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Tema 5 – PROCEDIMENTO ESTRATÉGICO

Fundamentar-se, não sobre o verossímil (construído), mas sobre a


tendência ativada
O estrategista chinês não conjectura, não argumenta, não constrói.
Ele não monta hipótese, não entra em nenhum cálculo de verossimilhança.
Toda a sua arte, ao contrário, é detectar o mais cedo possível as menores
tendências que são levadas a se manifestar: ao detectá-las, logo que elas
começam a orientar, em segredo, o curso ininterrupto das coisas, antes,
portanto, que tenham tido o tempo de emergir e de manifestar seus efeitos, ele
está em condições de prever a que elas conduzem; coincidindo com a ativação
dessas tendências, ele se antecipa a sua atualização.
O comentador de nosso tratado de Diplomacia assim esclarece [Guiguzi 鬼谷子
(Gwai Guk Ji)], Cap. "Ben Jing 本经 (Bun Ging 本經)"]; "o movimento que mal se
inicia" , mas como tal, já é "crítico", "evolui do sutil ao manifesto [Ji wei zhi dong,
zi wei zhi zhu 几危之动,自微至著 (Gei ngai ji dung, ji mei ji ju 机微之動,自微至
著)]"; por isso, o estrategista clarividente é aquele que o apreende nesse
estágio inicial, "quando ele ainda não ofereceu sinal evidente e não se atualizou
[Zhi yu wei zhao, cha yu wei xing 矢于未兆, 察于未形 (Si yu mei siu, chaat yu
mei ying矢於未兆, 察於未形)]”.
Nesse estágio, a tempestade ainda é subterrânea, o "desencadeamento" da
crise, ainda "secreto".
Mas sabe-se que, como "pazadas de terra" que "se acumulam", dele irá resultar
inelutavelmente um efeito.

Deve haver um processo


O que se realiza efetivamente só pode ser da ordem do efeito, e é sempre por
um processo (que transforma a situação) que se chega ao efeito, a título de
resultado, e não em função de um objetivo que conduz (diretamente) a ação;

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enganamo-nos, portanto, sobre a natureza deste se pensamos poder obtê-lo à
força, com violência, em vez de seguir o Caminho, o Dao 道 (Do), que faz que o
efeito, implicado progressivamente pela situação, advenha no final sozinho.

Fim do desvio
De um pensamento, como o Daoismo, vê-se ao menos do que ele [o
Daoismo] seria produtor: ele [o Daoismo] põe às claras as condições de
possibilidade de uma eficiência humana - esclarece ao mesmo tempo seus
modos de coerência e de que maneira eles [os modos de coerência da eficiência
humana] são vetores de estratégia.
Resta considerar, mais de perto, para confrontá-los com os nossos, quais são
esses procedimentos estratégicos; e, sobretudo, compreender como reger a
situação, a montante de sua atualização, poderia constituir uma arte da
manipulação.

“Manipular” os homens: com que rigor?


A rigor, a "manipulação" só existe entre nós no sentido próprio, em
laboratório, no domínio das ciências e das técnicas, quando se trata de
manipular substâncias ou produtos.
Diz-se também, pelo menos de um tempo para cá, que se pode manipular os
homens; mas, no sentido figurado, a noção não adquire consistência, continua
fortemente pejorativa, hesita-se em levar mais a fundo a analogia.
Inversamente, o pensamento chinês, a partir do ponto de vista estratégico
que é o seu, porque não estabeleceu clivagem entre o mundo e a consciência
(ou entre natureza e vida interior, leis físicas e leis morais etc.), e não teve,
portanto, posteriormente que tentar reaproximar as duas ordens para cobrir a
falha, forçando analogias, já que tudo para ele é uma questão de processo,
inclusive a conduta humana, o pensamento chinês não hesitou em pensar a
manipulação a montante do processo.

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Manipulação imperceptível, por conseguinte, no estágio em que, tudo sendo
ainda liso, e dúctil, os homens se deixam dirigir tão facilmente que não
oferecem resistência - que não se é mais incomodado pela consciência.
Até onde se poderá desenvolver esse conceito – e qual o custo disso?
Comecemos por recapitular: toda a estratégia chinesa, como não cessamos de
ver, consiste em fazer evoluir suficientemente a relação antagonista - a título
preliminar - de modo que, no final, o conflito já esteja resolvido antes mesmo
que se tenha começado a decidi-lo.
Tudo se resolve nesse já que julgaríamos inicial, mas que, na verdade, é um
resultado: afigura-se aos outros como um dado de partida (no momento em que
começa o confronto) o que na realidade não passa da consequência de um
processo ao qual eles foram submetidos anteriormente, mas que lhes escapou
(e cujo sucesso decorre a seguir espontaneamente, sem que se pense em louvar
as qualidades de coragem ou de sagacidade daquele que conseguiu triunfar tão
"facilmente").

Induzir manipulando
Sob essas figuras familiares da "artimanha" ou da "astúcia", que a Europa
com frequência sentiu prazer em psicologizar (e depois em moralizar, ou
mesmo, em diabolizar), e que são tidas assim por anedóticas, dissimula-se, do
lado chines, a arte de conduzir tão progressivamente o real que já não se precisa
enfrentá-lo.
Ou, melhor, arte de induzi-lo, poder-se-ia dizer, pois conduzir ainda e por
demais dirigista e chamativo, por seu modo de acompanhamento (cum: com),
pressupõe ainda demasiada exterioridade, em relação a situação, e, portanto,
atividade voluntarista e esforço da parte do "sujeito".

Sabendo “esposar” o desenvolvimento encetado


Ora, reconhecemos que a possibilidade que a tradição chinesa
desenvolveu, por seu lado: acompanhar o desenvolvimento encetado em cada

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uma de suas etapas e até sua culminação, de modo a estar constantemente em
fase com ele.
Uma interseção acidental do encontro converte-se assim em coincidência
contínua com o curso do processo; em vez de ser o instante fugaz e arriscado
oferecido à ação, a ocasião se torna contemporânea de todos os estágios da
transformação.

O agir-sem-agir se transforma em capacidade de evolução: o dragão


A imagem da serpente ou, melhor ainda, do dragão exprime bem essa
mobilidade do espírito que permite evoluir à vontade, sem jamais ser estorvado
nem sofrer (evolução opondo-se à ação): o corpo maleável do dragão não tem
forma fixa, ele ondula e se curva em todos os sentidos, contrai-se para se
distender, concentra-se para progredir; ele esposa tão bem as nuvens que,
sempre levado por elas, avança sem fazer esforço.
Por isso, quase não se distingue delas.
Do mesmo modo, a intencionalidade estratégica não tem intenção definida,
ela não se obstina em nenhum plano para melhor seguir todos os contornos da
situação e poder aproveitá-los: se o estrategista não age, é porque ele não
fragmenta nem despende sua energia numa ação determinada, mas, como o
corpo infinitamente solto do dragão, vale-se da renovação da situação para -
evoluindo sempre - não cessar de avançar.

Abordar a situação no estágio em que ela é fácil para se deixar levar até a
dificuldade
Posto que, nessa lógica processual, tudo não passa de transição e
desenvolvimento, a estratégia consistirá em abordar a situação no estágio em
que ela é fácil, para deixar-se levar em seguida, pelo desdobramento da lógica
implicada, até o da dificuldade.
O sábio/estrategista encara e "planifica" a dificuldade "no estágio da
facilidade", é dito, do mesmo modo que "realiza grandes coisas no estágio em
que elas são ainda ínfimas" (LZ, § 63): assim, "as coisas difíceis de fazer no

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mundo devem ser empreendidas no estágio da facilidade, do mesmo modo que
as grandes coisas no mundo devem ser empreendidas no estágio de sua
infimidade".

Noção de ativação
Com efeito, no momento da ativação ainda nada se vê, mas já está
estabelecida uma orientação.
Pois, mal começa a despontar, ele já inflete o curso das coisas (ou da
consciência) e pode exibir cada vez mais longe seus efeitos - com o passar do
tempo, na duração.
Dessa preciosa noção de ativação; a lição é fácil, portanto, de tirar: o potencial
da situação que se vê surgir na ocasião devia ser detectado em sua primeira
prefiguração; pois, em vez de ser fugaz essa ocasião, podia-se então seguir
passo a passo seu desdobramento e, portanto, ter certeza de - e estar pronto
para - golpear no momento oportuno.

Projeção ou antecipação
A partir da construção de um modelo, a única relação que se pode manter
com o futuro é da ordem da projeção (devendo o que escapa ao projeto ser
remetido ao domínio do acaso ou da sorte); se partimos do potencial da
situação, em troca, a relação com o futuro é de antecipação: seguindo a curva
reguladora de sua evolução e detectando na situação atual a ativação da
transformação vindoura, adiantamo-nos, logicamente, a seu desenvolvimento.

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