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ENSAIOS

A capital colonial
Paulo Tavares
Publicado em: 28 de julho de 2020

Ao comemorar 60 anos, Brasília tem a oportunidade de se inspirar nos movimentos


antirracistas e anticoloniais que, mundo afora, têm contestado a monumentalidade da história
oficial, para se confrontar com a memorialização do colonialismo em sua própria paisagem
urbana. Ao invés de eventos comemorativos que reiteram histórias oficiais, celebrando a cidade
como marco bandeirante da modernidade nacional, deveríamos fazer uma pausa – ademais
imposta pela pandemia – para refletir sobre como certas memórias são eternizadas, enquanto
outras são apagadas, e, então, traçar novas cartografias memoriais no tecido urbano da capital.

Narrativas visuais comunicadas por meio de arquivos, da arte e da arquitetura devem ser
desconstruídas e ressignificadas por um amplo debate com os mais diversos segmentos da
sociedade, principalmente aqueles cujas memórias foram negligenciadas (e não
monumentalizadas). Nesse sentido, não é suficiente promover “narrativas plurais” dos
monumentos, pois não se trata de uma questão de diferentes perspectivas sobre a história, mas
sim de reparação histórica.
Abertura dos eixos rodoviários que definem o plano-piloto de Brasília, marco-zero da nova capital, em 1957. Como descreveu Lúcio Costa no
memorial descritivo do plano-piloto, a cidade nasceu de “um gesto de sentido ainda desbravador, nos moldes da tradição colonial. […] Dois eixos
cruzando-se em ângulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz.” Mario Fontenelle/ Arquivo Público do Distrito Federal – ArPDF.

“Ergue-se a cruz no planalto”

“Escolhi a data de 3 de maio por me parecer a mais expressiva, já que recordava a missa
mandada dizer por Pedro Álvares Cabral,” escreveu Juscelino Kubitschek em Porque Construí
Brasília (Bloch, 1975) a respeito da missa celebrada em 1957 para marcar a fundação do
canteiro de obras da nova capital federal. “As duas cerimônias se equivaliam em simbolismo.”
Direto do Vaticano, o papa Pio XII enviou uma mensagem especial para marcar a ocasião,
como informa a revista Brasília no 5, de maio de 1957: “No dia do aniversário da descoberta e
da primeira missa nas terras de Santa Cruz, muito nos agrada que tão fausta data seja
recordada com a celebração da primeira missa em Brasília.”

Marco histórico da construção da nova capital, a “Primeira Missa em Brasília” foi


cuidadosamente arquitetada para evocar aquela celebrada em 1500 pela armada de Cabral na
praia da Coroa Vermelha, no litoral sul da Bahia, cerimônia que marcou simbolicamente a
tomada de posse dos territórios ameríndios pela coroa portuguesa. O intuito não era tanto
reencenar o evento em si, mas uma imagem do evento, imortalizada na tela Primeira missa no
Brasil, do pintor Victor Meirelles, de 1861. Na pintura, vemos uma grande cruz feita com
troncos de árvores no primeiro plano da composição. Orando a seu redor, estão os
colonizadores, e, no plano inferior da imagem, uma multidão indígena observa a cena com um
misto de espanto, pavor e reverência. A natureza selvagem dos trópicos emoldura todo o
conjunto.

Victor Meirelles, Primeira missa no Brasil, 1861. Museu Nacional de Belas Artes/ Google Arts and Culture.

 
Primeira Missa em Brasília, 3 de maio de 1957. Luiz Lemos/ Arquivo Público do Distrito Federal – ArpDF.

Para atingir esse efeito pictórico, toda uma mise-en-scène foi criada no canteiro de obras de
Brasília. Projetado por Oscar Niemeyer, o altar era rústico e minimalista, com estruturas de
madeira e uma cobertura de lona tensionada, evocando o ambiente “primitivo” da conquista
colonial – como um acampamento de tropeiros bandeirantes. Uma grande cruz de madeira
erguia-se por cima da tenda, definindo um marco vertical contra o cerrado planaltino e
demarcando a posse do território, como outrora fizeram os conquistadores europeus.
Autoridades políticas, religiosas e militares de todas as regiões do Brasil estavam presentes, e,
para completar a encenação, Kubitschek ordenou que a Força Aérea Brasileira trouxesse uma
comitiva de cerca de 20 indígenas Karajá da ilha do Bananal. “Com seus traços e adornos
característicos” – noticiou a revista Brasília, meio de propaganda oficial do governo, em maio
de 1957 –, “constituíram a nota pitoresca da cerimônia.”
“Ergue-se a cruz no Planalto”, reportagem sobre a Primeira Missa em Brasília na revista O Cruzeiro no 31, 18 de maio de 1957. Arquivo O
Cruzeiro/ EM/ D.A Press.

A “Primeira Missa em Brasília” foi sobretudo um evento fotográfico, orquestrado para ser
registrado e propagado pelas mídias modernas – jornais, revistas, cinema – com o objetivo de
projetar um imaginário da modernidade nacional em filiação com a história da conquista
colonial. Nesse papel, destaca-se a revista O Cruzeiro, uma das mídias impressas mais
importantes da época e pioneira na formação do jornalismo fotográfico moderno no Brasil.
Durante toda sua trajetória, especialmente nos anos 1940 e 1950, O Cruzeiro documentou as
investidas “civilizatórias” do Estado brasileiro nos sertões indígenas como uma marcha em
direção ao progresso. Esse vocabulário imagético foi construído e disseminado em reportagens
de fotógrafos como Jean Manzon e José Medeiros, forjando uma linguagem visual moderna
por meio de imagens da fronteira colonial. As fotografias que apareciam nas reportagens não
eram apenas registros ou representações dessa nova “conquista”, mas verdadeiros
instrumentos operativos para o processo. Ao mesmo tempo que mapeavam territórios
indígenas para projetos estatais de colonização, serviam para legitimar simbolicamente as
práticas coloniais como um elemento fundamental da modernização nacional.

 
Reportagem sobre a “pacificação” dos povos A’uwe-Xavante na revista O Cruzeiro número 47 , com fotos de Jean Manzon, 14 de setembro de 1946.
Arquivo O Cruzeiro/ EM/ D.A Press.

“Uma tomada de posse à moda cabralina”

Assim como os indígenas representados no quadro de Victor Meirelles, os Karajá foram


convocados a representar os coadjuvantes de um roteiro cuja história original pintava em
traços heroicos o roubo de suas terras e o domínio de suas gentes. Há uma enorme carga de
violência simbólica nesse teatro modernista.

Quando observamos a intenção de situar Brasília como uma continuidade da invasão das
Américas, fica difícil ceder à interpretação patrimonial sobre a modernidade e a integração
nacional-racial que a nova capital supostamente representa, da mesma forma que é impossível
dissociar o imperialismo europeu do genocídio de povos ameríndios. E, no entanto, em sua
paisagem material e imaterial, Brasília segue memorializando os feitos do colonialismo,
alinhando a história da conquista com o sentimento da nacionalidade, ao mesmo tempo que
silencia a violência que isso representa.

Hoje, no lugar onde foi celebrada a Primeira Missa – na cabeceira do Eixo Monumental,
entrada principal da capital federal –, há uma réplica do crucifixo utilizado em 1957 (o original
fica em exposição na catedral Metropolitana). A seu lado, encontra-se o Memorial JK, um
mausoléu monumental desenhado por Niemeyer, onde estão depositados os restos mortais de
Kubitschek. A câmara mortuária é circundada por um painel de Athos Bulcão e coberta com
um vitral da artista Marianne Peretti. Gravada no granito que reveste o túmulo, lê-se a insígnia
“O Fundador”. Exibido ao lado, o filme O bandeirante, de Jean Manzon, ensina didaticamente
ao público o significado de toda essa cenografia modernista fúnebre, contextualizando a
persona de JK dentro de uma linhagem histórica em que homens conquistadores figuram como
os grandes autores da construção nacional.

Praça do Cruzeiro, Eixo Monumental, Brasília, 9 de abril de 2020. Reprodução Instagram @minhacapital
Por ser um evento fundante na narrativa histórica de Brasília, e por ser o memorial que abre a
narrativa arquitetural do Eixo Monumental, a réplica do crucifixo é um monumento-
documento que, ainda que singelo, tem a função de codificar a mensagem simbólica de todo o
conjunto urbano da cidade, situando a paisagem moderna que lentamente se desdobra até a
praça dos Três Poderes dentro de um roteiro histórico cujas raízes remontam ao colonialismo.
O público é convocado a aprender – e, mais que isso, compactuar com – a ideia de que a
modernidade nacional representada por Brasília só adquire pleno sentido quando observada
em continuidade com a empresa da colonização, “destino manifesto” de uma nação que
“marcha para o oeste”, motor do desenvolvimento econômico do país e essência da identidade
nacional.

Imagem de O bandeirante (1957), filme de Jean Manzon exibido no Memorial JK, ao lado do túmulo de Juscelino Kubitschek. O bandeirante, de Jean
Manzon.

Aqui somos confrontados com uma questão que não mais podemos evitar: no tecido urbano da
cidade capital monumento-em-si, que imagens comemoram violências coloniais-raciais como
se fossem documentos de histórias heroicas da unidade nacional? Imaginários
monumentalizados do bandeirante desbravando os sertões devem ser interpretados como
marcos simbólicos da modernidade ou documentos da barbárie colonial?
Em certo sentido, toda a simbologia memorial dessa paisagem brasiliana sustenta-se no lastro
entre modernidade e colonialidade que é estabelecido por esses e outros monumentos da
cidade. Arquiteto do plano-piloto, Lúcio Costa concebeu a capital federal como “um ato
deliberado de posse, […] um gesto de sentido ainda desbravador, nos moldes da tradição
colonial. […] Dois eixos cruzando-se em ângulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz.” Este é o
fundamento simbólico-urbanístico do plano-piloto, cujo traçado segue o desenho de uma cruz.
A metamorfose da cruz em avião rumo ao progresso, como muitos interpretam, é outra entre
tantas construções simbólicas da relação entre colonialismo e modernidade na formação
nacional tão bem representada em Brasília.

Neste sentido é interessante notar como a dimensão monumental do colonialismo plasmada no


desenho urbano em cruz de Brasília – verdadeira land art em escala urbano-geográfica – é
apreensível apenas quando observada de uma perspectiva externa e distante, fabricada por
meios modernos de representação do território através de câmeras fotográficas acopladas a
aeronaves ou imagens de satélite.

Aerofotogrametria do plano-piloto em construção, “chanfrando na terra o sinal da cruz”, como descreveu Mário Pedrosa. Geofoto/ revista Brasília
número 19, julho de 1958/ Fundo Novacap – Arquivo Público do Distrito Federal – ArpDF.

 
A documentação fotográfica da construção de Brasília projeta a metáfora da cruz literalmente nas estruturas da cidade. Revista Brasília número 19,
julho de 1958/ Fundo Novacap – Arquivo Público do Distrito Federal – ArpDF.

Disseminada através do poder visual da arquitetura pública, reiterada pela fotografia, revistas,
jornais e cinema, essa narrativa acabou se tornando um mito fundante da modernidade
nacional, reproduzida socialmente por meio de todo o espectro político-ideológico, à esquerda
e à direita, por regimes democráticos e ditatoriais. Mesmo alguém como o crítico de arte Mário
Pedrosa chegou a corroborar este discurso, identificando no colonialismo o gesto estético
radical que confere a Brasília sua singularidade universal. A originalidade do desenho de Lúcio
Costa, escreveu Pedrosa, encontra-se no “reconhecimento de que a solução possível ainda era
na base da experiência colonial, quer dizer, uma tomada de posse à moda cabralina,
chanfrando na terra o signo da cruz”.

 Contramonumentos

Nas últimas semanas, assistimos a uma série de remoções e desfigurações de estátuas de


escravocratas e colonizadores em várias cidades dos Estados Unidos e da Europa. Ao
questionar a monumentalidade que celebra o colonialismo e o racismo, movimentos
antirracistas e anticoloniais colocam a memória e o direito à memória em espaços públicos
como um território em disputa, aberto a novas formas de reapropriação e ressignificação que
contestam a história oficial que esses marcos comemoram.
Em vários momentos da história, quando forças sociais questionaram regimes estabelecidos de
poder, monumentos foram alvo de contestação. Os revolucionários franceses não apenas
decapitaram Luís XVI como também destruíram estátuas de monarcas por toda a França. Na
independência de Moçambique, em 1975, a grande estátua equestre do militar português
Mouzinho de Albuquerque na capital colonial Lourenço Marques foi removida para um museu,
e a cidade foi renomeada Maputo.

Os ativismos contemporâneos de contestação de monumentos e memoriais estão associados à


ampla pauta da reparação de grupos que foram historicamente racializados e subalternizados.
Eles devem ser contextualizados em relação a outros debates que buscam problematizar o
papel do colonialismo no campo das artes, da arquitetura e do patrimônio, como, por exemplo,
nas recentes discussões sobre a restituição de objetos que foram sistematicamente saqueados
da África e hoje se encontram expostos em museus europeus.

O debate agitado na imprensa e nas redes demonstra que o tema é controverso. Táticas
ativistas utilizadas pelo movimento Black Lives Matter, como ações performativas-simbólicas
que incluem violência objetiva contra monumentos, são frequentemente caracterizadas como
tentativas de “apagar” ou “atacar” a história. Certamente não podemos apagar, editar ou fingir
que temos outra história, mas podemos exigir que a história que temos não perpetue as formas
de opressão representadas por esses monumentos. “Os que ficaram horrorizados com a
despedestalização dos últimos dias afirmam que esses atos apagam a história” – argumenta o
historiador Simon Schama em um artigo recente – “Mas o contrário é verdadeiro. Geralmente
são estátuas, dominando o espaço cívico, que interrompem o debate pelo convite à reverência.”

No contexto brasileiro, o debate acerca da remoção/ressignificação de monumentos que


celebram o colonialismo tem sido pauta importante de movimentos sociais, principalmente em
relação àqueles que, na cidade de São Paulo, comemoram os feitos bandeirantes, como a
escultura Monumento às bandeiras, de Victor Brecheret, considerada um marco da arte
moderna nacional. Os bandeirantes foram responsáveis pela escravização e morte de milhares
de indígenas e negros, mas a “identidade paulista” continua sendo celebrada em filiação com
esse processo genocida por esculturas e nomes de ruas, estradas, praças e avenidas.

Em outubro de 2013, durante uma grande marcha por direitos indígenas e quilombolas,
manifestantes ocuparam o Monumento às bandeiras e jogaram tinta vermelha sobre a
escultura, simbolizando o derramamento de sangue de corpos indígenas e negros que foram
escravizados e aniquilados pelos bandeirantes. A reação pública foi imediata, e muitos saíram
em defesa do “patrimônio nacional” contra o “vandalismo”. Em 2017, quando o monumento foi
novamente pichado, o ato foi comparado a ações terroristas e caracterizado como uma
“investida contra a civilização” pelo filho do escultor, Victor Brecheret Filho, em artigo da
revista Veja de 1o de junho de 2016.
Os manifestantes indígenas que organizaram o protesto, muitos deles filhas e filhos de gerações
ancestrais guarani que vivem no território hoje conhecido como São Paulo, têm uma posição
completamente distinta sobre o significado de um monumento tão imponente na paisagem
pública da cidade. Para eles, o colonialismo memorializado nesses objetos não é algo do
passado, mas estende-se em contínuo com situações concretas no presente. Como escreveu
Marcos Tupã na ocasião em artigo publicado no site da Comissão Guarani Yvyrupa:

“A tinta vermelha que para alguns de vocês é depredação já foi limpa e o monumento já voltou
a pintar como heróis, os genocidas do nosso povo. Infelizmente, porém, sabemos que os
massacres que ocorreram no passado contra nosso povo e que continuam a ocorrer no presente
não terminaram com esse ato simbólico e não irão cessar tão logo. Nossos parentes continuam
esquecidos na beira das estradas no Rio Grande do Sul. No Mato Grosso do Sul e no Oeste do
Paraná continuam sendo cotidianamente ameaçados e assassinados a mando de políticos
ruralistas que, com a conivência silenciosa do Estado, roubam as terras e a dignidade dos que
sobreviveram aos ataques dos bandeirantes. Também em São Paulo esse massacre continua, e
perto de vocês, vivemos confinados em terras minúsculas, sem condições mínimas de
sobrevivência. Isso sim é vandalismo.”

Outras histórias

Iniciativas como a exposição Reintegração de posse: narrativas da presença negra na história


do Distrito Federal têm buscado problematizar o imaginário oficial de Brasília, oferecendo ao
público acesso a uma outra cidade, para além do processo histórico de negação e
branqueamento da memória da capital federal. Como descreveu a curadora, a historiadora Ana
Flávia Magalhães Pinto, para a revista Metrópoles, “o que se viu ao longo do tempo foi a
negação da presença negra nas imagens do período da construção de Brasília, e não somente
nele”.

Com uma minuciosa arqueologia dos arquivos visuais de Brasília – uma das cidades mais
fotografadas no mundo –, a exposição revelava não apenas a centralidade da presença negra na
história da nova capital, mas também como a construção imagética em torno da cidade apaga
essa presença. Mais que isso, a exposição convidava o público a reconhecer que, muito antes de
Kubitschek declarar-se o fundador da “civilização” nos “desertos” do sertão, a região do Distrito
Federal já era território ancestral quilombola.
Painel da exposição Reintegração de posse: narrativas da presença negra na história do Distrito Federal, Museu Nacional de Brasília, 2019 (Montagem
de Diego Soares com fotografias de autores desconhecidos/ Arquivo Público do Distrito Federal – ArpDF).
 

Paineis da exposição Reintegração de posse: narrativas da presença negra na história do Distrito Federal, Museu Nacional de Brasília, 2019.
Montagem de Diego Soares com fotografias de autores desconhecidos/ Arquivo Público do Distrito Federal – ArpDF.

Existe uma relação direta entre a memória que se visibiliza, que se nega ou que se apaga nos
espaços públicos e a continuidade de práticas de opressão, violência estatal, racismo estrutural
e violações de direitos. Nos últimos anos, as comunidades do quilombo Kalunga – um dos
maiores do país, a cerca de 300 km ao norte de Brasília – e do quilombo Mesquita – a menos
de 50 km ao sul da capital – vêm enfrentando uma série de ataques a seus direitos territoriais.
Em 2018, uma resolução do Incra aprovou a redução de mais de 80% do território original do
quilombo Mesquita. Semanas atrás, em plena pandemia, uma enorme área do território
Kalunga foi ilegalmente desmatada para ser ocupada por plantações de soja. As pequenas áreas
de floresta que ainda restam ao redor das aldeias Guarani na Terra Indígena do Jaraguá, em
São Paulo, estão sendo ameaçadas por grandes projetos imobiliários. Não seriam esses os
verdadeiros atos de vandalismo, desfigurando o patrimônio ancestral que essas terras
representam?
Ativistas Guarani ocupam área desmatada pela imobiliária Tenda na região do Jaraguá, São Paulo, terra ancestral Guarani. Foto publicada no site do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST em 6 de fevereiro de 2020 (MST – T.I. Jaraguá).

Para que o passado de violências e violações não continue sendo repetido, é preciso aprofundar
o debate sobre processos de reparação histórica, o que inclui a ressignificação de narrativas
patrimoniais que celebram o colonialismo racial em Brasília, em São Paulo e em tantas outras
cidades brasileiras. Isso inevitavelmente implica a remoção ou a ressignificação de
monumentos. A construção do Memorial dos Povos Indígenas ao lado do Memorial JK, em
1987, iniciativa que reflete o protagonismo do movimento indígena na redemocratização, serve
como contraponto para a narrativa do colonialismo moderno celebrada pela capital federal.
Mas certamente há mais para ser feito. ///

Paulo Tavares é arquiteto e urbanista, professor da FAU-UnB e coordenador da agência de


advocacia urbana autonoma. É autor do livro Des-Habitat, ensaio sobre o colonialismo no
discurso visual da arquitetura moderna brasileira, e foi cocurador da Bienal de Arquitetura de
Chicago 2019.

 
 

Tags: arquitetura, Brasília 60 anos, Colonialismo, decolonização

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