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O brasão do Império.
Sobre a Charles River Editors
Henrique, o Navegador.
Rei João I de Portugal.
O reinado de João I coincidiu, mais ou menos, com a expulsão dos mouros
de Portugal, mas bolsões de resistência muçulmana permaneceram na
Espanha, e duros combates continuaram acontecendo por muito tempo.
Quando Henry tinha cerca de 16 anos, João decidiu dar início a uma
campanha contra o continente norte-africano, aproveitando o porto crucial de
Ceuta, uma fortaleza muçulmana localizada bem no Estreito de Gibraltar.
Essa foi uma grande e abrangente vitória militar, atribuída em muitos
aspectos aos planejamentos do jovem Henrique. Essa campanha o
estabeleceu em tenra idade na mente de seu povo como um grande
comandante militar e naval.
Uma representação do Infante Henrique, o Navegador de Ceuta.
Henrique nasceu em 1.394, na iminência de mudanças monumentais na
Europa e no mundo e, quando criança, ele certamente sonhava com a fama de
um líder militar e com grandes conquistas militares. Na sequência de Ceuta,
no entanto, e à medida que as riquezas do continente africano começaram a
chegar a Lisboa, sua mente começou a se voltar para uma conquista mais
ousada da África por meio da exploração e do comércio. Foi esse fascínio
que pôs em andamento a série de viagens que culminariam na descoberta do
Cabo das Tormentas por Bartolomeu Dias.
Henrique era um de três irmãos e, originalmente, não estava na fila do
trono. Ele permaneceu, então, como príncipe, e até os 26 anos, esteve
ativamente envolvido nas guerras e campanhas de seu pai, ganhando suas
esporas em numerosas campanhas e batalhas. Uma grande mudança veio em
1.420, quando foi colocado como administrador geral da Santa Ordem de
Cristo, a sucessão dos Cavaleiros Templários em Portugal. A partir de então,
pelo menos de acordo com a história popular, a religião e a exploração
transformaram-se em suas principais preocupações.
Embora Henrique nunca tenha embarcado em uma única expedição, foi seu
financiamento e patrocínio (sem mencionar o desenvolvimento de navios e
técnicas de navegação apropriados) que impulsionaram o ímpeto de Portugal.
Naquela época, os portugueses tinham se aventurado tão ao sul ao longo da
costa africana que haviam alcançado as Ilhas Canárias, mas Henrique, tendo
pessoalmente visto os bens transportados para o norte por caravana através do
deserto do Saara, sabia que escravos e ouro eram encontrados em grandes
quantidades em algum lugar mais ao sul, e ele estava ansioso para driblar as
redes de comércio muçulmano do norte da África e encontrar aquela fonte. A
que ponto ao sul, para além do deserto, o continente da África se estendia,
ninguém sabia, mas pretendiam descobrir.
Uma das inovações marcantes dos grandes dias da navegação portuguesa
foi a caravela, um navio leve, equipado com lataria, desenvolvido no início
do século 15, com desenhos baseados no qārib arábico e nos barcos de pesca
mediterrâneos da época, muito menores e similarmente equipados. Era
tipicamente raso com uma quilha curta, permitindo a navegação de rios
interioranos e de águas costeiras rasas. Todo esse aparelhamento equipou-o
para navegar em ventanias e, às vezes, até mesmo com o vento, o que, claro,
facilitou a navegação em mar aberto. De fato, ele se tornaria o navio de
escolha dos exploradores marítimos durante o século seguinte, e esse tipo de
navio levaria Colombo ao Novo Mundo em todas as suas viagens.
Modelo de uma caravela portuguesa.
Henrique também, supostamente, estabeleceu uma escola de ciências da
navegação, a Escola de Sagres, localizado em Sagres, perto do Cabo de São
Vicente, em Algarve. Dito isto, os historiadores modernos acreditam que o
brilho português no ramo da navegação teve mais a ver com a coragem e os
instintos daqueles no convés dos navios do que com quaisquer instituições
envolvidas. Seja como for, aqueles marinheiros profissionais que embarcam
nas primeiras viagens de Henrique receberam tudo o que o dinheiro e a
tecnologia poderiam lhes prover no século 15. Como parte do patrocínio de
Henrique, 20% dos lucros de todas as expedições bem-sucedidas voltavam
para o príncipe, estabelecendo uma motivação financeira para todos os
envolvidos. O porto algarvio de Lagos era o ponto de partida típico, e a
maioria das expedições consistia em dois ou três navios no máximo.
Uma das descobertas mais importantes foi o fenômeno conhecido como
Volta do Mar, que, em termos práticos, é um sistema rotativo de ventos e
correntes no meio do Atlântico que permite uma viagem de ida através das
Ilhas Canárias e uma viagem de volta pelos Açores. Isso facilitou o tráfego
triangular de três pontos do tráfico atlântico de escravos, permitindo uma
viagem ao longo da costa pelos portos de escravos africanos, através da
“Passagem do Meio” transatlântica, e uma viagem diretamente para casa pelo
Caribe.
Rawlinson.
Com protestos europeus à parte, o comércio de escravos foi facilitado e
financiado a partir de Zanzibar. Originalmente, os escravos eram capturados
no interior com o propósito de transportar marfim para a costa, e, somente
depois disso, eram reaproveitados em uma remessa posterior, caso
sobrevivessem. O comércio estava em grande parte nas mãos de comerciantes
swahili, apoiados por exércitos de escravos conhecidos como ruga-ruga. O
sistema geralmente dependia de conluio com poderosos líderes tribais locais.
Os portugueses rapidamente aderiram a este comércio, quase no momento
em que atingiram a África Oriental, e, inicialmente, foi conduzido em
cooperação com o comércio árabe-swahili. Nos primeiros anos, porém, o
comércio era limitado, porque a demanda tradicional também permanecia
limitada. Via de regra, os escravos eram embarcados para venda apenas como
componentes menores de cargas muito maiores de ouro, produtos animais,
madeira exótica, mel e várias outras mercadorias na Arábia, no Golfo Pérsico
e na Índia. Isso começou a mudar à medida que a pressão aumentava contra o
transporte de escravos para além da África Ocidental Portuguesa – os
comerciantes portugueses desonestos começaram a desviar do Cabo da Boa
Esperança e a aceitar cargas nos vários pontos de embarque associados ao
comércio do Zambeze. Quando os mercados brasileiros de escravos fecharam
em 1852 e o mercado cubano encontrou seu fim cerca de uma década depois,
o mercado transatlântico finalmente se esgotou. Mesmo assim, esse não foi o
fim do sistema, porque um mercado massivo foi criado, quase imediatamente,
pelo desenvolvimento de ilhas francesas de plantação no Oceano Índico.
No momento em que Livingstone começou a esclarecer as terríveis
condições da escravidão, o número de famílias ativas de praziero havia
diminuído para cerca de cinco. Estes foram os da Cruz, Caetano Pereira, Vas
dos Anjos, Ferrão e Alves da Silva. O alcance destas famílias estendeu-se ao
longo do rio Zambeze e, no final do século 19, cada vez mais para o norte, na
direção do lago Nyasa e do interior da África Oriental. Ocorreram algumas
atividades diretas de captura de escravos, com ajuda da conhecida utilidade
dos exércitos de escravos, mas a maior parte da aquisição de escravos se deu
através de alianças formadas com poderosas tribos locais, principalmente,
entre elas, a Yao. Elas interagiram com os senhores da guerra escravocratas,
que, na época, eram uma força poderosa em todo o interior, extrapolando a
divisão continental além da bacia do rio Congo.[6]
A morte de Livingstone, em 1873, estimulou o interesse britânico no tráfico
de escravos na África Oriental, e foi nesse ano que um tratado abrangente foi
negociado com o Sultanato Zanzibari, resultando no fechamento do mercado
de escravos de Zanzibar, o último do tipo no mundo. Isso também fechou a
porta do comércio ilícito de Portugal, que começou a se extinguir. O último
escravo foi comercializado em Moçambique, pelo menos segundo alguns
relatos, no ano de 1902. A instituição do emprazamento sobreviveu por mais
algumas décadas, até cair em declínio após a promulgação da Lei Colonial
Portuguesa de 1930 (que será discutida mais adiante).
A instituição da escravidão, embora abolida em sua totalidade, foi
simplesmente reinventada pelo praziero em um sistema de trabalho escravo
conhecido como chibalo. O chibalo foi usado no cultivo local de algodão e
várias outras culturas de exportação, na construção de estradas e outras obras
públicas, e, mais tarde, foi adaptado como um sistema de trabalho migratório
organizado até as minas de ouro da África do Sul.
O Mapa Cor-de-Rosa
Rhodes.
Evidentemente, não estavam totalmente vagos. A porção central, que hoje é
o Zimbábue, caiu sob o controle de uma monarquia indígena conhecida como
amaNdebele, não facilmente intimidada pelas maneiras duvidosas e pelo
impulso da diplomacia europeia. Ao longo da maior parte da África Central e
Oriental, o governo indígena nativo tendeu a ser fragmentado e desunido, e,
como consequência, para os agentes das empresas privadas foi fácil demais
colocar um contra o outro para obter o controle de vastas regiões daquele
território. Os tratados eram tipicamente impressos em números e redigidos de
maneira suficientemente vaga para cobrir qualquer eventualidade. Os
amaNdebele, no entanto, eram um povo unido sob um único monarca e, pelo
menos a curto prazo, possuíam armas para resistir a qualquer avanço
agressivo em seu território.
Lobengula, o rei dos amaNdebele, viu-se cercado por tratados e
interessados em concessões, representando uma pletora de ambições privadas
e públicas de todo o espectro imperial europeu. Representantes da
Companhia Britânica da África do Sul de Cecil Rhodes, estavam entre eles,
competindo contra poderosos interessados portugueses e alemães pelo
símbolo do rei em qualquer documento que pudesse justificar a ocupação. Os
portugueses, que continuavam a defender veementemente suas reivindicações
históricas, eram os menos desejáveis do ponto de vista dos povos indígenas.
Sua reputação no comércio de escravos não era um bom presságio e, em
geral, eles eram conhecidos por serem colonizadores e exploradores
implacáveis.
A competição, no final, foi amarga, e os portugueses foram rapidamente
eliminados. Lobengula foi, então, forçado a tomar uma decisão com base em
qual das grandes potências imperiais era provável que lhe oferecesse proteção
efetiva, e, por isso, ele sabiamente escolheu os britânicos. Como Cecil John
Rhodes era o mais proeminente e engenhoso de todos os britânicos que
buscavam concessões, foi ele quem triunfou em um episódio altamente
desonroso conhecido como a “Concessão Rudd”. Os termos da Concessão
Rudd, prometidos verbalmente ao rei durante as negociações, foram
manipulados no texto escrito do tratado, com o resultado final sendo que um
monarca analfabeto doou seu país por muito pouco. Depois disso, agentes da
Companhia Britânica da África do Sul de Cecil Rhodes foram rápidos em
ocupar, com ajuda de armas, os territórios sob o controle de Lobengula,
relegando o amaNdebele ao mesmo destino que os portugueses outrora
relegaram ao Reinado do Kongo.
Este foi apenas o começo da ambição de Cecil Rhodes de percorrer a rota
do Cabo até o Cairo e, antes que a tinta secasse na Concessão Rudd, agentes
da Companhia Britânica da África do Sul reuniram acordos ao norte do Rio
Zambeze, estabelecendo o fundamento do que se tornaria o território da
Rodésia do Norte. Por enquanto, no entanto, a nova colônia de Rhodes, na
Rodésia do Sul, carecia de qualquer comunicação prática com o mundo
exterior, pois não tinha acesso ao litoral. Assim, Rhodes considerou como
poderia apreender uma parte do litoral leste dos portugueses.
Isso deu início a um tenso impasse entre agentes do governo colonial
português e agentes da Companhia Britânica da África do Sul. O princípio
era o da ocupação efetiva, e a questão era que a fronteira reivindicada pelos
portugueses – o Vale do Rio Sabi – não era protegida nem ocupada, e
certamente não era governada. Rhodes enviou uma expedição armada para
além daquela fronteira e começou a reunir acordos com chefes menores
ostensivamente, deixando a bandeira portuguesa para trás. Não obstante, a
posição muito difícil em que se colocou esses chefes, resultou em um breve
conflito armado entre os dois lados que, por sua vez, levou à captura britânica
de um proeminente praziero e de um alto oficial militar português. O oficial
militar foi devolvido à Cidade do Cabo algemado e enviado de volta a
Portugal em desgraça. Além disso, um pequeno contingente da Polícia
Britânica da Companhia da África do Sul tentou montar uma expedição
contra o porto português da Beira, que foi interrompida pelo envio apressado
de um funcionário do Ministério Britânico, um certo Major Sapte, que emitiu
uma severa advertência aos homens da Companhia, que avançavam, que
estavam prestes a dar um passo largo demais.
Em termos práticos, esse tipo de atividade ao longo das fronteiras
internacionais parcialmente estabelecidas foi como muito do início das
negociações de colonização foram feitas. Rhodes estava razoavelmente
confiante de que sua política de ataque e conquista contra os portugueses na
África Oriental seria ratificada pelo primeiro-ministro britânico, Lord
Salisbury, uma vez que lhe fosse apresentado como um fait accompli. Na
maioria dos casos, essa fé era justificada, e Rhodes certamente foi capaz de
avançar pelas fronteiras da Rodésia do Sul a certa distância até o Leste,
tirando dos portugueses uma quantidade significativa de território legalmente
reivindicado.
Enquanto isso, uma disputa territorial semelhante irrompeu na região dos
lagos mais baixos, em um território que se tornaria o Nyasaland britânico e,
eventualmente, Malawi. Esta região situava-se certamente numa vasta área de
território que os interesses comerciais portugueses e prazieros controlavam
no rio Zambeze. No entanto, no início da década de 1860, uma série de
organizações missionárias britânicas e escocesas começaram a se estabelecer
na região do Lago Nyasa e nas Terras Altas de Shiré, criando, se não uma
administração secular, uma presença britânica que poderia dar como satisfeita
a exigência de ocupação efetiva. Na ausência de qualquer soberania oficial
pela Coroa, as organizações missionárias e a Companhia dos Lagos
Africanos, que estabeleceram operações comerciais no Lago Nyasa, entraram
em guerra com os traficantes de escravos e efetivamente limparam a região
daquela ameaça em particular. A presença consular britânica foi estabelecida
no final da década de 1870, o que tendeu a solidificar ainda mais uma
reivindicação britânica (embora, no que diz respeito aos portugueses, isso
ainda não atingisse uma ocupação efetiva). Uma expedição armada foi
montada no território em 1889, sob o comando do lendário soldado português
e explorador, Alexandre de Serpa Pinto, que foi confrontado pelos britânicos
através de seu representante consular, Sir Harry Johnson. Sir Johnson era um
diplomata, explorador e estudioso de boas maneiras, e entreteu de Serpa Pinto
com uma agradável xícara de chá embaixo de um baobá. Sob a ameaça da
ação britânica, a fronteira entre as duas esferas de influência foi finalmente
estabelecida como o rio Ruo, onde a fronteira entre Moçambique e Malawi
ainda existe hoje.
Este incidente, e algumas outras queixosas afirmações portuguesas de
soberania ao longo do rio Zambeze e da fronteira entre o Estado Livre do
Congo e a África Ocidental Portuguesa, vieram a ser conhecidas como a
“Crise Anglo-Portuguesa”. A crise, em sua maior parte, existia entre Lisboa e
Londres e tinha muito a ver com uma longa relação diplomática entre os dois
poderes que Portugal procurava invocar em um processo de arbitragem. Os
britânicos, até então, os principais parceiros em assuntos imperiais europeus
e, certamente, o poder naval mais importante do mundo, rejeitaram este
argumento com um grau de desprezo que finalmente colocou Portugal em seu
devido lugar na nova ordem. O resultado final foi o Ultimato Britânico de
1890. O Ultimato dizia: “O que o Governo de Sua Majestade exige e insiste é
o seguinte: que as instruções telegráficas sejam enviadas ao governador de
Moçambique imediatamente para que todas e quaisquer forças militares
portuguesas que estejam realmente no Condado, no Makololo ou no território
de Mashona sejam retiradas. O Governo de Sua Majestade considera que,
sem isso, as garantias dadas pelo Governo Português são ilusórias. O Sr.
Petre (Ministro britânico em Lisboa) está obrigado, por sua instrução, a
deixar Lisboa imediatamente com todos os membros da sua legação, a menos
que uma resposta satisfatória a esta intimação precedente seja recebida por
ele no decorrer desta noite, e o navio de Sua Majestade, Enchantress, está
agora em Vigo esperando por suas ordens.”
Com isso, os portugueses recuaram, e os britânicos, através da Companhia
Britânica da África do Sul, adquiriram a Rodésia do Norte e a Rodésia do
Sul. O status de protetorado foi estendido sobre Nyasaland. O médio e alto
rio Zambeze passaram ao controle britânico, enquanto o curso inferior
permaneceu dentro do território português. As fronteiras da África Oriental
Portuguesa e da África Ocidental (Moçambique e Angola) foram,
posteriormente, definidas mais ou menos como existem hoje.
O evento conclusivo deste capítulo foi a queda da monarquia portuguesa e
o estabelecimento, em 1910, de Moçambique e Angola como “províncias
ultramarinas” portuguesas, em vez de “colônias ultramarinas”, o que tendia a
solidificar seu status como parte integrante da soberania portuguesa. Esta foi
ratificada em 1930 pelo Presidente português, António de Oliveira Salazar,
através da passagem do Ato Colonial daquele ano.
A Luta Continua
A disputa pela África e pela colonização global, em geral, sofreram um
golpe mortal na Primeira Guerra Mundial, que destruiu os Impérios Alemão,
Russo, Otomano e Austro-Húngaro. Portugal permaneceu, em grande parte,
neutro durante as Primeira e Segunda Guerras Mundiais, mas esteve sujeito
às mesmas divisões essenciais que qualquer outro poder colonizador. Quase
imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, a Grã-Bretanha foi obrigada
a conceder independência à Índia, estabelecendo um precedente para todos os
seus outros territórios ultramarinos. Os franceses foram confrontados com
pressões semelhantes, e, como a guerra na Argélia desafiou a própria
existência do Império Francês na África, a inevitável descolonização francesa
ecoou a dos britânicos.
Os portugueses, por outro lado, não eram mais um poder estritamente
imperial, e suas possessões africanas não eram mais consideradas colônias,
mas províncias ultramarinas. Os franceses também a mesma consideração
pela Argélia, e a determinação portuguesa de manter o controle de
Moçambique e Angola correspondeu à determinação francesa de manter a
Argélia. Também houve outro fator, e isso teve a ver com a autoimagem
portuguesa. Mais uma vez, da mesma maneira que a França manteve sua
relevância como potência mundial no rescaldo da ocupação alemã através da
integridade de seu império, os portugueses, então, muito retardatários na
Europa, procuraram reivindicar seu status dentro do continente e do mundo
baseado no escopo de suas províncias ultramarinas. As colônias africanas,
portanto, foram centrais para o prestígio português e, sob o domínio do
ditador fascista, Antonio Salazar, a determinação de não se submeter à maré
crescente do nacionalismo negro na África ganhou raízes firmes.[7]
Salazar.
Por mais que os europeus resistissem, o nacionalismo em todo o continente
africano crescia a cada dia, e, no final da década de 1950, os territórios
imperiais, em toda a África, caíram como dominós. O presidente francês,
Charles de Gaulle, negociou a partida francesa da África com base em
numerosos pactos de defesa comuns, que juntaram os antigos territórios
francófonos em um estilo de união pós-colonial, enquanto os britânicos
formaram a Commonwealth e procuraram estabelecer uma união cultural e
econômica similar. A descolonização britânica foi mais acrimoniosa que a
francesa, mas o resultado final foi o mesmo.
Ao sul do rio Zambeze, no entanto, as coisas prometiam ser muito mais
complicadas. Não só os portugueses se entrincheiraram e decidiram não ceder
um centímetro, mas também a colônia de brancos da Rodésia e a República
da África do Sul estavam prontas para uma última batalha. Os quatro
territórios, incluindo a África do Sul, estavam unidos naquela determinação,
prometendo que a libertação africana ao sul do rio Zambeze fosse demorada e
sangrenta. Eles cumpriram aquela promessa.
A situação, em ambos os territórios portugueses, na Província Ultramarina
de Moçambique e na Província Ultramarina de Angola, era muito parecida. A
disparidade na riqueza e na representação entre os colonos portugueses
brancos e a maioria negra indígena era marcante até mesmo para os padrões
coloniais locais. No pós-Segunda Guerra Mundial, os movimentos
migratórios para igualar o equilíbrio da população viu um influxo de
portugueses, muitas vezes pobres, analfabetos e extremamente propensos ao
preconceito racial. Esses imigrantes entraram nas províncias africanas em
grande número e receberam enormes concessões de terras e oportunidades de
emprego preferenciais. Em quase todos os casos, os negros foram retirados
do território para dar lugar aos colonos brancos, o que não fez outra coisa
senão ilustrar, ainda mais nitidamente, as injustiças e as disparidades. O
trabalho forçado foi outra tradição profundamente desprezível, assim como o
cultivo forçado de plantações comerciais. Movimentos nacionalistas
concretos passaram a criar raízes em ambos os territórios, e, no final dos anos
1950 e início dos anos 1960, Moçambique e Angola estavam efetivamente
em guerra.
No caso de Moçambique, as principais figuras nacionalistas foram forçadas
desde o início ao exílio, e a maioria aceitou asilo no recém-liberto estado da
Tanzânia. O primeiro líder independente da Tanzânia foi o visionário e
nacionalista Julius Nyerere, que se posicionou como líder dos “Estados da
Linha da Frente”, uma organização de líderes da libertação dedicada a
confrontar os últimos bastiões da colonização. Nyerere ofereceu recursos e
encorajamento aos vários movimentos e organizações moçambicanas de
libertação que se concretizavam naquele momento, mas pediu a formação de
um único movimento para confrontar os portugueses em Moçambique.
Nyerere.
O líder mais carismático da época foi Eduardo Mondlane, geralmente
considerado o pai da independência moçambicana. Ele foi um sociólogo e
antropólogo altamente educado que abandonou uma carreira luminescente
nos Estados Unidos para liderar o movimento de libertação. Mondlane,
nativo e educado em grande parte por seus próprios esforços, foi certamente
uma personalidade extremamente impressionante, e foi sob sua liderança, em
junho de 1962, que a icônica Frente de Libertação de Moçambique foi
formada. Ao aceitarem a sigla FRELIMO, estabeleceu-se um nome que
ressoaria por toda a história da libertação da África com enorme autoridade.
Mondlane.
Mondlane foi um ideólogo, comprometido com uma revolução abrangente
e não meramente com a libertação. Sob a tutela e apoio da União Soviética, e
ansioso por explorar os movimentos de libertação para obter vantagem
estratégica na África, o idealismo de Mondlane tendeu a assumir um claro
sabor marxista. Ele foi apoiado nesse objetivo por uma liderança central do
partido, que incluía a figura castrense de Samora Machel, um ideólogo
marxista mais jovem e radical. Este tipo de posição e linguagem,
naturalmente, semeou o terror nos corações da liderança fascista portuguesa e
da população dos colonos racialmente dominantes. A guerra parecia
inevitável.
A guerra começou de verdade em 1964, quando as unidades armadas e
treinadas da guerrilha russa começaram a se infiltrar nas províncias do norte
de Moçambique, vindas da Tanzânia. A guerra foi bem-sucedida, na medida
em que foi conduzida, de acordo com o padrão da “guerra popular” maoísta.
Isto envolveu uma combinação de retórica revolucionária com promessas de
libertação e uma estratégia de enfrentamento contra as forças armadas
portuguesas ao atingir alvos fáceis, instalações econômicas e fazendas,
deixando, essencialmente, a parte norte do país ingovernável. Em pouco
tempo, as “zonas libertas” foram estabelecidas, e os portugueses alcançaram
posições fortificadas, além das quais não gozavam de nenhuma autoridade ou
apoio.
Mondlane foi assassinado por uma bomba escondida em um livro em 1969.
Os culpados nunca foram identificados, e, enquanto alguns dedos apontam na
direção de facções dissidentes dentro da FRELIMO, outros, talvez mais
racionalmente, apontam para o serviço de inteligência secreta português, a
PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado). Ele foi sucedido pelo
muito mais agressivo e carismático, Samora Machel quando a guerra superou
todos os outros interesses dentro do partido. Embora completamente sob uma
perspectiva marxista, Machel foi, acima de tudo, um soldado revolucionário,
e perseguiu a vitória militar absoluta com total determinação.
Machel.
Grande parte do duro trabalho militar foi feito não por tropas portuguesas,
mas por forças especiais rodesianas e brancas posicionadas no norte de
Moçambique para proteger o flanco rodesiano, que começava a ser
pressionado por grupos insurgentes operando na Zâmbia. O próprio exército
português pareceu sofrer de uma esmagadora crise moral. A tradição de uma
classe de oficiais profissionais liderando, a partir da retaguarda, e relegando
pobres e desmotivados para a linha de frente quase garantiu que a menor
quantidade de combate possível acontecesse. Independentemente das
exortações do primeiro-ministro Salazar e seu sucessor, Marcelo Caetano, as
guerras em Moçambique e Angola permaneceram profundamente
impopulares em casa.
Em Angola, as coisas foram um pouco mais complicadas. Enquanto a
guerra em Moçambique teve início com um único movimento revolucionário
unificado, a fraternidade de libertação em Angola foi dividida em três facções
mutuamente antagonistas, com a complicação adicional da África do Sul. O
interesse da África do Sul, que era, obviamente, frustrar o avanço do “Swart
Gevaar”, ou “Perigo Negro”, em suas fronteiras, ajudando, assim, os
portugueses em sua guerra contra as forças da libertação, fazia todo o sentido.
A África do Sul permaneceu tomada no sudoeste da África, tendo recebido
um mandato sobre o território pela Liga das Nações após a Primeira Guerra
Mundial, e, ao longo da fronteira entre o sudoeste da África e o sul de
Angola, as forças sul-africanas estavam secretamente ativas.
A principal facção da libertação foi o Movimento Popular de Libertação de
Angola, ou o MPLA, liderado pelo poeta revolucionário marxista, Agostinho
Neto. O MPLA contou com o apoio da União Soviética e de Cuba e operou
nas regiões centrais e costeiras. No norte, e secretamente apoiado pela CIA e
por vários interesses americanos, esteve a Frente Nacional de Libertação de
Angola, ou FNLA, operando a partir de bases no Zaire e liderada por um
revolucionário de tendência ocidental com o nome de Holden Roberto.
Finalmente, no sudeste do país, a União Nacional para a Independência Total
de Angola, ou UNITA, lutou sob a proteção da África do Sul e foi financiada
pela África do Sul e pelos Estados Unidos.
Neto.
Isso, então, levou a uma guerra de facetas múltiplas, e, além dos jogadores
principais, numerosos grupos dissidentes chegaram e partiram. Os Estados
Unidos e a União Soviética conduziram o que foi, na prática, uma guerra pela
procuração de Angola, que continuaria, por muito tempo após a saída dos
portugueses, alimentando uma subsequente guerra civil, ainda a mais longa e
sangrenta da história da África Subsaariana. Junte à isso os interesses dos sul-
africanos, bem como o conflito central entre Portugal e seus inimigos
internos em Angola, e o conflito fica obviamente complexo. Mais uma vez,
as tropas portuguesas desmoralizadas enfrentavam uma guerra perdida e
multidimensional, e, ali, um número cada vez maior de jovens recrutas
portugueses era enviado para lidar com combates, mesmo quando ambos os
territórios inevitavelmente escapavam de suas mãos.
A mudança veio em abril de 1974, quando o fascista Estado Novo foi
derrubado por um golpe militar de esquerda encenado por um grupo de
oficiais militares denominado Movimento das Forças Armadas. O golpe,
popularmente conhecido como a Revolução dos Cravos, teve como tema
central a retirada completa dos portugueses de suas colônias africanas. Isso
foi uma reviravolta radical de eventos que deslocou a maré política na África
do Sul para múltiplas direções. A Revolução terminou não só com as lutas de
libertação tanto em Angola como em Moçambique, mas com os teatros
menores da Guiné-Bissau e com as várias ilhas portuguesas, além de marcar
o início do fim da Guerra da Rodésia e o início do fim do apartheid na África
do Sul.
Em Moçambique, as negociações começaram imediatamente e, com poucas
complicações e atrasos, chegou-se a um acordo. Este foi o “Acordo de
Lusaka”, de 7 de setembro de 1974, e resultou numa transferência de poder
das autoridades portuguesas para a FRELIMO, o único movimento de
libertação disponível para receber o poderio do governo. A independência de
Moçambique foi celebrada em 25 de junho de 1975, na data aniversário de 17
anos da fundação da FRELIMO. Samora Machel foi nomeado Presidente,
cargo que ocupou até a sua morte em um acidente de avião em 1986. Uma
breve tentativa frustrada de colonos portugueses de realizar um golpe
fracassou, e um grande número fugiu para Portugal, para a Rodésia ou para a
África do Sul, tentado, na saída, destruir a maior parte da infra-estrutura
nacional possível.
Em Angola, a situação ainda era complicada pela natureza desunida do
movimento de libertação e pelos vários intervenientes periféricos que
continuavam a seguir planos diferentes. Os vários líderes – Holden Roberto,
Agostinho Neto e Jonas Savimbi – realizaram uma reunião em Bukavu, no
Zaire, em julho de 1975, após concordarem em negociar com os portugueses
como uma única entidade política. Dadas as posições ideológicas opostas e
ambições individuais dos três, aquilo não tinha absolutamente nenhuma
chance de sucesso. Enquanto os portugueses lavavam as mãos da guerra, do
território e dos séculos de ocupação, as três facções de libertação se voltaram
umas contra as outras.
Os Estados Unidos, sentindo uma vitória comunista em Angola, enviou
Henry Kissinger, então Secretário de Estado na administração de Gerald
Ford, para ganhar o apoio da África negra e pedir a ajuda da África do Sul
para impedir o MPLA, a facção dominante, de tomar o poder. Em 14 de
outubro de 1975, um enorme exército armado sul-africano, apoiado pela
Força Aérea Sul-Africana, iniciou um ataque pelo sudoeste da África,
avançando pelos arredores de Luanda. A Operação Savana, à princípio,
pretendia-se ocupar com a capital angolana e impor uma solução, mas, no
meio da operação, pareceu que os americanos frearam e abandonaram a
operação, deixando os sul-africanos desamparados em Angola.
Enquanto a operação Savana foi um sucesso militar surpreendente, foi um
desastre diplomático e político. Kissinger foi repreendido por conspirar com a
África do Sul, que colocou grande parte da África negra contra os Estados
Unidos e, em muitos aspectos, simplesmente abriu as portas para o MPLA.
Os portugueses estavam felizes em entregar o poder a quem quer que
estivesse no local para recebê-lo, e essa era a MPLA.
Todas as partes do conflito se reuniram na cidade de Alvor, em Portugal, de
10 a 15 de janeiro de 1975, para finalizar um acordo, mas, até então, o caso
estava claramente com o primeiro que atravessasse a linha de chegada. O
Acordo de Alvor foi assinado, mas não teve relevância particular. O MPLA
foi a força dominante; ela comandava Luanda, juntamente com todo o
equipamento militar português deixado para trás, e foi o partido que formou o
primeiro governo independente em Angola. Quase imediatamente, um êxodo
em massa de portugueses teve início, resultando em um colapso efetivo da
infraestrutura do país. Quando o último dos evacuados partiu, e quando
Agostinho Neto foi empossado como o primeiro Presidente, os primeiros
tiros da Guerra Civil Angolana foram disparados.
Devido a uma combinação de pobres práticas coloniais, um regime colonial
brutal e arraigadas disparidades raciais e econômicas, Angola alcançou a
independência, mas incapaz de se sustentar e, imediatamente, travou uma luta
fatal contra as antigas facções de libertação, agora combatentes em uma das
mais longas e sangrentas guerras civis na África. Tal como na subsequente
guerra civil em Moçambique, a África do Sul empregou uma combinação de
envolvimento direto e desestabilização, bem como financiamento e apoio a
movimentos de oposição para manter os vizinhos comunistas em constante
estado de guerra. Isso serviu aos interesses sul-africanos a curto prazo, mas
também exigiu um preço enorme das populações civis dos dois países.
Os analistas, desde então, tendem a apontar o dedo para os próprios
portugueses pelo modo como as coisas aconteceram. Considerados como
colonizadores pobres, tornou-se uma réplica bastante comum no período pós-
libertação que o Zimbabué e a Zâmbia tiveram a sorte de terem sido
colonizados pelos ingleses, enquanto, inversamente, era o destino amargo de
Moçambique e Angola terem sido colonizados pelos portugueses. Quaisquer
que tenham sido os méritos desse argumento, não foi até a década de 1990,
do colapso da União Soviética e do apartheid na África do Sul que a paz
chegou às antigas colônias portuguesas da África Oriental e da África
Ocidental.
Recursos online
Outros títulos sobre história africana pela Charles River Editors
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[1]
Os leitores podem ser encaminhados para a publicação da Charles River Editors: “Grande Zimbábue”.
[2]
Com o propósito de colonização e exploração colonial, os portugueses costumavam usar prisioneiros e condenados que tinham
pouco a perder além de suas fortunas nas colônias em troca de certas liberdades e dotes de propriedade. A taxa de mortalidade
entre eles, no entanto, foi chocantemente alta.
[3]
A palavra “árabe”, embora amplamente utilizada em histórias do período, é enganosa. Na maioria das vezes, quem foi descrito
como “árabe” nas histórias não o era no verdadeiro sentido, mas eram, na verdade, falantes de suaíli da costa que se vestiam,
falavam e, mais importante, adoravam como os comerciantes árabes, cuja influência era sentida na costa desde tempos
imemoriais.
[4]
Os leitores podem ser encaminhados para a publicação da Charles River Editors: “Tráfico de Escravos no Leste da África”.
[5]
Oliver, Roland e Atmore, Anthony. Medieval Africa, 1250-1800 (Cambridge University Press, Cambridge 2001) p74
[6]
A Yao era, e continua a ser, uma forte tribo costeira há muito associada ao comércio árabe, e era predominantemente composta
por muçulmanos.
[7]
Este foi o Estado Novo, período que durou de 1933 a 1974.