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CORONEL: Gaspar, quem roubou o meu pé de

cebolinha?
GASPAR: (“que não fala, mas late com
O rapto das cebolinhas expressão humana, dando as
Um ato em três cenas sem intervalo inflexões necessárias”) Uau... uau... (“Corre até
Personagens: os últimos pés de cebolinha e cheiraos
 O Coronel ruidosamente”.)
 Maneco, neto do Coronel CORONEL: Foi você quem comeu a minha
 Lúcia, neta do Coronel cebolinha?
“Gaspar late que não”.
 Gaspar, o cachorro
CORONEL: Palavra de cachorro?
 Florípedes, a gatinha
“Gaspar late que sim”.
 Simeão, o burro CORONEL: (“à parte”) Estou na dúvida se
 Camaleão Alface, o detetive cachorro tem ou não tem palavra.
 O Médico (“Para Gaspar”.) Então quem foi?
GASPAR: (“meio apavorado”) Uau... uau...
Cenário Único (“Indica a direita com o focinho”.)
O cenário representa a horta do Coronel. CORONEL: Foi Florípedes?
São vistos três pezinhos de planta. GASPAR: Uau... uau... (“Diz que não”.)
Girassóis. À frente da horta, uma cerca bem CORONEL: Foi Simeão?
baixinha. Um espantalho. Uma GASPAR: Au... au... (“Diz que não”.)
árvore. Um banco na frente da árvore. Uma casa CORONEL: Gaspar, vá correndo chamar
de cachorro no proscênio à direita. Florípedes e Simeão. Quero todo
mundo aqui.
 Primeira Cena “Sai Gaspar”.
É madrugada. Vê-se passar pela cena uma figura CORONEL: Ah! Preciso descobrir o ladrão.
envolta numa capa preta, Quem teria a coragem de fazer
com um grande chapéu. (Os passos devem ser uma coisa destas? (“Chamando”.) Lúcia,
acompanhados do barulho de lixa Maneco! Onde estão os meus netos?
raspando, reco-reco e pente de arame num Maneco, anda cá, seu maroto. Lúcia, acorda,
tambor.) Olha para todos os lados, menina. O avô foi roubado!
penetra pela porteira da cerca, olha de novo para “Entram Lúcia e Maneco, aflitos”.
todos os lados, procura no chão, MANECO: Você chamou, vovô?
descobre o que queria, faz o gesto de arrancar, LÚCIA: O que é que aconteceu, que você está
cobre o que arrancou com a capa e, tão nervoso, hem, vovô?
pulando a cerca, desaparece de cena, sempre CORONEL: Vocês não podem imaginar o que
escondendo o rosto. Pausa. aconteceu?
Começa a clarear, ouvem-se o galo cantar e MANECO: De ruim ou de bom?
passarinhos. O Coronel entra CORONEL: De péssimo, ora!
assobiando alegremente, carregando ancinho e MANECO: Aposto que o seu reumatismo doeu
regador. a noite inteira.
Entra na horta, pára e grita. “Coronel diz que não com a cabeça”.
CORONEL: Roubaram! Socorro! Socorro! LÚCIA: Morreu a vaca leiteira?
Roubaram o pé de cebolinha do CORONEL: (“quase gemendo”) Nada disso,
Coronel Felício. Roubaram! (“Pausa”.) Quem nada disso.
terá sido? Quem teve coragem de MANECO: Então o que foi?
roubar o pé da mais preciosa cebolinha que CORONEL Ai... ai... ai...
existe no Brasil? Onde está o Gaspar? MANECO: O pé de tomate secou?
(“À parte”.) Gaspar é o vigia da horta. CORONEL: Não.
(“Chamando”.) Gaspar! Gaspar!... LÚCIA: O tacho de melado quebrou?
“Ouve-se um latido, e em seguida aparece CORONEL: Não.
Gaspar, um enorme cachorrão”. MANECO: O bezerro preto desmamou?

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CORONEL: Não. MANECO: Foi você quem roubou as
LÚCIA: E a vaca malhada desmandou... cebolinhas do vovô?
CORONEL: Não. “Florípedes, assustada, vai até o canteiro, olha,
MANECO: A água do poço vazou? mia, volta para junto de
CORONEL: Não. Simeão e, miando com convicção, faz que não,
LÚCIA: E a horta inundou... ofendida, como dizendo: "Isso é
“O diálogo é bem rápido, e as crianças quase pergunta que se faça”?".
não deixam o Coronel dizer MANECO: Simeão, venha cá.
não”. “Simeão se aproxima com medo”.
CORONEL: Nada disso, nada disso; antes MANECO: Foi você quem roubou as
fosse. Olhem lá dentro. (“Aponta cebolinhas do vovô?
para dentro da cerca. Os dois meninos entram SIMEÃO: (“com receio”) Hiiiiii. (“Faz que
no cercado”.) não”.)
MANECO: Oh! MANECO: Mas vocês dormem aqui fora.
LÚCIA: Que horror! Pobre vovô! (“Para a Devem ter visto alguma coisa
platéia”.) Arrancaram o pé de durante a noite.
cebolinha. (“Para o avô”.) Quem foi? “A gatinha e o burro dão miados e relinchos
MANECO: Quem foi o ladrão, hem, vovô? significativos de que viram
CORONEL: Não sei ainda. Temos que alguma coisa, sim”.
descobrir. Ainda ficaram dois pés. Os MANECO: Então viram o ladrão? (“Miam e
últimos. (“Chorando”.) Ai, meu Deus! Estou tão relincham que sim”.) Como era
abafado que nem posso pensar ele? (“Os dois se olham um pouco, e depois
direito. Dois anos criando essas cebolinhas, e passam pela cena imitando o andar do
agora... ladrão”.) Que andar mais esquisito. E você,
LÚCIA: Fique mais calmo, vovô. Não se amole Gaspar, não viu nada? Não vigiou a horta
tanto. Mandaremos vir outras durante a noite, como era o seu dever? (“Gaspar
mudas iguais e elas vão crescer que nem capim. abaixa a cabeça”.)
CORONEL: (“indignado”) Lúcia, minha neta, LÚCIA: Vamos, Gaspar, explique-se. É para o
não torne a dizer esse absurdo. seu próprio bem. Onde é que
Você sabe muito bem que estas cebolinhas são você passou a noite?
diferentes. São cebolinhas da Índia. “Gaspar indica que passou a noite na sua
Quem toma chá dessas cebolinhas tem vida casinha. Entra na casa”.
longa e alegria! E estas são as MANECO: E não viu nada? Ninguém entrar?
últimas que existem no Brasil... GASPAR: Uau... uau... uau... (“Faz que não, e
MANECO: (“interrompendo”) Fale mais baixo, mostra que estava
vovô. Você quer que outros dormindo”.)
ladrões apareçam para roubar as duas que MANECO: Como assim? Dormindo! É assim
sobraram? que você toma conta da horta?
CORONEL: É mesmo, meu filho. Todo o É assim que você é amigo do vovô? (“Para a
cuidado agora é pouco. Irei até a platéia”.) Um cachorro que se preza
cidade contratar um detetive para descobrir o nunca abandona o posto.
ladrão. Prestem bem atenção no “Gaspar, aflitíssimo, dá latidos de tristeza”.
pessoal daqui. Todo mundo é suspeito. Vou me LÚCIA: (“indignada”) Não ofende o Gaspar,
vestir e já volto. (“Sai”.) Maneco; quem sabe não deram
MANECO: Pobre do velho. Quem teria sido o remédio para ele dormir?
ladrão? “Gaspar, ao ouvir isso, anima-se e dá saltos
“Ouve-se um miado, um relincho e um latido, e significando que sim”.
em seguida entram os MANECO: (“intrigado”) Será possível? Então o
bichos”. caso está se tornando mais
MANECO: Aí vêm os bichos. Florípedes, venha grave. Muito mais grave.
cá. LÚCIA: (“ao ouvido de Maneco”) Florípedes e
“Ela se aproxima de Maneco, dengosa”. Simeão viram tudo.

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MANECO: (“dirigindo-se para os dois”) Florípedes e Simeão.) Podem ir agora.
Florípedes e Simeão, respondam: o (“Florípedes e Simeão saem”.) Mas tratem de
ladrão era alto ou baixo? (“Os dois olham-se abrir bem os olhos e os ouvidos. (“Gaspar sai.
espantados, pensam um pouco; e Maneco grita na direção em que os
depois, ao mesmo tempo, Florípedes sobe no bichos saíram”.) Todo mundo aqui é suspeito!
banco e faz um gesto, indicando que o (“Para Lúcia”.) Estou muito desconfiado
ladrão era muito alto, miando prolongado, e de que Florípedes e Simeão andam mentindo.
Simeão se abaixa relinchando, indicando LÚCIA: Ou, então, Gaspar.
que o ladrão era muito baixo”.) Que negócio é “Sentam-se no banco”.
este? Cada um viu diferente? (“Os dois MANECO: (“para a platéia”) Mas eles são tão
se olham, percebem a contradição e amigos da gente! Por que é
desmancham rapidamente o gesto. Florípedes que haveriam de roubar as cebolinhas do velho?
desce do banco”.) Eles não entendem nada de chá de
LÚCIA: Era gordo ou magro? ficar moço.
“Novamente os dois ao mesmo tempo indicam, LÚCIA: É, mas o Gaspar é muito comilão.
Florípedes que era muito MANECO: Mas não de cebolinha.
gordo e Simeão que era muito magro; hesitam LÚCIA: Ele poderia ter roubado a cebolinha
um pouco e se olham com medo, para trocar por um osso...
percebem o erro e, muito sem graça, MANECO: É verdade, Lúcia. Você até parece
desmancham o gesto”. detetive.
MANECO: Vocês estavam era sonhando. Ora LÚCIA: Ao mesmo tempo acho o Gaspar
essa, vocês não servem para incapaz de fazer uma coisa dessas.
nada. Vão-se embora. Ele é um cachorro de caráter.
“Florípedes dá miados aflitos procurando MANECO: Isso é verdade.
chamar a atenção dos meninos LÚCIA: Mas a Florípedes, não sei não.
para lhes dizer algo”. MANECO: Ela é bem sapeca.
LÚCIA: (“notando Florípedes”) Espera, parece LÚCIA: Você se lembra de quando vovô
que Florípedes quer dizer plantou as cebolinhas? Florípedes
alguma coisa. miava de contente quando vovô disse que o chá
“Florípedes diz que sim”. fazia as pessoas ficarem mais
MANECO: Vamos, Flor, explique-se. moças. Pensamos até que ela estava ficando
“Junto com Lúcia, corre para a gatinha. Os dois doida.
meninos a animam MANECO: Me lembro sim. E saiu correndo,
exageradamente. Florípedes, vendo-se dona da miando para o Simeão.
situação, afasta-se e começa a LÚCIA: E essa história que os dois contaram
mímica. Imita o andar do ladrão e depois finge não combinava nada.
que desmaia, dando miadinhos finos”. MANECO: É bom espiar bem esses bichos.
LÚCIA: Você desmaiou quando viu o ladrão? Eles são muito sabidos.
(“Florípedes diz que sim, e VOZ DE FORA: Ó de casa!
Simeão mostra ao mesmo tempo que correu MANECO: (“para a platéia”) É o vizinho novo,
para socorrê-la”.) Ah, e você correu para seu Camaleão Alface.
socorrê-la quando ela desmaiou? (“Simeão faz “Entra Camaleão Alface, de culote, chapéu de
que sim, levanta Florípedes e os dois explorador e grandes bigodes.
saem correndo”.) Leva nas costas uma mochila de onde tirará os
MANECO: E... depois foram embora correndo? objetos necessários para a ação.
“Simeão faz que não, volta sozinho ao meio do CAMALEÃO: (“ainda de fora”) Onde está o
palco, tenta mostrar por Coronel? (“Vai entrando muito
mímica que quem saiu correndo foi o ladrão”. aflito”.) Onde está o Coronel? Preciso falar ao
LÚCIA: Ah!... e o ladrão fugiu? Coronel.
“Os dois respondem que sim”. LÚCIA: Vovô está se vestindo, seu Camaleão
MANECO: (“ao ouvido de Lúcia”) Ih!... Estou Alface. Ele vai à cidade para...
muito desconfiado. (“Para

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CAMALEÃO: (“quase não deixando as crianças dois enormes revólveres, e uma enorme lente”.
falar”) Preciso falar com ele CORONEL: Seu diploma é enorme, seu
urgentemente. Camaleão Alface. (“Vai para junto
MANECO: Ele vai à cidade contratar... dele”.) O senhor está nomeado meu detetive.
CAMALEÃO: O que aconteceu? Pagarei o que quiser.
MANECO: Roubaram um dos pés de cebolinha. CAMALEÃO: Não cobrarei nada do senhor
CAMALEÃO: (“correndo para o local do (“Adulador”.) Só quero a sua
roubo”) Não é possível! Como foi amizade. (“Empunha a lente e vai para o
isso? canteiro”.) Vejamos primeiro as pistas.
MANECO: Não sabemos ainda de nada. Vovô (“Consigo mesmo, examinando o local”.) Darei
vai à cidade contratar um a vida para descobrir o mistério da
detetive. cebolinha.
CAMALEÃO: Detetive? CORONEL: (“encantadíssimo”) Muito
CORONEL: (“aparece pronto para sair e obrigado, seu Camaleão Alface. Vejo
emenda a fala com a do que o senhor é um verdadeiro amigo e protetor
Camaleão.) ... um detetive para descobrir o raio das plantas.
do ladrão que levou minha cebolinha. CAMALEÃO: E das ciências, meu amigo.
(“Pega a mão do Camaleão e começa a sacudi-la (“Coloca a mão no ombro do
vigorosamente enquanto fala”.) Coronel”.) A descoberta do chá de cebolinhas
Como vai o senhor? Como vai a Associação vai revolucionar o mundo periclitante da
Protetora das Plantas? velhice. Comecemos pelo... começo. Vamos
“Camaleão tenta falar mas não consegue”. agir. Todos são suspeitos. (“Examina o
CORONEL: O senhor continua o presidente? avô e, logo depois, as duas crianças, que levam
Farei uma comunicação do grande susto”.) Todos, ouviram?
roubo na próxima reunião. Agora vou à cidade (“Passeia pelo palco examinando tudo com a
contratar um detetive. (“Sai andando”.) lente, e acaba observando a ponta de
CAMALEÃO: Um detetive? (“Corre atrás do sua própria bota. Vai subindo com a lente e,
Coronel e o detém”.) Um quando percebe o que está fazendo,
detetive para quê, meu amigo? (“Com ar de diz”:) Quase todos! (“Para o Coronel”.) Vamos,
grande superioridade”.) Então não sabe tenho um plano. (“Para os meninos”.)
que eu sou formado detetive? Que ninguém saia de casa esta noite. Ordem do
CORONEL: O senhor? detetive Camaleão Alface. (“Quase
CAMALEÃO: (“andando lentamente no palco e desaparecendo”.) Ninguém!
muito convencido”) Passei “Os meninos examinam o diploma. Camaleão
três anos numa universidade dos Estados torna a aparecer e tira o
Unidos. (“Parado, para a platéia, e com diploma dos meninos”.
malícia”.) Sou especialista em raptos de CAMALEÃO: Com licença, meninos. (“Para a
verduras, brotinhos, coisinhas tenras e platéia”.) É o diploma que faz o
desprotegidas. detetive. (“Sai, solene”.)
MANECO: Mas o senhor tem diploma, seu “Lúcia e Maneco saem atrás, Maneco irritado,
Camaleão? Lúcia com grande admiração.
CAMALEÃO: Aqui está. Voltam logo depois”.
“Puxa ostensivamente da mochila um enorme LÚCIA: Formidável este detetive. Que diploma!
diploma. Maneco e Lúcia MANECO: Não gostei nada dele. Achei tudo
começam a abri-lo. É tão grande o diploma que muito esquisito. Você acha que
Maneco precisa trepar no banco e um detetive anda sempre de revólver, diploma,
Lúcia se ajoelhar no chão para abri-lo medalha? Ele estava com cara de
completamente. O Coronel passa os olhos, quem já sabia de tudo.
encantado, pelo documento e o lê em inglês LÚCIA: É faro de detetive, Maneco.
ruim. Enquanto isso, Camaleão, MANECO: Não sei, não... Mas também tenho
cantarolando, se transforma num xerife, tirando um plano. Ainda ficaram dois
da mochila um colete com estrela,

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pés de cebolinhas. O ladrão na certa voltará para “Entra Florípedes puxando Simeão pela mão.
roubar o resto. Sobe no banco e com
LÚCIA: Ué, por que é que ele há de voltar, ora! pequenos miados e grandes gestos procura
A estas horas já deve estar convencer Simeão, falando-lhe ao
bem contente com a cebolinha na barriga. ouvido. Simeão não parece concordar. Por fim,
MANECO: (“categoricamente”) Um ladrão fica irritado e sai para o meio do
volta sempre ao local do crime, palco, mostrando claramente que não concorda.
Lúcia. (“Baixo”.) Você não leu naquele livro? Florípedes não desiste e vai atrás
LÚCIA: É mesmo, Maneco. (“Espantada”.) dele, puxando-o pelo rabo até o canteiro.
Então ele é capaz de voltar esta Argumenta novamente. Simeão vira-lhe as
noite. O que é que vamos fazer? Quantos costas mostrando de novo que não concorda.
suspeitos você já tem? Florípedes tenta mais uma vez
MANECO: (“pensativo”) Florípedes e Simeão convencê-lo, usando de seus encantos felinos.
podem ser os ladrões. Gaspar Mas nada demove Simeão de sua
também. Seu Camaleão Alface também pode ser decisão. Afinal, Florípedes, irritada, desiste, e
o ladrão. Todo mundo pode ser o resolve executar seu projeto sozinha.
ladrão. Simeão, apavorado de perdê-la, sai correndo
LÚCIA: Ah, isso é que não! Não consigo ver o atrás dela”.
Gaspar roubando cebolinhas. LÚCIA: (“que assistiu a toda a cena escondida,
Tão bom que ele é... Nem Florípedes, nem revoltada”) Oh, oh!... (“Sai
Simeão, nem seu Camaleão Alface... correndo, chamando”.) Maneco... Maneco...
(“Para a platéia”.) Afinal, ele é o presidente da Maneco...
Sociedade dos Amigos das Plantas... Segunda Cena
Ele é um grande detetive! Escurece bastante. É noite. Entra Maneco
MANECO: (“implicando”) Você é muito envolvido por uma grande capa
boazinha, Lúcia. As mulheres não preta, até o chão, e por um grande chapéu preto.
podem ser detetives por isso. (“Para o público”.) Pé ante pé (exageradamente), com
Acham todo mundo inocente. Um grandes flexões de joelho, olhando para todos os
detetive precisa ser meio ruim, desconfiar até do lados, pára um momento diante da
próprio cachorro... cebolinha e, fazendo que ouve um barulho,
LÚCIA: (“zangada”) Puxa, é preciso ter o corre e se esconde atrás do espantalho.
coração muito duro para desconfiar Logo depois entra Camaleão Alface, vestido da
até do próprio cachorro, sabe? Isso eu não mesma maneira, andando
entendo, não entendo, não entendo, não identicamente. Vai até a cebolinha, pára um
entendo. instante, atravessa a cena e ouvindo um
MANECO: Não precisa entender nada, sua barulho qualquer torna a atravessar a cena
boba. Um detetive age sempre correndo e esconde-se no lugar de onde
sem entender nada. saiu.
“Neste momento, entra Gaspar. Fareja todos os Em seguida, entram Florípedes e Simeão, ela na
lados, dirige-se para o frente, vestidos também
canteiro, cheira as cebolinhas com grande como os outros.
cuidado e sai. Maneco e Lúcia observamno Andando sempre como Maneco e Camaleão
escondidos”. Alface, dirigem-se os dois para
MANECO: Tá vendo, eu não disse? (“Faz a cebolinha, param um instante e encaminham-
menção de sair”.) Vamos embora, se para trás da árvore, onde se
anda! escondem. Torna a voltar Camaleão, vai
LÚCIA: Não. Quem tem que agir é seu novamente até a cebolinha, arranca uma
Camaleão Alface. Não é ele o disfarçadamente e continua a volta pelo palco.
detetive? Ao passar pelo espantalho é seguido,
MANECO: (“irritado”) Pois então fique aí, sua sem o saber, por Maneco; este, por Florípedes e
boboca. Vou agir sozinho. (“Sai Simeão. Os quatro dão uma volta
correndo”.)

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por todo o palco no mesmo ritmo. A certa altura CORONEL: (“senta-se novamente e diz,
ouve-se o coaxar de um sapo. lamurioso”) Que confusão dos
Param todos ao mesmo tempo (estão em fila diabos vocês fizeram! É assim que me ajudam?
indiana) e olham cada um por O que vocês estão fazendo é ajudar
sua vez para trás. Recomeçam a andar e depois o ladrão. Com isso ele roubou minha segunda
de uns instantes ouvem novamente cebolinha, e adeus chá de longa vida!
o sapo. CAMALEÃO: (“indo para o meio do palco e
Param juntos. Camaleão volta-se e dá com os tomando conta da situação”)
outros. Grande confusão e Todos os presentes são suspeitos.
correria, gritos, miados, relinchos. Desobedeceram à minha ordem de não sair à
Todo o andar dos personagens deve ser seguido noite. Logo, são candidatos a ladrão.
do barulho de lixa, recoreco, MANECO: E o senhor também!
tambor etc. CAMALEÃO: Menino, pare de falar.
MANECO: Peguei o ladrão! (“Maciamente”.) Senhor Coronel, um
CAMALEÃO: Me larga, menino, sou detetive não tem coração quando está
Camaleão, o detetive, e o ladrão é você. trabalhando. (“Enérgico”.) Vou ser obrigado a
“Mais gritos, miados e relinchos até que entra o ser muito severo com seu neto. É preciso que
Coronel, de ceroulas, todos me obedeçam. Vamos, quero
segurando um lampião e dando a mão a Lúcia. vocês aí enfileirados para uma inspeção. (“Todo
A cena se ilumina e o Coronel vê o amável com o Coronel”.) A cebolinha
detetive agarrado em Maneco. Florípedes e raptada não deve estar muito longe.
Simeão, morrendo de medo, observam “Maneco recusa-se a obedecer. Camaleão tira o
num canto”. revólver da cintura e
CORONEL: (“entra gritando”) Que barulho começa a examiná-lo. Lúcia, aterrorizada, tenta
infernal é este? Parem de gritar. convencer Maneco”.
(“Vendo a cena”.) Meu Deus, que quantidade de LÚCIA: Anda, Maneco, trate de fazer o que ele
ladrões! (“Ilumina cada ladrão com o quer. Pelo menos por
lampião. enquanto.
“Lembra-se das cebolinhas e corre para o “Maneco, a contragosto, põe-se também em fila
canteiro.) Roubaram o meu ao lado dos bichos”.
segundo pé de cebolinha!! (“Senta-se desolado CAMALEÃO: Mostrem as mãos. (“Ele e o avô
no banco”.) as examinam”.) Mostrem a
CAMALEÃO: (“tirando o disfarce”) Pode ficar boca. (“Puxa o Coronel para o centro do palco e
certo, Coronel, que o ladrão diz-lhe confidencialmente:”) Talvez o
está por aqui. suspeito tenha engolido a cebolinha na hora da
CORONEL: Tanto ladrão para uma pobre confusão, e o cheiro deixado na boca
cebolinha!... será uma pista preciosa. (“Volta aos bichos e
CAMALEÃO: (“senta-se apressado junto ao cheira a boca de Simeão e Florípedes.
Coronel”.) Pus este disfarce Torna a cheirar Florípedes, carrega o Coronel
para ver se confundia o larápio, e o senhor há de novamente para o centro do palco e
perceber que aqui há dente-decoelho. diz-lhe”:) Está um cheiro suspeito. (“Florípedes
MANECO: (“também tirando o disfarce”) mia de medo. Camaleão volta a ela,
Também pus o disfarce para o cheira-a novamente”.) Suspeitíssimo.
ladrão se confundir, vovô. (“Florípedes começa a tremer toda e a miar
CORONEL: (“irônico, levanta-se e dirige-se aos apavorada. Ouvem-se latidos sofredores cada
bichos”) É, e vocês dois aí vez mais fortes”.)
no canto, também puseram o disfarce para ver CORONEL: O que é isto?
se pegavam o ladrão mais facilmente, MANECO: É o Gaspar!
não é? “Chega Gaspar, cambaleando e querendo latir
“Florípedes e Simeão, aterrorizados, meneiam a qualquer coisa. Não
cabeça dizendo que sim”. conseguindo, cai desmaiado. Todos se
precipitam sobre ele”.

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LÚCIA: (“enquanto Gaspar cambaleia”) Pobre a chave do horrível rapto de duas preciosas
Gaspar! Está babando em cebolinhas perpetrado nesta horta que
bicas. (“Gaspar cai”.) pertence ao honrado Coronel José Felício dos
TODOS: (“precipitam-se sobre Gaspar, dizendo Reis (“É interrompido pelo Coronel,
juntos”) Desmaiou! que o cumprimenta”.) ... amigo das plantas e da
CAMALEÃO: Peço silêncio e concentração ciência da longa vida.
geral. MÉDICO: (“que é surdo”) Quer fazer o favor de
MANECO: Depressa, Lúcia, vá chamar o falar mais alto?
médico. CAMALEÃO: (“mais alto”) Digo que aqui
“Lúcia sai correndo”. neste local, pertencente ao Coronel
CAMALEÃO: Afastem-se. (“Empurra todos. José Felício dos Reis... (“Novo cumprimento do
Maneco cai no chão. Camaleão Coronel”.) perpetrou-se um horrível
examina Gaspar com a lente. Por fim, roubo de duas preciosas cebolinhas
apontando a pata do cachorro, exclama:”) Oh, ORIUNDAS da Índia.
veja, senhor Coronel! MÉDICO: (“tira da mala um enorme
CORONEL: (“de braços abertos, muito patético, estetoscópio e o põe no ouvido”.) Está
cai de joelhos diante de moribunda?...
Gaspar”). A segunda cebolinha! Gaspar, Gaspar, CAMALEÃO: (“perdendo a paciência”)
meu cachorrão de confiança, como Examine este cachorro!
é que você teve coragem de fazer uma coisa MÉDICO: (“ausculta Gaspar. Ouve-se o
dessas? (“Chora”.) barulho da pulsação do coração,
MANECO: (“correndo para junto do avô”) Mas, bem alto. À medida que o médico muda de
vovô, isso não prova que ele lugar o estetoscópio, na orelha, no rabo,
seja o ladrão. Você acha que quem rouba na pata, o barulho também muda, mas conserva
qualquer coisa vem desmaiar aos pés do o mesmo ritmo”.) Ou é febre de
detetive? Só se for muito bobo... malária...
CORONEL: Isso é verdade. Mas então quem TODOS: Oh!
teria posto a cebolinha na pata “O médico ausculta novamente”.
do Gaspar? MÉDICO: Ou é remédio para fazer dormir.
MANECO: Ora, o ladrão, quem sabe... LÚCIA: Pobre Gaspar!
CAMALEÃO: (“que todo o tempo escutava e CAMALEÃO: (“sinistro”) Talvez o criminoso!
olhava de esguelha o Coronel, MÉDICO: (“auscultando novamente”) Remédio
interrompe a frase e empurra o menino”) Quem para fazer dormir.
tem que descobrir o ladrão sou eu. “Tira da mala um grande vidro de sais, e
Não sou o detetive? Peço ao menino que não dê sacode-o para lá e para cá, num
mais nenhum palpite. (“Volta todo movimento largo, em frente ao nariz de Gaspar.
sorridente para junto do Coronel”.) Senhor O cachorro mexe um pouco as patas,
Coronel, temos uma nova pista. O até que volta a si, latindo. Levanta-se de repente
cachorrão Gaspar é o suspeito número um. e, vendo os bichos com a capa,
MANECO: Aí vem o médico. Vamos ver o que assusta-se e corre de um lado para outro e acaba
ele tem a dizer. ajoelhado aos pés do Coronel,
“Chega o médico com sua malinha. Entra latindo tristemente”.
andando com passos miúdos, CORONEL: (“afagando-o”) Ele é mesmo o
rápidos, olhar vago. Desce para a platéia e só se suspeito, seu Camaleão Alface?
volta ao perceber que todos o CAMALEÃO: (“duro”) Cada vez mais.
chamam”. (“Examina as patas de Gaspar”.)
MANECO: É aqui, doutor!! É aqui!! Tirarei as impressões patais e amanhã de manhã
CAMALEÃO: (“com ares importantes”) certamente terei que chamar a
Doutor, é de suma importância que polícia para dar ordem de prisão ao Gaspar.
este animal recobre a razão. Talvez que por Ninguém deve sair esta noite. Ficarei
detrás desse silêncio cachorral tenhamos com meu revólver vigiando. Se eu vir alguém,
podem ficar certos de que atirarei sem

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piedade. O coração de um detetive no trabalho é ficaria de revólver esta noite protegendo a
duro como pedra. (“Tira os última cebolinha viva. Para quem aparecer
revólveres da cintura”.) Ninguém deve ele prometeu um tiro!
desobedecer. (“Aponta os revólveres para os MANECO: É, Lúcia, mas você tem que ver que
bichos”.) Olha que eu atiro mesmo. Os bichos, agora não é somente a
aterrorizados, levantam as mãos, cebolinha do vovô que estamos querendo salvar.
inclusive Gaspar. É também o pobre do Gaspar que
CAMALEÃO: Agora vamos, Gaspar. Tirarei está correndo um perigo muito sério. São
suas impressões patais. (“Pega capazes de fazê-lo virar salsicha.
uma corda e começa a amarrar as patas do LÚCIA: Você tem razão, Maneco, a gente não
cachorro”.) pode deixar que façam uma
“Durante esta fala, o médico, que logo após injustiça com o Gaspar. Coitadinho, se ele não é
Gaspar ter recobrado a o ladrão, não deve pagar o pato.
consciência havia se afastado para um lado, MANECO: Temos que dar um jeito...
observa curiosamente Camaleão, que LÚCIA: (“corre para Maneco”) E o Camaleão
está de costas para ele. O médico tira da mala Alface?
um enorme termômetro, limpa-o, MANECO: Eu acho que ele não é detetive coisa
abaixa a temperatura etc. Fica ocupado nessa nenhuma... (“Passeia pela
mímica durante todo este tempo”. cena preocupado”.)
CAMALEÃO: Vamos, Coronel. Pode ficar LÚCIA: A gente tem que descobrir ainda esta
descansado. O ladrão será noite. Porque senão... era uma
desmascarado até amanhã de manhã. (“Lança vez um cachorrão que virou salsicha...
um terrível olhar a Gaspar, que está MANECO: (“vai até a cebolinha”) E adeus à
aterrorizado”.) À polícia! (“Sai puxando Gaspar última cebolinha da Índia...
pela corda, que deve ser comprida. E Coitadinho do velho. Ficará maluco sem seu
vai marchando ao som da batida marcial de um pezinho de cebolinha. (“Fica observando
tambor, acompanhado pelo cachorro, a cebolinha”.)
pelo médico, que sai de termômetro em punho LÚCIA: (“pula a cerca e chega perto da
atrás do detetive, e pelo Coronel, que cebolinha”) Ah! Tive uma idéia. E se
vai levado pelo ritmo”.) a gente puser uma cerca em torno dela?
CORONEL: Adeus, minha última cebolinha Ninguém poderia arrancá-la.
verde! Deus te guarde, para o MANECO: Não sei não... esses ladrões são tão
bem da humanidade! espertos!...
MANECO: Estou desconfiadíssimo. LÚCIA: E se puséssemos uma armadilha?
LÚCIA: Eu também. MANECO: Uma armadilha não adianta nada. E
MANECO: Acho impossível o Gaspar roubar a onde vou arranjar uma
cebolinha e vir desmaiar bem armadilha agora? (“Passeia para lá e para cá em
nos pés do detetive. frente ao espantalho. De repente
LÚCIA: Temos que dar um jeito, Maneco. O pára diante dele, e de um salto abraça-o”.)
que não se faz é prender o Lúcia, tive uma idéia. Vou me fingir de
Gaspar sem saber ao certo se ele é o ladrão... espantalho. Ninguém vai desconfiar não. E
MANECO: É uma injustiça. Vovô não devia quando o ladrão aparecer para roubar a
permitir. cebolinha, nhac... (“Começa a despir o
LÚCIA: Vovô só pensa nas cebolinhas dele e espantalho”.)
vai na onda do detetive. LÚCIA: (“medrosa”) Mas isso é muito perigoso
MANECO: Temos que agir esta noite. (“Anda para você, Maneco. Imagine
pensativamente mas resoluto, se o detetive descobre! Pode atirar nele, e adeus
dando voltas pelo palco, com Lúcia atrás, meu irmão. É melhor desistirmos
aflitíssima”.) dessa idéia.
LÚCIA: É melhor você não se meter mais, MANECO: Tomarei muito cuidado em não
Maneco. O detetive disse que mexer nem o dedinho do pé.

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LÚCIA: (“tenta demovê-lo da idéia, e procura LÚCIA: Já vou, mas não se mexa, sim? Você
pegar o casaco do espantalho”) está com medo?
Desista, Maneco. O melhor é nós dois ficarmos MANECO: Um pouquinho.
vigiando ali atrás daquela árvore. LÚCIA: Então coragem, meu irmão.
MANECO: Não, sua boba. Ali é muito longe. “Fazem o sinal-da-cruz. Ouve-se barulho de
Eu vou ficar aqui mesmo. vozes”.
Ninguém vai desconfiar. E depois, Lúcia, a MANECO: Corre, Lúcia, lá vem gente.
gente tem que salvar a vida do Gaspar de “Lúcia se esconde, Maneco fica imóvel na
qualquer maneira. posição de espantalho. Move só
LÚCIA: Então ficarei atrás da árvore vigiando os olhos. Entram o Coronel e o detetive”.
você. CORONEL: Não me entra na cabeça que o
MANECO: Ah, isso é que não. Você vai ficar Gaspar seja ladrão. Ele tem sido
bem quietinha na sua cama, um ótimo cão de guarda. Nunca roubou nem um
rezando por mim e pelo Gaspar. ossinho de galinha!
LÚCIA: (“decidida”) Se você não deixar eu CAMALEÃO: Nem um ossinho de galinha?
ficar atrás daquela árvore, vou Coronel, então o caso é grave.
agorinha mesmo contar ao detetive que você Seu cachorro é danado.
quer se vestir de espantalho... (“Dirigese CORONEL: Será possível? Ele era o guarda da
ao lado do palco de onde saiu o detetive”.) horta. Na certa, de tanto
MANECO: Não! Lúcia, venha cá. Tá bem! guardar as minhas cebolinhas ficou tentado e
Você ficará escondida atrás da não resistiu...
árvore, mas muito cuidado para não fazer CAMALEÃO: Hoje à noite faremos a prova
nenhum barulhinho. final. Soltaremos o Gaspar. Ele
OS DOIS: (“juntos, para a platéia”) Sabe, na certa, cada vez mais guloso, virá roubar a
pessoal, a gente vai pregar um última cebolinha. (“Empunha os
susto no danado do ladrão!!! (“Saem, levando o revólveres”.) Ficarei de guarda com estes dois
espantalho”.) revólveres e... (“Para a casa do
Terceira Cena Gaspar”.) pum... pum... adeus, cachorro ladrão.
Cena escura. É noite. Surge Lúcia CORONEL: (“abaixa timidamente os revólveres
cautelosamente, espia para todos os do detetive”) Não precisa de
lados. Leva uma corda na mão. revólver, seu Camaleão. Gaspar é cachorro
LÚCIA: Pode vir, Maneco. Não vem ninguém. manso. Basta uma corda.
Cuidado, não faça barulho. O CAMALEÃO: (“guarda os revólveres”) Uma
Camaleão deve estar rondando por aí. corda para prender um cachorro
“Aparece Maneco: disfarçado de espantalho. Os danado de guloso? O senhor está maluco... Não
dois se encaminham para a sabe o que é gula de cebolinha...
horta, quando se ouve o coaxar de um sapo. (“Lambe os beiços”.)
Assustados, correm para o lugar de CORONEL: (“muito impressionado”) O senhor
onde saíram”. não quer então que eu fique
MANECO: Você ouviu? também para ajudá-lo na captura?
LÚCIA: Ouvi, mas não vejo nada. (“O sapo CAMALEÃO: (“rápido”) Não! Quer dizer...
torna a coaxar”.) É Papão, o Quero prender o ladrão sozinho.
sapo-martelo. Que susto. Está em jogo a minha, honra de detetive.
MANECO: Posso ir agora? CORONEL: (“sentido”) Está em jogo é a minha
LÚCIA: Espera aí! (“Olha para todos os última cebolinha verde, ora...
lados”.) Pode vir, mas cuidado para CAMALEÃO: Coronel! Está quase na hora. É
não fazer barulho. melhor o senhor entrar e
“Maneco entra na ponta dos pés e dirige-se para fechar bem as portas. Sobretudo, não deixe seus
o lugar do espantalho. netos saírem. Prenda-os no quarto,
Lúcia ajuda nos últimos arranjos”. a chave. O senhor sabe como é cachorro
MANECO: Anda, Lúcia, vá se esconder. Não danado... Hei de pegá-lo com a pata na
quero que ninguém nos veja. cebola!

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CORONEL: Fecharei bem a casa. Mas se o chá de cebolinha... chá de cebolinha da Índia
senhor precisar de alguma coisa para rejuvenescer... misturam-se (“faz o
é só apitar, que virei a jato com minha gesto”) três cebolinhas num litro d'água. A
espingarda. (“Dá uns passos meio trôpegos, cebolinha deve ser colhida à meia-noite e
fazendo gesto de ter a espingarda empunhada”.) quinze em ponto. É isso mesmo. Vamos,
CAMALEÃO: Depressa, coronel. Não há mais Camaleão Alface! Está na hora de vestir a
tempo a perder. (“Empurra o roupa de ladrão. O campo está livre. Pode
Coronel para fora”.) roubar em paz... Adeus, conversa de
CORONEL: Adeus, formosura da Índia. Fique detetive!... (“Sai correndo”.)
certa de que esta noite você MANECO: (“saindo da posição de espantalho”)
será bem protegida. Patife! Ladrão! Mentiroso!
“Maneco faz que sim com a cabeça sem ser LÚCIA: Bandido, sem-vergonha, desalmado.
visto, e Camaleão também, com Enganou o vovô.
cara sinistra. Acreditando-se só, Camaleão MANECO: Acusou o Gaspar... e ainda por cima
revela o horrível caráter que possui, quer levar o último pé de
dando uma risada e andando de um lado para o cebolinha. Mas ele há de pagar!
outro do palco”. LÚCIA: Maneco, estou morrendo de medo.
CAMALEÃO: Ha, ha, ha, ha! O velhote está Nunca vi tanta ruindade junta!
crente que sou detetive! Detetive Vamos chamar o vovô?
coisa nenhuma! (“Arranca o bigode e a estrela MANECO: Você está louca, Lúcia.
de xerife, joga-os ao chão”.) Sou Infelizmente o Camaleão conseguiu
mesmo é ladrão de cebolinhas!... Isso mesmo convencer o velho. E se ele nos pega, vai nos
(“para a platéia”), ladrão de cebolinhas. trancar no quarto e adeus plano.
Todo mundo vai pensar que foi o cachorro. Temos que agir sozinhos com a ajuda de Deus.
Botei direitinho a culpa para cima daquele “Ouve-se um barulho”.
bobão... Darei dois tiros no bicho e todo mundo LÚCIA: Depressa. Vem alguém.
ficará pensando que foi ele o ladrão. “Retomam as posições. Entra Florípedes, pé
Então poderei roubar o último pé de cebolinha. ante pé. Percorre o palco
Farei o chá, e venderei para todos os cautelosamente para certificar-se de que está só.
velhos que andam por aí querendo virar moços! Satisfeita, encaminha-se para a
Ficarei milionário! Quem quer horta, em direção aos girassóis. Arranca um
comprar chá de ficar moço?... Todo mundo vai deles e dirige-se para o banco onde
querer. Ainda bem que o Coronel senta-se muito contente e muito dengosa.
prendeu o Maneco e a Lúcia. Aqueles dois são Começa a tirar as pétalas”.
sabidos demais. Estão agora FLORÍPEDES: Miau-me-quer... miau-me-não...
trancadinhos no quarto. Ha, ha, ha! O Maneco MANECO: (“chamando”) Florípedes!
deve estar furioso... Bem feito... Quem “A gata ouve e pára espantada, levantando-se
manda se meter comigo? Eu sou mau de bruscamente do banco. Olha
nascença. A gata (“imita a gata”.) e o para todos os lados, não vê nada, e muito
burrico (“idem”.) são uns idiotas. Vou botar medrosa começa a puxar outra pétala.
remédio de dormir no capim em que eles Novamente Maneco a chama. Florípedes,
dormem. Dormirão muito bem e não me medrosíssima, levanta-se, dá alguns
atrapalharão. Agora vou começar a agir. passos, vai andando devagar para o espantalho.
Que horas são? (“Tira um relógio do bolso”.) Quando ela está bem perto do espantalho,
Meia-noite. À meia-noite e Maneco chama novamente e,
quinze, a cebolinha estará no ponto de ser quando percebe que a voz vem do boneco,
colhida. Florípedes desmaia com um grande
Vamos ver o que diz o livro de receitas. (“Tira miado. Maneco e Lúcia correm para a gata,
do bolso um livro de receitas, e abanando-a”.
ao folheá-lo vai dizendo:”) Chá de alface, chá MANECO: Flô, sou eu, Maneco.
de agrião, chá de hipopótamo... etc... LÚCIA: Florípedes! Florípedes, acorda, anda.
(“Florípedes acorda e levantase,

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olhando muito espantada para Maneco, sem Silêncio. Entra Camaleão com sua roupa de
compreender nada”.) Temos só dez ladrão e tira o relógio”.
minutos para pegar o ladrão e você ainda pensa CAMALEÃO: Meia-noite e quinze no meu
em fazer malmequer com girassóis! Pateque Cebola. A minha
MANECO: Descobrimos que o ladrão é o cebolinha está no ponto de ser colhida. Toda a
Camaleão Alface e temos que família está dentro de casa dormindo
pegá-lo daqui a pouco. que nem anjinhos. Ha, ha, ha! (“Os meninos e
“Florípedes mia assustada e corre, metendo-se os bichos fazem eco da gargalhada:
na casa do cachorro. "Ha, ha, ha!". Camaleão pára assustado e diz”:)
Maneco puxa-a pelo rabo”. Eco. Ha, ha! (“Novo eco dos meninos
MANECO: Aí não, Florípedes. Você quer nos e bichos: "Ha, ha!". Camaleão, assustado”:)
ajudar a pegar o ladrão? (“Flô Eco? (“Escuta um pouco. Tranqüilizase”.)
diz que sim”.) Então vá depressa, porque o (Os meninos estão presos no quarto... Ha, ha,
Camaleão botou remédio de fazer dormir ha! (“Escuta e não ouve
no capim em que vocês dormem. nada”.) A bobinha da gata (“Flô avança furiosa
“Florípedes está indignada. Sai furiosa à procura mas é contida por Lúcia”) com o idiota
de Simeão”. do burro (“Simeão avança mas é contido por
LÚCIA: E onde está o pobre Gaspar? Tenho Lúcia”) estão roncando a estas horas.
medo que o ladrão atire nele Estou sozinho. (“Vai para a cebolinha”.) Venha,
antes do roubo. cebolinha, venha virar chá para
MANECO: Não há perigo, porque ele tem que enriquecer o Camaleão. (“Vai se abaixando, e
roubar a cebolinha à meianoite Maneco se prepara para dar-lhe uma
e quinze. Que horas são? paulada quando o sapo coaxa. Camaleão,
“Entra Florípedes empurrando Simeão, que está assustado, se levanta, fazendo com que
meio tonto”. Maneco volte a sua posição e Lúcia e os bichos
LÚCIA: Aposto que Simeão está meio tonto. se escondam atrás da árvore.
Deixa eu cheirar. (“Cheira”.) Camaleão investiga, podendo dar voltas na
Você está se sentindo bem? (“Simeão relincha árvore, com os três, aterrorizados,
que mais ou menos”.) rodando atrás.
MANECO: Vocês querem ajudar a pegar o Finalmente, ouve-se novamente o sapo.
ladrão? (“Os dois fazem que Camaleão se tranqüiliza e volta para a
sim”.) Então vão se esconder com a Lúcia. Cada cebolinha. Quando se abaixa,
um pega um pau. Lúcia, você está Maneco lhe dá uma paulada. O tambor bate
com a corda? forte. Camaleão levanta, pula a cerca
LÚCIA: Está ali atrás da árvore. meio tonto e avança para a frente do palco,
“Maneco e os bichos saem pelo palco à procura cambaleando. É rodeado por Maneco,
de um pau. Florípedes pega Lúcia, com a corda na mão, e os bichos”.)
um gravetinho achando que está muito bem MANECO: Cambaleia, seu Camaleão de uma
armada. Vai contentíssima, miando, figa.
mostrar à platéia. Maneco a empurra para trás “Camaleão, completamente tonto, executa uma
da árvore, mas ela volta e é preciso dança caindo de um lado
que Lúcia vá buscá-la. Simeão, que pegou um para o outro do palco, acompanhado por todos,
grande pedaço de pau, também o que cantam a música de Samba Lelê:
mostra à platéia, dando algum trabalho a cada passo da dança é marcado com batida de
Maneco para colocá-lo atrás da árvore. Há tambor”.
um momento de confusão no palco”. TODOS:
MANECO: Muito bem, depressa! Todos em Camaleão tá doente,
suas posições! Tá com a cabeça quebrada,
“Maneco volta ao lugar do espantalho, Lúcia e Camaleão precisava,
os bichos atrás da árvore. É de uma boa paulada.
Pausa. “Todos dançam em volta de Camaleão,
cantando o estribilho, e depois Lúcia,

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conduzindo-o ao banco, tenta amarrá-lo”. CORONEL: (“pega o recorte e dá a espingarda
Camba, camba, cambaleão. para o médico, que olha
Camba, camba, cambaleão. espantado e a coloca no ombro, ficando em
CAMALEÃO: (“no meio de todos, numa posição de sentido”) É este mesmo. Seu
grande confusão”) Me deixa, Camaleão Alface (“lendo”), cujo verdadeiro
menino, me larga, me larga, sua gata feia. Sai, nome é Camaleão Tiririca (“faz cara de
burro idiota. Chamarei o Coronel, e nojo para o ladrão”), roubou a horta da rainha
provarei que vocês é que são os ladrões. Elizabeth e fugiu para o Brasil.
“Luta e consegue fugir. Os meninos e os bichos (“Apanha a espingarda e aponta-a para
têm um momento de Camaleão”.) Irá para a prisão agorinha
hesitação e surpresa mas logo Maneco sai mesmo.
correndo gritando "pega ladrão", seguido MÉDICO: Espera um pouco, Coronel. Quero
por Lúcia, a gata e o burro. Passam uma vez ouvir o coração deste
atravessando o palco e saem mais uma desgraçado. (“Vai para o Camaleão e diz:”)
vez. Aí entra o médico, segurando uma enorme Levanta. (“Chorando, Camaleão diz que
tripa de jornal e gritando”: não pode, que está cansado”.) Levanta.
MÉDICO: Senhor Coronel, senhor Coronel, (“Ausculta-o.
veja! Ouvem-se barulhos horríveis”.) Nunca escutei
“Camaleão passa correndo, dá-lhe um encontrão um coração tão ruim.
e o médico roda sobre si (“Ausculta novamente. Outra vez os barulhos
mesmo. Logo depois vem Maneco, que faz o horríveis. Camaleão, envergonhado,
mesmo, e depois Lúcia, Flô e Simeão. baixa a cabeça”.)
Cada um vira o médico para um lado. Todos CAMALEÃO: Ele bate assim desde pequenino.
atravessam o palco, deixando o médico MÉDICO: Senhor Coronel, este ladrão não
aturdido no meio da cena. Entra novamente precisa de prisão... O que ele
Camaleão e ao passar pelo médico precisa é de hospital. (“Ausculta novamente”.)
resolve fugir por entre as pernas do mesmo. O coração está completamente viciado
Quando este se abaixa para ver o em ruindade. É uma charanga velha. Um
ladrão, entra correndo Maneco, que pula carniça calhambeque!
sobre o médico, depois Lúcia, que CORONEL: O senhor, querendo, pode levar.
faz o mesmo, e Florípedes, que tenta também MÉDICO: Vamos, o senhor é um caso muito
pular mas não consegue e, zangada, sério. Precisa de tratamento
rodeia o médico pela frente, e finalmente urgente. (“Sai o médico, puxando o ladrão por
Simeão, que derruba o médico, caindo uma corda”.)
também num espetacular tombo. Camaleão CORONEL: Graças a Deus estamos livres.
conseguiu fugir para o lado contrário ao Maneco e Lúcia, vocês foram
dos seus perseguidores. Entram todos e realmente muito corajosos. São os melhores
começam a procurar o ladrão pela cena. Flô netos do mundo. Que grande idéia
avança mais que os outros para o lado por onde vocês tiveram com este espantalho. (“Florípedes
Camaleão fugiu, e este vem na mia”.) E você também, Florípedes.
ponta dos pés, olhando para trás; Florípedes, Gostei de ver. Ganhará uma fita nova. (“Flô
quando está bem perto do detetive, mia, toda dengosa. Simeão relincha”.) E
solta um miado agudíssimo que assusta o você também, Simeão, é um burrinho muito
ladrão, que foge. Grandes gritos, miados e inteligente. Terá ração dupla de capim
relinchos. Entra o Coronel com a espingarda”. hoje. (“Simeão relincha satisfeito”.)
CORONEL: O que foi? Pegaram o Gaspar com LÚCIA E Gaspar? Por onde andará Gaspar?
a pata na cebola? (“Vendo MANECO: (“chamando”) Gaspar! Gaspar!
que é Camaleão o culpado”.) O quê? Então o “Ouvem-se latidos de Gaspar. Maneco sai e
senhor que se dizia meu amigo... é o... volta com o espantalho. Veste-o
MÉDICO: Veja, veja, seu Coronel. Estão e coloca-o no lugar. Entra Gaspar, trazendo um
procurando um terrível ladrão de revólver, chapéu de explorador e a
hortas e veja o senhor com quem ele se parece.

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lente do detetive. Todos riem dele, que,
ofendido, joga tudo no chão. Florípedes, entre
miados agudos, conta-lhe que o ladrão foi preso
e já partiu. Gaspar, valente, late
então ruidosamente na direção por onde saiu
Camaleão. Todos riem”.
CORONEL: Muito bem. Muito bem. Agora
vamos todos dormir em paz.
Vocês devem estar cansados. Boa noite para
todos. Amanhã farei o primeiro chá de
cebolinha e todos podem provar um pouco.
“Flô mia de satisfação”.
CORONEL: A cebolinha que ficou dará outros
pezinhos e daqui a dois anos
teremos uma grande plantação.
MANECO: Bênção, vovô. (“Beija-o”.)
CORONEL: Boa noite, meu neto detetive.
LÚCIA: Boa noite, vovô. (“Beija-o”.)
CORONEL: Boa noite, minha neta detetive.
(“Saem os meninos. O Coronel
corre para a cebolinha”.) Boa noite, minha linda
cebolinha, meu chazinho da Índia.
Agora você poderá crescer em paz. (“Para a
platéia”.) Boa noite para vocês todos.
Voltou a paz no sítio do Coronel. Vou tirar uma
soneca. (“Sai assobiando
alegremente. Coaxa o sapo. Ao passar pelo
banco, o Coronel pega na espingarda e a
põe no ombro. Mas, meneando a cabeça, larga-a
e sai com o ancinho aos ombros”.)

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