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SÃO CRISTÓVÃO
2020
EMERSON MACIEL ESTEVES
SÃO CRISTÓVÃO
2020
RESUMO
The Observatory of Racial Discrimination in Football, through their annual reports, has pointed
to an increase in the number of reports of suspected cases of racism in football. This is also due
to the fact that the cases are more perceptive due to increased press coverage of these incidents.
In view of the strength of television in Brazil, and the relevance of the sports journalism segment
in this media, the aim of this study is to understand how the audiovisual sports journalism guides
the cases of racism in brazilian football in its content. The research methodology adopted was
the case study and content analysis which resulted in a code book that guided the observation
of twelve subjects between the years of 2016 and 2017. From the analysis it was concluded that
the subjects treated each new case as if it were the first, as a new and sporadic problem, without
making any connection with the other cases of racism in football, sport and Brazil. Regarding
the construction of content, there was a tendency to not interview anyone when the focus of the
story was racism. Moreover, it was noticed an indication of treatment of the subject as a mere
controversy, since the overwhelming majority of subjects did not even mention that the practice
of racism is a crime. This work may contribute to the understanding of how sports journalism
has been covering racism in football and in this way foster reflections on the importance of
sports journalism in addressing racial issues in depth in their narratives.
Keywords: Sports Journalism; Soccer; Racism; Television.
“80 tiros te lembram que existe pele alva e
pele alvo” (Ismália, Emicida, 2019)
AGRADECIMENTOS
Rebeca, Yara e Vic se tornaram meus grandes portos seguros. Obrigado por tudo.
Obrigado pela compreensão, por estarem presentes em momentos de crise, mas também por
dividir os momentos de alegria comigo. Rebeca, nossa conexão não é explicada por nenhuma
pesquisa cientifica. O que a gente construiu juntos foi e está sendo algo marcante e que muda
minha vida a cada dia. Obrigado sempre. Yara, obrigado por nunca desistir de mim, quando em
vários momentos eu tentei fazer isso. Obrigado por sempre ser uma inspiração, de mulher forte
e profissional no jornalismo que eu quero seguir. Vic, obrigado pelos momentos de diversão e
de constante aprendizado que tive e ainda tenho contigo. Você é especial demais para esse
mundo doido que vivemos.
Também gostaria de citar Igor, Geo, Murilo, Chaves, Afonso, Kellisson, Analu, Dantas,
Letícia, Malu, Haline, Kathy, Diana, Louise, Hector, Talisson, Samuel, Taís, Mikaella, cada
um do seu jeito me incentivou, viu em mim algo que eu não via, ou que fui ensinado a não ver.
Obrigado por tudo. Amo vocês. Cada um sabe o que significou para mim a companhia de vocês
nesse período. Quero agradecer ao meu quilombo do Coletivo de Estudantes Negros Beatriz
Nascimento da Universidade Federal de Sergipe. Obrigado a todos pelo apoio, vocês
fortaleceram minha autoestima física e principalmente intelectual. Seguimos nossa luta
antirracista na universidade.
Por fim, queria agradecer a minha professora Vera do Fundamental 1. Obrigado por
plantar uma semente na minha cabeça de que eu poderia ser o que eu quiser, que eu podia sonhar
com a universidade, mesmo em um contexto desfavorável. Você costumava dizer que eu seria
o presidente do Brasil. Olha professora, eu não tenho as competências técnicas para ser político,
me encontrei no jornalismo, mas sem dúvidas eu sou mais inteligente que nosso atual chefe de
estado. Obrigado.
Agradecer também ao meu orientador Vitor Belém que me respeitou e incentivou esse
estudo de forma excelente. Obrigado pelo apoio. E claro, todo corpo docente de jornalismo do
Departamento de Comunicação Social da UFS. Cada um contribuiu de alguma forma para este
trabalho.
Também não vou deixar de agradecer aos artistas negros dos mais variados gêneros
musicais que foram minha trilha sonora em dias e noites enquanto eu escrevia esse trabalho.
Muito obrigado. Essa conquista não é apenas minha. É de toda nossa gente. Sigamos firmes!
LISTA DE FIGURAS
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 9
5 ANÁLISE ............................................................................................................... 51
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 75
1 INTRODUÇÃO
jornalismo, possui grande relevância na grade de horários das emissoras de TV. Nesse segmento
são discutidos no dia-a-dia o mundo da “bola”, o pré e pós-jogo, o mercado de transferências,
a rotina dos clubes, etc.
Eu, como outros milhões de brasileiros, cresci numa casa que tinha a televisão aberta
como a única forma de interação e comunicação com o mundo. Cresci vendo grandes jogadores,
grandes jogos do futebol brasileiro e posteriormente mundial. A televisão e o esporte estiveram
presentes na minha formação enquanto cidadão e, dentre outros motivos, foi o mais contundente
para me fazer cursar jornalismo. Com a questão racial transversal na minha vida, sendo minha
família paterna inteiramente preta e a materna em sua maioria branca, a tríade “televisão –
futebol – racismo” fazem parte de mim.
Através do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, 12 matérias audiovisuais
foram coletadas para submeter ao processo de análise de conteúdo. Um livro de código foi
organizado para guiar os dezesseis pontos de análise no que tange as questões técnicas do
jornalismo e também questões de reflexão sobre o racismo no futebol abordado nas matérias.
Os resultados quantitativos ajudaram a fomentar discussões sobre a cobertura de forma
qualitativa.
O estudo pretende ser apenas um indicativo de como o assunto foi abordado pelo
jornalismo com o recorte temporal em 2016, 2017 e 2018 através de uma revisão bibliográfica
que se divide em quatro capítulos: “Racismo: conceitos, preconceito e crime”, “Racismo em
campo: as regras do jogo”, “O jornalismo esportivo e o racismo no Brasil” e, por fim, a análise.
O primeiro visa introduzir os conceitos e dimensões do racismo a fim de diferenciar
suas diversas frentes; também neste capítulo apresento as noções de racismo no cenário
brasileiro e a legislação que criminaliza essa prática. No capítulo dois exponho o racismo
dentro do futebol brasileiro e suas diversas manifestações. Descrevo a relação legislativa de
cunho racista no futebol a partir das principais entidades que organizam o esporte: Fifa,
Conmebol e CBF e, por fim, um histórico da atuação do Observatório da Discriminação Racial
na luta antirracista no Brasil. O último capítulo consiste na análise de conteúdo das doze
matérias audiovisuais coletadas.
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O termo racismo tem uma pluralidade de significados e acepções que vai nos guiar para
buscar entender suas diversas dimensões. Segundo Moreira (2019), é um conceito dinâmico,
que vai expressar especificações do contexto sociocultural ao qual ele é alvo de estudo. Não é
minha intenção neste capítulo trazer um único conceito para embasar a discussão de racismo.
Buscarei retratar um panorama epistemológico e cientifico do estudo do tema com base em
diversos autores, que em alguns momentos se complementam em aspectos específicos.
Antes de adentrar as abordagens que o racismo condensa, vale caracterizar o conceito
do termo raça, já que ele é transversal em toda discussão subsequente. A raça pode ser entendida
como uma construção social que procura validar projetos de dominação que se baseia na
hierarquização entre grupos sociais com base em suas características físicas (MOREIRA,
2019). Ao procurar categorizar e classificar grupos minoritários, o grupo social dominante tem
a intuição de garantir que seu status social seja mantido.
Além de fomentar a hierarquização, o grupo dominante tipifica estereótipos que
inferiorizam e criam um parâmetro social a ser seguido. Como Almeida (2017, p. 38) frisa:
Antes de falar em racismo propriamente dito, é preciso distinguir outras duas categorias
que são usualmente associadas ao conceito de raça: preconceito e discriminação. O preconceito
racial é baseado em estereótipos impostos a grupos racializados e que pode resultar ou não em
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Não custa repetir que todo esse conjunto de representações sociais sobre o
negro e sobre a mestiçagem, que podem ser verificados em diversos estudos
sociológicos sobre o tema, se apoiavam em determinadas concepções raciais,
profundamente arraigadas no pensamento científico até o início do nosso
século como também no “senso comum” (HELAL e GORDON JR, 2007, p.
61).
condenado pela natureza à inferioridade congênita e outro grupo está destinado à superioridade
congênita”. Na década de 1960, Pierre van den Berghe (1967, p.11) descrevia o racismo como
“um conjunto de crenças de que diferenças orgânicas, genéticas transmitidas (reais ou
imaginadas) entre grupos humanos estão intrinsecamente associadas com a presença ou a
ausência de certas habilidades ou características socialmente relevantes”.
Conforme Campos (2017) afirma, é comum encontrar nos autores desse período uma
diferenciação terminológica que reservava o termo “racismo” às ideologias raciais e lidava com
as práticas racistas a partir das noções de “preconceito” e “discriminação”.
Também neste contexto, Banton (1970) descrevia o termo como uma doutrina na qual
o comportamento humano é determinado por características herdadas, estáveis, derivadas de
estoques raciais separados e que possuem atributos distintivos. São considerados usualmente
como mantendo uma relação de superioridade e inferioridade uma com a outra.
Em sua análise crítica, Campos (2017, p. 5) destaca a abordagem fraca e incipiente de
racismo por esses autores:
A segunda dimensão descrita pelo autor é a de “precedência a partir das práticas”, que
começou a ser estudada ainda nos anos 1930. Nessa concepção o destaque vai para o papel que
os processos psicológicos inconscientes têm na formação de preconceitos e nas sequentes ações
discriminatórias (CAMPOS, 2017).
Nesta lógica, as ações e a prática discriminatória têm precedência quando se pretende
compreender ou mensurar o racismo existente em nossas sociedades e, em segundo lugar,
entende-se que as atitudes são muito mais emotivas, irracionais e reativas, e por isso, nem
sempre possui uma ideologia como fonte. Isso não implica que ações discriminatórias,
intencionalmente racistas, tenham deixado de existir, mas que apenas os motores da
discriminação racial vão além delas (CAMPOS, 2017).
Segundo o autor, essa concepção de “racismo sutil” ou “implícito” destaca o papel de
inúmeras condutas reativas e irrefletidas para a reprodução das atitudes discriminatórias”
(CAMPOS, 2017, p. 6).
Blank, Dabady e Citro (2004, apud CAMPOS, 2017) caracterizam quatro exemplos de
racismo que demonstrariam a autonomia entre crenças/ideologias raciais dos
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O jurista, filósofo e professor brasileiro Silvio Luiz de Almeida em seu livro “Racismo
Estrutural” (2019) também classifica o racismo a partir de três concepções sendo elas a
individualista, institucional e estrutural, a partir dos seguintes critérios: relação entre racismo e
subjetividade; relação entre racismo e Estado; relação entre racismo e economia.
Na concepção individualista, o racismo
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Sob essa ótica não existiria sociedades ou instituições racistas, mas indivíduos ou grupos
isolados que teriam atitudes racistas. O racismo se manifesta principalmente de forma direta,
na forma de discriminação (ALMEIDA, 2019). O autor aponta as limitações dessa concepção,
especialmente no que tange a história e os efeitos concretos do racismo:
se tal reivindicação é ou não justificada por uma motivação refletida ou ideológica para a ação
(ou inação).
As primeiras discussões sobre a concepção institucional iniciaram a partir da luta pelos
direitos civis nos Estados Unidos e na África do Sul na década de 1960.
Instituições que não tratam de forma ativa o problema da desigualdade racial e nem
possui leis antirracistas em seus códigos de conduta internos estão sujeitos a reproduzir práticas
racistas tidas como “normais” em toda sociedade (ALMEIDA, 2019). De acordo com o autor,
tais situações se tornam uma “correia de transmissão de privilégios”:
Segundo Nascimento (2006, p. 99) “Ser negro (no Brasil) é enfrentar uma história de
quase quinhentos anos de resistência à dor, ao sofrimento físico e moral, à sensação de não
existir, a prática de ainda não pertencer a uma sociedade na qual consagrou tudo o que possuía,
oferecendo ainda hoje o resto de si mesmo”.
Em consonância com isso, Moore (2008, p.284) frisa que “O racismo veda o acesso a
tudo isso, limitando para alguns, segundo seu fenótipo, as vantagens e benefícios e liberdades
que a sociedade outorga livremente a outros, também em função de seu fenótipo”.
Diferentemente do racismo segregacionista explícito de países como Estados Unidos e África
do Sul, o racismo brasileiro possui nuances e características próprias da nossa formação racial
enquanto sociedade. O racismo com jeitinho brasileiro se apresenta, muitas vezes, de forma
educada e polida, ao ponto de se questionar o porquê de a pessoa negra ter ficado irritada com
um comentário de cunho racial pejorativo, o chamado “Racismo à Brasileira” (DAMATTA,
1981; TELLES, 2003; SCHWARCZ, 2001)
Segundo Santos, J. (1984, p.41) “Nosso preconceito racial, zelosamente guardado, vem
à tona, quase sempre, num momento de competição. (o futebol é um caso mais que típico de
‘momento de competição’)”. Quando o time perde se procura um culpado para justificar a
derrota, e esse culpado normalmente tem cor.
Conforme Júnior (2008) explica, a discriminação racial como uma norma jurídica ou
social explícita, como nos casos de segregação racial praticada nos Estados Unidos até os anos
1960 ou na África do Sul durante o Apartheid (1948-1994), são algumas manifestações da
discriminação racial, mas não as únicas. Como supracitado anteriormente a nossa discriminação
racial é aparentemente branda, às vistas da expressão racista ostensiva dos países citados, mas
não menos efetiva. O estereótipo racial e o estigma racial que o negro brasileiro transporta
consigo acaba segregando-o em outro nível.
No primeiro momento, há uma série de expectativas socialmente esperadas de como o
corpo negro deve ser e agir em sociedade. Por exemplo, é comumente aceito e esperado que
uma pessoa negra no Brasil seja naturalmente sambista ou jogador de futebol: “Em nosso país
os brancos sempre esperam que as minorias raciais cumpram corretamente os papéis que lhe
passaram – no caso do negro, os mais comuns são artista e jogador de futebol. Se fracassam,
lhe jogam na cara a suposta razão do fracasso: a cor da pele”. (SANTOS, J., 1984, p. 41)
O segundo é uma forma de estereótipo menos flexível, a do “negro bem-sucedido” ou o
negro que transpõe os limites do estereótipo que vive uma situação ambígua e ambivalente. Ele
é sempre colocado em constante dúvida por conta da cor da sua pele (“mas eles são negros”),
21
desses serviços; como também a ação seletiva do aparato judicial e policial junto aos
afrodescendentes, seja pela via passiva, através da oferta mais precária dos serviços de
segurança pública, ou ativa mediante a ação racialmente seletiva da ação judiciária, carcerária
e policial, com especiais drásticos efeitos sobre a população negra (LOPES, 2005), são também
formas de se visualizar em nosso país o racismo institucional e estrutural, quando se verifica a
ausência dos negros e negras nos espaços da vida social de maior prestígio social ou que
permitam acessos mais favoráveis aos mecanismos de empoderamento econômico ou político.
Diante deste cenário de desigualdade, falta de oportunidade e da esmagadora maioria de
pessoas mortas no Brasil possuírem a mesma cor, o mito de que a população brasileira vive
democracia racial é invalidado e incipiente. Amplamente difundida no século XX por autores
como Gilberto Freyre, o mito da democracia racial brasileira foi uma ferramenta que a elite e
intelectuais brancos se utilizaram como forma de controle social (SANTOS, J., 1984).
Para Júnior (2008, p. 59), “o Mito da Democracia Racial é constituído por uma forma
dramática que sintetiza o processo de formação de uma vontade coletiva como ‘povo’ ou
‘nação’ brasileira, fantasia concreta que atua sobre uma multiplicidade heterogênea,
segmentada e estratificada”. Segundo o autor, através do “mito das três raças” (branca, indígena
e negra), o resultado é uma sociedade hegemônica, que transcende qualquer classe ou grupo
social, desta forma sem a necessidade de se discutir o racismo:
Através do “mito das três raças”, o novo bloco dominante torna-se
hegemônico, alcançando a capacidade prática e imaginária de transcender, o
horizonte de uma determinada classe ou grupo social interpelando, assim, uma
vontade coletiva nacional-popular, como protagonista de um efetivo drama-
histórico: o povo brasileiro, fruto de miscigenação, do sincretismo, da mistura
cultural. (JÚNIOR, 2008, p. 59)
De acordo com o art. 5º, inciso XLII, da Constituição Federal de 1988 “a prática do
racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão nos termos da
lei” (BRASIL, 1988, p. 2)
Para Santos (2015) trata-se de uma medida efetiva de combate às práticas de exclusão,
tanto em nível legal, quanto institucional, uma conquista resultante da mobilização do
movimento negro, no ano do centenário da Abolição, que centralizou suas reivindicações para
que as práticas discriminatórias saíssem da condição de contravenção penal e fossem
classificadas como crime.
A legislação anterior, a Lei Afonso Arinos, era qualificada pelo ministro
presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, como “lei de
contravenção penal topográfica”, ou seja, se o racismo se manifestasse em
determinada conduta se caracterizava como ilícito. Era topográfica porque só
eram ilícitas se se realizassem em determinado espaço: hospedagem, em
elevador, clubes, bares, etc. Enfim, criminalização ou tipificação de ilícitos
penais contravencionais por localização de espaços – não pela conduta em si.
(SANTOS, 2015, p.61)
Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia,
religião ou procedência nacional.
Pena: reclusão de um a três anos e multa (BRASIL, 1989, p. 1)
Vale destacar que nessa Lei não há uma definição ou diferenciação do que seriam
discriminação e preconceito (JUNIOR, 2008). Quanto ao crime de injúria, a nova Lei acrescenta
um parágrafo ao artigo 140 do Código Penal, prescrevendo pena de reclusão de um a três anos
e multa “se a injúria consiste na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou
por procedência nacional” (BRASIL, 1997, p. 1).
Numa diferenciação prática, de acordo com a legislação brasileira, injúria racial consiste
em ofender a honra de alguém se valendo de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou
origem. Já o crime de racismo atinge uma coletividade indeterminada de indivíduos,
discriminando toda a integralidade de uma raça. Ao contrário da injúria racial, o crime de
racismo é inafiançável e imprescritível. (BRASIL, 1997).
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Art. 1º Esta Lei torna pública condicionada a ação penal em razão de injúria
consistente na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou
a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Parágrafo único. Procede-se
mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso do inciso I do caput do art. 141
deste Código, e mediante representação do ofendido, no caso do inciso II do mesmo
artigo, bem como no caso do § 3º do art. 140 deste Código. (BRASIL, 2009, [s.p.])
Entender de que forma se deu as relações raciais assim que a bola de futebol começou
a rolar pela primeira vez no Brasil é importante tanto para contextualizar as noções de poder e
de raça que eram colocadas na época, e que podem ser vistas até hoje, tanto para refletir sobre
os preconceitos e estereótipos que a população negra enfrenta dentro dessa modalidade. Cabe
também o diálogo de como as entidades esportivas lidam e punem casos de racismo no futebol.
Neste capítulo explico com mais profundidade sobre o Observatório da Discriminação Racial
no Futebol e de maneira pincelada sobre as relações raciais estruturais que afetam o futebol.
De acordo com Carvalho (2018), nos primeiros anos, a formação dos times se deu
basicamente por orientação racial. Os clubes que não declararam abertamente em seus estatutos
que apenas brancos podiam praticar o esporte tornavam isso explícito a partir do momento que
se colocava altos preços nas mensalidades. Desta forma, os negros recém-saídos da escravidão
e que se encontravam em situação financeira muito abaixo dos brancos se viam incapazes de
atuar no futebol.
Não há um consenso sobre uma data e um time específico que um jogador negro tenha
praticado o futebol pela primeira vez no Brasil. Um dos clubes pioneiros em possuir negros em
seu plantel de jogadores foi a Ponte Preta, time do interior de São Paulo. Desde sua fundação,
em 11 de agosto de 1900, o clube já possuía jogadores negros em seu quadro de atletas. O
Bangu Atlético Clube, time da periferia do Rio de Janeiro, também se destacou nesse cenário
ao escalar o atleta negro Francisco Carregal em 1905, sendo um dos primeiros clubes a fazer
isso (CARVALHO, 2018).
Porém, a inserção de jogadores negros não foi vista com bons olhos pelas ligas
desportivas que organizavam as competições na época. Existia uma exclusão racial
regulamentada nos campeonatos. Em 1907, por exemplo, a Liga Metropolitana de Football
(equivalente à atual FERJ) publicou uma nota proibindo o registro de “pessoas de cor” como
atletas amadores de futebol. Isso resultou no abandono do Bangu à Liga e na disputa do
Campeonato Carioca, que possuía em seu plantel um número considerável de jogadores negros
que também eram operários. O time da Zona Oeste do Rio de Janeiro também foi importante
na inserção da torcida negra e pobre em seu estádio sem a separação por cor e classe social.
Como Carvalho (2018, [s.p.]) destaca:
Além do Bangu, outro clube do Rio de Janeiro que foi muito importante na inclusão de
negros no futebol brasileiro foi o Vasco da Gama. Em 1904, o time já tinha elegido um
presidente negro, Cândido José de Araújo, que foi fundamental na história em adotar atitudes
que contribuíssem para a inserção de atletas negros e demais jogadores que não pertencessem
a elite. Depois de subir para a primeira divisão, em 1923, o Vasco conquistou o título do
Campeonato Carioca com um quadro de jogadores repleto de atletas negros, um feito histórico
para época, o que foi um choque para sociedade classe média-alta branca carioca. (SOARES,
2007).
Como Carvalho (2018) cita, o fim dos primeiros anos do século XX ainda se dividia
entre o amadorismo e o profissionalismo, entre o futebol com caráter elitista e o popular, entre
a supremacia dos jogadores brancos e a introdução dos negros.
Mesmo diante do contexto hostil de ser negro num país que recém tinha abolido o
sistema escravocrata e diante de uma sociedade, no início do século XX, explicitamente
racializada, o primeiro grande jogador amador do país foi ironicamente um negro. Arthur
Friedenreich era filho de alemão com uma brasileira negra e despontou como o maior jogador
do futebol brasileiro na época. O jogador, entretanto, precisava se apresentar de forma mais
branca possível. Ele alisava seu cabelo crespo para se tornar mais palatável e que assim não
sofresse nenhum tipo de retaliação por parte das diretorias e das torcidas.
Um segundo exemplo de jogador negro que precisou renegar seus traços fenótipos (e
nesse caso a própria cor) para conseguir praticar o esporte neste contexto foi Carlos Alberto,
atleta do Fluminense. No clube de elite da zona sul do Rio de Janeiro, o jogador entrava em
campo coberto de pó de arroz no rosto para transparecer ser o mais branco possível. Porém,
com o andamento da partida e o suor produzido pelo corpo, o pó de arroz escorria por seu rosto.
Isso rendeu o apelido que o perseguiu durante sua carreira “pó-de-arroz” (CARVALHO, 2018).
Neste contexto, todo mundo queria de alguma forma “embranquecer” para atender a um
ideal da branquitude, seja do ponto de vista físico, seja moral. Um fenômeno comumente visto
neste período era de negar à negritude (HELAL e GORDON JR, 2007).
Numa sociedade em que o racismo estava explicitamente institucionalizado, como a
presença dos negros não era vista com bons olhos na modalidade, os atletas começaram a se
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articular e montar suas próprias ligas, onde não houvesse o fator cor como impedimento para a
prática do futebol. Devido o estatuto das Ligas oficiais vetar atletas amadores “de cor” surgiram
em resposta a isso as Ligas Negras, como a Liga Suburbana de Futebol, criada em 1907, assim
como, a Liga Nacional de FootBall Porto Alegrense (pejorativamente conhecida como Liga da
Canela Preta), no Rio Grande do Sul e a Liga Brasileira de Desportos Terrestres
(pejorativamente chamada de Liga dos Pretinhos), na Bahia; entre outras tantas espalhadas pelo
Brasil. Eram que serviam de resistência e luta no enfrentamento a discriminação racial
(CARVALHO, 2018).
Como é mostrado na série documental o “Negro no futebol brasileiro” (HBO, 2018)
inspirada no clássico livro homônimo de Mário Filho (1964), longe dos campos de elite e
reprimidos ao campo de várzea e pelado, os atletas negros construíram seu próprio estilo e modo
de jogar o futebol. A ginga, o drible e a movimentação com muita habilidade foram recursos
aperfeiçoados pela falta de espaço nesses gramados periféricos. Muitas dessas técnicas e
habilidades também são oriundas das raízes africanas, advindas da capoeira e de outras
manifestações corporais trazidas com os negros escravizados para o Brasil. Com a habilidade
na prática do futebol, não demorou muito para que as Ligas entendessem que a proibição de
escalar atletas negros era uma perda de competitividade e com a iminente profissionalização do
esporte no Brasil, os técnicos e cartolas se abriram de vez para a excelência negra.
Porém, antes da profissionalização, as regras não permitiam que os jogadores fossem
remunerados, e vivendo em condições de baixa rentabilidade, os negros precisavam trabalhar e
não tinham tempo para ter o futebol como hobby. O aparecimento do ‘operário-jogador’
proporcionou aos operários a possibilidade de o esporte ser uma segunda fonte de renda, além
de uma relativa mobilidade social dentro da fábrica. A prática começou então a ser vista como
possibilidade de ascensão social (CARVALHO, 2018).
É com a remuneração pela prática da modalidade que o futebol inicia sua história como
ferramenta de ascensão social pelos negros no Brasil (CARVALHO, 2018).
Em 2005, O Juventude foi o primeiro clube brasileiro punido por racismo no futebol. O
time de Caxias do Sul (RS), por conta de atos racistas de sua torcida que imitava um macaco
todas as vezes que Tinga, volante do Internacional, tocava na bola, foi julgado pelo Superior
Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), que em decisão unânime, puniu o time com R$ 200 mil
e tirou o mando de campo de duas partidas da equipe.
A Confederação Brasileira de Justiça Desportiva (CBJD), diferentemente da legislação
criminal brasileira, não diferencia os tipos de injúria racial (art. 140, § 3º do Código Penal) e
racismo (Lei n. 7.716/1989), optando pelo único dispositivo referente à prática de ato
discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, conforme dispõe o Art. 243-G do referido diploma
legal: “Praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em
razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de
deficiência” (BRASIL, 2009).
O Direito Desportivo é um ramo do Direito que trata das relações jurídicas existentes
nas atividades desportivas. No Brasil, a Justiça Desportiva atua na área administrativa e não
pertence ao Poder Judiciário brasileiro. É uma instituição de direito privado dotada de interesse
público, tendo como atribuição dirimir as questões de natureza desportiva definidas no Código
Brasileiro de Justiça Desportiva, formada por um conjunto de instâncias autônomas e
independentes das entidades de administração do esporte. A sua existência está prevista no
artigo 217 da Constituição Federal. Seu funcionamento é similar ao dos órgãos do judiciário
brasileiro, que julga casos de acordo com denúncias realizadas por procuradores, tal qual fazem
os promotores públicos.
A pena por praticar um ato discriminatório no futebol brasileiro, de acordo com o STJD
é suspensão de cinco a dez partidas, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador,
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médico ou membro da comissão técnica, e suspensão pelo prazo de cento e vinte a trezentos e
sessenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código, além de
multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais).
A FIFA reconhece a sua responsabilidade nos esforços para acabar com todas as formas
de preconceito no futebol, como descrito no Artigo 3 do seu estatuto.
O novo Código Disciplinar da Fifa, art.13, permite que os árbitros suspendam um jogo
por incidentes de racismo e inclusive defina a equipe infratora - ou cujos torcedores tiverem
cometido a infração - como derrotada. A partir da implantação do novo Código, em 2019, as
partidas poderão ser suspensas após a aplicação do “sistema de três passos”. No primeiro
momento, um jogo poderá ser interrompido para que seja feito pelo sistema de som do estádio
um anúncio formal contra palavras e gestos racistas. Se os atos persistirem, o árbitro terá de
impor uma suspensão temporária e solicitar uma nova mensagem oficial. O terceiro e último
passo será o cancelamento, com a saída de todos de campo.
O Código Disciplinar da FIFA deve ser observado em todos os jogos e competições
organizados não apenas pela própria FIFA, mas também por todas as federações e por todos os
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respectivos membros, entre clubes, dirigentes, jogadores, árbitros e todas as outras pessoas
aceitas pela FIFA em um jogo ou competição, inclusive os espectadores, que podem fazer com
que seu time ou seleção seja punido e até mesmo afastado das competições caso se manifestem
de forma racista ou discriminatória.
1
Entrevista realizada via e-mail no dia 01 de março de 2020 com o título “Entrevista Estruturada |
Trabalho de Conclusão de Curso” — Ver Apêndice A
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Como o relatório anual de 2019 ainda não foi lançado, detalharei a situação dos casos
referentes ao ano de 2018, oficialmente o último relatório divulgado. Em relação a punições, a
situação dos 44 (quarenta e quatro) casos classificados como de “suposto caso de racismo”
(denúncias de racismo), até o fechamento do relatório, tiveram as seguintes apurações:
De acordo com o relatório de 2018 (FUTEBOL, 2019), dos 12 (doze) casos que
ocorreram via internet, em 01 (um) houve registro de Boletim de Ocorrência. A ocorrência foi
registrada no artigo 140 do Código Penal, como injúria, mas não foram encontradas
informações sobre o andamento do processo na justiça comum. Nas demais 11 (onze)
ocorrências não foram encontradas informações de qualquer procedimento por parte das
vítimas, clubes ou autoridades.
Em relação aos 03 (três) casos que ocorreram fora dos estádios e da internet, em 02
(dois) não foram encontradas informações sobre alguma punição aos envolvidos. Em 01 (um)
39
caso o Ministério Público de São Paulo entrou com uma ação e pediu que o agressor fosse
condenado a pagar R$ 7,4 milhões de multa, por dano social e coletivo.
Em relação aos 29 (vinte e nove) casos que correspondem a incidentes raciais nos
estádios de futebol, eles podem ser julgados pela Justiça Desportiva (que possui prazo de até
sessenta dias para tomar uma decisão) se houver denúncia, e/ou pela Justiça Comum (Cível
e/ou Criminal). O mesmo caso pode ser julgado nas duas esferas da Justiça, sendo que na Justiça
Penal a vítima deve entrar com processo Cível e/ou Criminal.
02 (dois) casos foram julgados e punidos pelo TJD (Tribunal Justiça Desportiva) ou pelo
STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva): multa de R$ 3 mil ao Nacional Fast Clube e
duas partidas de punição e advertência para o treinador Carlos Donizete.
03 (três) casos foram julgados e absolvidos pelo TJD ou STJD: O Botafogo de Futebol
e Regatas foi absolvido no caso Vinicius Junior, a União Recreativa de Torcedores foi absolvida
no caso do jogador Marquinhos e o atleta Ryan da Silva foi absolvido no caso envolvendo o
outro atleta Matheus Felipe.
Existem 02 (dois) casos os quais existem a informação de que os incidentes constam em
súmula, mas não foram encontradas informações de julgamentos dos incidentes raciais.
Os casos que ocorreram durante a Copa Libertadores da América, Copa Sul-Americana
e Recopa Sul-Americana são julgados conforme o Artigo 12 da CONMEBOL. No Relatório
existem 13 (treze) casos que ocorreram em competições de responsabilidade da CONMEBOL.
Destes, não há informação de punição aos envolvidos ou mesmo se o caso foi para análise.
Na Justiça Comum, em 06 (seis) casos foram encontradas informações sobre registro de
Boletim de Ocorrência: em 01 (um) o agressor foi preso e liberado após o pagamento de fiança
e em 05 (cinco) casos não se obteve informações se houve abertura de processo na justiça. Nos
casos em que ocorre o registro de Boletim de Ocorrência (B.O.) o delito de injúria racial
depende da representação da vítima. Nos casos que ocorrem em jogos de Futebol Amador não
foram encontradas informações de punição aos envolvidos, de acordo com o Relatório.
"O futebol embranquece o negro. Até os 19 anos eu era negro; quando comecei
a jogar bola, eu comecei a clarear um pouquinho. Primeiro que, por uma
ascensão social, pela visibilidade e por uma questão financeira, eu comecei a
frequentar outros lugares que a maioria de nós não consegue frequentar.
Segundo porque, em torno dessa habilidade artística com a bola nos pés, você
é aceito. Esse seria o lugar de direito do negro, por suas habilidades artísticas
— como costumam dizer —, como futebol, capoeira, ser cantor, no samba”
(VICO, 2019)
41
Entretanto, a partir dos anos 2000, num contexto propício à popularização da internet e
com a inevitável e ferrenha concorrência com a agilidade dos meios digitais, o jornalismo
esportivo, principalmente na televisão, teve que se readaptar. De acordo com Bourdieu (1997),
a espetacularização dos acontecimentos esportivos passou a ser o principal atributo para se
definir as notícias. Este foi o pontapé da era do jornalismo esportivo da informação-
entretenimento. O objetivo já não era buscar, apurar e divulgar as informações, mas divertir,
distrair e entreter o telespectador.
Segundo o jornalista Coelho (2008), em muitas oportunidades a informação esportiva
teve que ficar em segundo plano em detrimento da necessidade de se promover o espetáculo, já
que o produto - fruto de alto investimento das concessões de direitos de transmissão, por
exemplo - necessita ter um retorno, um lucro.
Bernal (apud MONTÍN, 2008) aponta cinco aspectos do jornalismo esportivo praticado
no século XXI: o descomedido espaço destinado ao futebol (em muitos programas dito
esportivos, o assunto central é o futebol, sem muita abertura para outras modalidades); o
superdimensionamento dos acontecimentos; a utilização de um vocabulário no superlativo, que
em muitas vezes abusa de adjetivos, e que pode tender a agressividade; a capacidade de criação
de personagens (heróis e vilões); e até na inclusão de aspectos que a primeira vista não
condizem com a prática esportiva.
Diante da maturação de uma linguagem própria e da espetacularização do esporte, a
cobertura dos eventos esportivos exigiu de repórteres, fotógrafos, radialistas, cinegrafistas e
comentaristas, uma dinâmica de constante movimentação para cobertura dos eventos
(ROSEMBERG, 1999). Muitas vezes, precisam-se construir narrativas em que o produto final
não fosse dos mais atrativos aos olhos do público, porém a necessidade de construir uma
narrativa excitante não possui restrição quanto à qualidade.
As narrativas remontam à emoção. Esta é a área do jornalismo que lida diretamente com
as paixões do torcedor, do amante do esporte, e existe a necessidade de fazer com que a
audiência se emocione (LOVISOLO, 2011).
objetivamente o fato acontecido ou por acontecer”. Este formato pode assumir duas formas, a
nota simples e a nota coberta. A nota simples ou nota ao vivo é a “forma mais simples de
apresentação de uma notícia na televisão” (MACIEL, 1995, p. 49). Nela, o apresentador ou
locutor apenas lê, em quadro, o texto preparado pelo editor. Já a nota coberta é formada por
duas partes que se complementam. A cabeça, correspondente ao lead, é lida pelo apresentador
em quadro ou ao vivo. Na segunda parte, chamada de off, o apresentador ou o repórter faz a
narração, “enquanto as imagens da notícia são exibidas na tela do televisor.” (MACIEL, 1995,
p. 52).
A notícia, como um formato jornalístico, é o relato de um fato mais profundo do que a
nota, pois combina a apresentação ao vivo e a narração em off coberta por imagens, “em
televisão, a imagem pode determinar ou priorizar o que é notícia”. (PATERNOSTRO, 1999,
p.146). A notícia nos telejornais tem uma duração curta, em média de 45 segundos, um pouco
maior do que a nota, mas bem abaixo da reportagem. (REZENDE, 2009)
Um outro formato de se noticiar na televisão é através da entrevista. O que a caracteriza
é a capacidade “de ser destinada a um único objetivo: fazer emergir uma informação, esclarecê-
la e midiatizá-la” (JESPERS, 1998, p.149). De acordo com Rezende (2009), esse formato se
define pelo diálogo que um jornalista mantém com um entrevistado, através do sistema -
estruturado ou não - de perguntas e repostas, com o objetivo de extrair informações, ideias e
opiniões a respeito de fatos, questões de interesse público e/ ou de aspectos da vida pessoal do
entrevistado. A entrevista estruturada, modelo mais fechado, segundo Gil (1999) se desenvolve
a partir de uma relação fixa de perguntas, cuja ordem e redação permanecem invariáveis para
todos os entrevistados que geralmente, são em grande número.
A reportagem é o formato de se noticiar mais completo e complexo da televisão
(MACIEL, 1995). É o tipo que melhor fornece um relato ampliado de um acontecimento,
mostrando suas causas, correlações e repercussões. Como subcategoria informativa, tal como
em outros veículos de comunicação, a reportagem na TV presta um serviço aos telespectadores,
ao articular “as relações dos antecedentes e das consequências do acontecimento ou fenômeno
abordado”. (JESPERS, 1998, p.167). De acordo com Rezende (2009), a reportagem com uma
duração mais longa, sua estrutura completa, constitui-se de cinco partes: cabeça, off, boletim,
sonoras e nota pé, mas pode configurar-se também sem uma ou mais dessas partes.
A partir do gênero opinativo, o formato de comentário é um dos mais reconhecidos no
jornalismo diário. É definido como matéria jornalística em que um jornalista especializado em
um determinado assunto (economia, esporte, política, etc.) faz uma análise, uma interpretação
de fatos do cotidiano. O comentarista, muitas vezes, além de explicar os acontecimentos e
46
Para Borges (2012) existe um repertório acumulado que nos faz associar e compreender
os discursos expostos na mídia. Os livros estão atrás do entrevistado? Trata-se de intelectuais.
Há a utilização de números, porcentagens, cálculos e gráficos? Notícias de economia.
Compreendido os principais formatos, é preciso refletir sobre o papel do telejornalismo
esportivo e sua estabilidade na programação televisiva após a consolidação dos telejornais como
tipo de programa padrão do jornalismo televisivo. Na década de sessenta, o país viveu um
período de avanço tecnológico e abertura política que permitiu o surgimento de programas
jornalísticos com formatos diferenciados. (SILVA, 2005).
permitindo uma maior informalidade e a utilização de recursos criativos para contar suas
histórias (SILVA, 2005).
De acordo com a autora, o esporte passou a ocupar um espaço importante na
programação televisiva em programas que vão desde boletins contendo informações simples
sobre o universo esportivo, a mesas redondas com debate entre especialistas e atuantes da área
(ex-jogadores, por exemplo), além de programas exibidos diariamente para relatar os assuntos
extracampo (SILVA, 2005).
Mesmo num contexto que permite mais liberdade, a linguagem utilizada nos programas
esportivos diários ainda é primordialmente jornalística. Os programas fazem referências a
acontecimentos diários com a utilização dos elementos do jornalismo: lead, entrevistas, critérios
de noticiabilidade, busca da objetividade, etc. “Por se tratar de acontecimentos referentes a
apenas um tema, os programas esportivos podem ser considerados como uma vertente do
jornalismo temático” (SILVA, 2005, p. 2)
No pacote de conteúdos informativos que a televisão tem a oferecer com o apoio do
telejornalismo esportivo, o futebol é o maior destaque. O esporte mais popular e assistido no
Brasil garantiu para a emissora TV Globo em 2019, só com TV Aberta e Pay-per-view, uma
renda de aproximadamente R$ 3 bilhões2. Porém, se em 2016 a Globo gastava em torno de R$
1,3 bilhão pelos direitos de todas as competições, agora o valor foi de R$ 2,1 bilhão.
Se antes a TV Globo possuía pouquíssima concorrência na garantia dos direitos de
transmissão dos campeonatos, assegurando um monopólio de transmissão que dava o direito
até de determinar dias, horários e a tabela do campeonato de forma a melhor adequá-la à sua
grade de programação e ao público alvo específico (SANTOS, A., 2013), agora a emissora
realiza disputas intensas pelos direitos de transmissão, o que só aumentou seus gastos com o
futebol.
2
Os dados são do jornalista Rodrigo Mattos (UOL, 2019)
<https://rodrigomattos.blogosfera.uol.com.br/2019/09/19/saiba-como-aumentou-a-importancia-do-futebol-na-
renda-da-globo/> acesso em: 04 de março de 2020
48
Por estar numa emissora que possui os direitos de transmissão (muitas vezes exclusiva)
da maioria dos eventos esportivos, o Globo Esporte, principal programa esportivo diário da
emissora, é privilegiado com relação aos programas das outras emissoras, pois pode mostrar os
trechos dos eventos esportivos sem precisar pagar pelas imagens. (SILVA, 2005)
O esporte gera lucro, audiência e fidelização na televisão. O jornalismo esportivo,
gênero segmentado do jornalismo que cobre o tema, tem o desafio de através de sua linguagem
e formatos mais flexíveis, conciliar aspectos financeiros estruturais da mídia, com a sua
cobertura que se estreita com recursos do entretenimento. Como lida com assuntos que a grosso
modo têm o objetivo de entreter a audiência, o jornalismo esportivo, a partir dos procedimentos
técnicos do profissional, não pode esquecer também do seu papel social que desempenha junto
com sua audiência de massa.
A segunda relação que autor faz entre a mídia com a discriminação racial é o
recalcamento. Neste caso, o autor destaca a capacidade do jornalismo, como também da
indústria cultural, em conter aspectos identitários positivos das manifestações simbólicas de
origem negra, isso graças a um fruto de desconhecimento da história do negro no Brasil.
(SODRÉ, 1999).
Sodré (1999) manifesta que a referência ao negro na mídia constrói identidades virtuais,
que condiciona essas pessoas aos estereótipos e as folclorizações em torno do indivíduo de pele
escura. Conforme o autor afirma, os profissionais midiáticos acabam dessensibilizando-se com
problemas dessa ordem, o que gera uma indiferença profissional. Outro elemento que
proporciona situações de racismo no cenário midiático e a quantidade reduzida de pessoas
negras trabalhando nas redações:
49
Diante disso, segundo Borges (2012) às questões raciais projetadas nos meios de
comunicação podem nos conduzir a entender as múltiplas formas que o racismo pode ser
retroalimentado. Conforme a autora especifica:
O jornalista negro Flávio Carrança, que escreveu o texto “ O combate ao racismo nos
meios de comunicação: A experiência dos sindicatos de jornalistas” (2012), evidencia que, se
antes a reflexão sobre o papel da imprensa e dos meios de comunicação era restrita ao âmbito
50
acadêmico, nos últimos anos um espaço maior na agenda se deu ao movimento negro. Isso foi
possível, segundo o autor:
De acordo com Borges (2012), algumas mudanças a respeito da imagem do negro foram
concretizadas, porém existe uma matriz que se replica, um padrão que define o seu lugar no
sistema de representação.
5 ANÁLISE
Após a discussão fomentada nos três capítulos anteriores, a partir de uma revisão de
bibliografia sobre os temas centrais da pesquisa (racismo no Brasil e no futebol brasileiro,
jornalismo esportivo e televisão no Brasil), a etapa seguinte é utilizar a metodologia de pesquisa
de estudo de caso com análise de conteúdo (BARDIN, 1977) para descrever de forma objetiva,
sistemática e quantitativa o conteúdo das reportagens audiovisuais sobre racismo no futebol
brasileiro.
Sobre esta metodologia, Bardin especifica:
Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter (por
procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens) indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis
inferidas) destas mensagens. (BARDIN, 1977, p. 42)
Observatório já divulgou cinco relatórios anuais desde 2014. Logo, optou-se por utilizar os anos
mais recentes nesta pesquisa pela disponibilidade dos conteúdos na internet ser mais precisa.
Aqui vale dedicar-se a explicação mais detalhada para o que levou selecionar e utilizar
cada um desses códigos de análise. O título se refere a como o identificado foi registrado no
momento da coleta na internet; o caso é um resumo breve da situação de racismo no futebol
que o Observatório fez em seu Relatório Anual; a publicação se refere a data que o conteúdo
foi publicado; e o veículo é a identificação de onde o material foi retirado – aqui as opções já
estavam pré-dispostas de acordo com o que se foi observado durante a pré-análise, e as opções
são: TV Globo/SP, TV Brasil, TV Tem, TV Anhanguera, FoxSports, RBS TV e TV Bahia.
O tempo diz respeito a quantos segundos/minutos cada matéria teve e o formato
relaciona o conteúdo publicado ao tipo de formato jornalístico, sendo eles: nota (SQUIRRA,
1990), notícia (PATERNOSTRO, 1999), entrevista (REZENDE, 2009), reportagem
(JESPERS, 1998), comentário (MELO, 1997), indicador, editorial, crônica e outros formatos
menos frequentes (ex: coluna, charge, participação do telespectador), é uma opção fechada de
múltipla escolha.
Em “de que forma o conteúdo aborda o racismo” existem duas opções: o racismo é foco
do conteúdo ou o racismo é parte de um conteúdo mais abrangente. O intuito dessa observação
é quantificar quantas matérias possuem o fato do racismo como o gancho central da narrativa,
se o que conduziu a matéria foi o fato o racismo no futebol ou se a temática foi retrata de forma
diluída em meio a outros assuntos, somente como um acessório. O oitavo código de análise tem
o objetivo de verificar quem foi(ram) a(s) vítima(as) de racismo. As opções são: Jogadore(s),
comissão técnica, comissão de arbitragem, torcedor(es), podendo marcar mais de uma opção.
O código seguinte serviu para verificar se as vítimas dos casos relatados foram entrevistadas.
Nesta categoria o critério foi analisar se conteúdo veiculado se preocupou em entrevistar as
vítimas de suspeita de caso de racismo, múltipla escolha (sim ou não).
O décimo código teve o objetivo de constatar quais tipos de fontes foram entrevistadas
no que se refere ao fato do racismo em si, excluídos outros desdobramentos do conteúdo. As
opções são: jogador(es), comissão técnica, comissão de arbitragem, torcedores, juristas,
entidades do meio esportivo, entidades sociais, suspeitos/acusados do crime e a opção de
nenhuma delas - esta categoria permitiu marcar mais de uma opção. O código sequente
54
procurou observar qual a significado que ato racista veiculado se remetia. As opções foram:
animalização – a partir dos referenciais de (ALMEIDA, 2019) (SANTOS, 1984) (FERÉ, 2019),
escravidão em (FERÉ, 2019), incapacidade mental/física (ALMEIDA, 2019) (SANTOS, 1984)
(HARRIS, 1967) e inferioridade estética (HARRIS, 1967) (HELAL e JR, 2007), além da
alternativa “nenhuma das opções”. Aqui decidiu por possibilitar a seleção de mais de uma
categoria, pois os autores consideram que tais significações negativas podem convergir em
algum grau. A intenção dessa questão é quantificar o que remete os referenciais mais comuns
dos atos racistas no futebol.
A categoria 12 – “a atitude racista ocorreu paralela a uma situação de derrota?” – visa
identificar se existe alguma relação com a derrota e a atitude racista em culpabilizar o negro,
como identifica (SANTOS, 1984), é uma categoria de múltipla escolha (sim ou não).
O código 13 pergunta se o conteúdo da matéria informa e/ou menciona sobre a
criminalização do racismo, citando as Leis de Racismo (BRASIL, 1988) e Injúria Racial
(BRASIL, 1997) ou os códigos disciplinares da CBF (2009) e FIFA (2019), por exemplo. Este
questionamento foi pensado para verificar se o jornalismo esportivo trata a questão do racismo
com o viés criminal, como uma questão de justiça, é um código de múltipla escolha (sim ou
não). Na sequência, temos a categoria 14, que visa observar se conteúdo da matéria relaciona
e/ou menciona outros casos de racismo no futebol. O objetivo é constatar ou não se o jornalismo
esportivo trata os casos de racismo como esporádico ou como algo recorrente no esporte,
múltipla escolha (sim ou não).
O penúltimo ponto de análise “No que se refere especificamente ao texto do repórter
e/ou apresentador foi utilizado algum adjetivo atribuído ao caso do racismo?”, visto que é
comum que no jornalismo esportivo se utilize uma linguagem mais flexível, com uso de
adjetivos e de superlativos (BERNAL, 2008; OSELAME, 2012), existe a necessidade de se
observar quais termos estão sendo utilizados para se referir ao racismo no futebol, múltipla
escolha (sim ou não).
A última questão de análise do livro de código é condicionada a resposta anterior. Caso
a resposta tenha sido sim, o derradeiro código identifica quais os adjetivos/termos de valor
foram utilizados pelo repórter/apresentador ao se referir ao caso de racismo.
5.1 Análise do livro de códigos
Caso 9: Elton – Ceará (2017) veiculado na RBS TV (em dois programas diferentes –
Globo Esporte/RS (em 12/07/2017) e no Bom dia Rio Grande (em 12/07/2017): O atacante
Elton, do Ceará, acusou o zagueiro Victor Cuesta, do Internacional, de chamá-lo de “macaco”.
Dois conteúdos audiovisuais foram analisados de um mesmo caso.
Caso 10: Renê Júnior – Bahia (2017) veiculado na TV Bahia em 10/11/2017: O volante
Renê Júnior, do Bahia, acusou o centroavante colombiano Santiago Tréllez, do Vitória, de
racismo. O atleta do Bahia disse que foi chamado de “macaco” pelo adversário.
No que diz respeito aos veículos que produziram conteúdo sobre os casos citados, a RBS
TV, afiliada da TV Globo no Rio Grande do Sul veiculou três conteúdos, sendo dois deles os
materiais audiovisuais do caso Elton – Ceará. Na sequência vem a TV Bahia (dois) – afiliada
da Rede Globo na Bahia -, a TV Globo/SP (dois) – afiliada da TV Globo em São Paulo -, a TV
Tem (dois) – afiliada da Rede Globo em Sorocaba/SP -, a TV Brasil (um), a TV Anhanguera
(um) – afiliada da Rede Globo em Goiás - e o FoxSports (um).
Sobre a duração de cada conteúdo audiovisual notou-se uma tendência que as narrativas
sobre jornalismo esportivo em casos de racismo sigam a tendência de duração de matérias
televisivas que duram de 1 (um) a 2 (dois) minutos. Das 12 matérias analisadas, 4 (quatro)
estabeleceram este tempo de duração, 3 (três) matérias tiveram a duração entre 2 (dois) e 3
(três) minutos, outras três matérias duraram até 1 (um) minuto; uma matéria ultrapassou a
barreira de 3 (três) minutos e apenas uma ultrapassou a barreira dos 7 (sete) minutos. Vale
destacar que a matéria de maior duração foi a reportagem da TV Bahia sobre o caso das
torcedoras do Bahia vítimas de racismo veiculada no jornal Bahia Meio Dia.
A reportagem foi o gênero mais identificado entre as matérias: ao total, 5 (cinco) dos 12
materiais audiovisuais analisados utilizaram este formato para informar. A reportagem é
caracteristicamente identificada como uma matéria de duração maior, mais completa e
complexa que os demais formatos jornalísticos informativos (REZENDE, 2009). Empatados na
sequência temos a notícia (3) e o comentário (3). O primeiro é um formato de maior densidade
informativa que a nota (PATERNOSTRO, 1999), porém possui uma duração curta, em média
de 45 segundos (REZENDE, 2009); O comentário é pertencente do gênero opinativo e está
imbricado em programas de debates especializado, neste caso de esporte (REZENDE, 2009).
O comentarista, muitas vezes, além de explicar os acontecimentos e problemas, orienta o
público sobre algum fato (MELO, 1997).
Por fim, uma entrevista foi observada entre os formatos utilizados, no caso Michel
Bastos (2017) na TV Globo/SP. Vale destacar que uma narrativa jornalística pode conter mais
de um formato, porém um tipo acaba se sobressaindo (PATERNOSTRO, 1999).
Na categoria de análise “De que forma o conteúdo aborda o racismo?”, dos 12 conteúdos
audiovisuais estudados, 9 (nove) ou 75% das matérias tiveram o racismo como o foco do
59
conteúdo, enquanto 3 (três) delas tiveram o racismo como parte de um conteúdo mais
abrangente. Ou seja, é possível identificar a partir disso que a grande maioria dos conteúdos
audiovisuais deram ênfase em sua narrativa o caso de suspeita de racismo, ele foi o gancho
principal para narrar a história.
Apenas três citaram o caso de suspeita de racismo como um elemento acessório,
adicional ao conteúdo esportivo e um deles não chegou nem a mencionar. Na nota exibida pela
TV Tem sobre o caso de Anderson Cavalo – Votuporanguense (2017), o âncora descreve o
momento da expulsão do atleta, a confusão que se sucedeu e a sequente agressão do Anderson
com membros da comissão técnica do time adversário. Entretanto, o texto do jornalista não
mencionou em nenhum momento que o jogador foi vítima de insultos raciais por esses mesmos
integrantes. O âncora apenas fala que o jogador alegou ter sido “insultado” por esses
integrantes, mas não frisa que foram insultos racistas – neste caso “macaco”.
O critério seguinte foi verificar a partir do conteúdo das reportagens quais foram as
vítimas dos casos relatados. Como em um mesmo caso pode haver mais de uma vítima, ficou
aberta para escolher mais de uma opção. Os casos com os jogadores (10) lideraram a estatística,
seguido pelos torcedores (2) e comissão técnica (1).
60
A seguir foi verificado quais os tipos de fontes foram ouvidas no que se refere ao fato
do racismo em si. Nesta opção desconsidou qualquer outro entrevistado que não se referisse a
possível situação de racismo. Como tecnicamente mais de uma pessoa pode ser ouvida, esta
categoria ficou aberta para selecionar mais de um tipo de entrevistado. A opção de nenhuma
fonte foi entrevistada sobre o fato do racismo em si (6) foi a situação mais comum observada,
seguido por jogadores (5), comissão técnica (3), torcedores (1), juristas (1), entidades do meio
esportivo (1), suspeitos/acusados do crime (1). Nenhum representante da comissão de
arbitragem (0) e de entidades sociais (0) foram ouvidos. As reportagens concentraram 11 (onze)
dos 12 (doze) entrevistados. O conteúdo no formato de entrevista computou o entrevistado
restante. Matérias no formato de notícia (3) e comentário (3) somadas corresponderam à opção
nenhuma (6).
A opção “nenhuma” em relação a quais fontes foram entrevistadas liderou a estatistica
em decorrência dos formatos mais “simples” de se noticiar como notícia e comentários não
terem ouvido ninguém em seus conteúdos, sendo que somados eles correspondem a metade dos
formatos analisados. Ao invés disso, o repórter e o comentarista utilizaram das imagens, relatos
de redes sociais e de conversas de bastidores para narrar os casos. Mas não houve entrevista em
tela com as vítimas.
Na categoria de análise 11, o objetivo era observar a quê remetia o ato racista veiculado
pelos conteúdos audiovisuais. Esse foi outro código que poderia marcar mais de uma opção. A
animalização (11) esteve presente em 91% dos casos, na sequência a incapacidade (mental ou
física) com (4), a inferioridade estética (3) e a escravidão (2). Todos os casos referentes a
animalização da figura do personagem esportivo tiveram como insulto principal o termo
“macaco”, tanto na forma de xingamento verbal quanto na ação de imitar o animal. Os casos
veiculados pela TV Anhanguera (Guaraci – CRAC, 2017) e TV Bahia (Torcedoras – Bahia,
2017) foram os únicos casos em que o ato racista em si obteve todas as inferências do racismo
estabelecidas neste código.
No que diz respeito ao conteúdo da matéria jornalística, a análise do código 13 foi pra
verificar se em algum momento houve a informação ou menção da Lei de Racismo e Injúria
Racial da Justiça Comum ou da Justiça Desportiva por parte do repórter/âncora. Das 12 (doze)
matérias analisadas em 8 (oito) não fizeram qualquer menção dessas leis que tratam atitudes
racistas como crime. Em 4 (quatro) delas houve, em algum momento, ao menos uma menção
de que racismo é crime tanto na esfera cívil quanto na desportiva, sujeito a penalização. A
análise aponta que a maioria dos conteúdos não apontam o susposto caso de racismo como uma
situação de crime. O tema não foi visto como uma situação de crime, apenas de polêmica,
gozação e provocação (JUNIOR, 2008; SANTOS, J., 1984; SCHWARCZ, 2001).
a citar que o racismo é crime. A matéria da TV Bahia sobre o caso das torcedoras do Esporte
Clube Bahia que foram alvo de racismo na internet foi a única a trazer um(a) jurista para falar
sobre o que diz a lei de racismo, como denúncia e penalização, e até citou o Estatuto da
Igualdade Racial do Brasil e da Bahi. No caso da reportagem da RBS TV (caso Elton – Ceará,
2017), a informação de que racismo é crime não está no conteúdo da matéria, mas sim na fala
do âncora após ser exibida a reportagem.
No 14º código de análise o propósito foi observar se o conteúdo passado pela narrativa
jornalistica audiovisual relacionava o caso citado nas matérias com outras situações de racismo
no futebol. Como citado anteriormente, o objetivo deste ponto é verificar se o jornalismo
esportivo trata a questão do racismo como algo recorrente no esporte, como os números dos
Relatórios Anuais de Discriminação Racial no Futebol evidenciam, ou se trata os casos como
esporádicos e episódicos, situações pontuais. 11 (onze) matérias das 12 (doze) analisadas não
fizeram qualquer relação e/ou menção do caso narrado com outros casos de racismo no futebol;
isso correspondeu a 91, 7% das matérias analisadas. A estatística indica que a cobertura de
futebol em casos de racismo no futebol trata cada caso de forma isolada, sem ligação.
68
Figura 19: Jogadora de vôlei Fabi fala sobre situação de racismo no esporte
Isso denota, de acordo com a revisão de bibliografia do tema, que a questão do racismo
perpassa por todas as instancias. Os casos não são isolados, mas representam correlação de
acordo com as estruturas e instituições racistas (ALMEIDA, 2019).
70
Esse dado se relaciona diretamente com o último ponto de análise, sobre quais foram os
adjetivos utilizados. No caso específico de supostos casos de racismo no futebol, o âncora ou
repórter em algum momento utilizou algum dos seguintes termos durante a narrativa
audiovisual: "triste tema”, "acusação grave", "Polêmica do Ba-Vi”, "polêmica", “lance que deu
o que falar", "polêmico, né?", "foi muito provocado pelo D'alessandro, ele pegou pesado?", "O
lado triste do esporte”, "uma situação muito triste para o futebol", "isso não é bacana, né?", "A
coisa ficou feia no jogo entre Votuporanguense e RB Brasil", "é difícil um jogador ficar tão
indignado e dar uma entrevista se nada tivesse acontecido”, "não dá para aceitar, não dá para
ficar calado, tem que reagir sim".
Como (BERNAL, 2008) aponta, é comum que no jornalismo esportivo o texto abra
espaço para adjetivos e superlativos. A análise dos adjetivos apontou que os termos ligados a
71
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Minha motivação para estudar sobre como o jornalismo esportivo fazia a cobertura em
casos de racismo no futebol nasceu de um desconforto e angústia. Como um homem negro,
aficionado pelo esporte e consumidor assíduo de televisão, me incomodava a forma como as
reportagens sobre futebol traziam a temática de racismo. A memória que tinha era de que as
narrativas se prendiam exclusivamente ao caso específico, sem contextualizar e dialogar com a
questão racial brasileira.
Esta hipótese pôde ser visualizada com as matérias audiovisuais analisadas a partir do
livro de códigos com o auxílio da análise de conteúdo. Como apontaram os resultados, foi
recorrente as matérias retratarem os casos de racismo veiculados como casos pontuais e
individuais (onze das doze matérias analisadas não fizeram qualquer relação e/ou menção a
outros casos de racismo). O livro de código nos traz outros dados que nos servem para traçar
apontamentos sobre a forma como a cobertura do jornalismo esportivo audiovisual tem atuado
diante desses caos. É importante não perder o recorte temporal aplicado (2016, 2017 e 2018).
O racismo foi o tema central das matérias (nove das doze tiveram o racismo como foco
norteador do conteúdo); entretanto, quando contrastamos com os resultados sobre como a
narrativa aconteceu nos deparamos com o seguinte cenário: em relação as vítimas que foram
entrevistadas (seis das doze não entrevistaram ninguém, corresponde a 50%), sobre os tipos de
fontes que foram ouvidas sobre o fato do racismo em si (a opção “nenhuma fonte” foi
entrevistada liderou a estatística; apenas uma pessoa do ramo jurídico foi ouvida em todas
matérias), se fizeram menção ao crime de racismo/injúria (oito de doze não citaram nenhuma
lei; dos quatro casos que fizeram menção da legislação em três ficou a cargo do comentarista
esportivo e do âncora “opinar” sobre o tema) e ainda na utilização de adjetivos e superlativos
no texto (onze das doze aplicaram valor ao introduzir finalizar a matéria), o que pouco se
aprofunda sobre os reais efeitos do racismo. Diante disso, é possível apontar a necessidade de
uma sofisticação no tratamento do assunto que é tão delicado, necessário e transversal na
socidade brasileira.
É importante destacar que o racismo no futebol tem sido pauta nas mídias jornalísticas.
Mas o como tem sido feito precisa ser objeto de reflexão. O jornalismo possui o poder de
informar, mas não apenas. Numa mídia tão massificada e capilarizada como a televisão,
cobrindo um assunto que move milhões de pessoas todos os dias e que move milhões para os
cofres das emissoras, o jornalismo esportivo pode e deve construir pontes para discussões e
diálogos sobre temas que atingem não apenas o esporte, mas toda sociedade. Independente da
73
O jornalismo esportivo não pode mais tratar cada caso de racismo no futebol como novo
e inédito. Nas palavras de um dos organizadores do Observatório da Discriminação Racial no
Futebol, Marcelo Carvalho, “(a mídia) precisa aprofundar mais o debate e principalmente
investigar os desdobramentos, provocando punições e ações de combate”.
A última consideração que descrevo vem relatar que essa monografia também vem
agregar discussões no que tange a produção cientifica a partir das perspectivas raciais na
comunicação. Uma das motivações para estudar as temáticas foi também me bater com uma
situação de pouca produção acadêmica que contemplasse as três áreas de grande apelo social
no Brasil (televisão, futebol, racismo), logo este trabalho também dialoga em ocupar o espaço
da universidade para pensar o negro no Brasil nesses contextos.
75
REFERÊNCIAS
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entre torcedoras. G1 Bahia, 2017. Disponivel em: <https://g1.globo.com/bahia/noticia/mp-ba-
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pesado.html?platform=hootsuite>. Acesso em: 08 Março 2020.
GLOBOESPORTE.COM. Demitido por agredir colega, atleta diz que foi vítima de racismo:
"Preto sujo". Globo Esporte Goiás, 2017. Disponivel em:
<http://globoesporte.globo.com/go/futebol/noticia/2017/02/demitido-por-agredir-colega-
atleta-diz-que-foi-vitima-de-racismo-preto-sujo.html>. Acesso em: 08 Março 2020.
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contra o Inter. GE CE, 2017. Disponivel em:
<https://globoesporte.globo.com/ce/futebol/noticia/elton-fara-boletim-de-ocorrencia-contra-
victor-cuesta-apos-suposto-caso-de-racismo.ghtml>. Acesso em: 08 Março 2020.
GLOBOESPORTE.COM. Técnico do Aimoré pede para time se retirar de campo antes do fim
do jogo contra o Pelotas. GE, 2017. Disponivel em:
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79
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1. Com base nos dados obtidos pelo Observatório, é possível identificar qual tipo de mídia
específica tratou mais sobre os casos de racismo no futebol?
R: Com base nos dados obtidos podemos apontar que foi a mídia escrita, via internet.
2. Como funciona o sistema de monitoramento de mídia? É possível que alguns casos não
tenham sido coletados pelo Observatório?
R: Surgiu a partir dos casos de racismo com o Tinga, Márcio Chagas e o Arouca em março
de 2014, após uma pesquisa para tentar descobrir o histórico de casos e punições e não
encontrando a informação surgiu a ideia de lançar o Observatório.
R: A diferença que tentamos impor em nossas ações é que queremos através delas gerar o
debate e a reflexão, não acreditamos que nossas ações irão acabar com o racismo, mas queremos
que gere uma interação e mostrar dados da desigualdade racial.
R: A finalidade é mostrar que os casos não são isolados, que são comuns. Depois surgiu o
desafio de abastecer de informação estudiosos, acadêmicos, a imprensa, clubes e entidades.
Hoje praticamente todos os estudo que envolvem “racismo e futebol” têm o Observatório como
fonte e até mesmo PL (Projetos de Lei) e campanhas nascem com base nos dados dos Relatórios.
R: Podemos dizer que nosso primeiro desafio foi alcançado. O Observatório tem um nome
reconhecido no Brasil e no exterior graças a seu trabalho, mas estamos longe de outra meta
inicial: Ter a parceria de clubes e atletas em ações. As metas são conseguir ampliar o debate
para dentro e fora dos clubes.
1. Os casos de racismo no meio esportivo têm aumentado ou a mídia tem dado maior
atenção ao tema?
R: Os dois. Os casos de fato aumentaram de alguns anos para cá, mas com certeza estão
mais perceptivos devido a uma maior cobertura da imprensa a esses incidentes.
R: Muito importante, uma vez que traz à tona os incidentes e tenta dar mais voz às vítimas.
R: O problema é que a mídia trata cada novo caso como se fosse o primeiro, como um
problema novo e esporádico; precisa aprofundar mais o debate e principalmente investigar os
desdobramentos, provocando punições e ações de combate.
2 – Caso
3 – Publicação
4 – Veículo
() TV Brasil
() TV Globo/SP
() TV TEM
() TV Anhanguera
() FoxSports
() RBS TV
() TV Bahia
5 – Tempo
6 – Formato
() Reportagem
() Notícia
() Entrevista
() Comentário
() Indicador
() Editorial
() Crônica
() Formatos pouco frequentes: colunas, charges e participação do telespectador
8 - Quem foi(ram) a(s) vítima(as)? (não excludente, podendo marcar mais de uma opção)
() Jogador(es)
() Torcedor(es)
() Comissão Técnica
() Comissão de Arbitragem
() Sim
() Não
Capítulo 13 – Discrimination
1.
Any person who offends the dignity or integrity of a country, a person or group of people
through contemptuous, discriminatory or derogatory words or actions (by any means
whatsoever) on account of race, skin colour, ethnic, national or social origin, gender, disability,
sexual orientation, language, religion, political opinion, wealth, birth or any other status or any
other reason, shall be sanctioned with a suspension lasting at least ten matches or a specific
period, or any other appropriate disciplinary measure.
2.
If one or more of an association’s or club’s supporters engage in the behaviour described in
paragraph 1, the association or club responsible will be subject to the following disciplinary
measures:
a) For a first offence, playing a match with a limited number of spectators and a fine of at least
CHF 20,000 shall be imposed on the association or club concerned;
b) For reoffenders or if the circumstances of the case require it, disciplinary measures such as
the implementation of a prevention plan, a fine, a points deduction, playing one or more matches
without spectators, a ban on playing in a particular stadium, the forfeiting of a match, expulsion
from a competition or relegation to a lower division may be imposed on the association or club
concerned.
TITLE II. OFFENCES
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3.
Individuals who have been the direct addressee of potential discriminatory behaviour may be
invited by the respective judicial body to make an oral or written victim impact statement.
4.
Unless there are exceptional circumstances, if a match is abandoned by the referee because of
racist and/or discriminatory conduct, the match shall be declared forfeited.