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3.

5 A relação entre os governos e esferas competentes para realizar as políticas


públicas no Brasil.

A questão federalista no Brasil é um tema sempre atual, aberto e inconcluso, visto que toca
em questões políticas, econômicas e sociais delicadas e, portanto, envolve atores e interesses bem
diversos. Uma prova de que o tema é complexo pode ser constatada fazendo-se uma apreciação
da questão federalista na história do Brasil e, ao fazer isso, é possível encontrar sucessivos ciclos
de centralização e descentralização, desde a Constituição de 1891, passando pelo período Vargas
e pelo regime militar até chegar à Constituição de 1988. Em cada período, em cada Constituição, o
federalismo teve suas características e peculiaridades. Essa leitura sobre o federalismo brasileiro,
que toma essas variações de acordo com o regime político de cada época, ora mais centralizada,
ora menos centralizada, levou Golbery do Couto a fazer uma analogia entre o nosso federalismo
com os ciclos de sístole e diástole de um coração.
Mas tratando agora do período mais recente da nossa história, que se inicia com a
promulgação da carta de 1988, que restabeleceu o poder aos civis e inaugurou o atual período
democrático constitucional brasileiro vemos que a nova carta constitucional restabeleceu e
aprofundou a descentralização política no Brasil e trouxe importantes mudanças em comparação
com as constituições anteriores, principalmente em relação ao período militar que havia muito
poder e atribuições nas mãos do governo federal.
Em linhas gerais, a CF/88 levou mais recursos para as esferas subnacionais, fortaleceu o
federalismo estadualista e municipalista, inseriu universalização dos serviços sociais, fortaleceu o
papel dos estados e municípios na implementação de importantes políticas sociais e, permitiu
assim, uma maior horizontalização em termos de autonomia, dando mais poder de legislação,
administração e definição de políticas de um modo geral. Em resumo, houve uma fragmentação
dos centros de poder, no entanto, a maior parte das competências continuou com a União que
manteve maior capacidade, principalmente tributária.
Com essa possibilidade de descentralização, cada vez maior, dando aos entes da
federação mais autonomia, foi dada a possibilidade de escolha para que estado e municípios
decidissem a melhor estratégia na implementação de políticas públicas, desse modo, o Sistema
Brasileiro de Proteção Social é marcado por grandes variações. Encontramos então, no território
brasileiro, municípios onde as políticas sociais estão sob responsabilidade do ente local e outros
onde a mesma política está nas mãos da União ou do estado, não havendo assim um padrão ou
regra que determine o que ou quais políticas são ou devem estar sob responsabilidade de qual
ente federativo.
Pesquisadores do assunto apontam a baixa capacidade fiscal e administrativa da maioria
dos municípios do Brasil como fator determinante na decisão de assumir a gestão pública de
alguns programas sociais. Segundo Marta Arretche “quanto mais elevados forem os custos
implicados na gestão e uma dada política e mais reduzidos os benefícios dela derivados, menor
será a propensão dos governos locais a assumirem competências na área social. Simetricamente,
quanto mais reduzidos os custos e mais elevados os benefícios implicados na descentralização da
gestão, maior será a propensão dos governos locais a aderirem a um processo de (re)definição de
atribuições”. (Arretche, 1999)
A afirmação acima mostra que processos de centralização e descentralização são mais
complexos do que aparentam, pois, descentralizar ou centralizar ações de políticas sociais, não é
somente uma decisão de possibilitar ou não mais autonomia aos municípios, mas também de criar
eficientes estratégias de indução fiscal e administrativa por parte do governo central no sentido de
capacitar os entes locais a assumir a responsabilidade dessas políticas sociais.
O resultado dessa assimetria de atribuições e competências na área social entre os
municípios tem como consequências um país marcado por realidades muitos distintas em termos
de direitos sociais. Se compararmos os estados da federação, vamos encontrar alguns com baixas
taxas de acesso a serviços sociais em áreas diversas como saúde e educação e outros com
índices bem mais satisfatórios.

3.6 Acesso à informação, transparência, prestação de contas e a gestão do Auxílio


Brasil

Em relação ao programa Auxílio Brasil, pode-se dizer que ele teve um importante impacto
no sentido de diminuir o enorme número de pessoas em situação de extrema pobreza
principalmente durante a pandemia da COVID-19. Dados do banco mundial indicam que em torno
de 7,4 milhões de pessoas foram diretamente beneficiadas por esse programa social e que ele fez
com que o Brasil apresentasse uma das taxas de pobreza extrema mais baixas da região
da América Latina e Caribe durante fase mais aguda da pandemia.1
Apesar das críticas, o programa alcançou bons resultados o que em parte se deve ao
centralismo na sua condução, já que ele é coordenado em todas as suas etapas pelo Ministério da
Cidadania que exerce as funções de gerenciamento, seleção dos beneficiados e o envio de verbas
para o pagamento, sendo a estrutura da Caixa Econômica Federal e seus agentes credenciados
incumbidos de realizar a transferência de renda às famílias.
Se por um lado o programa obteve êxito em levar renda diretamente até a mão de milhões
de pessoas que necessitaram de ajuda na crise social provocada pela pandemia, por outro lado,
percebe-se que faltou ao Auxílio Brasil um desenho mais detalhado, com características de um

1
https://www.cnnbrasil.com.br/business/auxilio-emergencial-ajudou-a-tirar-74-milhoes-da-pobreza-no-brasil-em-
2020-diz-banco-mundial.htm
programa social que não fosse simplesmente transferência de renda, mas algo que interferisse de
forma mais efetiva na questão dos direitos sociais. Além da falta transparência apontada por
especialistas, órgãos de controle como o TCU alegam a falta de critérios e controle que levaram à
inclusão indevida de 3,5 milhões de pessoas no programa.2
Abordando agora de forma mais técnica o assunto sobre políticas públicas podemos citar
também a ausência de uma gestão transversal, que seria proposta de gestão de uma política
pública baseada em estratégias de coordenação horizontal. Essa perspectiva de ação incorpora
visões multifacetadas sobre os problemas de diferentes grupos sociais e busca romper com a visão
burocrática, vertical e hierarquizada possibilitando a interação de múltiplos órgãos governamentais,
desse modo, diferentes ministérios e secretarias podem cooperar e agir sobre a complexidade
social e dessa forma atingir resultados mais efetivos. Segundo Tatiana Dias Silva “transversalidade
pressupõe, por conseguinte, resignificar a estratégia setorial, da formulação à implementação.
(Silva, 2011)
A adoção da visão transversal no desenho das políticas públicas no Brasil ainda não é algo
consolidado e mesmo a apreensão pelos gestores do que vem a ser uma política pública
transversal ainda não é algo muito claro. “Aprofundar a compreensão sobre esses aspectos,
procurando rebuscar o entendimento sobre a gestão da transversalidade e seus requisitos
operacionais, seus instrumentos de ação e sua inter-relação com o ciclo das políticas públicas
apresenta-se como desafio inadiável para avançar em uma gestão pública com maior possibilidade
de atuar com efetividade em cenários cuja complexidade tem sido progressivamente reconhecida”.
(Silva, 2011)
Levando-se essa necessidade de aperfeiçoamento e entendimento sobre o que vem a ser
uma política pública que incorpore uma visão transversal em seu delineamento, concluímos que o
Auxílio Brasil apesar de sua importância no sentido de amenizar a miséria da população brasileira
em determinado momento, não é capaz de no médio prazo atuar para transformar a realidade
social de forma consistente.

2
https://www.band.uol.com.br/noticias/jornal-da-band/ultimas/auditoria-do-tcu-aponta-que-35-milhoes-recebem-o-
auxilio-brasil-irregularmente-16568979
Referências bibliográficas

ARRETCHE, Marta TS. Políticas sociais no Brasil: descentralização em um Estado federativo.


Revista brasileira de ciências sociais, v. 14, n. 40, p. 111-141, 1999.

Arretche, Marta TS. Quem taxa e quem gasta: a barganha federativa da federação brasileira. Rev.
Sociol. Política, Curitiba, 24, p. 69-85, jun. 2005

Bonavides, Paulo e Andrade, Paes de. História constitucional do Brasil. 4ª ed. Brasília: Ed. OAB,
2002.

Layane, Serrano. Auxílio emergencial ajudou a tirar 7,4 milhões da pobreza no Brasil em 2020, diz
Banco Mundial. CNN, São Paulo, 07 de nov. de 2022. Disponível em
<https://www.cnnbrasil.com.br/business/auxilio-emergencial-ajudou-a-tirar-74-milhoes-da-pobreza-
no-brasil-em-2020-diz-banco-mundial.htm>. Acesso em 21 de dezembro de 2022.

SILVA, Tatiana Dias. Gestão da Transversalidade em Políticas Públicas. Artigo apresentado ao


XXXV Encontro da ANPAD. Rio de Janeiro: set./2011.

Villela, Carolina. Auditoria do TCU aponta que 3,5 milhões recebem o Auxílio Brasil irregularmente.
Jornal da Band, São Paulo, 14 de dez. de 2022. Disponível em
https://www.band.uol.com.br/noticias/jornal-da-band/ultimas/auditoria-do-tcu-aponta-que-35-
milhoes-recebem-o-auxilio-brasil-irregularmente-16568979. Acesso em Acesso em 21 de dezembro
de 2022.

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