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Leonardo Marona
Produção editorial
Debora Fleck
Isadora Travassos
Marília Garcia
Valeska de Aguirre
Editora-assistente
Larissa Salomé
Revisão
Pedro Hollanda
Produção gráfica
Isabella Carvalho
Capa
Victor Hugo Cecatto
Cip-Brasil. Catalogação-na-fonte
sindicato nacional dos editores de livros, rj
M312p
Marona, Leonardo
Pequenas biografias não-autorizadas / Leonardo Marona. Rio
de Janeiro: 7Letras, 2009.
ISBN 978-85-7577-571-4
2009
Viveiros de Castro Editora Ltda.
R. Jardim Botânico 600 sl. 307 Rio de Janeiro RJ cep 22461-000
(21) 2540-0076 | editora@7letras.com.br | www.7letras.com.br
sumário
primeira parte
vinte e cinco 11
adeus 12
roçam-se os pés 14
casal pula da ponte em nome
do amor proibido 16
atriz 17
ana c. 18
kerouac 19
chet baker 20
aviso da balada do café triste 22
rita hayworth 23
neruda 25
murilo mendes 27
poeminha quântico 29
rilke 30
natércia 32
cortázar 34
antonioni 35
descartes 37
napoleão 38
bukowski 39
maiakovski 41
skip james 44
ulisses 46
o pequeno suicídio de e.e. cummings 47
evolução do anjo 48
segunda parte
vinte e seis 51
são paulo não está 52
whitman 54
quatro doses de conhaque 56
1982 57
orangotangos 58
lou reed 59
billie holiday 63
gene 65
nara leão 67
helena ignez 68
otelo 70
parapeito 71
samurai 72
zelda fitzgerald 73
carta de um estudante de belas-artes 74
strindberg 76
beethoven 77
augusto dos anjos 79
baudelaire 80
victor hugo 81
shakespeare 82
clint eastwood 83
zé ramalho 84
bergman 86
para Rose Abdallah
e Fausto Wolff
primeira parte
“vinte e cinco”
eu passava
leite de aveia
nos bagos
para que tudo
estivesse muito
limpo caso algo
de inesperado
acontecesse.
e raramente
algo inesperado
me acontecia
mas quando
por algum acaso
acontecia algo
os bagos estavam
sempre sujos.
11
“adeus”
hoje estou
contando dias e horas
com a ligeira impressão
de que me cortaram fora
os dedos da mão.
existe um ônibus
à minha espera
do outro lado
do pensamento.
pelas curvas
dessa
nova estrada
queria
encontrar
no lugar das
placas
marcas
de pneus gastos
e nas marcas
12
rastros
do meu amor.
mas ninguém
conhece o que
ama.
ama-se
surpreendentemente
como quem acolhe
um tiro.
13
“roçam-se os pés”
14
com calor hesitante
e os pés enlaçados
carregam o instante,
gelado contra gelado
é igual a dois lados
para sempre sólidos
inquebrantáveis que
quando penetram poros
marcam nossa distância
com hematomas lilases
como flores de inverno
na estampa do lençol.
15
“casal pula da ponte em nome
do amor proibido”
16
“atriz”
as palavras,
se elas saem doloridas,
é a tinta negra que sangra
as frases como feridas.
pouco me adiantam
as palavras floridas
que desabrocham no ar:
pétalas amorfas
na solução do armário.
quero de ti
a palavra comida.
quero as palavras
pelos poros da página,
pelo meio da tua virilha.
quero enfim,
segundos antes das cortinas,
escrever aquilo que te cala.
17
“ana c.”
a poesia,
se persiste,
quando cisma,
(instinto?)
é um passo
na direção
do abismo,
(infinito?)
ou então são
dois passos
e um colapso
(suicídio?)
nos casos
de poesia
mais rara,
(primitiva?)
ou então coice,
patada de pena.
porque as asas
(comprimidos?)
estão na cabeça
e não nas pedras
portuguesas.
18
“kerouac”
19
“chet baker”
é um sopro
de soldado ferido.
desordenado, ávido,
silencioso, firme.
é um sopro
que se refugia
no presídio tênue
da dor desmedida
– o parto do som.
a corneta aponta:
segue a cadência.
20
(apoio o ouvido na desatenção dele,
que circunda a vida com reticências
atrás das agulhas iludidas do perdão,
em busca da raiz das consequências).
21
“aviso da balada do café triste”
dedicado às múltiplas almas de Carson McCullers
o firme silêncio
de uma carta
sem paixão
foi interrompido
enquanto a moça
embebedava
palavras no papel.
CATAPLOFT!
um livro pesado
caiu no chão
como para lembrar
que há tanto perigo
em palavras embriagadas
quanto nas mentiras
de uma carta sem paixão.
22
“rita hayworth”
amado lindo,
me ame para sempre
e deixe que para sempre
comece nesta noite...
23
incomoda-me um pouco
que a película do mundo
tenha feito da tua desmesura
faca fria que mata os homens
todos zumbis ocos de paixão
pelo teu mar ruivo de abismos:
tu – personificação do ópio.
24
“neruda”
que acupuntura
nua será essa
da tua agulha
na minha testa?
tuas perguntas
me trouxeram
de volta à sala antiga.
é um lugar estranho
onde os mortos
vestem-se de vivos
e aos vivos é dito
que estão mortos.
25
fico paralisado, quieto
– vacilo feito o mar
do eterno regresso
pelo qual você foi
no badalo do sino
sobre a cama infinita
deixando-me perdido
dentro da minha boina,
com teu sonho de pipas.
26
“murilo mendes”
27
“poeminha quântico”
se não olharmos,
tudo são possibilidades.
quando olhamos,
partículas de existência.
coisas não
são coisas:
são tendências.
28
enquanto os espaços infinitos
forem vontades normatizadas,
seremos apenas antipromessas.
29
“rilke”
30
ou fosse arroubo de um livro e meio
para reconhecer no teu ponto fugidio
meu próprio destino inteiro,
no entanto um destino proibido,
como a paz que não envergonha...
31
“natércia”
32
do que nos faz prosseguir
sem saber mais como
(mesmo assim obrigados).
33
“cortázar”
34
falou e eu nem mesmo prestava atenção
e acho até que nem era Lana Turner
no conto que li – de fato era inglesa.
35
“antonioni”
36
“descartes”
no escuro da noite
onde não há perdão
permanece o amor.
somos um pedaço
do que não restou
no escuro da noite.
37
“napoleão”
38
“bukowski”
não dê bom-dia
a alguém com ressaca.
não dê boa noite
a alguém com insônia.
não dê.
39
amarelo de agonia.
não cubra.
40
não discuta ou queira entender os fatos.
não leia jornais nem assista ao noticiário.
é sua única chance de escapar ileso, mas
isso não significa que você vai escapar.
não escape.
41
“maiakovski”
andei
escrevendo
uns poemas
obscuros.
eles me
apanharam.
primeiro
eles tentaram
me ameaçar
com panfletos.
depois me jogaram
atrás das grades –
pão e água, chicote.
depois me
escorraçaram.
esfregaram
na minha cara
meu próprio povo
– meus camaradas.
finalmente
eles me mataram
42
com um tiro no peito,
que dei pelo meu amor,
pelo desespero de perder a
ternura para sempre em meu peito.
e não pelo ódio com o qual
eles tentaram me acusar
enquanto eu punha
a bala no revólver
e o espelho me
fazia rir.
43
“skip james”
há um homem nu sentado
numa cadeira de balanço pensando
numa mulher triste num sofá.
o homem nu pensa
que pensa sozinho
– não está.
44
o homem nu que está sentado
numa cadeira de balanço pensando
numa mulher triste num sofá
45
“ulisses”
46
“o pequeno suicídio de e.e. cummings”
r
o
o
m
suicide rose (a sel)forgot
sometimes imagine but i
somehow real smiles not
47
“evolução do anjo”
para Uirá dos Reis
48
segunda parte
“vinte e seis”
51
“são paulo não está”
52
suas pessoas como formigas,
seus colaboradores imaginários,
sua caretice e suas matinês de putaria,
sua rotina supervalorizada e poética,
suas mensagens engarrafadas lançadas ao mar podre,
seu mar uma fila interminável de concreto em
[movimento.
muito menos São Paulo estará
nos seus mimetismos e sua marginália.
53
“whitman”
54
nós somos os das entranhas malogradas,
aglomerados em redomas achatados por
grandes perdas – enormes corporações.
55
“quatro doses de conhaque”
56
“1982”
viemos encarnados,
faróis cegos, ardentes,
responder pela dúvida
com o próprio sangue.
encurralados seguimos,
se nos veem, estamos,
se não, troca-se a pele,
veste a face outra roupa,
para seguirmos intrépidos,
entre o susto e a epilepsia.
57
“orangotangos”
58
“lou reed”
59
Lou Reed falava sobre piranhas e travestis
que rodavam pela Western com Hollywood.
Lou Reed falava também sobre garotos ricos
que virariam padres, sobre cartas de tarô
e muitas mulheres que falavam demais.
de alguma forma ele me ajudava a seguir.
60
ela usa um vestido colorido,
moda na solidão dos tempos.
a paisagem parece derreter.
tarde demais, terça-feira nula.
61
eu não a conheço.
provavelmente para ela
eu seria apenas mais um
bêbado vil e injusto.
62
“billie holiday”
63
não foi mesmo possível, Billie,
corrigir o coração dos homens,
escapar ao terror a cada esfinge,
mas essa luz cansada é a prova
de que onde houver amor e fome
haverá aquela música de marfim,
essa brutal melancolia africana
para lembrar que vivemos muito,
muito pouco, e não temos demais.
64
“gene”
65
finalmente, acordar o poema,
acordá-lo com um susto bom.
lamber, massagear, mordiscar
o clitóris do poema ainda sonolento,
até deixar a língua do poema gelada
e fazê-lo gozar aos prantos,
como se fosse morrer de prazer.
66
“nara leão”
67
“helena ignez”
68
preocupados em durar algo
e ao morrer não sabemos
porque levou tanto tempo.
69
“otelo”
70
“parapeito”
71
“samurai”
eu sou o samurai.
um homem sozinho
com ganas de sangue.
o herói sem atitude,
potência indiferente,
espécime de vidro.
de verso em verso
a lâmina: o suicídio.
72
“zelda fitzgerald”
73
“carta de um estudante de belas-artes”
Só a emoção perdura.
Ezra Pound
74
ele veio do alto e nos disse, pousando:
não percam tempo com o que não presta,
vão direto ao talo do osso primordial!
75
“strindberg”
súmula abstrata
de jeito licoroso.
no céu da boca
inicia o percurso.
76
“beethoven”
78
“augusto dos anjos”
79
“baudelaire”
80
“victor hugo”
81
“shakespeare”
se nós escrevêssemos
tudo o que sentíssemos
estaríamos sempre sós
e para sempre ocupados
porém não tão infelizes.
82
“clint eastwood”
83
“zé ramalho”
roubando castanhas
de um pote vulgar
no que amanhecem
morangos na mesa
em dadaísmo tardio.
e o pano imundo
do fim da festa
lembra a frase
daquela música
e um pouco mais,
além, para o lado
misterioso do nosso
conhecimento: tarda.
aquelas simpáticas
aquelas prestativas
aquelas ordinárias.
84
conte que no vão sutil
entre os novos sentidos
repousa eterna escuridão
como enxame violento
sob o couro das horas.
novas palavras
como gárgulas
salivando rosas.
85
“bergman”
86
pequenas biografias não-autorizadas
foi impresso sobre papel Pólen Bold 90 g/m2
(miolo) e Cartão Supremo 250 g/m2 (capa) na
Imprinta Express Gráfica para a Viveiros de
Castro Editora em março de 2009.