdo da matéria jornalística, a análise do código 13 foi pra
verificar se em algum momento houve a informação ou menção da Lei de Racismo e Injúria
Racial da Justiça Comum ou da Justiça Desportiva por parte do repórter/âncora. Das 12 (doze)
matérias analisadas em 8 (oito) não fizeram qualquer menção dessas leis que tratam atitudes
racistas como crime. Em 4 (quatro) delas houve, em algum momento, ao menos uma menção
de que racismo é crime tanto na esfera cívil quanto na desportiva, sujeito a penalização. A
análise aponta que a maioria dos conteúdos não apontam o susposto caso de racismo como uma
situação de crime. O tema não foi visto como uma situação de crime, apenas de polêmica,
gozação e provocação (JUNIOR, 2008; SANTOS, J., 1984; SCHWARCZ, 2001).

Figura 15: Conteúdo informa sobre as leis de racismo/injúria racial?

As opiniões emitidas pelos comentaristas esportivos da TV Tem (caso Fabão – Paulista,


2017) e da TV Bahia (caso Renê Júnior – Bahia, 2017) e as reportagens da TV Bahia (caso
Torcedores – Bahia, 2017) e da RBS TV (caso Elton – Ceará, 2017) foram os únicos conteúdos
67

a citar que o racismo é crime. A matéria da TV Bahia sobre o caso das torcedoras do Esporte
Clube Bahia que foram alvo de racismo na internet foi a única a trazer um(a) jurista para falar
sobre o que diz a lei de racismo, como denúncia e penalização, e até citou o Estatuto da
Igualdade Racial do Brasil e da Bahi. No caso da reportagem da RBS TV (caso Elton – Ceará,
2017), a informação de que racismo é crime não está no conteúdo da matéria, mas sim na fala
do âncora após ser exibida a reportagem.

Figura 16: Repórter da TV Bahia e promotora de justiça

Fonte: TV Bahia, 2017.

No 14º código de análise o propósito foi observar se o conteúdo passado pela narrativa
jornalistica audiovisual relacionava o caso citado nas matérias com outras situações de racismo
no futebol. Como citado anteriormente, o objetivo deste ponto é verificar se o jornalismo
esportivo trata a questão do racismo como algo recorrente no esporte, como os números dos
Relatórios Anuais de Discriminação Racial no Futebol evidenciam, ou se trata os casos como
esporádicos e episódicos, situações pontuais. 11 (onze) matérias das 12 (doze) analisadas não
fizeram qualquer relação e/ou menção do caso narrado com outros casos de racismo no futebol;
isso correspondeu a 91, 7% das matérias analisadas. A estatística indica que a cobertura de
futebol em casos de racismo no futebol trata cada caso de forma isolada, sem ligação.
68

Figura 17: Menção a outros casos de racismo no futebol

Fonte: Próprio autor

Apenas a reportagem da TV Brasil no caso sobre Neymar – Barcelona F.C (2016) em


seu conteúdo, fez uma relação do acontecido com outras situações de racismo no futebol: com
o caso de Michel Bastos, gancho central; em outro esporte (no caso com atletas do vôlei); e do
mundo dos artistas, com Taís Araújo.

Figura 18: Caso do jogador Michel Bastos é citado em outra matéria

Fonte: TV Brasil, 2016.


69

Figura 19: Jogadora de vôlei Fabi fala sobre situação de racismo no esporte

Fonte: TV Brasil, 2016.

Figura 20: Caso de racismo na interna com a atriz Taís Araújo

Fonte: TV Brasil, 2016.

Isso denota, de acordo com a revisão de bibliografia do tema, que a questão do racismo
perpassa por todas as instancias. Os casos não são isolados, mas representam correlação de
acordo com as estruturas e instituições racistas (ALMEIDA, 2019).
70

No penúltimo ponto do livro de códigos a questão de análise foi em relação ao texto do


repórter e/ou apresentador. Verificou se os profissionais ao se referirem especificamente ao
caso de racismo utilizaram algum adjetivo para atribuir valor ao caso, já que o jornalismo
esportivo possui essa flexibilidade maior em relação ao seu texto do que em outras áreas do
jornalismo (BERNAL, 2008).
Em 11 (onze) das 12 (doze) reportagens o repórter e/ou apresentador utilizou adjetivos
para caracterizar o caso de racismo no esporte retratado. Apenas na notícia veículada pela RBS
TV sobre o caso do massagista do Aimoré, Paulo Renato Torres (2017), não houve utilização
de adjetivos. O âncora no texto da notícia não utilizou nenhum tipo de artificio para categorizar
a história do racismo no futebol; a linguagem foi essencialmente objetiva e descritiva do jogo.

Figura 21: Utilização de adjetivos no caso de racismo

Esse dado se relaciona diretamente com o último ponto de análise, sobre quais foram os
adjetivos utilizados. No caso específico de supostos casos de racismo no futebol, o âncora ou
repórter em algum momento utilizou algum dos seguintes termos durante a narrativa
audiovisual: "triste tema”, "acusação grave", "Polêmica do Ba-Vi”, "polêmica", “lance que deu
o que falar", "polêmico, né?", "foi muito provocado pelo D'alessandro, ele pegou pesado?", "O
lado triste do esporte”, "uma situação muito triste para o futebol", "isso não é bacana, né?", "A
coisa ficou feia no jogo entre Votuporanguense e RB Brasil", "é difícil um jogador ficar tão
indignado e dar uma entrevista se nada tivesse acontecido”, "não dá para aceitar, não dá para
ficar calado, tem que reagir sim".
Como (BERNAL, 2008) aponta, é comum que no jornalismo esportivo o texto abra
espaço para adjetivos e superlativos. A análise dos adjetivos apontou que os termos ligados a
71

“tristeza”, “polêmica” e “insatisfação” foram usualmente utilizados para referenciar suspostos


casos de racismo no futebol. Quando contrapostos com outros resultados do código de análise,
como por exemplo, se o conteúdo fez relação com outros casos de racismo no futebol (11 dos
12 conteúdos não fizeram qualquer menção) ou se informa ou menciona as leis antirracistas do
Brasil e do futebol (8 dos 12 não fizeram), tais adjetivos revelam uma abordagem que não se
guia de forma objetiva diante do cenário: “racismo é crime” (BRASIL, 1988). Ao invés disso,
parte para uma abordagem que se liga ao sentimento “tristeza” (CAMPOS, 2017; ALMEIDA,
2019) e entretenimento “polêmica” (BOURDIEU, 1997; LOVISOLO, 2011).
72

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Minha motivação para estudar sobre como o jornalismo esportivo fazia a cobertura em
casos de racismo no futebol nasceu de um desconforto e angústia. Como um homem negro,
aficionado pelo esporte e consumidor assíduo de televisão, me incomodava a forma como as
reportagens sobre futebol traziam a temática de racismo. A memória que tinha era de que as
narrativas se prendiam exclusivamente ao caso específico, sem contextualizar e dialogar com a
questão racial brasileira.
Esta hipótese pôde ser visualizada com as matérias audiovisuais analisadas a partir do
livro de códigos com o auxílio da análise de conteúdo. Como apontaram os resultados, foi
recorrente as matérias retratarem os casos de racismo veiculados como casos pontuais e
individuais (onze das doze matérias analisadas não fizeram qualquer relação e/ou menção a
outros casos de racismo). O livro de código nos traz outros dados que nos servem para traçar
apontamentos sobre a forma como a cobertura do jornalismo esportivo audiovisual tem atuado
diante desses caos. É importante não perder o recorte temporal aplicado (2016, 2017 e 2018).
O racismo foi o tema central das matérias (nove das doze tiveram o racismo como foco
norteador do conteúdo); entretanto, quando contrastamos com os resultados sobre como a
narrativa aconteceu nos deparamos com o seguinte cenário: em relação as vítimas que foram
entrevistadas (seis das doze não entrevistaram ninguém, corresponde a 50%), sobre os tipos de
fontes que foram ouvidas sobre o fato do racismo em si (a opção “nenhuma fonte” foi
entrevistada liderou a estatística; apenas uma pessoa do ramo jurídico foi ouvida em todas
matérias), se fizeram menção ao crime de racismo/injúria (oito de doze não citaram nenhuma
lei; dos quatro casos que fizeram menção da legislação em três ficou a cargo do comentarista
esportivo e do âncora “opinar” sobre o tema) e ainda na utilização de adjetivos e superlativos
no texto (onze das doze aplicaram valor ao introduzir finalizar a matéria), o que pouco se
aprofunda sobre os reais efeitos do racismo. Diante disso, é possível apontar a necessidade de
uma sofisticação no tratamento do assunto que é tão delicado, necessário e transversal na
socidade brasileira.
É importante destacar que o racismo no futebol tem sido pauta nas mídias jornalísticas.
Mas o como tem sido feito precisa ser objeto de reflexão. O jornalismo possui o poder de
informar, mas não apenas. Numa mídia tão massificada e capilarizada como a televisão,
cobrindo um assunto que move milhões de pessoas todos os dias e que move milhões para os
cofres das emissoras, o jornalismo esportivo pode e deve construir pontes para discussões e
diálogos sobre temas que atingem não apenas o esporte, mas toda sociedade. Independente da
73

editoria, é necessário discutir o papel do jornalismo em fomentar essas reflexões. O jornalismo


esportivo pode e deve falar não apenas do jogo, como já vem fazendo, mas é notável que há
muito ainda para ser feito e debatido. Assuntos como o racismo precisam ser contextualizados
e objetivos o suficiente para que não sejam refutados, ainda mais em uma sociedade que custa
a se assumir enquanto racista e enxerga diversas atitudes discriminatórias como “brincadeira”
ou “provocação”.
A televisão é uma mídia que esbarra na limitação de tempo, o que impede muitas vezes
que haja um debate mais aprofundado dos temas, e é preciso levar em conta a cobertura de um
assunto que historicamente foi visto como mero entretimento e que não refletia as mazelas da
sociedade. Ainda assim, o jornalismo esportivo pode através de uma simples notícia, por
exemplo, ao menos citar a lei de racismo no futebol, frisar que é uma suspeita de crime e não
uma reles polêmica. A televisão também tem esse papel em instigar a audiência a estender o
conhecimento para outras mídias, inflenciar o telespectador a aprofundar o conhecimento, em
pautar a vida cotidiana.
Também é importante apontar a necessidade de se discutir, a partir dos termos
estruturais e institucionais no jornalismo audiovisual, os potenciais negativos que se pode
acarretar para população negra no Brasil uma cobertura que, por exemplo, negue a existência
do racismo enquanto fator transversal tanto do esporte quanto em outras esferas. Que o trate
como “uma parte triste do futebol”, porque assim o considera como um elemento natural do
futebol, só que ruim. Tem-se em vista que o jornalismo esportivo também fomenta em milhares
de crianças, muitas negras, o desejo de ser um herói no esporte, de ser um craque, e assim
ascender socialmente através da prática do futebol. O jornalismo esportivo também pode
desempenhar essa função educativa em destacar que essas “brincadeiras”, “xingamentos” e
“provocações”com conotações racista não fazem parte do jogo, mas que na verdade é um crime
mais recorrente do que se imagina. Mas estamos preparados para desempenhar este papel? As
questões de racismo estruturais e intitucionais que dificultam ou até impedem pessoas negras
em chegar a cargos de chefia pode implicar em atingir esse propósito.
Por fim, este trabalho não tem o objetivo de invalidar todo o progresso que o jornalismo,
e especificamente a segmentação esportiva, desempenhou e tem desempenhado em denunciar
e tornar público casos de racismo no futebol. Nem também tem a ambição de, a partir dessa
análise, julgar todos os conteúdos referentes aos casos de racismo no futebol, o que estaria além
do que este trabalho pode entregar nesse momento. O intuito foi verificar a forma como esse
assunto foi abordado a partir de recortes temporais e metodológicos específicos e assim gerar
reflexões, apontamentos e caminhos sobre como podemos avançar no tema.
74

O jornalismo esportivo não pode mais tratar cada caso de racismo no futebol como novo
e inédito. Nas palavras de um dos organizadores do Observatório da Discriminação Racial no
Futebol, Marcelo Carvalho, “(a mídia) precisa aprofundar mais o debate e principalmente
investigar os desdobramentos, provocando punições e ações de combate”.
A última consideração que descrevo vem relatar que essa monografia também vem
agregar discussões no que tange a produção cientifica a partir das perspectivas raciais na
comunicação. Uma das motivações para estudar as temáticas foi também me bater com uma
situação de pouca produção acadêmica que contemplasse as três áreas de grande apelo social
no Brasil (televisão, futebol, racismo), logo este trabalho também dialoga em ocupar o espaço
da universidade para pensar o negro no Brasil nesses contextos.
75

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, S. L. D. Racismo estrutural. São Paulo : Pólen, 2019.

BAHIA, G. MP-BA investiga denúncia de racismo após imagem na web fazer comparação
entre torcedoras. G1 Bahia, 2017. Disponivel em: <https://g1.globo.com/bahia/noticia/mp-ba-
investiga-denuncia-de-racismo-apos-imagem-na-web-fazer-comparacao-entre-
torcedoras.ghtml>. Acesso em: 08 Março 2020.

BARBEIRO, H.; RANGEL, P. Manual do jornalismo esportivo. São Paulo : Contexto , 2006.

BARBERO, J. M. América Latina e os anos recentes: o estudo da recepção em comunicação


social. In: SOUSA, M. W. (. Sujeito, o lado oculto do receptor. São Paulo: Brasiliense, 1995.
p. 39-68.

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.

BERNAL, A. L. Periodismo Deportivo y Sensacionalismo: Motivos para la Reflexión. In:


MONTÍN, J. M. (. Imagen, Comunicación y Deporte: Una Aproximación Teórica. Madrid :
Vision Libros , 2008. p. 277.

BORGES, R. D. S. Mídia, racismos e representações do outro. In: (ORGS.), R. C. D. S. B. E.


R. B. Mídia e racismo. Petropólis : DP et Alii, 2012. Cap. 6, p. 180-205.

BOTTA, E. Globo Esporte Sorocaba. GE, 2016. Disponivel em:


<http://globoesporte.globo.com/sp/sorocaba/futebol/times/sao-
bento/noticia/2016/10/anderson-cavalo-admite-erro-em-briga-mas-considera-gancho-
injusto.html?platform=hootsuite>. Acesso em: 08 Março 2020.

BOURDIEU, P. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Zahar , 1997.

BUENO, W. D. C. Chutando prá fora: os equívocos do jornalismo esportivo. In: MARQUES,


J. C.; CARVALHO, S.; CAMARGO, V. R. Comunicação e esporte: tendências. Santa Maria:
Pallotti/Intercom, 2005.

CAMPOS, L. A. Racismo em três dimensões: Uma abordagem realística-crítica. Revista


Brasileira de Ciências Sociais , Rio de Janeiro, v. 32, n. 95, p. 19, 2017. ISSN RBCS.
76

CARNEIRO, S. Estratégias legais para promover a justiça social. In: GUIMARÃES, A. S. A.;
HUNTLEY, L. Tirando a máscara: ensaios sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra,
2000. p. 311-323.

CARRANÇA, F. O combate ao racismo nos meios de comunicação. In: (ORGS.), R. C. D. S.


B. E. R. B. Mídia e racismo. Petropólis: DP et Alii, 2012. Cap. 5, p. 154-179.

CARVALHO, M. O negro no futebol brasileiro: inserção e racismo. Geledés, 2018. Disponivel


em: <https://www.geledes.org.br/o-negro-no-futebol-brasileiro-insercao-e-racismo/>. Acesso
em: 18 Agosto 2019.

CHARAUDEAU, P. Discurso das mídias. 1ª. ed. São Paulo: Contexto, 2007.

COELHO, P. V. Jornalismo esportivo. São Paulo: Contexto, 2004.

COUTINHO, I. M. D. S. O telejornalismo narrado nas pesquisas e a busca por cientificidade:


A análise da materialidade audiovisual como método possível. Intercom – Sociedade
Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2016.

DAMATTA, R. Relativizando: uma introdução à antropologia estrutural. Petropólis : Vozes ,


1981.

EBC, P. EBC Esportes. EBC, 2016. Disponivel em:


<http://www.ebc.com.br/esportes/2016/01/neymar-e-vitima-de-racismo-em-jogo-na-espanha-
relembre-outros-casos?platform=hootsuite>. Acesso em: 08 Março 2020.

EMICIDA; NAVE; SAMAM, R. Ismália. São Paulo: Sony Music, 2019.

ERBOLATO, M. L. Jornalismo especializado: emissão de textos no jornalismo impresso. São


Paulo: Atlas , 1980.

ESPORTE, T. Jogador Fabão do Paulista acusa a própria torcida de ofensas racistas. Globo
Esporte Sorocaba, 2017. Disponivel em:
<http://globoesporte.globo.com/sorocaba/videos/v/jogador-fabao-do-paulista-acusa-a-propria-
torcida-de-ofensas-racistas/5784965/>. Acesso em: 08 Março 2020.

FERÉ, L. O valor atribuído à palavra “macaco” e outras injúrias. In: FUTEBOL, O. D. D. R.


N.; SUL/PROREXT, M. D. U. F. D. R. G. D. Relatório da Discriminação Racial no Futebol
2018. 1ª. ed. Porto Alegre: [s.n.], 2019. p. 39-42.
77

FILHO, C. M. Espelho e a máscara: o enigma da comunicação no caminho do meio. São


Paulo: Unijuí, 2002.

FOXSPORTS. LAMENTÁVEL! Vídeo revela torcedores do Peñarol imitando macacos


durante confusão em jogo contra o Palmeiras. Fox Sports Twitter, 2017. Disponivel em:
<https://twitter.com/foxsportsbrasil/status/864894328597954560>. Acesso em: 08 março
2020.

FUTEBOL, O. D. D. R. N. Relatório Anual da Discriminação no Futebol 2016. Observatório


da Discriminação Racial no Futebol, 2017. Disponivel em:
<https://observatorioracialfutebol.com.br/Relatorios/2016/RELATORIO_DISCRIMINCACA
O_RACIAL_2016.pdf>. Acesso em: 08 Fevereiro 2020.

FUTEBOL, O. D. D. R. N. Relatório anual da discriminação racial no futebol 2017.


Observatório da Discriminação Racial no Futebol; Museu da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Porto Alegre. 2018.

FUTEBOL, O. D. D. R. N. Relatórios Anuais da Discriminação 2018. Observatório Racial da


Discriminação no Futebol, Porto Alegre, 09 Setembro 2019. ISSN 978-85-9489-202-7.
Disponivel em:
<https://observatorioracialfutebol.com.br/Relatorios/2018/RELATORIO_DISCRIMINCACA
O_RACIAL_2018.pdf>. Acesso em: 09 fevereiro 2020.

GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5ª. ed. São Paulo: Atlas, 1999.

GLOBOESPORTE.COM. Michel Bastos diz ter sido chamado de "negro" por D'Alessandro:
"Pesado". GE, 2016. Disponivel em: <http://globoesporte.globo.com/futebol/times/sao-
paulo/noticia/2016/04/michel-bastos-diz-ter-sido-chamado-de-negro-por-dalessandro-
pesado.html?platform=hootsuite>. Acesso em: 08 Março 2020.

GLOBOESPORTE.COM. Nacional é multado por gesto racista de torcedor em duelo com


Palmeiras. GE, 2016. Disponivel em:
<http://globoesporte.globo.com/futebol/times/palmeiras/noticia/2016/04/nacional-e-multado-
por-gesto-racista-de-torcedor-em-duelo-com-palmeiras.html?platform=hootsuite>. Acesso
em: 08 Março 2020.

GLOBOESPORTE.COM. Cuesta se pronuncia após acusação e nega ofensa racial a Élton:


"Jamais faria isso". GE RS, 2017. Disponivel em:
<https://globoesporte.globo.com/rs/futebol/times/internacional/noticia/cuesta-se-pronuncia-
78

apos-acusacao-e-nega-ofensa-racial-a-elton-jamais-faria-isso.ghtml>. Acesso em: 08 Março


2020.

GLOBOESPORTE.COM. Demitido por agredir colega, atleta diz que foi vítima de racismo:
"Preto sujo". Globo Esporte Goiás, 2017. Disponivel em:
<http://globoesporte.globo.com/go/futebol/noticia/2017/02/demitido-por-agredir-colega-
atleta-diz-que-foi-vitima-de-racismo-preto-sujo.html>. Acesso em: 08 Março 2020.

GLOBOESPORTE.COM. Elton fará B.O. para investigar suposto caso de racismo em jogo
contra o Inter. GE CE, 2017. Disponivel em:
<https://globoesporte.globo.com/ce/futebol/noticia/elton-fara-boletim-de-ocorrencia-contra-
victor-cuesta-apos-suposto-caso-de-racismo.ghtml>. Acesso em: 08 Março 2020.

GLOBOESPORTE.COM. Técnico do Aimoré pede para time se retirar de campo antes do fim
do jogo contra o Pelotas. GE, 2017. Disponivel em:
<http://globoesporte.globo.com/rs/videos/t/globo-esporte-rs/v/tecnico-do-aimore-pede-para-
time-se-retirar-de-campo-antes-do-fim-do-jogo-contra-o-pelotas/5830470/>. Acesso em: 08
Março 2020.

GLOBOESPORTE.COM. Tréllez é absolvido por suposta injúria racial contra Renê Júnior no
Ba-Vi. Rede Bahia, 2017. Disponivel em: <https://globoesporte.globo.com/ba/noticia/trellez-
e-absolvido-por-suposta-injuria-racial-contra-rene-junior-no-ba-vi.ghtml>. Acesso em: 08
Março 2020.

HARRIS, M. Padrões raciais nas Américas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 1967.

HELAL, R. Mídia, construção da derrota e o mito do herói. In: RONALDO HELAL, A. J. S.


H. L. A invenção do país do futebol: Mídia, raça e idolatria. Rio de Janeiro: Mauad, 2001. p.
149-162.

HELAL, R.; JR, C. G. Sociologia, história e romance na construção da identidade nacional


através do futebol. In: HELAL, R.; SOARES, A. J.; LOVISOLO, H. A invenção do país
futebol: Mídia, raça e idolatria. Rio de Janeiro: Mauad, v. 5, 2007. Cap. 2, p. 51-72.

IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) - Mercado
de Trabalho Brasileiro. Agência de Notícias do IBGE, Rio de Janeiro, 2018. Disponivel em:
<https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/media/com_mediaibge/arquivos/08933e7cc526e2f4c3b
6a97cd58029a6.pdf>. Acesso em: 26 Fevereiro 2020.
79

IBGE. Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil. IBGE, 2019. ISSN ISBN 978-85-
240-4513-4. Disponivel em:
<https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101681_informativo.pdf>. Acesso em: 26
Feveiro 2020.

IBOPE. Pesquisa Brasileira de Mídia - Hábitos de Consumo de Mídia pela População


Brasileira. Secretaria de Comunicação Social (SECOM). Brasília, p. 162. 2016.

INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, F. B. D. S. P. Atlas da violência


2019. Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, p. 49-55. 2019.

JONES, J. M. Racismo e preconceito. Tradução de Dante Moreira Leite. São Paulo: Editora
da Universidade de São Paulo, 1973.

JUNIOR, R. L. D. S. Raça e justiça: O mito da democracia racial e o racismo institucional no


fluxo de justiça. Recife: Massangana, 2008.

LEAL, B. S. Telejornalismo e autenticação do real: estratégias espaços e acontecimentos. e-


compós , Brasília , v. 11, n. 2, p. 1-13, mai/ago 2008. ISSN E-ISSN 1808-2599.

LOPES, F. Experiências desiguais ao nascer, viver, adoecer e morrer: tópicos em saúde da


população negra. In: FUNASA Saúde da população negra no Brasil: contribuições para a
promoção da equidade. Brasília: Assessoria de Comunicação e Educação em Saúde, 2005. Cap.
1, p. 9-48.

LOVISOLO, H. Jornalismo e esporte: linguagens e emoções. Corpus et Scientia, Rio de


Janeiro, v. 7, n. 2, p. 91-99, nov 2011. ISSN 1981-6855.

MACHADO, M. R. D. A.; LIMA, M.; NERIS, N. Racismo e insulto racial: dinâmicas de


reconhecimento e invisibilização a partir do direito1. Novo estudo, São Paulo, v. 35.03, n. 28,
p. 11-28, Novembro 2016.

MACK, R. C. V. Futebol empresa: a nova dimensão para o futebol. Rio de Janeiro: Palestra
Edições LTDA, 1980.

MADUREIRA, T. Protagonistas em campo, negros são relegados dos cargos de gestão de


clubes da Série A; veja levantamento. Superesportes, 2019. Disponivel em:
<https://www.mg.superesportes.com.br/app/noticias/futebol/futebol-
nacional/2019/04/25/noticia_futebol_nacional,580597/protagonistas-em-campo-negros-sao-
excluidos-dos-cargos-de-gestao.shtml>. Acesso em: 18 julho 2019.
80

MATTOS, R. Como aumentou a importância do futebol na renda da Globo. Blog do Rodrigo


Mattos, São Paulo, 2019. Disponivel em:
<https://rodrigomattos.blogosfera.uol.com.br/2019/09/19/saiba-como-aumentou-a-
importancia-do-futebol-na-renda-da-globo/>. Acesso em: 04 Março 2020.

MOORE, C. Racismo e sociedade: novas bases epistemológicas para entender o racismo. Belo
Horizonte: Mazza edições, 2007.

MOREIRA, A. Racismo recreativo. São Paulo: Pólen, 2019.

NASCIMENTO, A. O genocídio do negro brasileiro: Processo de um racismo mascarado.


Rio de Janeiro: Paz e Terra S/A, 1978.

NASCIMENTO, B. É tempos de falarmos de nós mesmos. In: RATTS, A. Eu sou atlântica:


sobre a trajetória de vida de Beatriz Nascimento. São Paulo: imprensa oficial , 2006. Cap. 2, p.
91-129.

O negro no futebol brasileiro. Direção: Gustavo Aciol. Produção: Filmes do Equador e Lucy
Barreto, Luis Carlos Barreto, Paula Belchior, Paula Barreto Roberto Rios. Intérpretes: Gustavo
Aciol. [S.l.]: HBO. 2018.

OSELAME, M. C. Fim da notícia: O "engraçadismo" no campo do jornalismo esportivo de


televisão. Porto Alegre: Diss. (Mestrado) – Faculdade de Comunicação Social, Pós-Graduação
em Comunicação Social. PUCRS., 2012.

PATERNOSTRO, V. I. O texto na TV: o manual de telejornalismo. 5ª. ed. Rio de Janeiro:


Campus, 1999.

RATTS, A. Eu sou atlântica: sobre a tragetória de vida de Beatriz Nascimento. São Paulo:
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006.

REZENDE, G. J. D. Telejornalismo no Brasil: um perfil editorial. São Paulo: Summus, 2000.

ROSENBERG, J. Un grito de gol −la historia del relato de fútbol en la radio Uruguay.
Montevidéu: E. UCA/Aguilar, 1999.

SAMPAIO, R.; LYCARIÃO, D. Eu quero acreditar! Da importância formas de uso e limites


dos testes de confiabilidade na Análise de Conteúdo. Revista de Sociologia e Política, Curitiba,
v. 26, n. 66, p. 31-47, agosto 2017. ISSN 10.1590/1678-987318266602.
81

SANTOS, A. D. G. D. A consolidação de um monopólio de decisões: A Rede Globo e


transmissão do Campeonato Brasileiro de Futebol. Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(UNISINOS). São Leopoldo, p. 268. 2013. (S237c).

SANTOS, I. A. A. D. Direitos humanos e as práticas de racismo. Brasília: Edições Câmera,


2015.

SANTOS, J. R. D. O que é racismo. São Paulo: Abril Cultural, 1984.

SCHWARCZ, L. M. Racismo no Brasil. São Paulo: Publifolha, 2001.

SERRA, E. Elton Serra: informação, opinião, curiosidades. eltonserra, 2019. Disponivel em:
<https://eltonserra.com/opiniao/o-jornalismo-esportivo-nao-esta-preparado-para-discutir-
sobre-racismo>. Acesso em: 08 Março 2020.

SILVA, F. M. D. Jornalismo esportivo como área específica na televisão: O pacto sobre o papel
do jornalismo no Globo Esporte e Bate-Bola. Intercom, Rio de Janeiro, 05-09 Setembro 2005.
01-15.

SILVA, F. M. D. Jornalismo esportivo como área específica na televisão: O pacto sobre o papel
do jornalismo no Globo Esporte e Bate-Bola. NP 18 – Comunicação e Esporte, do V
Encontro dos Núcleos de Pesquisa da Intercom, Rio de Janeiro, 05-09 setembro 2005. 01-
15.

SOARES, A. J. História e a invenção de tradições no futebol brasileiro. In: HELAL, R.;


SOARES, A. J.; LOVISOLO, H. A invenção do país futebol: mídia, raça e idolatria. Rio de
Janeiro: Mauad, 2001. Cap. 1, p. 13-50.

SODRÉ, M. O monopólio da fala: função e linguagem da televisão no Brasil. Petropólis :


Vozes, 1977.

SODRÉ, M. Claros e escuros: identidade, povo e mídia no Brasil. Petropólis: Vozes , 1999.

SODRÉ, M.; FERRARI, M. H. Técnica de reportagem: notas sobre a narrativa jornalística.


São Paulo: Summus , v. 14, 1986.

TELLES, E. Racismo à brasileira: uma perspectiva sociológica. Rio de Janeiro: Relume


Dumará, 2003.

VICO, M. D. Futebol embranquece o negro. UOL, 2019. Disponivel em:


<https://www.uol.com.br/esporte/reportagens-especiais/tecnico-roger-machado-da-aula-
82

sobre-racismo-e-diz-por-que-clareou-um-pouquinho-quando-virou-jogador/#tematico-3>.
Acesso em: 13 Março 2020.

VIOLÊNCIA, A. D. Publicação Atlas da Violência 2019. Instituto de Pesquisa Econômica


Aplicada, 2019. ISSN ISBN 978-85-67450-14-8. Disponivel em:
<http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/19/atlas-da-violencia-2019>. Acesso em: 26
Fevereiro 2020.
83

APÊNDICE A – Entrevista Estruturada com Marcelo Medeiros Carvalho

Entrevista como parte do material para a composição do Trabalho de Conclusão de Curso


(TCC) de Jornalismo. Realizada em 01 de março de 2020, via e-mail.

Sobre a metodologia desenvolvida pelo Observatório:

1. Com base nos dados obtidos pelo Observatório, é possível identificar qual tipo de mídia
específica tratou mais sobre os casos de racismo no futebol?

R: Com base nos dados obtidos podemos apontar que foi a mídia escrita, via internet.

2. Como funciona o sistema de monitoramento de mídia? É possível que alguns casos não
tenham sido coletados pelo Observatório?

R: O sistema de monitoramento funciona com alguns programas que monitoram palavras


chaves e via serviço oferecido pelo Google. Com certeza alguns casos devem escapar do
monitoramento, principalmente os que envolvem atletas, clubes e competições de menos
expressão.

3. A metodologia de vistoria de supostos casos de racismo acompanha os desdobramentos


de casos já conhecidos? De que forma eles são incluídos no relatório?

R: O Relatório apresenta não apenas os casos, mas também seus desdobramentos.


Acompanhar o pós-caso é nosso principal desafio e objetivo, afinal para um trabalho de
combate ao racismo é crucial o histórico.

Sobre a atuação do Observatório:

1. Como surgiu o projeto do Observatório da Discriminação Racial do Futebol?

R: Surgiu a partir dos casos de racismo com o Tinga, Márcio Chagas e o Arouca em março
de 2014, após uma pesquisa para tentar descobrir o histórico de casos e punições e não
encontrando a informação surgiu a ideia de lançar o Observatório.

2. O que diferencia as campanhas desenvolvidas pelo Observatório com a temática do


racismo? Como foi/é a receptividade pública?
84

R: A diferença que tentamos impor em nossas ações é que queremos através delas gerar o
debate e a reflexão, não acreditamos que nossas ações irão acabar com o racismo, mas queremos
que gere uma interação e mostrar dados da desigualdade racial.

3. Qual a finalidade de produzir anualmente o relatório?

R: A finalidade é mostrar que os casos não são isolados, que são comuns. Depois surgiu o
desafio de abastecer de informação estudiosos, acadêmicos, a imprensa, clubes e entidades.
Hoje praticamente todos os estudo que envolvem “racismo e futebol” têm o Observatório como
fonte e até mesmo PL (Projetos de Lei) e campanhas nascem com base nos dados dos Relatórios.

4. As metas do projeto foram alcançadas? Há novas metas?

R: Podemos dizer que nosso primeiro desafio foi alcançado. O Observatório tem um nome
reconhecido no Brasil e no exterior graças a seu trabalho, mas estamos longe de outra meta
inicial: Ter a parceria de clubes e atletas em ações. As metas são conseguir ampliar o debate
para dentro e fora dos clubes.

Sobre a visão do Observatório:

1. Os casos de racismo no meio esportivo têm aumentado ou a mídia tem dado maior
atenção ao tema?

R: Os dois. Os casos de fato aumentaram de alguns anos para cá, mas com certeza estão
mais perceptivos devido a uma maior cobertura da imprensa a esses incidentes.

2. Qual a importância do jornalismo esportivo em tratar sobre questões raciais?

R: Muito importante, uma vez que traz à tona os incidentes e tenta dar mais voz às vítimas.

3. O que falta à cobertura jornalística, em especial televisiva, sobre o racismo no futebol?


É uma questão qualitativa ou quantitativa?

R: O problema é que a mídia trata cada novo caso como se fosse o primeiro, como um
problema novo e esporádico; precisa aprofundar mais o debate e principalmente investigar os
desdobramentos, provocando punições e ações de combate.

Fonte: Autoria Própria


85

APÊNDICE B – Livro de Códigos “COBERTURA JORNALÍSTICA


AUDIOVISUAL SOBRE O RACISMO NO FUTEBOL BRASILEIRO”

1 - Título da matéria (conforme registrado onde o material foi coletado)

2 – Caso

3 – Publicação

4 – Veículo
() TV Brasil
() TV Globo/SP
() TV TEM
() TV Anhanguera
() FoxSports
() RBS TV
() TV Bahia

5 – Tempo
6 – Formato
() Reportagem
() Notícia
() Entrevista
() Comentário
() Indicador
() Editorial
() Crônica
() Formatos pouco frequentes: colunas, charges e participação do telespectador

7- De que forma o conteúdo aborda o racismo?


() O racismo é o foco do conteúdo
() O racismo é parte de um conteúdo mais abrangente

8 - Quem foi(ram) a(s) vítima(as)? (não excludente, podendo marcar mais de uma opção)
() Jogador(es)
() Torcedor(es)
() Comissão Técnica
() Comissão de Arbitragem

9 - A(s) vítima(s) foi/foram entrevistadas?


86

() Sim
() Não

10 - No que se refere ao fato do racismo em si, excluídos outros desdobramentos do


conteúdo, quais tipos de fontes foram entrevistadas? (não excludente, podendo marcar
mais de uma opção)
() Jogador(es),
() Entidades do meio esportivo (CBF, Fifa, etc.)
() Comissão Técnica,
() Suspeitos/acusados do crime
() Juristas (advogados, promotores, juízes, etc.)
() Comissão de arbitragem
() Entidades sociais (ongs, associações, etc.)
() Nenhuma

11 - O ato racista remete a que:


() Animalização
() Incapacidade (mental ou física),
() Inferioridade estética
() Escravidão, Incapacidade (mental ou física)

12 - A atitude racista ocorreu paralela a uma situação de derrota?


() Não
() Sim

13 - O conteúdo informa e/ou menciona sobre a lei de racismo/injúria racial?


() Não
() Sim

14 - O conteúdo relaciona e/ou menciona outros casos de racismo no futebol?


() Sim
() Não

15 - No que se refere especificamente ao texto do repórter e/ou apresentador foi utilizado


algum adjetivo atribuído ao caso do racismo?
() Sim
() Não

16 - Quais adjetivos foram utilizados pelo repórter/apresentador ao se referir ao caso de


racismo? (Item condicionado ao anterior)
87

ANEXO A – Código Disciplinar da FIFA – Capítulo Discriminação

Capítulo 13 – Discrimination
1.
Any person who offends the dignity or integrity of a country, a person or group of people
through contemptuous, discriminatory or derogatory words or actions (by any means
whatsoever) on account of race, skin colour, ethnic, national or social origin, gender, disability,
sexual orientation, language, religion, political opinion, wealth, birth or any other status or any
other reason, shall be sanctioned with a suspension lasting at least ten matches or a specific
period, or any other appropriate disciplinary measure.
2.
If one or more of an association’s or club’s supporters engage in the behaviour described in
paragraph 1, the association or club responsible will be subject to the following disciplinary
measures:
a) For a first offence, playing a match with a limited number of spectators and a fine of at least
CHF 20,000 shall be imposed on the association or club concerned;
b) For reoffenders or if the circumstances of the case require it, disciplinary measures such as
the implementation of a prevention plan, a fine, a points deduction, playing one or more matches
without spectators, a ban on playing in a particular stadium, the forfeiting of a match, expulsion
from a competition or relegation to a lower division may be imposed on the association or club
concerned.
TITLE II. OFFENCES
14
3.
Individuals who have been the direct addressee of potential discriminatory behaviour may be
invited by the respective judicial body to make an oral or written victim impact statement.
4.
Unless there are exceptional circumstances, if a match is abandoned by the referee because of
racist and/or discriminatory conduct, the match shall be declared forfeited.

Você também pode gostar