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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” -

FACULDADE DE ARTES, ARQUITETURA, COMUNICAÇÃO E DESIGN DO CAMPUS


DE BAURU

RESTAURAÇÃO, PRESERVAÇÃO E DIGITALIZAÇÃO DE


ARQUIVOS FÍLMICOS NA CINEMATECA BRASILEIRA

ENZO CARAMORI
ESTER CARDOSO NUNES
HENRIQUE GOMES MOREIRA DA SILVA
LETÍCIA DOS SANTOS DE ARAUJO
RENAN MENDONÇA LEIRIA
SOFIA MARIA GUIMARÃES SANTOS
RESTAURAÇÃO, PRESERVAÇÃO E DIGITALIZAÇÃO DE
ARQUIVOS FÍLMICOS NA CINEMATECA BRASILEIRA

Trabalho de aproveitamento da disciplina ‘‘Tecnologia


em Audiovisual’’ ministrada pelo Professor Willians
Cerozzi Balan no 2º Termo da Faculdade de Rádio,
Televisão e Internet, do curso de Comunicação Social da
Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e
Design, Unesp Campus Bauru.

ENZO CARAMORI
ESTER CARDOSO NUNES
HENRIQUE GOMES MOREIRA DA SILVA
LETÍCIA DOS SANTOS DE ARAUJO
RENAN MENDONÇA LEIRIA
SOFIA MARIA GUIMARÃES SANTOS
Dedicamos esse trabalho à equipe
de trabalhadores da Cinemateca,
pela resistência e pelo esforço
posto à manutenção e preservação
da memória e da riqueza
audiovisual de nosso país.
Agradecemos à Pró-Reitoria de
Graduação pela concessão dos auxílios
acadêmicos que possibilitaram a visita,
ao Professor Willians Cerozzi Balan –
pela orientação e apoio – e à partilha e
diálogo com nossos colegas.
SUMÁRIO

1 - TECNOLOGIAS EM COMUNICAÇÃO: RÁDIO, TELEVISÃO E INTERNET 3


1.1- HISTÓRIA DAS TECNOLOGIAS EM RÁDIO, TELEVISÃO E INTERNET 3
1.2 - PRESERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO DE ARQUIVOS PARA O AUDIOVISUAL 7
2 - CINEMATECA BRASILEIRA: A MEMÓRIA DO AUDIOVISUAL BRASILEIRO 11
3 - VISITA TÉCNICA À CINEMATECA BRASILEIRA 13
ÍNDICE DE IMAGENS

Fig. 1 - Moving Light e Gobos 15


Fig. 2 - Moving Light - Exemplo projecao 15
INTRODUÇÃO E OBJETIVO
1

Introdução e objetivo

Com o advento e dominação as modalidades de consumo em streaming,


que se assimila tanto enquanto um processamento, meio de exibição e também
uma orientação estética da produção audiovisual, que acaba por pensar nas
tecnologias de recepção e fruição de sua obra, a memória do que antes era
produzido de maneira analógica acaba por ser soterrada pelo digital.
Principalmente no contexto brasileiro, onde o setor audiovisual já acaba por ser
sucateado em termos de poucos incentivos de políticas públicas e pouco interesse
do mercado privado na liberdade criativa dos produtores nacionais, preservar a
memória do audiovisual brasileiro é preservar sua história, entender seu contexto,
sua linguagem e suas transformações como arte. Perder esse material seria perder
parte de uma história coletiva.

Este é o ponto de encontro com a Cinemateca Brasileira, que tem papel


fundamental para manter viva a história cinematográfica, conhecida como o maior
acervo de filmes da América do Sul. A Cinemateca atua na restauração,
conservação, preservação e difusão cinematográfica, além de possuir outros
materiais que fazem parte da memória do audiovisual brasileiro como programas
de televisão, cartazes, roteiros, fotos, livros e equipamentos.

Muito se perdeu do audiovisual brasileiro, por razões como falta de


conhecimento para preservação, conservação do material, incêndios que já
ocorreram na Cinemateca Brasileira, falta de investimento o que impede de
contratar e especializar os profissionais, fazer manutenção de equipamentos e
espaços. E até por ser algo que não se pensa desde a produção do material, mas
que deve ser pensado no contexto de um desmembramento das etapas produtivas
cinematográficas tradicionais atividades de produção, agregação (programação,
empacotamento, formação de catálogos) e difusão (distribuição de cinema,
exibição, comercialização e transmissão) para sua posterior preservação e
resguarda.

Dessa forma, este trabalho tem como objetivo a compreensão dos


processos de gestão da preservação, conservação e restauração de materiais
fílmicos na realidade brasileira, enfrentada por desafios tanto de descaso
2

institucional à memória arquivística quanto de falta de incentivo à manutenção de


outras tecnologias e aparelhos de preservação não digitais. Nisso, pretende-se
constatar a capacidade da película para além de uma trajetória formal enquanto
um material de exibição e visualização em salas especiais de cinema, mas sim,
enquanto uma alternativa de armazenamento de conteúdos audiovisuais mesmo na
contemporaneidade, dada sua condição de grande perenidade frente ao digital.
Para tal, almeja-se compreender como esse trabalho é realizado institucionalmente
pela Cinemateca Brasileira, localizada na cidade de São Paulo, a partir de uma
visita técnica a sua unidade, buscando o entendimento no que concerne às etapas
de cada processo citado e aos aspectos profissionais, técnicos e conceituais que
atravessam o manuseio dos arquivos.
3

TECNOLOGIAS EM COMUNICAÇÃO:
RÁDIO, TELEVISÃO E INTERNET
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1 - Tecnologias em Comunicação: Rádio, Televisão e Internet

1.1- História das tecnologias em Rádio, Televisão e Internet

O início da midialogia enquanto uma área integrada de estudos acerca dos


meios, tecnologias e conteúdos de Comunicação no Brasil pode ser traçada a
partir da chegada da radiofonia, em 1922, em pleno centenário da independência
do país e de efervescência das inovações no campo das artes, do cinema e das
possibilidades expressivas, principalmente no eixo Rio de Janeiro e São Paulo. O
caráter exclusivo da tecnologia até rendeu a uma demonstração do novo
equipamento --- criado por Guglielmo Marconi em 1896, mas construído com
dezenove patentes de Nikola Tesla --- com a fala do presidente Epitácio Pessoa na
inauguração. O caráter das primeiras rádios remonta a sociedades e clubes, o que
criava uma disputa pelos primeiros usos. O aparelho, portanto, só começou a ser
acessível a partir da década de 30, quando começaram a chegar rádios já
montados. Outro fator muito importante foi a influência e poder de Getúlio
Vargas, que, em 1932, reconheceu o dispositivo como grande meio de
comunicação de massa, o utilizou para suas propagandas políticas, além de
sancionar uma lei que autorizava a transmissão de propagandas comerciais pelas
emissoras. Havia também uma preocupação para uma divulgação educacional e
cultural com a tecnologia, muitas vezes buscando até uma homogeneização da
língua. Dessa maneira, o investimento no rádio aumentou, o que fez com que o
produto fosse barateado. (CUNHA)

A década de 40 talvez tenha sido o auge do meio, com as radionovelas


em capítulos fazendo sucesso com o público e explorando um potencial artístico
do rádio, além de uma variedade de outros gêneros de programas. Os de auditório
recebiam e cobravam os visitantes para que pudessem ver as estrelas da época,
criando um novo tipo de celebridade. Era um meio capaz de influenciar, divertir,
informar e, principalmente, fazer parte do cotidiano das pessoas, uma
característica que seria sempre buscada pela mídia. Porém, não estava isento das
mais diversas críticas, com quem questionasse a desvirtuação do caráter educativo
e um grande preconceito contra a música popular. Esse debate sobre a função
também permeia a mídia até os dias atuais. Nos anos 60, inevitavelmente perde
algum espaço para a televisão. 
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Atualmente, o rádio continua a ser o veículo comunicativo de maior


alcance em todo o território brasileiro, com mais de 10 mil emissoras de rádios
AM e FM ativas no Brasil, levando informação e entretenimento até as regiões
mais distantes, e para as mais diferentes classes sociais. Segundo estudo da Kantar
Ibope, o rádio é ouvido por 83% da população brasileira, com a classe C sendo a
que mais consome rádio, representando 43% de todo o público, predominando
sobre as classes A e B (40%). Por causa da tradicionalidade do meio, os
indivíduos com mais de 60 anos lideram em termos de idade (21%), contra 20%
de adultos entre 30 e 39 anos e 19% de 40 a 49.

Com seus mais de 100 anos de existência, é natural que não apenas o
rádio, como a forma de produzir conteúdo para o mesmo, tenha passado por
mudanças através das décadas. Como equipamento, a alteração mais significativa
foi a invenção do transistor, dispositivo semicondutor usado para amplificar ou
trocar sinais eletrônicos, o que permitiu, em 1954, a invenção dos rádios
transistorizados, de pilha, pequenos e portáteis, sendo produzidos bilhões entre
1960 a 1970. Já na programação dos programas de rádio, a sua adaptação à era
multimídia vêm com a fundição do rádio na internet, em meados de 1995, com as
webrádios, com a possibilidade de uma emissora ser acessada de qualquer lugar
do mundo e a qualquer hora, o que configura uma nova concepção de espaço e
tempo radiofônico. De acordo com Neuberger (2012), como webrádio, o meio se
transforma em multimídia, pois assume tanto características sonoras quanto
visuais nas páginas da web, estabelecendo uma estrutura mais rica e variada,
promotora de uma nova discursividade”.

A criação da televisão iniciou-se em janeiro de 1926, quando o escocês


John Logie Baird apresentou a primeira transmissão de televisão transatlântica da
história, para membros da Academia Britânica, na qual transmitiu imagens da
Inglaterra para os Estados Unidos. Entretanto, Philo Taylor Farnsworth, inventor
americano, fez o modelo que consolidou as televisões em 1927,e que permitirá,
futuramente, a televisão eletrônica. Outros cientistas que contribuíram para o
invento da televisão foram: o engenheiro sueco Ernst Alexanderson (transmissão
de imagens sem necessidade de cabos) e o inventor russo Vladimir Zworykin
(criou o iconoscópio).
6

As transmissões televisivas começaram a ser realizadas na década de


1930, com destaque para a BBC (British Broadcasting Corporation) com uma
transmissão internacional. Contudo, o aparelho era caríssimo e poucos podiam
obtê-lo. Todavia, após a Segunda Guerra Mundial, durante a qual a produção e
transmissão de televisores foi interrompida, o período de auge da economia norte-
americana permitiu que a televisão se tornasse acessível às diversas classes sociais
estadunidenses, e, logo, ocorreu o barateamento do produto em escala mundial.
Inicialmente, a programação da televisão era formada por programas ao vivo e,
até meados da década de 50, em preto e branco. A primeira transmissão em cores
ocorreu nos Estados Unidos em 1954, e se popularizou internacionalmente entre
1960 a 1970. (PURDY, 2018)

No Brasil, a chegada da televisão ocorreu na década de 1960. A primeira


transmissão não comercial em território nacional foi realizada pelo técnico em
eletrônica Olavo Bastos Freire, no dia 10 de abril de 1948, em circuito aberto,
entre radioamadores no Brasil. Porém foi o jornalista e empresário Assis
Chateaubriand que estabeleceu a presença da televisão na sociedade, ao voltar de
seus estudos nos Estados Unidos e, com equipamentos apropriados, inaugurar o
primeiro canal de televisão da América do Sul, a TV Tupi. Em 18 de setembro de
1950, ele inaugura o aparelho em uma cerimônia, e transmite o primeiro programa
da televisão brasileira, o show TV na Taba, e que contava com diversos artistas,
entre eles  Inezita Barroso, Wilma Bentivegna, Lolita Rodrigues, Aírton
Rodrigues e Lima Duarte. No mesmo dia, a voz de Sônia Maria Dorce, de seis
anos, enuncia a primeira frase da TV brasileira: “Boa noite. Está no ar a televisão
brasileira”.

Inicialmente, o canal só transmitia para São Paulo, e poucas famílias


eram capazes de obter um televisor em casa. Esse cenário só atingiria uma
mudança significativa na década de 1970, mesmo tempo da chegada da TV em
cores. A primeira transmissão oficial foi em 19 de fevereiro de 1972, quando a
Globo, com imagens da TV Difusora de Porto Alegre, transmitiu a Festa da Uva
de Caxias do Sul, no RS. Logo, o número de cidadãos com posse do aparelho
cresceria tanto que, atualmente, segundo pesquisa do IBGE de 2018, apenas 2,8%
dos domicílios não têm um televisor.
7

O advento da internet tem sua origem durante a Guerra Fria (1945-1991),


com o governo dos Estados Unidos que, ao temer o vazamento de informações
confidenciais para o seu adversário, a União Soviética, procurou um modelo de
troca e compartilhamento de informações que permitisse a descentralização das
mesmas. Dessa maneira, surge a DARPA (Defense Advanced Research Projects
Agency,ou Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa, em português),
responsável pela pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias e que, com a
entrada de Lawrence G. Roberts em 1966, permitiu a criação do plano
ARPANET, junto a Robert Kahn e Howard Frank. Vale também destacar a visão
de J. C. R Licklider de uma rede galáctica para acessar rapidamente dados de
qualquer lugar do mundo.

Em 1970, A ARPANET tinha centenas de computadores conectados, e,


com a permissão para desenvolvimentos de aplicativos a partir dos mesmos, Ray
Tomlinson criou o e-mail, tornando possível a primeira transmissão de e-mail em
29 de Outubro de 1969, entre a Universidade da Califórnia e o Instituto de
Pesquisa de Stanford. Seu impacto foi tão grande que a ARPANET começou a se
afastar do uso militar e a focar no uso científico de disseminação de informações.

Em 1989, o professor, físico e cientista britânico Tim Berners-Lee


desenvolveu o navegador World Wide Web, ou WWW, que funciona como um
sistema de distribuição de documentos de hipertexto (HTTP) interconectados e
acessíveis por meio de um navegador web conectado à internet. O sistema foi
aberto ao público na década de 90, onde ficou popular rapidamente, e, em 1997,
ocorreu o lançamento da famosa empresa Google.

1.2 – Do analógico ao digital: a gestão de arquivos

As mudanças ininterruptas no desenvolvimento de tecnologias de informação e


comunicação ainda sedimentam grandes debates acerca das dificuldades da
transição do analógico ao digital. As alterações constantes, principalmente das
tecnologias digitais — que já foram do CD-ROM e dos discos rígidos ao
armazenamento em nuvem — tornam os conteúdos vulneráveis à perda dada pela
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rápida obsolescência dos processos de passagem de conversão de tecnologia à


tecnologia.

O ‘‘envelhecimento’’ de uma tecnologia --- muito delimitado, também,


por uma movimentação do mercado acerca do que deve ou não ser utilizado ---
impõe, aos aparelhos e dispositivos vítimas do comportamento obsolescente, a
condição e, consequentemente, a gestão de suas propriedades enquanto um
arquivo, no qual se analisam as perspectivas de perspectivas de preservação de
longo prazo dos documentos (BELLOTTO, 2017), e não necessariamente o uso.
O desejo de preservação dos produtos, conforme eles surgiam, foi se tornando
latente e se instalou em diversos ciclos acadêmicos espalhados pelo país, sendo,
por exemplo, as cinematecas um reflexo desse movimento.

O audiovisual é importantíssimo para a cultura, a arte e o imaginário


brasileiros, e sua restauração e preservação são de grande importância. Mas, para
entender essa necessidade, é preciso primeiro compreender o que é restauração e
todo o peso simbólico que esse procedimento representa para a cultura e
sociedade que, há muito, demonstra um anseio pela preservação da memória e por
sua passagem para as futuras gerações. 

A preservação audiovisual é um processo que se inicia com a criação da


obra e envolve inúmeras medidas necessárias para que o produto se mantenha
acessível por quanto tempo for possível, em uma espécie de legado. É um
processo muitas vezes político; o que deve ser preservado é um questionamento
comum, mas que, núcleos como as cinematecas, já citadas, evitam propriamente,
buscando assim alcançar o que for possível.

A ideia de restauração não é clara como se pensa, sendo que a mesma


possui muitas ramificações, métodos e definições, uma vez que o impasse técnico-
intelectual se situa na indefinição, também, desse chamado ‘‘original’’ a ser
replicado (BUARQUE, 2011). No entanto, a restauração pode ser definida como:

o conjunto de procedimentos técnicos, editoriais e intelectuais


destinados a compensar a perda ou degradação do artefato da
imagem em movimento, trazendo-o assim de volta ao estado
mais próximo possível de sua condição original. (USAI, 2000,
p. 66)
9

No Brasil, esse processo facilmente se confundiu e misturou-se com a


duplicação, que alcança seu objetivo danificando o material original. Essa noção
foi se estabelecendo através de experimentos descontínuos e, de certa forma,
isolados pela falta de empenho e incentivo por parte dos órgãos públicos durante
seus primeiros anos, onde a experimentação de gestores arquivísticos foi e é um
fator muito relevante no cenário da restauração e manutenção do audiovisual
brasileiro.

 Os primeiros movimentos restauracionista partiram de funcionários das


Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e da Cinemateca
Brasileira, localizada em São Paulo. Nesses locais, estudiosos da área começaram
a dar os primeiros passos na construção dos acervos de restauração e preservação
fílmicos do país, baseados principalmente em procedimentos químicos com
nitrato de celulose. Esse processo foi iniciado a passos lentos, já que o limite
orçamentário e a própria falta de conhecimento sobre o produto utilizado durante
o procedimento representavam empecilhos para o pleno desenvolvimento desse
campo de estudo. 

Em meados dos anos 50, a ideia de se preservar filmes ainda era


acompanhada por muitas incertezas quanto ao melhor método a ser utilizado. A
evolução tecnológica era lenta e complexa, e na própria Cinemateca ainda se
utilizava máquinas antigas para realizar os trabalhos. Em relação aos métodos, o
já citado nitrato de celulose se demonstra como o precursor no assunto, porém a
sua utilização vinha acompanhada de diversas complicações, já que além de
deteriorar o material fílmico com facilidade caso não seja mantido sobre as
condições climáticas corretas, este componente químico é altamente inflamável o
que, ao longo do tempo, se demonstrou como um fator de alto risco para diversos
acervos ao redor do mundo, inclusive na Cinemateca Brasileira. Isso se mantém
até hoje e marca a história da instituição, e faz pensar a respeito da necessidade de
tomada de riscos e de estruturas adequadas em nome da preservação.

Como já visto, tudo que envolve a preservação da memória


cinematográfica parece estar envolto em muitas incertezas, isso não muda quando
volta-se para a formação profissional dessa área. Desde o início, os envolvidos
nesse processo se desdobram para adquirir os conhecimentos necessários sendo
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que, em muitos dos casos, é necessário que esses indivíduos se dirijam a


instituições internacionais em busca de novas técnicas e equipamentos. Porém,
essa não é a parte mais complicada de toda essa movimentação, já que além da
aquisição de novos métodos é preciso que se tenha uma adaptação destes à
realidade brasileira que, na maioria das vezes, não está a par das tecnologias
utilizadas em outros territórios. Além disso, a multidisciplinaridade presente no
meio também é um fator agravante, já que durante todas as fases da restauração
são envolvidos desde conhecimentos químicos até históricos. Mais uma vez, a
importância da empiricidade, a experiência direta, se fazem presentes para a
função.

Ainda sobre as questões tecnológicas, com o advento da restauração


digital a discussão sobre como preservar os materiais fílmicos da melhor maneira
ganha novas faces. Para o senso comum, a maneira mais prática para se armazenar
esses materiais a partir de agora seria utilizando HDs ou em nuvens, já que o meio
digital permitiria que muito mais material fosse adicionado em um mesmo espaço,
além de diminuir todo a estrutura climática que a preservação em nitrato e acetato
demandam. Em suma, as novas técnicas que surgiram a partir dos anos 90
pareciam pôr em xeque todo o aparato utilizado até aquele momento, porém uma
análise mais profunda demonstra que essa transição não é tão simples quanto
parece. Ao passo que esses novos meios diminuem o espaço físico de
armazenagem, os custos para se manter seu funcionamento aumentam
proporcionalmente, além de que a vida útil dos discos rígidos, por exemplo, é
muito mais curta do que a de um rolo de filme. Acerca disso, Ingrid Gonçalves
questiona:

Afinal, quanto tempo de vida terão os projetores adquiridos pelas


políticas públicas que catalisaram a digitalização do parque
exibidor nacional? Por quanto tempo os softwares e formatos
digitais vigentes dialogarão, sem que para isso sejam precisos
outros vultuosos investimentos para atualizar tais sistemas? Além
disso, qual será o prazo de validade dos próprios filmes? Pois, se
antes os acervos estavam acostumados a lidar com objetos
fílmicos, agora a lógica muda para a manutenção de dados. Os
pixels digitais requerem, portanto, abrigo e cuidados vitais aos
museus, arquivos e cinematecas. (GONÇALVES)
                          
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A ideia de preservação audiovisual muitas vezes é preterida em relação a


outras artes, como a pintura ou a escultura, ou até se tem a enganosa ideia de que
simplesmente não é um processo necessário, não sendo um material frágil que
precisa de cuidados. Tudo isso torna a administração mais desafiadora e afeta
diretamente como os recursos são repassados, o que acarreta problemas para os
arquivos.

Em suma, falar sobre a importância da preservação e restauração fílmica


é adentrar diretamente no desejo intrínseco que o ser humano possui de preservar
os seus conhecimentos. No contexto brasileiro, o audiovisual está ainda mais
relacionado a uma importância ligada à identidade nacional. No início do século
XX, muitos materiais que fizeram parte das primeiras experiências
cinematográficas foram perdidos graças à falta de uma cultura de preservação
atuante em território nacional.

Assim sendo, muitas das questões relacionadas à falta de identificação


das gerações atuais com sua própria cultura advém desse contexto, podendo até
mesmo ser relacionada com a falta de investimento por parte dos próprios
governantes do presente que, por muitas das vezes, enxergam a cultura como um
gasto desnecessário e permitindo assim que o cenário seja preenchido pela
presença estrangeira. É necessário fortalecer instituições de preservação e
restauração, para manter essa memória. Não é um processo fácil nem simples, e
envolve riscos, experimentação e multidisciplinaridade, com profissionais da área
que conquistaram sua posição através do tempo. O nobre objetivo de preservar,
não para se manter para sempre, mas sim para tornar acessível para as gerações
futuras, deve prosperar graças à perseverança. 
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CINEMATECA BRASILEIRA: A MEMÓRIA


DO AUDIOVISUAL BRASILEIRO
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2 - Cinemateca Brasileira: a memória do audiovisual brasileiro

A Cinemateca teve origem com o historiador Paulo Emílio Salles, que


fundou o Primeiro Clube de Cinema (1940), em São Paulo, com o intuito de
estimular o estudo e a divulgação do cinema nacional por meio de projeções,
conferências, debates e publicações. Porém, em 1941 o governo de Getúlio
Vargas interrompeu as atividades do projeto, que foi reinaugurado 7 anos depois,
dessa vez afiliado pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), como
Filmoteca do Museu de Arte Moderna de São Paulo (1948). Mais tarde, buscando
maior autonomia, o projeto desfiliou-se do MAM-SP e tornou-se uma sociedade
civil sem fins lucrativos chamada Cinemateca Brasileira (1956) e, em seguida,
Fundação Cinemateca Brasileira (1961).  (CAMARGO, 2003)

A ampliação do projeto se deu em um de seus momentos mais


conturbados. A partir do final da década de 50, seu arquivo de películas passou a
evoluir e o projeto passou a se aprimorar nos trabalhos de restauração fílmica ao
mesmo tempo em que precisou mudar de endereço múltiplas vezes e sofreu com
uma série de incêndios em 1957, 1969 e 1982. Vistas as drásticas consequências
financeiras e estruturais, o projeto foi incorporado ao poder público em 1984 e
mudou sua sede para um antigo matadouro da cidade, onde se mantém até hoje.

Após a associação ao Governo Federal, o espaço se tornou cada vez mais


relevante. Hoje, o acervo da Cinemateca Brasileira compreende mais de 40 mil
títulos, acervo documental (textuais, fotográficos e iconográficos) sobre a
produção, difusão, exibição, crítica e preservação cinematográfica, além de um
patrimônio informacional online dos 120 anos da produção nacional. Alguns
recortes de suas coleções, como a Vera Cruz, a Atlântida, obras do período
silencioso, além do acervo jornalístico e de telenovelas da TV Tupi de São Paulo,
estão disponíveis no Banco de Conteúdos Culturais para acesso público.
(CINEMATECA BRASILEIRA)

O espaço atual é composto por depósito fílmicos, duas salas de cinema,


área de café, biblioteca, sala de exibição ao ar livre. Realiza sessões fílmicas, a
maioria são feitas gratuitas, em 35mm, 16mm e algumas em digital.
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VISITA TÉCNICA À CINEMATECA


BRASILEIRA
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3 - Visita técnica à Cinemateca Brasileira

A realização da visita técnica à unidade da Cinemateca Brasileira foi


possível a partir da concessão de auxílios acadêmicos pela Pró-Reitoria de
Graduação – PROGRAD e pela submissão segundo os critérios colocados pelo
Edital Nº 07/2022 – PROGRAD, no qual a visita se configurou enquanto
‘‘execução de atividades de campo ou em instituições públicas e/ou privadas, que
estejam correlacionadas com sua área de formação’’. Nela, consonante aos
objetivos gerais do trabalho, tomou-se conhecimento das etapas de preservação,
conservação e restauração de produtos audiovisuais, mais especificamente de
filmes em películas, e seus processos para a posterior digitalização.

O acervo de filmes da Cinemateca Brasileira tem origem diversas. Além


de receber materiais de diferentes instituições, há uma parceria com a Ancine
(Agência Nacional do Cinema) para que seja entregue uma cópia de todo filme
que recebe recursos federais. Ademais, é possível que civis deixem filmes na
Cinemateca, especialmente se precisarem do processo de restauração. 

A princípio, a visita começa no setor de preservação, no qual o processo


de restauração e conservação é iniciado. O local é responsável pela gestão física
do acervo de filmes, monitoramento das reservas técnicas, movimentação do
acervo e verificação e identificação das películas fílmicas. Há uma divisão entre
filmes em preto e branco e em cores, pois a coloração torna o material mais frágil,
e, por conta do processo de revelação, sua deterioração é acelerada. Nota-se que
os filmes possuem uma condição ideal para conservação, com uma temperatura de
10°C e umidade relativa de no máximo 35%.

Todo processo de manipulação das películas é controlado a fim de evitar


a deterioração. A existência de antessalas, com controle de temperatura e umidade
entre 10°C e -12°C, funcionam como um espaço de transição para o filme que sai
do depósito e será manipulado, a fim de evitar o choque térmico no material e a
condensação do filme. O filme deve ficar no mínimo 24 horas na antessala, e
depois será direcionado para a área técnica, responsável pela análise, laudo e
tratamentos específicos para manter a conservação da película.
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Na área técnica, a equipe analisa o estado de degradação do material e


estabelece o processo necessário para a recuperação da película. Por exemplo, a
opção de efetuar uma duplicação urgente. Contudo, há situações nas quais o
material está muito danificado, e os profissionais são levados a trabalhar em uma
espécie de mini estúdio, onde fotografam frames das películas com o intuito de
preservar alguma memória do filme, evitando a perda total do material.

1. Processo de Restauração e Análise das Películas

Caso a duplicação seja essencial, a película passa por uma etapa de


marcação de luz para em seguida ser enviada para a copiadora. A Cinemateca
possui três copiadoras, uma dos anos 50, uma máquina copiadora por contato, e
duas dos anos 70, estas chamadas máquinas de janela molhada. Logo após o
processo de cópia, o filme passa pelo banho de cores, dividido em películas em
preto e branco e coloridas, para, ao fim, ser direcionado para a digitalizadora,
onde produz seu formato digital. Vale destacar que o processo inverso também
pode ser feito, com filmes digitais sendo configurados em película.
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2. Sala de Acerto de Luz

3. Máquina de Janela Molhada


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4. Máquina Copiadora por Contato

5.

5. Banho de Cores
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Os filmes mais antigos são revelados em nitrato de celulose, origem de


todo material cinematográfico até 1950. Nessa substância, os radicais da cadeia
polimérica ligam com a água do ar e geram ácido nítrico; o que acelera a
degradação do material, que entre em processo de encolhimento até se tornar uma
espécie de bloco de pedra. Além disso, por conta do risco do material ---
responsável por quatro dos cinco incêndios que ocorreram na Cinemateca, sendo
apenas o de 2021 foi fruto de falhas no ar-condicionado ---, esses filmes
receberam depósitos próprios sem ligação elétrica e isolados, uma vez que o
nitrato pode entrar em combustão espontânea se submetido a calor alto ou pressão
errada. Porém, as películas de nitrato precisam “respirar” pelo menos uma vez ao
ano, e então são retiradas do depósito para passar pela etapa de revisão.

Após os anos 50, essa camada plástica passou a ser acetato de celulose
(triacetato de celulose), e a cadeia polimérica desse material tem como grupos
funcionais as acetilas, com a desacetilação se ligam com a água do ar e forma o
ácido acético, cheiro característico de vinagre. Conforme as acetilas rompem a
ligação com a cadeia principal o suporte plástico se degrada, fica mole, encolhe. O
triacetato de celulose que entrou para substituir o nitrato, também tem seus
problemas.

Já na década de 80, começou-se a utilizar o poliéster, que é um plástico


muito rígido e no qual até o momento não se verificou nenhum tipo de
deterioração. Porém, esse só é utilizado para cópia de filmes ou materiais
intermediários, e nunca para captura de imagem, pois não há negativos originais
em poliéster. Por conta da rotação da câmera, o atrito do poliéster se prende na
câmera e é capaz de quebrá-la, mas sem afetar o plástico. O acetato de celulose
ainda é utilizado como negativo para quem filma com película.

Uma dúvida recorrente em relação à conservação dos filmes é a opção de


armazená-los na nuvem, ou seja, no mundo virtual. Entretanto, apesar dos avanços
tecnológicos, a conservação em película contínua é a melhor alternativa, uma vez
que sua durabilidade é de no mínimo 100 anos, em oposição às tecnologias
digitais, que precisam ser constantemente renovadas, e assim há o risco de perda
20

de conteúdos ao realizar a transição de uma tecnologia à outra. Ademais, o


formato digital é mais caro, pois dependeria de um software terceirizado e teria
alto custo de manutenção. Assim, embora necessite de equipamento específico
para exibição e condições ideais para conservação, o processo de restauração,
conservação e preservação dos filmes em películas é mais vantajoso.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS
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1. Referências

BELLOTTO, H. L. Arquivo: Estudos e Reflexões. Belo


Horizonte: Editora UFMG, 2017.

BUARQUE, M. D. Entre grãos e pixels, os dilemas éticos da


restauração de filmes: o caso de Terra em Transe, Rio de
Janeiro, 2011.

CAMARGO, C. Informação e Memória: A cinemateca


brasileira e o patrimônio histórico audiovisual. Revista do
Arquivo Nacional, São Paulo, janeiro/junho 2003. 143-154.

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