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28/10/2015 Bob 

Wilson e o impasse pós­moderno — Kiwi Companhia de Teatro

Bob Wilson e o impasse pós­moderno
Trabalho escrito durante o período de doutorado (USP/Sorbonne Nouvelle), por
Fernando Kinas.

Uma das referências na análise do teatro do século vinte é o espetáculo Einstein on the beach,
dirigido em 1976 por Robert Wilson. A peça (ou ópera, como foi chamada pelo diretor, ou ainda
"evento multimídia", quando a expressão não era tão comum) foi criada em parceria com o músico
Philip Glass. O espetáculo fez uma importante carreira internacional e pôs de pernas para o ar
parte do cânone dramático herdado dos clássicos, abalando muitas das certezas teatrais da época.
Einstein on the beach marcou, para muitos, uma espécie de ano­zero do teatro contemporâneo,
assim como 1950 marcou o início do teatro do absurdo ou 1881, o drama realista. A revolução, na
verdade, poderia ter como data o ano de 1970, quando Bob Wilson dirigiu O olhar do surdo,
inspirado na sua relação com uma criança surda­muda, mas este espetáculo, em que pese suas
ousadias e qualidades, não teve o mesmo impacto internacional. Mais significativo do que estas
datas, no entanto, é entender a natureza do percurso artístico de Bob Wilson como meio de
compreender algumas das transformações da arte nas últimas décadas do século 20 e começo do
21. Afinal, a obra deste criador se espalha por três décadas de atividade, sessenta espetáculos e uma
quantidade considerável de questões colocadas à arte contemporânea. 

Robert Wilson nasceu no Texas em 1941, fez estudos de arquitetura e se interessou pela pintura.
Ele já foi chamado de pai do "teatro visual" (a tautologia salta aos olhos), ou do "teatro de
imagens" (idem). O rigor matemático das marcações, a criação de grandes espaços plásticos, quase
oníricos, a precisão e a sofisticação tecnológica no uso do som e da luz, e a justaposição de cenas
aparentemente desconexas, introduziram no teatro algo além do velho conflito dramático, das
personagens individualizadas e da narrativa tradicional. Não há dúvida que Bob Wilson enviezou
os procedimentos narrativos clássicos do teatro . Segundo Hans­Thies Lehmann: 

“A tragédia antiga, os dramas racinianos e a dramaturgia visual de Robert Wilson são, certamente,
formas de teatro. Mas pode­se dizer – se nos fundamos na acepção moderna do drama – que a
primeira é de natureza ‘pré­dramática’, que os dramas de Racine são inegavelmente teatro
dramático, e que as ‘óperas’ de Robert Wilson devem ser qualificadas de pós­dramáticas. Quando
manifestamente a ilusão dramática não é mais simplesmente rompida ou substituída pela distância
épica; quando, manifestamente, não se tem necessidade nem da ação dramática nem das dramatis
personae plasticamente concebidas; quando nem uma colisão dramática/dialética dos valores nem
mesmo das personagens identificáveis não são mais necessárias para produzir o teatro (e o novo
teatro demonstra tudo isso largamente), então o conceito de drama, mesmo com mil
diferenciações, perde seu valor conceitual.” (LEHMANN, 2002, p. 45) 

É essa obra inovadora e complexa que influenciou artistas em todo o mundo, incluindo o Brasil,
onde Bob Wilson esteve no início e no final dos anos noventa (When we dead awaken, 1991; Time
rocker, 1998), e em 1974, quando dirigiu uma remontagem de A vida e a Época de Joseph Stalin,
espetáculo monumental com mais de cem artistas e doze horas de duração. Na remontagem
brasileira, em plena ditadura militar, o Joseph Stalin do título precisou de um pseudônimo para
contornar a censura, Stanley Clark. Mais uma das "contribuições" dos militares brazucas à cultura
mundial. 

No entanto, da vanguarda norte­americana dos anos 1960 e 1970 até hoje, muita água passou sob a
ponte. Bob Wilson se transformou numa das estrelas incontornáveis das artes internacionais,
fazendo parte, habitualmente, da mesma lista que inclui artistas como Peter Brook, Merce
Cunningham, Pierre Boulez ou Pina Bausch. Suas óperas e peças de teatro, e em menor medida
suas instalações, são produtos caros, fartamente subvencionados, integrados à grande indústria
cultural e, muitas vezes, mitificados tanto pela crítica, quanto pelo público. Ele ocupa
regularmente grandes casas de óperas (Scala de Milão, Metropolitan de Nova York, Ópera de
Paris) e apresenta suas peças em alguns dos teatros mais prestigiados do mundo, entre eles o
Schaubühne de Berlin e o Odeon de Paris. Talvez uma certa unanimidade tenha contribuído para
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28/10/2015 Bob Wilson e o impasse pós­moderno — Kiwi Companhia de Teatro

o estágio atual em que se encontra sua produção. Alguns críticos apontam repetição de fórmula e
mesmo auto­paródia. Sem dúvida a deglutição rápida das inovações e um ambiente de “vale­tudo”
teórico ajudaram a empurrar seus espetáculos para a roda­viva da grande indústria do
entretenimento. Eles acabaram se integrando com relativa facilidade ao ambiente morno e seguro
do establishment cultural. De outro lado, não se pode ignorar as resistências do diretor, seja pela
insistência em aprisionar o tempo, construindo encenações lentas, que dilatam o espaço­tempo
convencional, tão na contramão da vertigem televisiva e cinematográfica dominante, seja pela
recusa da significação, resistindo em fornecer imagens acompanhadas dos seus reconfortantes
referentes. O significado, em vários espetáculos de Bob Wilson, parece estar em outro lugar,
escapando da lógica interpretativa comum ao drama de corte burguês. Neste ponto Bob Wilson se
aproxima de Beckett, um dos pouquíssimos autores teatrais que o diretor norte­americano
confessou admirar e do qual cogitou montar os textos. 

É neste contexto que se pode avaliar alguns dos seus trabalhos dos anos 1990, como Donna del
Mare. O espetáculo dirigido por Wilson em 1998 tem texto de Susan Sontag ­ baseado na peça
homônima do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen (1828­1906) ­ e figurinos criados por Giorgio
Armani (sic). Em Paris a peça participou do festival EXIT, evento criado em 1994, que procura
revelar novas tendências nas artes cênicas internacionais. Ao lado de Bob Wilson, que – é preciso
dizer – integra há algum tempo a velha guarda da avant­garde, estavam, por exemplo, o coreógrafo
Ron Brown e a vídeo­artista Marianne Weems, ambos de Nova York, as companhias Out of joint
(criada em Londres pelo diretor Max Stafford­Clark) e o grupo inglês de teatro de marionetes
Faulty optic. Curiosa e sintomaticamente o Festival também programou uma peça­homenagem
sobre a vida e a obra de Bob Wilson, Bob, dirigida por Anne Bogart. As experimentações de Bob
Wilson parecem estar, definitivamente, absorvidas pelo circuito cultural, a ponto de receberem
louvação pública na forma de outras obras de arte. O potencial de transgressão e de inovação
definhou a tal ponto que seus últimos trabalhos passaram para a rubrica da arte “consagrada”, com
a consequente neutralização do seu eventual efeito estético e potencial crítico. 

As reações sobre Donna del Mare foram bastante modestas. O trabalho corresponde àquilo que se
pode chamar de tipicamente wilsoniano: ritmo lento, precisão e assepsia técnica, interpretações
"frias" (ausência de traços naturalistas e recusa psicológica), criação de uma paisagem, sonora e
visual, exuberante. Características, aliás, que estão também na ópera A flauta mágica, de Mozart,
com direção cênica de Bob Wilson, que fazia parte, no final dos anos noventa, do repertório da
Ópera de Paris. Nos dois casos, peça e ópera, em salas lotadas, o público assistiu trabalhos
competentes, visualmente impactantes, mas, digamos assim, combalidos. Em especial nas óperas ­
talvez em função do gigantismo das produções e dos preços elevados dos ingressos (um bilhete na
platéia da Opéra Bastille custava, na época, algo como 500 reais) ­, seus trabalhos se aproximem
cada vez mais de um ritual cultural, destinado à um público tão chic quanto desinteressado.
Acontece com Wilson o que parte do mundo teatral tenta fazer há décadas com Brecht, ou seja,
transformá­lo num clássico contemporâneo, devidamente controlado. Exaustão pelo sucesso.
Existe melhor forma para tornar um artista inócuo e dócil, seja ele encenador ou dramaturgo, do
que integrá­lo ao sistema oficial da grande arte, com suas fartas subvenções, recepções
glamourosas, viagens internacionais, coqueteis e coberturas midiáticas que seguem a lógica do
business cultural? 

Donna del Mare é uma peça que não demora para desaparecer da memória. O público da première
francesa foi apático nos aplausos até mesmo quando o diretor subiu ao palco, apesar de não
faltarem as ovações de praxe dos fãs incondicionais. Escrita em 1888, com tintas simbolistas e
folclóricas, a história é mais evocativa do que factual. Bob Wilson mantém a estrutura linear do
texto, exceto pelo resumo shakespeariano da ação, no início da peça. A história conta o drama de
Ellida, uma jovem mulher, casada com Hartwig, um médico muitos anos mais velho do que ela.
Desde a morte do filho recém­nascido, ocorrido três anos atrás, ela vive insatisfeita e distante do
marido. Ellida, que se refugia na paixão pelo mar, encontra um estrangeiro, na verdade um ex­
amante, e implora ao marido para partir com este velho conhecido. Quando o marido finalmente
consente, livre para escolher, ela decide continuar ao lado de Hartwig, não sem antes,
contraditoriamente, imaginar seu assassinato. Susan Sontag fez um trabalho de reescritura
apreciável, redimensionando o debate sobre o feminismo. Ela altera o final da peça sem facilitar a
obra para um público cem anos mais velho do que aquele de Ibsen. O problema, portanto, não
está aí, mas sim na falta de força da encenação. Bob Wilson continua afiado contra o velho jogo
das subjetividades em conflito, mas no lugar dele não surge nada de consistente, como ainda era
possível se ver em espetáculos imediatamente anteriores, especialmente Hamlet, um monólogo
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(1995). Não é a estilização que incomod ­ de Bob Wilson não se esperaria o contrário ­, o que não
funciona é a forma como ela é realizada. Em Donna del Mare as atuações de Dominique Sanda
(Ellida) e Philippe Leroy­Beaulieu (Hartwig), em geral bons comediantes, abundam em clichês
claramente definidos pelo diretor. Não bastasse isso, para resolver mudanças no cenário, Bob
Wilson utiliza black­outs a cada cinco minutos. Mais do que solução, o recurso vira cacoete. A
partitura de luz e som, menos eficiente do que em trabalhos anteriores, não é suficiente para
melhorar a sensação incômoda, inutilmente incômoda. O esforço do conjunto soa estetizante,
maneirismo que Wilson sempre refutou categoricamente. O nó do problema certamente não está
em "começar pela forma", algo que ele afirma fazer e que talvez seja uma das suas pedras de toque
como encenador, mas no que se libera dela: a capacidade de mobilizar, ou não, a imaginação e a
inteligência do espectador. Nesta como em outras encenações recentes de Bob Wilson, a forma diz
pouco, muito pouco. 

Bob Wilson, sabidamente, é voraz. Suas produções se sucedem num ritmo vertiginoso e por isso é
preciso ficar atento aos caminhos, ou atalhos, que seu trabalho está tomando. Nem sempre é fácil
distinguir as reorientações estéticas das concessões estéticas. O rigor artístico com que ele trabalha
alimenta a hipótese de uma persistente coerência, ainda que em mutação. Um exemplo, simples,
mas revelador, dá a dimensão deste rigor. Trata­se justamente de Hamlet, um monólogo,
adaptação do texto de Shakespeare que ele dirigiu e interpretou. A peça é uma complexa partitura
com arranjo cênico milimetricamente coreografado. Numa das apresentações em Bobigny, nos
arredores de Paris, ele repetia certos gestos meticulosamente (tirar um paletó, virá­lo do avesso,
tornar a vesti­lo etc.), quando um espectador tossiu na platéia. O ator­diretor interrompeu a peça e
sugeriu que o espectador se retirasse da sala para tossir. Depois do episódio, algo constrangedor,
Wilson repetiu a cena e prosseguiu, desta vez com a sala em absoluto silêncio, até o final da
representação. Exagero ou não, esta atitude revela o cuidado (preciosismo, para alguns) do
encenador/ator não apenas na elaboração, mas também na recepção da sua obra. Este é, sem
dúvida, um sinal de alguém que, mesmo dissociando a arte de qualquer atitude política explícita,
resiste ao divertimento inconsequente e ligeiro, sugerindo alguma insubmissão, residual, aos
apelos do entretenimento de luxo. 

No entanto, é em relação à potência de um certo formato teatral (ou à ausência dela, pela fadiga de
material, pela circularidade que esvazia o sentido) que vale a pena fazer um esforço investigativo.
Ao enviezar a narrativa, colocando contra a parede o modelo clássico da “mimese da ação”, Bob
Wilson trouxe ao panorama teatral do século vinte um frescor inegável, mas ele parece ter
realmente “perdido seu charme”, seus instrumentos teriam se “tornado mais previsíveis e tomados
de um savoir­faire artesanal algo maneirista” (LEHMANN, 2002, p. 121). Mesmo Lehmann, fá de
um certo teatro despolitizado e pretencioso na sua vacuidade, constatou o declínio do projeto
wilsoniano. É possível que estejamos presenciando o esgotamento de um modelo analítico da
realidade que teve seu equivalente na prática (e na reflexão) teatral. É possível que esteja se
enfraquecendo, e perdendo a força criativa, um conjunto de idéias que pretendia interrogar com
pertinência o mundo atual, mas cujos objetivos se chocam contra uma nova onda que recoloca no
centro do debate temas como o sujeito, a história, a emancipação e, portanto, a política. Este
movimento não significa, automaticamente, um retorno às velhas formas do fazer teatral, mas
provoca um rearranjo de algumas variáveis que ficaram pelo caminho e agora parecem voltar a
fazer sentido. 

Se “o pós­modernismo não é, por certo, apenas uma espécie de equívoco teórico”, mas, como
afirma Terry Eagleton, “entre outras coisas, a ideologia de uma época histórica específica do
Ocidente” (EAGLETON, 1998, p. 116), se isto realmente é verdade – e parece ser – então as
tensões da época em que vivemos produzem contradiscursos que, por sua vez, traduzem­se em
contrapráticas artísticas. Decorre daí que somente ao compreender este panorama social mais
geral será possível identificar mutações importantes na produção e na recepção da arte
contemporânea. Pensando nos ares neoliberais e ultraconservadores das últimas décadas, do “fim
da história” (Francis Fukuyama) ao “mundo plano” (Milton Friedman), passando pela escola
Baudrillard (revisionismo cult), o ambiente atual parece menos sombrio, e o teatro talvez reflita ­
com o costumeiro atraso ­ esta tendência a evitar o palavrório e as ações vazias, substituindo­os
por novas reflexões e novas práticas. 

Bibliografia: 

http://www.kiwiciadeteatro.com.br/pensar­o­teatro/bob­wilson­e­o­impasse­pos­moderno/ 3/4
28/10/2015 Bob Wilson e o impasse pós­moderno — Kiwi Companhia de Teatro

COELHO, T. Itaú contemporâneo [brochura de exposição]. São Paulo: Itaú Cultural, 2007. 

EAGLETON, T. Ilusões do pós­modernismo. Trad. Elisabeth Barbosa. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1998. 

LEHMANN, H­.T. Le théâtre postdramatique. Trad. de Philippe­Henri Ledru. Paris: L'Arche,
2002. 

Fernando Kinas 
(texto original de junho de 2007)

http://www.kiwiciadeteatro.com.br/pensar­o­teatro/bob­wilson­e­o­impasse­pos­moderno/ 4/4

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