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INTRODUÇÃO

À CIÊNCIA SAGRADA
Programa Agartha

FEDERICO GONZALEZ

Com a colaboração de
Francisco Ariza
e la de Fernando Trejos e José Manuel Río
L. Herrera, Mª. V. Espín e Mª. A. Díaz

Tradução em português: Igor Silva


Copyright © Federico González. Depósito legal: B-25613/85, B-17341/87,
B-20717/87, B-27057/88, B-27174/88.
All rights reserved.
Lâminas do Tarô: © France Cartes B. P. Grimaud 1981.
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http://www.geocities.com/daimon.geo/
INTRODUÇÃO À CIÊNCIA SAGRADA
Programa Agartha
MÓDULO I

1
A TRADIÇÃO HERMÉTICA
As verdades eternas, conhecidas unanimemente e expressadas por sábios de todos os tempos e lugares,
plasmaram-se no Ocidente no pensamento de culturas estreitamente inter-relacionadas, que em distintos
momentos floresceram em regiões localizadas entre o Oriente Médio e a Europa, durante esta quarta e
última parte do ciclo, à qual se chamou Kali Yuga ou Idade do Ferro, e que sempre se vinculou com o Oeste.

Antiqüíssimos conhecimentos, patrimônio da Tradição Unânime, foram revelados aos sábios egípcios,
persas e caldeus. Eles se valeram da mitologia e do rito, do estudo da harmonia musical, dos astros, da
matemática e geometria sagradas, e de diversos veículos iniciáticos que permitem acessar os Mistérios para
recriar a Filosofia Perene, desenhando e construindo um corpus de idéias, que foi o gérmen do pensamento
metafísico do Ocidente, conhecido com o nome de Tradição Hermética, ramo ocidental da Tradição
Primordial. Hermes Trismegisto, o Três Vezes Grande, dá nome a esta tradição. Na verdade, Hermes é o
nome grego de um ser arquetípico invisível que todos os povos conheceram e que foi nomeado de distintas
maneiras. Trata-se de um espírito intermediário entre os deuses e os homens, de uma deidade instrutora e
educadora, de um curandeiro divino que revela suas mensagens a todo verdadeiro iniciado: o que passou
pela morte e a venceu.

Os egípcios chamaram Thot a esta entidade iniciadora, que transmitiu os ensinos eternos a seus hierofantes,
alquimistas, matemáticos e construtores que, com o auxílio de complexos rituais cosmogônicos,
empreenderam a aventura de atravessar as águas que conduzem à pátria dos imortais.

Autores Herméticos relacionaram Hermes com Enoch e Elias, que seriam, para os hebreus, a encarnação
humana desta entidade supra-humana que identificam com Rafael, o arcanjo, também guia, sanador e
revelador. Esta tradição judaica, que se considerou sempre como integrante da Tradição Hermética,
conviveu com a egípcia antes e durante a cativeiro (Moisés é fruto desta convivência) e em tempos dos reis
David e Salomão durante a construção do Templo de Jerusalém; faz ao redor de três mil anos, estes
pensamentos se consolidaram numa arquitetura revelada que permitiu, uma vez mais, a criação de um
espaço vazio ou arca interior capaz de albergar em seu seio a divindade.

No século VI antes de Cristo, que é o mesmo século da destruição do Templo de Jerusalém, e


contemporânea de Lao Tsé na China, de Buddha Gautama na Índia e do profeta Daniel na Babilônia, nasce a
escola de Pitágoras que, também herdeira dos antigos mistérios revelados por Hermes, alumiará
posteriormente à cultura grega, tanto aos pré-socráticos como a Sócrates e Platão. Este pensamento
hermético exerceu sua influência notavelmente na cultura romana, nos primeiros cristãos e gnósticos
alexandrinos, nos cavaleiros, construtores e alquimistas da Europa medieval e nos filósofos e artistas
renascentistas, nutrindo-se ao mesmo tempo dos conhecimentos cabalísticos e do esoterismo islâmico.

Logo florescem estas idéias hermético-iniciáticas no movimento rosa-cruz, que se desenvolve na Alemanha
e na Inglaterra da época Elisabetana, tendo sido depositados estes antigos ensinos, posteriormente, na
Franco-Maçonaria. Esta Ordem, que em sua aparência exotérica não pôde escapar à degradação e dissolução
promovidas pela humanidade atual, conserva, no entanto, em seus ritos e símbolos esse gérmen revelado e
revelador, ativo no seio de umas poucas lojas que conseguiram se subtrair às modas inovadoras que
ameaçam a Ocidente com sucumbir, e mantêm esse vínculo regenerador com o eixo invisível da Tradição
que se dirige sempre para o verdadeiro Norte, origem e destino da humanidade, do qual esta tradição nunca
se separou.

Hermes e a Tradição Hermética vivem atualmente. Sua presença é eterna.


2
O EXOTÉRICO E O ESOTÉRICO

Todos os símbolos sagrados, tanto os expressados pela natureza como os adquiridos pelos homens mediante
revelação divina, sejam estes gestuais, visuais ou auditivos, numéricos, geométricos ou astronômicos, rituais
ou mitológicos, macro ou microcósmicos, têm uma face oculta e uma aparente; uma qualidade intrínseca e
uma manifestação sensível, quer dizer, um aspecto esotérico e outro exotérico.

Enquanto o homem profano (que é tal por seu estado de queda) unicamente pode perceber o exterior do
símbolo, pois perdeu a conexão com sua origem mítica e sua realidade espiritual, o iniciado procura
descobrir nele o mais essencial, o que se encontra em seu núcleo, o que não é sensível, mas sim inteligível e
cognoscível, a estrutura invisível do Cosmo e do pensamento, sua trama eterna, ou seja, o esotérico, que
constitui também o ser mais profundo do próprio homem, sua natureza imortal.

Ao tomar contato e identificar-se com essa condição superior de si mesmo e do Todo, constata que signos e
estruturas simbólicas aparentemente diversas são, no entanto, idênticas em significado e origem; que um
mesmo pensamento ou idéia pode ser expresso com distintas linguagens e roupagens sem se alterar, de
modo algum, seu conteúdo único e essencial; que as idéias universais e eternas não podem variar, ainda que
na aparência se manifestem de modo passageiro.

O Cosmo, a criação inteira, contém uma face oculta: sua estrutura invisível e misteriosa, que o faz possível e
que é sua realidade esotérica, mas que, ao se manifestar, reflete-se em miríades de seres de variadíssimas
formas que lhe dão uma face exotérica, sua aparência temporal e mutável. No homem sucede o mesmo: o
corpo e as circunstâncias individuais são as que constituem seu aspecto exotérico e aparente, sendo o
espírito o mais esotérico, a única Realidade, sua origem mais profunda e seu destino mais alto.

Se os cinco sentidos humanos são capazes de mostrar o físico, a realidade sensível, esse sexto sentido da
intuição inteligente e da perscrutação interna, que se adquire pela Iniciação nos Mistérios, permite Ver mais
além; dá acesso a uma região Metafísica na qual os seres e as coisas não estão sujeitos já ao devir, nem
marcados pela morte. Essa visão esotérica identifica ao homem com o “Si Mesmo”, ou seja, com seu
verdadeiro Ser, sua essência imortal da qual toma consciência graças ao Conhecimento e ao lembrar de Si.

Enquanto o exotérico nos mostra o múltiplo e passageiro, o esotérico nos leva para o único e imutável.

Com um olhar esotérico, que se irá abrindo gradualmente em nosso caminho interior, iremos
compreendendo e realizando que o espírito do Pai, seu Ser mais interno, é idêntico ao espírito do Filho. Esta
consciência de Unidade é a meta de todo trabalho de ordem esotérica e iniciática bem entendido. Para Ela se
dirigem todos nossos esforços; nEla colocamos nosso pensamento e nossa concentração interior.

3
A VIA SIMBOLICA

O símbolo é a pegada (ou o gesto) visível de uma realidade invisível ou oculta. É a manifestação de uma
idéia que assim se expressa a nível sensível e se faz apta para o entendimento. Num sentido amplo, toda a
manifestação, toda a criação, é simbólica, como cada gesto é um rito, seja isto ou não evidente, pois
constitui um sinal significativo.

O símbolo nomeia as coisas e é uno com elas, não as interpreta nem define. Em verdade, a definição é
ocidental e moderna (ainda que nasça na Grécia clássica) e poderia ser considerada como a porta à
classificação posterior.
O símbolo não é só visual, pode ser auditivo, como é o caso do mito e da lenda, ou absolutamente plástico e
quase inapreensível como sucede com certas imagens fugazes que, no entanto, marcam-nos. Na época atual,
costuma-se-lhe associar mais com o visual, porque a vista fixa e cristaliza imagens em relação com estes
momentos históricos de solidificação e anquilosamento1 mais ligados ao espacial que ao temporal.

O símbolo é o intermediário entre duas realidades, uma conhecida e outra desconhecida e, portanto, o
veículo na busca do Ser, através do Conhecimento. Dali que os distintos símbolos sagrados das diferentes
tradições (e por certo também os símbolos naturais) se entreteçam e se vinculem entre si constituindo uma
Via Simbólica para a realização interior, a saber: para o Conhecimento, ou seja, o Ser, dada a identidade
entre o que o homem é e o que conhece. O mesmo é válido para os ritos que promove este manual,
começando pelo estudo e a meditação e seguindo por todos os exercícios práticos. Por isso é necessário que
o leitor tenha uma visão o suficientemente clara da Cosmogonia, arquitetura do universo reproduzida no
homem, para utilizar o modelo da Árvore da Vida, chamado também Sefirótico, localizar-se e transcendê-lo,
mediante a aceitação de uma Ordem capaz de nos mostrar o que está mais além dele. Estamos nos referindo
à mobilização de todo nosso ser que os símbolos, como intermediários, procuram, à viagem ou navegação
pelas sutis entretelas da consciência, à surpresa de perceber mundos novos que permaneciam invisíveis e, no
entanto, são-nos familiares, feitos todos estes que balizam o processo mágico de Iniciação, caracterizado
pelos graus de Conhecimento de outras realidades espaço temporais, ou melhor, de outra forma de perceber
a realidade.

O metafísico, essa região desconhecida e misteriosa, manifesta-se no mundo sensível por intermediação do
símbolo. Graças a este, é possível o Conhecimento para o ser humano; imagens e símbolos nos permitem
tomar consciência do mundo que nos rodeia, do que este significa e de nós mesmos.

Os símbolos sagrados, revelados, foram depositados em todas as tradições verdadeiras. Os sábios de


diferentes povos, por meio da Ciência e da Arte, promoveram sempre o conhecimento desses mundos sutis
que os próprios símbolos testemunham. Eles permitem que aquelas realidades superiores toquem nossos
sentidos e possibilitam que o homem, a partir desta base sensível, eleve-se a essas regiões que constituem
seu aspecto mais interno: seu verdadeiro Ser.

A via simbólica que este Programa propõe, com todas as experiências que ela implica, poderá nos levar de
uma maneira ordenada e gradual para esse Conhecimento.

O símbolo plasma uma força, uma energia invisível, uma idéia. O que ele expressa e o que contém em seu
interior se correspondem em perfeita harmonia. Não deve nunca se confundir com a alegoria, já que esta se
correlaciona mais com substituições e suposições e, portanto, carece de conexão clara com o interno e com
o verdadeiro. Também é importante apontar que os símbolos aos quais nos referimos não são meras
convenções inventadas pelos homens; eles são "não-humanos", encontram-se na própria estrutura do Cosmo
e do homem. Ao serem os intermediários entre o invisível e o visível, promovem a consciência de mundos
superiores e regiões supracósmicas.

É muito notável o fato de que os símbolos principais se repitam de modo unânime em todos os povos da
terra em distintos momentos e lugares. Muitas vezes esta identidade é inclusive formal, ainda que, como já
se disse, amiúde poderemos encontrar símbolos de diferentes formas, mas idênticos significados. Em todo
caso, todos se correspondem com um arquétipo único e universal do qual cada um desses povos extraiu seus
símbolos particulares.

Os símbolos sagrados são capazes de revelar esse modelo único, seu Criador, e ainda o incriado; mas às
vezes velam essas realidades superiores e se cobrem de uma roupagem formal, ainda que conservem sempre
seu aspecto interno e invisível.
1
N.T. - Anquilosamento (do grego ankylósis) - é a imobilidade ou garroteamento de um membro para que permaneça
imobilizado.
4
ARITMOSOFIA

Os números possuem uma realidade mágico-teúrgica que os homens de nossos dias esquecemos, e que
trataremos de recuperar. Eles são módulos harmônicos e medidas que relacionam o microcosmo (homem)
com o macrocosmo (universo), e respondem a vibrações secretas, que encontram suas correspondências em
todas as coisas. Desde os acontecimentos mundiais aos acontecimentos locais e individuais, os quais
formam parte da harmonia universal, que se expressa também através de números e medidas, semelhante a
uma grande sinfonia. Dali a conexão com a música, e particularmente com os ritmos e os ciclos.

Portanto o número é uma linguagem universal conhecida por todos os povos, que sempre foi considerada
como um símbolo revelado, capaz de sintetizar e ordenar o universo, e como um magnífico veículo apto
para estabelecer relações entre as coisas, entretecendo as variadas ordens da existência e os graduais mundos
ou planos da realidade.

Ainda que a sociedade moderna parecesse crer que os números fossem uma invenção humana, produto do
progresso, muito úteis para fazer cálculos estatísticos, bem como para medir, classificar e em geral contar
objetos de toda índole, percebendo a série numérica como uma sucessão indefinida e horizontal (numa só
dimensão), carente em absoluto de outro significado, nas sociedades tradicionais, pelo contrário, os números
são concebidos como deidades ordenadoras, como intermediários, portadores de energias e Idéias superiores
que eles mesmos plasmam no Cosmo inteiro.

Os números se correspondem de modo preciso com as figuras da geometria e as notas musicais, como
dissemos, em perfeita harmonia com as leis da Astrologia e a ordem do universo.

O percurso que fazem os números desde o um até o dez (do quase imanifestado à manifestação) nos
ensinará como empreender o caminho de retorno, a partir da realidade física, em busca da Unidade
Metafísica.

O número, como todos os símbolos, é suscetível de ser observado sob dois aspectos: exterior e interior.
Desde o ponto de vista externo os símbolos numéricos expressam meramente quantidades; desde o interno,
manifestam qualidades do ser. Nosso Programa fará ênfase na visão qualitativa, que é a principal, já que
desde nosso ponto de vista o quantitativo é secundário e derivado do qualitativo.

Esta visão esotérica da Numerologia foi transmitida ao Ocidente por meio da Escola Pitagórica, ainda que se
a encontre, também, em todas as culturas ligadas à Tradição Primordial.

Segundo os pitagóricos todas as coisas se sintetizam nos nove primeiros números; estes, por sua vez, podem
se resumir nos três primeiros; e eles estão contidos na unidade.

Os trabalhos numéricos e geométricos que sugerimos promovem um trabalho de síntese, sempre na busca da
unidade de nós mesmos; da unidade do Cosmo; da Unidade do Ser.

5
O CÍRCULO

Dentre os símbolos fundamentais comuns a todos os povos, o círculo é sem dúvida o mais generalizado e o
que aparece mais freqüentemente em todas as manifestações humanas conhecidas. Isto se deve, com efeito,
à própria natureza que a forma circular significa, já que tudo na vida e no mundo tende a realizar este
movimento, presente tanto nas expressões naturais como nas humanas. Aliás, uma reta, ou sucessão de
pontos, que progride indefinidamente, descreve um movimento circular, que a curvatura do espaço faria
regressar a seu ponto de origem. Em forma de círculos se expandem as radiações de energia, e esses
redemoinhos ou espirais conformam as estruturas de céu e terra, como bem pode observar-se no sideral e no
molecular. O círculo, junto com seus símbolos associados é, pois, uma das imagens básicas do
conhecimento simbólico e voltaremos uma e outra vez sobre o tema.

Pode-se perceber na figura precedente que não há circunferência sem um ponto interior que a gere, pois ela
extrai sua forma, assim a tracemos com compasso ou cordel, de um centro existente previamente.
Conjuntamente, circunferência e centro conformam a circularidade. O centro geralmente é invisível, ou
tácito, ou se acha outras vezes especificamente assinalado como elemento constitutivo. Este ponto original é
o que emana sua energia a todos os pontos da circunferência, que são um reflexo de sua potencialidade num
plano definido e limitado. Essas emanações são representadas como irradiações do centro e formas de
conexão entre este e a periferia. A mais singela e notável destas figurações é a seguinte:

Este é também o símbolo do quaternário, ou seja, o da maneira “quatripartida” em que se produz toda
manifestação. Os exemplos mais claros desta divisão são os quatro pontos cardeais no espaço, as quatro
estações do dia ou do ano no tempo, a interação dos elementos que em ordem mutável, configuram a
matéria, as quatro idades na vida de um homem, etc. Ou seja, que este número caracteriza a todo o criado.

A cruz é, pois, o símbolo do número quatro em seu aspecto dinâmico e generativo, que recebe sua energia
original da quintessência central, do ponto que é a origem da irradiação, e ao que esta tem de voltar
necessariamente num espaço curvo.

Advertências:

a) Deve se considerar, da mesma forma, o círculo como uma esfera. Ou seja, adicionar volume, ou
tridimensionalidade, às figuras simbólicas planas com as quais iremos trabalhando.

b) Não se tem que se considerar aos símbolos como exteriores a nós, pois se deve ter em conta que a esfera
do universo nos envolve. Estamos dentro dela, somos unos com ela.

6
CABALA

Pouco a pouco iremos desenvolvendo diferentes métodos Herméticos, entre eles o da Cabala judaica,
utilizada também pelos cristãos a partir do Renascimento. "Cabala" significa literalmente "Tradição", e se
refere tanto ao legado da doutrina que foi revelada aos antigos patriarcas e profetas do povo judeu, como à
recepção e vivificação dessa doutrina que provém –como todo Ensino verdadeiro– da Grande Tradição
Unânime.
Baste-nos por agora dizer que trabalharemos especialmente com o símbolo da Árvore da Vida Sefirótica.
Este diagrama é um mapa do Cosmo, um modelo do universo, e é válido tanto para o homem como para a
criação inteira.

Os centros e correntes de energia que conformam este diagrama estão em relação com os números e as letras
sagradas, a Astrologia, a Alquimia (ou Arte das transmutações), as lâminas do jogo do Tarô, a simbólica da
música e da geometria, manifestações todas da construção harmônica da mansão interna. Este modelo é,
pois, um mandala, um jogo de símbolos, um intermediário sintético entre nós e o desconhecido, através de
uma série de espíritos, ou deidades, que se articulam balizando um caminho mágico evolutivo, que todos os
povos do mundo conheceram, que constituía o fundamento de sua cultura, e ao que guardavam como seu
mais apreciado segredo. Estamos nos referindo aos Mistérios da Iniciação.

7
MÚSICA

Sabe-se que antes de o fazer pelo ar, o som se propaga pelo éter; este quinto elemento ou quintessência
Hermética é a origem dos quatro restantes. Por sua extrema rarificação imaterial, superior à do fogo, com o
qual às vezes se identifica, o éter é o veículo por excelência da luz inteligível e do som inaudível, cuja
natureza vibratória faz serem todos os elementos uma só e mesma coisa, antes de se diversificar através dos
sentidos até o mundo exterior. Por sua extrema plasticidade, pureza, e receptividade absolutas, a Tradição
também assimilou simbolicamente este elemento à água, à substância universal. Por isso a concha marinha,
cuja forma nos lembra ao yoni feminino e à orelha humana, é o representante unânime (como as conchas de
água benta dos templos cristãos) do poder purificador, produtivo e "generativo" deste supra-elemento
divino.

É de sobra conhecida a lenda que faz das conchas as conservadoras do som do mar. Esta propagação se
realiza em forma ondulatória, da qual a espiral é símbolo por excelência. Diremos, ademais, que este
símbolo está estreitamente vinculado ao logaritmo pentagramático do crescimento dos seres vivos, o que
explica a estrutura espiral própria das conchas e caracóis, bem como a do ácido desoxirribonucléico que
preside a corrente genética, e também outros muitos exemplos que omitiremos por enquanto.

A medicina pitagórica atribuía à música um poder terapêutico por excelência. Disso também nos dá
referência a Alquimia, quando faz coincidir os centros musicais com os centros sutis, e estes com as oitavas
do microcosmo humano. Assim vemos como a música, encarada desde uma perspectiva sagrada, é muito
mais do que parece. E também que as naturezas do tempo e do espaço, da água e o fogo, unidas
indissoluvelmente no éter, origem de sua vida, sendo fundamentalmente distintas, tocam-se num ponto
onde, sem se confundirem, fundem-se numa Harmonia Única e Universal.
Sócrates, nas palavras de Platão, confirma as Musas como as primeiras protetoras da arte da música, de
quem ela recebeu seu nome. Como já afirmamos, o tempo e o espaço se relacionam mutuamente através do
movimento, e este não é senão a expressão dinâmica ou rítmica de uma harmonia cujos modelos são os
números. Ritmo e proporção, semelhantes respectivamente ao tempo e ao espaço, são a métrica pela qual
ambos ficam reciprocamente ordenados, conformando a presença viva daquela mesma harmonia que se dá
por igual no céu e na terra. A própria geometria (geo = terra, metria = medida), que ordena idealmente o
espaço, está virtualmente implícita na música como relação métrica de seus intervalos. Harmonia, número e
movimento são, pois, termos equivalentes e mutáveis entre si, quanto se referem a uma mesma realidade,
seja à arquitetura sutil e musical do Cosmo, ao ritmo respiratório, às pulsações do coração ou ao compasso
alternado das fases diurna e noturna do dia.

O homem especialmente recebe com mais intensidade do que qualquer outro ser terrestre o ritmo pulsatório
da existência, o que, num sentido, converte-o no mais capaz de reproduzi-lo. De natureza musical está feita
a alma humana e sua inteligência, já que são elas as que captam as sutis relações entre as coisas; a
maravilhosa articulação que a todas mantém unidas, com seus matizes, num todo indivisível que se vai
revelando à medida que a unidade e a harmonia se impõem a nosso caos particular.

No homem, como num pequeno instrumento em mãos de um músico invisível, segundo se nos diz no
hermetismo antigo e do Renascimento, encontram-se todas as potências, virtudes e ritmos do universo,
homologadas ou em diapasão com a natureza de seu estado. No entanto, nem sempre se é consciente disso,
já que seu diapasão particular não está, em geral, afinado com o tom universal.
8
ASTRONOMIA-ASTROLOGIA

Queremos nos aproximar ao tema da Astrologia como ciência cosmogônica e veículo de realização. Damos
aqui os símbolos dos planetas e dos signos zodiacais, para aquele que ainda não está familiarizado com eles.
Se não os conhecer, é oportuno também tratar de os desenhar e, sobretudo, de os identificar. Começaremos a
tratar esta ciência cosmogônica, eminentemente simbólica, pois ela constitui um dos caminhos mais
importantes para o conhecimento espacial e temporal da realidade na qual estamos inscritos.

Para isso começaremos com algo tão singelo como os nomes e signos dos sete planetas tradicionais,
assimilados a deuses, e a suas andanças pelo espaço celeste, só limitado pelo cinturão zodiacal.

É muito provável que você conheça os nomes e signos zodiacais, mas queremos repeti-los nesta introdução.
Talvez devamos nos desculpar por isso, mas em toda Introdução há que se começar pelo princípio.

Os sete planetas giram simbolicamente ao redor do Sol, sendo interiores a este Vênus, Mercúrio, Lua e
Terra, e exteriores os mais altos: Marte, Júpiter e Saturno.

A palavra Zodíaco, que pode se traduzir como “Roda da Vida” (também como Roda animal), é a seqüência
das doze constelações que se encontram de um e de outro lado da eclíptica, ou seja, do plano curvo
imaginário no qual o Sol percorre num ano a totalidade da esfera celeste.

Em seus percursos os astros desenham formas diretamente ligadas à sorte da Terra e de seus habitantes, os
homens, membros ativos do sistema. Estas condições nos marcam e nos servem para conhecer nossos
limites, determinados primeiramente pelo lugar e pelo tempo de nosso nascimento e, a partir de tais limites,
poderemos optar pelo ilimitado como fundamento de toda ordem verdadeira.

Desde o começo dos tempos, os astros escrevem no céu uma dança contrapontística e harmônica de formas
e ritmos computáveis para o ser humano que, sumido no caos de um movimento sempre passageiro, toma
essas pautas como mais fixas e estáveis no decorrer constante de noites e dias que tende a se confundir num
amorfo sem significado. Estas pautas condicionam sua vida, tal qual a cultura em que nascemos, sujeita ao
devir histórico e à determinação geográfica, também não alheios à sutil influência de planetas e estrelas.
Trata-se de conhecer não só o mapa do céu como introdução ao entendimento da Cosmogonia, senão
também de considerar a importância que estes têm em nossa vida individual e em relação à integração dela
no macrocosmo, sem cair em jogos meramente egóticos ou simplistas senão, pelo contrário, com o objetivo
de encontrar nos planetas e no zodíaco pontos de referência para conciliar as energias anímicas de nossa
personalidade, equilibrando-as de modo tal que o estudo da Astrologia seja um auxiliar precioso do
Processo de Conhecimento, fundamentado na experiência que os astros e seus movimentos produzem no ser
individual e sua existência, e que podem ser manejadas de acordo às pautas benéficas e maléficas que sua
própria energia-força dual manifesta no conjunto cósmico.

Nota: Utilizaremos os sete planetas tradicionais da Antigüidade, com exclusão dos modernos Urano, Netuno
e Plutão. Já demos os símbolos e os nomes, para que o aspirante se familiarize com eles e os aprenda.

9
CABALA

Continuamos novamente com a Árvore da Vida Sefirótica, à qual adicionamos o nome de cada uma das
sefiroth ou "numerações", ou seja, dos dez círculos (esferas no volumétrico) ou "cifras" que a compõem.
Ainda que para fins didáticos a dividamos em esferas, planos e colunas, é importante lembrar sempre que
esta Árvore constitui uma unidade indissolúvel e indivisível e que todas suas partes são aspectos
inseparáveis dessa unidade

A primeira sefirah, Kether (palavra que significa "Coroa") é a realidade única, o mistério absoluto, a
essência pura da qual emanam as restantes sefiroth.

A número dois, Hokhmah, a emanação primeira, é a Sabedoria divina pela qual a deidade se conhece a Si
Mesma, e permite a todo ser reconhecer a Unidade em seu interior.

A terceira esfera, Binah, a Inteligência, é a Grande Mãe ou Matriz Universal, geradora de todos os mundos e
seres, aos que discrimina e forma só para devolvê-los novamente ao Um. Estas primeiras três sefiroth são
em realidade uma só: Kether é o Conhecimento, Hokhmah o sujeito que conhece (ativo) e Binah o objeto
conhecido (passivo).

A quarta sefirah, Hesed, é a Graça, o Amor ou a Misericórdia que se irradia a toda a criação; a quinta
(Gueburah ou Din) é o Rigor ou Juízo divino que nega tudo o que não é o Um; e Tifereth, a sexta, é a
Beleza que entrelaça todas as sefiroth entre si.

Netsah, a número sete, a Vitória, é a energia que produz todos os mundos manifestados; e a oito, Hod, a
Glória, encarrega-se de reabsorver estes mundos aparentes novamente na Unidade; Yesod, a nona, é o
Fundamento que equilibra as duas anteriores; e finalmente Malkhuth, a número dez, o Reino, constitui o
descenso de Kether ao mundo material e representa a Onipresença e Imanência divina em todas as coisas.

Cada uma destas sefiroth tem uma face oculta e outra visível. É receptiva com respeito à anterior e ativa
com relação à seguinte.

É importante fazer notar que em toda sefirah pode-se ver uma Árvore Sefirótica completa e, em cada sefirah
desta Árvore, outra mais, e assim até o infinitamente pequeno. E vice-versa, qualquer Árvore por maior que
a imaginemos é só uma sefirah de outra Árvore maior, que por sua vez é só outra sefirah de uma ainda
maior, também ad infinitum, como é a estrutura do espaço e do tempo, que contém mundos dentro de
mundos e ciclos dentro de ciclos, ou seja, a de uma esfera arquetípica dividida em dez numerações (ou
pequenas esferas) que se reproduzem indefinidamente.

10
ALQUIMIA

Outra das artes herméticas é a Alquimia. Assim se chamava na Antigüidade a ciência das transmutações,
minerais ou vegetais, da natureza. Estas operações têm uma réplica no homem, que pode se ver nelas como
num espelho que refletisse seu próprio processo de desenvolvimento e simbolizam a possibilidade da
regeneração. Ou seja, a de mudar de condição e de forma, a tal ponto que a substância com que se trabalha –
neste caso a psique humana nos primeiros níveis– passe a ser uma coisa distinta da que conhecemos
atualmente. Esta busca e achado do Ser é, em suma, a autêntica Liberdade, não empanada por nenhum
preconceito, e pode ser equiparada a um novo nascimento.

A Alquimia do medievo europeu, que trabalha com as transmutações dos metais (e minerais em geral),
utiliza também a notação astrológica para designar as qualidades simbólicas que distinguem determinados
metais.
Esta associação entre os astros (deidades e energias celestes) e os metais, não é de nenhum modo arbitrária,
pois há uma correspondência constante entre o alto e o baixo, e são análogas às forças e energias dos céus
(deidades urânicas) e as da terra (deidades ctônicas), ainda que seja imprescindível assinalar que se acham
invertidas umas com relação às outras.

No entanto estas forças são complementares e não poderiam ser o Universo e o homem sem ambas, pois
elas constituem a dinâmica rítmica, a dialética, em que se produzem todas as coisas. Por esse motivo, o
trabalho alquímico, ou hermético, realiza-se com estas duas energias, harmonizando-as, sem excluir
nenhuma delas. Pois como já veremos é o homem que as religa, o verdadeiro intermediário entre céu e terra.
E é por essa mesma razão que nas tradições antigas, a Iniciação era e é tomada como uma visita do ser
humano às entranhas da terra, ou uma viagem ao país dos defuntos, quando não um descenso aos infernos
de nosso ignorante psiquismo, imprescindível para uma posterior e triunfal ascensão aos céus. Na
continuidade, são apresentados os nomes dos três princípios alquímicos e os signos com que se os
representa:

A interação destes princípios e sua constante conjugação produzem todas as coisas e, portanto, acham-se
presentes nelas. O Enxofre é ativo (+), enquanto o mercúrio é passivo (-). O Sal, terceiro princípio que liga
os precedentes, pode-se qualificar de neutro (N). O Atanor é o forno, ou cozinha alquímica, onde se
transformam estes princípios continuamente, bem como os elementos minerais que eles originam, que
igualmente levam em si esta divisão tripartite. O que acontece no interior do Atanor do mesmo modo
acontece no interior do ser humano, especialmente em sua psique, primeiro passo no trabalho hermético,
onde estas energias se opõem, contradizem-se e se unem, provocando uma dialética permanente de
equilíbrios e desequilíbrios que conformam a harmonia universal. Esta dinâmica é uma dialética na qual os
opostos não se excluem, senão que constantemente confluem na união para poderem se separar.

11
CABALA

O modelo da Árvore da Vida, espelho e síntese do homem e do Cosmo, divide-se em 3 colunas ou pilares,
conforme a figura a seguir:
Esta divisão tradicional em três colunas, está em estreita vinculação com o expressado anteriormente acerca
dos Princípios alquímicos. Como se pode observar, uma das colunas é ativa (+) –ou positiva, ou masculina–,
e a outra é receptiva (–) –ou passiva, ou feminina–, enquanto a terceira, ou eixo central, eqüidistante de
ambas, é neutra e permanentemente as conjuga. À energia ativa corresponde a Coluna da Força, composta,
como podemos ver, pelas sefiroth Hokhmah (2), Hesed (4) e Netsah (7). À energia passiva, a Coluna da
Forma, que está composta pelas sefiroth Binah (3), Gueburah (5) e Hod (8). A coluna ou pilar central ou
axial, constituída pelas sefiroth Kether (1), Tifereth (6), Yesod (9) e Malkhuth (10), é neutra, e perenemente
realiza a assimilação dos contrários, dando lugar a novas possibilidades de desenvolvimentos indefinidos. É
chamada pilar ou Coluna do Equilíbrio. Esta é a imagem da ordem permanente da Criação, segundo a
Cabala.

12
A TRÍADE

A forma geométrica do triângulo eqüilátero também pode simbolizar o dito anteriormente sobre a Alquimia
e a Árvore Sefirótica, pois toda idéia manifestada pelo símbolo pode ser expressada não só pelas figuras
geométricas e pelos números, mas também por um ritmo, um gesto ou um som. Os Princípios Universais,
representados pela tríade superior da Árvore, estão sintetizados também pela figura do triângulo eqüilátero,
pois ela mostra instantaneamente as energias-força contidas na Idéia, revelando-nos assim seu conhecimento
e as indefinidas sugestões a que dá lugar.

Este triângulo pode igualmente ser transposto aos conceitos de Criação, Conservação e Destruição (ou
melhor, Transformação), presentes em todas as cosmogonias tradicionais, por exemplo, na tradição hindu,
onde esses Princípios conformam a Trimûrti, manifestada por Brahmâ, Vishnu e Shiva.
Também no símbolo da roda encontramos uma triunidade1 de conceitos, expressados da seguinte maneira:

Este mesmo pantáculo (ou "pequeno todo") manifesta, localiza e valida o homem na criação, como
intermediário e vínculo das energias cósmicas:

Referente diretamente à Árvore da Vida, damos este outro diagrama, que de um só golpe de vista nos mostra
a irradiação do Princípio no seio da criação, ou seja, a das energias que a Árvore Sefirótica simboliza,
adotando o Centro, ou ponto virtual do círculo, como o imanifestado, e a circunferência, ou periferia, como
sua manifestação:

1
N.T. – A palavra “triunidad” em espanhol não tem correspondentes em português. Por este motivo foi traduzida como
“triunidade” para que não se perdesse sua significação mais profunda.

13
MITOLOGIA

Os mitos, junto com os símbolos e com os ritos, constituem a trilogia sagrada e reveladora com que os
povos arcaicos e as civilizações da Antigüidade expressaram toda sua cultura, seu próprio ser. Se o símbolo
representa a "fixação", numa determinada substância, de um Pensamento ou Idéia arquetípica, e o rito não
faz senão pôr em movimento através do gesto ritmado e generativo a energia do símbolo, o mito evoca o
tempo das origens primordiais e sacras dos povos, bem como as gestas e façanhas dos heróis e deuses
civilizadores que os criaram. Na origem de qualquer civilização, religião ou cultura, sempre existe um Ser
mítico, um deus feito homem ou um homem transfigurado em deus, que lhes revela as ciências e as artes
sagradas. Sendo assim, e segundo nos diz a Tradição Unânime e Universal, o relato mítico é um ensino que
transmite, utilizando a linguagem emotiva da poesia, uma história "exemplar", uma história-modelo a ser
imitada pelos homens. Neste sentido, diremos que todo relato mítico desperta uma emoção intelectiva que
aflora das profundidades mais recônditas de nosso ser, transladando-nos, por seu intermédio, a um tempo
onde o profano, linear e sucessivo não existe. O tempo mítico é em verdade um não-tempo, no sentido ao
menos em que o computamos de ordinário, o que quer dizer que está ocorrendo sempre, neste mesmo
instante, pois na realidade do Ser Universal também existem origens atemporais.

Viver o mito é voltar a recuperar a "memória" de nossa origem não-humana (a anamnesis ou reminiscência
Platônica) onde tudo é novo e virginal, e a idéia de anterior e posterior fica anulada por um presente sem
duração cronológica possível. Utilizando a analogia simbólica, frente ao poder destruidor e dissolvente do
tempo horizontal, que vem num fluxo e refluxo perene, o acontecimento mítico possibilita uma ponte
vertical que se enlaça com uma ordem de realidade diferente, supra-histórica por sua própria natureza. A
mensagem que se desprende dos mitos é, pois, algo relacionado com o processo cosmogônico, com a
criação do mundo a partir de um caos primitivo. Em nosso próprio trabalho interno, podemos advertir este
processo arquetípico no ordenamento que se vai implantando em nossa confusa psique quando se produz o
entendimento das Idéias expressadas pelo ensino da Ciência sagrada, levando-as posteriormente à sua
efetivação prática, vivenciando-as e as experimentando na própria cotidianidade. Advirtamos, por último,
que as lendas iniciáticas e esotéricas, e num grau menor, os contos e fábulas que pervivem no folclore
popular, são outras tantas formas que adota o relato mítico para expressar verdades universais.

14
NOTA:

Talvez haja conceitos que por inabituais nosso leitor rejeite. No entanto, insista neles e trate de relacioná-
los com outros presentes nesta mesma Introdução. Quiçá em outras ocasiões lhe resulte estranho a
linguagem em que se encontram expressados, já que a analogia se representa por imagens e configura uma
poética sempre presente. Trate de assimilar e fazer sua esta linguagem própria do discurso da vida, da arte
e da magia. Pense na possibilidade de que por meio deste trabalho possa aceder às raízes das coisas e ao
seu entendimento cabal, a par que amplia seu panorama interno através de uma atitude de acréscimo,
cultivo e superação de suas possibilidades pessoais. Por outra parte, esta atitude, que se refletirá
inconscientemente em outros âmbitos de você mesmo, igualmente lhe ajudará a triunfar sobre os momentos
em que se apresenta, como uma crua realidade, sua solidão. Ou você se permita sentir compaixão de si
mesmo.

15
HERACLES-HÉRCULES

Esta figura, protótipo do herói triunfante, do homem que através de uma série de esforços e aventuras
consegue "divinizar-se", ou melhor, retornar a suas origens divinas (já que é filho de Zeus-Júpiter), é talvez
a mais importante e exemplificadora da Antigüidade greco-latina. Sua simbólica inclui não só os doze
famosos trabalhos e provas em que deve realizar as exigências de Hera-Juno, a contraparte feminina de
Zeus-Júpiter (este último, símbolo do espírito fecundador), senão igualmente uma série de fabulosas vitórias
que correm casadas com suas nutridas fraquezas. Esta oposição entre as energias masculinas, celestes e
espirituais, e as femininas, terrestres e materiais, prefiguradas pelo casal olímpico Zeus-Hera (Júpiter-Juno
para os romanos), marcará a vida de Heracles-Hércules, nascido humano e que, por meio dos combates
purificadores de toda sua existência, é recebido no Olimpo como o filho preferido de seu Pai celestial, em
razão do continuado sacrifício mediante o qual não só venceu a inumeráveis inimigos externos, senão que
pôde sair vitorioso dos combates internos contra suas indefinidas tendências para a densidade, reflexo de
seus inumeráveis egos, antes de aceder ao conhecimento e à paz, emblemas da imortalidade da alma e da
vida eterna que finalmente consegue por seu espírito combativo, sublimado pela busca constante do Espírito
e da Verdade, através de um percurso limitado por erros, retificações e conquistas.
Narrar os trabalhos, façanhas e aventuras deste herói levaria pelo menos um volume. Limitar-nos-emos a
dar aos leitores alguns dos elementos da rica simbólica deste personagem mítico, lembrando que todos seus
infortúnios e quedas são provocados por Hera, imagem de seus impulsos destruidores e descendentes, já que
esta divindade lhe amaldiçoou pelo fato de ser filho de seu esposo Zeus (o espírito ascendente), que lhe foi
infiel ao procriar a Heracles fora de seu olímpico casamento, razão pela qual o herói humano deve ser objeto
de sua vingança e sua nefasta influência. É importante lembrar que o nome Heracles significa "a glória de
Hera". Assinalaremos que todos estes "trabalhos" ou combates têm o discurso de um poema continuado e se
referem à purificação do espírito graças à vitória sobre os escuros impulsos "materiais", ou seja, entre a
oposição e a complementação do mais sutil e do mais denso.

Em suas primeiras ações Heracles domina o javali de Erimanto, vence ao touro de Creta e afoga ao leão de
Nemea. Todos estes animais simbolizam as forças vivas das paixões, às quais o herói deve se impor sem as
negar, já que as deve enfrentar como obstáculos em seu caminho. Igualmente subjuga a rainha das
amazonas, ou seja, a sua parte passiva e escura, um de seus egos inestáveis. Também mata a hidra de Lerna,
imagem desses egos serpentinos aos que é quase impossível cortar a cabeça, trabalho que se lhe facilita por
ter anteriormente limpado do esterco as cavalariças de Augias. Logo, impor-se-á sobre o gigante Gerião e
sobre Anteu e Diomedes, símbolos da bestialidade e do antiespiritual, e pode assim caçar os emissários
celestes, os pássaros do lago de Estinfalo, o que lhe permitirá obter vivo ao veado dos pés de bronze,
imagem da ligeireza, leveza e rapidez. Finalmente, chega ao jardim das Hespérides, onde obtém o fruto
áureo de seus esforços, o que lhe facilita dominar o cachorro-monstro de três cabeças, Cérbero, guardião do
Tártaro (como o dragão em outras tradições), último de seus obstáculos no caminho da reintegração ao Si
Mesmo.

16
CABALA

A Cabala ensina que as energias percorrem a Árvore da Vida desde a Unidade, Kether, marcada pelo
número um, até a manifestação formal e substancial, o mundo e a matéria tal qual os conhecemos e os
percebem os sentidos. Estes fluxos de energias, ou vibrações, quase imperceptíveis, são chamados
emanações, e conformam qualquer manifestação, seja qual for o gênero, a espécie, forma, o tipo ou a
dimensão em que ela se expresse. As energias das sefiroth –todas elas invisíveis, menos Malkhuth, síntese e
recipiente de toda a Árvore– realizam um caminho descendente sucessivo desde a unidade (1), Kether, até a
década, a Terra, ou o Mundo, Malkhuth (10), que é um reflexo invertido de Kether (10=1+0=1). As demais
sefiroth, ou numerações, são tomadas como intermediárias entre a imanifestação e a manifestação. E se as
considera como os distintos aspectos, ou atributos, de uma só e mesma energia, tal qual as formas que
tomasse um fio de água ao baixar da montanha (manancial, ribeiro, remanso, cascata, afluente, rio, etc.) até
chegar ao mar.
17
ETIMOLÓGICAS

Um tema de interesse, e que amplia nosso campo investigativo, é o da etimologia das palavras. As origens
culturais são sagradas, já que um deus ou uma deusa patrocina e revela sempre as artes, as ciências, as
indústrias, a organização, etc., e isto é unânime para todos os povos. Também a linguagem foi ensinada aos
homens num tempo mítico. Por isso, ao homem foi dada a potestade de nomear, ou seja, de recriar, já que os
nomes, para a Cabala e o esoterismo em geral, designam a essência das coisas; e esta potestade do Verbo se
encontra implícita em toda linguagem. Isto quer dizer que não há dissimilitude entre a coisa e seu nome, já
que este significa a realidade da coisa, a energia que esta representa e que o nome confirma e revela. Não é,
pois, a língua uma convenção, nem as palavras jogos artificiais ou primitivos balbucios, que manifestam
exclusivamente necessidades "físicas" ou utilitárias. As origens das palavras são importantíssimas e
iluminadoras, pois as raízes de onde provêm, bem como os diferentes sentidos que elas têm, ou podem ter, e
as relações a que estas analogias nos levam, configuram um estudo revelador acerca dos conceitos de onde
elas derivam, que por seu uso profano se desgastaram e perderam assim seu imenso valor evocador e
anímico, até se fazerem consumíveis e insignificantes. Um simples dicionário que traga a etimologia das
palavras é tudo o que precisamos para começar nossa busca de raízes e origens, que nos proporcionará mais
de uma bela e agradável surpresa. Também, e em outro sentido, averiguar o significado de nosso nome
profano, o porque o levamos, e a biografia daquele ou daqueles que se chamaram com o mesmo símbolo
apelativo. Por outra parte, na vida cotidiana há concatenações de palavras relacionadas com a Astrologia, a
Alquimia, a Cabala, a Magia, a Metafísica, etc. Os dias da semana constituem um exemplo evidente:
Segunda-feira (lunes) = Lua, Terça-feira (martes) = Marte, Quarta-feira (miércoles) = Mercúrio, Quinta-
feira (jueves) = Júpiter, Sexta-feira (viernes) = Vênus, Sábado = Saturno, Domingo = Sol (em inglês
Sunday) (*).

(*) N.T.: Os nomes dos dias da semana, em espanhol, fazem a evocação referida pelo Autor. Tal característica, contudo, se perde
na tradução em português. Contudo, entre parênteses, foram mantidos os nomes em espanhol para a devida comparação.

18
CABALA

O modelo da Árvore da Vida Sefirótica ordena de maneira prototípica as forças verdadeiras que
constantemente produzem o fato criacional, ou seja, o descenso das emanações espirituais que conformarão
posteriormente aquilo que vulgarmente chamamos matéria, ou plano físico, ou hylico. Portanto, graças à
familiarização com estas energias, ou seja, com sua apreensão, pode se tecer o sentido analógico de
vibrações e correspondências que mantêm, entre si, ligado o Universo em seus aspectos visíveis e invisíveis,
materiais ou imateriais, com o propósito de ascender a outros planos de identificação com o Ser Universal
por meio dos veículos Herméticos e da doutrina tradicional. Na continuidade, oferecemos outras
correspondências astrológicas e alquímicas do diagrama. Também incluímos nele o En Sof (Sem Fim), que
se acha acima de Kether, simbolizando o Não-Ser, o autenticamente metafísico e supra-cósmico, inclusive o
não manifestado nem sequer como Princípio.

Com o objetivo de ir "carregando" às esferas da Árvore da Vida com idéias que sirvam de suporte à
meditação e promovam a realização, queremos adicionar alguns elementos referentes a suas relações
astrológicas, que nos ajudarão a compreendê-los melhor. Elas estão vinculadas com as nove esferas da
Cosmogonia tradicional, sete delas correspondentes aos planetas.

En Sof, o Não-Ser, assimilado pelos cabalistas muitas vezes ao Nada supra-essencial, ou seja, à Vacuidade,
encontra-se além do firmamento, e a ele se chega atravessando Kether, a quem se pode atribuir o
simbolismo da estrela polar, como Porta dos Deuses, verdadeira pedra filosofal da qual pende o prumo do
Arquiteto do Universo. Este astro reina no empíreo, lugar do fogo puro e eterno, lugar do céu em que os
arcanjos, anjos e bem-aventurados gozam da presença perene da Suprema Deidade, pois nele converge o
eixo central, sendo as estrelas fixas e incorruptíveis assimiladas a Hokhmah. A Binah se lhe relaciona com
Saturno ou Cronos, o Tempo Vivo e sempre presente, que devorando seus filhos, a criação inteira, regenera-
a perenemente e faz possível que os seres manifestados regressem a sua imanifestada morada eterna, sendo
este o pai de Zeus ou Júpiter –Rei do Olimpo– que como Hesed governa e legisla a Criação inteira.
Gueburah, o rigoroso destruidor, é assimilado a Marte, deus guerreiro. E Tifereth, a Beleza divina, Centro
dos Centros, relaciona-se claramente com o Sol, doador da vida, luz e calor, através do qual acedemos
àqueles mundos superiores.

Os três planetas interiores, que se encontram, com relação à Terra, mais próximos do que o Sol, e cujos
ciclos são mais rápidos, são colocados no mundo de Yetsirah, e se relacionam com as esferas deste plano.
Netsah, como já sabemos, corresponde a Vênus, deusa do Amor, amante de Marte, a quem "desarma" pelo
delírio passional. Ela, como as Musas e as Graças, é inspiradora dos artistas, e dá a vitória aos que a
compreendem, sendo então emissária da beleza e da união. Hod é relacionado com Hermes-Mercúrio, o
rápido mensageiro alado dos deuses, que distribui na Terra seus ensinos e sinais. É representado com asas
nos pés, que se referem a sua velocidade e a sua relação com o que voa. E, por isso mesmo, com o símbolo
do Caduceu, as duas serpentes que ascendem pelo eixo vertical, que têm um par de asas que nos indicam seu
aspecto volátil. Este último passou a ser o símbolo da medicina, pois como dissemos Hermes-Mercúrio –e
os deuses, anjos e espíritos que se lhe relacionam– foi sempre considerado como um médico de corpos e
almas, o curandeiro divino, promotor dos ritos e da morte iniciática, graças à qual recuperamos a saúde.
Finalmente, a Yesod se lhe relaciona a Lua, a rainha da noite que, unanimemente, foi vinculada com a mãe
celeste, a ilusão das formas as águas inferiores e os mares –bem como com todos os líquidos– e sobretudo
com a fecundação e a fertilidade que se concretiza na Terra.

19
EXERCÍCIO PRÁTICO:

Desenhe uma Árvore Sefirótica. Carregue-a com concentração e paciência, ou seja, trabalhe-a utilizando
os conhecimentos e energias rudimentares que obteve até agora. É oportuno dizer que os símbolos
"despertam" quando se os começa a invocar, e que as energias latentes neles começam a se revelar em nós
na medida em que estamos construindo uma via entre nosso ser e as realidades que eles expressam. Por
outra parte o símbolo, como expressão da Idéia arquetípica, tem uma realidade própria, revelada àqueles
que puderam compreendê-lo, que por sua vez carregam a este símbolo com a própria vivência. A
vivificação do símbolo tem também uma leitura terapêutica em cada um dos níveis em que se expressa:
físico, psíquico e intelectual-espiritual.

20
ASTROLOGIA

Vêem-se aqui algumas características a respeito dos sete planetas que, como já vimos, articulam-se
perfeitamente no diagrama cabalístico:

SATURNO: Saturno é o planeta mais afastado da terra, mas também o mais elevado. Na astronomia
judiciária (Astrologia) costuma-se vê-lo como lento (efetivamente o é) e pesado (a Alquimia o equipara ao
chumbo) e, portanto, é associado à velhice em seus aspectos negativos, em oposição com a agilidade e
ductibilidade de mercúrio. No entanto, e pese que as vibrações deste astro são percebidas psicologicamente
como um estado de melancolia e desassossego espiritual, é o preâmbulo de realizações profundas, ligadas ao
que está mais além, ao mais elevado, misterioso e oculto. A experiência e a inteligência são alguns de seus
atributos que devemos relacionar igualmente com a velhice, e inclusive com a Antigüidade. Todos os
planetas têm um aspecto maléfico e outro benéfico, tal como cada uma das sefiroth: uma metade luminosa
que olha para Kether, e outra escura que olha para Malkhuth.

JÚPITER: Entidade benéfica e generosa; Pai dos deuses e filho de Saturno, esta precedência nos está
dando não só a idéia de energias que se estabelecem hierarquicamente, senão também a de uma ordem
invariável. Alimenta constantemente a fogueira da vida, e seus eflúvios regeneradores procriam
continuamente novos seres, idéias e coisas, sem mais limitações do que o exercício que às vezes provê com
sua arma: o raio.

MARTE: Marte destrói no palco do Mundo tudo o que já é inútil e desnecessário, ainda que a
simples vista não seja sempre claro seu papel regenerador. Deus da guerra, imprescindível para uma
perpétua renovação universal, sua influência pode advertir-se não só nas lutas humanas senão igualmente
nas perpétuas batalhas macrocósmicas.
SOL: É o intermediário direto entre o imanifestado e a manifestação. Sua energia, extraída do mais
oculto das possibilidades do céu, é projetada sobre o plano da criação, produzindo todas as coisas
manifestadas, das quais é o Pai a nível criacional, incluído o homem. Sua energia radiante e sua localização
central são imprescindíveis para a vida, à qual sela e conforma.

VÊNUS: Conhecida deusa do Amor, encarrega-se nada menos que unir aos fragmentos dispersos do
ser e do universo. Em seu aspecto mais alto se relaciona com os mistérios espirituais e místicos do amor, e o
coito com os deuses. Seu aspecto mais baixo se acha em relação com a personalidade e se expressa pela
posse do outro e a energia genital.

MERCÚRIO: Emissário dos deuses, suas energias são assimiladas pelos mortais como revelações
que sua versatilidade imprime na inteligência. É, portanto, um iniciador e sua rapidez mental –prata
viva– permite-lhe valorações intuitivas imediatas, que às vezes podem nos complicar; lembre-se que, por
isso mesmo, é o númen de charlatões, comerciantes, e inclusive ladrões.

LUA: Astro evidente e noturno, está relacionado com a Terra –da qual ela é uma imagem celeste–,
com a fecundação e com a potência essencial dos eflúvios vitais. Sua identificação com as águas e
com a obscuridade resultam singelas de compreender. Preside a noite, e sua débil luz, e a periodicidade de
seus ciclos, anunciam-nos a presença de outras realidades ocultas, mais além dos fenômenos psíquicos que
constituem seu reinado.

TERRA: Nela amadurecem as energias dos astros que concretizam a "matéria" do mundo. Portanto, é
símbolo da densidade e da atração da gravidade para “baixo”. Em seu seio bulem energias análogas
às das estrelas e em sua cratera se cozinham as coisas mais evidentemente substanciais..

21
ALQUIMIA

Os 4 Elementos - É conhecida a divisão em quatro elementos que a Antigüidade greco-romana estabeleceu


em suas cosmogonias. Como nossos leitores sabem eles são Fogo, Ar, Água e Terra, e se encontram
presentes em tal ou qual proporção em tudo aquilo que consideramos como matéria. Aliás, estes elementos
formam uma corrente, ou série sucessiva, já que o Fogo se equipara ao princípio vital que o Ar transporta e
a Água difunde, até se concretizar na Terra. Há, por isso mesmo, distintas relações entre estes elementos, a
ponto de que a série pode alterar sua ordem, inclusive invertê-la. E assim vemos que a Terra, equiparada ao
sólido (gelo) pode se liquidificar, para logo se evaporar e transformar-se em Ar (hálito vital) emanado
diretamente do Fogo (elemento radiante), verdadeiro agente criacional, mediante sua dupla manifestação:
luz e calor. Deve-se apontar que estes elementos encontram em sua ronda um denominador comum ao qual
se referem e que é a sua essência, da qual dependem. Esse elemento misterioso do qual os princípios
radiante, aéreo, fluídico e compacto dependem –já que é sua origem perpétua–, e que por sua vez os
sintetiza, é chamado pelos alquimistas quintessência. Aliás, o Fogo é seu primeiro representante, já que toda
ação cozinhada no Atanor ou cratera, tanto do macro como do microcosmo, precisa de sua participação,
capaz de gerar e também de destruir, às vezes completamente. Pelo que um uso atinado e, sobretudo,
regulado deste elemento é imprescindível em qualquer operação alquímica, já que todas elas, divididas em
dois grandes temas, dissolver e coagular, efetuam-se a partir da quantidade de fogo (luz e calor) utilizada ou
não em diferentes procedimentos transmutatórios.

Deve-se acentuar que estes "elementos" aos quais nos referimos não são estritamente materiais, senão
símbolos de Princípios Universais e não substâncias concretas tomadas em sentido literal. Devemos
esclarecer que isto também é válido para os sete metais, identificados com os sete planetas astrológicos, com
os quais a Alquimia trabalha, já que tanto o ferro como o mercúrio, etc., excedem os limites de sua
designação com relação ao que ordinariamente se entende por estas nomenclaturas.
Também se costuma combinar amiúde os três princípios alquímicos, Enxofre, Mercúrio e Sal, com os quatro
elementos, e de diversa forma. Em Aritmosofia isto se expressa assim: 3 + 4 = 7; 3 x 4 = 12. Resulta óbvio
que esta formulação está ligada à simbologia astrológica e, portanto, também a ritmos e ciclos que da
mesma forma obedecem a Princípios Universais.

22
CABALA

Quando nas diversas tradições se fala de deuses, nomes divinos, arcanjos e anjos, em realidade se está
fazendo referência a determinadas energias intermediárias que, de modo escalonado, situam-se entre a
Unidade Suprema, verdadeiramente imanifestada, e a variedade indefinida de suas manifestações
fenomênicas. Na Cabala, estas energias, ou atributos divinos como já vimos, são as sefiroth, cujo
desenvolvimento constitui o que se costuma chamar de “Doutrina das Emanações”. Como sabemos, as
sefiroth percorrem a Árvore da Vida de cima para baixo, do mais sutil ao mais denso e grosseiro,
conformando a própria estrutura do Cosmo, dividida em quatro planos ou níveis hierarquizados, que o
homem pode vivenciar em si mesmo através de sua realidade física, psicológica e espiritual.

Estes quatro planos começam com o mais alto, Olam Ha Atsiluth, que significa Mundo das Emanações, e a
ele pertencem as sefiroth Kether (1), Hokhmah (2) e Binah (3). Esta triunidade de princípios compreende às
realidades ontológicas, referidas ao conhecimento do Ser Universal, precedendo, portanto, à manifestação e
progressiva solidificação de todas as coisas. As energias mais invisíveis e profundas emanam desta tríade
suprema, que começa a se manifestar a partir do Mundo da Criação, Olam Ha Beriyah, constituído pelas
sefiroth Hesed (4), Gueburah (5) e Tifereth (6). Como seu próprio nome indica, neste Mundo são geradas as
primeiras formas criacionais em seu aspecto mais sutil e informal, manifestadas através do Mundo das
Formações, Olam Ha Yetsirah, constituído por sua vez pelas sefiroth Netsah (7), Hod (8) e Yesod (9). Esse
processo de emanação finaliza no Mundo da Concreção Material, Olam Ha Asiyah, constituído só pela
sefirah Malkhuth (10), que de toda a Árvore é a única visível e perceptível aos sentidos, sendo a partir dela
que começa nosso processo ascendente de retorno à Unidade.

Na continuação, vê-se a Árvore Sefirótica dividida nos quatro mundos cabalísticos, relacionados igualmente
com os elementos alquímicos recentemente tratados:
Estes quatro mundos, planos ou níveis, podem igualmente ser considerados como três, já que Beriyah
(Mundo ou Plano da Criação) e Yetsirah (Mundo ou Plano das Formações) podem ser tomados como um só.
Beriyah corresponderia ao que a Antigüidade denominou “Águas Superiores”, e Yetsirah às “Águas
Inferiores”, que estão separadas –e unidas– pela “superfície das águas”, tal e qual aparece no gráfico. As
primeiras se vinculam com o elemento ar e são consideradas como constitutivas da abóbada celeste, e as
segundas com o elemento água, conformando os rios e os oceanos, unidas ambas na linha do horizonte.
Estes dois planos podem ser tomados como um único nível e correspondem à intermediação entre o
primeiro (Atsiluth) e o último (Asiyah). É neles onde se realiza todo o trabalho interno e hermético. Por isso
mesmo, estas seis sefiroth chamadas em Cabala de "construção cósmica", correspondem-se no ser humano
com seu psiquismo superior (Beriyah) e o inferior (Yetsirah).

Desta forma, deve se ter presente que em cada plano há uma Árvore Sefirótica completa: uma no mundo de
Asiyah, outra no de Yetsirah, outra mais em Beriyah, e finalmente outra no de Atsiluth. Nossa visão da
Árvore Cabalística adquire então tridimensionalidade, ou seja: podemos visualizá-la (sem que por isso perca
sua unidade essencial) em quatro níveis de leitura, que estão em todas as coisas, inclusive em nós mesmos.
Também os textos sagrados e revelados de todas as tradições admitem ser lidos desta maneira. Ditos níveis
são, pois, graus hierarquizados de conhecimento. Por agora, trabalharemos com a Árvore no nível de
Asiyah, ou seja, da sefirah Malkhuth, o plano físico e da concreção material, que é o do homem
condicionado por suas identificações egóticas e de seus sentidos, e daí, invocando Kether, ascenderemos
gradualmente por distintos mundos, do mais grosseiro ao mais sutil, da casca ao núcleo, o que nos permitirá
conhecer outros estados de nossa consciência, que desta maneira vai se universalizando, até sua plena
identificação com o Ser, o Adam Kadmon ou Adão Primordial.

Nota: É de rigor, e como exercício importante, aprender e memorizar estes nomes em hebraico e português,
bem como a disposição das sefiroth que constituem a Árvore. Desenhe este diagrama várias vezes sobre o
papel e trate de reter uma imagem clara do mesmo.

23
A INICIAÇÃO

A Iniciação nos Mistérios supõe uma completa transmutação que terá de se operar gradualmente no adepto,
em diversos níveis, durante o caminho para o conhecimento de si mesmo; é uma via gradual na qual se
conhecerão, pouco a pouco, os distintos estados do ser.

O termo "iniciação", derivado do latim initium, significa "começo" e também "entrada". Por um lado, supõe
o início de um processo de conhecimento da realidade Metafísica e, por outro, o ingresso num caminho
verdadeiramente espiritual que terá de conduzir a uma real "deificação" daquele que o possa empreender e
continuá-lo até o fim.

O iniciado deverá morrer para o mundo profano e ilusório e perder a falsa identidade com seus aspectos
puramente individuais, passageiros e mortais, e simultaneamente ressuscitará para um mundo sagrado e
verdadeiro que lhe identificará melhor com o real e imutável, com aquela essência pura e imortal que
constitui seu verdadeiro Ser. Este percurso supõe uma viagem interior, e irá acompanhado do conhecimento
de outros mundos que estão aqui e agora, mas que a mente ordinária nem sequer pode imaginar.

Para que a Iniciação ocorra, será necessário que o adepto permita que os símbolos e ritos sagrados,
proporcionados pela doutrina da Tradição Unânime, penetrem em seu interior e operem essa transformação
integral, que terá que se produzir quando estes instrumentos despertadores da consciência ordenem a
inteligência e toquem as fibras mais sutis e imperceptíveis que se conectam com as verdades eternas. Ela
comporta um desenrolar de potencialidades ocultas e misteriosas, que jazem em nossa própria interioridade,
e um desenvolvimento das possibilidades verdadeiramente espirituais, que no estado ordinário se encontram
adormecidas. O estudo dos códigos simbólicos tradicionais –como aqueles que são proporcionados por
nosso Programa–, bem como a meditação e a concentração –e a prática dos rituais iniciáticos–, serão
veículos adequados para que esta transmutação e despertar da consciência sejam produzidos e se substituam
progressivamente os apegos e as falsas identificações por aquilo que se denomina a Suprema Identidade.

Este processo, simbolizado claramente pela transmutação dos metais que propõe a Alquimia, bem como
pelas diversas etapas contempladas no simbolismo construtivo, supõe duas fases: a primeira delas é
chamada iniciação virtual e vai desde o começo da Obra até a consecução do estado de "homem
verdadeiro", passando por diversos graus que suporão a superação de provas que terão de determinar se o
candidato está qualificado; a segunda –chamada Iniciação real ou efetiva– supõe o conhecimento e a
experimentação de estados supra-humanos e atingir o estado de “homem transcendente".

O candidato à Iniciação é como uma semente que, contendo todas as possibilidades de desenvolvimento e
procriação, não as poderá plasmar enquanto não penetrar o interior da terra –a caverna iniciática–, descendo
aos infernos e morrer, para nascer de novo. É por isso que o recém iniciado é chamado "neófito", ou planta
nova (neo = nova; fito = planta), pois já venceu a primeira morte e está pronto para empreender seu
desenvolvimento vertical e ascendente.

Esta morte comporta uma completa dissolução dos estados anteriores, que deverá ser repetida cíclica e
gradualmente –em diversos níveis cada vez mais sutis e elevados– durante o curso do processo iniciático,
até que renasça o homem novo, o homem verdadeiro, totalmente regenerado, que terá desenvolvido o leque
de suas possibilidades humanas e estará pronto para transcender aos estados supra-individuais e recobrar seu
verdadeiro Ser. Terá assim retornado ao estado virginal das origens, à pátria celeste.

Não queremos terminar sem dizer algo muito importante para se ter em conta no processo iniciático ou de
conhecimento: o de não confundir o plano psicológico com o espiritual, erro que é muito freqüente hoje em
dia. Isto acontece porque o espiritual foi negado ao se fazer uma diferença cortante entre alma e corpo,
outorgando-se-lhe então a tudo o que não é material, ou corporal, uma categoria espiritual, ou pseudo-
espiritual.

24
A ANALOGIA

O Selo Salomônico. A realidade, sendo una e universal, apresenta-se, no entanto, a nossos olhos como
múltipla e fragmentária, particular, efêmera e limitada. Esta visão de "superfície" implica, aliás, numa
dualidade que convém resolver, já que como tal não poderia realmente subsistir, estando em si mesma
dividida. As analogias e correspondências simbólicas são os laços que permitem articular, dentro de uma
mesma esfera inteligível, duas realidades, estados ou mundos aparentemente díspares e inconexos. A
conhecida figura do Selo Salomônico, ou Estrela de David, sintetiza esotericamente esta realidade, o
desenrolar integral do Cosmo através da cópula indissolúvel dos dois aspectos polarizados e
complementares de uma mesma entidade Universal. A projeção triangular dos princípios universais do Ser
(triângulo superior) no "espelho das águas" ou substância universal (triângulo inferior) produz a "reflexão
cósmica" de todas suas possibilidades existenciais, o mundo em sua indefinida variedade e continuidade.

No caso do símbolo da cruz, a oposição dos dois triângulos que, no fundo, é uma complementação onde se
resolvem as contradições, produz-se de duas em duas, dando lugar às leis da simetria no homem e no
Cosmo.
As inter-relações dos símbolos entre si promovem processos mentais, nos que se geram códigos para a
comunicação, vale dizer para a recepção e transmissão de mensagens, dando lugar ao discurso do mundo e
do homem.

Assinalaremos também que o Selo Salomônico se encontra presente em tradições tanto do Oriente como do
Ocidente, e na Tradição Hermética é um dos símbolos que melhor grafam a conhecida sentença da “Tábua
de Esmeralda”, fundamento das leis da analogia e das correspondências: "o que está acima é como o que
está abaixo, o que está abaixo é como o que está acima". Deve-se ter em conta, ainda, uma preeminência
hierárquica do de cima (o Céu) com respeito ao de baixo (a Terra), pois como dissemos, o triângulo inferior
(invertido) é um reflexo do triângulo superior (direito).

Cabalisticamente o valor numérico deste símbolo é 6 (3 + 3), o que o põe em relação com a sefirah Tifereth
que, como sabemos, constitui o coração e o centro da Árvore da Vida, pois nela confluem, entrelaçam-se e
se equilibram as energias das sefiroth restantes. Por isso, também é considerado um símbolo da harmonia e
da síntese, que se fazem presentes em nosso interior quando nos abrimos às verdades eternas e nos deixamos
fecundar por elas. Lembraremos, neste sentido, que o triângulo invertido deste "Selo" é precisamente um
dos símbolos do coração e da copa, recipiendários dos eflúvios celestes.

25
ALQUIMIA

Já dissemos que toda a transmutação alquímica, seja material, psicológica ou espiritual, é produzida pelo
fogo. Quem aspira ao Conhecimento tem de saber que seu fogo interior –a sede pela Verdade e seu amor a
ela– tem que ser constante e contínuo, ou seja, que não se acenda tanto que por sua causa arda e se perca
nosso ânimo, e também que não diminua a ponto de se apagar. É o delicado jogo dos equilíbrios de que
falavam os alquimistas medievais e renascentistas, os quais também aconselhavam que em todas as
operações deviam prevalecer as virtudes da paciência e da perseverança. Na manutenção desse fogo e no
controle natural de sua potência, radicam os princípios fundamentais da Alquimia. Não obstante, para
harmonizar essas energias é imprescindível conhece-las e experimentá-las, sem negá-las nem dá-las por
supostas. Muito pouco sabe o homem ordinário do conhecimento de outras realidades e de si mesmo,
mesmo no mais elementar. Considera que sua "personalidade" (quer dizer, seus egos, fobias e manias) é sua
verdadeira identidade, sem perceber que extraiu esses condicionamentos do meio, de modo imitativo,
carente de significado e de transcendência.

A Ciência Sagrada representa uma guia e um caminho que existe para canalizar nosso processo para o
Conhecimento. O aprendiz alquimista tem de compreender que a mente condicionada não pode consigo
mesma, e que é necessário reconhecer nossa ignorância, que muitas vezes não é senão afeição a descrições
da realidade puramente ilusórias, por meio das quais organizamos nossa existência. A Doutrina Tradicional
constitui uma garantia neste sentido, pois facilita e concentra a manutenção desse fogo interno através do
entendimento gradual que em nossa aprendizagem vamos obtendo de seus ensinos.

26
A ÁRVORE DA VIDA

Queremos aqui insistir sobre o mandala da Árvore Sefirótica com a qual trabalhamos. Sugere-se efetuar
ritualmente a construção de uma nova árvore por sua mão e carregar nela todos os elementos que foram
mencionados até o momento. Igualmente tem que se buscar memorizar os nomes, sua tradução, as
equivalências entre distintas disciplinas, e se exercitar nelas. Tome lápis e papel e se concentre neste
trabalho. Pode também levá-lo ao tridimensional. Os nomes hebreus das sefiroth têm um sentido mágico e
teúrgico que excede sua simples tradução à língua profana. Estes nomes de poder devem ser memorizados
corretamente e invocados em alta voz, seja de maneira metódica, ou quando se julgue oportuno em relação a
fatos e momentos cotidianos. Por esta razão, localizar determinados acontecimentos externos e, sobretudo,
realidades internas nos distintos níveis de si mesmo, são atividades sumamente convenientes. Cada plano,
mundo ou nível de consciência corresponde a uma realidade íntima que vai do mais periférico, concreto e
conhecido (Asiyah), ao mais sutil, invisível e desconhecido (Atsiluth). Estas divisões do diagrama plano são
também mundos ou níveis que os homens portamos dentro de nós. Do conhecido e grosseiro ao profundo e
desconhecido.

Para finalizar, oferecemos uma divisão tradicional dos planos da Árvore da Vida em tríades. O leitor deve
buscar observar atenciosamente o modelo e gravá-lo dentro de si, sem pretender extrair conclusões
racionais. Os efeitos deste aprendizado são vividos de modo secreto, e a Alquimia cabalística se efetua no
jardim químico da mente e, sobretudo, no mais íntimo do coração. Não se pode pretender com os
conhecimentos que atualmente possuímos ter uma idéia clara do processo no qual se está envolvido.

Nota: Observe-se que os três planos superiores são equivalentes a três tríades, ficando a última sefirah
(Malkhuth), exclusivamente em conexão com o plano de Asiyah. Daremos uma última correspondência. A
que relaciona às sefiroth da Árvore com as distintas partes do corpo humano, divisão comum a distintas
Tradições e que no Ocidente se expressa particularmente desde a Idade Média. Lembraremos que para a
Cabala o Cosmo é um homem gigantesco chamado Adam Kadmon, e o ser humano uma miniatura dele:

– Kether, Hokhmah e Binah constituem sua cabeça, estando estas duas últimas sefiroth vinculadas ao olho
esquerdo e direito, respectivamente; desta forma, correspondem a cada um dos hemisférios cerebrais.

– Hesed é relacionada com o braço esquerdo, e Gueburah ao direito, enquanto o coração, ou centro da
Árvore, deve atribuir-se a Tifereth.

– A Netsah a perna e o quadril esquerdo e a Hod a do lado direito, sendo Yesod a que se relaciona aos
genitais, ficando finalmente Malkhuth em relação com os pés.

Temos de lembrar que de acordo às leis da analogia e da natureza dos símbolos, o que é direito desde um
ponto de vista pode ser esquerdo de outro. Portanto, pode também se ver à Árvore de maneira invertida,
como indicado, correspondendo nesse caso à coluna do amor o direito e à do rigor o esquerdo, ou seja, a
imagem de um homem paradigmático vista de frente ou de modo posterior.

Pode o leitor se exercitar em tratar de visualizar estas sefiroth em correspondência com centros sutis de seu
corpo. Se o consegue, é interessante pensar em próximas práticas, incluídas as de inversão de polaridades
de energia.
27
ASTROLOGIA
A Astrologia (Astronomia judiciária) na Antigüidade era a mesma ciência que a Astronomia, só que seu
interesse se centrava na observação dos ciclos e suas reiterações, com propósitos essencialmente
prognosticadores. Assim, a Astrologia lia os destinos particulares com base nos ritmos cósmicos e nas
coordenadas celestes. Em todo caso, Astronomia e Astrologia têm como ponto básico comum a roda
zodiacal, composta de 12 signos, ou estádios que o Sol em seu percurso anual toca. Na realidade, o zodíaco
é imaginário, pois se trata da partição em 12 segmentos da abóbada celeste e constitui um plano ideal
paralelo à eclíptica, ou seja, tangencial ao eixo do mundo. Se a abóbada celeste está representada pelos 360
graus da circunferência, cada uma destas 12 partes ou símbolos, quase todos animais, contará com 30 graus,
e estas se sucederão regularmente ao longo do ciclo anual. O zodíaco é, pois, fundamentalmente, uma
medida do tempo (enquanto os astros se referem mais especialmente ao espaço) e como tal deve se tomar.
Por outra parte, lembraremos que zodíaco significa "roda da vida" e é óbvia a vinculação com o movimento.

A sucessão dos signos é a seguinte: Áries, Touro, Gêmeos, Câncer, Leão, Virgem, Libra, Escorpião,
Sagitário, Capricórnio, Aquário e Peixes. Os 12 signos zodiacais, por sua vez, admitem uma divisão
tradicional quaternária em correspondência com os elementos da Filosofia, da Ciência da Antigüidade e da
Alquimia. A saber:

FOGO: Áries Leão Sagitário


TERRA: Touro Virgem Capricórnio
AR: Gêmeos Libra Aquário
ÁGUA: Câncer Escorpião Peixes

Observe-se que a sucessão dos elementos é constante: fogo, terra, ar, água. Ao terminar a série, voltam a
se reciclar na mesma ordem. Ao longo dos 360 graus da circunferência, os 3 signos referentes ao mesmo
elemento se encontram em distintas porções do círculo, formando um trígono. (Ver figura mais cima
composta de 4 trígonos).

28
FILOSOFIA

O termo Filosofia, de origem grega, significa amor (Philo) à sabedoria (Sophia), ou seja, uma filiação, ou
identidade, com o Conhecimento. Sophia é para os gnósticos uma entidade, um princípio, uma deidade. O
homem pode aspirar a ela, vivenciando-a como um estado de sua consciência. Não esqueçamos que para a
Cabala esta esfera é Hokhmah, Sabedoria, um dos princípios ontológicos do Ser, o que conjuntamente com
sua parelha feminina, Binah, a Inteligência, conforma a base da primeira tríade da Árvore da Vida, e é
atributo, ou nome, da divindade. A autêntica sabedoria, a Filosofia da Antigüidade, não só é uma Ontologia,
e também uma Cosmogonia, senão que toda sua estrutura tende à Metafísica. Em verdade, poder-se-ia dizer
que esta Filosofia é uma Teosofia.

Utilizaremos o termo "Teoria" em sua acepção etimológica, ou seja, o Conhecimento da deidade, ou o


atributo de sua sabedoria, como estado vivido na própria consciência; e o de “Metafísica" (mencionado mais
atrás) como aquilo que está mais além da física, incluindo não só o mundo material, senão o psicológico, e
mesmo o dos princípios do Ser (ontologia), e que se acha desde logo muito longe do percebido pelos
sentidos, e do expressado pelos fenômenos, segundo a apreciação corrente que costumamos ter dos mesmos.
Este amor à Sabedoria, atributo do Ser Universal, leva à identificação com esse princípio, que se Conhece e
que se percebe no interior da consciência. O mesmo é válido para a compenetração com a Inteligência
Universal. Desgraçadamente, com o obscurecimento gradual dos tempos em que vivemos, a Filosofia tem
perdido sua luz primigênia e terminou por se converter num mero jogo dialético, ou num exercício retórico e
racional que não pode se evadir de sua própria sistematização.

29
CABALA

Em nosso último diagrama, vimos a divisão em tríades das sefiroth da Árvore da Vida. Ali se pode perceber
que aquelas se correspondem com os três mundos cabalísticos mais elevados, ficando a última numeração
(Malkhuth) como receptáculo das emanações sefiróticas, que por esta divisão em tríades incluem em sua
forma os três princípios: ativo, passivo e neutro que caracterizam as colunas ou pilares de nosso modelo
cabalístico.

Lembraremos que a primeira tríade, conformada pelas "numerações" mais elevadas (1, 2, 3), ou Princípios
Universais, está composta por Kether (Coroa), Hokhmah (Sabedoria) e Binah (Inteligência), conformando o
mundo de Atsiluth, ou das Emanações, simbolizado também pelos três primeiros números da escala decimal.
Kether é a Unidade e, como tal, a primeira determinação; costuma-se chamar a Hokhmah de “Pai” e a Binah
de “Mãe”, como geradores do desenvolvimento cósmico.

Ainda que três em aparência desde o ponto de vista do manifestado, estes Princípios conformam em si
mesmos a Unidade do Ser, a ontologia suprema, à qual precisamente eles simbolizam. Como dissemos,
Kether é o Conhecimento, ou o Bem, enquanto Hokhmah é o sujeito ativo e Binah o objeto passivo
(receptivo) desse Bem ou Conhecimento essencial.

A segunda tríade (4, 5, 6) está composta pelas sefiroth Hesed (Graça, Amor, Misericórdia), Gueburah
(Rigor), também chamada Din (Juízo), e Tifereth (Beleza ou Esplendor). Elas conformam o Mundo
prototípico de Beriyah, ou da Criação, reflexo direto do mundo arquetípico de Atsiluth, como bem o
expressa o triângulo invertido, que simboliza o descenso das energias divinas no seio da manifestação.
Hesed é o princípio construtor, enquanto Gueburah representa o princípio destruidor, ainda que ambos
surjam simultaneamente da tríade superior como duas energias necessárias, que se neutralizam e se
equilibram em Tifereth. Se do seio de Hesed surgem todas as criaturas e seres que têm de se manifestar (os
que ele assinala com seu Amor e Misericórdia inesgotáveis), de Gueburah emana o Rigor imprescindível
que põe limites à energia expansiva de Hesed, discriminando assim tudo o que é supérfluo e desnecessário
no processo criativo. Tifereth, a Beleza divina, aparece então como o Centro onde esses opostos aparentes se
conciliam, manifestando a Unidade e o Ser em todas as coisas.

A terceira tríade (7, 8, 9) da Árvore da Vida está composta pelas sefiroth Netsah (Vitória), Hod (Glória) e
Yesod (Fundamento). Elas constituem o Mundo de Yetsirah, ou plano das Formações, assim chamado
porque é nele onde as idéias informais do plano de Beriyah tomam forma sutil, constituindo propriamente o
domínio psíquico da manifestação. Corresponde-se então com as "Águas Inferiores", reflexo invertido (e em
certo modo ilusório) das "Águas Superiores" de Beriyah. Netsah e Hod emanam diretamente de Tifereth,
ainda que, como podemos comprovar, por sua localização nos pilares laterais da Árvore, estão relacionadas
com Hesed e Gueburah, respectivamente. Por isso Netsah é uma energia ativa e expansiva, onde esses
mesmos princípios informais (que são todos os seres antes de manifestar-se) se refratam numa
multiplicidade indefinida, que adquirem sua forma sutil graças à intervenção da energia passiva e contrativa
de Hod (a que, no entanto, também lhes dá a morte, ou a transformação, necessária em seu caminho de
retorno à Origem). Desde o ponto de vista do homem, Netsah é a Arte verdadeira, que nos conduz aos
arquétipos e ao Espírito, e Hod é o Rito com o que sacralizamos o tempo e o espaço e vivificamos os seres
míticos, identificando-nos com eles. A permanente e mútua inter-relação entre Netsah e Hod gera a sefirah
Yesod, que aparece assim, justamente, como o fundamento necessário, graças ao qual essas formas descem
ao plano físico e material, que é propriamente Asiyah.

Neste último plano, ou Mundo da Concreção Material, só se encontra a sefirah Malkhuth (10), chamada o
"Reino". Ela é a Terra ou Mãe inferior, que se considera como o recipiente substancial de todas as energias
invisíveis que descem da Árvore, e onde estas adquirem realidade sensorial. Na Cabala, é considerada como
a Esposa do Rei (que é Kether), manifestando desta maneira a presença da Unidade na corrente sempre
passageira das formas perecíveis.

30
ALQUIMIA

A Arte alquímica, ao tratar da transmutação dos metais, considera estes como os símbolos das mudanças
psicológicas que nos primeiros tempos operam no aprendiz, que estudando com concentração e paciência os
textos sagrados e os vivenciando em seu Atanor interno, irá observando as transformações que produz uma
nova visão. Desta maneira, perceberá coisas que se lhe escapavam, detalhes nos quais não reparava, e que se
lhe vão apresentando carregados de significação. O fascinante processo das transmutações metálicas gera no
aspirante uma reverente discrição. Por isso a ciência alquímica é um espelho em que o aprendiz deve se
olhar para compreender a estrutura do Cosmo, sua própria constituição. Neste sentido, a busca e a
investigação tradicional é especialmente importante.

Por outro lado, relacionamos o processo alquímico com o processo de iniciação, conhecido e praticado
desde sempre pela Tradição Unânime e pela Antigüidade. Esta é a Alquimia espiritual, que não se
contrapõe, mas, muito pelo contrário, complementa-se com as operações materiais, psicofísicas. A
transmutação interior se expressa na psique como uma revolução ou regeneração de valores completa, que
inclui a morte do velho homem e o nascimento do Novo Homem. Esta gestação se compara com o
nascimento de um mundo, pelo que se corresponde com a Cosmogonia. Por outra parte, o Caminho ou Via
iniciática é também réplica do percurso da alma post mortem e inclui a imersão no país dos defuntos. O
alquimista, sujeito e objeto desta ciência, deve velar, forçar-se a compreender, ainda que paradoxalmente
saiba que os resultados de sua arte só se obtêm com suma paciência e cuidado, e que em ocasiões tem de
redobrar esforços. A deidade é permanente assombro e não se deixa conhecer sem sacrifício, ou seja, sem
um "ato ou ação sagrada", que é o que a palavra sacrifício (do latim sacrum facere) quer dizer exatamente.
Desta forma, é sabido que os alquimistas da Antigüidade, como os medievais e renascentistas, usavam da
oração como um meio efetivo de transmutação e de comunicação com o espírito e a alma do mundo, que
através de seus eflúvios temperavam seu caráter.

31
ARITMOSOFIA E GEOMETRIA

Os símbolos geométricos têm, como dissemos antes, uma relação simbólica precisa com as cifras
matemáticas. Como se verá, a cada número corresponde exatamente uma ou mais figuras da Geometria;
poderíamos dizer que estas são a representação espacial das mesmas energias que os números também
expressam à sua maneira.

Como todos os números podem ser reduzidos aos nove primeiros (por exemplo, o número 8765 = 8 + 7 + 6
+ 5 = 26 = 2 + 6 = 8, e desse modo poderíamos proceder com qualquer número maior que nove), limitar-
nos-emos por agora a descrever sucintamente o simbolismo dos nove primeiros números, mais o zero.

1 – O número um, e seu correspondente o ponto geométrico, representando aparentemente o menor, contém
em potência, no entanto, todos os demais números e figuras. Sem ele nenhum outro poderia ter existência
alguma. Todo número está constituído pelo anterior mais um, bem como toda figura geométrica nasce a
partir de um primeiro ponto; ou seja, que este gera todas as demais.

·
O Um simboliza a Origem e o Princípio único do qual derivam os princípios universais, e também o Destino
comum ao qual todos os seres têm que retornar. É, segundo a máxima Hermética, "o Todo que está em
Tudo", ou seja, o Ser Total.

Ainda que o ponto e o um sejam uma primeira afirmação (proveniente de uma página em branco ou do zero,
ou do Não-Ser), normalmente se os descreve melhor em termos negativos, posto que representam o
indivisível, o imutável, ou seja, o motor imóvel, pai de todo movimento e manifestação.

A meta primeira dos trabalhos iniciáticos é atingir a consciência de Unidade

2 – O número dois simboliza o primeiro casal, que se dividindo da Unidade opõe seus dois termos entre si,
ao mesmo tempo em que os complementa. Diz-se que constitui o primeiro movimento do Um, que consiste
no ato de se conhecer a Si Mesmo, produzindo uma aparente polarização: o sujeito que conhece (princípio
ativo, masculino, positivo) e o objeto conhecido (passivo ou receptivo, feminino e negativo). Desde a
perspectiva da Unidade esta polarização ou dualidade não existe, pois o ativo e o passivo (yang e yin no
extremo Oriente) contêm uma energia comum (Tao) que os neutraliza, complementa, sintetiza e une (já se
vislumbra aqui o três); mas desde o ponto de vista do ser manifestado, esta dualidade está presente em toda
a criação: noite e dia, céu e terra, vida e morte, luz e obscuridade, macho e fêmea, bem e mal se encontram
na própria gênese do ato criacional, e a partir dali, toda manifestação é necessariamente sexuada.

O dois é representado geometricamente com a linha reta:

3 – Mas como dissemos, para que a dualidade se produza tem de ter sempre um ponto central do qual nasce
a polarização:

O três se corresponde com o triângulo eqüilátero (símbolo da triunidade dos princípios e representa à
Unidade enquanto ela conjuga todo par de opostos. As três colunas da Árvore, suas tríades e os três
princípios da Alquimia de que falamos assim o testemunham; e podemos também encontrar esta lei ternária
nas três cores primárias (azul, amarelo e vermelho) de cuja combinação nascem todas as demais; nas três
primeiras pessoas da gramática (eu, tu, ele); nas três faces do tempo (passado, presente e futuro); nas três
notas musicais que compõem um acorde (dó, mi, sol, por exemplo); e nos três reinos da natureza (mineral,
vegetal e animal), etc.:

Na dualidade céu-terra o terceiro elemento é o homem verdadeiro (o Filho) que os une, conjugando assim o
material e o espiritual.

4 – Se o ponto não é dimensionável, a reta expressa uma primeira dimensão e o triângulo é de duas
dimensões (é a primeira figura plana), o número quatro é o símbolo da manifestação tridimensional, como
se vê na geometria no poliedro mais simples (nascido do triângulo com um ponto central), o tetraedro
regular de quatro faces triangulares:
Diz-se que os três primeiros números expressam o imanifestado e incriado e que o quatro é o número que
assinala toda a criação. Por isso, divide-se o espaço em quatro pontos cardeais, que ordenam toda a medida
da terra (geo = terra, metria = medida), e se divide todo ciclo temporal em quatro fases ou estações, como
vimos.

A representação estática do quaternário é o quadrado e seu aspecto dinâmico está expresso no símbolo
universal da cruz:

Queremos lembrar aqui o que mencionamos referente aos quatro mundos da Árvore Cabalística e aos quatro
elementos alquímicos e apontar que estes se relacionam na tradição judaica com as quatro letras do
Tetragramaton ou nome divino (YHVH).

Também apontar de passagem que, segundo a chamada lei da tetraktys que estudavam os pitagóricos, o
quatro, como a criação inteira, reduz-se finalmente na unidade:

4 = 1 + 2 + 3 + 4 = 10 = 1 + 0 = 1

5 – O cinco, que é o central na série dos nove primeiros números, na geometria aparece quando a unidade se
faz patente no centro do quadrado e da cruz:

Este ponto médio representa o que em Alquimia se denomina a quintessência, o éter, o quinto elemento que
contém e sintetiza os outros quatro e que simboliza o vazio, a realidade espiritual que penetra em cada ser
unindo tudo dentro de si.

No símbolo tão conhecido da pirâmide de base esquadrejada, esse ponto central se coloca em seu vértice,
mostrando assim que essa unidade se encontra em outro nível ao que conflui o quaternário da manifestação:
O número cinco –que se representa também geometricamente com o pentágono– é relacionado com o
homem ou microcosmo, já que este tem cinco sentidos, cinco dedos nas mãos e nos pés, e cinco
extremidades (contando a cabeça), pelo que se pode vê-lo inscrito numa estrela de cinco pontas:

fig. 3

6 – A tríade primordial se reflete na criação como num espelho, o que se representa com a Estrela de David
ou Selo salomônico, e também com o hexágono:

Se vimos as três cores primárias (azul, amarelo e vermelho) no primeiro triângulo, as três secundárias, que
completam as seis do arco íris, nascidas da combinação daquelas (verde, laranja e violeta) colocam-se no
segundo triângulo invertido.

Na geometria espacial é o cubo aquele que representa ao senário, já que este tem seis faces –como se
observa no símbolo do dado, de origem sagrada–, das quais três são visíveis e três invisíveis. A esfera
(como o círculo) simboliza o céu, e o cubo (como o quadrado), a terra:

Por outra parte, se pomos as faces do cubo no plano, produz-se o símbolo da cruz cristã, que se relaciona
também por esse motivo com o seis:
Outro modo de representar geometricamente o seis é por meio da cruz tridimensional, ou de seis braços, que
marcam seis direções no espaço: encima e embaixo, adiante e atrás, direita e esquerda:

7 – O sete, como o quatro, representa a unidade em outro plano, já que pode se reduzir ao um da mesma
forma:
7 = 1 + 2 + 3 + 4 + 5 + 6 + 7 = 28 = 2 + 8 = 10 = 1 + 0 = 1

Na geometria, o setenário pode ser representado com o heptágono e com a estrela de sete pontas, mas,
sobretudo, é visto quando se agrega às figuras que simbolizam o seis seu ponto central ou unidade
primordial (observe-se que as duas faces opostas de um dado sempre somam sete):

São variadíssimas as manifestações do número sete no simbolismo esotérico. Mencionaremos de passagem


as mais conhecidas: são sete os dias da criação (seis mais o de descanso) em correspondência com os dias da
semana, os planetas e os metais como já vimos. Este número representa uma escala de sete degraus –
relacionada com as sete notas da escala musical e com os sete chakras do Kundalini Yoga–, bem como com
os sete arcanjos e os sete céus em correspondência com sete estados da consciência:

Diz-se que este número se produz pela soma dos três princípios mais os quatro elementos, aos que também
podemos vincular com as sete artes liberais da Tradição Hermética, constituídas pela soma do trivium
(gramática, lógica e retórica) e do quadrivium (matemática, geometria, música e astronomia).

8 – Se na geometria plana, como apontamos, o círculo é símbolo do céu e o quadrado da terra, o octógono
vem ser a figura intermédia entre um e outro através da qual se consegue a misteriosa circulatura do
quadrado e a quadratura do círculo, que nos fala da união indissolúvel do espírito e da matéria.

O oito, diz-se, é símbolo da morte iniciática e da passagem de um mundo a outro. Por isso o encontramos no
simbolismo cristão, tanto nas pias batismais (na passagem entre o mundo profano e a realidade sacra) e na
divisão octogonal da cúpula (que separa simbolicamente a manifestação e o imanifestado) bem como no
símbolo da rosa dos ventos, idêntico ao timão das embarcações:
9 – Considera-se o nove como um número circular, já que é o único que tem a particularidade de que todos
seus múltiplos se reduzem finalmente a ele mesmo (ex.: 473 x 9 = 4257 = 4 + 2 + 5 + 7 = 18 = 1 + 8 = 9).

Este número (que é o quadrado de três) representa-se na geometria com a circunferência, a que se assinalam
360 graus (3 + 6 + 0 = 9) e que se subdivide em duas partes de 180º (1 + 8 + 0 = 9), em quatro de 90º (9 + 0
= 9) e em 8 de 45º (4 + 5 = 9).

No entanto, a circunferência não poderia ter existência alguma se não fosse pelo ponto central do qual seus
indefinidos pontos periféricos não são senão os múltiplos reflexos ilusórios a que esse ponto dá lugar.

Se adicionarmos à circunferência seu centro, obteremos o círculo (9 + 1 = 10) com o que se fecha o ciclo
dos números naturais.

32
A RODA E A CRUZ

O símbolo da roda (a esfera, na tridimensionalidade) está estreitamente associado com o do círculo, do qual
já falamos. Tal como este, também se encontra em todos os povos tradicionais, o que nos fala de sua
primordialidade, atestando assim sua importância como veículo para o entendimento dos mistérios da
Cosmogonia, considerada como um suporte vivo que nos permite ter acesso ao conhecimento da Metafísica
e das verdades eternas. Aliás, ambos os símbolos se referem às mesmas idéias, pois respondem à idêntica
estrutura: um ponto central e a circunferência a que este dá lugar por sua irradiação.

Lembraremos que o ponto central simboliza a Unidade, o Princípio Supremo, e a circunferência, a


manifestação universal, o mundo ou Cosmo entendido em sua totalidade, que uma vez manifestado graças à
emanação do Princípio, retorna novamente a ele, cumprindo assim um duplo movimento de expansão e
concentração, centrífugo e centrípeto –solve et coagula da Alquimia–, que encontramos presente no próprio
ritmo cardíaco e no expirar e aspirar respiratório.

Queremos destacar também as vinculações da roda com outros símbolos, como o da cruz, que precisamente
conforma sua divisão quaternária fundamental, como já se disse, e que constitui sua estrutura interna, que
permite conectar o ponto central com a circunferência ou, o que dá no mesmo, a Unidade com a
manifestação universal, caracterizada pelo movimento incessante, o que é promovido justamente pela
rotação da cruz em torno do centro, que, no entanto, permanece totalmente imóvel, simbolizando desta
maneira a imutabilidade do Princípio.

Esse movimento criacional gera também o espaço e o tempo (e com eles a possibilidade da vida em todas
suas expressões), ordenados pelos raios da cruz, como muito bem expressam as quatro direções e as quatro
estações, as que por certo estão assinaladas pelas respectivas posições do sol, cujo símbolo astrológico, e
também alquímico, não é outro senão o ponto e a circunferência.

A roda, com a cruz em seu interior, é igualmente a imagem de todo ciclo, que se divide segundo o modelo
quaternário: as quatro fases da lua, do dia e do ano, as quatro idades da vida do homem, as quatro grandes
divisões do ciclo cósmico (chamado Manvántara pela tradição hindu), que compreendem a manifestação
inteira do mundo e da humanidade, etc.

Naturalmente o círculo admite também outras divisões, que se adicionam a sua simbólica e a enriquecem,
como é o caso da partição em seis, oito e doze raios. Neste último caso temos o do zodíaco, que além de
“roda da vida", em outras tradições também significa "roda dos signos” e ”roda dos números".

33
CONSTRUÇÃO DA ÁRVORE DA VIDA
Primeiro passo: trace o pilar central ou eixo
vertical.

Segundo passo: trace 4 círculos segundo o


modelo, utilizando o eixo vertical e os pontos
de intersecção com este dos círculos
precedentes, como ponto central dos
seguintes.

Terceiro passo: trace as sefiroth utilizando as


intersecções exteriores dos círculos como
pontos centrais, tal e qual aparece no gráfico.

4
O SÍMBOLO DA HORIZONTAL E DA VERTICAL
Entre os símbolos geométricos que revelam a estrutura do Cosmo encontramos o da horizontalidade e o da
verticalidade. Ainda que se trate de uma só linha reta, esta, ao adotar duas posições distintas, permite-nos
compreender outras tantas leituras da realidade que, no entanto, se complementam, tal qual podemos
observar em outros símbolos fundamentais, como é o caso da cruz e do esquadro, que se formam pela união
num ponto da linha horizontal e da vertical.
À primeira vista, a horizontal simboliza a terra e a matéria, o tempo sucessivo que progride indefinidamente
num plano ou nível de realidade sem possibilidade aparente de sair dele. Refere-se, em suma, à leitura literal
e puramente fenomênica que o homem tem de si e do mundo. No entanto, graças ao duplo sentido que
possui todo símbolo, também simboliza a submissão à lei que regula a retidão em nosso comportamento.
Esotericamente representa um estado de passividade e quietude interior que faz possível a receptividade das
influências espirituais.
São precisamente essas influências que simbolizam a vertical. E se a horizontal se refere ao tempo
sucessivo, a vertical, por sua vez, representa o tempo simultâneo e sempre presente que, ao ser percebido na
consciência, libera-nos dos condicionamentos e limitações terrestres. No homem, esse eixo vertical,
essencialmente ativo, incide diretamente sobre seu coração, o centro de seu ser, e a partir daqui é que
começa a ascender e conhecer outros estados cada vez mais sutis de si mesmo, do Universo e do Ser.
Tudo isto está perfeitamente representado no simbolismo construtivo (do qual mais adiante trataremos),
onde a horizontal equivale ao nível e a vertical ao prumo. Assim, a horizontal (a terra) é o plano de base do
templo, que o homem percorre em sucessivas etapas até atingir o altar ou centro desse plano, no qual se
encontra o ponto de conexão com o eixo vertical, que o comunica diretamente com a chave de abóbada da
cúpula (o céu), que representa o centro do Ser total, além da qual se encontram seus estados supra-
individuais e supra-cósmicos, aonde achará sua autêntica Libertação e Suprema Identidade.

35
OS TRÊS GUNAS
Conquanto a Tradição Hermética constitui uma via do Ocidente para o Conhecimento, isso não significa
que não guarde estreitas analogias com outras tradições que também manifestam o mesmo. Tal é o caso da
tradição hindu, sua Teogonia e Cosmogonia. Dela queremos destacar os três Gunas, que representam
energias ou princípios presentes em todas as coisas. A primeira é Sattwa, assimilada à energia sutil e celeste,
à qual se opõe Tamas, identificada com a atração gravitacional da densidade da Terra. A força de uma é
invertida com relação à outra. Mas ambas em um ponto se unem, complementando-se. Sattwa e Tamas se
encontram sobre um mesmo eixo vertical em diferentes níveis. E a distância média entre elas é o lugar em
que se conjugam. Esta identificação e neutralização dá lugar a uma terceira energia, gerada pela expansão da
potência das outras duas, gestando um plano de irradiação horizontal, listras, que é a projeção das energias
opostas do plano vertical, a qual junto com elas, e como princípios presentes em todas as coisas, no Cosmo
inteiro, dará lugar ao Mundo.

36

A RESPIRAÇÃO

A respiração é a forma que tem o homem de se conectar com o universo. Respiração é vida e bem se diz
assim quando se fala do hálito vital. É também a maneira com a qual o universo se comunica conosco, da
qual colhemos a energia necessária para a existência. A respiração é rítmica, e isto é o primeiro que percebe
aquele que quer tomar consciência dela. Estes ritmos respiratórios, divididos em duas grandes categorias,
conhecem-se como a aspiração e a expiração. Pela primeira, sabe-se, o homem recebe o alento cósmico.
Pela segunda o devolve, uma vez que obteve por seu meio o sustento imprescindível. Desde o ponto de vista
do macrocosmo ou do universo, seu expirar corresponde à aspiração do homem e sua aspiração à expiração
deste. Homem e mundo, microcosmo e macrocosmo, participam da só e única realidade do Verbo. A
respiração é, pois, algo transcendente, da qual é importante tomar consciência, já que, como se vê, é um
meio poderoso e singelo ao alcance de qualquer um para poder entender em nosso pequeno espaço, em
nosso laboratório alquímico, e com nossas imagens, as realidades cosmológicas que se refletem no homem,
pois este foi gerado com o próprio modelo do Cosmo.
Como se vê, esta alternância dos ritmos conforma um ciclo binário igualmente válido para toda criação:

Como se pode observar, estes opostos se complementam, e um não poderia ser sem o outro. Por outra parte,
é sabido que os ciclos respiratórios estão em correspondência direta com outros do corpo humano: a
circulação do sangue (diástole e sístole), e também com a assimilação alimentícia (ingestão e excreção).

Todos estes movimentos naturais, assinalados pelo binário, manifestam-se também no quaternário, que os
fixa, equilibra e harmoniza, refletindo-o dois a dois. Esta figura do círculo, dividida por uma cruz, será a
figura central com a qual agora trabalharemos e sobre ela meditaremos e praticaremos nossas concentrações.

37

ASTROLOGIA

Os signos zodiacais admitem uma divisão quaternária relacionada com os elementos da tradição greco-
romana e alquímica (ver N.Å 21).

Os três de Fogo:

ÁRIES: O Cordeiro é o primeiro signo da roda zodiacal, aonde esta começa sua rotação retrógrada.
Sua energia é vital, e tem que ter a força necessária para mover toda a roda sob seu impulso. Seu regente é
Marte, deus da guerra e se lhe costuma fazer ligação com a violência, mas sempre com a energia necessária
a toda ação paciente e duradoura. Se a paixão é um de seus atributos, a experiência leva a temperar o caráter
de Áries e a enriquecer suas virtudes.

LEÃO: Colocado no centro do solstício de verão, a localização de Leão (o leão, o Rei da Selva) no
meio do ano e em metade do verão, fazem dele um signo tão ardente como resplandecente. O amarelo
dourado do leão, o sol (que o rege), e o ouro, conjugam-se no brilho de Leão, que o leva à maturação dos
frutos.

SAGITÁRIO: O fogo de Sagitário (o arqueiro) não é arrebatador, nem se deixa ganhar por uma
excessiva euforia. Os grandes ardores passaram, e o calor vem dando lugar à luz clara de Sagitário, onde os
contornos das coisas se perfilam como mais nítidos. Sagitário, regido por Júpiter, envia sua flecha para o
Sol, devolvendo a este a seiva da vida que dele recebeu.

Os três de Terra:

TOURO: É caracterizado pelo touro, animal obviamente relacionado com a terra, cuja força de
trabalho, teimosia e insistência são conhecidas. A extraordinária vitalidade de Touro supera seus
próprios esforços e, vez por outra, arremete sobre seus propósitos e contra seus inimigos, obtendo assim
conquistas e resultados constantes. O touro é um símbolo interno de abnegação e luta, que com o tempo tem
de terminar com sucesso, pois sua fortaleza está unida à perseverança. É um signo regido por Vênus.

VIRGEM: É conhecido por sua sensatez e sua paciência, à qual une um caráter prático e sereno. É
singelo e muito afeiçoado a suas maneiras, e pensa não precisar da imaginação porque sabe que esta
pode perturbá-lo. O planeta Mercúrio rege o signo da Virgem e lhe agrega uma mobilidade imprescindível e
apenas suficiente

CAPRICÓRNIO: A cabra firma seus pés sobre a terra e em delicado equilíbrio se impulsiona para o
mais alto do morro, descobrindo caminhos praticamente inacessíveis para todos os outros animais.
Se for importunada, investe sem se fixar. Se for deixada livre, ascende por sua própria natureza destemida,
constante e escaladora. Saturno rege este signo e o faz profundo.

Os três de Ar:

GÊMEOS: Os gêmeos constituem o primeiro signo de ar e, como tal, se expandem ao longo do ano.
Regidos por mercúrio, são dois redemoinhos de vento que se unem num ponto, manifestando a
imobilidade e a evolução. Os análogos se atraem e se repelem e, nessa constante dança cósmica, as coisas se
reproduzem de maneira natural.

LIBRA: Aporta em sua balança o segredo do equilíbrio. Regido por Vênus, seu ar é um sopro
contínuo, uma brisa temperada e conservadora. No entanto é versátil, e o menor influxo pode fazê-la
mudar. Reta na intenção, chega às vezes ao desequilíbrio, para voltar a se harmonizar.

AQUÁRIO: Se o ar se estabilizou, pode, no entanto, transformar-se repentinamente num


redemoinho, num ciclone ou num Furacão. O vento do signo do Aguador é criador, e dele surgem as
possibilidades germinais de outras realidades. Passados os efeitos do furacão, a terra nasce como nova e
beneficiada.

Os três de Água:

CÂNCER: A água irriga com sua fertilidade as maravilhas da terra, às quais fecunda. A água é
passiva com respeito ao fogo, e como tal se a pode ver em lagos e rios. A imaginação e a criação
assinalam o signo do caranguejo como a potência generativa, ou núcleo das grandes possibilidades.
Seu regente é a lua.

ESCORPIÃO: Signo de água, o Escorpião se revolve sobre si mesmo, e finca sua cauda envenenada
em seu próprio corpo, que permanentemente ressuscita. Seu veneno é fatal, e o caráter deste signo,
vinculado com os genitais, surpreende por sua complexidade e profundidade. Seu regente é Marte. Talvez
seja o signo mais forte do zodíaco, sobretudo na época atual.

PEIXES: Simboliza águas mais mansas do que as de Escorpião. Os peixes nadam cômoda e
relaxadamente sem se preocuparem demasiado pelas coisas. Sua comodidade lhes é quase
indispensável, já que sem ela não podem viver, tal é seu costume. Seu caráter aparece como frágil e
com fluidez se manejam pelo mundo.

38

RESPIRAÇÃO: OS CICLOS

O estudo dos ciclos predispõe a mente a uma forma de conceber o tempo de maneira diferente, não linear,
senão circular, engrandecendo assim nossa percepção, nosso espaço consciente, universalizando-o. O ciclo
binário, e sua potencialidade criativa (4 = 22), é o que conforma qualquer ciclo quaternário de ida e retorno e
a ele trataremos de adequar nossa respiração.

EXERCÍCIO RESPIRATÓRIO:

a) Sente-se cômoda e corretamente. Faça-o à oriental (com as pernas cruzadas debaixo das cadeirinhas),
ou à ocidental (retamente numa cadeira), é muito importante conservar a vertical.

b) Uma vez relaxado, feche seus olhos e imagine um círculo, com seu ponto central destacado e sua
circunferência. Melhor ainda, se possível, construa previamente esta figura em papel, cartão ou outro
material e a observe fixa e atenciosamente durante alguns minutos. Logo, com os olhos fechados, projete-a
sobre um fundo imaginário. Concentre-se alternativamente sobre o ponto central e a circunferência. Sinta
pouco a pouco o fluir de sua respiração.

c) Figure-se que é você o ponto central de uma circunferência gigantesca. Esse círculo é uma esfera, e você
é o centro e o eixo dela. Com sua respiração ela se contrai e se dilata, desce e ascende a energia, e se
escurece e clareia essa esfera ao ritmo respiratório.

Isto é tudo por agora. Tomem-se entre 15 e 30 minutos ao todo para efetuá-los. Não é conveniente fatigar-
se. Não se ponha demasiado eufórico ou se desanime pelos resultados obtidos. A persistência diária é
necessária e o melhoramento neste treinamento é progressivo.

39
ASTROLOGIA

Como se sabe, o signo ao qual pertence uma pessoa é o natal, ou seja, o assinalado pela época em que o Sol,
em seu passo anual, toca a roda zodiacal no ponto correspondente ao momento do nascimento. Damos, na
continuidade, as datas às quais pertencem os distintos signos do ano, com referência ao calendário civil:

ÁRIES: 21 de março a 20 de abril - Touro: 21 de abril a 20 de maio - GÊMEOS: 21 de maio a 20 de junho -


CÂNCER: 21 de junho a 20 de julho - LEÃO: 21 de julho a 21 de agosto - VIRGEM: 22 de agosto a 21 de
setembro - LIBRA: 22 de setembro a 21 de outubro - ESCORPIÃO: 22 de outubro a 20 de novembro -
SAGITÁRIO: 21 de novembro a 20 de dezembro - CAPRICÓRNIO: 21 de dezembro a 20 de janeiro -
AQUÁRIO: 21 de janeiro a 19 de fevereiro - PEIXES: 20 de fevereiro a 20 de março. (Revisar, pois varia a
cada ano).

Outra coisa muito importante na determinação astrológica é o signo ascendente, que está em
correspondência com a hora do nascimento, e também com o lugar em que este se produziu. As posições da
lua e dos outros planetas também põem uma importância chave em sua carta natal. O Horóscopo é a
interpretação desta carta de acordo a coordenadas e parâmetros harmônicos e ritmos estelares.

É interessante conhecer o próprio horóscopo, como meio indireto e sugestivo de perceber nosso caráter e
circunstâncias temporais.

40

ALQUIMIA

Os princípios alquímicos, bem como os metais, não devem confundir-se com as substâncias que os
simbolizam. O alquimista aprendiz, conjugando e ordenando estas energias sutis, experimenta a
transmutação que sua Ciência promove, utilizando para isso o Atanor, esse forno ou caldeira onde cozinhará
sua obra.

O Cosmo todo pode ser observado como um grande Atanor no qual estas forças se inter-relacionam,
opondo-se e se conjugando perpetuamente, tal qual o afirma o Corpus Hermeticum. No interior do
alquimista (microcosmo) ocorre o mesmo: estes princípios e elementos se combinam entre si produzindo
desequilíbrios, combustões, alterações e contradições. Mas o iniciado sabe que no constante desequilíbrio
das partes em que aparentemente o Cosmo se divide, radica o equilíbrio do conjunto, a ordem do todo.

Temos de dizer também que o Atanor está construído em quatro níveis sobrepostos, e pode ser considerado
como uma reprodução em miniatura do macrocosmo, e igualmente do microcosmo, ou seja, do universo e
do homem. Estes quatro níveis se equivalem aos quatro planos ou mundos da Árvore Sefirótica, pelo que
seria muito interessante serem feitas as respectivas correspondências entre um e outro. No primeiro nível se
encontra o fogo indispensável para a Obra. O segundo e o terceiro, onde se cozem propriamente as
substâncias, são verdadeiramente transformadores, e às vezes se os costuma considerar como um só corpo.
No quarto nível, as formas e a matéria se volatilizam e existem de uma maneira distinta e transcendente. Os
gases, que ocupam a parte superior do Atanor, estão vinculados com o sutil, enquanto a substância da
Grande Obra se relaciona com o denso. Este processo de perpétuo refinamento e reciclagem de energias é a
chave da Alquimia, que costuma trabalhar a favor do Tempo. A transformação da matéria num modo de
realidade diferente é o propósito do sábio alquimista.

Isto, no entanto, é ignorado pelo homem ordinário, que se deixa levar pela corrente da manifestação
universal, que vai do sutil ao grosseiro, do único ao múltiplo. Esta corrente, que está destinada a destruir,
separar e dividir, é a que impera no mundo profano; mas o adepto avança num sentido inverso: do denso ao
etéreo, construindo a ordem a partir do caos, unindo os fragmentos dispersos da multiplicidade da
manifestação transitória e aparente e sempre procurando, e finalmente achando, a perfeição que simboliza o
ouro, o "elixir da imortalidade" ou a Pedra Filosofal, a realidade única que transcende toda manifestação.

41

EXERCÍCIO RESPIRATÓRIO

Volte a repetir os três exercícios a, b, e c do N.Å 38.

Adicionaremos um exercício respiratório a esta sucessão.

d) Sincronize a respiração com as pulsações sanguíneas, que podem ser percebidas nos pulsos, ou na
garganta (na jugular). Conte 4, 6 ou 8 pulsações –o lapso no qual se sinta mais cômodo– e aspire nesse
mesmo ritmo. Logo, expire num intervalo semelhante, assim tenha você tomado como protótipo qualquer
número de pulsações, a sua eleição (4, 6 ou 8, etc.). Acomode-se, aspire e expire nesse ritmo constante
durante 5 a 10 minutos, tratando de que seja com naturalidade. Siga conscientemente o ciclo respiratório
sem abandonar os exercícios de visualização precedentes. Trata-se de conjugá-los. Deixe-se fluir. Você está
relaxado, sentado comodamente, com seus braços e mãos descansados. Suas preocupações o abandonam e
o mesmo vão fazendo seus pensamentos, e você com eles. Permita-se que brote, ainda que seja
incipientemente, pouco a pouco, seu manancial interno. Nada, em verdade, salvo os fantasmas de sua
mente, pode impedir seus propósitos.

Realize-os durante 15 a 30 minutos diários.

Queremos dizer algumas palavras sobre o aspecto cerimonial de nossos estudos e trabalhos, pois estamos
acostumados a viver num mundo que não faz distinções entre o sagrado e o profano, e que, portanto,
desconhece as hierarquias espirituais internas.

Não é raro que o velho homem que coexiste conosco negue toda possibilidade de salvação de maneira
inconsciente, ou trate de "consumir" o conteúdo deste programa. Há um tempo e um espaço sagrados, que
se correspondem com os aspectos mais altos do ser, cada vez mais livre de seus inumeráveis egos e paixões
que tratam de subjugá-lo. É sumamente conveniente fomentar a realização desse espaço e tempo diferentes
e para esse efeito o rito e a invocação, e o respeito pelo sagrado, devem se modificar, desde o princípio, em
nossa vida diária. Para o caso destes trabalhos e práticas, aconselha-se uma hora determinada –que bem
pode ser noturna, quando as vibrações do meio se calam– e um lugar para as realizar –localizado de
preferência olhando para o norte ou para o oriente– por pequeno que seja. Desta Forma, sublinhamos o
conveniente de ter um lugar especial relacionado com o material de Agartha. Isto se deve à necessidade de
distinguir, em qualquer nível, a diferença que existe entre duas visões, ou leituras absolutamente distintas
da realidade. A do homem ordinário, ou profana, e a do aspirante ao Conhecimento, ou sagrada. Fazendo-
se a escusa de que o sagrado, ou metafísico, não é o que hoje em dia se entende por "religioso", ou
"piedoso", e que o profano não é aquilo que o "moralismo" possa condenar como tal. O sagrado, ou
metafísico, excede amplamente o fenômeno "religioso", ou o "devoto", ou a superstição. E a ética supera as
"moralidades" locais, geralmente motivadas para impor seus interesses e pontos de vista, tão passageiros
quanto às modas ou às mutações dos usos, costumes e gostos das personalidades.

42

O CICLO LUNAR E A RESPIRAÇÃO


Muitas das práticas e exercícios que estamos dando neste curso podem se efetuar seguindo o ciclo
quaternário lunar. Devemos remarcar que o que interessa é a observação e a experimentação dos ritmos
lunares, sejam ascendentes ou descendentes. No entanto, é muito interessante começar determinados labores
no período ascendente, ou seja, o que nasce com a lua nova e culmina com o plenilúnio.

A Lua é nova quando se encontra em conjunção com o Sol. Ambos os astros se acham na mesma casa
zodiacal e a luz solar impede a visibilidade do satélite. A partir deste ponto, a lua sai, cada dia que passa, 52
minutos mais tarde, refletindo os raios solares cada vez com maior intensidade, até que na metade de seu
período se encontra cheia, no signo oposto ao Sol. Logo irá descendo, aproximando-se-lhe, e ao cabo de 29
dias voltará novamente a se unir com ele, completando seu ciclo, que se costuma "arredondar" em 28 dias,
determinando a divisão do tempo em semanas de 7 dias, que se repetem 4 vezes ao longo do mês lunar (7 x
4 = 28).
43

CABALA

Tomamos certos pontos da ciência cabalística, apropriados para efetuar nossos trabalhos com a Árvore da
Vida Sefirótica, que relacionamos com outros símbolos tradicionais e disciplinas herméticas, e igualmente
com outros exercícios e práticas que funcionam como meios ou despertadores para ir observando,
conhecendo e adquirindo, pouco a pouco, pela reiteração destes rituais, outro grau de consciência ou uma
leitura diferente da realidade e da descrição que temos da mesma. Igualmente, devem anotar-se certos riscos
inerentes à queda de uma série de estruturas que, de não serem substituídas pelos elementos que nos brinda
a Doutrina Tradicional, levar-nos-iam só a uma estéril vacuidade, ou a uma desesperação gratuita. Adverte-
se uma vez mais sobre a discrição e seriedade que devem rodear nossos trabalhos, conselho repetido
invariavelmente pelos adeptos da Ciência e da Arte. Voltaremos a concentrar uma e outra vez sobre o
diagrama cabalístico, verdadeiro modelo do universo, com o ânimo de interiorizá-lo, compreendê-lo, e intuir
o cúmulo de imagens que nele estão contidas e cuja manifestação promove. Desta forma, queremos lembrar
que, segundo o Sefer Yetsirah (ou Livro das Formações, verdadeiro clássico cabalístico) reitera
repetidamente, os sefiroth são dez. Não nove, senão dez. Não onze, senão dez.

Seguindo com o projeto de aproximar nossos leitores a um conhecimento dos símbolos tal qual se expressa
nas gravuras herméticas, cabalísticas e alquímicas, oferecemos aqui uma ilustração antiga da Árvore da
Vida. Como já advertimos, o ir "fazendo-se o olho" é um preâmbulo para acrescentar o conteúdo da
autêntica mensagem do símbolo e desentranhar as verdades e energias-força nele contidas. Com otimismo,
também se poderia dizer que desta forma se está acessando uma introdução à "visão".

Como pode se observar, trata-se da meditação de um iniciado sobre nossa Árvore Cabalística dentro de um
espaço fechado, recolhido. O recinto é cúbico e sua porta se abre por meio de duas colunas, o que é uma
representação da caixa do Cosmo. Kether, a sefirah mais alta e elevada, coroa e toca a abóbada desse
oratório ou gabinete de trabalho, e prenuncia a saída para o supracósmico. O adepto está sentado num
cadeirão cuja parte mais alta é um recipiente que olha para cima, e cujas "pernas" se voltam para a terra,
sendo, no entanto, ambas as partes do móvel análogas, ainda que invertidas.

Os pés do cabalista estão firmemente apoiados sobre o solo (significando a realidade), enquanto que uma de
suas mãos sustenta com firmeza o diagrama da Árvore Sefirótica (ação) e a outra repousa com serenidade
(contemplação) a par que de toda sua figura se desprende uma atitude de atenção concentrada e serena.

44

LITERATURA

Já observamos que as origens da cultura são sagradas. Isto é particularmente notório nas artes, já que tanto a
dança, como o teatro, a música e as artes plásticas se remontam dos começos míticos e rituais do homem, e
foi sempre uma deidade a reveladora e patrocinadora destas disciplinas. Na Antigüidade, as obras de arte
eram anônimas, como seguem sendo ainda entre diversos povos, e só a partir do Renascimento é que se
conhece seus autores em forma individualizada. Criar é repetir e reproduzir a situação da Criação original. A
literatura não escapa a este princípio, e as grandes obras em verso e em prosa são aquelas que despertam e
fazem pressentir a aflição e o deslumbramento do Conhecimento. O poeta, bardo, ou vate (daí a palavra
“Vaticano”), é um transmissor inspirado das energias do sublime, e sua linguagem se articula com um ritmo
preciso e particular. Os textos sagrados de todas as tradições dão conta cabal disso. A beleza da forma é a
roupagem e a atração da Beleza do Princípio e, portanto, reflete-o harmonicamente. A arte é um veículo e
uma maneira de conhecer, e são numerosos os esoteristas que se expressaram por seu intermédio.
Lembremos que a sefirah Tifereth é Beleza, e que se acha no caminho ascendente que vai de Malkhuth a
Kether.

Num sentido amplo, todo escrito é literatura. Mas há alguns nos quais a arte na maneira de dizer, a
transparência das imagens com que se diz, a clareza e a ordem dos conceitos, ainda que permaneçam
velados, fazem-nos memoráveis e os ligam a nós com laços emotivos e sutis. Assim, na memória dos povos
as lendas transmitem seus mitos. Os contos de fadas e de bruxos nos aproximam a uma realidade prodigiosa.
A poesia épica (a Ilíada, a Odisséia) nos revela uma mensagem heróica. O classicismo de Dante e Virgilio é
completamente outra coisa sob uma leitura Hermética, acrescentando desta maneira seu conteúdo e sua
estética. As histórias do Santo Graal, as gestas de cavalaria, as fábulas (como a Metamorfoses, ou Asno de
Ouro, de Apuleio), ou a produção Metafísica de um Dionísio Areopagita, entre muitíssimas outras, são
alguns dos exemplos da potencialidade da Arte como transmissor de Conhecimento e promotor de
Iniciações espirituais.
A mensagem da Filosofia perene tomou todas as formas possíveis para se difundir. Inclusive os provérbios e
ditos "populares", foram cunhados como lembranças de princípios de sabedoria; ainda que como todas as
coisas, tenham sofrido com o tempo um processo de degradação.

45

CABALA

Surgida no século II de nossa era, no povo de Israel, a Cabala se desenvolveu na Alta e Baixa Idade Média,
em países cristãos como França e Espanha, particularmente neste último, onde no século XIII foi escrito
nada menos que O Zohar, o grande livro cabalístico, brilhando na Itália durante o Renascimento sob sua
forma cristianizada, e passando aos países do norte e centro da Europa, à Inglaterra, Polônia, etc., em
distintas épocas, e onde ainda hoje se mantém viva, bem como em Jerusalém e muitas outras cidades do
mundo moderno, entre judeus e não judeus. Isto quanto ao que se refere à Cabala histórica.

O termo dabar em hebraico significa ao mesmo tempo "palavra" e "coisa". Nesse sentido, para os hebreus o
nome de Deus, constituído pelas quatro letras sagradas, é impronunciável, por respeito a sua imanifestação,
e porque o pronunciar de seu nome o revelaria em sua tremenda majestade e grandeza. Estas quatro letras
são: Iod – letra a partir da qual surgiu todo o alfabeto hebreu, que é considerada um ponto e cujo valor
numeral é dez; Hé – chamada a primeira Hé para distinguí-la da segunda que compõe o nome divino, de
valor numeral cinco; Vau – de valor numeral seis; e Hé – a segunda, de idêntico valor cinco. A soma das
letras do Nome Divino dá vinte e seis, e este número é de particular importância no esoterismo e na
Cosmogonia cabalística. Abordaremos tão logo as letras do alfabeto hebreu. Estes elementos são muito
importantes para determinadas operações. Não se trata aqui de dar um curso de hebraico, senão de nos
familiarizarmos com os símbolos e valores cabalísticos. Se nossos leitores tivessem oportunidade de estudar
hebraico, sugerir-lhes-íamos que o fizessem para aumentar as fronteiras das relações e sua ressonância em
nosso trabalho hermético.

46

EXERCÍCIO RESPIRATÓRIO

Nas mesmas condições em que efetuamos os exercícios anteriores e os que seguirão, realizaremos agora
uma prática nova: você já se familiarizou com uma respiração simples de duas fases (aspiração-
expiração). Agora subdividiremos este ciclo em quatro. Desta forma, você se acostumou a produzir tanto a
aspiração como a expiração num determinado lapso igual de tempo (4, 6 ou 8 pulsações, etc.). Trate de
fazer este exercício que damos na continuidade, outorgando a cada uma das quatro fases o mesmo número
de pulsações já eleitas. Vejamos o seguinte diagrama:

Aspire em 1, retenha o ar em 2, expire-o completamente em 3 e fique com os pulmões totalmente vazios em


4, até que tenha necessariamente que voltar a aspirar em 1. Mantenha o ritmo durante 15 ou 20 minutos. O
segredo deste exercício é expulsar todo o ar sem que nos fique nada nos pulmões. Esta respiração é a que
sugerimos para os próximos exercícios, pelo que seria muito prático poder realizá-la.
Nota: É provável que tenha algumas dificuldades porque agora o exercício se pratica em quatro fases. Se
for assim, pode-se diminuir o número de pulsações de cada fase para efetuá-lo.

Se quiser, você pode seguir praticando os exercícios preparatórios. Posteriormente daremos outros novos.

O SÍMBOLO DO CORAÇÃO

O órgão fisiológico do coração não é, como se crê de ordinário, a sede do sentimento e do sentimentalismo
mais pacato, senão que ele foi tomado em todas as tradições como um dos símbolos mais patentes e claros
da idéia de centro. No cristianismo isto é óbvio, pois quando se fala do "Sagrado Coração" de Cristo se está
fazendo referência à parte mais central dessa tradição, à própria fonte de onde emana a essência de sua
doutrina e seus mais profundos mistérios.

Sua representação iconográfica em forma de triângulo invertido faz dele um recipiente onde descem, e se
depositam, os eflúvios celestes que vivificam a totalidade do ser individual, fazendo possível que este tome
verdadeira consciência de seu Ser arquetípico. Por isso se fala do coração como o lugar onde reside
simbolicamente o Princípio Divino no homem, o Espírito Universal que, com respeito à manifestação,
aparece como o menor, sutil e invisível, como bem assinala a conhecida parábola evangélica quando fala do
"Reino dos Céus", assemelhando-o ao grão de mostarda, equivalente na tradição hindu ao "germe contido
no grão de milho", idênticos ao éter ou "quintessência", que é também o centro ou coração da cruz
elementar, tomada neste caso como um símbolo de todo o mundo manifestado.

É desse Princípio de onde, efetivamente, o homem recebe o hálito vital, ao mesmo tempo em que a luz da
Inteligência, ou autêntica intuição intelectual, permite-lhe conhecer de maneira direta, simultânea e sem
reflexos (ou seja, não dual, racional ou cerebral) a Unidade em todas as coisas. Neste sentido, lembraremos
que na Cabala a sefirah Tifereth (que na simbólica construtiva corresponde ao altar do templo) é chamada o
coração da Árvore da Vida, pois ao estar situada no próprio centro do pilar do equilíbrio faz possível que
nela se unifiquem e sintetizem as restantes sefiroth. Por isso, esta sefirah também é chamada "Harmonia",
entendida como a autêntica expressão da "concórdia" universal, palavra que precisamente significa "união
dos corações".

48

MOISÉS

O nome de Moisés evoca imediatamente a idéia do povo judeu, que ele encarna e ao mesmo tempo gera.
Efetivamente, tendo nascido no Egito, é considerado como da família do Faraó, pois aparece como filho da
irmã deste e, como tal se diz, é iniciado pelos sumos sacerdotes nos mistérios mais profundos de Isis e
Osíris, onde se sobressai por seus conhecimentos. Desde jovem, sente um chamado cada vez mais claro para
algo que ainda não se define, mas que não está relacionado nem com Egito, nem com a posição invejável
que ostenta, que, por outra parte, cada vez se lhe faz mais difícil, pelos ciúmes, inveja e desconfiança de seu
tio Ramsés II, e de seu primo, que lhe sucederá no trono. A "casualidade" faz com que Moisés, ao defender
um escravo judeu injustamente tratado, mate o agressor e tenha que fugir pois, para casos como o seu
(Moisés era ministro do culto de Osíris), a justiça do Faraó aplica as penas máximas. Refugia-se onde
encontra outro personagem chave: Jetro, rei de Salém, grande sacerdote e iniciado e pai espiritual de
numerosos povos nômades que povoavam os desertos e terras entre as civilizações do Egito, Caldéia,
Babilônia, etc., compostos por semitas, árabes, etíopes, etc.

Estes foram os judeus, aqueles que saindo de seu cativeiro em terras estrangeiras do Egito, levantam-se um
dia e empreendem uma gigantesca emigração pelo deserto, sob a orientação de um chefe que os sintetiza e
encarna, e sob cuja condução, como intérprete direto de seu deus Jahvé, têm de se constituir definitivamente
como povo eleito, e chegar a um destino que se dá no próprio Moisés, nome cuja tradução é "O Salvo", e
que ele imprime em seu meio, no povo ao que se lhe deu a missão de constituir e dirigir. Moisés é, pois,
conjuntamente, um personagem histórico e um símbolo, como todos os protagonistas da História Sagrada. É
também um ser humano, e ao mesmo tempo o receptor das energias e das mensagens de uma entidade
sobre-humana, Jahvé, ao qual adora e faz adorar, quando não é o próprio deus o que atua diretamente. Como
ser humano, padece por quarenta anos toda sorte de infortúnios e necessidades, a maior parte delas
provocadas pela ignorância e a bestialidade dos seus. Como agente divino, aviva e fixa o monoteísmo e
implanta a fogo sua lei, que sela com mandamentos. Termina sua peregrinação, e em vista da terra
prometida deixa como herança A Bíblia, da qual escreve os cinco primeiros livros, síntese magistral que
fundamenta a vida de um povo e de uma religião, o que posteriormente engendrará o cristianismo e o
islamismo. A energia assombrosa de Moisés, seu diálogo constante com a deidade, a força de seus poderes,
transferidos e compartilhados com setenta discípulos que conformam o núcleo interno de sacerdotes e
sábios, iniciados e iniciadores, aos que entrega a Cabala, fazem possível sua sucessão até o final deste ciclo.
Cumpre-se, pois, o Destino que Moisés inicia e que terminará com a gloriosa vinda do Messias, esperada
também pelos cristãos e islâmicos, e anunciada em todos os textos e tradições orais das culturas unânimes.

49

HERMES

Referir-nos-emos agora a Hermes, deidade chave na tradição egípcia, grega e romana. Thot, o Hermes
egípcio, que na Alexandria é conhecido como Hermes Trismegisto, ou seja, o possuidor das três quartas
partes da sabedoria universal, é identificado igualmente com o Hermes grego e com o Mercúrio romano.
Sempre se considerou este deus como uma imagem da transmissão, e a isso se deve que os atributos com os
quais é identificado, capacetes e sandálias aladas, estejam relacionados com o vento. Uma de suas
características é a rapidez de seu deslocamento, o que na Alquimia pode ser observado, de forma análoga,
quanto ao metal do mesmo nome, que conhecemos como Mercúrio em sua versão latina.

Bem se diz que Hermes é eterno, seja este ou aquele o nome que lhe dispensaram os distintos povos.
Unanimemente é transmissor de ensinos e segredos, chame-se Thot, Enoch, Elias ou Mercúrio, como já
dissemos. Sua revelação pelo batismo da inteligência se produz naqueles que encararam sem preconceitos
nem muletas o Conhecimento e se filiam intelectualmente a seu patrocínio; sua invocação, a concentração e
a aplicação dos distintos métodos de sua ciência estabelecem uma comunicação direta com esta altíssima
entidade, que se manifesta internamente em qualquer grau nas individualidades dispostas a isso. Como se
sabe, esta deidade se manifestou –e o segue fazendo– na história do Ocidente por meio da Tradição
Hermética e das disciplinas que a conformam.

Espírito protetor dos viajantes, dos comerciantes e peregrinos, sua influência se faz sentir como a própria
energia que nos transmite as mensagens mais rápidas e ligeiras no caminho iniciático. Seu poder é tal que
sem ele nada seria, já que, como iniciador nos mistérios da vida e do Cosmo, suas vibrações protetoras –e
também dissolventes– atuam como um catalisador dos efeitos da viagem do Conhecimento. Mercúrio é sutil
e ligeiro, mas ao mesmo tempo leva em sua mão a vara do caduceu, símbolo do eixo e das duas correntes
que se enroscam simultaneamente nele. Sua missão é específica e nos aguarda em todas as encruzilhadas de
nossos caminhos. Seu pensamento é sábio e revelador, como bem o atesta o Corpus Hermeticum, um dos
documentos mais excelsos da Antigüidade, emanado da Alexandria nos primeiros tempos do cristianismo, e
do qual queremos extrair este texto:

"Já que o Demiurgo criou o mundo inteiro, não com as mãos, senão pela palavra, concebe-lhe, pois, como
sempre presente e existente, e tendo feito tudo e sendo Um Só, e como tendo formado, por sua própria
vontade, os seres, porque, verdadeiramente, é este seu corpo, que não se pode tocar, nem ver, nem medir,
que não possui dimensão alguma, que não se parece a nenhum outro corpo. Já que não é nem fogo, nem
água, nem ar, nem alento, mas todas as coisas provêm dele. Agora bem, como é bom, não quis dedicar-se
esta oferenda só a si mesmo nem enfeitar a terra só para ele, senão que enviou aqui para baixo, como
ornamento deste corpo divino, o homem, vivente mortal, ornamento do vivente imortal."

50

EXERCÍCIO RESPIRATÓRIO

É importante que se habitue a este exercício, ao que inclusive se lhe deve dar um caráter ritual. Pode ser
que as distintas fases respiratórias não possam ser realizadas exatamente de acordo com o mesmo número
de pulsações. Por exemplo: que a aspiração e a retenção precisem tempos diferentes, bem como a
expiração e o vazio subseqüente. No entanto, tanto os movimentos número 1 (aspiração), como o número 3
(expiração), devem ser feitos em tempos iguais. Assim, a retenção e o vazio (fases números 2 e 4) devem se
efetuar em igual tempo. A saber, que se a aspiração é realizada em seis pulsações, a expiração deve
corresponder a esse mesmo número. Igualmente, se a retenção se faz em quatro pulsações, o vazio se
efetuará no mesmo tempo.

Seria muito conveniente que esta respiração começasse a ser para você como uma forma ritual, à qual
pudesse recorrer em qualquer momento, distinguindo nitidamente do mundo da respiração ordinária este
outro espaço, no qual você efetua seu exercício. Ao se acostumar a fazê-lo à vontade, começa o organismo
a reconhecer outra possibilidade de si mesmo. Se no princípio teve alguma dificuldade, não abandone. E
reitere os esforços para consegui-lo. Lembre-se de que o segredo desta prática radica em expulsar
totalmente o ar que possa ter em seus pulmões, na fase número 4, produzindo-se assim uma morte
simbólica, à qual necessariamente tem de seguir um renascimento marcado por uma nova respiração.
Lembre também que os exercícios têm de se efetuar aspirando o ar pelo nariz e expulsando-o pela boca. Se
você consegue com estas práticas uma certa perfeição, poderá ampliar um pouco os minutos do dia para
lhe dedicar, e inclusive exercitar-se nela em distintas ocasiões de sua jornada, e não só em seu gabinete de
trabalho e em postura ritual. Se você consegue incorporar esta nova respiração a momentos determinados
de seus horários ordinários, adquirirá uma certa mecanicidade em sua prática e execução. Isto tem valor,
já que você está controlando à vontade sua recepção e entrega de energias, e sua respiração já não é algo
inconsciente, arbitrário e casual, senão algo consciente, ordenado e efetivo. Ainda que não o tenhamos
percebido, demos um pequeno grande passo para a concentração de nossos esforços na busca e
reedificação de outras realidades adormecidas. Reitere e habitue-se a estes exercícios, que facilitarão
outras muitas potências latentes em seu interior. Por certo, antes de se entregar a estas práticas, tem de ter
um mínimo de relaxamento e tranqüilidade indispensáveis.

51

PITÁGORAS

Na Antigüidade existia uma lenda segundo a qual Pitágoras foi engendrado no seio materno graças a uma
intervenção direta do deus Apolo, também pai das Musas e herdeiro da lira de Hermes. Destacava-se assim
a origem celeste e divina de sua doutrina, máxime tendo em conta que Apolo (númen da Luz inteligível, da
Harmonia e da Beleza) era considerado uma deidade de origem hiperbórea, o que o punha em relação com a
Tradição Primordial. O mesmo nome de Pitágoras procede da Pítia do templo de Delfos (dedicado a Apolo)
que profetizou seu nascimento como um bem doado aos homens, nascimento que aconteceu
aproximadamente no ano 570 a.C., na ilha grega de Samos. Tendo recebido os mistérios órficos próprios da
antiga tradição grega, Pitágoras abandona sua pátria natal para realizar uma série de viagens que o levarão
por todo o mundo antigo, especialmente Fenícia, Babilônia e Egito, país onde residiu durante um longo
período de tempo, sendo iniciado pelos sacerdotes egípcios, guardiões da sabedoria de Hermes-Thot.
Amadurecido seu pensamento, e depois de realizar a síntese de todo o saber recebido, Pitágoras regressou a
Samos trinta e quatro anos depois, preparado para cumprir com o alto destino predito em seu nascimento, e
que não era outro senão o de criar as bases sobre as quais se assentaria a cultura grega, e posteriormente a
civilização ocidental.

Em Samos fundou sua primeira escola, que seria o germe das que mais tarde se estabeleceram por toda a
planície mediterrânea, especialmente na Magna Grécia (Sicília), em cuja cidade de Crótona esteve o centro
mais importante na vida de Pitágoras. Seus ensinos (cosmogônicos, esotéricos e metafísicos) articulavam-se
em torno ao Número, onde residia a origem da Harmonia Universal, pois através dele se revelam as medidas
e proporções de todas as coisas, celestes e terrestres, idéia que Platão recolhe no Timeu, seu livro pitagórico
por excelência. Para Pitágoras "tudo está disposto conforme o Número" encontrando na tetraktys, ou
Década, o número perfeito, e a própria expressão dessa Harmonia, pois "serve de medida para o todo como
um esquadro e uma corda em mãos do Ordenador". Harmonia manifestada fundamentalmente também por
meio da música e das formas geométricas, como atestam seus famosos teoremas e a estrela pentagramática
ou pentalfa, distintivo da própria fraternidade pitagórica, que continuou subsistindo durante longo tempo, ao
menos até a Alexandria dos séculos II e III d.C., onde acabou se integrando na Tradição Hermética,
chegando assim até nossos dias através das diversas artes e ciências que tendem à transmutação do ser
humano mediante a Sabedoria, a Inteligência, o Amor e a Beleza.

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O SIMBOLISMO DO TEMPLO

O templo reúne dentro de si o espaço e o tempo sagrados. Apenas traspassamos sua porta, faz-se evidente a
diferença entre o mundo exterior e profano onde o tempo decorre linearmente e em forma indefinida e
amorfa, e o recinto sacro, onde se percebe um tempo mítico e significativo: o "tempo" das origens do ser
humano, a eternidade e a simultaneidade, conhecidas e compreendidas na interioridade do homem que
estabelece esta comunicação ritual desde as profundezas do templo. Por outra parte, o templo é um modelo
do Universo, ao qual imita em suas formas e "proporções" e, como ele, tem por objeto albergar e ser o meio
da realização total e efetiva do ser humano. Nas tribos mais primitivas, encontramos a choupana ritual (ou a
casa familiar) como lugar de intermediação entre o alto e o baixo. Efetivamente, nela o teto simboliza o céu
e o chão, a terra; os quatro postes onde se assenta são as colunas onde se apóia o macrocosmo. É muito
importante assinalar que sempre nessas construções há um ponto zenital que está aberto a outro espaço.
Exemplo: a pedra caput ou cimeira, que não se colocava na construção das catedrais, ou o orifício de saída
da choça cerimonial (na casa familiar esta saída é simbolizada pela chaminé, o lar). Esta construção,
imagem e modelo do Cosmo, tem, pois, uma porta de entrada que se abre ao percurso horizontal do templo
(transposição da porta, passagem pelas águas do batistério, perda no labirinto cuja saída desemboca no altar,
coração do templo), e posteriormente um orifício de saída sobre o eixo vertical, desta vez localizado na
sumidade, simbolizando o Coroamento da Obra e o rendimento a outro espaço, ou mundo, inteiramente
diferente, que está "mais além" do Cosmo, ao qual o templo simboliza. É também o templo uma imagem
viva do microcosmo e representa o corpo do homem, criado à imagem e semelhança de seu criador;
inversamente, o corpo do homem é seu templo. O centro de comunicação vertical é o coração, e ali, nesse
lugar, acende-se o fogo sagrado capaz de gerar a Aventura Real da transmutação, após as provas e
experiências de Conhecimento que levam até lá. Em nosso diagrama Sefirótico, a porta horizontal se abre de
Malkhuth a Yesod, enquanto a vertical de Tifereth a Kether. Ou seja, que todo o trabalho prévio,
encaminhado ao Conhecimento, tem que ter por objetivo imediato a chegada ao coração do templo, o fogo
perene do altar sobre o qual se assenta o tabernáculo, espaço vazio construído com as réguas e proporções
harmônicas do próprio templo, e do qual é sua síntese. Terá então terminado com a primeira parte dos
Mistérios Menores (mistérios da terra) e começará sua ascensão simultânea pela segunda parte (os mistérios
do céu), ficando para além do templo, ou seja, para o supracósmico, os Mistérios Maiores, que por serem
inefáveis não podem ter aqui análise e nem comentário. Na realidade, este processo é prototípico e válido
para qualquer mudança de plano ou estado, onde se manifesta à sua maneira.

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O SÍMBOLO DO LABIRINTO

O símbolo do Labirinto exemplifica perfeitamente o processo do Conhecimento, ao menos em suas


primeiras etapas, naquelas em que o ser tem de se enfrentar com a densidade de seu próprio psiquismo
(reflexo do meio profano em que nasceu e vive), isto é, com seus estados inferiores, separando
alquimicamente o espesso do sutil, que a alma experimenta como sucessivas mortes e nascimentos –solve et
coagula–, destinando ao mesmo tempo numerosas provas e perigos que somente fazem traduzir o próprio
conflito ou psico-drama interior. Esse desassossego é próprio daquele que, tendo abandonado suas
seguranças e identificações egóticas, descobre ante si um mundo completamente novo e, portanto,
desconhecido, mas para o qual se sente atraído, porque na verdade intui que ao atravessá-lo é que poderá se
reencontrar com sua verdadeira pátria e destino. Essa impressão indelével de estarmos totalmente perdidos
tem que nos levar imperiosamente a encontrar a saída, ajudados sempre pela Tradição (e seus mensageiros:
os símbolos), que neste caso nos chega por meio do Agartha que, tal como um guia ou eixo, tem de nos
conduzir (desde que nossa atitude seja reta e sincera) a um estado de virgindade, a um espaço vazio
imprescindível, apto para a fecundação do Espírito, o que se vive no mais interno e secreto do coração.

Devemos assinalar que muitos labirintos representados na arte de todos os povos são autênticos mandalas
ou esquemas do Cosmo, ou seja, da própria vida, com suas luzes e sombras, o que nos permitirá
compreender que esse processo labiríntico é na realidade uma viagem arquetípica, uma gesta, em suma, que
todos os heróis mitológicos e homens de conhecimento têm realizado, e que nos servirá de modelo exemplar
a imitar, tal e como estamos vendo na série "Biografias". Na verdade, a viagem pelo labirinto é uma
peregrinação ligada à busca do centro, e neste sentido é importante destacar que em muitas igrejas
medievais figurava um labirinto (como em Chartres, em meio do qual aparecia antigamente o combate entre
Teseu e o Minotauro) que percorriam de forma ritual todos aqueles que, por uma ou outra razão, não podiam
cumprir sua peregrinação ao centro sagrado de sua tradição (por exemplo, Santiago de Compostela, ou
Jerusalém), o que era considerado um substituto ou reflexo da verdadeira "Terra Santa", onde os conflitos e
lutas se finalizam, possibilitando assim a ascensão pelos estados superiores até conseguir a saída definitiva
da Roda do Mundo.
Como dissemos anteriormente, falando da simbólica do Templo, esses labirintos se encontravam justo após
a pia batismal (Yesod), e antes de chegar ao altar (Tifereth, o coração), ou seja, entre o batismo de água –
relacionado com a regeneração psicológica e as viagens terrestres– e o batismo de fogo, vinculado por sua
vez com o sacrifício pelo espírito e as viagens celestes, horizontais uns e verticais os outros. Na Árvore
Sefirótica, o labirinto corresponde, pois, a Yetsirah, ou plano das formações, ou das "Águas inferiores", que
o aprendiz tem de atravessar em sua viagem pelos estados e mundos da Árvore da Vida.

Adicionaremos, para finalizar, que no Adam Kadmon microcósmico, ou seja, o homem, este labirinto tem de
ser localizado na zona ventral, área que se destaca tanto por suas combustões e revoluções, como pela
analogia que apresentam seus órgãos internos com a representação geral do labirinto.

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PLATÃO

Como no caso de Pitágoras, Platão é herdeiro da Antiga Tradição Órfica e dos mistérios iniciáticos de
Eleusis. Platão sintetiza, dá a luz, revela este pensamento, recebido da boca de Sócrates e adquirido através
de viagens e estudos de toda índole ao longo de anos. A influência de Platão é decisiva para a Filosofia, que
a partir dele e de um de seus discípulos, Aristóteles, gera-se. Sublinhe-se que a Filosofia promove a história
do pensamento, e que de sua aplicação prática em diversos níveis (que vão desde os acontecimentos cívicos,
econômicos e sociais, aos usos e costumes, a moral e a religião, para acabar determinando as modas, as
ciências, as técnicas e as artes), surge o mundo em que os ocidentais vivemos, queiramo-lo ou não.
Apropriadamente, chamou-se "divino" a Platão. Na Antigüidade não se tomava este apelativo como
alegórico, senão que se acreditava na divindade de Platão, ao qual também se considerou uma entidade,
porque em seus diálogos (que ocorrem entre vários personagens da Grécia clássica, que expõem suas idéias,
enquanto Sócrates as ordena e as rebate) não aparece jamais. Os erros denunciados diretamente por
Sócrates, e os mostrados por Platão através dos distintos interlocutores, e da fina trama do diálogo, são,
curiosamente, os que, desenvolvendo-se desde então de maneira equivocada e em progressão geométrica,
desembocaram na crise do mundo moderno. Nas obras de Platão está perfeitamente explicada a Cosmogonia
Tradicional e seu pensamento Filosófico e esotérico está tão vivo hoje em dia como no momento em que o
Mestre escreveu. Basta nos aproximarmos de suas idéias, para se penetrar, quando é lido com suma
concentração e sem preconceitos culturais e formais, num mundo de imagens e signos que vamos
percorrendo levados por sua mão.

Símbolo dos atenienses e da cultura grega, Platão nasceu em 429 a.C. Igualmente a Pitágoras, descreveu um
mundo de Idéias, ou Arquétipos (os "números" pitagóricos, as "letras" da Cabala) que geravam todas as
coisas, e nas quais as coisas se sintetizavam. Como seu Mestre Sócrates, sofreu, se não a morte por veneno,
a amargura do exílio, a desgraça e o cativeiro.

55
EXERCÍCIO RESPIRATÓRIO

Devemos repetir nossa prática respiratória assinalada nos dois capítulos anteriores, à qual adicionaremos
agora uma visualização singela, mas não menos efetiva. Com os olhos fechados, trate de imaginar que a
habitação, ou espaço, no qual nos dispomos a efetuar este exercício, vai se enchendo de uma fumaça de cor
vermelha brilhante que emana suavemente de algum ponto dela. Colocamo-nos, pois, em nossa postura
costumeira, e enquanto relaxamos, começamos lentamente a perceber que esta fumaça, ou este ar vermelho
brilhante, vem nos rodeando lentamente, e começamos a aspirá-lo, retê-lo, expulsá-lo e a ficarmos sem ele,
à medida que vamos ritualizando as fases do exercício.

Em 1 absorvemos lentamente pelo nariz esta fumaça brilhante no tempo de pulsações que elegemos para
nossa comodidade. Em 2 o retemos e nos inunda por completo. Em 3 o exalamos lenta e suavemente. E
finalmente em 4, ficamos totalmente vazios, até que por imperiosa necessidade voltemos a tomá-lo com
suavidade e doçura, ao ritmo que nos impusemos.

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ARTES E ARTESANATOS

Para uma sociedade arcaica, tradicional, arte é tudo aquilo que o homem cria com suas mãos partindo do
modelo arquetípico que contém em seu interior, e que pode observar nas leis sutis que regem as produções
da natureza, manifestação da própria harmonia e da ordem universal. Esse modelo não é outra coisa que a
idéia de Beleza considerada como a mais alta expressão da própria Arte do Criador, de quem se diz que a
tudo fez "em número, peso e medida". Por isso todo ato criativo, quando é conforme a esse modelo, imita o
rito original da criação do mundo a partir da substância amorfa e caótica, ainda que essa atividade se trate de
arquitetura, de artes visuais (escultura e pintura), de artesanatos em madeira ou outros materiais, de
ourivesaria, da cerâmica, da cestaria e da tecelagem, da ebanisteria, de costura, de tapeçaria, etc.

Alguns destes artesanatos ainda se conservam vivos em bastantes lugares, e neles se mantêm seus segredos
de ofício, os que são transmitidos por meio de uma iniciação, tomando-se, portanto, como suportes da
realização interior, pois é a esta, em definitivo, que esses segredos se referem, já que são os próprios da
Cosmogonia em sua permanente recriação na alma humana. Este é o sentido profundo dos símbolos e dos
ritos próprios de cada ofício, e que fazem deles uma atividade sagrada. Na realidade, todo homem é um
artista, e é sua própria vida a que constitui aquela substância amorfa, ou pedra bruta, que tem de ser
"trabalhada" pacientemente mediante a permanente atualização dos ensinos recebidos pela Tradição,
exercendo o rito da memória e da concentração, até acabar integrado plenamente na harmonia da Grande
Obra Universal.

Nas antigas corporações de construtores medievais, o conhecimento do ofício se dividia normalmente em


três etapas ou graus de iniciação, que correspondiam ao aprendiz, ao companheiro (oficial) e ao mestre,
dando assim uma idéia do desenvolvimento gradual de tal conhecimento. Há que se dizer que aquelas
corporações (estreitamente ligadas à Tradição Hermética) deram lugar, durante o curso do tempo, à atual
Maçonaria, que continua conservando a mesma estrutura iniciática de seus longínquos predecessores.
57

ÍSIS

Na continuidade, queremos reproduzir uma oração à deusa egípcia Isis, esposa de Osíris, associada à
primeira iniciação, lunar, enquanto seu parceiro se encontra vinculado com a segunda iniciação, solar, e
ambos os dois se acham conjugados na terceira e última iniciação, a polar, que faz possível a realização do
supracósmico, do não humano. Apuleio a inclui em sua obra “As Metamorfoses” (ou O Asno de Ouro,
século II d.C.) onde nos dá notícias de que este antigo mito egípcio sobrevivia incólume na Roma de seu
tempo. Esta invocação é pronunciada uma vez que se efetua o descenso aos infernos, onde se percebe
diretamente e de modo potencial tudo o que seguirá, do qual este descenso é só uma prova. Lembremos por
último a vinculação da deusa Isis com o arcano do Tarot, chamado “A Papisa” ou “A Sacerdotisa”.

"Tu, em verdade santa, perpétua protetora do gênero humano, sempre generosa em favorecer os mortais, Tu
tens pelas tribulações dos desafortunados um doce afeto de mãe. Não há um dia, uma noite, nem sequer um
pequeno instante que passe, sem que hajas prodigalizado teus benefícios, sem que hajas protegido os
homens na terra e no mar, sem ter alongado tua salvadora mão, após afastar os embates da vida. E com essa
mão desfazes a inextricável e retorcida urdidura da Fatalidade, aplacas as tempestades da Fortuna e
neutralizas a influência funesta dos astros. Veneram-te as divindades do céu, respeitam-te as do inferno; Tu
dás o movimento de rotação ao mundo; ao Sol, tua luz; ao mundo, tuas leis, com teus pés pisas o Tártaro. A
ti respondem os astros; por ti voltam as estações, alegram-se os deuses, mostram-se dóceis os elementos. A
uma indicação tua sopram os ventos, incham-se as nuvens, germinam as sementes, crescem os germes.
Temem a tua majestade os pássaros que cruzam os céus, os animais selvagens que vão errantes pelos
morros, as serpentes que se ocultam sob terra, os monstros do oceano. Mas eu possuo um pobre talento para
cantar teus louvores, e um reduzido patrimônio para oferecer-te dignos sacrifícios; não possuo a facúndia
necessária para expressar os sentimentos que me inspira tua majestade; não possuo nem mil bocas, outras
tantas línguas, nem um inesgotável manancial de infatigáveis palavras, mas terei sempre diante de minha
imaginação, guardando-os no mais recôndito de meu coração, teu rosto divino e teu santíssimo númen."

Isis é associada ao princípio feminino (e, portanto, vinculada à Terra e à Lua), presente em todas as coisas, e
se manifesta com as roupagens da energia passiva, imanente e potencial. Diz-nos Plutarco num dos títulos
de seu “Ethika”:

"Isis é, pois, a natureza considerada como mulher e apta para receber toda geração. Este é o sentido em que
Platão a chama 'Nodriza' e 'Aquela que a tudo contém'. A maior parte a chama 'Deusa de infinitos nomes',
porque a divina Razão a conduz a receber toda espécie de formas e aparências. Sente amor inato pelo
primeiro princípio, pelo princípio que exerce, sobre todo supremo poder, e que é idêntico ao princípio do
bem; deseja-o, persegue-o, fugindo e rejeitando toda participação com o princípio do mal. Ainda que seja
tanto para um como para o outro matéria e habitáculo, inclina-se sempre voluntariamente para o melhor
princípio; a ele se oferece para que a fecunde, para que semeie em seu seio o que dele emana e o semelhante
a ele. Regozija-se ao receber estes germes e treme de alegria quando se sente prenhe e cheia de germes
produtores. Efetivamente, toda geração é imagem na matéria da substância fecundante, e a criatura se
produz a imitação do ser que lhe deu a vida."

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EXERCÍCIO RESPIRATÓRIO

Situe-se exatamente no centro da habitação em que realiza suas práticas respiratórias. Observe
atenciosamente as coordenadas que formam o espaço onde se acha e coloque-se no eixo onde todas elas
coincidam. Imagine que você está localizado na sefirah Kether. Feche os olhos e comece a regular o ritmo
de sua respiração, aspirando pelo nariz e expirando pela boca, segundo o modelo que estamos praticando.
A fumaça ou gás vermelho brilhante é emanado desse ponto e você o aspira suavemente. Sincronize as
distintas práticas que simultaneamente está praticando. De En Sof, do Nada infinito, surge uma débil
esfumatura que você aspira e com a qual se alimenta. Ao expirá-la, esta vai lentamente inundando toda a
habitação com seu resplendor claro e luminoso. Você é Kether e se alimenta da luz não manifestada. Você é
o começo dessa luz que exala e expande toda a Árvore da Vida, a Criação Universal. Por seu intermédio se
vai conformando Hokhmah e este dá lugar a Binah, para voltar finalmente a você, visualizados como uma
triunidade de Princípios. Aspire e exale a fumaça vermelha brilhante e, ao se identificar com as sefiroth, às
que visualiza, retorne a si mesmo, sendo um com a totalidade do Cosmo.

Exemplo: Ao aspirar à realidade de En Sof, possibilidade de tudo o que é existente, você se constitui em
Kether, princípio da luz da manifestação universal. Ao expelir, você se conforma a Hokhmah, princípio
ativo do Cosmo. Ao inalar novamente, você é esse Hokhmah, ao que se conforma, e ao voltar a exalar, está
criando Binah, receptáculo, ou princípio de toda possibilidade. Finalmente você é Binah e aspira a energia
de Kether, e ao exalar seu ar, devolve a Kether essa possibilidade para que tudo possa novamente voltar a
começar.

59

BIOGRAFIAS

Estamos oferecendo uma série de esboços "biográficos" (Heracles-Hércules, Moisés, Hermes, Pitágoras,
Platão, Isis) de “pessoas", seres ou entidades que encarnaram estados espirituais e necessariamente os têm
derramado sobre o meio, segundo era seu destino e sua função. Não nos interessam destas histórias
arquetípicas os traços humanos e anedóticos nem as valorações a que esses enfoques se prestam. Cremos
que são importantes ao serem simbólicas, ou seja, como reveladoras de determinadas pautas esotéricas,
perfeitamente assimiláveis –quanto são exemplares– ao homem em geral, por serem universais e não
sujeitas por isso ao espaço e ao tempo senão de modo secundário. Têm também outra função: a de ir
preparando o caminho para o conhecimento e o entendimento de outra história, secreta para os que não são
capazes de aprofundar e estabelecer relações entre símbolos e se sentem satisfeitos com as cômodas e
inverossímeis histórias oficiais. A verdadeira história é outra coisa. E os ocidentais podemos ler na nossa,
como numa simbólica de ritmos e ciclos, uma dança de cadências e entrelaçamentos, não casuais por certo,
e onde todos e cada um dos fatos adquirem um significado na harmonia do conjunto, que se contempla sob
uma leitura diferente, banhada por uma nova luz. Ademais, e é o importante, isto é especialmente válido
para ser aplicado a nossa própria vida, às anedotas, acontecimentos e histórias relativas de nossa existência,
que têm de ser consideradas sob um enfoque simbólico e nunca como um conjunto de posses personalizadas
e exclusivas com as quais nos identificamos.

60

MUSAS

Para todo povo há entidades intermediárias, às vezes são os próprios deuses, outras semideuses. As Musas,
habitantes do Olimpo, são deusas.
Filhas de Zeus e Mnemósine, sua quinta esposa, com a qual se uniu sob a aparência de um pastor, foram
engendradas em nove noites distintas, longe dos demais imortais, com o objeto de que tivesse quem
celebrasse a vitória dos Olímpicos sobre os Titãs.

Deusas da Memória (do céu) e da inspiração poética, atribui-se-lhes o poder de dar os nomes convenientes a
todos os seres. Guardiãs do oráculo de Delfos , dizem "o que é, o que será e o que foi".

Ainda que tenham nascido no morro Pierio, e ainda que visitem o Olimpo, onde alegram as festas dos
imortais com seus cantos com que fazem resplandescer o palácio de seu pai, gostam de se reunir no cume do
monte Helicão, de onde se aproximam na noite até a morada dos homens, que podem ouvir assim, na
quietude, a melodia de suas vozes. Elas comunicam também aos olímpicos os males e sofrimentos destes, o
canto de cuja criação é uma alegria para Zeus.

Estas entidades femininas, capazes de tomar indefinidas formas, e de não as tomar, e de revelar aos homens
–se assim elas o desejarem–, seja através da harmonia daquelas, ou mediante o ritmo e o número, ou
diretamente de sua própria voz, os mistérios da geração dos deuses, da ordem da Cosmogonia, das façanhas
dos heróis em procura do céu e da cosmificação da terra, têm o poder de transformar a realidade, pois a
audição de seus cantos faz do sensível símbolo da harmonia da Alma do mundo, manifestação e imagem do
deus polar, Apolo.

Elas unem o homem com o sagrado porque estão diretamente vinculadas com o segredo e a harmonia da
Criação (Cosmogonia) que revelam na alma humana, onde a reproduzem (poiésis = criação), e que
conduzem assim ao pé do eixo que une os mundos, simbolizado na fonte, na pedra, na azinheira1, que
aparecem no começo do canto de Hesíodo, a Teogonia. Como no Museu, onde se acham os produtos
daquela audição e, portanto, da Memória, ao abrir um livro inspirado se abre também seu templo, ou
mansão.

Ainda que apareçam como virgens, algumas tiveram filhos com deuses e homens; no entanto os destinos
desta descendência assinala como o verdadeiro fim a geração espiritual, supracósmica, às vezes de forma
trágica, como é o caso de Lino, filho de Urânia e de um mortal, ou, segundo alguns, de Apolo e Calíope –ou
Terpsícore–, a quem este matou ao ser desafiado no canto; outras, como exclusiva geração do amor, como o
de Himeneo, nascido da união de Apolo e Calíope.

Sendo ao começo três, quando nos tempos arcaicos, seu número ficou fixado em nove segundo a Teogonia
de Hesíodo, a quem elas mesmas a revelaram, e seus próprios nomes estão unidos a sua função:

Clío: que preside a História, e que canta a "glória" dos homens e a "celebração" dos deuses, sendo seus
atributos a trombeta heróica e a clepsidra.

Eutherpe: "a que sabe agradar", e que preside a música de flauta e outros instrumentos de sopro.

Thalía: a comédia, "a que traz flores", ou "a que floresce", nome também de uma das três Graças,
representada com a máscara da comédia e o bastão de pastor.

Melpómene: a tragédia, a que canta "o que merece ser cantado", representada com a máscara trágica e a
clava de Hércules.

Terpsícore: a música em geral e a dança, a que "ama a dança", cujo atributo é a cítara.

Erato: a poesia lírica e os cantos sagrados, acompanhada pela lira e o arco, cujo nome procede de Eros, o
primeiro deus que apareceu após Gea, nascida de Caos e geradora dos demais deuses.

Polimnia: a arte mímica, a que inspira a união dos “múltiplos hinos", e se vinculam a ela a retórica, a
eloqüência, a persuasão, representando-a com um dedo nos lábios.
Urânia: a "celeste", a astronomia, a contemplação da harmonia do céu, representada com um trípode junto a
ela.

Calíope: a poesia épica, a de voz "mais bela" ou "verdadeira", a que reproduz a imagem do som primordial
que se ouve no centro de todo ser, e que só depois de determinado estádio do ciclo se acha na cúspide da
Montanha (Helicão), que deve ascender aquele que realiza o caminho de retorno, haja vista que o Olimpo é
o lugar dos deuses imortais (os estados supra-individuais do ser), montanha celeste à qual elas mesmas se
dirigem desde a anterior, após ter presenteado os homens, enquanto deixam ouvir depois de si um
"encantador som que surge de seus passos".

1
N.T. – Azinheira = Quercus ilex - Árvore de até 27 metros, de copa ovóide ou arredondada. Ritidoma não suberoso e escamoso-
gretado. Ramos principais eretos. Raminhos estreitos e tomentosos. Folhas persistentes, orbiculares. As juvenis são serradas, as
adultas são inteiras. Bolotas de maturação anual, aquénios e cúpula, com escamas imbricadas mais ou menos aplicadas e
tomentosas.

61

MAGIA

Falaremos da palavra magia e de seus possíveis equívocos. A vida inteira, que se está manifestando em
todas as ordens neste mesmo momento, é desta forma uma função permanente de magia, ou seja, que a
realidade na qual vivemos é mágica. Nesse mesmo sentido nossa atuação nela também o é, de modo natural,
e a participação do homem neste processo é parte integrante do próprio processo. A vida e nossa existência
se estão fazendo permanentemente e nós podemos participar ou influenciar nela de acordo a determinadas
pautas, relacionadas com certos ritos especiais. Pois no caso do rito sucede o mesmo que com o símbolo:
conquanto toda manifestação é simbólica e igualmente a vida um perpétuo rito, no entanto existem certos
símbolos e ritos particulares que em forma mágica atuam sobre nós, sempre que o sujeito que pratique
determinados exercícios se encontre no estado adequado para os realizar e sejam sensatas e sãs suas
intenções. A Tradição Hermética trabalha constantemente com símbolos e também utiliza determinadas
"cerimônias", para vivificar esses símbolos trazendo-os assim ao plano da ação. Determinados "métodos",
gestos ou formas de trabalho, capazes de promover em nós, e em nosso meio, determinadas situações e
energias aptas para serem moldadas por uma vontade lúcida e retamente ordenada na triunidade Verdade-
Beleza-Bem.

62

TROPEÇOS E DIFICULDADES

Sem dúvida o leitor que nos segue atenciosamente deve ter encontrado ao longo deste curso variadas e
diversas dificuldades. Isso é próprio de qualquer aprendizagem, e se agrava numa deste tipo, aonde em
algumas ocasiões se vai contra muitas das formas de ver próprias do homem contemporâneo e da sociedade
que este formou (e na que nós criamos), que não crê na realidade do Espírito, nem na de outras
possibilidades da criação e do homem, salvo naquelas estritamente ligadas com a comprovação estatística, a
análise empírica, e com a manifestação exclusivamente visível e fenomênica. Neste sentido, nosso interesse
por temas ocultos e espirituais pode nos criar algumas dificuldades com respeito ao meio, que não sempre
compreenderá nossa vocação, ou nos crerá enganados e até defeituosos de razão. Isto vem adicionar-se a
nossos próprios tropeços internos e à aparição de dúvidas, incapacidades, paixões latentes e desconhecidas
que surgem, vacilações, fobias, manias, etc., que jazem no fundo de si mesmo e que começam a despertar –
na sábia economia do Universo– a par que nos alumiam outras tantas áreas com a luz que provém do
Conhecimento. Os símbolos revelam e velam ao mesmo tempo.
63

EXERCÍCIO RESPIRATÓRIO

Seguindo com nossa série de práticas respiratórias, trataremos de ir interiorizando em forma inconsciente,
o segundo plano cabalístico. Sente-se novamente no centro de sua habitação. Agora você imagina que é
Hesed, a sefirah N° 4. Em verdade você é tal qual uma árvore, neste caso a Árvore da Vida, que extrai seu
corpo do alimento que o ar lhe brinda. Aspira, pois, do plano dos Princípios Eternos, seu nutriente vital, e
conforma com ele seu próprio corpo, ou seja, o de Hesed. Quando exala sua energia, passa a Gueburah,
conformando-o. Logo você mesmo é Gueburah, que inala a força de Hesed, a retém e a expele para
Tifereth, dando-lhe existência dessa maneira. Agora você é Tifereth, a síntese de toda a luz incriada da
Árvore da Vida e conjuga toda a possibilidade da manifestação Você e a fumaça vermelha esplendente são
uma mesma e única coisa. Ao inalar a energia sucessiva do plano ou mundo de Atsiluth, você concentra
toda a energia do plano da Criação arquetípica, o que tem de sustentar a ordem em que se produzem as
formas invisíveis.

64

DANÇA

Desde a mais remota Antigüidade, e de maneira unânime em todos os povos, aparece a dança como
expressão do sentir do homem, e como um ato natural nele. Unida sempre à música e ao canto, como uma
trilogia rítmica indissolúvel, ela constitui um gesto espontâneo que se articula com o ritmo universal. Este se
colocar "no ritmo", este "ritmar" com o Cosmo, é a essência e a origem da dança, cujas coreografias e
movimentos circulares se inspiram na ordem dos planetas e seus efeitos e correspondências na
manifestação. O homem, o dançarino, é o intermediário entre céu e terra, e seus passos repetem e
representam a Cosmogonia primordial à qual imediatamente assinala um caráter repetitivo e ritual. Graças a
estes gestos e figuras ideais, ou "patronos" simbólicos, e à total entrega à dança, o ser humano se vê
transportado a outro mundo, a outro espaço mental, onde sua participação ativa no presente através do
movimento faz com que se conecte com uma só e única onda, ou vibração, compartilhada pela criação
inteira. Quando isto é assim, é que se compreendeu o sentido mágico da vida, da qual é parte.

65

A NAVE

A nave, por sua estrutura, aparece como uma imagem simbólica do Cosmo. Seu mastro central representa o
Eixo do mundo, que vai do zênite ao nadir, e a gávea, que em muitas ocasiões o rodeia circularmente por
cima, equivale ao "olho do domo" das catedrais e de todo edifício construído seguindo o mesmo modelo
cósmico. Advirtamos que o espaço interior do templo cristão também se denomina nave, sendo esta
precisamente um dos emblemas dos pontífices católicos, também chamados "pastor e nauta". Desta forma, a
nave está orientada segundo os quatro pontos cardeais: a direção proa-popa assinala o eixo vertical norte-
sul, e a direção estibordo-bombordo o eixo horizontal este-oeste. É também uma imagem da Arca boiando
sobre a superfície das Águas Inferiores, contendo os germes de um novo ciclo, pelo que também é
relacionada com a copa, a matriz, e por extensão com o coração e a caverna.

Lembraremos que o antigo lema dos marinheiros: "Navegar é preciso, viver não é preciso", ilustra-nos
perfeitamente acerca do sentido profundo da navegação, do peregrinar pelas Águas Inferiores em busca do
Centro, simbolizado pela ilha ou continente mítico das origens. Efetivamente, a vida não tem nenhum
sentido, nenhuma “orientação”, se ela não está concebida como uma aventura em busca do Conhecimento,
para o qual é necessário, como se diz no I-Ching, atravessar as "Grandes Águas", ou o "Mar das paixões”
inerentes à individualidade humana, como se afirma no hinduísmo, e em geral em todas as tradições.

66

AS COLUNAS E A PORTA

As colunas são evidentemente símbolos do eixo. Estão expressando a idéia de ascensão vertical que une a
Terra e o Céu. Quando se tratam de duas colunas rematadas em sua parte superior por um arco ou cimbre,
este último simboliza ao Céu, enquanto o retângulo que formam as colunas simboliza a Terra. A porta é
também uma esquematização da estrutura completa do templo, especialmente visível nos pórticos das
catedrais e mosteiros cristãos. Esse semicírculo do arco simbolizando o Céu se encontra no coro do altar ou
abside, que é a projeção sobre o plano de base horizontal da cúpula ou abóbada. E o resto do templo, da
porta ao altar, representa a Terra.

A porta (emoldurada pelas duas colunas), com sua dupla função de separar e comunicar dois espaços (o
espaço profano do espaço sagrado), está em relação com os ritos de "trânsito" ou de "passagem", ligados por
sua vez com os mistérios da Iniciação, que constituem os mistérios da vida e da morte. Trata-se de um
simbolismo primordial que se encontra, sob distintas formas, em todas as tradições.

As duas colunas são um símbolo da dupla corrente de energia cósmica, ativa-passiva, masculina-feminina,
rigor e graça, que articula o processo da criação universal em todas suas manifestações. Traspassar o umbral
do Templo-Cosmo é ser penetrado por esta dupla energia que convenientemente harmonizada nos
conduzirá, através de uma viagem regenerativa e por etapas, à saída do mesmo por outra porta, desta vez
pequena (a "porta estreita" do Evangelho, ou "olho da agulha" como se diz na tradição hindu), situada na
"chave de abóbada", e, portanto, na sumidade da cúpula. "Eu sou a Porta", diz Jesus Cristo, "e quem por
mim passa vai ao Pai". A porta de entrada ao templo, e a que está simbolicamente na sumidade da cúpula,
são respectivamente, e utilizando a simbologia da Antigüidade greco-latina, a "porta dos homens” e a ”porta
dos deuses", as duas portas zodiacais de Câncer e Capricórnio. Pela "porta dos homens", há o nascimento ou
a entrada no Cosmo; pela "porta dos deuses", deixa-se ele, acessando à realidade supracósmica, além do Ser,
não condicionada por nenhuma lei espaço-temporal, e da qual nada pode se dizer.

Por sua relação com a caverna iniciática, o templo é semelhante ao corpo da Grande Mãe, sob seu duplo
aspecto telúrico e cósmico. As duas colunas são também as duas pernas da Mãe parturiente, em cuja matriz
o neófito, que vem do mundo das "trevas profanas", morre para sua condição anterior, renascendo na
verdadeira Vida. Trata-se naturalmente de uma iluminação na esfera da alma, do nascimento do Homem
Novo que habita em cada um de nós.

Pela Iniciação, o Cosmo, com todos seus mundos e planos, aparece como a autêntica casa ou morada do
homem, na qual já não se sente estranho ou alheio, pois morreu para o velho homem, e se reintegrou ao
pulsar do ritmo universal, do qual toma parte.

67

CABALA
Anteriormente, demos a idéia do simbolismo das colunas e da porta. Na continuação, queremos transpor
este simbolismo para nosso diagrama da Árvore Sefirótica, ou Árvore da Vida cabalística:

68

EXERCÍCIO RESPIRATÓRIO

Como nas duas lições anteriores, referentes aos exercícios respiratórios do plano ou mundo de Atsiluth e
do de Beriyah, respectivamente, começamos tomando os cuidados convenientes para nossa prática. Agora
tomemos nosso alento diretamente da fonte da luz e do calor: Tifereth, o Sol. Este, por sua vez a toma do
espaço infinito e a emana diretamente para nós. Agora estamos localizados em Netsah, a sefirah N° 7, e
aspiramos essa energia que nos inunda e se faz evidente na zona baixa de nosso plexo solar. Começamos a
expirá-la suavemente para Hod, a sefirah N° 8, percebendo que o vermelho brilhante se faz mais intenso,
bem como a sensação de “corporalidade" em todo o exercício. Retemos toda essa força e a exalamos para
Yesod, a sefirah N° 9, e notamos como desce e se vai coagulando, até ficar estática, sinal de que a
transmissão se efetuou. A copa ficou prenhe de frutos, e a receptividade de Yesod passa agora a cumprir
um papel generativo e fecundador. Expelimos então nosso alento para o plano ou mundo de Asiyah, para a
Concreção material, fruto e manifestação sensível das emanações, e efetivização das energias de toda a
Árvore da Vida cabalística.
69

MITOLOGIA CABALISTICA

Todos os povos, desde a mais remota Antigüidade, conservaram a realidade do mito como um componente
essencial de sua concepção do mundo, de sua Cosmogonia e Teogonia. Por muito longe que nos
remontemos na história das civilizações tradicionais, sempre encontramos nelas uma rica profusão de relatos
e lendas relacionados com seres míticos, que servem de comunicação entre a Terra e o Céu, entre o de baixo
e o de cima. A tradição cabalística também conserva um grande número de gestas míticas vinculadas com o
descenso à Terra das energias celestes, angélicas ou espirituais. Assim, na Cabala se acha com freqüência o
nome de Metatron, que se identifica com o arcanjo Miguel, também chamado o "Príncipe das Milícias
Celestes".

A Cabala considera o Metatron como o princípio ativo e espiritual de Kether, a Unidade, que com as tropas
divinas sob seu comando (as sefiroth de construção cósmica) empreendem a luta contra as potências do mal
e das trevas (que constituem seu próprio reflexo escuro e invertido, as "cascas", "escórias" ou keliphoth)
dissipando a dúvida e a ignorância no coração do homem, fecundando-o, simultaneamente a essa mesma
ação, com a influência espiritual que transmitem. Em algumas representações da iconografia cristã e
Hermética pode se ver este combate mítico nas figuras do arcanjo Miguel e das hostes angélicas, lutando
contra os demônios e Satã, o "príncipe deste mundo", segundo a conhecida expressão evangélica.

Com o mesmo significado, mas a nível humano, encontramos o cavaleiro São Jorge combatendo o Dragão
terrestre, símbolo das paixões inferiores e do "caos". Precisamente, a lança ou espada (símbolos do eixo) de
São Jorge atravessando o corpo do monstro, sugere a "penetração" das idéias celestes, verticais e
ordenadoras, em dito "caos". Esta variante do mito é análoga à luta que o homem acomete na busca do
Conhecimento, o que lhe dá a possibilidade de viver um processo mítico idêntico ao dessas mesmas
energias cósmicas e telúricas, celestes e infernais, em permanente luta e conciliação.

Relacionado em certo modo com as origens da Tradição Hermética, e intimamente vinculado com o que
vimos dizendo, encontra-se o mito dos "anjos caídos", que igualmente é relatado no Gênesis bíblico.
Considerado desde o ponto de vista da Ciência esotérica –que tende a resolver os opostos e, portanto, exclui,
por insuficientes, o simplesmente moral e sentimental, bem como as leituras demasiado literais das coisas,
que estão incluídas no ponto de vista simplesmente religioso e exotérico– a "queda dos anjos" representa,
ante tudo, um símbolo do descenso das influências espirituais no seio da própria vida e da natureza humana.

Certos anjos caíram acesos pelo amor que professavam às filhas dos homens às quais, diz-se, "encontraram
formosas e belas". De seu casamento, nasceram seres semidivinos (os antepassados míticos), que revelaram
aos homens as ciências e as artes teúrgicas, mágicas e naturais, ou seja, todas aquelas disciplinas que, como
já sabemos, integram os textos sagrados dos “Hermética” e do “Corpus Hermeticum”.

70

A MONTANHA E A CAVERNA
A montanha, junto com a pedra (forma reduzida desta) e a árvore, com que se encontra associada, é um
símbolo natural do "Eixo do Mundo". Por ser na realidade uma elevação ou protuberância da terra, a
estrutura imaginal do homem sagrado vê na montanha um símbolo da sua própria natureza, que aspira
verticalmente para o superior ou celeste. Em geral todas as montanhas têm esse significado, mas existem
algumas que, devido a certas correspondências espaciais relacionadas com a topografia sagrada estão
"carregadas" de influxos espirituais. Estas são as denominadas "Montanhas Santas" ou "sagradas", morada
de entidades espirituais. Por isso, muitos templos e santuários (como é o caso, por exemplo, do Partenon
grego) foram construídos nos cumes de determinadas montanhas, ou seja, ali onde a Terra parece tocar o
Céu.

Assim a montanha, quanto a sua estrutura, é um arquétipo do templo, o que é especialmente visível nas
pirâmides egípcias e pré-colombianas e nos zigurates babilônicos. Relacionado com isto, é significativo o
fato de que Dante, na Divina Comédia, situe ao Paraíso Terrenal, ou Jardim do Éden (do qual todo templo é
uma imagem simbólica), no cume de uma montanha, que é a "Montanha Polar", "Celeste" ou "Mítica",
comum a muitos povos tradicionais, como é o caso do monte Meru entre os hindus, o Alborj entre os antigos
persas, o Sinai e Moriah entre os hebreus, a montanha Qaf entre os árabes, ou o morro Urulu (ou ¨Ayers
Rock¨) entre os aborígines australianos, etc. A vinculação da montanha com o Paraíso nos sugere seu caráter
primordial, pois este, ou seu equivalente em qualquer tradição, é considerado como o começo ou origem
mítica da humanidade (a "Idade de Ouro"), quando todos os homens sem exceção participavam do
Conhecimento e da Verdade. O Paraíso era também a residência da Grande Tradição Universal,
conservadora da doutrina e da sabedoria perene, e toda montanha sagrada, como o Éden, é o símbolo do
Centro do Mundo. Mas a partir de certa época, e devido às condições cíclicas adversas, o Conhecimento
deixou de pertencer à totalidade dos homens, ficando em posse tão só de umas minorias que, para o
salvaguardar e o manter através dos tempos, criaram as culturas tradicionais, conformadas pelos ritos e
símbolos sagrados. O Conhecimento se repregou no interior de si mesmo, no coração da montanha, ou seja,
na caverna, um lugar que por sua situação está oculto e protegido.

Por tal motivo o mundo "supra-terrestre" gerou, em certo modo, o "mundo subterrâneo". Fez-se invisível.
Ocultou-se, mas não desapareceu. A vacuidade escura da caverna substituiu à luminosidade da cúspide da
montanha. A Verdade, que nos primeiros tempos era espalhada aos quatro ventos e estava na boca de todos,
converteu-se num segredo só percebido no mais interno. A caverna (como o ovo) é também um símbolo do
Cosmo, um "Centro do Mundo" igualmente à montanha. Porém, assim como nesta [a Verdade] se manifesta
em todo seu desenvolvimento e amplitude, à vista de todos, na caverna, o Centro se mantém invisível,
virtual e potencial. O templo é igualmente uma caverna, ainda que esta se encontra mais bem representada
pela cripta, situada em muitas catedrais debaixo do Altar, ou seja, sobre o mesmo eixo perpendicular que
parte da "chave de abóbada", ou seja, da sumidade. Na caverna sagrada se produzem as hierofanias e se
celebram os mistérios da Iniciação, o mesmo que as "revelações" e "aparições" da divindade. Lembremos
que Jesus Cristo nasce num estábulo, equivalente da caverna. Por outro lado, o mesmo esquema simbólico
tradicional para representar a caverna é idêntico ao do coração e ao da copa, ou seja, um triângulo eqüilátero
com o vértice para baixo, dando a imagem de um recipiente que recolhe os eflúvios espirituais. O símbolo
geométrico da montanha é por sua vez um triângulo, mas com o vértice para cima.

Existe aqui uma aplicação deste símbolo, que completa o que se disse até agora, e é que como a caverna está
no interior da montanha, podemos ver que a reunião de ambos conforma o símbolo já conhecido do "Selo de
Salomão" ou "Estrela de David". Este é, como já sabemos, o símbolo da analogia, que faz que o de baixo
seja complementar com o de cima e vice-versa. Portanto o triângulo invertido é um reflexo do outro,
exatamente igual que o microcosmo é um reflexo do macrocosmo, ou que a realidade relativa do
manifestado é um reflexo da Realidade Absoluta do imanifestado.

71

O SÍMBOLO DA PEDRA

Entre os materiais de construção, o mais importante é naturalmente a pedra. Mas esta, como tudo o que
forma parte do Templo, tinha para os construtores das civilizações tradicionais que utilizaram esse material
(pois se sabe que antes dele se edificava com madeira), um sentido simbólico bem preciso, que é o que lhe
dá toda sua importância desde o ponto de vista sagrado.

A pedra expressa dois aspectos bem distintos. Por um lado, e devido a sua tosquedade e arestas, simboliza a
natureza grosseira e imperfeita do homem profano. Por outro, graças a sua solidez e estabilidade, reflete
mais do que nenhuma outra coisa a presença imutável de Deus no seio da Criação. E isto é precisamente o
que faz que uma determinada pedra seja venerada como sagrada. É o caso dos betylos-oráculos2, que eram
geralmente aerólitos, ou pedras "descidas do céu", e associadas, portanto, com o raio e com a luz.
Adicionaremos que "betylo" procede de Beith-El (que significa "Casa de Deus"), nome dado ao lugar onde
Jacob repousou sua cabeça e teve o sonho no qual via descer e ascender anjos por uma escada que unia o
Céu e a Terra. (Essa mesma palavra, Beith-El, converteu-se posteriormente em Beith-Lehem, ou Belém, a
"Casa do Pão", e designou a cidade na qual devia nascer Cristo, o Verbo descido no seio da substância
terrestre).

Por tal razão houve épocas e culturas onde se estava terminantemente proibido talhar as pedras destinadas a
um culto especial, pois estas eram consideradas como a própria expressão da substância indiferenciada (a
matéria prima) e virginal da natureza divina. Mas este não é o caso dos templos que, como as catedrais,
precisam para sua solidez pedras completamente talhadas, esquadrejadas, polidas e trabalhadas com o
martelo e o cinzel. A pedra já não expressará essa virgindade indiferenciada, mas o caos amorfo do profano
que precisa ser ordenado pelas réguas e métodos da Arte.

Ao polir a pedra bruta, o aprendiz construtor estava realizando um trabalho e um gesto ritual consigo
mesmo. A pedra era ele mesmo, e a transformação desta em pedra talhada e cúbica simbolizava a
transmutação qualitativa de todo seu ser.
2
N.T. – Betylo - Pedra sem lavrar, ou toscamente talhada, à qual rendiam culto os povos da antiguidade, considerando-a como a
representação de uma divindade, ou como a própria divindade.

72

EXERCÍCIO RESPIRATÓRIO

Pratique os exercícios aos que já está acostumado durante uns vinte minutos. Logo sinta como a energia
sutil penetra suavemente por sua coroa (Kether) e desce agora até seu coração (Tifereth), expandindo-se
logo para sua zona ventral e os genitais (Yesod). Sinta, ao ritmo de sua respiração, como as energias
descem até Yesod e finalmente se concretizam no plano material (Malkhuth), e logo ascendem e retornam
pelo mesmo caminho a sua origem e são expelidas para fora de Kether através de um processo evolutivo.
Sua coluna vertebral é o eixo por onde começou a se enroscar a serpente Kundalini, que, situada na base
de sua coluna vertebral, começa a se desenroscar; o que é o mesmo que o retorno das energias criativas a
sua Origem.

73

ARQUITETURA

A Arquitetura, ligada à arte da construção, nasce simultaneamente como uma necessidade material e uma
necessidade espiritual. Como necessidade material, foi imperioso, num determinado momento da história,
pôr-se a coberto e abrigado das intempéries meteorológicas e de toda classe de perigos e condições
adversas. E como necessidade espiritual, porque toda edificação, quaisquer fossem os materiais e os
modelos arquitetônicos utilizados, tinha e tem uma significação unida ao culto religioso e sagrado. Um
exemplo deste é o próprio Templo ou Santuário, do qual já falamos, ainda que também estava, e está
presente aonde ainda se conserva uma cultura tradicional, na própria moradia, na qual destaca o lar ou fogo
central análogo ao Altar. Em ambos os casos a arte da construção se baseia na contemplação de um gesto
divino primordial: a Criação do Mundo. O Cosmo físico, criação do divino Arquiteto, proporcionava ao
arquiteto humano o modelo de sua própria morada. Céu e Terra constituem a parte superior e inferior do
edifício. Neste sentido, sendo a realidade concreta do Cosmo uma manifestação dos mundos invisíveis, a
construção da casa familiar e cultual deve cumprir uma função similar, ou seja, servir de recipiente e suporte
às energias criadoras do Universo, plasmando-as na configuração de seu traçado e em cada uma de suas
partes e elementos. E já vimos que essas energias se expressam simbolicamente por meio de módulos
numéricos e geométricos, estreita e harmonicamente vinculados entre si. Catedrais e mosteiros, por
exemplo, são verdadeiros compêndios da vida universal, onde estão representados na pedra os diversos
reinos da natureza, do mundo intermediário, e do mundo espiritual ou angélico, em suma, o "Livro do
Universo". Por isso os Mestres arquitetos e os operários a suas ordens, divididos em diversos graus,
tivessem um conhecimento perfeito da Metafísica, a ontologia, a cosmologia e as ciências naturais. As
próprias ferramentas e elementos utilizados para a edificação são simbólicos, além de práticos, e entre eles
merecem ser destacados o compasso, o esquadro, o nível, o prumo, a régua, a colher de pedreiro, o martelo e
o cinzel.

74

A HIERARQUIA

Um dos maiores erros do homem atual, filho da sociedade contemporânea, é acreditar numa suposta
igualdade totalmente ausente na vida e na própria natureza, já que todos os "reinos" e espécies se encontram
perfeitamente hierarquizados. Por este expediente igualitário se nega toda possibilidade de superação, já que
se atribui aos demais a pequena mediocridade do meio que se vive e encarna, e as pessoais densidades e
pesadelos que constituem a existência individual dos que integram uma sociedade dessacralizada. Projeta-se
assim uma imagem rasteira, sem ter em conta nem por um momento a experiência, a sabedoria, a idade, os
estudos e as viagens daqueles com os quais se pretende equiparar, numa comparação absurda que se produz
pelo fato de "crer" numa "igualdade" que é tomada como um autêntico "bem" em si mesmo, e mesmo como
um progresso cívico e democrático.

É comum ver em povos e províncias que às pessoas, que por algum motivo se destacam, trata-se de lhes
"puxar o tapete”, ou de lhes “descer do pedestal”. Esta última imagem é muito plástica: há que fazer "baixar
o nível" do outro quando não se pode ou não se quer ascender a seu nível.
Não há maior igualdade que aquela que temos os homens, a de albergar a deidade no interior de cada ser,
possibilidade que levamos os seres humanos sem exceção e que constitui o que verdadeiramente une. Ou
seja, a igualdade ante e no Ser Universal da qual todos os seres de alguma maneira somos partícipes, e a
liberdade de conseguir a fusão nesse Ser Universal que deu ao ser particular uma Origem e um Destino
comum.

75

ARTES MARCIAIS

As bem chamadas "artes" marciais constituem a possibilidade da consecução permanente na conquista do


equilíbrio através da ação-reação. Esta dança, reflexo da [dança] cósmica, permite a defesa e o ataque e o
intercâmbio rítmico das energias amigo-inimigo, eu e o outro, no qual um deles deverá necessariamente
impor-se para que possa se perpetuar a harmonia universal por meio da desarmonia do vencedor e do
vencido.

As artes marciais tradicionais jamais consideraram o extermínio do adversário, senão que, pelo contrário,
costumam utilizar a energia do inimigo para deixá-lo desarmado e, portanto, indefeso e rendido, mesmo
tendo em conta o seu furor.

Alguns estrategistas afirmam que uma boa defesa consiste num bom ataque e alegam importantes razões a
seu favor. Igualmente na guerra às vezes os vencedores costumam ser os vencidos. Não se pode entrar na
batalha com a onipotência do que não respeita as leis da guerra, e muito menos se não se tem a convicção de
vencer.

Há dois grandes princípios na estratégia que podem ser a causa da impecabilidade de um guerreiro: a) não
subestimar o adversário; b) não mostrar as armas ao inimigo (Tao Te King). Ademais, deve saber o
guerreiro de que suas emoções são secundárias sempre que sua causa seja justa. Na eleição dessa causa e no
conhecimento que isso supõe está a chave do sucesso final. Caberia também enumerar uma terceira regra:
deixa as pegadas necessárias para que tenham que se enfrentar contigo. O perseguidor está sendo
perseguido. Conquanto isto não é o fim de nossos estudos –que aspiram à Metafísica- não deixam de ser
úteis estas advertências em certas ocasiões.

76

EXERCÍCIO RESPIRATÓRIO

Ensaiaremos um exercício respiratório baseado na primeira Tríade da Árvore da Vida. Não só o diagrama
Sefirótico se divide em quatro planos (Atsiluth = Fogo, Beriyah = Ar, Yetsirah = Água, Asiyah = Terra),
mas também cada uma de suas colunas (a da Força ou ativa, a da Forma ou passiva, e a do Equilíbrio ou
neutra), por sua vez representa: o princípio ativo do fogo, expressado pela letra mãe hebraica Shin; seu
oposto, o princípio passivo da água, significado pela Mem; e o neutro do ar que corresponde à letra Alef.
Por isso, Kether, pertencendo à coluna central, ou neutra, tem de levar à toda a Árvore o hálito vital, que
recebe desde seus inícios a contradição do fogo (coluna da Força formada por Hokhmah, Hesed e Netsah)
e da água (coluna da Forma constituída por Binah, Gueburah e Hod).
Assim, pois, você, localizado no eixo polar da Árvore Cósmica e do mundo, aspirará a energia infinita de
En Sof, que ao ser expelida conformará simultaneamente o fogo positivo de Shin e a água negativa de
Mem, os quais num ponto deixarão de se opor para se multiplicarem e sobrevirão finalmente em Malkhuth,
a Rainha (equiparada ao princípio do elemento terra) no plano ou mundo de Asiyah.

Da terra, voltará a ser aspirada pelo vento de Kether, a letra Alef, a primordial, da qual tudo é exalado e
na qual tudo é reabsorvido. Você é o criador da Árvore da Vida, que se articula e se harmoniza através de
seu próprio processo respiratório, que volta novamente a você, para ser reintegrada no Si Mesmo.

Inale a luz incriada de En Sof e com sua expiração, lenta e prolongada, converta-se no vento original que
impulsiona a máquina do mundo. O ativo e o passivo tendem a desequilibrá-lo vez por outra, mas você
conserva seu rumo independente, absolutamente eqüidistante de ambos. Seu caminho é dificultoso e deve
ultrapassar todos os obstáculos. Leve as emanações e vibrações mais sutis das sefiroth da Árvore e faça
com que elas se materializem na terra, para assim poderem ser reintegradas a você mesmo, pois é o
alimento e a energia da qual precisa se reabastecer para viver.

Você é Kether, e seus lados esquerdo e direito, Hokhmah e Binah. A Terra é o firme embasamento de seus
pés e esta totalidade do conjunto dos elementos se transfere a seu corpo e você é capaz de perceber a idéia
da plenitude, e da totalidade.

77

CIÊNCIA

A Antigüidade não estabelecia diferenças nítidas entre Ciência, Arte e Filosofia. Igualmente os alquimistas
medievais se autodenominavam tanto artistas como filósofos, e ao se referirem a suas atividades, faziam-no
chamando-as Ciência. Desse modo a vinculavam com a Ciência sagrada e tradicional que não excluía as
disciplinas cosmológicas nem a meditação Metafísica, e tampouco o rito e a oração, segundo pode se ver em
todos os documentos emanados de suas mãos, que unanimemente o atestam.

A Ciência, tal qual a conheciam os antigos, não tinha nada que ver com um método literal, como a
concebem nossos contemporâneos (nascida esta idéia com Descartes no Discurso do Método, aparecido
recém no século XVII) e menos ainda pensavam em sua substituição pela "técnica" ou "técnicas", modos de
ver estes exclusivamente empíricos e racionais, em contraposição com a universalidade da autêntica
Ciência. A chamada ciência moderna, fundamentada na estatística e na comprovação de um mesmo
fenômeno em circunstâncias "ideais" não é de nenhuma maneira exata, como bem o sabiam os alquimistas
medievais (que repetiam um mesmo experimento centos de vezes, sabendo que as circunstâncias eram
sempre distintas, para obter finalmente resultados palpáveis de transmutação natural), pois é sabido que as
mesmas coordenadas espaço-temporais não se dão de uma mesma maneira indefinida num suposto mundo
imóvel, frio e irreal (o que se entende equivocadamente como "matemático"), e a melhor comprovação disso
é a observação atenciosa da terra e do céu, do macrocósmico e microcósmico, sempre em contínuo
movimento e perpétua geração de novas formas de vida.

Por outro lado, queremos destacar que esta ciência "moderna", à qual estamos nos referindo, é na verdade
um esquema "antiquado" do século XIX, que paradoxalmente permanece vigente nas casas de estudo
oficiais. No entanto, as comprovações da mais moderna ciência, ocorridas aproximadamente desde uns 50
anos para cá, com uma concepção absolutamente diferente do racionalismo mecânico, tocam-se com as
concepções da Antigüidade e descrevem uma cosmologia análoga à das doutrinas tradicionais de todos os
lugares e tempos, segundo daremos algum exemplo em subseqüentes séries e capítulos.

78

O ALTAR

Arquitetonicamente, o Altar ou Ara é a "pedra fundamental" do templo. Ainda que na prática, e desde o
ponto de vista microcósmico, o trabalho de construção material e de processo do Conhecimento, se realize
de baixo para cima, da multiplicidade à Unidade arquetípica, na realidade deve ter-se sempre presente o
ponto de vista metafísico, que considera o processo cosmogônico como um passo dessa mesma Unidade à
multiplicidade ou de cima para baixo.

Neste sentido, a pedra fundamental do altar, por estar situada no centro do próprio quadrado, ou retângulo,
da base, é a projeção direta e vertical da pedra angular ou pedra cimeira, que constitui a autêntica peça
chave da abóbada do templo. Por sua vez, as quatro pedras de fundação das esquinas ou ângulos do edifício,
são outras tantas projeções ou reflexos horizontais da pedra fundamental. Obtém-se assim um esquema
simbólico onde o altar ocupa uma posição intermediária e central entre o mundo terrestre e o celeste.

O altar está, pois, no Centro do Mundo, ou seja, no lugar geométrico ideal e simbólico onde se produz a
ruptura de nível, que comunica o homem com os estados superiores e as realidades invisíveis. A este
respeito, a palavra altar quer dizer "alto", lugar elevado, o que a relaciona à montanha, e mais concretamente
à Montanha Sagrada.

Nos templos-montanhas, como certas pirâmides pré-colombianas e os zigurates babilônicos, os altares se


situam na cúspide, simbolizando a idéia de lugar privilegiado próximo ao Céu. Nos templos cristãos, as
arquibancadas (graus) que elevam e separam o altar maior com relação ao resto da nave, têm este mesmo
significado: o altar cristão, como seu antecessor, o altar hebreu, está simbolicamente no alto da montanha do
Paraíso. Se o templo é um organismo vivo, o altar é propriamente seu coração. Nele se concentra e se
expande, como se da sístole e da diástole cordiais se tratasse, toda a energia sutil que dá coesão ao conjunto
do edifício. O altar é o ponto sensível, o nódulo vital que reúne as energias horizontais e verticais do templo,
por meio das quais, ao percebê-las em sua própria natureza, o homem é conduzido a participar da despojada
beleza que emana de todo ele, revelador do equilíbrio e harmonia da criação.

Por isso no Templo de Jerusalém –feito construir pelo sábio rei Salomão–, a Arca da Aliança, em cujo
interior eram simbolicamente recolhidos os eflúvios divinos, estivesse depositada em cima da pedra
chamada Shetiyah, equivalente ao altar.
É também a “ara” a pedra de sacrifício, ali onde se consuma o ato sagrado por excelência: a morte ritual do
homem velho, e o nascimento e ressurreição à verdadeira Vida. Na pedra sacrifical, ou alma humana, que
chegou ao centro de si mesma, isto é à "união" com o Espírito, é crucificada e oferecida aos deuses, ou à
divindade, instituindo por esse ato primordial uma aliança, ou um laço comum, indissolúvel.

79

OS SONHOS

Em todas as cosmogonias tradicionais, os sonhos sempre foram considerados como veículos intermediários
entre a realidade concreta e sensível e a realidade espiritual e Metafísica. Isto se deve à razão de que os
sonhos pertençam precisamente ao estado sutil intermediário, ou seja, ao plano de Yetsirah ou das
formações, participando portanto da dualidade inerente ao citado plano, o que os faz suscetíveis de oferecer
um aspecto escuro e inferior, ligado ao orgânico e, por conseguinte, ao plano de Asiyah, e outro aspecto,
pelo contrário, luminoso e superior, relacionado com o plano de Beriyah e o mundo das idéias. Não seria um
erro dizer que é ao primeiro destes dois aspectos ao que presta todo seu atendimento a psicanálise freudiana,
que se cinge exclusivamente ao fenomênico, aprofundando nisso, enquanto é o segundo o que
verdadeiramente é importante e significativo, pois as imagens que constituem seu conteúdo não são senão
idéias revestidas de formas mentais, podendo ser consideradas então, efetivamente, como autênticos
símbolos veiculares e reveladores do que está mais além do individual e, por conseguinte, do fenomênico,
ou seja, que abrem a determinadas possibilidades de realização interior, com a vantagem de que o ser, no
estado de sonho, encontra-se liberado de certas condições implícitas na modalidade corporal e, portanto,
espacial, de sua individualidade. Temos o exemplo do conhecido "sonho" de Jacob, durante o qual este vê
anjos (os estados superiores) ascender e descer por uma escada, que é o Eixo do Mundo unindo terra e céu,
sem esquecer da importância concedida a determinados sonhos em todas as vias iniciáticas, e muito
especialmente nas xamânicas de qualquer parte do mundo, que quase sempre se tratam do recebimento de
um desígnio, ou de uma revelação concedida pelos espíritos, númenes ou deuses.

80

REALIDADE OU FICÇÃO?

Se a vida é ilusão para o hinduísmo, para o budismo, e desta forma os mestres herméticos o afirmam, o que
será então a realidade? E, igualmente, o que será esta ficção? Se o homem é estrangeiro nesta terra, e como
tal vive ao começar um trabalho interno alheio aos outros, qual é o critério de "verdade" ou "mentira"? Que
soleira sutil se transpassa entre uma forma de ver e a outra? Pois, embora o que se considere mais estranho
no homem contemporâneo (do qual somos ainda parte) é sua maneira de se aferrar e se identificar com as
coisas, aqueles que se permitem esta atitude interna ou extraterrestre são considerados igualmente estranhos
para o meio. Ao se abrir uma porta e dar um passo à frente, as coisas estarão banhadas de uma outra luz e de
um outro conteúdo. Se fecharmos essa porta e dermos um passo para trás, essas mesmas coisas aparecerão
familiares em seu nível rasante e cotidiano. Realidade ou ficção? Permitir-se ver é algo castigado pela
sociedade que não aspira a estes projetos. Do mais íntimo do coração alguém se pergunta quem tem razão.
Mas será a razão o instrumento adequado, ou a ferramenta que nos permitirá elucidar estas experiências
pessoais? Ou será que simplesmente a experiência justificaria toda nossa ação?

81

MITOLOGIA

Das que ainda se tem lembrança de sua existência, a civilização grega é, quiçá, uma das que alberga o maior
número de deuses e mitos. Efetivamente, o panteão (palavra que deriva de pan, "todo", e theon, "deuses")
grego é verdadeiramente fecundo e prolixo, só comparável ao das culturas hindus, e das pré-colombianas,
especialmente a asteca e a maia. O próprio nome “mito" é de origem grega, e sua raiz é a mesma da palavra
"mistério", derivando ambas da palavra “muein”, que significa "fechar a boca", "calar-se", aludindo sem
dúvida ao silêncio interior em que se recebem os segredos da iniciação. Desde os mistérios órficos,
passando pelas iniciações de Eleusis, das quais participaram Pitágoras, Sócrates e Platão, até o crisol de
culturas que representou a Alexandria dos séculos II e III de nossa era, a mitologia grega nutriu o universo
sagrado de todas as culturas do Ocidente mediterrâneo, particularmente a do Império de Roma.

Cada ciência e cada arte, bem como qualquer atividade manual, racional e intelectual do homem, estava sob
a proteção e influência de um deus, musa ou gênio astral, o que redundava numa convivência harmônica
com as forças ordenadoras do Cosmo. Os gregos, como qualquer povo tradicional, entendiam que os deuses
e as entidades invisíveis eram modos ou formas de ser da existência, e reuniam toda a variada gama de
possibilidades essenciais e arquetípicas da conduta e do pensamento humanos. Neste sentido, uma filiação
profunda une a deuses e a homens: todos surgem do casal de Urano (o Céu) e Gea (a Terra). Assim, os
deuses olímpicos representam os estados superiores do homem, e os homens os estados terrestres dos deuses
E isto é, uma vez mais, uma aplicação da lei de analogia, que faz que "o de cima seja como o de baixo, e o
de baixo como o de cima”, conformando um todo harmonioso e ordenado.

As relações íntimas entre os deuses e os homens têm, nas tradições greco-romanas, um caráter ambivalente
de reconciliação e luta, claramente vinculado com a idéia de empresa heróica, e de reconquista da
imortalidade por parte destes últimos; não se faz senão representar, por meio das lendas dos heróis, o
próprio processo da Iniciação.

Isto está exemplificado pelo conhecido mito de Ulisses, cantado na Odisséia por Homero, que após uma
viagem labiríntica, por mar e terra, cheio de perigos e vicissitudes, atinge por fim sua "terra natal", a ilha de
Ítaca. Igualmente por Hércules (ver N.Å 15), herói solar, que após sofrer diversas provas e trabalhos,
consegue penetrar no Jardim das Hespérides, outro dos nomes dados ao Centro do Mundo.
82

ASTROLOGIA

Todos os planetas percorrem aparentemente a roda do zodíaco, e a duração desse percurso é a que determina
o ciclo particular de cada um deles, sendo claros os dos dois chamados "luminares", o Sol e a Lua, que
produzem os ciclos anuais e mensais. As influências que estes planetas exercem na terra variam, segundo se
encontrem numa ou noutra casa zodiacal, pois as qualidades destes signos podem ser afins, indiferentes ou
hostis aos diversos influxos planetários.

Seguindo o modelo cíclico solar sobre o qual trabalhamos, o primeiro gráfico, representado mais adiante, é a
roda dos signos no céu tal como se vê olhando para o norte: Capricórnio corresponde ao inverno e à meia-
noite, Áries à primavera e ao amanhecer, etc. O movimento da roda celeste (em sentido oposto aos ponteiros
do relógio) é inverso ao do sol, que se desloca sobre ela em sentido contrário (retrógrado), tal qual o
podemos ver na seguinte figura, de uso corrente para efetuar os horóscopos. O movimento do sol é sempre
retrógrado, porque se move em sentido contrário ao das estrelas.

Capricórnio se encontra no extremo norte da eclíptica (de onde se deslocará durante 30 dias, até deixar lugar
para o signo seguinte) ao meio-dia do dia que corresponde ao solstício de inverno, bem como à meia-noite
do correspondente ao solstício de verão, como pontos especialmente destacáveis do ciclo anual, posição
celeste que é a que correspondem estas figuras. Entre os demais dias do ano e, portanto, no simbolismo que
expressa dito ciclo, assinalam-se igualmente os momentos do amanhecer no equinócio de primavera e o do
crepúsculo no equinócio do outono, ainda que sempre há um momento do dia em que se dá esta posição das
constelações pois, como sabemos, a roda zodiacal dá uma volta completa em 24 horas.

Já fizemos a advertência de que, para nossos estudos e cálculos astrológicos, unicamente utilizaremos os
sete planetas tradicionais, com exclusão de Urano, Netuno e Plutão, já que estes três últimos foram
introduzidos recentemente e os estudos sobre os mesmos são incompletos.

Cada planeta tem um ou dois signos zodiacais que constituem seu domicílio, e se diz que eles regem ou
governam nestas casas e que suas influências são complementares. Segundo se depreende do seguinte
esquema, os luminares têm um só domicílio, enquanto os outros cinco planetas têm dois, um diurno e outro
noturno:
Se o planeta se encontra no signo oposto ao de seu domicílio, diz-se que está em “exílio", sendo suas
influências contrárias ou desfavoráveis. Além disso, quando a influência planetária é afim à do signo em que
se encontra, diz-se que o planeta está em “exaltação", e quando está no oposto suas energias são hostis e o
planeta se acha em "queda". Isto se compreende melhor com o seguinte quadro:

PLANETAS DOMICÍLIO EXÍLIO EXALTAÇÃO QUEDA


SOL Leão Aquário Áries Libra
LUA Câncer Capricórnio Touro Escorpião
MERCÚRIO Gêmeos-Virgem Sagit.-Peixes Aquário Leão
VÊNUS Touro-Libra Escorpião-Áries Peixes Virgem
MARTE Aries-Escorpião Libra-Touro Capricórnio Câncer
JÚPITER Sagitário-Peixes Gêmeos-Virgem Câncer Capricórnio
SATURNO Capric.-Aquário Câncer-Leão Libra Áries

83

EXERCÍCIO RESPIRATÓRIO

Você extrai do próprio Nada supra-essencial, incriado e eterno, de En Sof, sua respiração, seu hálito vital,
que é a própria da atmosfera vermelho brilhante de Kether, que você exala mediante dois canais: a coluna
ou braço esquerdo, e a coluna ou braço direito da Árvore da Vida, que percorre, conformando-o,
resolvendo permanentemente a contradição alternada do restritivo e do efusivo, e ultrapassando estas
polaridades que não se excluem, mas se correspondem. À tarefa respiratória, adicionaremos a esta prática
o gesto. Sente-se na posição costumeira, conservando-se na vertical e relaxado. Junte suas mãos sobre seu
peito à altura do coração. Aspire de En Sof o alimento que a você o corresponda, e exale-o para a coluna
da força, ou de Shin; o Fogo, para Hokhmah. Simultaneamente tem de fazer um pausado gesto com sua
mão para a esquerda, que tem de durar todo o tempo de sua exalação, até se deter. Na próxima aspiração,
voltará seu braço e sua mão ao seu peito, respeitando exatamente o mesmo tempo.

Na expiração seguinte, como se efetuou no caso anterior, estenda seu braço e sua mão direita
correspondente à coluna da Forma ou do Rigor, Binah, Mem, ou Água. Subseqüentemente, elas
regressarão a você, juntando-se sobre seu peito quando aspire.O mesmo gesto tem de se repetir na próxima
expiração e seu retorno se realizará na aspiração subseqüente, alternando logo a mão e o braço direito,
que repetirão o gesto de ida e retorno com o ciclo respiratório. Você está agora trabalhando com a energia
de Beriyah e a emanará para o limite da produção de fenômenos e a Concreção material. Assim o faz ao
reiterar o lento gesto de desprendimento e expansão que você efetua com sua mão e braço esquerdo, e o
regresso ao peito com o mesmo braço, ou concentração de energias que isso está simbolizando. Igual com
o gesto correspondente ao braço direito, de acordo ao mesmo ritmo respiratório. Após tê-lo efetuado três
vezes com cada braço, nas seguintes 3 expirações, você move simultaneamente ambas as mãos e braços em
atitude de dar e oferecer, dando nascimento, na primeira, a Tifereth, na segunda a Yesod, e na terceira a
Malkhuth: ao Cosmo inteiro, que como um balão, uma bola de energias, você sustenta em suas mãos. Cada
vez os regressará ao centro de seu peito, para Kether, na atitude de receber e apreender. Pode repetir este
ciclo várias vezes, e com a última aspiração para Kether dará por finalizado este exercício. É importante
conseguir a coordenação de ritmos, imagens e movimentos.

84

CABALA
Divisão dos 4 planos da Árvore de Vida em correspondência com outras linguagens simbólicas presentes
em textos sagrados hebreus:

Os termos hebreus Arik Anpin e Zeir Anpin –Macroprosopos e Microprosopos–, em grego querem dizer,
respectivamente, "Face Maior" e "Face Menor". Estes se encontram separados por um fosso imenso
chamado o Abismo (Tehom). Entre eles se costuma situar a sefirah "invisível", ou não-sefirah, Daath,
Conhecimento. Efetivamente, na Árvore da Vida, Daath está no pilar do meio, justo entre Hokhmah
(Sabedoria) e Binah (Inteligência), pois se diz que ela surge da união ou combinação destas duas sefiroth,
constituindo o próprio conhecimento que a Unidade (Kether) tem de si mesma, o qual se transmite às
restantes sete sefiroth (o Microprosopos) através dos canais ou caminhos que as comunicam entre si, dando
lugar à criação propriamente dita.

85

AS PEREGRINAÇÕES

A aventura do Conhecimento se descreve muitas vezes como uma viagem ou peregrinação. "Uma viagem
de mil milhas começa ante teus pés". Essencialmente, a peregrinação se relaciona com a busca do Centro do
Mundo, onde se estabelece a comunicação interna com os estados superiores do próprio ser. Trata-se de
atingir a Pátria Celeste, que é a verdadeira morada do homem, pois, como mencionam diversas tradições, o
homem é um estrangeiro nesta terra. A palavra "peregrino" não quer dizer senão isso: estrangeiro. "Vós não
sois deste mundo". Assim, desde que intuímos que não somos “daqui", a própria vida, com seus avatares,
suas lutas, suas paixões, luzes e sombras, converte-se num símbolo exemplar dessa busca interior. A partir
desse momento qualquer acontecimento revelará sempre algo, tornar-se-á significativo e simbólico.

Mais concretamente, as denominadas peregrinações aos lugares santos ou sagrados, consideram-se como as
etapas do processo iniciático, vinculado à idéia de labirinto e de “perder-se para se encontrar".

Também as provas simbólicas da Iniciação se denominam "viagens" em que, além da influência espiritual
que transmitem, são psico-dramatizadas ritualmente as inibições e tendências negativas do ego, esgotando-
as ao emergir para o exterior. Apesar de suas múltiplas dificuldades, o peregrino, em sua viagem interna e
externa, percorre um caminho arquetípico, aonde o símbolo é vivido (ritualizado) e se lhe revela com toda a
potência de sua energia ordenadora, permitindo-lhe conhecer simultaneamente a realidade de um tempo
mítico, no que o prodigioso se faz coetâneo com a realidade horizontal.

Tudo se dá na "roda da vida", espelho e receptáculo das energias do Cosmo, que o peregrino, efetivamente,
tem que reconhecer em si mesmo para chegar ao centro ou coração imóvel da roda, ali onde se produz a
identificação com o Universal e o retorno a sua verdadeira origem.
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ASTROLOGIA

Para realizar os cálculos astrológicos, além de observar as influências que exercem os planetas nos distintos
signos zodiacais, é importante também tomar em conta as relações que eles têm entre si, segundo as
distâncias em que se encontrem uns dos outros. Isto determina o que se chamam os "aspectos", entre os
quais se destacam os seguintes:

– Conjunção: dois planetas estão em “conjunção", quando se encontram juntos, no mesmo grau de longitude
na eclíptica. Em geral se considera uma influência construtiva.

– Oposição: quando estão separados 180º, dividindo o círculo pela metade, o aspecto é inverso ao da
"conjunção" e se chama "oposição", aspecto que em geral se considera "maléfico", produtivo de fricção.

– Trígono: este aspecto é o que produzem dois planetas separados entre si por 120º, dividindo ao círculo em
três partes. Considera-se como o mais favorável de todos e junta dois planetas em signos que correspondem
ao mesmo elemento.

– Quadratura: se a separação entre ambos os planetas é de 90º, diz-se que estão fazendo quadratura, aspecto
que se julga como o mais desfavorável, ainda que muitas vezes se trata nada mais que de uma prova severa
cuja superação se faz necessária.

– Sextil: é o aspecto que se produz quando estão separados 60º, considerado "benéfico", gerador de atividade
e mudanças. Os planetas, neste caso, se encontram em signos harmônicos.

– Quincúncio: a 150º de separação se produz este aspecto, considerado em geral inconexo e contraditório.

Existem também outros aspectos de menor importância, que evitamos mencionar no momento. As
distâncias que se dão aqui indicam o aspecto em seu ponto exato e ideal. A influência pode produzir-se
ainda que as distâncias difiram um pouco da indicada (às vezes até 5 e 10 graus de diferença). Deve-se
entender que as qualificações que se outorgam aos distintos aspectos, de “benéfico" ou "maléfico", são-no
de maneira geral, e que para determiná-los precisamente é necessário observar o mapa zodiacal em conjunto
Um aspecto "maléfico" pode redundar em “benefícios" e vice-versa.
87

EXERCÍCIO RESPIRATÓRIO

Demos nesta Introdução, determinados exercícios de concentração, respiração, visuais, e inclusive


gestuais, todos eles relacionados com os ciclos e os ritmos e vinculados diretamente com a Árvore da Vida
Sefirótica. Todas estas práticas favorecem o entendimento do que está mais além do fenômeno e da matéria
evidente. Se você não conseguiu realizar alguma destas práticas, queremos lhe sugerir que volte a elas. Às
vezes, o mais singelo é o mais complicado, e é necessário voltar atrás para reencetar nosso trabalho. Não
desfalecer é o que se necessita. O mesmo quando nos referimos ao entendimento intelectual, que às vezes
nos excede, mas que chega a nós através da perseverança, chave de nossos estudos e de suas projeções
posteriores. Não podemos imaginar o inimaginável. Portanto, programamos ações e não resultados, que se
darão tempo a tempo e por acréscimo. A Fé, que se traduz em fatos e obras, é capaz de mover às
montanhas.
88

O RITO

Em diversas ocasiões falamos do rito como um componente básico do conhecimento simbólico e, portanto,
da própria vida, que na indefinida variedade de suas formas sempre passageiras é a permanente reiteração de
uma ordem arquetípica invariável e eterna. Precisamente a palavra rito, que procede do latim ritus, o que por
sua vez deriva do sânscrito rita (raiz rt), não significa outra coisa do que "ordem". Em verdade o rito é o
próprio símbolo em ação, pelo que sua reiteração constante em todos os atos de nossa vida vai permitindo
que o gradual entendimento das idéias -veiculadas pelos símbolos–, acabem finalmente por incorporar-se
em todo nosso ser, balizando assim o processo que nos conduz ao Conhecimento. Por isso quando falamos
de ritos, não nos estamos referindo a cerimônias "mágicas", civis ou religiosas. Os ritos iniciáticos de
determinadas tradições ainda estão vivos, ainda que seja difícil o acesso a eles. Algumas religiões ou
instituições tradicionais conservam os símbolos –e mesmo os ritos–, mas estes carecem de todo conteúdo
verdadeiro e estão como vazios, sendo desconhecidos sua essência e esoterismo, ou seja, sua realidade e
significação. Para a Tradição Hermética são ritos os estudos efetuados a partir de modelos Herméticos, a
concentração que isso implica, a meditação que promove, as práticas que efetivam a visão e o imaginário, a
oração incessante do coração como invocação permanente, a contemplação que produzem a beleza e a
harmonia da natureza e do Cosmo, e os trabalhos auxiliares encaminhados à conquista do Conhecimento.
Neste particular, queremos trazer à memória que há uma identidade entre o ser e o conhecimento. O homem
é o que conhece. Que outra coisa poderia ser senão a soma de si mesmo? Ser é conhecer. A saber: que sendo
o que conhecemos, a reiteração constante do rito, que sustenta o conhecimento de outras realidades, mundos
ou planos do Ser Universal, é uma garantia quanto à identificação com esse Ser e seu conhecimento, através
de um caminho hierarquizado, povoado de espíritos, deuses, cores e energias mediadoras.

INTRODUÇÃO À CIÊNCIA SAGRADA


Programa Agartha
MÓDULO II

RECORDAÇÃO
Nos capítulos anteriores, o leitor teve oportunidade de ver como se articula este curso, onde as inter-relações
das diferentes disciplinas da Tradição Hermética (Simbolismo, Alquimia, Filosofia, Astrologia,
Numerologia, Cabala, Teurgia, etc.) têm um papel fundamental em nossos estudos. Na verdade, igualmente
ao que acontece com a evolução de qualquer planta e seu desenvolvimento, o germe se encontra de maneira
potencial nestas primeiras páginas, às quais o leitor tem de voltar constante e ciclicamente, ou seja com as
características próprias de um rito. Não será demais advertir que a reiteração deste rito, o tempo que se lhe
dedica e a concentração que se emprega nele, são diretamente proporcionais com o fruto que se obtém com
isso. Às vezes parecemos dispostos a efetuar empresas heróicas, e no entanto não somos capazes, por
fantasmas mentais, de realizar coisas singelas que precisam de uma atitude conseqüente e perseverante. Se o
estudante é capaz de viver como objeto de seus experimentos, amparado na Doutrina e nas diferentes
disciplinas que toma a Tradição para se manifestar, poderá obter satisfatórios resultados e benéficos
dividendos, tanto físicos, como psicológicos e espirituais. Ainda deve ser dito que estas ciências e artes só
podem ser usadas no mais alto nível, o que na Cabala seria Kether em Atsiluth ou ainda mais longe, se assim
se pode dizer, ou seja, ao do supra-cósmico, (o que inclui, decerto, ao do "supra-microcósmico"). A meta
das investigações é muito elevada e não se devem confundir os objetivos metafísicos com os fenômenos
psicológicos que se poderão observar no caminho. Os propósitos da Ciência Sagrada são verdadeiramente
profundos. A vida é coisa séria, apesar das imagens que o consumismo mental e a dessacralização do mundo
poderiam fazer supor.

O Agartha constitui uma rede invisível de vontades, unidas por laços tão reais e indestrutíveis como os que
unem à própria estrutura do Cosmo, considerada um modelo arquetípico de manifestação. Esta corrente de
união transmite a mensagem da Philosophia Perennis, ou seja da Ciência Sagrada, que por atemporal foi
conhecida por todos os povos da Antigüidade, cujos fragmentos ainda mantêm e conservam vivo ao próprio
homem moderno (inclusive ao ocidental e ao habitante das grandes cidades) ainda que este o negue ou o
desconheça, já que as raízes culturais das artes e das ciências derivam de Princípios metafísicos e de Idéias
Eternas.

NOTA:

Seguramente são muitas as perguntas que você se fez na dinâmica de nosso curso. O I Ching ou "Livro das
Mutações", livro de sabedoria e verdadeiro oráculo chinês, diz que o mais difícil é formular as perguntas
das quais se quer obter resposta. Isto se deve em parte à multidão de interrogações que as pessoas se fazem
em relação com os temas tradicionais e com tudo aquilo que se quereria saber de uma vez e para sempre.
Desta forma, é exato que na pergunta está implícita a resposta. Igualmente é comprovável que se utilizamos
o recurso da paciência, as respostas vão se produzindo por si mesmas, sem necessidade de forçar as
situações. Já sabemos que a semente é a potencialidade da árvore e que esta pode crescer sã e vigorosa
regando-a com constância e podando as maldades que possam impedir seu desenvolvimento.

CABALA

Não falamos ainda em nosso Programa de En Sof, (ainda que o tenhamos citado de passagem) pois nos
interessava apresentar primeiro o modelo da Árvore da Vida e trabalhar com ele, para que o estudante se
familiarizasse com sua estrutura e ao mesmo tempo jogasse com as diferentes relações a que dá lugar, o
mesmo que com as letras e com outras imagens propriamente cabalísticas. Queremos recordar que este
modelo da Árvore corresponde exatamente a Adam Kadmon, o homem total, e nos referimos primeiro a ele
para tratar de entender certas proporções que nos levarão à idéia do que é En Sof para os cabalistas. Estamos
falando de suas medidas, chamadas em hebraico Shiur Koma, pois a Cabala identifica a Adam Kadmon com
o cosmos. A "altura dos calcanhares deste ser é de trinta milhões de parasangas", afirma-se laconicamente.
Mas depois se explica que "uma parasangae do Criador tem três milhas, uma milha tem dez mil metros e
um metro três empans, e um empan contém o mundo inteiro".

Sem dúvida estas medidas abarcam todas as possibilidades do Universo, quaisquer que estas sejam. No
entanto a idéia de En Sof supera, se assim pode se dizer, todas estas possibilidades. Com relação ao
diagrama da Árvore da Vida, modelo do Cosmo, e a localização de En Sof nele, remetemos o leitor ao
Módulo I, N.º 18.

Como se verá, sua posição é supra-cósmica, chama-se-lhe o Antigo dos Antigos (Deus Ignotu). Não pode
ser nem sequer imaginado pelo homem. Expressa-se através do cosmos, do homem celestial, do criador, que
mal é um ponto residual de seu nada infinito. A palavra Ayin (Nada), utilizada às vezes pelos cabalistas e
pelo Zohar como idêntica a En Sof, entranha uma idéia de vazio absoluto. Mas este nada e este vazio não
são "algo" no sentido da expressão moderna, a saber: algo que possa ser percebido ou se expresse como uma
negação de outra coisa. Na verdade, En Sof não é nada do que pudesse ser algo, tal a Majestade Imensurável
desta doutrina cabalística. Pelo que as três primeiras sefiroth correspondem à Triunidade dos Princípios do
Ser Universal, e portanto também as do ser individual. Correspondem-se com os princípios celestes que, por
sua vez, geram os terrestres, tal qual no simbolismo construtivo a cúpula e a base do templo. Trata-se da
natureza de Deus, se convém utilizar esta forma de dizer, que se sintetiza na Unidade, à qual Deus se
assemelha. Estes estados são supra-individuais e estão assinalados no diagrama da Árvore da Vida como
supra-cósmicos, já que estão por cima das sefiroth de "construção" (cósmica). No entanto, ainda se
encontram determinados pela numeração que se lhes atribui, começando pela Unidade. Efetivamente, a
Unidade é a síntese onde se pode encontrar a essência e o sentido da totalidade da Criação; mas ao mesmo
tempo esta assunção do Si (chamado também Bem e Só) é, por sua vez, o único meio de passagem a outros
"espaços", estes sim, autênticos e verdadeiramente supra-individuais e supra-cósmicos (metafísicos),
claramente assinalados na Cabala com o nome de En Sof, equivalentes ao Não-Ser, dos quais não se fala, já
que por definição são inefáveis. Também esta simbolização de uma sucessão de graus de Conhecimento se
acha implícita na própria planta do edifício do Templo, por meio da porta, do labirinto, do altar e do sancta-
sanctorum, que delimitam zonas simbólicas específicas que se articulam, do menor ao maior, no percurso
iniciático que a construção propõe.

O NÍVEL E O PRUMO

O nível e o prumo ocupam um lugar eminente no momento de se pôr "mãos à obra" e de levantar os
alicerces do labor construtivo. Com o nível se comprova que a base do edifício está completamente plana,
evitando assim que possam existir desníveis e deformidades no terreno. Trata-se de que a obra se erga com
sua base perfeitamente horizontal, e todas suas partes niveladas entre si, já que qualquer descuido neste
sentido acabaria, tarde ou cedo, com o desabamento de toda a edificação. Por sua vez, o prumo desempenha
um papel fundamental, pois graças a ele o edifício se eleva vertical e perpendicularmente. Desta forma,
nível e prumo se relacionam com a horizontal (energia passiva) e com a vertical (energia ativa), e tudo o que
já se disse de ambos os símbolos pode ser aplicado aos ensinos que derivam destes dois instrumentos. (ver
Módulo I, N.º 34). A união do nível e do prumo configura por isso o símbolo da cruz, que resulta do
cruzamento de um eixo vertical e de outro horizontal, os quais durante a construção do edifício vão criando
sua estrutura.

No templo universal, que é o Cosmo visível, o extremo superior do eixo do prumo "cósmico" está situado na
estrela polar (o zênite do Mundo), desde a qual, efetivamente, desce um eixo imaginário –mas não menos
real– ao redor do qual gira todo o universo. No templo propriamente dito, esse prumo é o eixo perpendicular
(representado, ou não, visivelmente) que cai da extremidade da "chave de abóbada" até o centro do
retângulo da nave onde está situado o Altar ou Ara, a "pedra fundamental". É, pois, o prumo um símbolo do
"Eixo do Mundo", aquele que, sustentado pela mão do Arquiteto construtor, atravessa os três mundos, o
Céu, a Terra e o Inferno, ou Infra-mundo. No microcosmo sutil do homem também existe um eixo vertical
(chamado sushumnâ na tradição indiana) que atravessa os diversos estados de consciência (simbolizados
pelos chakras ou "rodas"), desde o inferior, situado simbolicamente na base da coluna vertebral, até o
superior, localizado no topo da cabeça ou chave de abóbada craniana.

Isto está estreitamente relacionado com o próprio processo do Conhecimento e da Iniciação, pois esta trata,
como já sabemos, de um recordar paulatino desses estados de consciência, análogos aos do Ser Universal. O
prumo representa aqui o símbolo da busca da Verdade que penetra até as profundidades mais recônditas de
nosso ser, com a ajuda naturalmente desse nível interno que nos obriga a uma total submissão à Vontade
Superior que aflora em nós, e sem a qual toda tentativa de busca espiritual é uma quimera. "Se o Eterno não
edifica a casa, em vão trabalham aqueles que a constroem". Ou bem, recordando a fórmula hermético-
alquímica V.I.T.R.I.O.L., "Visita o Interior da Terra (de ti mesmo) e Retificando Encontrarás a Pedra
Oculta".

IMAGENS E SÍMBOLOS

Existe uma natural e lógica relação entre imagem e símbolo. Quando se tratam de símbolos cujo marco de
expressão é o espaço, como por exemplo os geométricos, arquitetônicos e iconográficos, sua vinculação
com a imagem é óbvia. E quando se desenvolvem no tempo, como a música ritual e sagrada, a poesia e os
relatos orais dos mitos, estes geram, simultaneamente a sua audição, imagens e visões simbólicas. E isso é
assim porque, como dizia já Aristóteles, o homem conhece por meio de imagens, ou seja que sua natureza
anímica e intelectual está especialmente capacitada para compreender através das representações simbólicas.
Desta forma a linguagem sintética e universal das imagens simbólicas libera a psique da dualidade de toda
dialética existencial, onde o puramente mental e cerebral prima sobre a verdadeira intuição intelectual que
reside no coração, o que equivale a uma purificação regeneradora, cujo fim é nos devolver a pureza mental e
a inocência virginal das origens; uma transmutação da consciência tal que harmonize perfeitamente com o
ser do mundo e das coisas.

O homem tradicional vê também no universo, e em tudo o que lhe rodeia, uma exteriorização de si mesmo,
uma imagem do mundo que habita em seu interior. Isto se deve a que ambos, Cosmo e homem, estão feitos
de igual substância vivificada pelo mesmo Espírito. Esta certeza conduz a uma identificação com as forças
invisíveis e as energias numinosas que animam a matéria, à que imprimem uma forma ou estrutura
inteligível, que devirá o símbolo ou o signo dessas potências criadoras. Eis o erro moderno de considerar o
mundo como algo plano e homogêneo, quando na verdade encerra dentro de si uma variedade inesgotável
de possibilidades de ser que constantemente manifestam a realidade dos atributos divinos. De maneira
velada ou evidente, tudo conserva a impressão do sagrado, pois como diz o Zohar: "o mundo subsiste pelo
mistério".

O SÍMBOLO DA ESCADA

A escala ou a escada é, junto à árvore, um dos símbolos mais notórios do Eixo do Mundo, e também dos
mais difundidos em todas as tradições. Ainda que mais adiante trataremos este importante símbolo com
maior desenvolvimento, relacionando-o com o simbolismo de passagem, baste-nos por agora dizer que a
escala está unida sobretudo à idéia de movimento de ascensão e descenso ao longo de dito Eixo, conectando
a terra (e o infra-mundo) com o céu, e vice-versa, através dos diferentes níveis, mundos ou estados do ser
que conformam o conjunto da manifestação universal, níveis representados pelos degraus horizontais que
unem as duas traves laterais ou montantes verticais, os quais se correspondem de maneira evidente com as
duas colunas laterais da Árvore Sefirótica, que pode ser visualizada desta forma como uma escala. Dessas
colunas, uma deve considerar-se como ascendente e a outra como descendente, o que se realiza em torno ao
eixo central ou pilar do equilíbrio, que é o autenticamente axial. Este último faz lembrar o símbolo da dupla
espiral (presente na escada de "caracol"), exemplificação das duas correntes de energia cósmica que se
enrolam ao redor do eixo central, tal e como podemos observar no Caduceu de Hermes-Mercúrio.

Tem de se adicionar que o número dos degraus é normalmente de sete, relacionados com os sete céus
planetários, e também com as sete virtudes e as artes e ciências liberais, consideradas como os degraus que
permitem subir de forma "gradual" (efetiva) pelos graus do Conhecimento. Neste sentido, recordaremos que
entre os índios de América do Norte e outros povos arcaicos ainda vivos, a ascensão e descenso pelo eixo
cósmico se realiza através da árvore ou poste ritual, ao longo do qual se encontram uma série de cisões que
representam os diferentes mundos ou estados que têm de ser atravessados até atingir a cúspide ou sumidade,
que por sua vez equivale ao "olho do domo" no simbolismo construtivo, por onde se produz a saída
definitiva do Cosmo e a união com a Realidade transcendente.

O SÍMBOLO DA ESVÁSTICA

Entre as representações simbólicas do Centro do Mundo, a da esvástica tem que ser especialmente
destacada, pois além de ser um equivalente do símbolo da cruz e da roda, e participar, portanto, de suas
significações gerais, nela aparecem outras variantes que nos confirmarão na certeza de que os símbolos
constituem autênticos veículos do Conhecimento.

Por se encontrar na arte de todos os povos tradicionais desde a mais remota Antigüidade, a esvástica é um
dos símbolos que remetem diretamente à Tradição hiperbórea ou primordial. Ela é, efetivamente, uma cruz,
só que a essa cruz se lhe adicionam quatro linhas em seus extremos, formando assim outros tantos ângulos
retos ou esquadrias, de tal maneira que ditas linhas sugerem ou levam implícito o movimento de giro em
torno a seu centro, gerando assim à circunferência. Agora bem, devido a que essa circunferência (que,
recordemos, simboliza a manifestação universal) não está figurada de forma expressa na esvástica, esta,
mais do que um símbolo do cosmos, aparece como um símbolo da ação vivificante que sobre ele exerce o
Princípio, considerado como o autêntico "Motor imóvel". Efetivamente, o mais importante na esvástica é o
ponto fixo, símbolo do Centro, o qual permanece inalterável e imutável, e no entanto é o que transmite sua
energia à Roda Cósmica, gerando-a e dando a vida a todas as coisas, seres e mundos contidos nela, os quais
depois de cumprir o desenvolvimento completo de todas suas possibilidades retornam novamente a ele.
Como se vê, estas significações não têm absolutamente nenhuma relação com o uso político que se fez deste
símbolo nos tempos modernos.
Adicionaremos que, aos quatro ângulos ou esquadrias da esvástica, também podemos observá-los nas quatro
posições cardeais que a constelação da Ursa Maior descreve em seu ciclo diário em torno da estrela polar, a
qual, devido à posição central que ocupa no céu –pois todos os corpos estelares rotacionam a seu redor– se
considerou efetivamente como a morada simbólica do Princípio, também chamado a Grande Unidade em
outras tradições. Em nosso modelo da Árvore Sefirótica, a estrela polar se corresponde com Kether, como já
sabemos (ver capítulo N.º 18), e não deixa de ser interessante recordar a este respeito que no Zohar a Ursa
Maior recebe o nome de Balança (também na antiga tradição Chinesa recebia este nome), adicionando que
esta se acha "suspensa num lugar que não existe", o que equivale a dizer no imanifestado, que é onde reside
verdadeiramente o equilíbrio e harmonia de toda a manifestação. Na tradição indiana, ademais, a esvástica
aparece como um dos signos distintivos dos brahmanes, e de fato nessa mesma tradição se afirma que as
sete estrelas que compõem aquela constelação representam a cada um dos sábios (chamados rishis) que
transmitem o Conhecimento de um ciclo a outro da humanidade.

TARÔ

O Tarô, origem do jogo de naipes, é um oráculo, um livro sagrado escrito não em palavras senão em setenta
e oito páginas ou lâminas desenhadas em cores, cada uma com suas múltiplas e precisas correspondências e
profundos significados, que ao serem primeiro estudadas e depois "embaralhadas" ou colocadas de
diferentes formas simbólicas, atuarão magicamente no interior do aprendiz, servindo como veículo
despertador da consciência e computador da inteligência; ou seja, como suporte simbólico do conhecimento
metafísico.

A cada carta se lhe denomina "arcano", já que conecta com um mistério, com uma força sobrenatural, com
um arquétipo que se revela nela, tanto quanto em qualquer símbolo sagrado, permitindo assim que esta
energia superior tome uma forma capaz de tocar os sentidos humanos e permitir que o homem, partindo
dessa base sensível, possa elevar-se para o conhecimento do que está além do mundo material, e inclusive
além do mundo psíquico, ou seja, os planos arquetípico e espiritual.

As setenta e oito lâminas do Tarô se dividem em três grupos da seguinte maneira: o primeiro grupo está
constituído por quarenta cartas denominadas "os arcanos menores"; o segundo está composto de dezesseis
lâminas chamadas "cartas da corte"; e o terceiro por vinte e duas ilustrações conhecidas como "os arcanos
maiores". Costuma-se estudar em primeiro lugar estas últimas vinte e duas.

CABALA

Oferecemos a seguir as 22 letras do alfabeto hebraico para que o leitor vá se familiarizando com elas.
Igualmente é demonstrado o valor numérico correspondente a cada letra. No hebraico antigo, as vogais não
eram sinalizadas, nem pontuadas, como se faz no presente. Portanto, as palavras escritas só com consoantes
podiam ser lidas de várias maneiras, ou com o auxílio de diferentes vogais, aumentando assim seu poder
evocativo e semântico em múltiplas valorações e sentidos. As letras têm vinculações também com outros
símbolos, muitos deles animais, e de diferente natureza e índole, o que se associa com o alfabeto, a palavra e
a metafísica da linguagem.

Alef Beth Guimel Daleth Hé Vav Zayin Heth Teth Iod Kaf
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 20

Lamed Mem Nun Samekh Ayin Fe Tsade Qof Resh Shin Taw
30 40 50 60 70 80 90 100 200 300 400

Recomendamos que se copiem esmeradamente as letras do alfabeto hebraico. Desta maneira não só
memorizaremos os nomes das letras, os signos alfabéticos, e suas valorações numéricas, senão que
trabalharemos com símbolos sagrados carregados de Idéias e energias mágicas e teúrgicas.

Está claro que se conhecemos o valor esotérico das letras, suas conotações numéricas, e as transposições e
permutas a que elas podem dar lugar no contexto das palavras e das orações, a leitura de qualquer texto
sagrado –em particular A Bíblia– no qual o alfabeto hebraico se encontre presente, passará a ter outro
sentido que o comum, literal e exotérico, e adquirirá um relevo e uma profundidade tanto mais rica quanto
mais ampla. E é por estas associações e correspondências entre números e letras, e as relações a que dão
lugar, que se produzem iluminações surpreendentes na raiz metafísica da linguagem humana, as quais são
chamadas pela Cabala "centelhas divinas".

O Sefer Yetsirah, ou "Livro das Formações", é também conhecido pelo nome de "Livro da Criação", pois ali
estão plasmadas as mais antigas concepções cosmogônicas judaicas, que serviram por gerações para
fundamentar o pensamento metafísico e esotérico do misticismo hebreu e cristão (especialmente durante a
Idade Média e o Renascimento) e da Cabala em particular. Nele se encontram especificamente assinaladas
em forma de breve e apertada síntese, determinadas concepções cabalísticas que já fomos oferecendo ao
longo desta Introdução, entre elas, a "doutrina" das dez sefiroth, como intermediárias entre o "Santo, bendito
seja", e a Shekhinah (a imanente presença divina, da qual proximamente falaremos), e também a da Criação
Universal através das vinte e duas letras do alfabeto hebraico, o que equivale a considerar ao Cosmo inteiro
como escritura divina. Essas letras se subdividem em três grupos: as três mães, similares, como já vimos, a
ar, água e fogo; as sete duplas ou redobradas, e as doze simples, identificadas posteriormente com os sete
planetas e com os doze signos zodiacais, respectivamente.

Três letras mães: Alef, Mem e Shin.

Sete letras duplas (ou redobradas): Beth, Guimel, Daleth, Kaf, Fé, Resh e Taw.

Doze letras simples: Hé, Vav, Zayin, Heth, Teth, Yod, Lambei, Nun, Samekh, Ayin, Tsade e Qof.

Uma idéia nova é a da união das dez sefiroth, cifras, ou números, às vinte e duas letras do alfabeto hebraico,
que conjuntamente constituem os trinta e dois caminhos da sabedoria.

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ALGUNS EXERCÍCIOS PRÁTICOS:

Muitos dos exercícios aconselhados ao longo dos trabalhos herméticos são com o fim de se adquirir
consciência, tanto de si mesmo, quanto da situação na qual se está envolvido. Os homens tendemos ao
sonho e à modorra, por isso a necessidade de se velar e estarmos vigilantes. Trata-se, pois, do emprego de
singelos despertadores, ou exercícios de tomada prolongada de consciência. Exemplo: trate de manter uma
medalha ou moeda em seu punho fechado, tendo clara a idéia deste fato. Por quanto tempo pode você
manter fixa a atenção? Exercite-se nesta prática tratando de elevar suas médias. Muitas vezes pensamos
que somos capazes de grandes esforços quando em verdade não podemos levar a cabo coisas
aparentemente pequenas. Trate de ir caminhando pelo mesma Senda à exata hora do dia (por exemplo,
ponha o despertador às 7 horas da manhã) ao banheiro, durante um mês seguido. Muito dificilmente
poderá efetuá-lo. A armadilha deste exercício está em que depois da quinta ou sexta vez que se realiza (ou
da décima - quarta ou a décima - quinta) pode acreditar que é sumamente singelo e que não custará nada
cumpri-lo. Assim, desta maneira, não o efetua. Este é o tipo de armadilha mental que nos impede de fazer
um sem número de coisas e obstaculiza o processo liberador e criativo.

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SIMBOLISMO VEGETAL I

A vegetação, na indefinida variedade de suas espécies, formas, cores e fragrâncias, constitui um mundo
inesgotável de significações simbólicas conhecidas por todos os povos desde a mais remota Antigüidade.
Recordemos, neste sentido, que o Paraíso terrestre é descrito como um jardim ou um vergel, ao cuidado do
qual estavam os primeiros homens. Por este motivo, a agricultura (a "cultura do agro") é considerada como
o primeiro ofício nascido da sedentarização da humanidade, que dá lugar à aldeia e posteriormente à cidade
em pedra e à civilização tal qual a conhecemos. Não esqueçamos que a palavra cultura deriva precisamente
de “cultivo”, o que está relacionado evidentemente com o vegetal. A isto se deve, sem dúvida, o porquê do
homem arcaico e tradicional ter incorporado o vegetal na descrição simbólica de sua cosmogonia e de sua
visão sagrada do mundo. Efetivamente, nada há que expresse melhor o desdobramento da vida universal do
que uma planta em seu pleno desenvolvimento, como por exemplo a árvore, que é também um dos símbolos
naturais mais difundidos do Eixo do Mundo, e o que mais claramente alude à estrutura cósmica e seus
diferentes planos ou graus de manifestação. Baste recordar a Árvore da Vida Sefirótica, semelhante, quanto
a sua significação essencial, a outras muitas árvores sagradas pertencentes às mais diversas tradições de
todos os tempos e lugares, como a ceiba [N.T.: Ceiba Pentandra Gaertin, árvore existente na América
Central] entre os maias, o carvalho (ou encina [N.T.: Quercus ilex]) entre os celtas, a oliveira entre os povos
mediterrâneos, a árvore Yggddrasil entre os escandinavos, a palmeira entre os antigos egípcios e os árabes,
etc.

A mesma função simbólica desempenham determinadas flores, como o lótus nas tradições orientais e a rosa
ou o lírio nas ocidentais. Todas elas são símbolos do Centro e do Mundo, e o abrir-se de suas pétalas
expressa o desenvolvimento da manifestação a partir da Unidade primordial, por isso também que se as
relacione com o simbolismo da "roda cósmica", estando o número de pétalas em correspondência com os
radios ou raios que conectam o centro da roda com sua periferia. Não esqueçamos tampouco que as flores
em geral estão vinculadas ao simbolismo da copa, e por conseguinte ao aspecto passivo e receptivo da
manifestação, à pureza virginal da "quintessência", por exemplo quando se fala do "cálice" de uma flor.

SIMBOLISMO VEGETAL II

Dos três reinos da natureza, o vegetal é quiçá o que está mais diretamente unido ao fluir dos ritmos e ciclos
do Cosmo, refletidos na renovação periódica e anual das plantas, na regeneração da potência fértil e fecunda
de sua seiva, propiciando desta maneira a alimentação e o sustento necessário a homens e animais. Mas o
realmente importante é que esta relação está na própria base de muitos mitos e ritos agrários, cuja estrutura
simbólica reproduz as leis universais de correspondência e analogia (ou seja, de harmonia) entre a ordem
terrestre e a celeste, ou entre a ordem visível e a invisível, não sendo, em suma, o mundo vegetal, ou melhor
ainda a natureza em seu conjunto, senão um símbolo vivo e sempre presente do sobrenatural e do
transcendente. Por isso mesmo, a germinação, desenvolvimento, florescimento e doação dos frutos das
plantas não deixa de ser um fato assombroso e verdadeiramente mágico e misterioso para quem vive imerso
no sagrado, como era o caso dos habitantes das sociedades tradicionais, que viam nisso a ação combinada de
forças telúricas e cósmicas personificadas nas deidades lunares e solares, terrestres (e infra-terrestres) umas
e celestes as outras, recebendo a planta o influxo das energias passivas e ativas, femininas e masculinas do
Cosmo através dos nutrientes substanciais da terra e da água, a vivificação do ar, e o calor e a luz
procedentes do fogo solar. Daqui deriva a dupla natureza do vegetal, "asúrica" por sua vertente subterrânea
e "dévica" por sua parte aérea e vertical (axial), termos estes pertencentes à tradição indiana, e que designam
respectivamente às energias telúricas e celestes conciliadas no ato mesmo da criação da planta. Isto cobra
um relevo especial nas chamadas "plantas sagradas", utilizadas nos ritos de iniciação aos mistérios, e cuja
ingestão (bebida ou comida) põe ao ser em comunicação com seus estados inferiores e superiores,
realizando a "viagem" pelos diferentes planos de manifestação, descendo e ascendendo pelo Eixo do
Mundo.

Essas plantas seriam, pois, um suporte ou veículo de Conhecimento, e em muitas ocasiões a própria planta,
ou seu fruto, considera-se como o objetivo a conseguir para aceder a dito Conhecimento, por isso a
expressão "licor de imortalidade" ou "fruto de imortalidade" que recebem determinadas substâncias
vegetais, como por exemplo o vinho ou ambrósia nas culturas greco-romana, hebraica, cristã e islâmica,
semelhante ao soma ou amrita indiano, idêntico por sua vez ao haoma dos antigos iranianos, do que se diz
que só podia recolher-se na "montanha sagrada" Alborj, equivalente ao Eixo do Mundo. Igualmente na
Alquimia vegetal se fala do "elixir de longa vida", que se corresponde com a "pedra filosofal" na Alquimia
mineral, sendo o elixir a essência própria da planta, como o vinho é a essência da videira, outra figura do
Eixo do Mundo. Neste sentido, recordaremos que o vinho simboliza precisamente a doutrina esotérica e
metafísica, ou seja o Conhecimento, e seguramente a isto alude a expressão o "espírito do vinho", ou aqua
vitae (água da vida), ou "bebidas espirituosas", que ainda se conserva na linguagem popular de diversos
lugares, ainda que seu sentido profundo já passe totalmente despercebido na maioria dos casos.

Também há que se mencionar o trigo (equivalente ao milho nas tradições pré-colombianas, ou ao arroz entre
as extremo-orientais), e em conseqüência ao pão, que junto ao vinho constituem as duas espécies
eucarísticas do Cristianismo, ou seja do corpo e do sangue, ou a substância e a essência reunidas no Verbo
ou Homem Universal, arquétipo do iniciado, o que é comparado precisamente a uma planta, tal e como
indica a palavra "neófito", que tanto significa "novo nascido" como "nova planta". Este é, desta forma,
comparado a uma semente ou germe que tem de "morrer" no interior da terra para renascer ao mundo de
cima e da luz, que é sua verdadeira origem pois, ao contrário do vegetal, o homem tem suas "raízes" no Céu,
tal e qual nos relata Platão no Timeu quando diz que "o homem é uma planta celeste, o que significa que é
como uma árvore invertida, cujas raízes tendem para o céu, e os ramos para baixo, para a terra"

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ALQUIMIA

A ciência alquímica se expressa fundamentalmente por imagens gráficas e gravuras. O símbolo, às vezes
parcialmente oculto na iconografia, manifesta-se assim de modo livre e sem comentários. O provérbio diz
que "para o bom entendedor meia palavra basta". Continuando com o sistema didático de Agartha, onde se
lhe presta bom atendimento ao ensino visual, o que coadjuva assim mesmo a aprender a Ver, oferecemos
aqui algumas gravuras dos Adeptos à Arte da transmutação. Trata-se neste caso de signos dos quatro
elementos (ver Módulo I, N.º 21), aos quais se agregam outros detalhes ornamentais diretamente referidos à
Ciência dos Filósofos, ou Arte Real.
14

SIMBOLISMO ANIMAL I

Os animais, além de expressar a parte instintiva e irracional da alma humana (os impulsos, desejos e
emoções do anima), sempre ocuparam um lugar destacadíssimo na cosmogonia de todos os povos e culturas
tradicionais, que unanimemente viram neles manifestações das forças cósmicas e divinas em sua ação sobre
o mundo, constituindo-se em veículos e oráculos transmissores da realidade do numinoso e, portanto, em
mensageiros ou intermediários entre o Espírito e o homem. Eles conformam, pois, um código simbólico de
suma importância, uma linguagem através da qual o homem pôde e pode ler as chaves que lhe permitem
compreender as leis e mistérios do universo e, por conseguinte, conhecer-se a si mesmo, pois sendo um
microcosmo feito a imagem e semelhança do macrocosmo, contém dentro de si todas as formas, o que é
possível pela posição central que ocupa em seu mundo, e que lhe foi designada pelo Criador. Neste sentido,
os textos tradicionais afirmam que os primeiros homens tinham a potestade de pôr nomes a todos os seres e
coisas, o que não seria tal se estes não formassem já parte de sua natureza integral. Por isso, a língua
adâmica e primordial foi chamada a "língua dos pássaros", não sendo estes, efetivamente, senão os
mensageiros das realidades superiores, o que guarda relação com a "languedoc" (d’oc), considerada na
Idade Média e no sul de França como o jargão simbólico utilizado pelos alquimistas, construtores,
trovadores e jograis para transmitir o Conhecimento. A "languedoc", ou a "língua dos pássaros", é
verdadeiramente a linguagem dos símbolos.

Poderíamos dizer que os animais (sobretudo os selvagens), em certo modo conservam ainda a pureza
virginal das origens: são o que são, e na espontaneidade de seus gestos participam, junto à natureza inteira,
da harmonia e do rito perene da criação. Recordemos que em diversas culturas das hoje chamadas
"primitivas" ou xamânicas é muito importante a figura do "animal iniciador", vinculado com a idéia de um
"alter ego" animal no homem; ademais, em ditas culturas geralmente o ancestral mítico e civilizador é um
animal, e sua dança, ou rito, criacional é a que se reitera e imita nas cerimônias de acesso ao sagrado.
Conhecida é também a existência de certos animais "psicopompos" (por exemplo o cachorro e o cavalo) que
guiam o defunto em sua viagem post-mortem, considerado análogo ao que tem de se realizar durante as
provas pelo labirinto iniciático; sem esquecer que os "guardiões do umbral", cuja função é impedir, ou
permitir aos que estão qualificados para isso, a entrada ao mundo invisível, aparecem revestidos com formas
animalescas, em ocasiões com aparência monstruosa e "terrível". Tal é o caso, por exemplo, do Mákara e do
Kala-Mukha indianos, ou do Tao-Tie chinês, que figuram ao Ser Supremo em seu aspecto de animal
monstruoso, cujas fauces abertas podem ser, efetivamente, tanto as "fauces da Morte" como a "porta da
Libertação". A Esfinge, e concretamente a Esfinge egípcia com cabeça de homem e corpo de leão, teria
também o mesmo sentido de "guardião do umbral".

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SIMBOLISMO ANIMAL II
É importante ademais destacar que quase todas as divindades zodiacais, não importa de que tradição, estão
representadas com formas de animais, e recordaremos novamente que a palavra Zodíaco não quer dizer
senão "roda dos animais", ou "roda da vida", o que está obviamente unido à idéia de movimento e de
geração surgida do Ser universal, ou melhor, de sua energia criadora, que permanentemente se recria a si
mesma, neste caso através das indefinidas formas animais. Isto concorda perfeitamente com a idéia, muito
difundida entre as civilizações pré-colombianas de que o Cosmo, isto é a Vida universal, é um animal
gigantesco, do qual todos fazemos parte integrante (tal é o caso também da serpente alquímica Ouroboros),
e isso explicaria o porquê entre ditas culturas a Deidade criadora estar em bastantes ocasiões representada
como um animal (como ocorre na tradição indiana, com o deus com forma de elefante Ganesha), ou bem
caracterizada com as partes mais significativas de um animal, geralmente a cabeça, como é o caso, por
exemplo, dos deuses assírio-babilônicos e do antigo Egito. Nas tradições Centro-americanas o deus
Quetzalcoátl quer dizer "pássaro-serpente", ou "serpente emplumada", conjugando em sua natureza as
energias aéreas que tendem para o céu (o vertical), e aquelas que reptan e se movem pela terra (o
horizontal). A águia e a serpente são, efetivamente, os dois animais que melhor representam esse
antagonismo e complementaridade entre o celeste urânico e o terrestre ctónico e telúrico.

Por outro lado, junto com o cordeiro, o pelicano e o peixe, a águia e a serpente são os animais-símbolos
mais representativos de Cristo, conquanto isto teria que se estender a quase todos eles (inclusive os
fabulosos), como o demonstra o riquíssimo bestiário de Cristo (dentro do qual se inclui o Tetramorfos), tão
amplamente desenvolvido na arte da Idade Média. Dito bestiário compreende praticamente todas as espécies
repartidas em quatro grandes grupos, em correspondência com os quatro elementos: os répteis à terra, os
peixes e anfíbios à água, as aves ao ar, e os mamíferos ao fogo, sendo o mesmo Cristo (o Filho do Homem)
o elemento central, ou "quintessência", pois dele emanam, enquanto expressões dos atributos de seu Verbo
ou Logos criador.

16

NOTA:

Já observamos que a cultura (cuja raiz, e origem, é sagrada), é uma intermediária entre o homem e a
Deidade. E é desde este ponto de vista e não desde a vaidade erudita, o enciclopedismo agrilhoador, ou a
literalidade mnemônica, que ela é iluminadora e um veículo especialmente apto para o Conhecimento. Sem
a essência da Cultura, que é o autêntico saber, todo o resto do enfeitado aparelho cultural é só letra morta.
Igualmente isto é válido para os ritos, que às vezes são confundidos com determinadas "cerimônias",
totalmente vazias de conteúdo. Isto é assim também para os exercícios, tanto intelectuais como físicos, que
Agartha promove.

17

A COROA

Numa primeira leitura, a coroa simboliza as virtudes mais elevadas que existem no homem, eis o motivo de
cingi-la sobre a cabeça, a "cúspide" do microcosmo humano, isto é, naquela parte do mesmo que se
corresponde com o Céu, cuja forma circular a coroa reproduz. Mas, precisamente por isso, a coroa também
expressa o que está por "cima" ou "além" do Cosmo e do homem: a realidade do divino e do transcendente.
Poder-se-ia dizer que no significado da coroa coincidem, pois, as qualidades mais nobres e superiores do ser
humano e, ao mesmo tempo, aquilo que as transcende por constituir o arquétipo das mesmas. No caminho
do Conhecimento, ou via iniciática, ditas qualidades se vão desenvolvendo depois de um longo processo de
transmutação alquímica, durante o qual o aspirante a ele vai tomando gradualmente consciência da
sacralidade de sua existência, ou de sua realidade no universal, até se identificar plenamente com esta.

Essa identificação se visualiza muitas vezes como a "conquista" de um estado espiritual (ou supra-
individual), que é o que, efetivamente, "coroa" a realização de dito processo, ou seja, "legitima-o" (ou o faz
verdadeiro e certo, que é o que esta palavra significa realmente), investindo a quem o complementa de uma
autoridade que emana diretamente do próprio poder de Deus, o Rei Supremo, ou Rei do Mundo. Este é o
sentido que tinham na Antigüidade os ritos de coroamento dos reis, os chefes de um povo ou de uma
comunidade tradicional, que eram tais porque antes tinham chegado a ser os reis e chefes de si mesmos,
governando de acordo com a Vontade do Céu, à qual representavam ante seus súditos. O verdadeiro
coroamento (que é uma "consagração" ou assunção plena do sagrado) ocorre no mais secreto, no coração,
onde se estabelece a "aliança" que sela a união com a Deidade, sendo então a coroa um signo externo e
distintivo que confirma a posse da autêntica realeza interior.

Por outro lado, não podemos deixar de mencionar as estreitas vinculações que se dão entre a coroa e os
cornos, os quais também se cingiam sobre a cabeça, e simbolizam exatamente o mesmo que aquela. Os
cornos são um atributo da potência do Espírito que "desce" à natureza do homem, ao qual fecunda e
transfigura integrando-o na entidade superior, que é seu verdadeiro Si Mesmo. Igualmente, é evidente a
relação que existe entre os cornos e o raio, e desta forma com o relâmpago, e recordaremos, a este respeito,
que as coroas mais antigas estavam enfeitadas de pontas que se assemelhavam aos raios luminosos. O
mesmo poderia se dizer da coroa de espinhos que portava o Cristo Rei durante sua Paixão. Com tudo isso,
busca-se destacar o aspecto solar destes símbolos, que também aparece na coroa de louros (símbolo
eminentemente solar) levada pelos imperadores romanos e com a qual eram coroados os heróis, mas sem
esquecer que dito aspecto se complementa com o simbolismo polar, que é o mais primordial.

Efetivamente, ambas as palavras, coroa e cornos, procedem de idêntica raiz lingüística, KRN, a mesma de
Kronos, ou Cronos, que é o nome grego de Saturno, a mais alta e elevada das esferas planetárias e
considerado como o rei da Idade de Ouro. Também a achamos em Karneíos, que era um dos nomes que
recebia entre os gregos o Apolo hiperbóreo (Apollón Karneíos), o deus do "alto lugar" (Karn), sendo esse
lugar a própria cúspide da Montanha sagrada do Pólo (o Eixo do Mundo), sede da Tradição e da
humanidade primigênia. Aparece deste modo na palavra crânio, que é, efetivamente, a parte mais elevada da
coluna –ou eixo– vertebral. Sendo o crânio um símbolo da abóbada celeste, seu extremo superior
equivaleria então à Estrela polar, chamada o "ápice" do Céu porque ela "coroa" todo nosso universo visível,
e além disso é considerada em todas as tradições como o lugar por onde simbolicamente se acede aos
estados superiores do ser, essencialmente supra-cósmicos e metafísicos. Recordemos, neste sentido, que
Kether, a Unidade, significa precisamente a "Coroa", cingida pelo Adam Kadmon ou "Homem Universal".

Esta idéia do supra-cósmico é a que representa também o Sahasrâra chakra na tradição indiana e budista.
Todo este simbolismo polar e axial convém perfeitamente ao da diadema papal (de origem muito remota),
que é uma coroa de três andares sobrepostos, e cuja parte superior aparece arrematada por uma cruz, outra
figura do Eixo do Mundo (ver por exemplo o arcano V do Tarô). Se a coroa propriamente dita é o símbolo
da autoridade temporal exercida pelo rei (o guerreiro), a diadema simboliza a autoridade espiritual assumida
pelo sumo pontífice ou sacerdote, que na Antigüidade tradicional ocupava a cúspide da hierarquia iniciática,
exercendo sua função sobre os três mundos, ou seja, sobre o conjunto da Existência manifestada, tal qual o
Deus Hermes Trismegisto. Ele era, é, a ponte ou eixo que comunica a Terra com o Céu, e o Céu com a
Terra, o que transmite as bênçãos ou as influências espirituais e o que possui íntegros a Doutrina e o Ensino
tradicional. Isto explicaria o porquê de, durante a Idade Média ocidental, os reis serem coroados pela
autoridade espiritual, reconhecendo-se assim a superioridade do metafísico sobre o temporal, do divino
sobre o humano.

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O MENOR É O MAIS PODEROSO

Na via de realização pessoal que este manual propõe, a afirmação do título nos indica pôr especial
atendimento a tudo aquilo que passa despercebido, mas que no entanto tem uma enorme importância quando
se trata de conhecer a causa e a origem das coisas. Numerosas expressões tradicionais fincam pé na
superioridade do poder do pequeno, sutil e invisível, sobre o visível, grosseiro e grande. "Semelhante é o
Reino dos Céus a um grão de mostarda, que tomando-o um homem o semeou em seu campo (em si mesmo),
o qual é a menor de todas as sementes, mas quando se desenvolveu é maior de todas as hortaliças e se faz
uma árvore, de maneira que vêm as aves do céu (símbolo dos estados superiores) e aninham em seus ramos"
(Mateus, XIII, 31-32).

Igualmente todos nossos gestos, o que somos e seremos, estavam já contidos, em potência, na célula seminal
que nos engendrou e nos deu a vida. Estas proporções entre o pequeno e o grande não são só quantitativas,
senão qualitativas, e obedecem às leis da analogia, que nos faz conhecer a idéia do Todo por uma de suas
partes. Mas aqui falamos melhor das relações hierárquicas entre o Princípio e sua manifestação, que
aparecem invertidas quando passamos da ordem celeste, ou espiritual, ao terrestre ou corporal, tendo sempre
presente que o primeiro é causa do segundo. O maior no Céu é o menor na Terra, e o maior na Terra é o
menor no Céu.

O Cosmo é o desdobramento do "Ovo do Mundo", que alberga os germes de tudo o que existe e se
manifesta ciclicamente. Desta forma, o Espírito, quando se quer dar a conhecer, não o faz através do
pomposo e cerimonial, nem de nada que venha do exterior, senão que o realiza por meio do silêncio interno
e do inominável, como uma força que brota do mais profundo e se expande por todo nosso ser, alumiando-o
interiormente e ordenando-o conforme a seu arquétipo eterno. O verdadeiramente universal, o supremo, não
tem dimensões, nem está sujeito a nenhum tipo de lei terrestre e humana. Aninha oculto e secreto no
coração dos seres, que sem ele careceriam de toda realidade, da mesma forma que a circunferência não
existiria sem o ponto, nem a série numérica sem a Unidade aritmética. Assim, quanto mais identificados
estejamos com as coisas "deste mundo" menos participaremos da comunhão salvífica no Ser. "Faz que teu
'eu' seja menor e limita teus desejos". "Renuncia ao conhecimento (quantitativo e profano) e não sofrerás"
(Tao Te King, XIX). "Os últimos serão os primeiros e os primeiros os últimos" (Mateus XX, 16). "O menor
entre todos vocês, esse será o maior" (Lucas, IX, 48). "Se algum quer ser o primeiro, que seja o último de
todos e o servidor de todos" (Marcos, IX, 35).

19

TARÔ

Logo a seguir, oferecemos alguns significados sintéticos dos vinte e dois Arcanos Maiores.

É importante não esquecer, ao estudar as cartas e trabalhar com elas, o que dissemos sobre as disciplinas
relacionadas com o Tarô. Estas lâminas têm relação com as sefiroth da Árvore da Vida e as letras do
alfabeto hebraico, bem como com os planetas, metais e signos zodiacais, etc. Recordemos também
constantemente seus vínculos com o simbolismo das cores e especialmente com o significado dos números.
Se conseguirmos estabelecer estas relações de modo adequado, veremos que cada arcano é um mundo, e
observaremos que nossa inteligência se acorda e o ângulo da visão se abre.

Toca ao interessado ampliar, com a informação que tenha a seu alcance, os significados das cartas. O
conhecimento de cada uma delas pode se aprofundar a níveis insuspeitados.

Permita que estas lhe falem de um modo mágico e as verá atuar em seu interior como veículos iniciáticos e
adequados transmissores de um Conhecimento Vivo e de uma Tradição Primordial, com os quais você
poderá se unir desta maneira.

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TARÔ
I — O MAGO: É a primeira carta do Tarô; simboliza o
Homem Verdadeiro cuja missão é conseguir a união do
espírito e da matéria. Com sua mão esquerda sustenta uma
varinha mágica que aponta para o céu, e com a direita uma
moeda de ouro, símbolo da terra, na qual seus pés se
encontram bem plantados. A inversão das cores azul e
vermelha de suas roupas assinala o equilíbrio dos opostos;
e este personagem empreende a obra alquímica
trabalhando com 3 princípios e 4 elementos (simbolizados
nas 3 pernas e nos 4 ângulos da mesa) para o qual se
mantém permanente-mente alerta. Para ele, sempre, hoje é
o primeiro e o último dia da criação, à qual se soma,
cooperando com o Criador. O sentido mais elevado da
carta é determinado pelo seu número, que indica o motor
imóvel, o Princípio de todas as coisas; ainda que seu
chapéu em forma de “oito deitado” [N.T.: lemniscata] seja
o signo do movimento contínuo.

DIREITA INVERTIDA
Princípio – Começo Inércia - Quietude – Passividade
Sutileza - Maleabilidade Imobilidade - Auto-engano
Inteligência desperta - Rapidez Ausência de interesse - Torpeza
Despertar da consciência Falta de atenção - Divagação
Vigília - Estado de alerta Preguiça - Negligência - Inconveniência
Movimento - Atividade - Brilho Charlatanice - Brutalidade
Espontaneidade - Habilidade Estelionatário - Enganador - Sonho
Boas empresas - Agilidade Politicagem - Irresponsabilidade
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A CIDADE CELESTE I

À mentalidade moderna resulta virtualmente impossível conceber a idéia de uma Cidade celeste, em
contraste com a mentalidade, plenamente sacralizada, dos povos antigos e tradicionais, que não só
creditavam sua existência, mas também além disso viam nela a origem de sua cultura e civilização, como
muito bem o explicam as crônicas e textos sagrados que nos legaram, nos quais se diz que dita cidade é a
morada onde habitam os deuses e os antepassados míticos, o que expressa deste modo a idéia de uma
genealogia espiritual, Por isso os nomes de "Terra dos Vivos", ou "Terra dos Imortais" ou "Terra dos Bem-
aventurados", como também se designa à Cidade do Céu. Recordemos, neste sentido, que as cidades
tradicionais, sempre se construíram conforme ao modelo dessa Cidade mítica, quer dizer, como a projeção
no tempo e no espaço do mundo das Idéias e dos Arquétipos, como é o caso de Teotihuacan (a "Cidade dos
Deuses") dos antigos toltecas mexicanos, ou de Jerusalém, chamada a "Cidade da Paz", que representa a
Jerusalém celeste descrita pelo profeta Ezequiel e posteriormente por João no livro do Apocalipse. O Ming-
tang chinês, cujo nome significa "Templo da Luz", reproduz igualmente a estrutura arquetípica da Cidade
celeste, denominada na tradição extremo-oriental a "Cidade dos Salgueiros", habitada pelos "Imortais".

Em geral, essa estrutura está presente em todos os centros espirituais destinados a serem símbolos da
manifestação do Céu na Terra, e portanto da conjugação e íntima união entre ambos, até tal ponto que não
existe diferença alguma que os separe. Convém recordar também que muitas vezes era um país ou região
inteira a que se considerava a imagem mesma do Céu, como é o caso da antiga China, chamada
precisamente de "Celeste Império", ou o Egito faraônico, que era assimilado a um coração, símbolo também
do Céu, como nos diz Plutarco em seu livro Ísis e Osiris: "Os egípcios figuram o Céu, que não pode
envelhecer porque é eterno, por um coração", e o mesmo afirma Hermes Trismegisto no Corpus
Hermeticum: "Ignora, Oh, você, Asclépio, que o Egito é a imagem do Céu e a projeção neste mundo de todo
o ordenamento das coisas celestes? Para falar a verdade, nossa terra é o templo do mundo inteiro".

22

A CIDADE CELESTE II

Também é importante advertir que a fundação das cidades, com seus templos e santuários, era um símbolo
que expressava a constituição ou consolidação de uma doutrina tradicional, convertendo-se assim a cidade
terrestre na própria expressão dos princípios cosmogônicos e metafísicos revelados por tal doutrina, pois
esta sempre foi considerada como a emanação direta da Doutrina do céu, que não é outra que a própria
Sabedoria Perene, Lei Eterna, ou Sanatana Dharma, contida na Tradição Primitiva, ou o que é o mesmo, no
Centro Supremo. Este, embora em um princípio era acessível a todos os homens, tornou-se, por razões de
ordem cíclica, oculto e inacessível para a grande maioria, Por isso que seja através da compreensão do
sentido profundo e essencial do Ensino como se pode realmente estabelecer a comunicação com tal Centro,
quer dizer, quando a "intenção" e a vontade de todo o ser se oriente para o Conhecimento, e se identifique e
seja um com ele, promovendo assim uma verdadeira transformação interior casada com a realização de
todas as possibilidades contidas no estado humano, à luz de cuja plenitude todas as coisas aparecem
reintegradas na Unidade do Si mesmo, o qual está em relação com a frase evangélica: "Procurem e
encontrarão, peçam e serão saciados, chamem e se lhes abrirá". A essa transformação (precedida por
numerosas mortes e nascimentos) refere-se a expressão hermética que sintetiza a consumação da Grande
Obra: "espiritualizar os corpos e corporificar os espíritos", ou "espiritualizar a matéria e materializar o
espírito", como se diz nas primeiras páginas deste Programa.

O centro do estado humano está representado precisamente pelo coração, onde, efetivamente, todas as
tradições situam a morada simbólica da Cidade celeste, ou Cidade divina (em sânscrito Brahma-pura), que é
o Reino dos céus (identificado com a Cristianópolis ou o Templo do Santo Espírito, "que está em todas
partes", do hermetismo Rosa-Cruz), do que se diz que não virá ostensivamente, "Nem poderá dizer-se: hei-
lo ali, hei-lo aqui, porque o Reino de Deus está dentro de vós", Lucas, XVII, 21. É também a Jerusalém
Celeste como dissemos, cujo advento supõe a abolição da condição temporária, e portanto a restauração do
estado primitivo e do sentido da eternidade ou "presente eterno". Em conseqüência, poderia então se afirmar
que a Cidade celeste é a possibilidade permanente de viver a realidade em si mesmo, sem reflexos duais,
como foi, é e será sempre, constituindo o ponto de referência vertical que dá sentido e plenitude à totalidade
de nossa existência, que se reconhece no universal, conduzindo-nos da periferia ao centro através do Eixo
que comunica a Terra com a Pátria celeste, que é nossa origem e destino final: "Eis aqui o Tabernáculo de
Deus entre os homens, e erigirá seu Tabernáculo entre eles, e eles serão seu povo e o mesmo Deus será com
eles", Apocalipse, XXI, 3-4.

23

O COMPASSO E O ESQUADRO

Ao falar da Arquitetura (Módulo I, N.º 73) indicamos a importância que tem a forma do cosmo físico como
modelo no qual se inspiravam os antigos construtores para a edificação dos recintos sagrados e das moradias
humanas. E entre os principais instrumentos utilizados para tal fim destacamos o compasso e o esquadro.
Ambos são os símbolos respectivos do Céu e da Terra, e assim os contempla em diversas tradições, ou mais
precisamente, iniciações, como o Hermetismo, a Maçonaria e o Taoísmo. O círculo ao qual desenha o
compasso, ou seu substituto a corda, simboliza o Céu, porque este efetivamente tem forma circular ou
abobadada, qualquer que seja o lugar terrestre de onde o observe. Por sua vez, o quadrado (ou retângulo),
que traça o esquadro, simboliza a Terra, quadratura que lhe vem dada, entre outras coisas, pela "fixação" no
espaço terrestre dos quatro pontos cardeais assinalados pelo sol em seu percurso diário. Além disso, a Terra
sempre foi considerada como o símbolo da estabilidade, e a figura geométrica que melhor lhe corresponde é
precisamente o quadrado, ou o cubo na tridimensionalidade.

Para a Ciência Sagrada, o compasso designa a primeira ação ordenadora do Espírito no seio da Matéria
caótica e amorfa do Mundo, estabelecendo assim os limites arquetípicos deste, quer dizer, criando um
espaço "vazio", apto para ser fecundado pelo Verbo Iluminador ou Fiat Lux. Na Gênese bíblica, a separação
das "Águas Superioras" (os Céus) das "Águas Inferiores" (a Terra) deu nascimento ao cosmo, cuja primeira
expressão foi a criação do Paraíso, que como se sabe tinha forma circular. A este respeito se diz nos textos
hindus: "Com seu raio (rádio) mediu os limites do Céu e da Terra", e nos Provérbios de Salomão, pela voz
da Sabedoria se diz: "quando (o Senhor) riscou um círculo sobre a face do abismo...". Igualmente em um
quadro do pintor e poeta inglês William Blake, vê-se o "Ancião dos Dias" (o Arquiteto do Mundo) com um
compasso na mão desenhando um círculo.

fig. 9

O compasso é pois um instrumento que serve para determinar a figura mais perfeita de todas, imagem
sensível da Realidade Celeste, que é precisamente o que está simbolizando a cúpula ou abóbada do Templo.
O compasso é o emblema da Inteligência divina, do "Olho de Deus" que reside simbolicamente no interior
do coração do homem, a luz do intelecto superior que dissipa as trevas da ignorância e nos permite acessar o
interior do sagrado. Por isso mesmo, o conhecimento da "ciência do compasso" implica uma penetração nos
arcanos mais secretos e profundos do Ser. Entretanto, o conhecimento plenamente efetivo desses mistérios
seria tal a culminação, se assim pode se dizer, do próprio processo da Iniciação.

Mas no momento de pôr "mãos à obra", a casa não se começa pelo telhado. O trabalho começa por baixo,
em definitivo pelos alicerces, pelo conhecimento das coisas terrestres e humanas. Aqui entra em função a
"ciência do esquadro", tão necessária para riscar com ordem e juízo os planos de base do edifício e seu
posterior levantamento, dando-lhe a estabilidade e comprovando o perfeito talhado das pedras que servirão
de suporte e fundamento à abóbada, teto ou parte superior.

No trabalho interno é imprescindível, para que este siga um processo regular e ordenado, "enquadrar" todos
nossos atos e pensamentos na via assinalada pela Tradição e pelo Ensino, separando o sutil do grosseiro. É
isto precisamente o que assinala o Tao-Te-King: "Graças a um conhecimento convenientemente enquadrado,
caminhamos sem dificuldades pela grande Via". Recordaremos, neste sentido, que em latim esquadro
também se diz "norma", que é também uma das traduções da palavra sânscrita dharma, a Lei ou Norma
Universal pela que são regidos todos os seres e o conjunto da manifestação cósmica. Poderíamos então dizer
que o esquadro é o compasso terrestre, posto que não é mais que a aplicação na terra e no humano dos
princípios e idéias simbolizados pelo compasso.
Por outro lado, esta união do círculo celeste e do quadrado (ou cruz) terrestre, está em relação com o enigma
hermético da "quadratura do círculo" e a "circulatura do quadrante", que sintetiza os mistérios completos da
cosmogonia. Efetivamente, na "ciência do compasso" e na "ciência do esquadro" estão contidos a totalidade
dos "pequenos mistérios", cujo percurso é, em primeiro lugar, horizontal (terrestre), e posteriormente
vertical (celeste). Com tudo isto, queremos indicar que na realidade existe uma aplicação filosófica da
Geometria, que poderíamos denominar a "Geometria Filosofal", que era perfeitamente conhecida pelos
construtores medievais, os companheiros e maçons operativos, como por todos aqueles que se dedicaram à
Arquitetura ou ordem do cosmo como meio de elevar-se ao conhecimento do que o ponto primitivo
simboliza. Sem fatuidade, Platão fez pôr sobre o frontispício de sua escola: "Que ninguém entre aqui se não
for geômetra", indicando assim que seus ensinos só podiam ser compreendidos por quem conhecia o aspecto
qualitativo e esotérico da geometria.

Desde outro ponto de vista, o trabalho com o compasso e com o esquadro sintetiza igualmente todo o
processo alquímico da consciência, do que a edificação e construção não são mais que símbolos. Por isso
que em alguns emblemas hermético-alquímicos se vê o Rebis, ou Andrógino primitivo, sustentando em suas
mãos o compasso e o esquadro, quer dizer, reunindo na natureza humana as virtudes e qualidades do Céu e
da Terra, harmonizando-as em uma unidade indissolúvel.

24

CABALA

Já sabemos que as letras hebraicas, como as de qualquer língua sagrada, são simbólicas, e como tal temos
que as considerar em nossos estudos e meditações. Efetivamente, tais letras têm uma forma ideogramática,
quer dizer que expressam idéias e princípios, intimamente relacionados com os números e as figuras
geométricas. Ao mesmo tempo, essas letras são sons invertebrados de um Verbo único, as quais em suas
múltiplas combinações geram a totalidade da linguagem, ou seja, do que pode ser expresso, pois o
inexprimível pertence ao puramente metafísico e imanifestado.

Este é o caso da letra Iod (ou Yod), que constitui a primeira do Tetragramaton, YHVH, o Nome Divino
inefável. Essa primazia está indicada por sua própria pequenez, que evoca um ponto, ou um germe,
simbolizando assim a essência indivisível, oculta e secreta da divindade. Esta última a põe em relação direta
com o centro geométrico e, é obvio, com a unidade aritmética, símbolos também do Princípio imanifestado.
Do mesmo modo, temos que o valor numérico da Iod é dez, o qual expressa a totalidade dos aspectos
criados, simbolizados pelas dez sefiroth e pelos dez dedos das mãos, totalidade que está compreendida
dentro da própria unidade, pois 10 = 1 + 0 = 1. Por outro lado se diz que a letra Alef (que é a primeira do
alfabeto), está composta de quatro Iod, estando então relacionada com o número 40, que por sua vez se
reduz de novo à unidade, pois 40 = 4 + 0 = 4, e 4 = 1 + 2 + 3 + 4 = 10 = 1 + 0 = 1. Tudo isto mostra as
vinculações que existem entre o denário e o quaternário, o primeiro simbolizando o desenvolvimento
completo da manifestação, enquanto que o segundo expressa o vínculo que une essa manifestação a seu
princípio, e vice-versa. Isto é o que justamente simboliza a cruz inscrita na circunferência. Esta mesma
figura representa também os quatro rios do Pardés (ou Paraíso), que emanam do centro da Árvore da Vida,
distribuindo a unidade a todos os limites da criação.

Por outro lado, é indubitável a importância que o número 40 tem na Cabala, pois representa as dez sefiroth
nos quatro planos do Árvore. Mas também, tal número está relacionado com os quarenta anos que passou
Moisés no deserto antes de que o povo do Israel penetrasse na terra prometida. Número que é também o de
um ciclo simbólico atemporal pois, estando todos os planos de existência unidos entre si, também têm uma
expressão cronológica. Por último, assinalar que para os antigos cabalistas o homem começava a
compreender os mistérios a partir dos quarenta anos, idade que indica a maturidade necessária para
compreender as mais profundas e secretas verdades.

25

NOTA:

Ainda que pese o processo de dessacralização do mundo moderno, a força do mito segue presente. Como já
se indicou, uma prova disso são os diferentes folclores, lendas e contos que sobrevivem na alma popular, e
que conservam o rastro dos mitos e símbolos sagrados e iniciáticos, embora é certo que com freqüência
estes apareçam degradados e com fortes doses de superstição. Porém, também é verdade, que se não fora
por essa sobrevivência, ser-nos-ia virtualmente impossível ter conhecimento algum de muitos desses mitos e
símbolos, pois se teriam perdido para sempre. No simbolismo astrológico, esta memória se vincula à esfera
da Lua –e a sefirah Yesod–, que na estrutura sutil do cosmo cumpre uma função conservadora e receptora
onde estão "depositados", em estado latente e potencial, os "gérmens" sutis do ser individual. Uma vez
despertadas as possibilidades superiores contidas nesses germens, seguirá um desenvolvimento gradual e
ordenado cuja plenitude coincidirá com o nascimento de um homem novo e completamente regenerado, o
que equivale ao renascimento espiritual.
Que o homem não pode prescindir dos mitos, pode-se ver hoje em dia na grande quantidade de “comics”,
novelas e filmes, aonde as histórias de heróis justiceiros que lutam contra ladrões e assassinos estão
perpetuando o combate das potências luminosas contra as das trevas. O mesmo se pode dizer do mito do
amor (união dos princípios aparentemente antagônicos, mas complementares, simbolizados pelo homem e a
mulher) que é possivelmente o que com mais força se perpetuou e o que nutre a maior parte dos filmes e
canções modernas populares. E isto é claro indício de que a energia da deusa do Amor e da Beleza, Vênus,
não se extinguiu, mas sim continua plenamente vigente e cheia de vitalidade na alma dos homens, como não
poderia deixar de ser, já que se trata de uma energia imortal.

26

TARÔ
II — A SACERDOTISA: É a Sabedoria oculta
detrás dos véus das aparências. Sentada como
eixo central entre as duas colunas do Templo,
desentranha as profundi-dades das coisas graças à
intuição superior e ao intelecto puro, que são os
olhos com os quais lê no Livro da Vida. Ela nos
ensina a olhar no interior de nós mesmos, a
guardar silêncio quando se faz necessário calar, a
penetrar as formas procurando sempre a essência
dos seres, e a conhecer a Fé. Não as crenças
dogmáticas que só se impõem aos cegos, mas
sim, melhor, aquela certeza que conhece quem
tenha sido tocado pela experiência espiritual, e
que se guarda em segredo como um precioso
tesouro. É a “Ísis com Véu” dos egípcios, que se
encontra coroada como rainha misteriosa, cujo
coração só pode abrir a chave do Conhecimento,
ao que chegaremos através do olhar interno que
propicia o trabalho iniciático.

DIREITA INVERTIDA
Sabedoria – Intuição Ignorância - Cegueira – Idéias
Conhecimento - Intelecto puro fixas - Obscuridão – Egoísmo
Interioridade - O invisível, esotérico Miopia - Fixação - Obsessão
e secreto - Oração - Concentração Obcecação - Pessoa ou coisa
Silêncio - Excelente aptidão fechada - Rigidez - Cabeça
Campo fértil – Recolhimento dura - Surdez - Estupidez
O oculto, misterioso – Meditação Obstinação - Constipação
Receptividade - Olhar interno Infertilidade - Egocentrismo
Autoconhecimento Teimosia
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MITOLOGIA

Os diversos significados dos mitos –assim como os dos símbolos– não se contradizem, embora se
sobreponham, ou dito de outro modo: estes significados são multifacetados e se referem tanto a distintos
planos da realidade como a diferentes aspectos de sua manifestação. O fato é que um grau ou tipo de leitura
do mito (ou do símbolo) não tem porque necessariamente excluir a qualquer outro, senão que estes sentidos
se complementam, pois muitas vezes se referem a aspectos da realidade que coexistem nela intrinsecamente.
O homem moderno está acostumado a proceder em forma absolutamente binária, ou seja, por “sim” ou por
“não” (geralmente pelo "bom" –sempre diferente e mutável–, o que leva a negar o "mal" implícito em
qualquer manifestação), razão que caracteriza a sua educação lógico-formal, que nos séculos XVII e XVIII
desemboca necessariamente no racionalismo. É o produto de sua programação histórica, e com estes
parâmetros acredita que está perfeitamente capacitado para julgar e valorar tudo, sem compreender que é
uma vítima de seu baixo condicionamento, cuja ilusória ciência se atreve a interpretar culturas e
pensamentos que não só não foram cunhados sob essas simplistas e ingênuas perspectivas, senão que, pelo
contrário, esses mesmos pensadores e culturas se encarregaram de advertir os riscos de tais atitudes desde os
começos de sua formulação, posto que os enganos da sociedade moderna já estão expressos em forma
embrionária nos gérmens da Grécia clássica, ou dito de outra maneira, nos alicerces de todo organismo vivo
(tal qual uma civilização), que em virtude de seu crescimento múltiplo cada vez se encontra mais afastado
de seu estado original, levando em si implícitos os elementos dissolventes que o precipitarão a sua
degradação e morte final. Por isso a errônea simplificação de positivo ou negativo (bom ou mau) excluindo
sempre um em benefício do outro, não é outra coisa que um engano, já que as qualificações de que se trata
são válidas só de um ponto de vista –ignorando o contrário– e estão sujeitas à relatividade do tempo (o mau
de hoje é o bom de ontem, o que hoje pudesse considerar-se bom, o mau de tempos passados, etc.).
O mito, em sua ambivalência, esclarece esta ignorância da que tanto se vangloriam a maior parte de nossos
contemporâneos que tratam de ser "bons", ou ainda de maneira mais degenerada, "maus", sem compreender
que no conjunto das coisas do cosmo estas valorações arbitrárias estão sujeitas às determinações individuais
de seus próprios egos, cuja conveniência interessada, seja social ou pessoal, é o produto de seus desejos, que
os sacodem em todas direções.
É este tipo de atitude, ou seja: o desconhecimento das leis da cosmogonia –a qual os mitos se referem em
primeiro lugar–, o que lhes leva a desprezar o mito, a vivê-lo como fábulas ou fantasias, ou tentar sua
classificação mnemônica e erudita, ou no melhor dos casos a interpretá-lo com um achatamento e
mediocridade digna do pensamento da sociedade em que vivem.

28

CABALA

A Cabala pode agrupar-se em duas grandes divisões. A primeira é a Cabala do Bereshit –originada na letra
Beth, com a que começa a criação–, e a outra é a Cabala do Merkabah, ou a Cabala do Carro, relacionada
com a Triunidade das sefiroth supremas. A primeira se refere à Cosmogonia, e a podemos vincular com as
figuras geométricas do quadrado e do círculo, terra e céu respectivamente, e também com a horizontalidade
e a verticalidade. Por certo, é com a Cabala do Bereshit com a qual você se liga por intermédio da Agartha.
Há cabalistas que vinculam diretamente os vinte e dois Arcanos Maiores do Tarô com as vinte e duas letras
do alfabeto sagrado, fazendo corresponder à carta l, O Mago, com a letra Alef, e em sucessão as que seguem.
Não todos os hermetistas procedem exatamente da mesma maneira na questão das equivalências, e isto pode
dar lugar a distintos diagramas sefiróticos em que os atalhos fiquem assinalados por cartas do Tarô distintas.
A seguir damos uma versão, com o fim de que o leitor possa seguir tecendo relações e equivalências.

29
EXERCÍCIOS DE PACIÊNCIA:
A paciência, o aprender a esperar, é ativar a potência da energia passiva que jaz em nós. A paciência é
também aprender a receber e saber deixar acontecer aquilo que não é estritamente de nossa incumbência, ou
seja, que igualmente atua como selecionador. São muitos os exercícios que qualquer um pode efetuar
referentes ao cultivo de sua paciência aproveitando a vida cotidiana. Sugerimos dois para aqueles que
conduzem automóvel: 1°) Quando um automobilista tentar ultrapassá-lo de forma violenta, deixe-o passar e
pergunte-se aonde vai com tanto pressa: ligar o televisor? 2°) Se você tiver que viajar por uma estrada em
uma viagem longa, proponha uma marcha de absoluta regularidade.

30
EXERCÍCIOS DE SILÊNCIO:
Praticar o silêncio é recorrer a uma das energias mais poderosas de que pode dispor o homem. A tremenda
concentração de uma consciência alerta, que não desperdiça energia em valores e circunstâncias relativos e
fugazes, dá nascimento à autoconcepção dos mundos, aos que a prática do silêncio conduz. Calar em uma
conversação, ou em uma discussão, sobretudo se o tema supõe um triunfo de seu ego, ainda que lhe seja
negada a razão que você tenha, é igualmente uma experiência muito interessante, só reconhecível por aquele
que a tenha vivido.
31

TARÔ

III — A IMPERATRIZ: É a Sabedoria


despojada de seus véus, que se vê aqui
refletida a si mesma na Inteligência, a
Virgem Rainha, cheia da Graça que será
derramada a toda a criação. Representa o
princípio feminino, passivo e receptivo, ao
qual se pode ver como uma copa vazia, que é
penetrada e fecundada pelo Espírito. É
doadora de formas, e como toda mãe, ao dar
a vida dá também a morte, unindo os
mistérios gozosos, dolorosos e gloriosos. Ela
é a Mãe Maior ou matriz universal da qual
emanam todas as criaturas; e a Inteligência
reveladora e criativa, capaz de discernir o
verdadeiro e o falso. Sua beleza e harmonia
se manifestam na Natureza. É a mulher
sedutora e atraente e a esposa fiel e amante.
Igual que a IIII, é uma carta exterior,
relacionada com a graça e a beleza das
formas, bem como com a nobreza e a
autêntica "realeza".

AL DERECHO AL REVES
Inteligência - Energia criativa Falta de inteligência e de graça
Graça - Encanto Aparentar o que não se é
Firmeza - Responsabilidade Vulgaridade - Grosseria - Capri-
Boa disposição de ânimo chos - Afetação - Ridicularidade
Formas - Elegância Dificuldade de dar formas
Nobreza - Riqueza Falta de nobreza - Mau gosto
Facilidade - Alegria Instabilidade - Exagero
Poder de sedução Falsos brilhos e êxitos
Atração Impontualidade - Improvisação
32

CABALA
Quando falamos do simbolismo da letra Iod, indicamos que ela era a primeira das quatro que compõem o
Tetragramaton, ou Grande Nome de Deus, YHVH, que recordamos é impronunciável, pois expressa um
grande mistério. Na continuidade, queremos propor um tema de meditação que se refere à identidade dessas
letras com as dez sefiroth, e que com toda segurança ampliará nossos conhecimentos sobre o modelo da
Árvore Cabalística. Segundo o Zohar, a Iod expressa a união indivisível e ontológica das duas primeiras
sefiroth, Kether (a Coroa) e Hokhmah (a Sabedoria). A ponta ou vértice superior da Iod representa a Kether,
a "raiz suprema", que se submerge e emana de En Sof, o Nada ilimitado e supra-essencial, idêntico ao Não-
Ser e ao Deus Absconditus, do qual extrai toda sua realidade, pois recordaremos que Kether não é senão um
ponto afirmado nessa infinitude. Desse vértice, de Kether, emana Hokhmah, também chamado o "Pai",
simbolizado pelo resto da Iod, que se prolonga levemente para baixo, representando o próprio Ser dando
origem à manifestação. Mas para que isso seja assim é necessário que Binah (a Inteligência), também
chamada a "Mãe Suprema", ou princípio passivo de Kether, seja fecundada por Hokhmah, o princípio ativo,
e essa fecundação é a que está expressando a segunda letra do Tetragramaton, a Hé. A união desta com a
Iod (Hokhmah) gera a terceira letra, a Vav, à que se denomina o "Filho". A forma desta letra, com seu braço
inferior alongado para abaixo sugere perfeitamente a idéia de descenso dos princípios superiores no seio da
manifestação propriamente dita, pois essa letra representa a síntese das seis sefiroth de construção cósmica,
Hesed, Gueburah, Tifereth, Netsah, Hod e Yesod, as quais, como diz o Zohar, "transmitem a herança à
Filha". Esta não é outra que a segunda Hé, última letra do Tetragramaton, a qual simboliza a sefirah
Malkhuth, o "Reino", recipiente de todas as emanações sefiróticas, às quais distribui em toda a ordem
criada. A Cabala denomina a estas quatro letras de a "família divina", esclarecendo que toda ela conforma
uma unidade, como a própria Árvore da Vida, ou a própria realidade do Cosmo, à qual aquela certamente
simboliza.

33

O AMOR

A frase: "Deus é Amor", extraída do Evangelho de João, permite-nos entrever a elevada natureza desta
energia, considerada por todas as tradições como um dos principais nomes ou atributos da Unidade (de
Kether), identificando-se com ela, como o atesta o fato de que em hebraico a palavra Unidade (Ehad) e
Amor (Ahabah) têm o mesmo valor numérico, o 13. Neste sentido, já o Mestre Eckhart afirmava: "Onde
queira que esteja a alma é onde Deus opera sua obra. Esta operação é tão grande que não é outra coisa que
Amor, mas o Amor não é outra coisa que Deus. Deus se ama a Si Mesmo, ama sua Natureza, sua Essência e
sua Deidade. Mas no Amor com que Deus se ama a Si Mesmo, ama também a todas as criaturas, não
enquanto criaturas, senão enquanto elas são Deus. No amor com que Deus se ama a Si Mesmo, ama ao
mundo inteiro".

Por isso, do amor se diz que é a força de atração dos contrários ou opostos, o centro de união onde se
conciliam as energias verticais e horizontais, ativas e passivas do cosmos e do homem, fazendo possível o
equilíbrio e a verdadeira concórdia (ou "união dos corações") universal, por isso os antigos gregos vissem
nele o filho de Afrodite e Hermes (tal como sua irmã, a deusa Harmonia), de onde nasce também o
Hermafrodita, ou seja, o Rebis, que representa no ser humano a união perfeita e harmoniosa de sua natureza
masculina e feminina, ativa e passiva, yang e yin. Efetivamente, é com o fogo do amor, e a sutil paixão que
ele gera, que se leva a cabo a obra da transmutação alquímica, porque esse fogo é o próprio amor ao
Conhecimento e à Sabedoria e, como dizia Leonardo da Vinci: "O Amor é filho do Conhecimento. O Amor
é tanto mais elevado quanto o Conhecimento é mais verdadeiro". A este amor, expressão do amor divino, é
ao que cantavam os trovadores medievais, e o que Dante vê personificado na figura de Beatriz (que
simboliza a Sabedoria), e certamente é o que invoca Salomão no Cântico dos Cânticos, aonde trata
precisamente das "bodas", "casamento", ou união da alma humana com o Espírito.

Por isso, os humanistas e mestres herméticos do Renascimento, que recolheram os ensinos de Platão e da
mitologia órfica e greco-romana, falavam dos mistérios do Amor identificando-os com os mistérios da
Morte, que são, afinal de contas, os mistérios da iniciação, e explicavam que morrer era ser amado por um
deus, e vice-versa, que amar era morrer ou ser morto por um deus. Na realidade, trata-se de um sacrifício
(de um "ato sagrado"), pois não há nascimento à realidade do Espírito, ou seja ao Conhecimento, sem que
isto suponha uma morte ou superação das limitações próprias do humano. Os amantes da Sabedoria sabem
que não podem casar com ela se não abandonam ou não deixam de se sentir condicionados pela Vênus
Pandemos, ou seja, por seus desejos e amores terrenais, que são considerados como um reflexo invertido
dos amores celestes procurados pela Vênus Urania. Pico de la Mirandola punha o exemplo do "esfolamento"
sacrifical de Marsias como o modelo a seguir por esses amantes: "Se te juntas com cantores e harpistas,
podes confiar em teus ouvidos, mas quando te acerques aos filósofos, deves apartar-te dos sentidos, deves
voltar-te sobre ti mesmo, deves penetrar nas profundidades de tua alma e nos rincões de tua mente, deves
adquirir os ouvidos de Tineo (refere-se a Apolônio de Tiana, filósofo pitagórico), com os quais, ao já não
estar em seu corpo, não escutou ao Marsias terrenal senão ao celeste Apolo, quem com sua divina lira e com
inefáveis modos, entoou as melodias da esferas".

34

METAFÍSICA

O estudo dos textos de nosso Programa –e todos os símbolos e exercícios que utiliza– tende a conduzir-nos
para o conhecimento e para a realização das possibilidades superiores do ser, às quais definimos como de
ordem metafísica. E convém aqui fazer algumas observações a respeito do que entendemos por metafísica,
ainda que devamos advertir sobre as dificuldades de expressar algo referente a um domínio que foi sempre
considerado como inexprimível, e a impossibilidade de definir aquilo que essencialmente é indefinível.

Demos-lhe à palavra "metafísica" a conotação etimológica de "além da física" e cremos que é a mais clara,
se entendermos, como os antigos, que a física é a ciência que estuda os fenômenos da natureza, em toda a
extensão deste termo, e que o que concerne ao conhecimento metafísico é sobrenatural, e ao mesmo tempo
supra-humano e supra-cósmico, pois transpassa o sensível e transcende o mundo da manifestação.

Para atingir o metafísico não podemos utilizar os métodos da filosofia e das ciências profanas, que são
racionais, discursivos e indiretos, e totalmente insuficientes, senão que temos de apelar a um conhecimento
direto e supra-racional, ao qual só se chega pela intuição mais pura. Os símbolos e as palavras que
utilizamos são suportes mágicos nos quais bem podemos nos apoiar para elevar nosso pensamento às esferas
mais sutis do ser; mas o metafísico –diz-nos a doutrina– encontra-se além de todas as formas e
contingências, e ainda além do Ser, pois pertence ao domínio do Não Ser.

Enquanto o intelecto individual, limitado pelos sentidos, pelo corpóreo e pelo transitório, acha-se encerrado
em seus próprios limites, o intelecto transcendente e universal conhece diretamente os princípios imutáveis
e eternos. O homem pode atingir este domínio do metafísico, mas não enquanto ser individual e transitório,
senão enquanto que participa desta inteligência superior e está unido a ela por uma tomada de consciência
de suas verdadeiras possibilidades espirituais, que são mais do que humanas. Nossa realidade individual mal
é uma manifestação momentânea do ser verdadeiro, um de seus múltiplos estados, e o conhecimento
metafísico transcende ao próprio homem, e ainda ao cosmos, pois é absolutamente ilimitado. É óbvio que
não nos estamos referindo a um conhecimento ordinário e profano senão a uma experiência de outra ordem,
que transcende tudo o que possa ser imaginado. Enquanto os estados particulares do ser têm uma
manifestação espaço-temporal, o próprio ser, em seu princípio metafísico, é eterno, e desde a eternidade
todos esses estados são agora, simultaneamente.

É importante assinalar que com isto não estamos negando o físico, nem as possibilidades individuais do ser.
Só queremos recalcar que o metafísico é de ordem superior, e que o físico se encontra incluído nele.

A verdade metafísica é eterna e única, e sempre tem seres que a conhecem, pois participam plenamente
desse estado de Libertação e União.

35

TARÔ

IIII — O IMPERADOR: A IIII representa um


rei, em tempo de paz, que legisla e governa seu
povo com firmeza e amor. Com suas pernas
realiza o sinal da cruz, o quaternário que serve
de fundamento às leis do tempo e do espaço. É
símbolo das estruturas sociais, familiares e de
governo, às quais serve de centro, ordenando-as
e harmonizando-as. Como arquiteto, desenha os
planos construtivos de seu império, que se
levanta e acrescenta sob sua autoridade. Em
nosso interior é aquela energia que nos governa
e controla, ordena nossas idéias, disciplina as
ações, e nos ensina a cumprir uma missão.
Simboliza também a paternidade: o bom pai que
corrige e educa seus filhos unificando o rigor e o
amor. As cartas III e IIII são opostas e
complementares, o que se observa na posição do
cetro e do escudo, símbolos de comando,
domínio e poder.

DIREITA INVERTIDA
Autoridade - Força Tirania - Absolutismo - Despotismo
Poder - Domínio Arbitrariedade - Usurpação
Governo - Direito - Lei de poder - Falta de direito
Dotes - Missão Materialismo - Horizontalidade
Arquitetura - Construção Desordem - Falta de caráter
Vontade - Disciplina Debilidade - Severidade excessiva
Paternidade Militarismo - Literalidade
Flexibilidade Falta de domínio
Paz - Visão Obstáculo formidável

36

GEOGRAFIA SAGRADA
Para a Tradição, a geografia, tal qual a história, é considerada como uma ciência sagrada, em contraposição
ao que sob este mesmo nome estuda a ciência contemporânea, que ignora que a Terra é um ser vivo que
respira e sente, e que possui, além de um corpo, uma alma e um espírito. A este respeito, recordaremos o
que nos ensina a Alquimia quando fala da geração e transmutação dos metais e pedras no interior da Terra,
interior que é considerado como a matriz da Mater Genitrix, receptáculo das energias verticais e numinosas
expressadas através dos ritmos e ciclos cósmicos. Por isso a geografia se complementa com a cosmografía,
ramo anexo à ciência astrológica, e pela qual é possível conhecer com exatidão o aspecto que o Céu
apresenta em cada momento, bem como as revoluções dos planetas e as constelações estelares e zodiacais.
Muitas vezes a própria toponímia revela as analogias e correspondências que existem entre a ordem terrestre
e a celeste. Tal é o caso, por exemplo, da cidade de Santiago de Compostela, palavra esta que precisamente
quer dizer "campo de estrelas". O próprio traçado do Caminho de Santiago se considera como uma projeção
terrestre da Via Láctea, querendo se indicar com isso a origem celeste desse caminho. Igualmente a forma
em que estão dispostos alguns acidentes topográficos –como rios, montanhas, pedras, cavernas, vales,
inclusive países e ilhas– descrevem em sua configuração, e graças às harmonias sutis, certas constelações e
até o zodíaco inteiro, como o que se encontra desenhado sobre a paisagem de Glastonbury, na comarca
inglesa de Somerset.

Por outro lado, as grandes mudanças cíclicas do universo incidem profundamente na forma que foi
apresentando em sucessivas etapas a superfície terrestre, que nem sempre teve a mesma configuração. Em
certo sentido, as chamadas eras geológicas se correspondem, no espaço, ao que são as eras cósmicas no
tempo, ou seja às divisões cíclicas (a mais importante das quais é a precessão dos equinócios, ou sua
metade) de que se compõe uma era completa do mundo e da humanidade, o que na tradição indiana se
denomina um Manvántara. O deslocamento ou inclinação do eixo terrestre (que na época primordial era o
mesmo que o do céu) supôs o passo de um período cíclico a outro, sendo esta a origem de grandes
mudanças geológicas, bem como da aparição das estações. Obedecendo a essas leis, continentes inteiros
desapareceram (como é o caso famoso da Atlântida, da qual Platão fala no Crítias), surgindo outros. Assim
mesmo, os antigos mapas cartográficos não descreviam, como os atuais, só o aspecto físico da Terra, que
desde o ponto de vista tradicional é secundário, senão que, antes de mais nada, estavam expressando uma
visão simbólica e mítica da geografia, e por conseguinte representavam uma fonte de ensino tradicional.

Neste sentido, o estudo e conhecimento da Geomancia (que os antigos chineses conheceram sob o nome de
feng shui, "água-ar", pois se consideravam a estes dois agentes naturais como os principais modificadores da
paisagem) dá-nos a chave para compreender a verdadeira natureza, ao mesmo tempo mágica e metafísica,
do espaço terrestre. Existem lugares que são mágicos porque neles, misteriosamente, manifesta-se o eixo
invisível do mundo que comunica o sensível ao suprasensível, conjugando num todo harmonioso as
potências telúricas e cósmicas. Estes lugares se convertiam em espaços sagrados ou "terras santas", onde se
localizavam as cidades e se erigiam os altares e os templos, orientados segundo determinados pontos
cardeais, especialmente o Leste e o Norte. Adicionaremos que os pontos cardeais são regiões simbólicas
onde residem entidades e atributos divinos que consagram com suas influências a totalidade do mundo
terrestre.

37

A ASTROLOGIA E AS DEIDADES

Para a Ciência Sagrada os planetas são os aspectos visíveis e os símbolos das entidades numinosas ou
deuses, os quais com seu hálito vital lhes animam e dão movimento. Precisamente no esoterismo judaico-
cristão e islâmico se menciona aos anjos como os verdadeiros regentes das esferas planetárias. Recordemos
que os deuses planetários são ciclos cósmicos que englobam a outros mais reduzidos como os do homem,
aos quais selam com suas influências. Assim, o que os relatos mitológicos, lendas e teogonias expressam
como lutas, oposições, coincidências e amores entre as diferentes forças divinas, não são senão o alternar-se
de uns ciclos em outros, que ao se relacionarem com os ritmos zodiacais incidem de maneira notória no
plano horizontal do mundo terrestre, desdobrando-se no espetáculo multiforme da vida. Igualmente, e desde
o ponto de vista da Ciência Sagrada, estas vinculações entre as deidades configuram um mistério
(recordemos que a palavra "mistério" tem a mesma raiz que a palavra "mito"), ou seja, revelam um modo de
ser arquetípico e uma determinada qualidade da alma universal, e igualmente da humana.

Da união ou conjugação das energias de Vênus, deusa do amor e da feminilidade transcendente, e de Marte,
deus da guerra e da virilidade espiritual, nasce uma filha que é chamada Harmonia pois, no dizer dos
filósofos antigos, quando os opostos se unem com a exata e devida proporção, surge deles uma maravilhosa
consonância que mantém num tenso equilíbrio a ordem dos seres e das coisas. Ou, como diz Platão, a
Harmonia trata de atar e tecer juntos aos que por natureza são opostos e contrários. Do casal de Zeus-
Júpiter, deus do raio iluminador e onipotente pai dos deuses, com Maya, que personifica a substância
plástica e geradora do cosmos, nasce Hermes-Mercúrio que, como sabemos, representa o númen que
comunica o celeste ao terrestre, o divino ao humano, e vice-versa. Por sua vez, Hermes-Mercúrio, ao
"copular" com Vênus, procria e gera ao Hermafrodita ou Rebis alquímico que, como seu próprio nome
indica, reúne a Sabedoria e o Conhecimento teúrgico de Hermes com a Beleza e o Amor da filha do céu,
Afrodita, a Vênus Urania. É esta uma união que promove esse amor ao Conhecimento tão necessário para a
realização espiritual.

Quando Saturno-Cronos, o Rei da Idade de Ouro e Antigo Primordial, com a sábia e profunda maturidade
que o caracteriza, relaciona-se com o impulso e a rapidez de inteligência do jovem Mercúrio, origina-se uma
das combinações mais celebradas pelos mestres herméticos do Renascimento, que se sintetizou numa frase
célebre: "Faz lentamente o urgente", aludindo com isso à prudência que tem reger em todos os atos e
pensamentos do alquimista, do qual também se disse que é um puer senex, ou seja, um "menino-velho".

As idéias, chegadas a seu ponto máximo de maturação, são liberadas graças à intervenção do mistagogo1 e
iniciador Mercúrio, pois através de seu conduto se expressam ao exterior. O deus Zeus, tem uma direta
influência sobre suas filhas as Musas (nascidas de sua união com Mnemósine, a Memória) relacionando-se
freqüentemente com as demais deidades e com os homens por intermédio delas. Cada deus possui sua Musa
e cada Musa inspira ao homem o conhecimento de uma ciência e de uma arte sagradas. Deus do fogo e da
luz sobrenatural, Apolo, que dirige seu coro, preside o rito fundamental do sacrifício da alma humana, que é
irresistivelmente arrebatada a sua morada celeste quando "escuta" os maravilhosos acordes e harmonias que
extrai de sua divina lira, presente de Hermes, liberando-se assim dos laços que a mantêm unida à sua
condição terrestre.
fig. 12
1
N.T. Mistagogo - (Do lat. mystagōgus, e este do gr. µυσταγωγός): 1. m. Sacerdote da gentilidade greco-romana, que iniciava
nos mistérios. 2. m. p. us. Catequista que explicava os mistérios sagrados, especialmente os Santos Sacramentos.
38

APRENDER A LER:

Uma das coisas mais importantes em nossas disciplinas é a de aprender novamente a ler. Essa nova leitura
dos textos, símbolo de outra apreciação da vida e das coisas, inclui uma atitude diferente com respeito ao
que se lê. As leituras com as quais se nutre o neófito, textos teúrgicos e iniciáticos, exigem uma adequação
especial para que atuem verdadeiramente. Na prática podemos distinguir uma leitura profana e superficial,
de outra profunda e sagrada. Estudar um texto não é só aprendê-lo de modo literal, ou de "memória".
Também não é passar sobre ele sem o compreender. Singelamente se trata de apreender.

a) Estamos acostumados a "consumir" o que lemos. Devemos nos fixar atenciosamente no que lemos. Têm-
se de separar netamente os estudos metafísicos (às vezes um pouco complicados ou fastidiosos) da simples
leitura à qual habitualmente estamos acostumados. Esta nova leitura que lhe indicamos é também um rito,
uma ruptura de nível e a criação de um novo mundo de símbolos e conceitos com o conseqüente abandono
do espaço e do tempo de sua situação anterior. Tome-se o tempo necessário e volte sobre o lido. Faça um
esforço igualmente para gravar um arquivo de imagens.

b) Acostume-se também a ler as entrelinhas. Recorde que cada texto tem uns três, quando não quatro,
níveis de leitura.

Movimento l: Deixe-se levar totalmente pela leitura até se introduzir no mundo que se lhe oferece.
Movimento de abertura. Dissolução-expansão.
Movimento 2: Medite sobre o lido. Extraia –ou trate de fazê-lo– o sentido último do que se expressa.
Movimento de coagulação-concentração.
Movimento 3: Estabeleça relações.

39

ACAPITE

V — O PAPA: Chamado também O Hierofante


ou Sumo Sacerdote, é o iniciador nos Antigos
Mistérios, guardião e transmissor da Tradição
Unânime. Com sua mão direita realiza o sinal do
Ensino, e com a esquerda -coberta com uma
luva- sustenta um cetro que representa, junto
com a coroa, o poder espiritual. Encontra-se,
como A Sacerdotisa, sentado entre duas colunas,
e generosamente ministra a Doutrina a quem
tem ouvidos e olhos, guardando em segredo
elevados conhecimentos. Os personagens de
costas, em atitude receptiva, são o símbolo da
aprendizagem. O vermelho de seus vestidos o
relaciona com Marte, que neste caso manifesta
um profundo rigor intelectual, necessário para
que essa Doutrina se mantenha intacta e a
verdade não seja deformada. Esta carta
simboliza o mestre interior, ou guia oculto, que
nos conduzirá nas distintas fases do processo
iniciático, de uma vez que é amigo, conselheiro
e confessor.

DIREITA INVERTIDA
Sacerdote - Mestre - Ensino Dogmatismo - Falsos profetas
Aprendizagem - Doutrina - Tradição Tergiversação - Falsificação
Autoridade moral e espiritual Equívoco - Enganos - Prejuízos
Paciência - Perseverança Impaciência - Fanatismo
Rigor - Retificação - Equanimi- Má informação - Rigidez
dade - Calma - Serenidade - Con- Liderança - Condicionamento
fiança - Generosidade - Cons- Mau conselheiro e intermediário
tância - Discrição - Bom sentido Insensibilidade - Competência

40
A BELEZA

Como o Amor –ao qual se encontra indissoluvelmente unida– a Beleza é um nome ou atributo divino,
conforme mostra e exemplifica a sefirah Tifereth, também chamada Harmonia como sabemos. Devido a seu
caráter universal, a Beleza não é patrimônio de ninguém, e certamente escapa às classificações da arte e do
artista moderno, que só percebem dela o estético e superficial, quando não simplesmente a negam,
apostando pelo realmente grotesco e confuso. A maioria dos que se autodenominam "artistas" esquecem que
a beleza é um permanente assombro que se acha implícito na textura mutável e multifacetada da vida, e o
que é mais importante, na essência e no próprio ser das coisas e dos seres. Ela se identifica com o
inapreensível, com o que não pode ser medido nem computado, mas sim experimentado como um tipo de
emoção intelectiva e supra-racional, capaz de produzir aquela necessária "ruptura de nível", que faça
possível o contato direto com as realidades espirituais que, ademais, toda a criação constantemente revela e
sugere. Por isso sempre foi considerada como uma energia intermediária entre o humano e o divino, entre o
horizontal e o vertical, tal como o símbolo, e como este é um veículo que nos conduz ao Conhecimento.

União dos contrários aparentes, ou conjugação em uma só entidade do sujeito que conhece e do objeto
conhecido, a Beleza é o reflexo no cosmos da Unidade Arquetípica que, germinando no coração do homem,
leva-o ao conhecimento de si mesmo e do mundo mediante o arrebatamento que produz seu contato. Neste
sentido, a Beleza participa tanto do êxtase dionisíaco (relacionado com a atração e a vertigem para as
energias telúricas e terrestres) como do apolíneo, onde este êxtase se transforma em contemplação para as
formas puras. Este é o caso do Platão, para quem as figuras do círculo e do quadrado proporcionavam a
contemplação da Beleza absoluta.

As artes sagradas e tradicionais aglutinam estas duas maneiras de conceber a Beleza, que devido ao
temperamento dos homens que as realizam podem expressar uma ou outra forma, ou ambas de uma vez,
pois na realidade são complementares, como o são a Terra e o Céu. Por exemplo: um ícone cristão e a
voluptuosidade de formas de uma deusa pagã podem, no fundo, sugerir a mesma idéia. Seja como for, intuir
a verdadeira Beleza, e ser uno com ela, pode acontecer em qualquer momento, não importa a causa, pois
então já não seremos os mesmos, com nossos falsos complexos e prejulgamentos, senão que nos terá dado a
graça de participar do rito de uma dança total, da qual nada, nem ninguém, fica excluído.

41
GEOGRAFIA SAGRADA

Toda Terra Santa, ou Sagrada, própria a cada tradição, é o símbolo da Terra Arquetípica, que se manifestou
visivelmente ao começo do atual ciclo terrestre e humano. Esta foi a residência do Centro Supremo ou
Grande Tradição Primitiva, a qual teve que se ocultar e se fazer invisível (passando a outro plano) quando as
condições nas que era possível sua existência se tornaram difíceis. Geograficamente, o Centro Supremo
esteve situado aproximadamente no que hoje é o Pólo Norte, que os gregos denominaram a Hiperbórea, e
que naqueles primeiros tempos conservava condições climáticas mais benignas que na atualidade: uma
"primavera perpétua" como assinalam algumas tradições. Isto se deveria, como já se disse antes, ao feito de
que o eixo terrestre não estava inclinado com relação ao eixo celeste, acontecendo que não existissem a
sucessão das estações.

É de notar, além disso –e para se perceberem as analogias que existem entre a ordem física e a espiritual–,
que o Pólo Norte representa a região que é tomada como referência orientadora vertical de qualquer lugar da
superfície terrestre (embora isto seja hoje assim pela globalização cultural e pela representação da Terra
como esfera); o extremo Norte é também o extremo superior do eixo vertical que atravessa a Terra, e
portanto o centro ao redor do qual se cumpre a rotação desta, sendo o único lugar (junto com o Pólo Sul)
que permanece estável e sem girar em dita rotação. Neste sentido, é perfeitamente normal que fosse a região
polar a primeira em albergar a Tradição Primitiva, pois esta é também a origem e o centro doutrinal
invariável de todas as demais através dos tempos; seu permanente ponto de referência axial. Seu
recolhimento e ocultação supôs o surgimento das diferentes formas tradicionais e o estabelecimento dos
respectivos centros geográficos sagrados, que eram, e seguem sendo, os reflexos do primeiro (ver "A
Montanha e a Caverna", Módulo I - N.º 70). São os casos de Jerusalém para o judaico-cristianismo, de Meca
para o Islã, Delfos para a Grécia clássica, Roma para as tradições itálicas e ainda para o Catolicismo atual,
Tebas para o antigo o Egito, Babilônia para as culturas mesopotâmicas, a mítica Aztlán (Atlântida) para as
culturas centro-americanas, Cristianópolis ou a "Cidadela Solar" para o Hermetismo Rosa-Cruz, etc. O
nome originário do Centro Supremo foi o de Tula, ou Thule, a "Balança", ou também Síria, a "Terra do
Sol", expressão que indica uma transposição celeste e luminosa do espaço geográfico. Tula designa a
constelação da Ursa Maior que com suas sete estrelas –número de perfeição– assemelha-se a uma arca
girando em volta da estrela Polar, morada simbólica da Grande Unidade ou Arquiteto do Universo. A estrela
Polar é o Topo, o Zênite da Montanha Cósmica, Árvore ou Eixo do Mundo, de onde partem, segundo as
direções do espaço, os quatro rios sagrados portadores da Água de Vida Celeste.

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NOTA:

Em diversas tradições, o Paraíso é representado pelo coração, que é o centro do estado humano,
equivalente ao "Coração do Mundo", ao "Santo Palácio" interno, ou a Brahma-Pura (a "Cidade de
Brahma"). Por isso há que se entender a existência de uma analogia entre a Geografia mítica ou sagrada e
o próprio espaço interior ou espiritual do homem. Nesse espaço também se encontram comarcas e regiões
que são apenas estados de consciência que o ser vai reconhecendo nas diferentes etapas ou graus de sua
evolução espiritual. "O Reino de Deus está dentro de vós", diz o Evangelho; e o lamaísmo budista:
“Shambala (a Comarca Suprema ou Paraíso) está em nosso coração". À luz dessas concepções, o espaço
geográfico se transforma em seu arquétipo celeste, onde se vislumbra o atemporal. A beleza do mundo, de
Malkhuth, é o reflexo da Beleza, de Tifereth. As visões enlevadas de certos místicos descrevem uma
geografia situada em outro plano da realidade, onde se produzem as teofanias e se revelam as entidades
angélicas e divinas. É a "Terra dos Bem-aventurados", dos "Viventes", dos "Antepassados Imortais", à
qual, entretanto, "não se pode chegar nem com naves nem carros, a não ser somente pelo vôo do espírito".
A este respeito nos dizem os mestres herméticos: "O Paraíso está ainda nesta terra, mas o homem está
longe dele até que não se regenere". Agartha é a gruta que se oculta na montanha, localizada-se no mesmo
eixo que a sumidade, como a cripta no templo.

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VISÃO

A prática da Geometria e da Meditação são métodos de purificação do "olho da alma", que cultivam a
capacidade da Visão ou faculdade de contemplar a Verdade: faculdade chamada também Inteligência do
coração, a única que pode unir o mundo manifestado com sua Origem.

Esta visão difere muito da capacidade visual que ordinariamente usamos e requer uma penetração da
realidade, em mais de um sentido. A vista e o ouvido, embora relacionados em suas funções, operam de
modos muito diferentes: a inteligência óptica, para pensar, cria uma imagem em nossa mente, é indireta,
analítica e seqüencial, enquanto que a auditiva é direta, sem imagem, e evoca uma resposta imediata. É ela a
que percebe padrões de relação e configurações no espaço. É, desta forma, ela a que se associa com o
hemisfério direito do cérebro, enquanto que a vista, de caráter temporário, associa-se com o esquerdo, que
mede e analisa de maneira racional, para empregar uma descrição simbólica. É este "modo direito", ou
"maneira reta", o que permite penetrar no aspecto esotérico do símbolo, e compreender seu sentido, porque
pode perceber opostos em simultaneidade.

Quando a capacidade auditiva e a visual estão "centradas", "escutam-se cores" ou "vêem-se músicas". Por
meio da Geometria, os pitagóricos conjugavam e equilibravam os opostos perenes e uma vibração escutada
chegava a converter-se em forma visível e igualmente um ritmo visual se expressava em harmonias
audíveis.
44

TARÔ

VI — O ENAMORADO: Aqui se acha


um homem entre duas possibilidades, em
atitude de escolher livremente uma delas.
Uma mulher, que sinaliza as partes
exteriores dele, exerce atração sobre ele
para a corrente do mundo profano, do
materialismo e do engano dos sentidos,
oferecendo-lhe um amor vulgar, não
transcendente. A outra sinaliza seu
coração, atraindo-o para os sentimentos
mais nobres do amor espiritual e
simbolizando a verdade. O cupido, a cujas
costas brilha um sol radiante, aponta com
sua flecha à segunda, embora o indivíduo
se encontre aqui em liberdade de escolher
qualquer opção, pondo seu coração onde
esteja seu verdadeiro tesouro. Também
pode simbolizar um casal ou um noivado.
A carta invertida denota os dilemas,
dúvidas e vacilações aos quais nos
submetem as tentações do mundo profano.
Mas quando está direita, insta-nos a
melhor decidir.

DIREITA INVERTIDA
Determinação - Livre eleição Vacilação - Dúvida - Dilemas
Amor - Vontade Eleição errônea - Indeterminação
Livre-arbítrio - Decisão Engano - Covardia - Risco
Auto-determinação Caminho equivocado
Movimento da vontade Medo - Indecisão
Heroísmo - Firmeza Indeterminação - Intrigas
Chamados - Nobre paixão Paixões - Sofrimento
Afetos - Sentimentos - Casal Traição - Perda de energia
União do casal - Noivado Impossibilidade - Crise afetiva
45

A ANALOGIA

No Módulo I, título N.º 24, dedicado à analogia, referíamos-nos à inversão de duas ordens simbolizada pelo
Selo de Salomão. Só adicionaremos que o único aparece misteriosamente como múltiplo, assim que se
reflete no prisma da manifestação, e até muito mais quando o faz nas modalidades do individual. Por isso as
conhecidas reservas da Tradição a este respeito, ao reiterar o caráter ilusório e relativo das aparências, que
sendo imagens reflexas e invertidas da realidade, são tomadas infelizmente por ela mesma. Confundimos o
símbolo com o simbolizado. A mesma proposição hermética: "o que é acima é abaixo", exige uma
interpretação correta das correspondências, já que o de "cima" se acha simbolicamente expresso pelo de
“baixo”, mas em sentido inverso. "Os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos". O
pecado, o engano e seu comum denominador, a ignorância, são apenas a idolatria do irreal e ilusório. Um
puro absurdo que deixa de sê-lo na medida em que o ser toma consciência efetiva do verdadeiramente real e
eterno.

O veículo por excelência do pensamento é o símbolo, e a essência deste a analogia. Efetivamente, a analogia
não é uma mera associação de conceitos mentais, assim como o símbolo não é tampouco uma "definição", já
que como tais não escapariam então às limitações racionais e morais humanas. A própria presença
inteligível da Idéia evoca e sugere indefinidos aspectos de si mesmo, despertando sempre novas e distintas
perspectivas da realidade, engastadas permanentemente em sua síntese sagrada. Como instrumentos de
aplicação, tal qual os números e as letras, símbolo e analogia permitem articular por meio de relações de
semelhança, feitos ou realidades que a primeira vista nada têm em comum, a não ser sua própria
contingência. A relação necessária de continuidade entre o todo e a parte, entre Deus e o mundo, e vice-
versa, é por certo o número de ouro da Criação. Um arcano intuído sempre, que a Tradição revela. É a
lógica verdadeira que como "graça divina" opera além da lógica convencional ou formal. Esta permanente
ligação que une os mundos, seja de maneira visível ou invisível, permite a possibilidade perpétua do
"despertar", de uma volta ao sentido universal da existência, operativamente uma saída do tempo-espaço
ordinário e amorfo, e uma entrada no "extraordinário" e sagrado. A função dos ritos não tem outro fim que
dinamizar e atualizar esta possibilidade sempre latente. A ela se vincula especialmente a intuição intelectual
e o Eros ou Amor divino, não a "razão" propriamente dita, analítica e discriminativa por natureza.

46

O ARTISTA

A tarefa do artista é a de mediador entre a essência do símbolo (ou Verbo) e sua manifestação no mundo
temporário (obra do Verbo Criador). Dentre todas as criaturas, só ao homem é dado o tomar consciência
deste papel e, através dele, é o Universo que se faz consciente de si mesmo. O propósito da educação
tradicional consiste em levar a cabo esta tomada de consciência, despertando as capacidades latentes que
todo homem leva ocultas, sendo esta a função que cumpre o grêmio dos artistas, dirigido por um mestre que
conhece os princípios que governam a Arte.

O processo de aprendizagem é hierárquico e provê o artista da linguagem simbólica. Inclui as ciências e as


artes sagradas; trata-se da Alquimia do próprio ser e de um verdadeiro caminho de Iniciação. O apoio
simbólico prepara o caminho do processo criativo através de rituais prescritos. A beleza do símbolo consiste
em revelar o "Tesouro", sem cuja mediação não se poderia conhecer jamais. O rito tem sua base na
cosmogonia e é o símbolo em movimento. O mito vive em um Tempo de ação ritual perene. O propósito
destes rituais é o de criar um estado de consciência que permita ao artista mover-se no espaço interno da
alma. Uma parte essencial deste estado meditativo é obter que a harmonia dos ciclos vitais penetre na
existência inteira experimentando os ritmos da natureza, sua solidão e serenidade.

É por meio da contemplação que se pode acessar o espaço interno do coração, onde tem lugar, para o artista,
a única experiência de realidade. É então que pode expressar: "na verdade, tanto quanto é extenso o espaço,
também o é o vazio que há no interior do coração". Chegou à fonte e contemplou, face a face, a realidade,
contemplou-se a si mesmo. Já não existe o tempo; vidente e visão são um. Todo o universo concentrou seus
raios em um ponto cuja incandescência voltou ao Si-Mesmo.

Sons, formas, linhas, cores e materiais serão os meios para a alma desperta que busca expressar-se em sua
descida pelo arco do ciclo criativo, devolvendo a forma visível, audível ou tangível ao vivido. Passivo com
relação ao Princípio do qual é servidor, e ativo com respeito a sua Arte, o artista cria uma relação
harmoniosa entre o universal, que anima sua obra, e a particular maneira de dar forma a sua criação. A obra
será a amostra da perfeição alcançada pelo artista e, na medida em que esteja conforme com a Origem,
poderá lhe chamar original. Originalidade compreendida no amplo sentido da palavra: a realização de uma
concepção original e não só a transitória originalidade individual.

"Esta parte terrestre do mundo é mantida pelo conhecimento e pela prática de Artes e Ciências, das quais
não quis Deus que se privasse o mundo para ser perfeito (...) E acertadamente a divindade suprema enviou
aqui para baixo, entre os homens, o coro das Musas, para que o mundo terrestre não parecesse muito
selvagem, privado da doçura da música, mas, pelo contrário, para que os homens oferecessem seus louvores
mediante cantos inspirados pelas Musas àquele que só o é Tudo e pai de todos e, assim, aos louvores
celestiais respondesse sempre, também sobre a terra, uma suave harmonia. Certos homens, poucos em
número, dotados de uma alma pura, receberam em participação a augusta função de elevar seus olhares para
o céu" (Corpus Hermeticum, Asclépio 8-9).

47

NÃO É POR MUITO MADRUGAR…

Um dos temas nos quais se faz insistência no percurso iniciático é o dos inimigos ocultos, ou seja, naqueles
que não são evidentes para o aprendiz, ou que se disfarçam aparentando virtudes quando não são mais do
que formas do homem velho, e graves inimigos no caminho do Conhecimento. Muitas vezes, soem se
apresentar com a roupagem da moral e do oficialmente admitido como virtuoso e até "religioso", ao que
graciosamente denominam "tradicionalismo". Outra das desagradáveis maneiras em que soem se apresentar
estes demônios, diretamente associada com a que acabamos de mencionar, é o fato de supor uma virtude o
despertar cedo pelas manhãs, especialmente nas grandes urbes, onde o corpo perdeu toda conexão com os
ritmos da natureza. Este fato completamente normal é tomado por indivíduos simplórios como uma grande
coisa, exemplo digno de ser emulado, embora deva se impor pela força, como no caso dos internatos,
cárceres e quartéis. Embora não se leve em conta que este “'madrugadores” se levantam para jogar lenha ao
fogo da máquina da sociedade moderna que nos está devorando, que eles criaram e alimentam
constantemente com sua diligência.

O adagiário cunhou duas sentenças muito conhecidas com relação a este fato. A primeira diz "Deus ajuda
a quem cedo madruga". Isso pode ser entendido como uma piada de humor negro, quando se pensa que os
homens de hoje em dia, direta ou indiretamente, despertam dispostos a trair, mentir, murmurar, caluniar,
roubar, destruir, etc., com o beneplácito e o patrocínio das entidades oficiais em meio da aprovação geral.

O segundo refrão deu título a esta nota e diz: "Não é por muito madrugar que amanhece mais cedo". Nele
se adverte o oposto ao anterior, ainda que se o note muito mais elaborado, já que nega de fato a simplória
crença literal que o primeiro sustenta, e aparece como uma clara sentença a um dos enganos (pecados)
maiores e difundidos dos contemporâneos: o de que através das ações dos homens vai poder se obter o que
sempre foi chamado, inversamente, a Graça de Deus.

"O espírito sopra onde quer" pode ler-se no texto sagrado. Sim, onde quer o espírito e não onde
determinam os homens, ou em qualquer lado, por azar, como poderia compreender um literal, ou um
“justo” muito madrugador. Um provérbio chinês diz: "Ao abusar da eficácia se produzem violências".
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TARÔ

VII — A CARRUAGEM: Nesta carta vemos um


cocheiro conduzindo seu veículo para uma meta
prefixada. A livre decisão que estava implícita na
carta anterior, foi já tomada, e o Iniciado se
encontra aqui em atitude de triunfo e de vitória,
ganhando a guerra entre os contrários. Os cavalos e
as rodas, parecem dirigir-se para lugares opostos;
mas o chofer real, sem necessidade de rédeas, leva-
os pelo meio, superando os obstáculos do caminho,
unindo as contradições e conjugando as oposições.
Nos galões se vêem duas máscaras, uma que chora e
outra que ri, representando a tragédia e a comédia.
A carta nos dá a idéia de viagem, relacionada com a
primeira fase do processo iniciático; trata-se das
primeiras viagens que nos prepararão para as
viagens maiores, logo depois das quais o
movimento cessará e se atracará à região do
repouso. Não confundir o veículo com a meta.

DIREITA INVERTIDA
Direção - Movimento Ausência de direção - Pressa
Superação de contradições Viagem adiada - Imobilidade
Triunfo - Vitória - Obtenção de Retrocesso - Derrota - Pesar
Êxito - Manejo de opostos Veículo ou caminho equivocado
Viagem - Mudança - Nova vida Ausência de escrúpulos - Fracas-
Superação de obstáculos so - Perda de controle - Estanca-
Objetividade - Reestruturação mento - Impossibilidade de chegar
Bom veículo ou Ruptura - Insatisfação
caminho Desespero

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HISTÓRIA SAGRADA

A História se articula como uma série de acontecimentos no tempo onde se projetam, tal como na
Geografia, as energias e potências verticais. Assim entendida, a História está balizada de feitos
significativos que supõem uma ruptura do nível temporal, ordinário e profano, que nada tem que ver com as
crônicas e estatísticas, às quais estão acostumados nossos contemporâneos, que só são capazes de se fixarem
em determinadas anedotas devidamente documentadas (sempre com um propósito interessado, em particular
no político, econômico, racial ou religioso). Como o espaço, o tempo não é homogêneo, mas tem cisões e
fissuras por onde se revela o supra-histórico. Por outro lado, o centro sagrado geográfico e espacial,
simbolizado pela Terra Sagrada, –e dentro de cada qual por seu próprio coração– é também o centro do
tempo, do atemporal, onde se faz efetiva a comunicação com os estados superiores.

É o mito o que faz significativa a história de um povo; a criação de uma cultura ou civilização tradicional
sempre parte de um acontecimento mítico e supra-humano, no qual uma entidade espiritual se manifesta
(quase sempre Através de intermediários simbólicos, sejam animais, vegetais, minerais, ou graças a
determinados personagens humanos, como estamos vendo nos títulos sobre Biografias), dando origem ao
desenvolvimento dessa civilização. Como no caso de que se tratasse de um sutil cordão umbilical, esta
vinculação íntima, que mantém uma cultura com o invisível e atemporal, é o que possibilita a regeneração
periódica e cíclica dos homens que a integram. A verdadeira história de um povo, ou de um homem, reside
em sua capacidade de compreender e sentir em toda sua plenitude a presença do sagrado, de estar
reintegrado nisso, como uma unidade indissolúvel entretecida de múltiplas relações e da qual depende toda
sua vida. Por isso existiram culturas que não tiveram história, tal como a entendemos hoje em dia, porque
para estas o único válido, o único real, é o que não está sujeito às leis implacáveis do devir. Estas servem,
em todo caso, como suporte horizontal onde se cumpre o destino histórico dessas culturas e civilizações.
Mas para que este destino tenha sentido, devem depender inteiramente da ordem que expressam as leis
universais, que são invariáveis e eternas.

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A TRADIÇÃO

A multiplicidade das tradições é uma forma evolutiva que reveste aquela Tradição Única das origens, no
processo cíclico de queda através das idades históricas. E assim como na Árvore Sefirótica quatro planos
progressivamente densos separam à Primeira Deidade do Reino deste Mundo, assim também no tempo as
quatro idades –do ouro, da prata, do bronze e do ferro– marcam a progressiva ocultação daquela Tradição
Primitiva sob o disfarce de tradições diversas e cada vez, na aparência, mais distintas, até o ponto de chegar
a admitir contradições entre elas no plano de sua literalidade, que é o único que está ao alcance da
generalidade dos homens na atual idade obscura. A isso se refere o mito bíblico da Torre de Babel, relativo
ao momento em que o gênero humano começa a se interessar pelo desenvolvimento da civilização –as artes,
os ofícios e as grandes empresas técnicas– e é "castigado" com a confusão das línguas.

Efetivamente, toda solidificação ou materialização implica multiplicação e divergência. Mas a


multiplicidade de tradições é só aparente, e pertence ao plano ilusório que o budismo denomina Samsara, e
o hinduísmo identifica com o Véu de Maia. A variedade de tradições pertence ao círculo exterior do símbolo
da Roda. Elas são os raios que conduzem ao Cubo ou Centro, onde está se localizada a Tradição Unânime,
da qual não deixaram de ser testemunhas os sábios e iniciados de todo tempo e lugar.

A Tradição (do latim tradere, transmitir) é a transmissão do conhecimento, entendido este em seus
princípios imutáveis e universais, embora também em suas aplicações a todas as esferas da vida. Por isso a
distinção entre esoterismo e exoterismo, que de um modo ou outro se dá no seio de todas as tradições. O
último é o que se ocupa de organizar moralmente as sociedades humanas (pois como afirma Platão, e Face à
visão moderna, moral e política são a mesma coisa). O primeiro mantém viva a chama da Verdade última,
mediante a cadeia iniciática ininterrupta (que o sufismo chama silsilah) para aqueles que são capazes de
acessar à realização espiritual propriamente dita.

Há portanto uma hierarquia entre caminhos funções da Tradição: as formas externas ou esotéricas
degeneram e se extinguem quando perdem contato com seu núcleo esotérico. Equivalha como exemplo o
ocorrido com o cristianismo a partir do século XIII: a desvinculação do papado e da hierarquia eclesiástica
com respeito às organizações iniciáticas deixou à cristandade indefesa ante o assalto do pensamento profano
e "científico", que tentou nestes últimos séculos corrigir e "melhorar" de fora uma doutrina tradicional
efetivamente castrada de suas bases intelectuais, bases que não pertencem à organização exotérica e que são
patrimônio do saber iniciático. Daí a contradição atual do Ocidente, dividido entre um "cristianismo
insuficiente" e um saber "científico" que pretende completá-lo, mas que troca –como todo o profano– suas
"verdades" ao som da moda.
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GEOGRAFIA SAGRADA

Já dissemos que a geografia (grafia da terra) concebida como espaço mítico destinado a ser reflexo da
ordem celeste, é comum a todas a culturas tradicionais. Queremos recordar que esse espaço mítico é o
Centro do mundo, onde o tempo (a história) também se contempla como não-sucessivo, sendo sempre novo
e a regeneração uma realidade permanente, ao não perder a capacidade de assombro sua virgindade original.
Na verdade a geografia sagrada é invisível, pois existe a "idéia" de uma terra ilimitada e primitiva, de uma
"Terra Pura" ou de um Jardim edênico, que não esgota suas possibilidades generativas ao estar unida e
fecundada pelo Espírito. A geografia é então um estado da alma (de se viver a própria existência inserida no
universal), que, efetivamente, pode ser manifestada simbolicamente numa paisagem, no topo de uma
montanha, no vazio de uma caverna, ou em qualquer topografia significativa. Os templos e cidades se
erigiam nesses lugares, e sua construção se realizava segundo leis precisas derivadas de uma ciência
sacerdotal, revelada pelos deuses.

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NOTA

Esperamos que à medida que foi avançando no curso dos ensinos e exercícios contidos neste manual, ao
qual se deve repassar freqüentemente, você possa ter agora novos pontos de partida para a investigação,
ao mesmo tempo que a leitura destes textos lhe possa resultar muito mais sugestiva, e talvez reveladora. De
toda maneira, são os preâmbulos de nosso trabalho integral, ao qual se deve dedicar igual firmeza e ardor
que até o momento. Você avançou um passo, embora não saiba de tudo. Acaso tenha se feito evidente,
redobre seus esforços, pois está fazendo algo por você mesmo e sua superação, e sempre esta dedicação é
recompensada de uma ou outra maneira.

Pode ser que por falta de tempo, ou por outras razões muito específicas, o leitor não tenha efetuado todas
as práticas e exercícios que demos e seguiremos dando. Nesse caso lhe sugerimos que vá anotando em uma
ficha aqueles que não realizou, e os ordene por temas. Certamente chegará o momento em que possa
efetuá-los e, então, você poderá praticá-los de forma ordenada. Trate de não omitir nada do que Agartha
lhe oferece e deixe que o Ensino penetre completamente em você. Posteriormente, e de forma natural, ir-se-
ão selecionando em nós os caminhos particulares e os tipos de temas de nossa inclinação, que deste modo
podem se desenvolver em um leque de possibilidades.

Se algum ponto doutrinal lhe resultar ainda obscuro ou dificultoso, igualmente a certos exercícios, sugere-
se passar adiante, sempre que se tenham efetuado certos esforços para superar a situação. Chegará o
momento de se repassar estas lições, e então descobrirá que essas dificuldades foram se resolvendo, ou já
não existem. Passado um tempo, o voltar para material de Agartha, desde o início, é extremamente
proveitoso. Por outra parte, a leitura destes textos pode lhe aparecer nesse momento como nova, ou pode-
se encontrar nela alguns pontos, ou temas, em que não havia reparado.
53

TARÔ

VIII — A JUSTIÇA: Aqui nos mostra uma


mulher sentada, que sustenta uma espada com
sua mão direita e uma balança com a esquerda.
Embora esteja acostumado a se representar à
justiça com os olhos vendados, dando a
entender que a lei se aplica por igual a todos os
homens, sem restrições de nenhuma classe, aqui
a vemos com os olhos muito abertos, indicando
a objetividade com a qual emite seus
julgamentos. A espada se acha em posição
vertical, ascendente, pronta para penetrar as
aparências das coisas e atracar aos estados
superiores do ser; e a balança está sustentada
pelo eixo ou fiel, símbolo do equilíbrio e da
harmonia que se obtêm quando se encontra o
justo meio. Os significados favoráveis desta
carta estão relacionados com as virtudes de um
verdadeiro juiz, objetivo, neutro e
desapaixonado; quando está ao contrário, fala
de seus vícios e em geral nos mostra os
desequilíbrios.

DIREITA INVERTIDA
Lei - Ordem - Objetividade Injustiça - Parcialidade
Imparcialidade - Regularidade Desequilíbrio - Aburguesa-
Justiça - Harmonia - Consciência mento - Desordem - Violência
Integridade - Equilíbrio Pleitos - Discussões
Rigor - Organização Arbitrariedade
Economia - Administração Ladrões - Corrupção
Desapaixonamento Bandidos - Esbanjamento
Bom critério Problemas econômicos
Neutralidade Falta de administração
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ASTROLOGIA

Freqüentemente se confunde hoje em dia a Ciência da Astrologia com a simples confecção de horóscopos,
que sempre foi considerada pela Tradição como secundária, derivada e contingente. Isto não quer dizer que
careça de interesse conhecer as influências planetárias que regem o dia e a hora de nosso nascimento, cuja
investigação pode se realizar como prática para nos familiarizarmos com esta disciplina; mas é importante
não perder de vista que o fundamental é conhecer os princípios e as normas que governam o céu, os quais se
vêem também refletidos na ordem natural da terra. Não devemos esquecer que é graças aos astros que temos
a possibilidade de compreender as leis que regulam o tempo e o espaço. Por um lado, é o lugar de saída do
Sol e dos planetas que nos permite ter uma orientação espacial, conseqüentemente são também as esferas
celestes que nos fazem ter a concepção de dia e noite, semana, mês ou ano, ou seja, da durabilidade do
tempo.
Sempre partindo de um ponto de vista geocêntrico, e até mais, tomando ao observador –o homem– como o
ponto central e imóvel a partir do qual fazemos nossos cálculos, o símbolo do zodíaco nos ensina a realizar a
divisão "espacial" do tempo, quando nos mostra ao norte no Solstício de Inverno (Capricórnio), ao sul no de
Verão (Câncer), a Leste no Equinócio da Primavera (Áries) e a oeste no de Outono (Libra). Estes quatro
pontos ou signos cardeais estão em relação simbólica com a divisão quaternária do dia, do mês e do ano,
com as quatro etapas da vida do homem e das civilizações, e com as quatro idades da humanidade (de Ouro,
Prata, Bronze e Ferro), dando-nos portanto a possibilidade de estabelecer relações e analogias entre os ciclos
naturais, históricos e cósmicos.

A Roda do Zodíaco realiza na aparência um percurso completo de 360° cada dia, ou período de 24 horas que
demora a terra em girar ao redor de seu próprio eixo; o Sol, por sua parte, faz uma viagem ao redor dos 12
signos durante o ano, marcando as quatro estações que regem as leis da agricultura e da vida do homem.
Mas os antigos também observaram graças aos planetas, a possibilidade de entender outras dimensões
temporais, o que os levou a conhecer as Eras cósmicas ou "tempo dos deuses". Um exemplo disto o
constitui o período de 25.920 anos, conhecido por todos os povos e explicado tanto pelos hindus como pelos
pitagóricos e Platão, configurando o ciclo chamado pela Astronomia de precessão dos equinócios, que
sempre se viu em relação com os períodos históricos da humanidade. Tomando como ponto de referência o
Equinócio da Primavera, o Sol percorre durante esse lapso (de 25.920 anos, chamado "o grande dia de
Brahma" pela tradição hindu) os 12 signos zodiacais, em um movimento circular invertido ao dos ciclos
anual e diário, demorando 2.160 anos em cada um deles. As culturas deixaram claras amostras do
conhecimento desse ciclo, e a Era de Touro foi simbolizada pelos egípcios (o boi Apis) e cretenses, assim
como a de Áries (o Cordeiro) foi anunciada por Moisés ao povo judeu, e a de Peixes (os Peixes) pelo
cristianismo que se identificou com esse signo. Sabemos graças aos conhecimentos que nos lega a Tradição,
que estamos vivendo atualmente o ponto de transição entre o Peixes e Aquário, o qual indica claramente que
nos encontramos no fim de um período cósmico, e que se aproxima a Idade de Ouro ou reino de Saturno
(planeta que rege para a Antigüidade Aquário e Capricórnio).

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O SIMBOLISMO DA ESPADA

Mais que nenhuma outra arma, possivelmente seja a espada a que melhor serve para representar a luta que
qualquer aspirante ao Conhecimento tem que empreender em um determinado momento de seu processo
contra aqueles que constituem seus autênticos inimigos: os que leva em si mesmo. Dito combate é a "grande
guerra Santa" da que fala o profeta Mahoma quando em uma de suas sentenças diz: "voltamos da pequena
guerra Santa à grande guerra Santa", indicando assim que a primeira não é mais que uma representação
exterior ou um símbolo da segunda. Não terá que esquecer, neste sentido, que a espada é o principal atributo
do deus Marte, o númen que infunde o espírito guerreiro no homem, dotando-lhe, ao mesmo tempo, do rigor
necessário para que saiba distinguir o engano da verdade e negar a negação. De fato, quase todos os heróis e
deuses solares e civilizadores vencem as potências das trevas e do caos (representadas em todos os mitos
pelas entidades ctônicas e telúricas como os Titãs, os dragões ou as serpentes) ajudados com espadas, ou
com qualquer outra arma semelhante, como a lança, as flechas, o machado simples ou de duplo fio. Neste
sentido, todas estas são armas que tradicionalmente se associaram ao raio e à luminosidade fulgurante do
relâmpago, ou seja, que têm uma conexão direta com o simbolismo da luz, entendida como uma energia
essencialmente fecundante, ao mesmo tempo que destruidora de tudo o que se opõe ao superior, isto é, a
escuridão tenebrosa e a ignorância. Com esse espírito combate o herói germânico Sigfried, ou o cavaleiro
cristão São Jorge, reflexo humano de São Miguel arcanjo, o chefe das tropas celestes.

Todos eles constituem os modelos exemplares desse combate interior, o mesmo que é sugerido por Cristo
(que é a "luz verdadeira que, vindo a este mundo, ilumina a todo homem", conforme se lê no Evangelho de
João) quando, ao expulsar aos mercadores que profanam o Templo de Jerusalém, adverte-lhes que não veio
“trazer a paz, mas espada ". E essa espada que ele traz não é mais que o poder de sua Palavra ou Verbo, da
qual emanam a Verdade e a Justiça (ver Apocalipse I, 16), e ante as quais nada pode a escuridão da
ignorância, representada por esses mercados que comercializam com o mais sagrado. Estes seriam os
verdadeiros inimigos –egos– ocultos (que em ocasiões aparecem em forma de personagens externos),
aqueles que nos mantêm sujeitos aos estados mais inferiores, e de quem nos haveremos de liberar ou
"desligar" para aceder à verdadeira Vida prometida pela Iniciação e pelo Ensino. A eles, terá que vencê-los,
pois, com a força que outorga o Conhecimento, isto é, no plano das Idéias, pois na medida em que
entreguemos a elas é que os poderemos reconhecer e identificar e, portanto, expulsar do Templo que
edificamos no interior de nosso coração.

A este respeito, mencionaremos que a espada, tal como a lança, é um símbolo complementar da taça, como
é o caso da lenda do Santo Graal, e sendo esta, como o próprio Graal, um símbolo da Doutrina e do
Conhecimento, a espada o é da via que deve se seguir para alcançá-lo, quer dizer, aquilo que nos ordena a
inteligência e a conduta, fazendo possível que tomemos verdadeira consciência de nosso eixo interno, e com
ele da "Via do Meio" que assinala a direção vertical para a qual temos que tender permanentemente. De
fato, a espada (como as diversas armas mencionadas anteriormente) foi considerada por todas as tradições
como um símbolo do Eixo do Mundo, idéia que está presente quando a espada toma o lugar do fiel da
balança, símbolo universal da Justiça e do equilíbrio cósmico, isto é da harmonia entendida como
manifestação da paz. Esta significação "axial" da espada não terá que perdê-la nunca de vista, pois é a que
lhe dá seu sentido mais profundo, já que dita paz, nascida da conciliação dos opostos, não só se expressa na
ordem externa e social, mas também, e especialmente, no interno e no espiritual, que é, no fim e ao cabo, o
objetivo que persegue a "grande guerra Santa".

56

NÃO É POR MUITO MADRUGAR…

Um dos temas nos quais se faz insistência no percurso iniciático é o dos inimigos ocultos, ou seja, naqueles
que não são evidentes para o aprendiz, ou que se disfarçam aparentando virtudes quando não são mais do
que formas do homem velho, e graves inimigos no caminho do Conhecimento. Muitas vezes, soem se
apresentar com a roupagem da moral e do oficialmente admitido como virtuoso e até "religioso", ao que
graciosamente denominam "tradicionalismo". Outra das desagradáveis maneiras em que soem se
apresentar estes demônios, diretamente associada com a que acabamos de mencionar, é o fato de supor
uma virtude o despertar cedo pelas manhãs, especialmente nas grandes urbes, onde o corpo perdeu toda
conexão com os ritmos da natureza. Este fato completamente normal é tomado por indivíduos simplórios
como uma grande coisa, exemplo digno de ser emulado, embora deva se impor pela força, como no caso
dos internatos, cárceres e quartéis. Embora não se leve em conta que este “'madrugadores” se levantam
para jogar lenha ao fogo da máquina da sociedade moderna que nos está devorando, que eles criaram e
alimentam constantemente com sua diligência.

O adagiário cunhou duas sentenças muito conhecidas com relação a este fato. A primeira diz "Deus ajuda
a quem cedo madruga". Isso pode ser entendido como uma piada de humor negro, quando se pensa que os
homens de hoje em dia, direta ou indiretamente, despertam dispostos a trair, mentir, murmurar, caluniar,
roubar, destruir, etc., com o beneplácito e o patrocínio das entidades oficiais em meio da aprovação geral.

O segundo refrão deu título a esta nota e diz: "Não é por muito madrugar que amanhece mais cedo". Nele
se adverte o oposto ao anterior, ainda que se o note muito mais elaborado, já que nega de fato a simplória
crença literal que o primeiro sustenta, e aparece como uma clara sentença a um dos enganos (pecados)
maiores e difundidos dos contemporâneos: o de que através das ações dos homens vai poder se obter o que
sempre foi chamado, inversamente, a Graça de Deus.

"O espírito sopra onde quer" pode ler-se no texto sagrado. Sim, onde quer o espírito e não onde determinam
os homens, ou em qualquer lado, por azar, como poderia compreender um literal, ou um “justo” muito
madrugador. Um provérbio chinês diz: "Ao abusar da eficácia se produzem violências".
56

TARÔ

VIIII — O ERMITÃO: A carta novena é


solitária e melancólica. O antigo Saturno se
apresenta aqui como um ancião sábio, o Pai
e Mestre interno, conhecedor dos aspectos
mais ocultos. Vê-se um homem de idade,
que caminha lentamente, sustentando um
abajur (símbolo da luz interior) em sua mão
direita, e levando um bastão com a esquerda
(que representa o eixo). Um manto azul -
com amarelo em sua parte interior- cobre
suas vestimentas vermelhas, e um capuz
também vermelho cai sobre suas costas.
Relaciona-se a carta com Cronos, o Tempo,
que devora a seus filhos, e com a
Antigüidade e a velhice, que a Tradição
sempre concedeu a maior importância,
respeito e veneração; e com a experiência, a
lentidão, a paciência, a solidão, e, em geral,
com as belas virtudes da ancianidade. Ao
contrário, esta carta indica os vícios
próprios de uma velhice carente de
espiritualidade.

DIREITA INVERTIDA
Tempo - Velhice - Tranqüilidade Irrealidade - Velhice - Solidão
Sabedoria - Solidão - Sensatez Misantropia - Indiferença
Interioridade - Experiência Falsas crenças - Ocultismo
Conhecimentos ocultos - Paciên- Ausência de generosidade
cia - Iluminação - Lembrança de Si Obscuridão - Amnésia
Desapaixonamento - Perseve- Ignorância - Avareza
rança - Generosidade - Filantro- Impaciência - Lentidão
pia - Silenciamento das pai- Certezas que não são tais
xões - Austeridade - Bondade Mau humor - Atitude senil
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O JANTAR

Para este Programa, os mantimentos que nutrem o corpo físico são considerados como símbolos dos
espirituais, que são os que alimentam a alma do ser humano. Este aspecto, que a sociedade moderna
desconhece, é o que dá a toda comida ou alimentação um caráter ritual e sagrado. O estômago, que ocupa a
parte média e central do corpo, representa um verdadeiro Athanor alquímico a forja de Vulcano, no qual as
substâncias positivas dos mantimentos se sutilizam passando ao sangre (vivificador de todo o organismo), e
as negativas e imprestáveis grosseiras passam aos condutos labirínticos do intestino para sua posterior
evacuação. Quer dizer, que se realiza a operação de separar o espesso do sutil. Já sabemos que para qualquer
cultura tradicional o corpo é uma entidade sagrada e seu funcionamento está em correspondência com os
ciclos e ritmos do universo, constituindo também um receptáculo dos eflúvios divinos. Ao comer, o homem
assimila o cosmo exterior a seu próprio cosmo corpóreo e sutil, quer dizer, integra-se harmonicamente com
o mundo que o envolve e do qual forma parte. E esta comunhão produz uma alegria, análoga em outro plano
à experimentada pela emoção que gera a contemplação da Beleza, pois também viver de Beleza e Amor é
alimento. Este, e não outro, era o sentido que tinham as bacanais grego-romanas e a alimentação realizada
pela comunidade em determinadas festas de todas as tradições, que eram acima de tudo comidas rituais
coletivas onde se oferecia culto às energias celestes por intermédio da manifestação das energias da vida e
da natureza.
Um sentido especialmente significativo é o que reveste o Jantar. Por seu caráter noturno e por anteceder ao
sono, que é símbolo da morte e do ingresso em outro estado do ser, teve, e segue tendo, uma particular
importância entre as diversas tradições, como é o caso do Cristianismo. A Santa Ceia que Jesus Cristo
ofereceu aos apóstolos (antes de sua crucificação) instituiu o mistério da Eucaristia sob as espécies do Pão
(corpo) e do Vinho (sangue-espírito), produtos vegetais extraídos da natureza e elaborados e fermentados
pelo Fogo, origem da luz e do calor. A Santa Ceia, além do aspecto sacrifical e espiritual que representa, é
um símbolo do laço íntimo de solidariedade e amor fraterno que deve unir a todos os homens que assumam
sua condição de tais. Neste sentido a palavra cenáculo, que provém de jantar, indica o lugar onde se reúnem
homens que compartilham essencialmente as mesmas idéias, em relação com as quais os sentimentos e
paixões próprios do humano têm que se encontrar em perfeita harmonia.

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A LIRA DE APOLO E A FLAUTA DE ORFEU

Conceber o tempo sem o espaço como referência é impossível, pois só quando se entra em relação com ele,
através do movimento, torna-se inteligível. Isso se deve a que possui por natureza uma qualidade superior,
ao estar de algum modo menos determinado que aquele [N.T.: o espaço]. A música, arte do ritmo e da
harmonia por excelência, é sem dúvida a que de maneira mais óbvia e bela revela o caráter cíclico e
recorrente do tempo, desmentindo a absurda concepção linear, uniforme e quantitativa que dele forjou a
mentalidade profana. O número é a estrutura do ritmo, e como tal é "qualidade" manifesta que se distingue
nitidamente da pura agitação, como a música e a melodia o fazem do ruído; esta concepção "auditiva" do
cosmo nos aproxima do invisível, ao sutil, a tudo aquilo que está além da constatação sensível em geral.
A potência divina cria pois o cosmo a partir de ritmos, de alteridades, que ora se equilibram, ora se
desequilibram, sem sair jamais do diapasão divino. A Beleza, um dos nomes divinos, ao se manifestar o faz
através da perfeição das formas, e estas, antes de suceder grosseiras, configuram idealmente a ossatura sutil
e formativa do universo, a arquitetura invisível do cosmos. Dita arquitetura é realmente uma linguagem
divina e maravilhosa cuja apreensão está diretamente vinculada à intuição intelectual do coração, sacrário
do templo humano e sede de todas as teofanias. A música platônica das esferas ilustra de maneira perfeita
esta concepção ao descrever o cosmo como uma imensa caixa de ressonância, que não faz mais que
amplificar energias virtuais até as levar a sua concreção efetiva para, em seguida, devolvê-las a sua origem,
como faíscas, brilhos ou reflexos transitórios de um arquétipo imutável. Solve et coagula são na Alquimia
hermética (ou condensação-dissipação no extremo oriente), a fórmula deste duplo movimento simultâneo,
que faz possível a maravilha da existência universal e individual e suas indefinidas inter-relações.

As qualidades dos sons, ligadas, como vimos, aos planetas, estão-no também aos elementos. E igualmente
os instrumentos que os reproduzem: de sopro, corda, percussão, etc., têm ao ar e à terra como módulos
terrestres, e ao fogo como celeste, já que é o despertar do "fogo interno" a missão principal da música,
especialmente a sagrada. Como manifestação da Harmonia Universal, a música contém em si
potencialmente todas estas energias. E é pelo fato de que "o semelhante atrai o semelhante" que sua ação
sobre a psique humana desperta logicamente seus respectivos homólogos, assim como também o poder de
os ritmar entre si. Os diferentes tempos e marchas reconhecidos nas partituras clássicas ocidentais somente
traduzem o efeito das energias da alma sobre a criação musical e vice-versa: andante, alegro, patético, brio,
moto, são apenas estados da alma que revelam de por si um drama interno entre vários ritmos e personagens,
cuja descrição alegórica a encontramos imemorialmente em todos os mitos e cosmogonias antigas.

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NOTA:

Ocorre, às vezes, que há momentos neste trabalho onde aparentemente não acontece nada. Em ocasiões,
queixamos-nos dos tempos em que estamos agitados; tudo nos move e as tormentas nos cambaleiam. Mas
há outros ainda piores nos quais não acontece absolutamente nada. São aqueles períodos em que os
navegantes da busca, da aventura do Conhecimento, denominam "calmaria". A imobilidade aqui é pura
rigidez e desesperança. Este nada não é o En Sof da cabala hebraica, apenas seu reflexo invertido. Tudo se
apresenta como uma via morta, uma porta fechada ou uma banalidade. Não há coisa mais dura que estar
estagnado sem receber o sopro ou o vento do Espírito, ou dos espíritos, ao menos. Aqui é onde devemos
redobrar nossos esforços. Este é o momento em que devemos reiterar uma e outra vez nossos ritos e tomar
consciência de que não há vida, nem trabalho, sem sacrifício. Lutar nestes momentos é uma necessidade e
quanto mais encarniçado, inteligente, concentrado e honesto seja nosso combate interno, maior é a
possibilidade da vitória.
60
TARÔ

X — A RODA DA FORTUNA: Com o décimo


arcano termina o ciclo dos nove números
naturais mais o zero, e se anuncia um novo ciclo.
Carta de mudança e de movimento, representa a
roda da vida e das encarnações (o que no
budismo se denomina Roda de Samsâra) da qual
teremos que nos liberar graças ao processo
iniciático, subindo a outras regiões do ser. Dois
animais giram ao redor da roda –um desce e o
outro sobe- e sobre ela, mais à frente do
movimento, encontra-se uma esfinge, símbolo,
entre outras coisas, da união dos quatro
elementos. A circunferência se encontra unida
por seis raios ao ponto central da roda -de cor
vermelha-, da qual sai uma manivela -a mão é
invisível- que a faz girar. A base, em forma de
escada, fala-nos das possibilidades da ascensão.
Relaciona-a também com a sorte e com a
fortuna, com o fortuito e com o azar.

DIREITA INVERTIDA
Mudança - Movimento Reiteração - Retorno
Circunstâncias favoráveis Lábia
Possibilidade de ascensão Irresponsabilidade
Saída do retorno - Forma ou Ma- Manias - Hábitos
neira de aproveitar oportunida- Rotina - Costumes
de - Boas possibilidades Instabilidade - Precipitação
Boa fortuna - Azar - Sorte Vagabundagem - Preguiça
Acontecimentos fortuitos Azar - Fortuna menor
Nova perspectiva da realidade Indolência – Boêmia

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OS QUADRADOS MÁGICOS

Vimos em reiteradas ocasiões que o símbolo da Terra é o quadrado. Esta figura geométrica de quatro lados
iguais é a expressão do conceito de quaternário e nos transmite imediatamente a idéia de ordem, harmonia e
equilíbrio entre as distintas tensões de suas partes, que se conjugam e neutralizam em um ponto comum de
onde igualmente emanam de maneira permanente.

Sabemos também que o quadrado no tridimensional se converte em um cubo, e é evidente que este corpo
constitui um símbolo do sólido e um exemplo nítido do que é uma estrutura. Todas estas imagens mentais se
associam imediatamente quando se trabalha esotericamente com o quadrado que é a representação, no
plano, da Terra, tomada esta palavra em seu sentido mais amplo, ou seja: as coordenadas espaço-temporais
(verticais e horizontais) aonde o homem está inscrito, as que também sinalam e limitam simbolicamente à
figura do quadrado. Nas civilizações tradicionais, esta figura era sagrada –como sua complementar o
círculo– por ser um símbolo transmissor e receptor das energias-força do desconhecido, às quais manifesta,
sendo o depositário de uma carga mágica poderosa, suscetível de ser transformada e utilizada para diversos
fins rituais e cosmológicos. E se essa carga mágica se multiplica e se projeta simetricamente criando o
quadriculado (delimitado deste modo dentro de um quadrado), onde os possíveis elementos dispersos se
unem e coerem em um todo, graças a uma ordem invariável e a diversas particularidades que se convertem
em leis gerais, aumenta-se o poder generativo e protetor desta figura, que encerra dentro de si as mesmas
leis universais da Criação íntegra, e que as traduz com igual discurso, fato de que são testemunhas os
símbolos numéricos e geométricos e todos aqueles que se possam relacionar com eles na harmonia
matemática destas associações.
Quase todos os povos e tradições utilizaram estes quadrados mágicos e os consideraram tanto instrumentos
de conhecimento, como potentes talismãs capazes de ordenar e também de desatar as indefinidas energias e
forças que constantemente estão articulando o cosmo. O mais definido destes pantáculos ou mandalas,
presente, entre outras tradições, na China, no Islã, no misticismo judaico, e igualmente entre os adeptos da
Tradição Hermética, é o que damos a seguir, chamado o quadrado mágico de 15, ou quadrado natural, no
que a soma dos números de 1 a 9, inscritos dentro dos fichários, (efetue-se em sentido vertical, horizontal ou
diagonal) resulta sempre 15. Ilustrando, diremos que a civilização chinesa derivou desta estrutura a
organização social e política de seu império.

Deste modo, na Cabala hebraica estes números são suplantados pelas letras de valor correspondente, abrindo
o campo a toda sorte de imagens e conceitos relacionados com as palavras e suas raízes, o que equivale a
trabalhar com a Ciência dos Nomes.

Igualmente os alquimistas associavam quatro formas de construir numericamente este quadrado, com os
quatro elementos, e o vinculavam com os três princípios essenciais (tem três colunas), que em uma dança
contínua produzem a ilusão da matéria.

Também os astrólogos trabalharam com estes quadrados carregados de símbolos numéricos, alfabéticos e
cosmogônicos, e os associaram com os planetas e com o mapa do céu (assim como os alquimistas com os
metais).

Oferecemos a seguir a correspondência entre os distintos planetas e os quadrados mágicos correspondentes:


o quadrado natural, ou de base 15, é o atribuído a Saturno. o de 4 colunas e de base 34 (de acordo aos
números atribuídos aos fichários correspondentes, os que sem repetir-se nunca somam em qualquer sentido
essa cifra), está consagrado a Júpiter. O quadrado mágico de 5 colunas, cuja base numérica é 65, a Marte.
Ao Sol se associa o de 6 por 6 colunas, cuja cifra base é 111. O de 7 colunas é atribuído a Vênus e sua base
é 175. O quadrado mágico de Mercúrio contém 8 colunas por lado e seu número base é 260. E finalmente o
da Lua, de 9 colunas, é baseado no número 369. Como se poderá observar, as relações com a Árvore da
Vida Sefirótica são evidentes, o que nos leva a compreender que na verdade todas as disciplinas que se
conformam à Tradição Hermética, a Magia inclusive, não fazem senão expressar uma só e única Ciência,
que se manifesta em diversas linguagens, ordens e formas.
62
EXERCÍCIO DE SOM:
Devemos recordar que de acordo ao que aqui se disse com relação à respiração, à vibração, à voz e ao som,
estes temas se referem à afinação do homem, como instrumento musical, por intermédio da voz, tomada esta
como imagem do som harmônico das esferas celestes. Utilizaremos neste caso um mantra, ou seja, uma
emissão sonora muito singela. Ela será, para os efeitos desta prática ritual, o som da letra "A", primeira dos
alfabetos latino, grego, hebraico e árabe, e também do nome de nosso Programa.

Coloque-se sentado mantendo suas costas eretas e comece a se concentrar, utilizando os exercícios que
tenha praticado. Logo depois de se concentrar, comece a relaxar, a tal ponto que se possa sentir como uma
cana vazia, ou um tubo, que conecta com o mais profundo. Inale suavemente e leve o ar para o interior do
estômago. Deixe que desta interioridade surja o som por meio de sua voz, claro e uniforme que, ao emanar,
ressonará na caixa torácica. Permita que a garganta e a boca modulem a forma do "A", e que a vibração
invada e encha todo o âmbito.

Ou seja, aspirar o som inaudível, depositá-lo no mais fundo de nós, e deixar que surja lentamente a voz e se
expresse de forma completa, comunicando-se energeticamente com o Cosmo inteiro. Repita esta prática
durante 10 ou 20 minutos diários.

Letra A

63

TARÔ

XI — A FORÇA: Vemos aqui uma bela mulher, que


sem esforço aparente, e sem exercer nenhuma violência,
abre as fauces de um leão, dominando-o. Simboliza a
força da inteligência, capaz de dominar as paixões
graças ao fogo interno do amor e da vontade. O fato de
representá-la com uma figura feminina nos indica que
não se trata de uma força bruta ou física, mas sim de
uma energia sutil, como a da mente, muito superior em
qualidade e elevação. Esta carta significa o influxo
espiritual que penetra os corpos, transformando-os. A
matéria alquímica já está preparada, e o fogo da paixão
se acende para dar início à obra da transmutação; esta
poderá ser obtida se o fogo permanece aceso. Relaciona-
a também com ocupação manual e com a indústria, e
nos ensina a aceitar a responsabilidade que implica o
trabalho interior.

DIREITA INVERTIDA
Força interior - Inteligência Luta - Guerra
Força do amor e a paixão Conquista violenta
Influxo espiritual - Sutileza Luto - Incêndio - Cólera
Força da palavra - Localização Reações inesperadas
Força da Vontade - Adapta- Violência - Desgarra-
ção - Persuasão intangível mento
Dominação da matéria - Indús- Negatividade - Estupidez
tria - Artesanato - Aplicação da Desejos
ciência - Aceitação de Densidade
responsabilidade Operação cirúrgica
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A LUZ

Quando nos diversos textos tradicionais se fala da Luz, terá que entendê-la sobretudo como um símbolo da
Inteligência, constituindo o aspecto material seu suporte sensível e simbólico. Entendida desta maneira, a
Luz representa uma força ou energia divina, o núcleo central, interno e gerador do que se irradia toda a vida
do ser cósmico e individual. Essa Luz inteligível e sutil procede do fogo do Espírito, como a luz física
provém da enorme massa de fogo que é o Sol. Daí que constantemente se faça uma transposição simbólica
entre um e outro. Esta qualidade da luz está claramente assinalada pelo próprio processo da Iniciação, pois
esta se concebe fundamentalmente como uma progressiva “iluminação interior” que dissipa as trevas da
ignorância, que são assimiladas ao profano e infra-humano.

Em escala universal, este processo é análogo ao Fiat Lux (Faça-se a Luz) cosmogônico, produzido no
princípio dos tempos pelo Verbo ou Logos que dá origem à criação. "No princípio era o Verbo e o Verbo
estava em Deus e o Verbo era Deus... Nele estava a vida e a vida era a luz dos homens, e a luz brilha nas
trevas, mas as trevas não a receberam." (João I, 15). "O povo que habitava em trevas viu uma grande luz e
para os que habitavam na região de mortais sombras uma luz se levantou." (Marcos, IV, 16). Estas citações
evangélicas se referem naturalmente a Cristo, pois ele encarna, na tradição cristã, essa ação iluminadora do
Espírito que penetra na matéria tenebrosa e substancial, fazendo-a passar da potência ao ato, ou do caos à
ordem. O Sol repete diariamente este rito quando, ao sair pelo Oriente, ilumina o mundo submerso na
escuridão da noite. É interessante advertir que o termo "dar a luz" ou "iluminação" se aplica por igual ao
parto carnal e ao nascimento espiritual, com a diferença de que o primeiro necessita de um suporte exterior,
enquanto que o segundo se cumpre na mais completa solidão, na própria pessoa, no mais secreto da caverna
do coração.

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ALIMENTAÇÃO E SAÚDE

Estes dois termos do parágrafo estão intimamente relacionados com o natural, e cabe perguntar-se o que é
que cada um entende por isso. Igualmente no que se relaciona ao conceito atual de saúde. Efetivamente, nos
povos tradicionais, ou primitivos, o conceito de saúde-enfermidade (dois opostos que não se contradizem) é
bem diferente do conceito moderno, que só se refere a ele como ao funcionamento hipotético de um corpo
físico "ideal" que constitui nossa posse, e não toma em conta a inter-relação deste corpo com o Universo e
com as múltiplas forças que o conformam. Sendo que, além disso, o oficialismo contemporâneo exclui do
binômio saúde-enfermidade a esta última, por uma espécie de associação com o mal, ao qual o homem
moderno nega, atribuindo a esse "mal" as características do que lhe desagrada e não quer reconhecer em si,
motivo pelo qual o bem não é a conjunção constante de opostos, mas um imaginário estado a se alcançar,
que troca com os ventos da moda e da relatividade dos usos e costumes. Neste sentido, seria interessante nos
fazermos uma pergunta: qual é a estranha associação que se faz atualmente entre a saúde e certos esportes?
Que relação guardam certas ginásticas e movimentos forçados, verdadeiros castigos corporais, com a saúde?

Melhor ainda: no processo da Iniciação, que corresponde a uma inversão completa de nossa vida (pois as
concepções profanas começam a converter-se em sagradas), e que por certo inclui um descida aos infernos,
os sintomas que se percebem não são "saudáveis" (como o testemunham as vidas míticas e exemplares dos
grandes mestres, iniciados e filósofos), nem "belos" em uma leitura estereotipada destes termos, mas se
apresentam como grandes choques, dos quais de maneira nenhuma estão ausentes a enfermidade, a dor, e
por certo a morte.

Por outra parte devemos nos enfrentar com a imposturada instituição da higiene como moral, a convenção
como moral, o "saudável" do trabalho pelo próprio trabalho, as "boas" e "corretas" atitudes e costumes como
equivalentes ao bem. No mesmo sentido, compreende-se o "sentir-se bem" e o "conforto espiritual" e,
igualmente, a bonança econômica como o "bom". Também se considera como boa ou saudável a
oficialização de uma atitude solene, digna e pomposa, ao extremo de confundi-la com o sublime. São
exemplos disso certas cerimônias civis, onde a impostura e o fingimento que conduz este tipo de atitude,
baseada numa absoluta falta de crença nos mais elementares valores, fazem-se patentes. Pelo que, tudo isto
deve ser simulado para que não se descubra o engano (atuado em um tablado dentro da farsa), que
definitivamente não tem importância, posto que assim é o que se considera a "vida", em que terei que tomar
determinadas posturas para ser respeitado, ou ao menos não ser criticado pelos vizinhos, e onde o mais
desonroso não seria cometer delitos, e sim perder a "dignidade" por isso, o que equivaleria a aparecer no
periódico por esta circunstância. Ou seja envergonhar-se por ser descoberto e fazer o ridículo na atividade
delitiva generalizada. Assuntos e derivações que, na nossa maneira de ver e entender, não têm relação com a
"saúde mental" nem com a "higiene moral".

O que são definitivamente saúde e enfermidade? Sinceramente, é difícil definir a "saúde" e o mais provável
é que ela seja indefinível. Em todo caso, se a saúde for algo, ou ao menos um estado, este seria de harmonia
e conjugação no permanente desequilíbrio. E isto só se obtém a nível espiritual, em que se pese que o corpo
sofra os achaques da dor e as premonições da morte. O que é veneno para uns, para outros (ou para eles
mesmos em diferentes condições e circunstâncias), é medicina salvadora.

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NOTA:

Esperamos que tenham seguido com atenção o desenvolvimento do Ensino e que ele tenha produzido seus
efeitos em cada um. Igualmente nos felicitamos de que tenhamos chegado conjuntamente a um ponto que
constitui uma baliza em nossa meta. Propomo-nos aprofundar e ampliar os temas que se foram esboçando e
destacando, com o fim de obter os frutos que este manual se propõe. Para isso, devemos contar
necessariamente com a participação espiritual ativa do leitor e de sua sede renovada de conhecimentos,
assim como com sua vontade decidida, sua paixão pelo que faz, e o equilíbrio e a paciência requeridos para
a efetivação do trabalho alquímico.
67

TARÔ

XII — O ENFORCADO: Aparece nesta


lâmina um homem enforcado por um pé,
realizando o sinal do quaternário com as
pernas e o do ternário com os braços (3 x 4
= 12). É a carta da iniciação, que simboliza
o começo do processo vertical, contra a
corrente (como o salmão, que nada em
direção contrária procurando sua origem e
destino), e que leva toda a intensidade do
impulso inicial, nesta viagem para outros
planos e níveis do ser, que sendo
invertidos com relação ao mundo
ordinário, são também complementares
com este. Aqui há o significado da
determinação e do sacrifício (sacrum
facere) que realiza quem se abandonou
confidencialmente à Vontade suprema,
começando a desdobrar e desenvolver suas
potencialidades e talentos, como uma boa
semente, que tendo sido semeada em boa
terra, começa a germinar, anunciando os
frutos que se produzirão com a
perseverança.

DIREITA INVERTIDA
Iniciação - Determinação Dúvida - Vacilação
Movimento ascendente Girar no vazio
Intensidade Frustração - Esterilidade - Trai-
Abandono - Heroísmo ção - Detenção - Ausência
Reestruturação - Confirmação Ansiedade - Desconforto
Começo de um processo Vazio
Sacrifício com sentido Infertilidade
Boa semente - Crescimento Terra erma - Aridez
Semente - Fertilidade - Boa terra Sementes que não frutificam
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DEUS EXISTE?

É lógico que se o conhecimento e a consciência que tem o homem de si mesmo e do mundo não supera o
horizonte de seus sentidos, este fracasse na tentativa empírica e dialética de encontrar uma resposta ou
demonstração a tudo o que lhe ultrapassa e transcende. A própria noção de Deus não faz senão englobar e
resumir em uma palavra esse “tudo”. Como ser criado e existente o homem não pode conceber senão o que
existe ou é de algum modo; a esta condição temos que acrescentar outra não menos importante: a forma. Se
o informal ou supra-individual escapa ao entendimento racional imerso nos limites da sucessão temporal e
da dualidade, tanto mais difícil lhe será conceber o ilimitado, a um não-algo, ou seja, ao não manifestado, ao
que transcende por completo toda existência condicionada? O Um e sem par, só pode ser conhecido
necessariamente por si mesmo, como poderia Deus, o Criador ou o Sujeito Universal por excelência, ser
objeto de conhecimento de alguém que não seja o Si-mesmo?

A afirmação unânime da Unidade por parte de todas as tradições não se apóia na existência ou não
existência de Deus, a não ser na Não-Dualidade Absoluta e Metafísica de todos seus possíveis aspectos,
sejam estes imanifestados ou manifestos. Toda afirmação supõe uma noção preexistente, e a negação, uma
prévia afirmação. Sem a idéia anterior e primitiva de um Princípio Universal, não existiriam nem deístas,
nem ateus, nem politeístas. O ateu, por exemplo, para negar a Deus necessitou primeiro supor sua existência
(seu Ser). Não obstante, ante esta confusão, se um certo deísmo fica justificado exotericamente ante a
necessidade de evocar ao objeto último da fé, igualmente se justifica um certo ateísmo se o entender, claro
está, não como uma pura e absurda negação para tudo o que não se compreende, mas sim como um lógico
rechaço aos estereótipos morais e sentimentais que de Deus oferece atualmente a religião oficial. As
doutrinas metafísicas orientais e as tradições arcaicas, por exemplo, não são deístas nem atéias. A prolífica
multidão de deuses que povoam os panteões tradicionais revelam tão somente a infinita riqueza de matizes e
aspectos que possui o Único e Inominável, e nada tem que ver com a versão atual do politeísmo. O nome
completo e verdadeiro de Deus, diz a tradição cabalística, é impronunciável, tão somente pode soletrar-se
(YHVH). As indefinidas combinações a que se emprestam suas letras (às que contempla a ciência
cabalística da Temurah) criam e produzem deste modo todos seus nomes e aspectos possíveis enquanto
entram em relação com o manifestado.

Realmente Deus não existe se por existência entendemos qualquer modo condicionado do Ser; se neste
sentido Deus existisse, já não seria Infinito e Eterno (nem tampouco o Criador, o Supremo Artífice), mas
apenas uma criatura, algo criado, em suma. Gêmea à sua infinita transcendência está sua absoluta
imanência; Deus é tudo sem exceção já que nada poderia sair da Unidade indivisível de Tudo e ser um
"outro" à parte. "Não há mais divindade (ou realidade) que Allah", reza a sentença islâmica. Certamente as
limitações da linguagem humana e racional são as primeiras em obstaculizar a expressão de noções que
estão mais à frente do alcance da definição e da dialética, pois toda definição já é uma limitação da
Realidade Ilimitada. Do núcleo à periferia do Ser, existem inumeráveis estados intermédios graficamente
representados por indefinidos círculos concêntricos ao redor de um só ponto.

Naturalmente o Centro ou Deus em Si mesmo não é a periferia, tanto quanto nosso corpo não é nosso
verdadeiro ser, mas sim tudo é uma única e mesma realidade inseparável, Ser e Não-Ser, anterior ou
posterior, princípio e fim, são parâmetros humanos de compreensão que se unificam na Via do Meio. Todos
os seres são letras cuja reunião forma um discurso que prova a existência de Deus (ou seja a presença de
Deus em tudo), quer dizer a "Inteligência" que pronuncia esse discurso; já que não pode haver discurso sem
verbo, nem nada escrito sem escritor.

69

ESPÍRITU-ALMA-CORPO

No Título N.º 65 deste Módulo, sob o genérico de "Alimentação e saúde", advertimos sobre certos enganos
e modos de ver literais que podem se constituir em verdadeiros obstáculos do Conhecimento. Tratava-se ali
de temas como o da substituição do sobrenatural pelo natural e de equivocados conceitos sobre a saúde-
enfermidade (relacionados de modo simplificado com o bem e o mal) e deste modo com errôneos critérios
sobre o "misticismo" e a "espiritualidade", aparentando-os com determinadas práticas profiláticas e
higiênicas e até com algum tipo de moral (equivalente a meros sentimentalismos e devoções) em
substituição do autêntico caminho, portador dos segredos da Ciência Sagrada. Estes equívocos possuem um
denominador comum: a pretensão de materializar o espiritual (até com bom ânimo, ou seja: fazê-lo mais
acessível, o que de todas maneiras é uma impossibilidade), engano que é próprio da sociedade atual, que crê
exclusivamente no materialismo, que quer ser profana e dessacralizada e que não faz outra coisa que negar o
Espírito, comungando com o que não é. A seguir referiremos a certas apreciações referentes a espírito-alma-
corpo e também ao que se pode compreender pelo interno-externo; porque pensamos que, ao redor destes
temas, podem se produzir confusões, algumas delas derivadas de problemas de terminologia, na maior parte
das vezes de apreciações superficiais, certamente enraizadas em idéias limitadas, daquelas que circulam
hoje tão profusamente.

Em primeiro lugar, diremos que o binômio espírito-corpo não é tal para a Doutrina Tradicional, que
reconhece um terceiro elemento, a alma (o ânima ou psique) entre ambas. Em termos do código cabalístico
em que estamos nos expressando e que nosso leitor conhece, diremos que a primeira tríade, com Kether à
cabeça, ou seja o plano de Atsiluth, poderia ser equiparada ao espírito, enquanto que a de Asiyah e o reino de
Malkhuth seriam similares ao corpo. A alma (alma ou psique) seria o que os cabalistas denominam as seis
sefiroth de "construção", ou seja, o grande plano intermédio, subdividido por sua vez em dois mundos: o de
Beriyah e o de Yetsirah, o psiquismo superior e o inferior, respectivamente. Como nosso leitor já sabe, todos
estes planos se complementam e conformam as emanações do "Um sem par" no seio da manifestação.
Entretanto a cultura moderna, sobretudo depois de Descartes, estabeleceu uma dualidade antinômica entre
espírito-corpo (excluindo sempre um em benefício do outro), pelo que se chegou ao desconhecimento do
verdadeiro Espírito, que foi suplantado pela alma (o anímico ou psíquico) como uma impostura do
espiritual. Tudo isto agravado pelo fato de que, nos tempos atuais, este psiquismo se expressa muito mais
em seu grau inferior que no superior. Entretanto, –em que pese este engano da alma que se faz passar pelo
espírito, sobre o qual logo voltaremos– os termos contemporâneos de espírito e corpo são o suficientemente
gráficos e claros para que possamos dizer algo a respeito. Sobretudo quando na atualidade há uma série de
"escolas" que cunharam certas frases publicitárias como "ama seu corpo", que são objeto de admiração e até
de culto, igual que o corpo físico ao que se referem e com o que pretendem (Oh, paradoxo!) passar a outros
"estados" (aos que eles virtualmente negam), por uma espécie de "crença" que supõe que, por meio da
exaltação reiterada e mecânica da matéria se pode chegar a algum lado que não seja ao próprio culto ao
corporal, ao relativo e limitado, o que equivale à exaltação de um de nossos egos, tão falacioso como os
outros. Neste sentido, deve se dizer que espírito e corpo estão invertidos um com relação ao outro. Do ponto
de vista do espírito, este é o primitivo. Do ângulo de visão do corpo, ele é o primeiro. Deste modo, desde
Kether, Atsiluth é o primeiro plano e Asiyah o último. Desde Malkhuth, Asiyah é principal e Atsiluth final.

Queremos esclarecer que em nenhum texto sagrado tradicional se fala de "ama a seu corpo", concepção
impossível de encontrar na Antigüidade, embora não desconhecida por ela. Há exemplos notórios do
contrário; no Evangelho cristão, verbi gratia, o primeiro grande mandamento é o de amar ao Senhor (seu
Deus) por sobre todas as coisas. Estas palavras têm por outra parte uma razão essencial de ser e são
prevenções que não terá que esquecer: a da primazia da ordem espiritual sobre a ordem corporal-material-
superficial, o que sempre se deve recordar para não cair no equívoco social que hoje nos tocou viver.
Também queremos incidentalmente dizer que, o que atualmente muitos entendem por "sentir", como
garantia de certeza, é extremamente relativo. Esse "sentir" que é sua garantia poderia estar tão condicionado
como o "pensar" ou "acreditar" na sociedade de consumo ou em qualquer outra nimiedade ou assunto. O
"sentir" pode ser só uma exaltação desmedida do ego, e se chega a "sentir" –e a fomentar esse "sentimento"–
por qualquer coisa. Os sistemas totalitários e as quadras de esportes de futebol dão bom exemplo disso.

O mesmo acontece com o interno e o externo. Talvez seja singelo para alguns dizer o que é o externo,
associando-o a sua corporalidade. Mas o que é o interno? O verdadeiramente interno seria o plano de
Yetsirah, associado a nosso psiquismo inferior, ou até o de Beriyah ligado ao superior? Ou seriam esses dois
mundos apenas degraus para atracar a nosso autêntico Ser? O mais interno não seria o mais autêntico e
profundo e também o mais desconhecido?
Não é através de quão natural os povos e os homens conheceram o sobrenatural, a não ser ao reverso: do
sobrenatural, quer dizer, da compreensão da Unidade Transcendente e Eterna, e até do Não-Ser metafísico, é
que derivaram suas condutas e apreciações sobre eles mesmos, o que equivale a entender sua própria
natureza e a do mundo que os rodeia. Igualmente, não é por intermédio do "corpo" –e menos ainda do que
se entende hoje em dia pelo corporal– que se chega ao Espírito, mas sim pelo contrário, uma visão literal e
fixa da corporalidade conforma um obstáculo definido para a percepção do autenticamente espiritual. E
muito pior ainda é o que ocorre quando se separa nitidamente ao corpo do espírito, outorgando a este último
características que caem diretamente no plano do anímico, o que equivale a confundir o psicológico e suas
complexas tortuosidades com a verdadeira espiritualidade.
70

NOTA:

A esta altura do Ensino, pode ser que você ainda não soubesse ou compreendesse com clareza o que é
verdadeiramente o conteúdo deste manual. Não o dê então por sabido como está acostumado a ser o
habitual e volte a estudá-lo, relendo em profundidade e com suma lentidão (retardando o tempo) tudo o que
nele se contém. É muito mais nobre e produtiva esta humildade, ou melhor, esta franqueza para com a
gente mesmo, que supor o que ainda não se sabe, ou colocar uma rápida etiqueta naquilo que se quer
despachar para sair outra vez do passo. Estas releituras lhe brindarão com mais de uma surpresa e lhe
oferecerão numerosas perspectivas, com as que neste momento, acaso, você não acreditava contar.
Pensamos que é válida e nos está permitida a sugestão anterior avalizada pela experiência na realização de
nosso Programa.
71

TARÔ

XIII — A MORTE: Nesta carta, em que


predomina a cor negra da imanifestação,
vê-se um esqueleto "vivo", que ceifa com
uma foice, cortando os membros dos seres
manifestados, dispersando-os. No processo
iniciático é necessário experimentar em
vários níveis o paradoxo de viver a morte,
morrendo aos aspectos inferiores e
renascendo "de cima" aos estados
superiores do ser. O adepto pensa
constantemente nela, tomando consciência
do ilusório desta vida transitória, e sabendo
que nos mistérios da morte estão ocultos os
da imortalidade. Ela é uma aliada que nos
ensina a meditar no metafísico e no
transcendente; é regeneradora, e junto com
a vida é nossa verdadeira iniciadora. A
idéia da morte está ligada à de ressurreição,
pois sempre ocorre em um plano,
terminando um ciclo e dando lugar a um
novo em outro nível.
DIREITA INVERTIDA
Ressurreição - Mudança de pele Fim necessário
Investigação - Metafísica Aniquilação - Imobilidade
Processo de desenvolvimento Morte em um plano
Vislumbre de consciência - Chamados Ausência - Detenção
Passo fundamental - Assinale Prazo que vence
Desenvolvimento cíclico Caminho sem saída
Morte em um plano Sonambulismo - Desvelo
Nascimento - Indicações Enfermidade
Movimento cíclico Enfermidades crônicas
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ALQUIMIA

Há momentos no processo do conhecimento que a Alquimia denomina putrefação e nigredo. Estas são
etapas e estados dissolventes aonde o adepto visita as vísceras da terra e perambula pelos corredores das
trevas interiores. Este perambular é análogo ao que se descreve no Bardo Todol ou Livro dos Mortos
Tibetano (e também de maneira similar no Livro Egípcio dos Mortos, chamado por outra parte O Livro da
Saída da Alma à Luz do Dia). Trata-se da viagem de além-túmulo que se equipara ao percurso iniciático e
ao caminho que vivencia nos povos "primitivos" o Xaman em seu êxtase. Percorrido que, tanto nas grandes
civilizações como nas tradições arcaicas, descreve-se como uma aventura cheia de perigos e lutas, em que se
travam batalhas e se produzem dificuldades (como o ter que cruzar rios) e se referem tanto ao percurso da
alma post-mortem, como à morte dessa alma nesta vida.

fig. 14

Esta viagem entre rajadas de sombras e luzes está representada na iconografia alquímica de distintas
maneiras, já que esta ciência relata, vivenciando-o, o processo de Iniciação (abertura da Consciência e
Conhecimento), por intermédio das nossas próprias obscuridades, com as quais não devemos nos identificar;
menos ainda, negá-las.

Isto está em relação igualmente com a idéia de Karma, ou seja com a de ação-reação, e a de purgar pelos
próprios enganos (pecados) e a responsabilidade que nos cabe neles. O que poderia ser obtido graças à
purificação que produzem estes ritos catárticos ou, em termos da Arte Régia, ao calcinar estas umidades
pútridas ou, como dizem alguns dos estudantes de hoje em dia, "alquimizá-las", valha a expressão.

73

O NASCIMENTO DA HISTÓRIA I

A História, entendida como consignação escrita dos fatos e acontecimentos mais relevantes que ocorrem em
uma determinada época, é relativamente recente, e mais ainda se tivermos em conta a duração real que
corresponde ao ciclo completo da humanidade. Devemos retroagir até aproximadamente o século VI antes
de nossa era para encontrar os primeiros testemunhos escritos, propriamente históricos. É interessante
assinalar que, segundo os dados tradicionais, o século VI A. C. criou um momento crítico no
desenvolvimento do ciclo humano, um período em que se produziram grandes mudanças e reajustamentos
da tradição, não só no Ocidente, mas virtualmente em todos os povos e civilizações da antigüidade.

Para citar alguns exemplos dentre muitos, terá que se dizer que nessa época vem se configurando a
civilização de Roma, que acontece a era dos reis legendários a seu período histórico propriamente dito; na
Grécia aparece o pitagorismo que em seu núcleo essencial herda os antigos mistérios órficos, e se assiste ao
surgimento da época clássica; é destruído o Templo de Jerusalém e o povo judeu sofre o cativeiro de
Babilônia, que parece ter representado uma perda irreparável de uma parte importante da tradição de Israel,
como foi a de sua língua escrita original. Na China a antiga tradição perde a unidade que conservava dos
tempos primitivos, e se divide em duas formas muito diferentes conhecidas como o Taoísmo e o
Confucionismo, conservando a primeira delas a parte dessa tradição que correspondia à doutrina metafísica
(esotérica) e à iniciação, enquanto que a segunda se ocupava de seus aspectos puramente sociais e
organizativos (exotéricos), embora seus ritos e símbolos fossem herdados da primeira. Em geral, deu-se um
passo a mais no processo de solidificação que, desde os tempos primitivos, vinha ocorrendo em todos os
âmbitos da existência e da vida espiritual do ser humano. E para que a lembrança de muitas coisas não
desaparecesse para sempre, foi necessário resguardá-la nos livros históricos e sagrados.

Esta barreira no tempo, que sem dúvida representa o século VI A. C., é um dos motivos pelos que, em seus
estudos, a maioria dos investigadores atuais encontram uma verdadeira dificuldade quando tentam
classificar cronologicamente –e, é obvio, conhecer com alguma veracidade– o que aconteceu nos períodos
precedentes a esse século. E esta dificuldade se vê acrescentada pelo fato de que quase tudo o que nos
legaram os autores clássicos está expresso em uma linguagem onde a realidade concreta das coisas se
entretece harmoniosamente com a poética do mito, da lenda e do símbolo; uma linguagem que certamente
não podem compreender os historiadores "oficiais", saturados como estão de um racionalismo claramente
caduco e insuficiente.

Não ocorre o mesmo com a maioria dos historiadores antigos, que em seu ofício foram autênticos
intérpretes e conhecedores à perfeição da doutrina tradicional, pelo que o estudo de suas obras é de uma
ajuda inestimável para compreender a história real, a sagrada, dos povos e civilizações. Neste sentido, na
história que relatam estes autores, pode ser vista uma expressão maior da alma dos homens (análoga à alma
do mundo); do gênio e do espírito que preside o nascimento e da permanente regeneração de uma cultura e
de uma civilização.

E se nestes relatos o mito aparece como uma parte constitutiva dos mesmos, é porque este é a conexão
vertical com o atemporal e acronológico, e portanto a possibilidade sempre presente de estabelecer um laço
salvífico com os princípios divinos e celestes dos quais dependem todas as coisas, incluída, naturalmente, a
própria História que, definitivamente, não deixa de ser um símbolo de outra coisa, e neste caso um símbolo
ou receptáculo onde se armazena, por assim dizer, a memória do mundo. Por isso em alguns documentos
medievais e renascentistas pertencentes a determinadas organizações iniciáticas, o conhecimento da História
era tão imprescindível como o das Ciências Naturais, das Matemáticas e da Geometria.

74

O NASCIMENTO DA HISTÓRIA II

No Ocidente, é na Grécia onde a História é contada por escrito. E em primeiro lugar, terá que se mencionar
a Heródoto, que é conhecido como o "Pai da História" que, com seu livro chamado precisamente "História",
recolhe os acontecimentos havidos dos tempos lendários até o momento em que ele escreve, no século IV
a.C. Neste livro são relatados não só os episódios históricos dos gregos, mas também igualmente dos
egípcios, persas e outras culturas, pois [Heródoto] viajou por quase a totalidade do mundo conhecido. O
livro consta de nove volumes (recordemos que o nove é o número circular por excelência, e relacionado,
portanto, com o cíclico e com o temporal), sendo bastante significativo que cada um deles estivesse
dedicado a uma Musa, como se tivessem sido inspirados diretamente por elas. Temos que recordar, a este
respeito e como um dado extremamente revelador, que a Musa que preside a História, Clío, é nascida do
matrimônio do Zeus-Júpiter com Mnemosyne, a Memória.

Séculos mais tarde achamos Plínio, o Velho, que escreveu uma "História Natural", um estudo dos seres da
natureza (incluídos os fabulosos) em seus três reinos: animal, vegetal e mineral; e também a seu quase
contemporâneo Josefo, que nos legou uma "História Antiga" dos judeus; e a Plutarco, com "Ísis e Osiris",
ou "Vida dos doze Césares". Mais próximo se encontra Alfonso X, o Sábio, autor, dentre outras coisas, de
uma inacabada História da Espanha e de uma mais extensa História Geral, que em realidade, e tomando
como fonte de consultas à Bíblia e todas as crônicas antigas que pôde reunir, resume a História Sagrada do
gênero humano desde seus começos até o século XIII, época em que reinou.

Por tudo que foi exposto, pode-se dizer que qualquer tentativa para reconstruir o passado histórico, que se
empreenda na atualidade, deve passar necessariamente por um conhecimento da doutrina tradicional dos
ciclos, que inclui também uma compreensão dos símbolos e dos mitos que, invariavelmente, foram se
repetindo em qualquer parte.
fig. 16

Nota: Já se comentaram as relações entre História e Geografia no transcorrer deste Programa. Queremos
insistir na inter-relação entre Tempo (História) e Espaço (Geografia) porque entre ambas as coordenadas
alguma vinculação tem que existir para que a existência cósmica seja possível.

Na figura anterior, pode se apreciar o mapa do mundo dividido em 4 partes emanadas de um centro virtual,
perfeitamente equiparável com as 4 grandes idades temporais e sua divisão –válida para qualquer
subciclo– projetadas de uma quinta idade mítica. A existência deste tempo mítico e deste espaço virtual,
coexistindo perenemente em suas origens, é o que permite e justifica qualquer tentativa de estabelecer
analogias entre o que hoje chamamos Geografia e História, sem a qual elas careceriam de sentido.

Para os antigos isto era assim; e respondendo estas ciências, de modo manifesto, a suas concepções de
Tempo e Espaço, qualquer outra ciência moderna que procurasse as relações entre estas duas
coordenadas, deveria, em seu direito, prestar atenção a esta inter-relação e a essas concepções, conhecidas
por todas as culturas sempre, e não considerar o Tempo e o Espaço como assuntos diferentes.

75

TARÔ
XIIII — A TEMPERANÇA: É o símbolo da
ressurreição e da nova vida. Aqui vemos uma
mulher alada, em atitude de vôo, mesclando o
conteúdo de duas vasilhas, combinando as
energias contrárias, às quais complementa, o que
também está simbolizado pelas cores de seus
vestidos. Pode-se ver nela as Musas e as Graças
que inspiram ao artista e, em geral, a Arte como
veículo do conhecimento. Abre nossa mente a
novos aspectos do ser, cada vez mais profundos
e sutis. Esta carta manifesta as potencialidades
ocultas que se vão desdobrando, e as faculdades
que se desenvolvem e solidificam, assim como
as decisões que se tomam confidencialmente e os
estados de ânimo produzidos pela calma e da
harmonia. No processo alquímico, representa os
corpos luminosos e nobres que surgem logo a
seguir da morte e da putrefação da matéria
vulgar.

DIREITA INVERTIDA
Combinação de contrários Derramamento - Insegurança
Mistura - Coisas que concretizam Impossibilidade de combinar
Vida Nova - Calma contrários - Incomunicação
Harmonia - Esperança - Ser Abatimento - Impotência
Paciência - Decisões felizes Congelamento - Dispersão
Vôo - Aspectos novos do Inconexão
conhecimento - Eqüidistância Fragmentação
Amalgamento - Intrepidez Falta de agilidade
Confiança - Inspiração artística Desatenção
Fluir - Boa disposição Incompetência
de ânimo - Forças que se Ausência de relações
complementam Detenção no fluir
76

AS SETE ARTES LIBERAIS I

Dentre os numerosos legados da Idade Média, recebidos por sua vez de gregos e romanos, acham-se as
denominadas "artes liberais", sete disciplinas que aglutinaram todo o saber da época, e que se dividiam da
seguinte maneira: Gramática, Dialética (às vezes substituída pela Lógica), Retórica, Aritmética, Geometria,
Música e Astronomia. As sete artes liberais representaram a coluna vertebral em torno da qual girava o
conjunto da vida cultural da sociedade medieval. E quando dizemos cultural não nos estamos referindo só à
atividade intelectual e especulativa, tal e como se ministrava nas universidades e centros escolásticos que
existiam nas mais importantes cidades da Europa cristã, mas também à própria atividade manual e operativa
exercida nos colégios, oficinas e corporações artesanais.

Na Idade Média, ainda não se havia produzido o divórcio entre a teoria e a prática, o espírito e a mão, a
ciência e a arte. E esta imbricação entre a arte e a ciência está claramente assinalada no famoso adágio: "A
ciência sem a arte não é nada". Por exemplo, na construção de uma catedral ou monastério se conjugavam
sinteticamente a atividade intelectual e a manual: a idéia concebida no espírito se plasmava na pedra graças
ao esforço e habilidade da mão, sendo isto mesmo válido para qualquer outro ofício e artesanato. A origem
das artes e ciências liberais se remonta às escolas gregas e romanas, especialmente às de Atenas e de Roma,
sem esquecer o importante aporte da cultura islâmica. Chamavam-se "liberais" porque, como dizia o grande
rei espanhol Alfonso X, o Sábio, "querem totalmente livre de todo outro cuidado e estorvo ao que desejava
aprender", ou seja, que se necessitava uma plena e total dedicação a seu estudo e investigação.

Entre cada uma das artes liberais se estabeleciam permanentes correspondências analógicas, até o ponto de
que uma continha e compreendia às demais. Entretanto, isto não impedia que fossem também um todo
perfeitamente hierarquizado, uma escala que permitia ao estudante avançar ordenada e gradualmente pelo
caminho de sua evolução interior.

77

AS SETE ARTES LIBERAIS II

Neste sentido, as artes liberais estavam divididas em dois grupos bem delimitados: o trivium (a tríplice via)
e o quadrivium (a quádrupla via). Ao trivium correspondiam a Gramática, a Dialética e a Retórica, e ao
quadrivium, a Aritmética, a Geometria, a Música e a Astronomia. Com as três primeiras se aprendia a
pensar e raciocinar devidamente por meio do conhecimento e significado da língua (Gramática), a coerência
lógica da mesma (Dialética), e finalmente, por sua aplicação ao discurso e a palavra (Retórica), verdadeiros
suportes e veículos todos eles do pensamento. Só através do trivium, das palavras, vozes e nomes das coisas,
podia se acessar às ciências do quadrivium, que eram superiores a aquelas por quanto que expressavam, e
expressam, um conhecimento mais essencial e profundo. As quatro ciências do quadrivium se referiam
diretamente ao estudo dos ritmos e dos ciclos, da proporção e da medida que, como sabemos, conformam a
estrutura prototípica de todas as coisas. Ao trivium e ao quadrivium se acrescentava às vezes o bivium, que
compreendia a Alquimia e a Astrologia.

Por outro lado, para o esoterismo cristão, as sete artes liberais se correspondiam com os sete graus
iniciáticos, análogos aos sete céus planetários, que representam uma hierarquia de estados espirituais. A
Gramática se assimilava à Lua, a Dialética a Mercúrio, a Retórica a Vênus, a Aritmética ao Sol, a Música a
Marte, a Geometria a Júpiter, e a Astronomia a Saturno. Notemos bem que o meio das sete artes está
ocupada pela Aritmética e pela esfera do Sol, que efetivamente ocupa o centro dos planetas na Astronomia.
Isto é importante, pois a Aritmética é, do ponto de vista esotérico, a ciência dos números, Numerologia ou
Aritmosofia. E assim como o Sol ocupa o centro de seu sistema, levando a luz a todos os limites deste, a
Aritmética organiza e ordena todas as outras ciências, e contribui para as unir e relacionarem entre si. Isto
está claro no que respeita às relações numéricas, que unem a Música à Geometria (união que se expressa
diretamente nas proporções das formas arquitetônicas) e também ao conhecimento da Astronomia pela
harmonia das esferas celestes. Mas deste modo, esta importância do número está presente na construção do
discurso falado e escrito, das vozes e das palavras, como é fácil comprovar na poesia.

Em tudo isto se adverte uma herança da tradição pitagórica no seio da cultura medieval e das sociedades e
agrupamentos iniciáticos. Finalmente, este aspecto cosmogônico das artes liberais não era senão o próprio
suporte que permitia acessar à realidade ontológica e metafísica.
78

NOTA:

Observou-se que a idéia de um trabalho e de um rigor estão presentes neste manual, que são
fundamentalmente intelectuais, no sentido maior que estivemos outorgando a este termo.

Entretanto, essa mesma concentração rigorosa em nossos estudos não tem que nos impedir o tratar –a esta
altura do Ensino– de ir nos manifestando em nosso meio de acordo às medidas das possibilidades de cada
um. E embora a Tradição Hermética põe o acento na aprendizagem individual, esta pode se efetuar de
maneira grupal, sempre que se tenham a guia e o apoio de um eixo intelectual. Neste sentido, esta
Introdução à Ciência Sagrada cumpre com estes requisitos e pode ser tomada como base para o trabalho.
Segundo a promessa cristã, quando duas ou mais pessoas se reúnem invocando o Santo Nome, o Cristo
estará entre elas.

De outro lado, observou-se que o Programa suporta uma didática, vale dizer, uma estrutura ordenada o
suficientemente maleável e rica em possibilidades como para que possa ser seguida por distintos
temperamentos e em diferentes âmbitos culturais.
79

TARÔ

XV — O DIABO: Temos às vezes uma


idéia deste símbolo, condicionada pelos
preconceitos morais que nos fazem ver
unicamente seu aspecto invertido e
maléfico. O diabo não é só o mal, senão
que a tradição melhor o relacionou com a
estupidez e a ignorância, assim como com
a mediocridade e a indiferença. Mas este
símbolo adquiriu para os iniciados uma
conotação mais profunda, relacionada com
a lenda de Lúcifer, o arcanjo caído que
luta com Miguel, que representam
aspectos opostos, complementares e
simultâneos do ser. Herdeiro do Baco
romano e do Dionísio grego, o Baphometh
dos Templários e o amo dos bruxos e
bruxas medievais, ou bode, é símbolo do
vinho e do sangue e chefe das entidades da
terra ou inframundo. Representa a energia
sexual e a paixão, ou fogo interno, que a
transmuta do denso ao sutil.

DIREITA INVERTIDA
Energia sexual Desequilíbrio dos sentidos
Paixão - Desejo Desejos - Desordem - Sobre-
Atração - Magnetismo Excitação - Paixões desenfreadas
Intensidade - Energia oculta Escravidão dos sentidos
Possibilidades - Passos em falso Erros - Ignorância
Transbordamento de sentimentos Surpresas desagradáveis
Possessão de energias exacer- Achatamento - Pequenez - Ódio
bantes - Eros - Sensualidade Estupidez - Infantilidade
Vinho - Êxtase Mediocridade - Vaidade
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QUADRADOS MAGICOS

Falamos dos quadrados mágicos, e em particular do quadrado natural de 9 casas, ou de Saturno (Ver N.º
61). Trabalharemos agora com os quadrados correspondentes aos sete planetas, tomando-os como
instrumentos para começar a decifrar o inscrito dentro deles, advertindo que são tanto síntese de sabedoria,
como mapas da cosmogonia e, por sua vez, poderosos talismãs, ou amuletos repletos de energias.

Damos aqui os quadrados mágicos atribuídos aos distintos planetas, incluindo números e letras do alfabeto
sagrado. Como dissemos, o prototípico de três colunas de lado é atribuído a Saturno, o de quatro a Júpiter, o
de cinco a Marte, o de seis ao Sol, o de sete a Vênus, o de oito a Mercúrio e o de nove à Lua, em perfeita
vinculação com as equivalências entre astros e sefiroth da Árvore cabalística e suas respectivas numerações.

Embora a colocação dos números em cada casa pareça à primeira vista caótica, estas cifras, pelo contrário,
estão colocadas de modo tal que refletem assombrosamente a harmonia do universo e o caráter mágico-
teúrgico destas estruturas simbólicas, que se observa no fato de que a soma dos números de todas as casas
horizontais, verticais e diagonais é sempre idêntica. No caso do quadrado de Júpiter, ou quadrado de quatro,
de dezesseis casinhas, observa-se uma perfeição ainda maior, tendo em vista que também os quatro números
centrais, os quatro das esquinas e os que se opõem dois a dois no centro das horizontais e das verticais,
somam também 34. Recomenda-se o exercício de calcular o valor numérico das letras do alfabeto hebraico
que figuram em cada casinha e comparar dito valor com o número atribuído a essa casinha. Este exercício
de substituir as letras por seus equivalentes numerais, tomando como modelo o quadrado de Saturno, poder-
se-á repetir nos distintos quadrados mágicos planetários que mostramos a seguir.

Recorde-se o leitor que o alfabeto hebraico se lê da direita para a esquerda, e que assim têm que se ler os
valores representados por mais de um dígito.

Recordamos aqui que os pitagóricos juravam não só pela Sagrada Tetraktys mas também pelo Quadrado de
Quatro.

SATURNO: Quadrado de base 15; o total de números das casas soma 45:

JÚPITER: Quadrado de base 34; o total das colunas soma 136:

MARTE: Cifra de base 65; soma números casas 325:

SOL: Quadrado base 111. O total das colunas é 666:

VÊNUS: Cifra de base 175. Número do total 1225:


MERCÚRIO: Base 260. Total soma 2080:

LÚA: Baseado no número 369. Soma 3321:

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NOSSO PROGRAMA:

Nosso Programa tem uma estrutura didática circular e portanto, uma vez que se seguiram as primeiras
seqüências do Agartha e se conseguiu ligar com seu ritmo particular, este pode ser repassado e ser relido
em ordem diferente, mesmo nos exercícios que o Programa contém, que poderão ser praticados de maneira
alternativa.

Entretanto, interessa-nos, como método de conhecimento, a comparação e a inter-relação de todas as


formas tradicionais como modos de expressão de uma mesma realidade que se manifesta ao longo da
História, e em toda a extensão da Geografia. Da confrontação e vinculação entre os símbolos tradicionais
surgem faíscas e energias que nos fazem compreender muitos dos pontos que são objeto de nossos estudos.

O Taoísmo e a Tradição Hermética –amém que sejam ambas reveladas por uma Tradição Primitiva e
Trans-histórica– têm algo em comum que as faz afins: o fato de que não tenham derivado em formas
religiosas ou exotéricas, tal qual foi o caso do Judaísmo, Cristianismo, Islã, ou de modos "quase"
religiosos, como certas formas do budismo e hinduísmo, etc. Ambas põem a ênfase na Alquimia como
realização individual, o que lhes outorga um marco de grande amplitude, e não sublinham a via emocional
como forma virtualmente única de acesso ao espiritual. Tem-se dito que este último caminho se converteu
quase em puro sentimentalismo nos tempos atuais, e não desemboca no Conhecimento.

82

TARÔ

XVI — A TORRE DE DESTRUIÇÃO: Aqui


vemos uma torre construída com tijolo (como a
de Babel), cuja cabeça está sendo cortada por
um raio celeste. É o símbolo da destruição dos
velhos esquemas, que propicia a construção de
outros novos. A ira divina, que destrói a ilusão e
a mentira para implantar a verdade. Dois
personagens estrepitosamente caem a terra,
representando os falsos egos que vão caindo por
seu próprio peso para dar lugar ao verdadeiro
Eu, oculto e essencial. O raio representa a luz do
espírito; e as borbulhas brancas, azuis e
vermelhas, os eflúvios celestes que descendem à
terra. É relacionada, também, com o betilo (ou
pedra do raio caída do céu), com o martelo de
Thor e com o raio de Zeus; geralmente é
comparada às energias marciais e aos deuses
guerreiros e seu rigor. Invertida, pode anunciar
desgraças e cataclismos.

DIREITA INVERTIDA
Destruir para construir - Escala Destruição - Queda
Poder manifestado em forma Orgulho - Impossibilidade de
muito forte - Destruição de construir - Dor - Separação
esquemas - Fim definitivo de dolorosa - Energias contrárias
uma coisa - Corte Violência - Enfermidade aguda
Separação cortante - Ciclo Inimigos ocultos - Confusão
Esquecimento de si mesmo - Sintoma de enfermidade - de línguas - Calamidades - Ira
Consciência Cólera - Explosão
Iluminação - Explosão não pro- Vertigem - Catástrofe
vocada pela vítima - Benefício Operação
dos erros de outros cirúrgica
83

O BOSQUE

Dante inicia o primeiro canto de sua Divina Comédia com estas palavras: "à metade da viagem da vida me
encontrei em uma selva escura por me haver afastado do caminho reto. Ah! Quão penoso me seria dizer o
selvagem, áspera e espessa que era esta selva cuja lembrança renova meu temor, temor tão triste que a morte
não o é tanto". A existência vulgar e profana oferece aos olhos de Dante um aspecto análogo ao que nos
ofereceria uma selva ou bosque intrincado no qual seria angustiosa a sobrevivência, que nos evoca a
concepção platônica da vida terrestre como exílio da celeste. Efetivamente, graficamente, a verticalidade de
árvores e troncos, a horizontalidade dos ramos, e a densa presença de plantas, flores e folhas, conformam
um tecido análogo ao da cotidianidade e suas veredas, dentro de cuja complicada espessura existem, não
obstante, clareiras e fissuras pelos quais penetra a luz.

Esotericamente, o bosque, a selva, ou a natureza selvagem e virgem, como lugares especialmente primitivos
e sem cultivar, oferecem um cenário simbólico de nossa própria natureza interna e externa, superior e
inferior, seja em seu sentido primordial de exuberante fecundidade, seja em seu aspecto grosseiro, inculto e
heterogêneo (o infraconsciente), em ambos os casos, um cenário feminino telúrico.

Em muitos povos e culturas, cuja própria configuração geográfica assim o exige, o bosque ou a selva
adquire um papel muito importante e significativo quanto a lugar reservado ao culto, às iniciações e à
contemplação. A elevação de dólmens, e as construções funerárias no interior dos bosques, especialmente
em clareiras e lugares limpos, é muito habitual nas culturas arcaicas. Muitos usos e ritos ancestrais,
mantidos pela memória popular, seguem se repetindo periodicamente nestas paragens. Os mitos e lendas
antigos estão cheios de alusões a bosques mágicos, onde transcorre a trama de seus argumentos e onde em
geral habitam seres, ou entes, não humanos, cuja relação com os heróis e os homens está vinculada
simbolicamente ao próprio processo alquímico e espiritual. Um clássico deste gênero é o conto de Branca-
de-Neve. Custodiada por sete anões em um bosque (psique), acha-se semi-morta por ter comido o fruto que,
astutamente, ofereceu-lhe a bruxa feiticeira, o mesmo que outrora Eva comera no paraíso; enquanto espera o
"despertar" através do beijo do príncipe (Eros).

Efetivamente, a tradição faz dos gnomos, dos silfos, das ondinas e das salamandras habitantes mágicos dos
bosques, que nos oferece uma descrição figurada de nossas próprias potências anímicas e terrestres. Estes
seres estão alquimicamente relacionados com os quatro elementos, respectivamente a terra, o ar, a água e o
fogo, assim como Branca-de-Neve se assemelharia, no exemplo, ao quinto, o éter, cada um simbolizando a
consciência e função específica de cada elemento, consciências que habitam potencialmente dentro de nossa
própria natureza microcósmica, revelando-se como impulsos e tendências elementares.

O bosque, ou a selva, como templo natural e espaço sagrado, oferece-nos dentro de sua imensa riqueza de
matizes (a fonte, a gruta, a mina, a montanha, etc.), inesgotáveis temas de meditação. Toda uma cosmogonia
que nos fala simbolicamente da fauna, da flora e da topografia de nossa própria natureza interna e invisível.

84
ASTROLOGIA

Assinalaremos seguidamente, em um quadro, as relações entre os doze signos zodiacais, os quatro


elementos e suas qualidades, e o temperamento humano que lhes atribui:

Signo Elemento Qualidades Temperamento


Áries-Leão-Sagitário Fogo quente-seco bilioso
Touro-Virgem-Capricórnio Terra frio-seco nervoso
Gêmeos-Libra-Aquário Ar quente-úmido sangüíneo
Câncer-Escorpião-Peixes Água frio-úmido linfático

Damos a seguir as relações entre o corpo humano e os signos do zodíaco:


ÁRIES: a cabeza e o rostro

TOURO: o pescoço e a garganta

GÊMEOS: ombros, braços, mãos

CÂNCER: pulmões, peito, estômago

LEÃO: costas, coração, figado

VIRGEM: ventre e intestinos

LIBRA: rins e vias urinárias

ESCORPIÃO: órgãos genitais

SAGITÁRIO: coxas e nádegas

CAPRICÓRNIO: joelhos

AQUÁRIO: pernas

PEIXES: os pés

fig. 18
85

MOMENTOS DE INCERTEZA:

Há momentos de incerteza no caminho do Conhecimento ou Iniciação, e o aspirante sofre o tormento da


dúvida e da angústia de se sentir incapaz de enfrentar o monte de maravilhas e boas novas que vislumbra.
Para esses momentos, permitimos-nos citar aqui um fragmento do Corpus Hermeticum, capítulo XI:

"Tendo posto em teu pensamento que não há nada impossível para ti, considera-te imortal e capaz de
compreender tudo, toda arte, toda ciência, o caráter de todo ser vivente. Ascenda mais alto que toda altura,
desça mais baixo que toda profundidade. Reúna em ti mesmo as sensações de todo o criado, do fogo e da
água, do seco e do úmido, considerando que estás, por sua vez, em todas partes, sobre a terra, no mar, no
céu, imagina que ainda não nasceste, que estás no ventre materno, que és adolescente, velho, que estás
morto, que estás além da morte. Se abrangeres com o pensamento todas essas coisas de uma vez, tempos,
lugares, substâncias, qualidades, quantidades, podes compreender Deus."
86

TARÔ

XVII — A ESTRELA: Carta da natureza, é também da


beleza, da poesia e da naturalidade. Uma mulher nua, que
pousa um joelho na terra, derrama o conteúdo de duas
vasilhas vermelhas em um rio (água), ao mesmo tempo em
que escuta a linguagem sutil do pássaro (ar) e recebe os
eflúvios das estrelas (fogo). Ela não luta contra a natureza,
mas sim se harmoniza e se integra com ela em unidade, o
que lhe permite conhecer suas leis e as experimentar,
mostrando-nos também o caminho para o sobrenatural. É
relacionada com a cor verde da esperança e da regeneração, e
com a boa fortuna (boa estrela) que sua atitude propícia. Em
seu sentido invertido, representa esse falso "naturismo" e
"misticismo", tão em voga entre aqueles que se supõem
possuidores de uma pretendida "bondade", em que se
esconde um prejulgado moralismo próprio das seitas
dogmáticas.

DEREITA INVERTIDA
Natureza - Harmonia Artificialidade - Desarmonia
Naturalidade - Verde Antinaturalidade - Desespe-
Esperança - Beleza - Poesia rança - Impudor - Ideologias
Conhecimento da lei Escapismo - Materialismo
natural Falta de escrúpulos
Vida - Reintegração - Estar Romantismo - "Idealismo"
Boa fortuna "Projeções" - Falsas
Espontaneidade ilusões - Especulações
Tranqüilidade - Sinceridade Problemas corporais e de
Regeneração - Simplicidade ordem higiênica - Hipocrisia
O sobrenatural Estagnação
87

NÔMADES E SEDENTÁRIOS

Sendo o núcleo sagrado e espiritual essencialmente idêntico –por seu caráter atemporal e metafísico– para
todas as civilizações tradicionais, existem entretanto em cada uma delas certos rasgos e particularidades que
as fazem diferentes entre si. Isto se deve a múltiplos causa (diversidade de etnias, habitats, climas, etc.), mas
possivelmente a diferença mais marcada e a mais importante seja o que algumas destas culturas pertenceram
aos povos nômades e outras aos sedentários. Esta primeira grande diferença se produz no preciso momento
em que a humanidade abandona seu Centro Primitivo e se pulveriza por toda a superfície do planeta. Os
nômades, acostumados à peregrinação constante por serem povos dedicados ao pastoreio, desenvolveram
uma cultura sensivelmente diferente à desenvolvida pelos sedentários, que eram basicamente agricultores,
ao permanecerem enraizados em um determinado lugar. Estas duas formas de vida, com todos os matizes
que entranham, influíram poderosamente na maneira em que uns e outros encararam a vida e o mistério do
sagrado, e portanto na própria constituição e estrutura de seus ritos, símbolos e mitos cosmogônicos. Isto
está claramente exemplificado no que respeita às artes e aos ofícios.
Os nômades, em permanente movimento pelo espaço, criaram, entretanto, uma arte baseada principalmente
no ritmo e na fonética, como a música, a poesia e o canto, isto é, em artes que se expressam sucessivamente,
pelo que estão estreitamente vinculadas ao tempo e ao sentido do ouvido. Na mesma gramática e linguagem
desses povos, e seus herdeiros atuais, adverte-se multidão de expressões ricas em movimento e ritmo que
não se encontram entre os sedentários.

Estes, assentados pelo contrário no espaço, geraram uma arte mais puramente geométrica e plástica baseada
na proporção e na medida, como a arquitetura, a pintura, a escultura, a escritura (os nômades transmitiam
suas tradições verbalmente), ou seja, artes e ciências que se desdobram no espaço, mas feitas para perdurar
no tempo, e diretamente relacionadas com a faculdade visual. Sendo os agricultores sedentários, a maior
parte do simbolismo vegetal provém deles, enquanto que quase todo o simbolismo animal procede dos
nômades. Nos ritos sacrificais, por exemplo, os primeiros ofereciam espécies vegetais a suas divindades, e
os segundos espécies procedentes do reino animal. Estas vinculações com os dois reino da natureza, o
vegetal e o animal, tiveram que influir poderosamente na estrutura mental desses povos, e portanto nos
símbolos que conformaram sua cultura ao longo da história. Na Bíblia, duas formas de vida estão
representadas respectivamente por Caim e Abel, cuja luta tem que se ver melhor como um símbolo das
diferenças específicas que existiram secularmente entre os sedentários e os nômades.

É significativo comprovar igualmente que as vivendas dos nômades, construídas com materiais fáceis de
transportar, faziam-se com forma circular, e o círculo é, como sabemos, o símbolo que melhor expressa a
idéia de movimento, e também o signo do celeste e de tudo aquilo que se refere aos ciclos e ritmos.

Por seu lado, os sedentários, utilizando materiais pesados como a pedra (embora com antecedência a esta
utilizaram a madeira como elemento de construção), tendiam mais a edificar em quadrado, isto é, conforme
à figura geométrica que simboliza melhor que nenhuma outra o terrestre e a estabilidade por excelência.
Neste sentido, foram os sedentários os primeiros a construírem cidades, e com eles nasce o conceito de
civilização (civis = cidade) tal qual chegou até nós. Graças a que tenham realizado obras para perdurarem no
tempo nos é possível ter acesso ao conhecimento de sua concepção e de sua metafísica do mundo, o que
certamente não acontece com a cultura dos nômades que, vagando livremente pelo espaço sem limites, não
tinham necessidade de fixar nada, e a idéia do futuro, como a concebem os sedentários, era-lhes alheia por
completo.

Não obstante, tudo o dito até aqui, não se deve ver entre estas duas formas de vida um antagonismo radical
que na verdade jamais existiu. A arte e a simbólica áudio-visual são patrimônios de qualquer sociedade
tradicional, seja esta nômade ou sedentária. São, voltamos a repetir, as condições de existência as
provocadoras de que um simbolismo se desenvolva mais que outro. Por outro lado, sempre houve entre
ambos os povos permanentes contatos (por exemplo, através do comércio, e inclusive através do rito
sagrado da guerra, que era também uma forma de comunicação) que facilitaram e promoveram o
intercâmbio de idéias, usos e costumes. Com freqüência, isto representou uma opção regeneradora que
evitou, ao menos até certo período histórico, uma excessiva "petrificação" por parte dos sedentários devido a
seu assentamento, e uma excessiva "dissolução" entre os nômades devido a seu constante ir e vir.

Deste modo, muitos povos originais acabaram por se instalarem definitivamente, o que originou em todos os
modos de expressão de sua cultura uma síntese entre as artes do tempo e do espaço, do ritmo, da proporção
e da medida. E esta assimilação do nomadismo por parte do sedentarismo é uma constante vital na história
da humanidade, além de ser algo necessário que obedece a leis cíclicas. Diversos povos acharam seu ser e
seu destino histórico ao se concretizarem e se solidificarem, fato que motivou a espacialização de seu centro
sagrado e, portanto, uma concentração de energias tal que deu causa ao florescimento de civilizações com
um alto grau de desenvolvimento cultural, como foi o caso da árabe, da judaica, da romana, da asteca, maia,
etc. etc.
88

AS TRÊS GRAÇAS

Hesíodo diz em sua Teogonia que a Zeus: "Eurínome, filha de Oceano, de sedutora beleza, deu-lhe as três
graças de belas maçãs do rosto: Aglaia, Eufrósine e a encantada Talia. Quando olham, brota de seus olhos o
amor. Belos são os olhares que lançam sob suas sobrancelhas!".

Efetivamente, essas três fêmeas foram identificadas como Beleza, Amor e Prazer. Espargem alegria em
qualquer parte e inundam os corações dos homens. Vivem no Olimpo em companhia das Musas, com as
quais soem cantar muito belas melodias e também acompanham a Apolo quando este tange sua lira.
Costuma-se representá-las como três jovens nuas, unidas pelos ombros; geralmente, duas delas olham em
uma direção, e a do meio, na direção oposta. Teceram o véu de Harmonia e são companheiras de Ateneu,
Afrodite, Dionísio e Eros; podemos invocá-los a todos eles com confiança.

Sêneca se perguntou no De beneficiis "por que são três as graças, por que são irmãs, por que se colhem da
mão?" e se responde: "Pelo triplo ritmo da generosidade, que consiste em dar, aceitar e devolver",
adicionando: "como gratias agere, significa 'dar as graças' (agradecer); as três fases (desta operação) devem
estar encerradas em uma dança, como o estão as Graças; a ordem dos benefícios requer que sejam dados em
mão, mas que retornem ao doador". Para os cabalistas cristãos do Renascimento, este símbolo expressava as
emanações celestes que os deuses enviam à terra, que produzem uma inspirada vivificação nos seres, ou
conversão, a partir da qual estes as devolvem (ou se elevam) para seu lugar de origem. Descreve-se, pois,
um percurso triangular e se retorna ao princípio. Deve aqui se ter em conta a identidade entre a figura do
triângulo e o círculo e seu uso indistinto, embora haja uma superioridade do primeiro relação ao segundo (32
= 9).

fig. 19

89

ARITMOSOFIA

A escola pitagórica considerava sexuados os números, ou seja portadores de cargas energéticas positivas e
negativas. Assim, os números ímpares eram ativos, expansivos, masculinos (yang, em termos extremo
orientais), e semelhantes ao céu, enquanto que os pares eram passivos, contrativos, femininos (yin), e
representativos da terra. O número um, manifestação da unidade metafísica, não era considerado nem como
ativo nem como passivo, e correspondia sexualmente, em termos platônicos e alquímicos, ao "Andrógino
Primigênio". Isto é válido também para a dezena, a centena, o milhar, etc.
Deste modo, ficava especial interesse nos números chamados quadrados e triangulares. Os últimos se
formam adicionando números inteiros sucessivos a partir do um, ou seja, que se adicionam os consecutivos
da série; exemplos: 1 + 2 + 3 = 6; 1 + 2 + 3 + 4 + 5 + 6 = 21. Seis e vinte e um são números triangulares. O
mais conhecido destes números é o dez (1 + 2 + 3 + 4), perfeitamente representado em forma de triângulo
na famosa Tetraktys. Desta disposição triangular é que estes números recebem seu nome, assim como os
quadrados recebem o sua por sua disposição e representação quadrada, já que eles se formam de maneira
semelhante aos triangulares, começando pela unidade, à qual se adicionam sucessivamente números
ímpares; exemplos: 1 + 3 = 4; 1 + 3 + 5 = 9; 1 + 3 + 5 + 7 = 16; 1 + 3 + 5 + 7 + 9 = 25. Faz-se notar que 4 é
22, que 9 é 32, que 16 é 42 e 25 = 52, ou seja que são os "quadrados" desses números.

Os primeiros dez números triangulares são 3, 6, 10, 15, 21, 28, 36, 45 e 55. Os primeiros dez quadrados: 4,
9, 16, 25, 36, 49, 64, 81, 100 e 121. Pode observar-se que o número 36 (igual, proporcionalmente, aos 360),
é ao mesmo tempo quadrado e triangular.

De outro lado, quer se destacar que o número cinco era de importância vital para os pitagóricos, enquanto
soma do dois (par, passivo e feminino) e do três (ímpar, ativo e masculino), motivo pelo qual era chamado
"Número Nupcial". Na Tradição Hermética, este número simboliza o microcosmo e é representado
geometricamente com o pentagrama.

Como dado interessante se adiciona que a soma de um número par com outro ímpar é necessariamente
ímpar, enquanto que o produto da multiplicação de um par com um ímpar dá necessariamente um número
par. Além disso, que a soma de dois números é forçosamente par se estes números forem ambos pares ou
ímpares. Por outra parte o produto de uma multiplicação, quando é ímpar, é o resultado forçoso de que seus
dois fatores sejam ímpares.
90

TARÔ

XVIII — A LUA: Símbolo da noite, representa o


princípio feminino ou matriz universal, esposa e
mãe doadora de formas, embora que, por sua vez,
seja deusa da imaginação, da fantasia e da ilusão.
Sua relação com os líquidos é evidente (a lua
determina as marés, a circulação do sangue e da
seiva das plantas, assim como os ciclos
femininos), e isto a conecta com o mundo
psíquico e os mutáveis estados do ânimo; como a
água, é uma energia maleável que toma a forma
de seu recipiente. Não tem luz própria, mas reflete
como em um espelho os raios solares. Foi
relacionada com as viagens, em particular aquelas
que se realizam através das águas e que
simbolizam as mais profundas viagens interiores.
E é a carta da virgindade, ou a vacuidade
necessária para que o espírito fecunde. Invertida,
simboliza o sonho e o psiquismo desordenado.

DEREITA INVERTIDA
Maternidade - Esposa Ilusões - Fantasias
Fidelidade - Receptividade Negação de sensibilidade
Imaginação - Fantasia Fantasmas - Sonhos - Evasão
Espiritualidade - Intuição Afastamento da realidade
Relação com água - Viagens Instabilidade - Viagens
Maleabilidade - Adaptabilidade Caprichos - Vaidades
Interioridade - Sensibilidade Transtornos psíquicos - Escape
Psiquismo Neurose - Histerias
Câncer - Espelho Subconsciente - Inconsciente
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MAGIA

Entende-se aqui por Magia (sem desconhecer formas menores, ineficazes e perversas desta ciência) toda
atividade ritual intermediária dedicada a atrair as energias celestes à realidade terrestre, de acordo com a
doutrina cabalística das emanações, que subordina o mundo elementar e corporal ao mundo anímico e astral,
e ambos ao plano estritamente espiritual ou, em outra terminologia, intelectual ou pneumático.

Por este motivo, tanto as práticas cultuais, como os encantamentos, exercícios práticos, concentrações,
estudos e meditações, e especialmente a oração, devem ser efetuados tendo o ânimo e a inteligência postos
nas verdades mais elevadas, no Deus supremo e incognoscível, além de sua própria criação. Isto fará com
que estas práticas teúrgicas, que pressupõem um conhecimento cosmogônico e metafísico, sejam eficazes e
adequadas proporcionalmente às necessidades cuja satisfação se invoca.

Por outro lado, este movimento descendente de energias e forças que se estabelece tem que ser
completamente interno, ou seja, do exclusivo interesse do sujeito que as pratica em íntima relação com o
benefício do Conhecimento. Sua característica tem que ser a da realização de um rito ressonante e rítmico
com o universo, e estas correspondências e analogias que se pretende represar têm que ser efetuadas com
um total desinteresse sobre coisas particulares; ou seja, com um alto grau de "esvaziamento" e de
impessoalidade, para que os eflúvios do mais alto se derramem sobre o "operário" ou aprendiz de mago, que
deste modo pode acessar as realidades mais sutis e recônditas e as esferas mais altas do intelecto divino, a
um ponto tal que seu próprio ser se encontre identificado, em todo tempo e lugar, com as mais transparentes
emanações do cosmos, e advirta sua unidade e majestade em todas as coisas de uma maneira natural, pois
estas verdades já são consubstanciais com seu próprio ser. Neste tipo de identificação com o universo e com
o que está além dele, tem um papel extraordinariamente eficiente a meditação sobre a Árvore da Vida
Sefirótica, como modelo do universo e instrumento veicular e revelador (como o TARÔ) das energias
intermediárias entre a Deidade mais alta e os seres e as coisas manifestadas de forma elemental, ou material.

92

TARÔ

XVIIII — O SOL: É o centro ou coração de


nosso sistema, ao redor do qual giram os planetas.
Os antigos renderam culto ao sol, não em um
sentido idolátrico, como se acredita, mas sim
porque viam nele o signo da luz interna do
espírito, e à fonte de toda vida na terra. Predomina
nesta carta a cor amarela, símbolo do brilho e da
inteligência criadora. Representa um pai do qual
emanam raios de várias cores, retos e flamígeros -
luz e calor- cujas energias alimentam e fazem
crescer a seus filhos, figurando também a união da
família e do casal, assim como toda classe de
uniões, sociedades e fraternidades. Em sentido
invertido (o soberbo sol de meio-dia, sua queda e
seu ocaso) é a vaidade, a falsa aparência e o
engano dos sentidos. Também, como vimos, é
relacionado com o ouro, e em geral com os metais
e a mineração.

DIREITA INVERTIDA
Luz - Vida - Calor Escuridão - Deserto – Frieza
Inteligência Falta de sentido - Engano dos
Arte - Criatividade sentidos - Seca - Tristeza
Razão - Energia radiante Falta de espírito criativo
União - Matrimônio - Casal Racionalismo - Vaidade - Sober-
Família - Criação ba - Presunção - Falsa juven-
Fraternidades tude - Decorado brilhante
Sociedades - Associações Brigas - Rixas - Inimizade
Irmandades - Sociedade civil Falso artista - Falsa aparência
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OS CICLOS E A HISTÓRIA

O processo histórico das civilizações e das culturas está assinalado em realidade pelas leis dos ciclos e dos
ritmos que, como sabemos, são as mesmas que regem em todas as ordens da manifestação universal. O
simples fato de comprovar que uma civilização, como todo ser, nasce, cresce, decai e morre, é um exemplo
a mais, e bastante gráfico, de que esta segue e repete a seu nível correspondente a lei quaternária em que se
fragmenta todo ciclo.

Servindo-nos uma vez mais das analogias e correspondências simbólicas, podemos comprovar que os ciclos
das civilizações estão todos compreendidos dentro de um ciclo maior que abrange o da existência completa
da humanidade, que se divide em quatro períodos ou grandes idades, que os hindus chamam um
Manvántara, e que compreende a Idade de Ouro, a Idade de Prata, a Idade de Bronze e a Idade de Ferro,
segundo termos que tiramos da antigüidade grego-latina. Seguindo com a mesma lei analógica, os ciclos
históricos estão inexoravelmente vinculados ao fluxo e vazante do tempo cósmico em sua perpétua
recorrência. Neste sentido, as eras astrológicas, nas que um signo zodiacal domina com sua influência um
determinado período histórico, verifica o que dizemos.

Considerada globalmente, a história da humanidade nos apresenta como um imenso cenário ou cenário (o
teatro do mundo) no qual se pode observar como povos inteiros aparecem e desaparecem obedecendo a uma
lei inexorável. Igualmente podemos ver a história como um grande corpo (tal como o próprio cosmos) cujos
órgãos, e o indefinido de células que o compõem, têm a missão de fazê-lo funcionar. E assim, como o corpo
físico está animado por um coração que lhe insufla a vida, de igual maneira a existência e a própria razão de
ser das sociedades humanas foram possíveis por terem albergado em seu interior o depósito sagrado do
Conhecimento e da doutrina metafísica, que não é outra que a Ciência Sagrada.

Sem a presença dos símbolos, ritos e mitos reveladores do supra-humano –e mediante os quais se pode
escapar da recorrência cíclica dos nascimentos e mortes assinalados pelo Deus Tempo que a tudo abarca– a
história careceria de sentido e seria tão somente um absurdo, pois lhe faltaria o mais essencial, que é o
Espírito; ou sucederia uma mera formulação de dados e datas enquadrados em compartimentos estanques
sem relação entre si, quando na verdade é justamente o contrário: uma poética onde fica impressa a alma de
homens e de povos.

Se o cosmos inteiro obedecer a um plano e a uma ordem que respondem aos desígnios divinos e nos quais
tudo desempenha uma função e um destino específico, é óbvio que as civilizações e as culturas tradicionais
participaram da realização e cumprimento desse plano, perpetuando-o em cada ciclo particular com suas
formas e características próprias, avivando e mantendo assim o fogo inextinguível da Sabedoria das origens.
Neste sentido existe necessariamente um fio de continuidade sutil e invisível entre todas as civilizações e
especialmente entre aquelas que se manifestaram em uma mesma área geográfica ou continente.

Quando uma civilização, ao esgotar suas possibilidades existenciais, está a ponto de perecer, outra, mais
jovem e com elementos novos vem substituí-la, produzindo-se com freqüência uma espécie de osmose
espiritual ou transferência dos princípios sagrados de uma para a outra.

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JANO

Janus-Bifrons, deus romano, de origem assírio-babilônica, e que se encontra também em outras tradições
muito arcaicas, olhe com seu rosto dual nas direções opostas do espaço e do tempo calendárico.
Espacialmente, marca o eixo Norte-Sul; temporalmente, os solstícios de inverno e de verão. É pois um
mediador entre céu e terra, enquanto faz corresponder ao céu com o Norte e, inversamente, à terra com o
Sul. Igualmente, é a deidade que abre no hemisfério Norte a porta do ano no inverno –movimento
ascendente do Sol– e a fecha no solstício de verão, quando o astro começa seu curso descendente. De um
ponto de vista iniciático o solstício de verão corresponde à porta dos homens e constitui a entrada aos
pequenos mistérios da antigüidade, enquanto que o de inverno se vincula com a porta dos deuses e os
chamados grandes mistérios.
Astrologicamente, o verão, associado ao meio dia, corresponde-se com o signo de Câncer, enquanto o
inverno o faz com o de Capricórnio. O Natal cristão (urânica) celebra-se em 24 de Dezembro, e em 24 de
Junho se festeja a noite de bruxas (ctônica). Nestas mesmas datas, na Maçonaria se recorda aos dois "São
João", o que abre a história evangélica e o que recebe a mensagem testamentária.

fig. 20

Toda classe de fatos assombrosos e heróicos atribuíram os romanos a Jano, um dos maiores deuses de seu
panteão. Entre outras coisas teria governado Roma em uma idade de ouro, onde tudo era perfeito. Também
era o protetor da cidade e em tempo de guerra as portas de seu templo se deixavam abertas para que pudesse
ir a ajudar a seus habitantes. Deidade intermediária que com sua dupla face a tudo assinala, símbolo da
ambivalência, em particular do homem, seus atributos eram a chave e o barco, herdados pelos pontífices
católicos.

Seu rosto central, invisível, está vinculado com o não-tempo, ou tempo primitivo das origens, e se
corresponde no espacial e construtivo com o eixo de simetria, e portanto com uma via ou caminho de união,
de permanente conjunção de opostos, o que explica que presidisse nos Collegia fabrorum, os grêmios e
iniciações dos artistas e artesãos romanos.

95

SOBRE A GRAMÁTICA, DIALÉTICA E RETÓRICA:

Precedentemente, falamos sobre o tema das sete artes liberais. Então, dizíamos que ao Trivium (a tripla
via) corresponde a Gramática, a Dialética e a Retórica, ou seja, as palavras, vozes e nomes das coisas e
que no esoterismo cristão se assimilavam respectivamente às esferas da Lua, de Mercúrio e de Vênus. Para
o Alfonso X, o sábio, a primeira destas ciências "limpa a língua gaga" para que fale de forma reta; a
segunda "lima a ferrugem da falsidade"; a terceira "entalha a obra néscia e a compõe de formosuras".
Igualmente, a primeira "dá ao homem o entendimento"; a segunda "induz-lhe na crença das coisas" (ou
seja: na verdade); a terceira "admoesta e traz as outras pa acabar os feitos que elas querem" ou despertam.
Do mesmo modo: "a primeira nos ensina a falar diretamente; a segunda, a ser úteis e agudos; a terceira a
dizer admoestando e ordenadamente".

Com respeito à Gramática, dizia Aristóteles que ela era "escrever o que se enuncia"; em todo caso, isto tem
pouco a ver com o que hoje se entende por gramática. E está bem claro que ela existia antes que sua mera
codificação, como é óbvio –para estabelecer uma similitude– que o direito existiu antes que as leis
romanas. A pretendida ciência moderna inclui certas rigidezes que é preciso destruir; a gramática
castelhana, tal qual a conhecemos, nasce no século XVIII e é contemporânea de Descartes e do
racionalismo. Este problema vem de longe: Horácio afirmava que o uso é o árbitro e senhor das línguas e
as normas um artifício auxiliar. Esta mesma crítica é válida a respeito da lógica, tomada como ciência, e
sua assimilação, ora à dialética, ora à retórica, e pode se pensar com razão que este engano da mania
classificatória vem do fundo da filosofia grega, em grande parte iniciado pelo próprio Aristóteles, o que
deu lugar aos "sistemas" dos modernos (em especial depois do século "das luzes") e que desgraçadamente
hoje se identificam com a "filosofia".

96

TARÔ

XX — O JUÍZO: Este arcano, por seu número, foi


associado ao século XX. Vê-se um anjo tocando uma
trombeta e sustendo uma bandeira com uma cruz amarela.
É o símbolo cristão da ressurreição dos mortos e do juízo
final. Os três personagens nus que se levantam da tumba,
representam o matrimônio alquímico do enxofre
(masculino), do mercúrio (feminino) e do sal (neutro),
estando o último de costas, representando o sacerdote que
os benze. É a carta dos anúncios e das revelações, dos
chamados do espírito, e do despertar da consciência. O
esotérico, que por sua própria natureza secreta se manteve
oculto, aqui se faz visível e sai à luz, anunciando o
advento de um mundo novo no qual a verdade será
acessível a todos os seres, como era na origem. Símbolo
de ritos e cerimônias, invertida significa a superstição e a
idolatria.

DIREITA INVERTIDA
Revelações - Anúncios Falso espiritualismo - Bulha
Despertar - Realização Ruídos - Propaganda - Escânda-
Coisas esperadas que chegam los - Dificuldade na realização
União - Realidade Impossibilidade de obter a união
Coisas ocultas Superstição - Fanfarronice
O oculto que aflora Espiritismo - Satanismo - "Ritos"
Perfeição - Misticismo Obscurantismo - Idolatria - Fei-
Chamados - Sinais tiçaria - Bruxaria - "Misticismo"
Integridade - Ritos Malefícios - Fantasmas
97

CABALA

A Cabala dá fundamental importância à aparente contradição entre a transcendência infinita de Deus e sua
presença imanente na terra. Em sua transcendência, o Supremo não pode ser compreendido nem conhecido;
sua imanência, sua criação deste mundo e sua habitação nele, é explicada pela Cabala, como estivemos
vendo ao longo deste manual, por uma série de emanações sucessivas que constituem o cosmos e a Árvore
da Vida Sefirótica, ou seja, os atributos divinos conformando o Universo.

Mas essas emanações, ensina a Cabala, foram por sua vez originadas pela Tsim Tsum. Para fazer lugar à
criação, Deus se retira e deixa um espaço descoberto, no qual brilha um pequeno ponto luminoso, a
concentração da luz divina que fará possível a primeira emanação, Kether, e dali no mais, o fluxo
permanente das emanações criativas e reveladoras. Esta é a teoria (no sentido etimológico do termo) da
Tsim Tsum cabalística. Uma "contração" no espaço interno da deidade, que ao se retirar deixa um resíduo de
si (reshimu), que se converte por dilatação em sua força expansiva e criadora, e as emanações que dela se
desprendem são as que explicam a criação inteira, o desdobramento do manifestado, e portanto a presença
de Deus no Mundo, a imanência divina.

98
ASTROLOGIA

Como já sabemos, há três signos zodiacais atribuídos a cada um dos elementos, ou seja: fogo, terra, ar, água.
Assim ao fogo correspondem os signos de Áries, Leão e Sagitário; à terra, Touro, Virgem e Capricórnio; ao
ar, Gêmeos, Libra e Aquário; e à água, Câncer, Escorpião e Peixes, como se pode apreciar na preciosa
gravura logo abaixo.

fig. 21

Algumas especulações astrológicas e herméticas consideram que os signos zodiacais correspondentes a um


elemento se dividem por sua vez em três tipos de energias ou cargas energéticas: positiva, negativa e neutra;
assim, por exemplo, dos três signos zodiacais associados ao fogo, Áries seria o positivo, Leão o negativo ou
passivo e Sagitário o neutro. Damos a seguir uma tabela dos signos, sua vinculação com o elemento e sua
carga energética dentro desse mesmo elemento.

Áries Fogo Ativa Libra Ar Ativa


Touro Terra Passiva Escorpião Água Passiva
Gêmeos Ar Neutra Sagitário Fogo Neutra
Câncer Água Ativa Capricórnio Terra Ativa
Leão Fogo Passiva Aquário Ar Passiva
Virgem Terra Neutra Peixes Água Neutra

Ver-se-á então nos signos da terra que Touro é passivo com relação a Capricórnio, que é ativo, enquanto que
Virgem aparece como neutro; igualmente nos de ar, Libra é ativo, Aquário é passivo e Gêmeos neutro. O
mesmo nos de água aonde Câncer exerce como energia ativa, Escorpião como passiva e Peixes como
energia neutra.
99

A CONFUSÃO ENTRE METAFÍSICA E ASCETISMO:

Muitas pessoas sofrem um pecado que é preciso esclarecer, que pode ser a raiz de muitíssimos outros
males, e que, inclusive, seja-lhes um impedimento para sua realização. Este equívoco trata-se da tremenda
limitação de compreender o sagrado tão só como santidade, e portanto como algo inalcançável do qual só
são dignos aqueles poucos escolhidos completamente fora de série, chamados "Santos" (sejam de uma ou de
outra tradição, em particular se o demonstraram com fenômenos, milagres ou questões paranormais), com
toda a carga devota, piedosa, beata e supersticiosa que essa idéia traz aparelhada. Estes Santos ou santarrões
–e melhor seria se fossem ascetas– seriam os autênticos "mestres" e não os sábios ou os guerreiros e menos
ainda os artistas ou comerciantes, que certamente são apreciados, e até respeitados, mas aos quais não lhes
dá uma categoria mais que secundária –quase profana– pelo fato de que, em última instância, estas pessoas
às quais estamos nos referindo associam "espiritualidade" exclusivamente com "santidade", e até com
castidade e outras coisas piores, ou seja: com o "religioso" e com o "moral", e não com o metafísico.

Quer-se deixar assentado que as vias de realização espiritual são várias, e distintos os caminhos que a ela
levam. E não só são diferentes as formas tradicionais mas também dentro de cada uma delas há caminhos
diferentes de iniciação. Este manual nos dá numerosos exemplos disso. O que interessa é a realização do
Conhecimento e a obtenção da Sabedoria, o que não exclui o emocional, nem nenhuma outra experiência
encaminhada a esse fim, e tampouco se opõe ao "religioso", e menos ainda ao moral, sempre e quando
estes conceitos não pretendam usurpar o território do metafísico e tratar de reduzi-lo, no melhor dos casos,
a um mero "misticismo" e, no pior, a uma moral baseada em certas normas de conduta convencionais que
são julgadas oficialmente como "boas". Normas que dariam sua aprovação hipotética ao que se deve
entender por sagrado de acordo a parâmetros que esta fixa, baseada na dissimulação derivada do engano
de pretender conhecer o sagrado, quando na realidade ele é suplantado pelo religioso e pelo moral e, por
desconhecimento, identificado sempre com a "santidade" ou com o "ascetismo", os quais são apenas alguns
dos caminhos, quando o são, na viagem do Conhecimento.

100

TARÔ

XXI — O MUNDO: Esta é a carta do mundo


novo que desce do céu à terra (ver Apocalipse
XXI). Todo o ciclo concluiu e a obra criacional foi
finalmente coroada. Uma mulher, que faz com
suas pernas o sinal da cruz, encontra-se rodeada de
uma grinalda e de quatro figuras nas esquinas, que
representam aos evangelistas, e dos elementos e
signos zodiacais que lhes correspondem. O touro é
o elemento terra e o signo astrológico de Touro; o
homem -ou anjo- é o ar e o de Aquário; a águia, a
água e Escorpião; e finalmente o leão, o fogo e
Leão. O umbigo da mulher é o omphalos do
mundo, quintessência, centro e síntese de toda a
criação. Assim como esta carta direita é
extremamente favorável, em sentido invertido é
muito adversa, indicando as energias próprias do
mundo velho e as forças contrárias que nos
impedem a realização.
DIREITA INVERTIDA
Fim de todo o ciclo – Meta Impossibilidade de chegar à
Coroação da obra meta - Adversidade - Forças
Êxtase - Glória contrárias - Desorientação
Segurança - Apoteose Falta de iniciativa
Perfeição Impossibilidade fatal
Recompensa - Êxito completo Projetos que nunca se
Sentido - Verticalidade realizam - Caminho equivocado
Outro mundo Mundo velho
Circunstâncias favoráveis Multiplicidade - Indisposição
Irredutibilidade - Centro Acontecimentos
Síntese - Boas notícias desagradáveis - Detenção
Chegada a bom termo Trocar-se por ninharias
101

OS CICLOS E OS RITMOS

Pusemos ênfase reiteradamente na necessidade de perceber o tempo não em forma linear –que é a ordinária–
mas sim de modo circular, ou cíclico, que nos permita ampliar nossa visão. Ainda mais, recomendamos
simbolizá-lo em forma de espira, ou como uma dupla espiral, que nos faça perceber seu movimento do
centro à periferia, e desta novamente à unidade. As tradições antigas assim conceberam o universo: como o
resultado de uma "explosão" (produzida por um som ou verbo) de uma minúscula partícula de energia, que
continha dentro de si todas as possibilidades latentes desse universo. A partir desse fato original, o mundo se
expande até seus próprios limites, chegando a um ponto em que finalmente "o tempo se detém" para
empreender um percurso em sentido inverso, contraindo-se, em busca novamente da origem central, do qual
"explode" novamente. Na verdade, da perspectiva desse mesmo centro, que é eterno, esse duplo movimento
é simultâneo e sempre presente, e é nesse ponto onde devemos tratar de nos localizar quando fizermos
nossas meditações a respeito.

O nascimento e a expansão até chegar ao limite, e seu retorno ou contração na origem, também percebida
como uma morte ou novo nascimento, é uma lei natural que regula não só o universo como um todo, mas
também qualquer ser ou manifestação particular. A célula, a molécula, cada entidade dos variados gêneros
da natureza, o homem, as civilizações, a terra, o sistema solar, a galáxia etc., são uma unidade em perpétua
harmonia e ritmo. Cada qual em sua própria dimensão vive ciclos quaternários que se expressam claramente
nas fases do dia e da lua, as estações do ano, as etapas da vida do homem, dos animais e das plantas, todos
os ritmos da natureza e da história, e, em termos mais amplos, os do cosmos, no qual os antigos puderam
conceber –e calcular– as grandes eras.

Os ciclos astronômicos, como sabemos, são enormes; mas dentro desses ciclos estão inseridos outros
menores, que por sua vez contêm outros, e assim sucessivamente, até chegar aos menores. Veremos, logo,
dois destes períodos que tomaremos como "módulo" para entrar no tema do que a tradição chamou "as
quatro idades da humanidade".

102

ANGEOLOGIA I
É pela intermediação Angélica que o Absoluto se nos faz visível. "A Deus, ninguém lhe viu jamais" diz o
texto sagrado; mas há um rosto que Deus mostra ao homem e esse é o Anjo da Face no qual repousa o
Nome Divino Supremo.

Os Anjos são o suporte dos Nomes do Inominável. São Deus e ao mesmo tempo são cognoscíveis; habitam,
ou são, as fronteiras entre o visível e o invisível, e é por isso que lhes chama mensageiros (em hebreu
Malakh).

O mundo angélico é 'Deus em função'; Deus como sujeito ativo. A criatividade divina se manifesta por seu
intermédio, determinando a diversificação dos seres que, sem se separarem de Deus, garantem a presença do
Divino na terra (Shekhinah). É por isso que sua função é teofânica.

E assim como a Geometria descreve a 'ordem da terra', a 'ordem celeste' está constituída pelo mundo
angélico e sua estrutura invisível governada pelo Metatron.

Proporções geométricas e harmonias musicais novas (equilíbrios e conjuntos de significados) são as


primeiras manifestações perceptíveis ao homem que toma contato com seu ser essencial: com seu anjo. Um
Anjo é a realidade essencial de qualquer ser, ou seja, seu 'sendo' em seu grau mais elevado; e é por isso que
se pode falar do anjo de uma paisagem ou de qualquer obra criativa. "Teu Senhor Divino e pessoal, é teu
Anjo pelo qual Deus te fala de boca para ouvido"; é também o nome próprio e o 'aroma', a 'melodia' pessoal.

Os Arcanjos, como arquétipos que são, habitam o mundo beriyáhtico (ou plano da Criação) no qual se
desenvolve o primeiro capítulo do Gênesis. A denominação de 'anjo', embora seja genérica, dá-se aos
espíritos revestidos de roupagem formal que habitam o plano de Yetsirah (ou Mundo das Formações).

Os quatro arcanjos que são mencionados costumeiramente (Miguel, Rafael, Gabriel e Uriel) surgem de e são
mobilizados pelo Verbo criador, para levar a cabo o desdobramento da palavra nos quatro mundos que
fluem das quatro letras do nome de YHVH, e mantêm igualmente guardados os quatro pontos cardeais ou
"quatro campos da Shekhinah".

103

A TRADIÇÃO UNÂNIME:

Muitas vezes o leitor, com o passar do Programa, encontrou-se com a idéia de uma Tradição Unânime e
Universal que, manifestando-se por meio das culturas e civilizações, adquire distintos modos e conforma
diferentes historias particulares, apesar de que, e além da dissimilitude de seus aspectos e de uma leitura
literal e chã dos mesmos, encontra-se uma identidade essencial. Isso se deve a que essa Tradição Universal
e Unânime, que se apresenta como algo anterior e horizontal na história, é desde outro ponto de vista algo
vertical e arquetípico, que existiu e existirá para sempre, ou seja, como algo a-histórico. Nessa ordem de
realidades, a Tradição estará viva perenemente, pois se acha entretecida na própria trama da vida e é
consubstancial com o homem, amém das distintas roupagens em que se expressa, de acordo às diferentes
coordenadas e variáveis de tempo e lugar.

Um dos exemplos mais nítidos desta "coincidência" é a correlação macro-microcosmo, quer dizer, a
inversão (exterior-interior) e conjunção indissolúvel sempre presente entre o homem e o mundo, sustentada
por todas as tradições.

Esta perspectiva e convicção, que faz do homem um pequeno todo, um reflexo das energias divinas,
manifesta-se também ao longo de seu organismo físico, recipiendário e contentor das emanações cósmicas,
que se encontram potencialmente vivas em seu espaço corporal. Entretanto, deverá ter presente que as
distintas formas tradicionais, ao nos falarem destas correspondências, não se estarão referindo
exclusivamente ao corpo humano em seu nível mais denso e elementar, mas sim aos quatro planos e leituras
em que se dividem todos os seres e coisas existentes, dos quais o mero organismo físico, sua saúde e sua
musculatura, é a parte mais periférica e superficial e, portanto, quase um objeto de culto da extraviada
mentalidade contemporânea.

104

TARÔ

O LOUCO: É uma carta que não tem número,


mas se lhe atribui o 0 ou o 22, representando o
princípio e o fim. Origem do curinga ou Joker,
serve de vínculo tanto dos Arcanos Maiores
entre si, como entre estes e os Arcanos Menores.
Desprendido de todas suas posses, leva
unicamente uma pequena mochila com seus
instrumentos mágicos, e um bastão ou báculo,
que lhe serve de sustento e equilíbrio, assim
como de união entre a terra e o céu. Caminha à
borda de um abismo, e um cão -que representa
os perigos- espreita-o; mas ele vai crédulo no
Espírito, como um menino ou um "primitivo" em
estado de inocência, mantendo a abertura de sua
mente e de seu coração a possibilidades
indefinidas, recebendo assim os eflúvios
celestes. O louco não tem razão, nem pretende
demonstrá-la; embora esteja claro que não se
trata de um estado patológico mas sim de uma
loucura de amor à Vida e ao Conhecimento.

DIREITA INVERTIDA
Possibilidades indefinidas Eterno retorno
Inocência - Capacidade de Inconsciência - Multiplicidade
assombro - Caminho Caminhante sem rumo - Andar
Peregrinação - Aventura sem sentido - Sensibilidade
Desprendimento - Desapego adormecida - Anestesia
Busca do Sonho - Apegos - Ataduras
conhecimento - Busca Pessoa adormecida
da verdade - Movimento Auto-engano - Infantilidade
Abertura da mente Acreditar-se qualquer conto
Busca do Viagem sem sentido
milagroso e sem meta
105

ARITMOSOFIA

A aritmética tradicional prestava grande importância aos números "proporcionais", quer dizer, a aquelas
cifras que os caracterizavam, sem importar, salvo de forma secundária, o agregado de um ou mais zeros.
Assim os números 26.000, 2.600, 260 e 26, sendo o primeiro deles a quantidade "arredondada"
correspondente à precessão dos equinócios (ver neste Módulo, N.º 54), cuja metade é 13.000, ou seja, a
quantidade de milhares de anos do Grande Ano Caldeu e Grego. Quanto a 260, esta é a cifra do calendário
ritual centro-americano; com respeito aos 26, recordaremos que este número é a soma das letras Iod = 10,
Hé = 5, Vau = 6, e Hé = 5, componentes do sagrado Tetragramaton hebreu IHVH (o nome do Iahvé, ou
Iahveh equivalente ao do Jehová ou Jehovah), nome que por respeito, ou seja por temor de Deus, não se
pode pronunciar, a não ser tão somente se escrever, de acordo com a tradição cabalística.

De outro lado, e sempre com referência a estes números "proporcionais", assinalaremos que multiplicar por
cinco é o mesmo que dividir por dois. Ex.: O número vinte e cinco mil novecentos e vinte (correspondente
aos anos exatos da precessão equinocial) dividido entre dois, resulta doze mil novecentos e sessenta (25.920
÷ 2 = 12.960); multiplicado por cinco resulta cento e vinte e nove mil e seiscentos (25.920 x 5 = 129.600).
Só há um zero de mais. Inversamente, multiplicar por dois é igual a dividir entre cinco: (25.920 x 2 =
51.840); (25.920 ÷ 5 = 5.184). Aqui a diferença é um zero tirado à cifra-raiz numérica.

Queremos dar um exemplo de trabalho numérico, partindo da base de que se entende que os números são
sagrados e portanto nada tem que arbitrário neles, nem tampouco nas operações que com eles se efetuam,
que produzem às vezes resultados que assombram, os que a mente primitiva ou tradicional vive como
mágicos, ou carregados de uma energia especial por algum motivo. Isso se deve a que, de acordo a essa
mentalidade, tudo no universo é solidário e está unido por uma série de relações, às vezes invisíveis, pela
qual nada tem que "casual" neste mundo.

Exemplo: a prática mais simples a observar referida ao expresso anteriormente é, sem dúvida, uma
comprovação geométrica, ou seja: que o raio de um círculo divide à circunferência, sempre, em seis partes
iguais. Imagine o que é para a mentalidade tradicional esta comprovação efetuada com uma simples corda
com a qual se risca a circunferência, cuja longitude está contida seis vezes exatas no perímetro esboçado.
Sem dúvida isto obedece a uma realidade mágica, ou melhor, metafísica, e tem uma razão profunda de ser, e
não são simples dados sem nenhum sentido. Este fato é excepcional para o primitivo e esta comprovação
assombrosa aparece carregada de significados.

Podemos agora fazer uns exercícios numéricos, só com o ânimo de mostrar alguns aspectos curiosos ou
surpreendentes da cábala numérica, aritmosofia ou numerologia: se ao chamado número vinte e cinco mil
novecentos e vinte o dividimos entre dois, obtemos o doze mil novecentos e sessenta (25.920 ÷ 2 = 12.960).
Se a esse mesmo número o dividimos por cinco obtemos o cinco mil cento e oitenta e quatro (25.920 ÷ 5 =
5.184). E se somarmos este número com o mil duzentos e noventa e seis (proporcional do doze mil
novecentos e sessenta) obteremos o seis mil quatrocentos e oitenta (5.184 + 1.296 = 6.480). Se a esse
resultado o dividimos por cinco nos dá OH surpresa!, Novamente o mil duzentos e noventa e seis (6.480 ÷ 5
= 1.296). Mas o curioso deste exemplo é que o número seis mil quatrocentos e oitenta é proporcional aos
sessenta e quatro mil e oitocentos, que segundo a tradição hindu é o número correspondente ao grande ciclo
de um Manvántara, que se subdivide em quatro subciclos relacionados proporcionalmente com as quatro
idades da humanidade: a de ouro dura 25.920 anos, ou seja, a cifra da precessão equinocial ou o "ano" da
terra; a segunda, ou de prata, dura 19.440 anos; a terceira de bronze, 12.960; e a última, de ferro ou Kali
Trampa, 6.480 anos. É interessante observar que esta proporção numérica corresponde à da Tetraktys
pitagórica: 4 + 3 + 2 + 1, o que por certo dá 10 de resultado.

106

ASTROLOGIA

No N.º 84 deste mesmo Módulo, dávamos a correspondência dos signos zodiacais com respeito aos quatro
elementos, e ao mesmo tempo a carga energética que cada um deles possui em relação aos outros dois
signos com os que compartilha dito elemento.

Queremos agora adicionar uma tabela de origem medieval onde se associam os signos zodiacais com as
características de determinadas pedras presentes na inteira natureza. Desejamos destacar assim a assimilação
tradicional entre a Astrologia e a Alquimia, e recordar que os metais e as pedras são a maturação das
energias dos astros e estrelas sobre a face da terra, e Analogicamente compartilham as mesmas propriedades
e características.

Quente e seca pedras de Áries


Fria e seca pedras de Touro
Quente e úmida pedras de Gêmeos
Fria e úmida pedras de Câncer
Quente e seca pedras de Leão
Fria e seca pedras de Virgem
Quente e úmida pedras de Libra
Fria e úmida pedras do Escorpião
Quente e seca pedras de Sagitário
Fria e seca pedras de Capricórnio
Quente e úmida pedras de Aquário
Fria e úmida pedras de Peixes

Assim por exemplo, ao signo de Escorpião correspondem trinta pedras de características frio-úmidas, cada
uma em relação com um grau desse signo e com uma estrela especial que tem poder sobre ela. Igualmente é
muito importante o planeta que rege o signo, neste caso Marte, como característica energética fundamental
de todas as pedras frias e úmidas associadas a Escorpião.

107

TARÔ: INDICAÇÕES PARA SEU USO

As cartas se batem, ou se embaralham, sobre a mesa com ambas as mãos, deslocando-as com movimento
circular, preferivelmente da direita para a esquerda, como se escreve o alfabeto hebraico (isto deve ser feito
assim para que se mesclem umas com as outras, direitas e invertidas).

As cartas devem ser cortadas, sempre, com a mão esquerda, conforme é costume.

As cartas têm que ser tiradas do maço da parte de cima, e colocadas sobre a mesa. Ao abrí-las, dever-se-á ter
a precaução de o fazer virando-as verticalmente (pegando-a, para isso, por seu extremo mais afastado) e
levando a carta para você. Este ponto é particularmente importante porque, conforme saiam as cartas nas
tiragens –quer dizer, direita ou invertida– seus significados variam completamente posto que se acham
invertidos entre si. Deve se considerar que a carta está direita ou invertida, de acordo a como se ache com
relação ao que lê a tiragem de cartas.

Envolva seu TARÔ em um pano de seda da cor de sua preferência, e dedique uma caixa especial de madeira
para guardá-lo nela.

Acreditamos que você já tem a informação necessária para começar a praticar este maravilhoso "jogo".
Entretanto, antes de começar a explicar as primeiras tiragens, queremos acrescentar algumas idéias e
recomendações que nos serão úteis para sua melhor compreensão, e conseguir dele maior proveito. Em
primeiro lugar, recordemos que o TARÔ, como todos os oráculos sagrados, foi desenhado através de
símbolos que expressam uma doutrina cosmogônica; por essa razão, recomenda-se utilizá-lo
fundamentalmente para realizar consultas doutrinais, e só em modo secundário para fazer perguntas de
ordem pessoal, as quais, de todas as maneiras, serão respondidas. Sugerimos também, muito especialmente
conseguir uma boa versão do TARÔ. Nós utilizamos, como já se viu, o TARÔ de Marselha, e este é o que
recomendamos em primeiro lugar. Ocorre com todos os livros sagrados que, algumas vezes, foram
"traduzidos" com graves enganos e sérias tergiversações, que em ocasiões até invertem o sentido original da
escritura. O mesmo aconteceu com o TARÔ, e freqüentemente nos encontramos com certas versões que
mais bem parecem ter sido realizadas para confundir, muitas das quais levam implícitas "segundas
intenções", quando não são o produto de meros fins comerciais.

É muito importante não se afastar em nenhum momento dos Princípios que se encontram implícitos nas
lâminas; às vezes, temos a tendência de ficar no sentido preditivo dos oráculos, e nos esquecermos a origem
de seus símbolos. Para isto, é recomendável recordar constantemente os significados numéricos,
geométricos, cabalísticos, astrológicos, etc., de cada carta, o que nos permitirá ter uma compreensão mais
cabal deste "Livro". Todos os símbolos sagrados transmitem também as energias dos sábios e homens de
conhecimento que neles meditaram, o que poderemos comprovar com a experiência.

Em muitas escolas que utilizaram o TARÔ como veículo iniciático, costuma-se conhecer primeiro os vinte e
dois Arcanos Maiores, antes de começar a jogar com os Menores e as Cartas da Corte. Para começar, jogue
só com os vinte e dois Maiores. Não utilize as outras cinqüenta e seis lâminas até que esteja seguro de ser
apto para isso.

PREPARAÇÃO

É recomendável guardar o TARÔ –e todos os objetos e livros sagrados– em um lugar escolhido, fora do
alcance dos profanos. É ideal, se você tiver, uma mesa especial para lê-lo –redonda ou quadrada– e que
possa cobri-la com um pano que lhe facilite o embaralhar as cartas.

É também muito conveniente que você realize um rito –ainda que seja uma simples cerimônia– quando
receber pela primeira vez seu TARÔ. Espere para abri-lo em um dia de lua nova, ou de lua cheia, e faça-o
preferivelmente em horas da noite. Acenda uma vela (fogo), um incenso (ar) e ponha uma taça com água. O
maço de cartas e a mesa simbolizarão a terra. Tire as cartas do pacote em que venham guardadas, e logo siga
os seguintes passos:

a) Limpeza das cartas: tome todo o conjunto sustentando-o firmemente entre os dedos polegares e índice da
mão direita, e sacuda-o com força por sete vezes seguidas (em forma similar a como se sacode um
termômetro para baixá-lo), pronunciando em voz alta os nomes dos sete planetas. Pode seguir a ordem dos
dias da semana: Lua, Marte, Mercúrio, Júpiter, Vênus, Saturno e o Sol.

b) Concentração e visualização: uma vez limpa as cartas, passe-as uma a uma, concentrando-se em todas as
lâminas por um momento. Cada carta é um mandala e pode servir como suporte para a meditação.

Você já está preparado para realizar sua primeira tiragem. Siga os passos e recomendações que lhe demos,
um a um, com atenção. Faça-o lenta e relaxadamente.

Em todas as ocasiões que você vá consultar o TARÔ, procure ter os objetos que lhe indicamos sobre a mesa.
Também deve realizar a limpeza das cartas cada vez que vai se fazer uma nova consulta. Como no princípio
só se utilizarão os vinte e dois Arcanos Maiores, guarde as restantes cinqüenta e seis lâminas em seu pacote.
Nas próximas tiragens, unicamente faça a limpeza e a concentração com as primeiras vinte e duas. Antes de
fazer uma nova tiragem, ponha sempre as 21 cartas numeradas em ordem de 1 a 21. A carta sem número, O
Louco, coloca-se em primeiro ou em último lugar.

Pergunta: Já limpas as cartas, e depois de se haver concentrado em cada uma delas, junte-as todas e as
ponha sobre a mesa. A pergunta feita ao TARÔ é muito importante, pois muitas vezes é ela que determina o
nível da resposta. Ponha sua mão direita sobre o maço, procurando tocar as lâminas com as polpas dos
dedos. Concentre-se bem e faça a pergunta clara e confidencialmente. Com segurança, o oráculo vai lhe
responder –possivelmente, no princípio, a níveis inconscientes–, e esta resposta deverá ser aceita como
solução ao que se pergunta. Se nas primeiras tiragens não compreende claramente o que tem o TARÔ para
lhe dizer, não se preocupe. Com a prática entenderemos cada vez melhor e retificaremos nossos enganos de
interpretação.

Como embaralhar: Uma vez formulada a pergunta, proceda a revolver as cartas em forma circular e da
direita para a esquerda (como já lhe indicamos, contra os ponteiros do relógio). Embaralhe-as bem. Saiba
que está transmitindo suas energias ao TARÔ, e que na verdade é de você mesmo de quem está saindo a
resposta. Havendo-as já revolvido pela primeira vez, junte todas as cartas em um só maço e as ponha com as
ilustrações para baixo sobre a mesa. Corte-as em três grupos com a mão esquerda e as junte de novo
procurando que fiquem em posição diferente de como estavam antes de cortar. Faça o mesmo um total de
três vezes, embaralhando e cortando cada vez. Logo depois de ter cortado e juntado as cartas pela terceira
vez, ponha-as no centro da mesa. Você já está preparado para fazer a tiragem.

Tiradas ou tiragens: Até este ponto, a cerimônia é sempre a mesma. Procure repetí-la de igual forma,
porque a reiteração do rito lhe outorgará cada vez maior força e vigor. Daqui em diante o que varia é a
forma de colocar as cartas, ou seja, as diferentes tiragens ou tiradas. Há muitas maneiras de fazê-lo, e todas
elas têm em sua estrutura figuras geométricas. Se dissemos que cada carta é um mandala, devemos
mencionar que cada forma de as colocar em uma tiragem também o é.

Indicar-lhe-emos a seguir como fazer algumas tiragens, para que comece a praticar. Recorde que estes
trabalhos estimulam a paciência e a perseverança. Estamos aprendendo uma nova linguagem com a qual,
pouco a pouco, iremos nos familiarizando. De momento, abramos nosso coração e permitamos que o TARÔ
nos transmita sua luz.

A TIRAGEM DA CRUZ

A tiragem da cruz é a mais simples de todas e por sua vez a mais sintética, e possivelmente a mais perfeita.
É excelente para começar a aprender o TARÔ, e nos será sempre útil quando quisermos obter uma resposta
clara e concisa.

1) Como se realiza a tiragem:

a) Coloque 4 cartas para baixo, fazendo uma cruz, pondo-as na ordem que se mostra, começando pela de
cima.

b) Abra-as uma a uma, como lhe indicamos, virando a carta verticalmente e para você.

c) A carta central, ou quintessência, é obtida somando os números das quatro cartas que saíram. Se a soma
der 22 ou menos, tire a carta que tenha o número resultante e ponha-a no centro da cruz, como se dirá. Se
soma mais de 22, faça a redução numérica, obtendo assim a carta central. Se a soma desse, por exemplo, 68
(20+17+21+10 = 68 = 6+8 = 14), coloca-se a carta número 14 no meio. Se a carta "O Louco" –à que se
atribui valor zero ou 22– sair entre as quatro primeiras, tomará por zero, ou seja, não se somará. Mas se a
soma das quatro dá 22, deve-se pôr "O Louco" no meio.

d) A carta central se coloca direita ou invertida, segundo a posição das outras quatro cartas. Se a maioria (3
ou 4 cartas) está direita, coloca-se a quinta dessa maneira. Se a maioria sair invertida, assim se colocará a
central. Se saírem duas direitas e duas invertidas, deverá colocar a quinta deitada horizontalmente e ler de
ambas as maneiras.

Se a soma das quatro cartas desse por resultado o número de alguma que já tenha saído, isto significa que o
oráculo se nega a responder. (Exemplo: se saíssem as carta números 7, 13, 11 e 3, a soma nos daria 34, que
se reduz 3+4 = 7, e este número 7 já está fora). Neste caso junte as cartas, volte a fazer a pergunta, baralhe e
corte uma vez mais, e tente de novo. Se chegar a se negar outra vez, prove uma última oportunidade. Se isto
ocorrer por três vezes seguidas, indica que o oráculo se nega a responder definitivamente. Essa negativa já é
uma resposta. Guarde seu TARÔ para outra ocasião.

2) Como se interpreta:

a) A carta da esquerda, que colocamos no número 2, indica as energias que se encontram favoráveis ao
consulente; aquelas que lhe beneficiam e que lhe convém atrair.

b) A da direita (N° 4), assinala as energias que se acham em oposição e que deve temer e rechaçar. Acontece
muito freqüentemente que uma carta invertida sai favorável, ou que uma direita apareça em posição
contrária. Este é um dos paradoxos –tão próprios dos oráculos e livros sagrados– que devemos aprender a
compreender. Salvar estas contradições é parte importante do trabalho.

c) A carta de cima (N° 1) é uma síntese das duas anteriores –tese e antítese– e se deve compreender
relacionada com elas. Por sua vez, as duas primeiras serão mais claras à luz desta terceira.

d) A de baixo (N° 3) é o conselho que dá o TARÔ ao consulente a respeito da pergunta formulada. Também
pode se dar o paradoxo de que, no conselho, saia uma carta invertida.

e) A carta do centro (N° 5) é a síntese de toda a resposta. Está influenciada pelas quatro exteriores e, por sua
vez, exerce influência sobre elas.

Devemos nos acostumar a ler as cartas relacionando-as umas com outras, e não isoladamente. Também
devemos saber que nem todos os significados dados a cada arcano são aplicáveis à totalidade das perguntas.
Se assim fizéssemos, estaríamos realizando uma leitura literal que jamais nos permitiria captar o que o
TARÔ nos está transmitindo. Embora convenha estudar, e até memorizar, as distintas acepções de cada uma
das cartas, o mais importante é despertar pouco a pouco a intuição, para poder reconhecer a que estão se
referindo. As significações que demos variam segundo a ocasião, ajustando-se à pergunta formulada, e de
acordo às relações das cartas entre si. Pouco a pouco, captaremos o "sentido" dos arcanos, que está além da
soma de seus significados. Na leitura do TARÔ nada deve ser considerado como "fixo". Uma carta, que em
determinadas circunstância nos diz uma coisa, pode nos dizer algo distinto em diversas situação ou desde
outro ponto de vista. O artista do TARÔ não simplifica nem reduz sua perspectiva.

Recordemos além que o TARÔ é tão somente um veículo, ao qual nunca deveremos confundir com a meta a
que nos conduz. Também saibamos que as respostas destes oráculos não devem ser tomadas como um
predeterminismo, nem devemos entender as indicações que obtenhamos para o futuro como algo que
necessariamente ocorrerá. O TARÔ –como acontece também com a Astrologia e com os influxos
planetários– dá-nos certas pautas a respeito das influências que as energias invisíveis exercem sobre nós.
Possivelmente, o desconhecimento delas –ou sua simples negação, por ignorância– faz com que certamente
nos determinem; mas o conhecê-las através do oráculo permite nos liberar daquelas que impedem nossos
crescimento e realização espiritual, e aproveitar melhor as que nos beneficiam.

A TIRAGEM DO ARCO
A tiragem da cruz se refere sempre ao presente. Esta outra forma de colocar as cartas nos permite observar,
além disso, o passado e o futuro. É chamada também "tiragem do sim e do não", porque as cartas que saem
direitas são consideradas afirmativas, e as invertidas, negativas.

l) Como se realiza a tiragem:

Coloque as cartas, sempre para baixo, na ordem que se mostra:

2) Como se interpreta:

As três primeiras cartas se referem ao passado, sendo a N° l o passado mais remoto (a origem da situação
pela qual se pergunta), a N° 2 o passado intermédio e a N° 3 o passado imediato, intimamente ligado com o
presente. A N° 4 é o presente, síntese de toda a tiragem. E as três últimas se referirão ao futuro, da mesma
maneira, isto é, a N° 5 ao imediato, a N° 6 ao intermédio e a N° 7 ao remoto.

Se a tiragem da cruz pode ser vista como uma radiografia ou uma fotografia do presente, esta deve ser lida
mais horizontalmente, como se fora um filme cinematográfico em que uma imagem vai se sobrepondo à
outra, sucessivamente, a anterior influenciando à seguinte, tal qual acontece com a ritualidade do carma.

A TIRAGEM DO ARCO E DA CRUZ

Você pode fazer as duas tiragens explicadas anteriormente de maneira simultânea, colocando-as na seguinte
ordem. São lidas em interação umas com as outras:

TIRAGEM DA ESPIRAL

Esta tiragem leva esse nome pela ordem em que se colocam as cartas, tal como se pode observar no
diagrama. Sua estrutura é o quadrado de 4, chamado também "quadrado mágico de Júpiter". Esta é uma
forma muito completa de tirar as cartas, pois permite diversos modos de interpretação que podem ser feitos
sucessiva ou simultaneamente.

Uma vez realizada a cerimônia, tal como se explicou, coloque as cartas na seguinte ordem:
As 12 primeiras cartas, que ficam colocadas na parte de fora do quadrado, indicam os aspectos mais
exteriores da resposta; as cartas colocadas nos locais 13 a 16 se referem aos mais interiores e ocultos. Divida
o quadrado geral em 4 pequenos quadrados de 4 cartas cada um, e interprete a resposta da seguinte maneira:
a carta situada no posto 13, estará intimamente ligada com a 12, a 1 e a 2; a 14, com as 3, 4 e 5; a 15, com as
6, 7 e 8, e a 16 com as 9, 10 e 11. Isto quer dizer que as energias simbolizadas pelas cartas de dentro,
influem nas de fora que, por sua vez, se vêem influenciadas por estas.

As cartas localizadas nas casas de 1 a 4 se referem ao passado, sendo a 1, ao mais remoto; a 2, ao


intermédio; a 3, ao passado imediato, e a 4, ao ponto de intercessão com o presente, ao que também se
referem as posições 5, 6 e 7. As numerada de 7 a 10 correspondem ao futuro, do mais imediato até o mais
remoto. E as 11 e 12 constituem a síntese da tiragem, que freqüentemente é contraditória, pois saem cartas
que indicam aspectos opostos e complementares da resposta.

Também soe fazer-se outra interpretação desta mesma tiragem, vendo nas 4 linhas horizontais da mesma aos
4 níveis ou planos do Árvore Sefirótica, assim: as casas 4, 3, 2 e 1 se referem ao Mundo de Atsiluth; as
numeradas 5, 14, 13 e 12, a Beriyah; as 6, 15, 16 e 11, a Yetsirah; e, finalmente, as 7, 8, 9 e 10, a Asiyah.

Como vemos, a mesma tiragem nos pode servir para fazer uma interpretação no tempo sucessivo, e também
para obter uma resposta do presente em profundidade. A esta tiragem, como as que lhe seguem, podem
acrescentar os Arcanos Menores, à medida que se compreendam seus significados.

TIRAGEM ASTROLÓGICA

Esta tiragem tem uma estrutura similar à anterior, mas em forma circular, servindo, neste caso, como base o
símbolo do Zodíaco. Soe empregar-se esta forma de colocar as cartas para investigar a respeito de um ciclo
completo, seja pequeno, como um ciclo diário, ou maior, como o do ano, ou para observar ciclos históricos
ou até ciclos cósmicos.

Alguns recomendam fazê-la no dia do aniversário de uma pessoa, ou no primeiro dia do ano, ou nos dias
dos solstícios ou dos equinócios.

Embora neste caso a resposta se referirá às distintas influencias no tempo sucessivo, diz-se que todas as
leituras do TARÔ têm que se referir sempre ao presente, vendo pois o passado e o futuro da perspectiva do
agora.

Coloque as cartas na ordem que se indica logo a seguir, determinando previamente a magnitude do ciclo que
quer investigar e o tempo ao qual se referirá cada uma das cartas:
Como na tiragem anterior, as 12 cartas que ficam colocadas fora se referem a aspectos exteriores, e as 5 de
dentro aos mais interiores, estando igualmente a casa 13 ligada às numero 12, 1 e 2; o 14, às 3, 4 e 5; a 15,
às 6, 7 e 8; e a 16, às 9, 10 e 11. Neste caso a carta 17 será a síntese da tiragem, e deverá ser lida no direito e
no invertido, na mesma proporção em que tenham saído as outras 16 cartas, direitas ou invertidas.

Esta tiragem se presta também para fazer diversas especulações e cálculos referentes aos simbolismos
astrológicos, atribuindo-se a cada uma das 12 cartas exteriores, os 12 signos zodiacais; as 4 cartas da cruz
interior corresponderão aos solstícios e aos equinócios, e a 17 e última será o centro, síntese e quintessência
imóvel da roda cósmica. Recorde-se que a esta tiragem podem ser adicionados Arcanos Menores, uma vez
que se compreenda seu sentido.

A TIRAGEM DAS CASAS ASTROLÓGICAS

Assim como o zodíaco, em seu ciclo anual, divide-se em doze signos mensais, se o virmos em um ciclo
diário, a roda zodiacal fará também um percurso aparente completo ao girar a Terra ao redor de seu próprio
eixo. Alguns astrólogos consideram que, durante as vinte e quatro horas que seguem ao nascimento de uma
pessoa, refletir-se-á toda sua vida. Para fazer as observações, dividem a roda do zodíaco em doze Casas e
fazem corresponder duas horas a cada uma delas. Isto determinará o signo ascendente e descendente do
indivíduo e diversos aspectos de sua personalidade.

Estas doze casas são:

I. Vita: é a casa do nascimento que indica as particularidades, tendências, talentos e potencialidades do


indivíduo.

II. Lucrum: refere-se ao plano material, aos bens, riquezas e aquisições, assim como à alimentação e ao
mundo físico.

III. Frates: casa dos irmãos, e também da educação, da instrução e da adaptação ao meio. Relaciona-se com
viagens menores.

IV. Genitor: é a casa dos pais e das características herdadas do meio familiar e social. Refere-se também ao
patriotismo e às sucessões.

V. Filii: esta casa está relacionada com os filhos, e em geral com o que o indivíduo produz, cria e engendra.

VI. Valetudo: casa dos súditos, dos escravos e dos animais domésticos, é também do trabalho, dos deveres e
das obrigações.

VII. Uxor: refere-se ao matrimônio, aos afetos e às uniões, e também às alianças e às associações.
VIII. Mors: é a casa da morte e das grandes transformações. É também da decomposição e da putrefação.

IX. Peregrinationes: casa das peregrinações e grandes viagens, está relacionada com a espiritualidade, com
a filosofia, a religião e o mistério.

X. Regnum, Honores: relaciona-se com os objetivos, as dignidades e a glória, assim como com a profissão,
as ambições e as recompensas.

XI. Amici benefacta: casa dos amigos, benfeitores e admiradores.

XII. Inimici: nesta casa se vêem os inimigos ocultos, a prisão, o exílio, assim como as enfermidades,
debilidades e doenças.

Queremos apresentar a seguir uma tiragem diretamente vinculada com estas casas ou mansões astrológicas.

Depois de realizar os ritos próprios de qualquer tiragem já explicados, coloque doze cartas intimamente
vinculadas com as casas zodiacais, nos seguintes postos, desta forma:

Deve ler o significado de cada carta que sai relacionado com os sentidos atribuídos a cada casa. Ou seja, que
têm que se combinar, para a interpretação, os símbolos das cartas em relação às doze mansões, que
permanecem fixas e inalteráveis quanto a seus valores. Podem-se mesclar os arcanos maiores e os menores
nesta tiragem, assim como utilizar exclusivamente os maiores.

A TIRAGEM DA ÁRVORE DA VIDA

Esta tiragem é especialmente adequada para estabelecer relações, principalmente se já tivemos práticas com
a Árvore Sefirótica e estamos bem familiarizados com ela.

Coloque as cartas na ordem que se indica, que é o mesmo da Árvore da Vida da Cabala:

Observe as diferentes cartas que tenham saído em cada uma das sefiroth, e estabeleça as correspondências.
Isto lhe permitirá inter-relacionar umas com as outras, pois cada carta, como vimos, corresponde também a
uma delas [N.T. sephirah], e seu simbolismo nos ajudará a compreendê-la melhor.
Costuma-se realizar esta tiragem para fazer uma análise do momento presente e, muito freqüentemente, para
nos observar internamente nas diferentes fases de nosso processo. Para esses efeitos, divida a Árvore nos
quatro planos –conforme o vimos– e relacione especialmente as cartas que se encontram em cada um deles,
o que lhe permitirá conhecer sua realidade oculta nos diversos níveis do ser.

Podem ser tirados, também, dois percursos da Árvore da Vida, um de cima para baixo e o outro de baixo
para cima, observando neste caso as energias descendentes e ascendentes.

Também, se a pergunta assim o requerer, pode se corresponder uma destas Árvores ao passado e a outra ao
futuro, embora, como sempre, vendo-as da perspectiva do presente.

As cartas do TARÔ podem ser visualizadas, conforme o comprovamos, desde muito diferentes pontos de
vista. Como elas expressam, a sua maneira, uma cosmogonia, constituem um pantáculo, ou pequeno todo,
capaz de nos fazer compreender o macro e o microcósmico expressando-se em uma perfeita harmonia. O
dito sobre o TARÔ, deve ser entendido –como já o terá observado o leitor atento– em relação com toda a
informação que demos. Os temas tratados constituem uma unidade, e estão entretecidos de tal maneira, que
as mesmas idéias vão sendo expressas através de diversos símbolos, obtendo-se sua compreensão e vivência
pela reiteração ritual que com o estudo, a meditação e as práticas que sugerimos, vai realizando no interior
da consciência de cada um. As cartas cumprem a função de evocar pensamentos e relações que despertam a
inteligência, e também a de nos recordar –graças ao estímulo visual do símbolo– as idéias que estão nelas
contidas. Fizemos especial ênfase nas relações dos arcanos com a Árvore da Vida Sefirótica, pois esta
constitui sua estrutura essencial e invisível, e nos permite conectar as cartas com os princípios da
Numerologia, da Astrologia e da Alquimia, e todas as demais artes e ciências sagradas, gnósticas e
herméticas, como uma unidade, em forma global.

Recordemos que o TARÔ é um livro sagrado, e que além disso é um oráculo e, à vez um magnífico
conselheiro. É por meio da prática, e sempre tratando de encará-lo no nível mais alto, que descobriremos
suas múltiplas virtudes. As idéias e relações expressas a respeito de cada um dos arcanos, são só chaves que
o estudante deverá utilizar por si mesmo, abrindo com elas as portas do entendimento. Sendo suas
possibilidades virtualmente ilimitadas, aos interessados corresponderá a tarefa de desenvolvê-las e de
ampliá-las, o que redundará –estamos seguros– numa melhor compreensão e realização do trabalho interno
que toca a cada um, segundo suas possibilidades. "Conhece-te a ti mesmo".

108
MEMORANDUM

A disciplina fortalece o caráter e preludia a fecundação e a realização espiritual. O abandono do meio e a


mais profunda solidão se fazem necessários, até se tornarem imprescindíveis em determinados momentos,
onde o silêncio é autêntico refúgio e o isolamento, protetor castelo interior. Para isso, então, já se advertiu a
impostura de considerar à solidão como um tabu angustiante, ou como a ausência de uma "felicidade" (tão
inexistente como cobiçada); mas, pelo contrário, [deve se considerar a solidão] como a predecessora de um
mundo encantado de imagens mágicas, de sombras e luzes da memória do universo, refletidas no cenário da
consciência. (Tudo isto é algo novo, ou simplesmente estava aqui e não fomos capazes de vê-lo porque
tínhamos uma descrição diferente e equivocada da vida?).

Mas, a par de descobrir estas maravilhas, o aprendiz observará que o meio tratará de marginalizá-lo, talvez
em proporção direta com seu interesse em fazer partícipes aos outros, indiscriminadamente, do real
conteúdo espiritual de suas novas experiências, achados e conhecimentos. Motivo pelo que o silêncio, não
só como disciplina, mas como norma efetiva e prática de comportamento, foi sempre recomendado no
trabalho hermético. Isto choca com a necessidade de expressar a doutrina na época em que vivemos, onde se
converteu em um algo quase imprescindível dada a ausência de vozes que se elevam para fazer conhecer,
difundir e defender a ciência sagrada, virtualmente esquecida pelo homem de hoje, e desconhecida pela
maior parte dos contemporâneos.
Por outra parte deve se destacar que às vezes os neófitos, sumidos em seus profundos trabalhos de
realização metafísica, mágica e espiritual, esquecem o exilados que estão nesta terra, e podem chegar a
acreditar que os demais, que todo mundo, participa da realidade de suas crenças, quando isto obviamente
não é assim mas, pelo contrário, muitas das coisas ligadas à Tradição são olhadas pelo mundo moderno com
um ódio revulsivo, uma repugnância irracional, ou um desprezo olímpico, tão exatamente invertidas estão as
coisas entre o mundo sagrado e o profano, entre o Conhecimento e a ignorância.

INTRODUÇÃO À CIÊNCIA SAGRADA


Programa Agartha
MÓDULO III

TARÔ

As 16 cartas chamadas "da Corte", somadas aos 22 Arcanos Maiores e os 40 Menores, completam os 78
arcanos do Tarô.

A estrutura destas dezesseis cartas está em relação com o quadrado de quatro (4 x 4 = 16), símbolo que foi
venerado na Antigüidade, particularmente entre os pitagóricos.

Este grupo de lâminas está constituído por 4 figuras: Rei, Rainha, Cavaleiro –ou Cavalo– e Pajem que se
repetem em cada um dos 4 naipes do baralho.

Já dissemos que estes naipes ou cores –Paus, Espadas, Copas e Ouros– correspondem-se de modo preciso
com os 4 mundos ou planos da Árvore da Vida: Atsiluth, Beriyah, Yetsirah e Asiyah, e portanto também
com os respectivos elementos (fogo, ar, água e terra) que, segundo estudamos, estão vinculados de modo
geral com quatro estados do ser (espírito, alma superior, alma inferior e corpo).

Cada uma das figuras da corte se faz corresponder também a um elemento e a um mundo: o Rei ao mundo
do fogo e do espírito; a Rainha, relacionada com o ar, à alma superior; o Cavaleiro (água) à alma inferior; e
o Pajem se localiza no mundo material, figurado pelo elemento terra.

Estes quatro mundos, planos, estados ou níveis, não estão separados, mas constituem uma unidade e,
portanto, são inter-relacionados intimamente até o ponto de, como explicamos, em cada plano da Árvore da
Vida se achar uma Árvore inteira com seus quatro mundos.

Os 16 Arcanos da Corte nos levam ao conhecimento dessas relações que têm os 4 elementos entre si, de
modo semelhante a como o faz também a Astrologia e alguns outros oráculos como o I Ching.

Para compreender melhor como se estabelecem ditas relações utilizando estes arcanos, poremos dois
exemplos: o Rei de Copas estabelece um vínculo entre o mundo do espírito (Rei) e o psiquismo inferior
(copas). Segundo a linguagem cabalística que temos utilizado, poderíamos chamar esta carta de "Atsiluth em
Yetsirah", já que relaciona o fogo (Rei) com a água (copas), e nos pode ajudar a decifrar a influência do
espírito em nosso psiquismo individual; outro: um Pajem de Espadas (Asiyah em Beriyah), estar-se-á
referindo, pois, à relação do mundo material com os arquétipos puros da criação, ou seja, da terra com o ar;
desta maneira, cada uma das 16 Cartas da Corte se vinculará então a 2 elementos e dois mundos, vendo-se
também nelas as influências que um plano exerce em outro.

As Cartas da Corte são também (como os elementos e os mundos) o símbolo da hierarquia quaternária que
rege e ordena o universo, a natureza, as sociedades e os homens. Disse-se que estas últimas 16 cartas
respondem a um quaternário referente ao que a tradição indiana entende pelas castas, inclusive as
relacionando com a influência e o poder que essas castas têm no devir histórico. Desde esse ângulo de visão,
os reis corresponderiam aos sacerdotes (ou imperadores-sacerdotes), as rainhas à nobreza e aristocracia, os
cavaleiros à burguesia comercial, política e administrativa, e os pajens aos camponeses, peões, funcionários
e pessoal de serviço. Conquanto essas divisões existem, e são fundamentalmente espirituais e simbólicas,
nada têm que ver com as concepções atuais de classe, baseadas no econômico, cultural ou racial. Desde faz
muitos séculos os filhos de um mesmo casal podem pertencer a castas espirituais diferentes.

AS QUATRO IDADES

Para a tradição indiana, "de cada poro de Brahma brota um universo a cada instante", e um ciclo de vida de
um universo é chamado Kalpa, ao qual se representa como uma respiração desse Ser invisível. Um Kalpa
está por sua vez dividido em quatorze Manvántaras, sendo cada um destes últimos um ciclo humano
completo de existência, ou um “dia” da terra, o qual por sua vez é subdividido em quatro yugas, ou sub-
ciclos, tal como às quatro idades dos gregos.

Podemos encontrar nas mitologias dos povos a recordação de um tempo primordial; um paraíso perdido –ou
Idade de Ouro– na qual o homem vivia em perfeita harmonia com o cosmos e a natureza, em “estado de
graça” e perene presença do Espírito. Nesse illo tempore, que os indianos denominam Satya Yuga, os
homens se identificavam com os deuses, e a verdade, como a montanha, era visível para todos. Foi desses
antepassados míticos que a humanidade herdou a cultura verdadeira e os valores espirituais mais elevados.
No entanto, em razão das leis cíclicas, esse tempo foi seguido por outras idades, cada vez mais restringidas,
nas quais se foi perdendo, pouco a pouco, o estado virginal das origens, os deuses caíram e a verdade teve
que se ocultar no interior da caverna, no mundo subterrâneo, e revelar-se unicamente a uns poucos.

À Idade de Ouro ou Satya Yuga, seguiu uma de Prata ou Treta Yuga; depois veio a de Bronze ou Dvapara
Yuga; e finalmente a de Ferro ou Kali Yuga que, segundo dados astrológicos tradicionais, está a ponto de
chegar a seu fim.

Observemos agora dois ciclos: um, o de 25.920 anos, ao qual nos referimos no Módulo II, título 54; o outro,
mais amplo, de 64.800 anos, relacionado numericamente com aquele. Uma maneira de vê-los é divididos
em quatro partes iguais, em cujo caso a cada uma das fases do primeiro seria de 6.480 anos e as do segundo
de 16.200. Mas outra forma tradicional de subdividir estes ciclos, que nos dá outra perspectiva sobre os
mesmos, é a qual obtemos utilizando a lei da Tetraktys pitagórica (10 = 1 + 2 + 3 + 4), em cujo caso se
atribui a cada uma das idades os seguintes números:

10 = Ciclo de: 25.920 anos 64.800 anos


4+ Satya Yuga = 10.368 + 25.920 +
3+ Treta Yuga = 7.776 + 19.440 +
2+ Dvapara Yuga = 5.184 + 12.960 +
1 Kali Yuga = 2.592 = 6.480 =
25.920 64.800

Por isso, desde o ponto de vista do primeiro ciclo pode se ver o começo do Kali Yuga numa data muito
próxima ao século VI a.C. (faz 2.592 anos), enquanto desde a perspectiva do segundo esse começo se
remontaria a 6.480 anos antes do fim de ciclo. Em todo caso é notável observar que os dados da tradição nos
mostram que ambos os ciclos estão chegando a seu final, e que nos encontramos num ponto de transição,
fato que a sua vez anuncia o advento de uma nova Idade.
3

ARITMOSOFIA

As Magnitudes Lineares e Suas Proporções. As civilizações do Extremo Oriente e as pré-colombianas


tomaram o número cinco como seu modelo matemático. Os pitagóricos o fizeram com o número dez. Isto
supõe uma perfeita concordância já que o cinco corresponde ao módulo dos dedos de uma mão e o dez ao
das duas. A mão, ou as duas mãos (e ainda em alguns casos a soma dos dedos das mãos e os pés = 20),
constituiu o modelo numérico de onde derivaram todos seus conhecimentos macrocósmicos e
microcósmicos, que desde então não são pouca coisa, já que com este módulo foram construídas as
extraordinárias civilizações que hoje nos assombram e que chegaram a calcular as distâncias e revoluções
das estrelas, inclusive o terceiro movimento, como de pião, da terra, chamado precessão dos equinócios, que
ela efetua cada 25.920 anos. Isto se deve às analogias que estabeleceram entre todas as coisas e que a
ciência mais moderna e seu instrumental confirmam, pois é óbvio que inumeráveis gerações de homens –
ainda que vivessem 900 e 700 anos como na Bíblia se afirma– não poderiam ter uma experiência deste
último fato. Daremos só um breve exemplo das proporções lineares referidas às potências de dez (as duas
mãos).

fig. 23

Se o homem é dez elevado a zero (100), poderíamos dizer que sua habitação é 101. Dez à segunda potência
(102) seria o campo que lavra um agricultor e que rodeia sua casa. 103 seria equiparável à comarca que
habita, enquanto 104 constituiria sua província e 105 seu país. Dez à sexta potência (106) seria seu continente
e 107 o mundo inteiro. 108 constituiria o sistema solar e 109 o Universo infinito; nesse caso dez à décima
potência que seria?

Quer-se destacar que a série decimal é especialmente apta para as medidas lineares, enquanto a baseada no
seis –ou em sua metade o três, e seu dobro o doze– e particularmente no nove (igual a 32 ou a 3 + 6) está
relacionada com as medidas ou módulos circulares, ou seja aqueles que têm evidente conexão com o
perímetro da circunferência (360°).
4

ALGUMAS ADVERTÊNCIAS BASICAS

– Todos os sábios e todas as antigas e altas civilizações destacaram o símbolo e a via simbólica, como
veículo esotérico e mágico de realização, para aceder aos arcanos mais secretos e ocultos dos mistérios
cosmogônicos, ou seja, do Homem e do Universo.

– Devemos considerar a diferenciação que há entre o esotérico e o exotérico, como duas leituras diferentes
–e opostas– da realidade. O esotérico se relaciona com o invisível, oculto e secreto, tal o ponto central do
círculo (ou eixo da roda); e o exotérico com o periférico, superficial, externo e com a circunferência (que se
realiza tomando o ponto como princípio de partida) e assim mesmo com o movimento mutável da roda.

– O menor é o mais poderoso.

– Como bem se diz, o Ensino chega quando o estudante está a ponto para recebê-lo. A saber: quando sua
necessidade é absolutamente imperiosa.

NOTA:

A esta altura do Ensino, há a possibilidade de que você ainda não saiba ou compreenda com clareza qual é
verdadeiramente o conteúdo deste manual. Não o dê então por sabido –como costuma ser o habitual– e volte
a estudá-lo relendo em profundidade e com suma lentidão (retardando o tempo) tudo o que nele se contém.
É muito mais nobre e produtiva esta humildade, ou melhor, esta franqueza para consigo mesmo, que supor o
que ainda não se sabe ou colocar uma rápida etiqueta àquilo que se quer despachar para sair outra vez do
passo. Estas releituras lhe brindarão mais de uma surpresa e lhe oferecerão numerosas perspectivas, com as
quais, neste momento, talvez, você não creia contar. Pensamos que é válida e nos está permitida a sugestão
anterior avalizada pela experiência na realização de nosso Programa.
6

O MESTRE

Queremos aqui dizer umas palavras sobre alguns mal-entendidos vinculados ao "mestre", próprios da
confusão em que se existe, que obedecem a uma dialética descendente do ciclo que o Ocidente e sua
influência mundial exemplificam, já que este pensamento profano se infiltrou no mundo inteiro. Não nos
referimos exclusivamente a determinadas apreciações que se fazem sobre o particular, envolvidas com o
simples poder pessoal em qualquer de suas formas, nem às versões "cinematográfico-televisivas" sobre o
tema. Tampouco a uma forma de "sublimação", tanto seja esta dos temas que se ensinam, como daqueles
que os distribuem. Teme-se sempre, nestes casos, uma falsa perspectiva com respeito à autêntica
espiritualidade, que é suplantada por adesões afetivas, ou empanadas pela penumbra de uma "crença"
demasiado materializada. Todas estas possibilidades podem se enquadrar numa perspectiva linear e estreita,
numa visão literal e –ainda que não se queira– racionalista, quando não sentimental e seguramente
dependente. Estamos nos referindo às falsas idéias a respeito do "Mestre Superman", aquele que possui
maiores poderes físicos e psíquicos do que os demais mortais, e ao tabu dos "dons" e do "ascetismo" deste
personagem, ao que se lhe destaca por seus egos, e não por seus Ensinos Metafísicos diretamente
conectados com o Espírito. Para pior, como alguns destes "poderes" e "dons" simbólicos são verídicos
quanto àqueles que vão superando suas provas de Iniciação –ainda que jamais vistos desde uma perspectiva
grosseiramente materializada– criam-se muitas confusões que, tal como são, não somos capazes de resolvê-
las.

A rigor, na Tradição Hermética e na Alquimia, a Doutrina e o Ensino que o estudante aprende são um só, e
este é o Conhecimento da Cosmogonia, a saber: a interpenetração de outros tempos, espaços, ritmos e
estados de consciência diferentes dos ordinários, que são realidades tão autênticas –quando menos– como as
concepções tomadas do cúmulo de esfumaturas e ineficiências que se nos oferece a sociedade
contemporânea. Nesta tradição, os introdutores e iniciadores não são considerados "mestres" no sentido de
exercer uma função de tipo psicológico ou de autoridade institucional, ou mesmo de exemplaridade em
determinados usos e costumes que o mundo pode mudar uma e outra vez a seu desejo, de acordo a suas
modas que perenemente ficarão na relatividade das formas. Não se faz, pois, tanta questão quanto ao
"mestre", porque se ensina que a Realização é individual e que se a deve conseguir cada qual por si,
inevitavelmente. Pelo que se aconselha ao leitor que não ponha em outros o que em verdade deve trabalhar
em si.

Devemos recordar que, segundo Platão, seu mestre Sócrates identificava sua função com a de um obstetra, o
que equivale a dizer que não considerava seu ofício como algo idealizado e magisterial segundo o imaginam
nossos contemporâneos. O verdadeiro Mestre é uma energia celeste que se faz em nós, já que em nossa
interioridade existe essa possibilidade. O autêntico Mestre é divino, é o Cristo interno, como o foi para os
cristãos primitivos e como o é para todos aqueles que não têm uma visão infantilóide das coisas. A
dificuldade de aceitar os ensinos deste Programa e realizá-los reside nesta questão, ou seja, que o leitor deve
fazer seu trabalho por si, à intempérie, em solidão, sem o amparo que lhe brinda o que vulgarmente se
entende por um mestre, a identificação com uma etiqueta ou esta ou aquela "instituição" mais ou menos
aceita pelo meio.

EGITO

"... dado que o país santo de nossos antepassados se acha no Centro da Terra e corresponde à zona média do
corpo humano, santuário do coração, habitáculo da alma, por esta razão, filho meu, os humanos desta
região, não menos dotados do que os demais pelo que faz ao resto do corpo, são excepcionalmente mais
inteligentes do que os restantes e mais sábios, dado que nasceram e cresceram no lugar do coração."
(Hermes Trismegisto, Ensinos Secretos de Ísis a Hórus.)

A importância do Egito na história de nossa tradição é fundamental, já que Kemi (nome dado ao Egito
antigo, que significa "terra negra", origem da palavra Alquimia), é berço de toda a cultura ocidental e
particularmente do Hermetismo.

Segundo Plutarco, os egípcios comparam sua terra a um coração que representa também o céu. Esta visão,
que concebe ao espaço habitado pelo homem como um reflexo do celeste e como uma região central e
sagrada, é comum a toda civilização que provém da Tradição Primordial, como é o caso da egípcia, que
compartilha com as altas culturas as verdades essenciais.

Thot, o deus egípcio que posteriormente tomará entre os gregos o nome de Hermes, é o que ensina a Ísis a
arte sacerdotal que esta deusa transmitirá a seu filho Hórus. Estes mistérios são passados aos hierofantes,
guardiões e transmissores de uma Sabedoria divina e esotérica, que se deposita e se revivifica nos símbolos,
mitos e ritos dessa grande cultura, que com outras formas será também conhecida por gregos e romanos e
pelo Ocidente medieval e renascentista.

O esquartejamento de Osíris nas mãos de Seth e a restituição que de seu corpo realiza Ísis, unindo o
disperso, foi no Ocidente o modelo simbólico da Iniciação (morte e ressurreição). Guiados por Hermes e
com o auxílio de Ísis, viajam os mortos para a verdadeira morada, num trajeto que é análogo à viagem
iniciática. Ísis, no Egito, como Deméter em Elêusis, é a que institui as iniciações entre os homens e a que
ensina seus ritos.

É clara a relação entre Egito e a cultura judaica. Recordemos que José, o filho de Jacó, foi vendido por seus
irmãos a uns mercadores ismaelitas que lhe levaram ao Egito e, graças a seus dotes adivinhatórios, chegou a
ser vice-rei, governando como outro faraó. Ali recebeu posteriormente seu pai e seus onze irmãos (Gênesis,
37 a 50) e, a partir deles, as doze tribos de Israel se engendraram em terras egípcias nas quais permaneceram
até tempos de Moisés que, como é sabido, foi educado na corte faraônica.

É interessante também observar que José e Maria com o menino Jesus, por conselho de um anjo que
apareceu em sonhos, fugiram ao Egito para escapar da matança de Herodes, “a fim de que se cumprisse o
que tinha pronunciado o Senhor por seu profeta, dizendo: “Do Egito chamei o meu filho” (Mateus, 2, 15)”.
Alguns afirmam que Jesus regressou a esse país durante sua vida oculta.

Existe um paralelismo indiscutível entre os deuses egípcios e os das mitologias grega e romana, o que
demonstra uma clara influência da cosmovisão egípcia sobre a greco-romana, que se confirma com o fato de
que vários pensadores pré-socráticos, encabeçados por Pitágoras, receberam boa parte de sua formação
diretamente dos iniciados egípcios, que teriam transmitido a este último muito dos conhecimentos
matemáticos, geométricos, musicais e astronômicos que nutriram nossa cultura até o dia de hoje.

Também é notável que tenha sido em Alexandria, no delta do Nilo, onde se desse uma assombrosa reunião
de sábios de diversas tradições, nos séculos II, III e IV de nossa era, produzindo-se uma síntese da gnose
egípcia, grega, romana, judaica e cristã, que dali passou ao Ocidente medieval, alumiando toda a história da
Europa e do Próximo Oriente.

O antigo Egito se localiza na origem do Kali-Yuga e com segurança é a ponte que une esta era com as
anteriores. As similitudes entre esta civilização e as culturas americanas pré-colombinas (especialmente no
simbolismo construtivo) fizeram pensar a muitos que ambas provêm da desaparecida Atlântida.

PERFEIÇÃO OU PERFECCIONISMO?

Por quê? Por que o infinito amor do Universo se manifesta na confrontação de suas criaturas? Por que o
terremoto da ilusão? Para que existe um mundo imperfeito onde o mau e a injustiça dominam?"

Tratemos de reflexionar: quem é o que fala, o que divaga desta maneira? Resposta: um perfeccionista, um
interessado em mudar o rumo das coisas, do plano divino. E poderíamos reperguntar a esse personagem:
De que serviria criar o melhor de acordo às normas de uma organização ilusória baseada nos benefícios
da ciência e da saúde? Quem poderia "melhorar" de acordo ao estabelecido por uma entidade imaginária?
Em todo caso, por que se deveria "melhorar", e em que aspecto? E quem seria capaz de certificar essas
"melhorias", esse status anímico, esse "conforto espiritual"? Todo homem é mortal, tarde ou cedo acaba;
sua viagem verdadeira é um retorno às origens. O ego chamado, hoje, desejo de "perfeição" relativo a
certos tesouros, que não são sempre o sexo ou o dinheiro, senão que constituem para cada qual o que
imaginariamente crê ser, ou suas aspirações a respeito, é algo perigosíssimo; uma mania que pode ser
assassina.

Educar a outros no erro, seja no de uma psicologia higiênica, ou no de uma moral legalista, ou uma cultura
desodorizada (quando não se os lança a uma concorrência sem meta verdadeira) é aceder ao caos ainda
que pareça o inverso. É pretender "o melhor" deixando o bom de lado.

Se a perfeição é boa e desejável, o perfeccionismo pode chegar às vezes a ser o contrário dela. Por outro
lado, a perfeição é algo difícil de obter e o perfeccionismo algo demasiado fácil de conseguir, até o ponto
de constituir-se em algo mecânico, completamente afastado da sensibilidade. Toda perfeição de alguma
maneira é uma imagem da Perfeição e portanto uma aspiração por aquilo que se desconhece e se anseia
receber. O perfeccionismo é ativo e pretende efetuar lucros para utilizar dividendos. Esta atitude é racional
enquanto a primeira é intuitiva. Em termos cristãos a perfeição aspira à Vontade do Pai, enquanto o
perfeccionismo tende à vontade do homem. Nesses mesmos termos se afirma: "Sede perfeitos como vosso
Pai Celestial é Perfeito", mas está bem claro que esse Pai Celestial não está preocupado por fomentar sua
própria perfeição, constituir a demagogia nem por "cultivar seu espírito". Desde que haja uma identidade
entre esse Pai e o Cosmos, porque de jeito nenhum Ele está fora de sua própria expressão. Se o leitor de
Agartha tende à perfeição, não é por um perfeccionismo auto-suficiente que presume de bastar-se a si
mesmo, impressionar a terceiros, ou instituir fábulas. Pelo contrário, seus estudos, meditações, exercícios e
práticas tendem à identificação com as leis e entendimento do Cosmos, pois deste modo conhecerá a
perfeição do Pai.

O TRABALHO

No terceiro capítulo do Gênesis se narra como Yahvé disse a Eva: "Multiplicarei sobremodo os sofrimentos
da tua gravidez", e a Adão: "Por ti será maldita a terra, com trabalho comerás dela todo o tempo de tua vida;
dar-te-á espinhos e abrolhos e comerás das ervas do campo. Com o suor de teu rosto comerás o pão."

É importante destacar que isto acontece por conseqüência da tentação da serpente e da ingestão do fruto
proibido, ou seja, como uma pena, imediatamente antes de serem expulsos do Paraíso. Em outros lugares
deste manual se mencionou o significado da Queda em relação com as Eras e Ciclos, e o do simbolismo do
Paraíso, vinculado a um "estado edênico", onde, por verdadeiro, todo esforço resultava desnecessário,
estado que se espera recuperar. No entanto nos interessa tratar aqui o tema do trabalho, e em particular
assinalar o conceito totalmente equivocado que sobre ele possui a sociedade em que vivemos, o que
constitui às vezes um verdadeiro impedimento para o Ensino que esta Introdução à Ciência Sagrada propõe.

Referir-nos-emos em primeiro lugar à primazia da contemplação sobre a ação, idéia presente no hinduismo,
no budismo, no judaísmo, no islã e, em geral, em todas as tradições. No cristianismo isto resulta nítido.
Conta Mateus (VI, 26-30) que Jesus disse, no célebre Sermão da Montanha: "Olhai como as aves do céu não
semeiam, nem ceifam, nem encerram em celeiros, e vosso Pai celestial as alimenta. Não valeis vocês mais
do que elas? Quem de vocês com suas preocupações pode adicionar a sua estatura um só côvado? E quanto
ao vestuário, por que vos preocupar? Aprendei dos lírios do campo, como crescem; não se fatigam nem
fiam. Pois eu vos digo que nem Salomão em toda sua glória se vestiu como um deles." É conhecida também
a vinculação simbólica que as duas irmãs de Lázaro, Marta e Maria (a ação e a contemplação), têm a
respeito, e o juízo do Mestre sobre qual das duas leva a melhor parte.

Por outro lado, podemos observar, sem nos esforçarmos demasiado, que esta preferência pela contemplação
é totalmente alheia ao meio no qual vivemos, assinalado por uma incessante ação, por uma projeção de
desejos que, por serem tais como são, jamais poderão se cumprir, por uma angústia e insatisfação
permanentes que desembocam na ignorância e necessariamente na violência e na destruição. Mas o que
verdadeiramente é alarmante é que esta ação –qualquer que seja o sentido que ela tenha– é considerada
como um bem em si; a tal ponto que a discutir, ou não, praticá-la é ser mau visto, ou condenado por esse
meio, pois o tema passou a ser uma questão moral nascida da associação trabalho-bondade. No entanto,
queremos esclarecer que nada temos contra um trabalho que seria verdadeiramente sagrado, e portanto
autenticamente dignificante, se estivesse guiado pela Vontade e pelo Livre Arbítrio. O que se critica é o
conceito moderno do trabalho pelo próprio trabalho, ou seja, sem nenhuma finalidade de ordem metafísica,
e sua equiparação a um fim e não a um meio veicular. Conquanto esta última crítica poderia ser aplicada a
outras áreas da atividade contemporânea (a arte pela arte, a ciência pela ciência, o psíquico e o emocional,
simplesmente pelo psíquico e emocional, etc., etc.), o conceito moderno do trabalho –que em termos sociais
só faz do homem um fator da produção econômica, individual ou coletiva– tem um ônus de alta potência
destrutiva, quanto sua obrigatoriedade e necessidade geram no alma uma série de turbações morais e
impedimentos materiais numa sociedade tão injusta como a qual vivemos.

Numa sociedade tradicional ou primitiva os "trabalhos" não são tais como conhecemos, pois não levam
implícita a insatisfação do que só deve ser efetuado com sofrimento, a desagrado, ou sob a pressão de um
peso arbitrário e alienante ao qual não se lhe encontra finalidade última, senão mal a mera subsistência num
mundo sem sentido. Pelo contrário, nas sociedades arcaicas os homens realizavam seus trabalhos de maneira
ritual e de acordo com suas funções, nascidas de suas possibilidades, que os fazia mais aptos para aqueles ou
estes labores, que cumpriam então com gosto, em perfeita relação e interdependência com os outros do
organismo social. É paradoxal que em certos manuais escolares e ainda em certos textos universitários se
fale ainda da "escravatura" como uma etapa historicamente superada quando, um simples olhar ao meio em
que habitamos, faz-nos ver que nossos contemporâneos não só são escravos do trabalho, e como tais vivem,
senão das funestas conseqüências desse trabalho sem razão, começando pelas correntes da acumulação de
riqueza –individual e social– pela própria riqueza, a saber: novamente a substituição de um meio por um
fim. Queremos recordar aqui outro fragmento do Sermão da Montanha: “Não acumuleis para vós tesouros
sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam; mas ajuntai para vós
tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões não escavam, nem roubam; porque, onde
está o teu tesouro, aí estará também o teu coração."

O trabalho é para o homem, não o homem para o trabalho. A vida é para o homem, não é o homem um
devedor ou um escravo da vida. "O sábado foi estabelecido por causa do homem, e não o homem por causa
do sábado;" (Marcos II, 27).

10

CABALA

Já falamos das três letras mães, as sete duplas e as doze simples do alfabeto hebraico. Logo a seguir,
apresentamos três quadros onde essas letras figuram com seu lugar no alfabeto, seu valor, e em particular
com um determinado signo ao que estão vinculadas de modo simbólico.

Recorde-se o leitor que a Cabala constitui um manancial de inter-relações e associações de imagens que
possibilitam a faculdade de conhecer de maneira intuitiva e direta.

As três mães são:

LUGAR NOME VALOR SIGNO


1 Alef 1 O homem
13 Mem 40 A mulher
21 Shin 300 A Flecha

As sete duplas são:

LUGAR NOME VALOR SIGNO


2 Beth 2 A boca
3 Guimel 3 A mão que pega
4 Daleth 4 O seio
11 Kaf 20 A mão que aperta
17 Fe 80 A boca e a língua
20 Resh 200 A cabeça do homem
22 Tav 400 O tórax

As doze letras simples são:

LUGAR NOME VALOR SIGNO


5 He 5 O alento
6 Vau 6 O olho e a orelha
7 Zayin 7 O camelo
8 Heth 8 Um campo
9 Teth 9 Um telhado
10 Iod 10 O índice
12 Lamed 30 O braço aberto
14 Nun 50 Um fruto
15 Samekh 60 Uma serpente
16 Ayin 70 Um laço
18 Tsade 90 Um telhado
19 Qof 100 O machado

Nota: Em diferentes interpretações cabalísticas, estes signos adquirem diversos significados em virtude das
diferentes associações às quais se prestam e fundamentalmente quanto à pluralidade de sentidos que os
símbolos possuem, sem que tenham porque se invalidar uns em benefício dos outros.

11

A ALMA

Números e letras conjuntamente formam um código gráfico cuja origem é teúrgica, já que nas primeiras
expressões deste tipo as grafias são "mágicas" para passarem, posteriormente, a ser ideogramáticas, ou seja,
que expressam seus próprios sentidos conceituais. A multiplicação destes signos e sua alteridade fazem
possíveis (por exemplo, na escala numérica pitagórica) todas as combinações e, portanto, seu discurso
indefinido, ou seja, que fixam simbolicamente a totalidade cósmica, mediante um "sistema" no qual nada
fica excluído, salvo o que nunca poderá ser exprimido, origem de qualquer manifestação. Esta é a realidade
do símbolo, que revela a ordem criacional na qual todos os seres se acham compreendidos (e numerados
como nas cédulas de identidade, onde se utiliza ademais uma convenção como as impressões digitais, que
também não podem repetir-se em sua combinatória, valha a comparação). Os pantáculos (pequeno todo)
igualmente condensam e cristalizam, tal qual a simbólica alquímica e hermética (Boehme, Agrippa, etc.).
Deve ser assinalado que esta atividade talismânica se encontra em todos os povos. Só destacar a escritura
maia e os hieroglífos egípcios. Desta forma se encontra viva na atualidade entre os povos "primitivos".

Segundo isto, a alma humana também seria um número que se individualizaria numa cifra –ou selo– onde
sempre está presente a unidade, como a deidade está constantemente implícita de modo imanente no
desenvolvimento de qualquer discurso genésico.

Mais além deste discurso, nada entra nem sai, nem nada existe de nenhuma forma, inclusive a alma
individual ou universal, a qual, portanto, não vai a nenhum lugar. Pelo que, unida a alma à manifestação,
devemos situá-la no plano intermediário entre o Criador e sua obra. Se isto é assim, a alma deve conquistar
para si, ou seja, adquirir-se um "corpo de luz", pois esse é o meio "plástico" (por dizê-lo de alguma maneira)
que nos leva ao Ser, que é identificado de modo natural com a Unidade aritmética, o que é, por sua vez, o
passo necessário para a concepção do Não Ser –o En Sof da Cabala– e finalmente a da Não dualidade, que é
verdadeiramente o que os indianos entendem como Suprema Identidade. Nesta última tradição, igualmente
que em muitas outras, esta conquista ou "ativação" das potências da alma (o "polimento da pedra" na
Maçonaria), é uma possibilidade que cada ser porta em si mesmo, e também uma realidade que compete
especificamente ao homem, daí a necessidade unânime de trabalhos, provas e ritos que efetivam esta União
com o Ser, a ontologia como passo prévio ou suporte da metafísica, ou seja o sacrifício desse Ser (que desde
então já não é um simples ego) no altar da "nuvem do não saber". Supõe-se que esta é a última entrega e
também o sentido da alma individual, como veículo, símbolo, ou número, ou seja, como a assinatura do
Criador –Verbo ou Logos– no mundo; um veículo de acesso ao Espírito, quer dizer, para a dissolução
naquilo que tudo fundamenta, mas que, desde então, não existe, tal qual os objetos que os sentidos percebem
ou o cérebro elabora. Desta forma, notar a grande quantidade de confusão que se produz com respeito a
estas noções que, em geral, as religiões abraâmicas desconhecem.

Se o Mistério mais profundo, ou seja, a manifestação do Não-Ser no seio da Criação, é compatível –e ainda
coetâneo– com o Imanifestado, igualmente a alma, que, em seu conjunto, não é individual, concentra-se
num ponto onde se sintetiza, constituindo o Ser, como o símbolo mais claro da Unidade, a partir da qual
tudo é gerado, ainda no âmbito das possibilidades supracósmicas.

Com freqüência se esquece que todas as coisas podem ser e não ser ao mesmo tempo. Depende às vezes de
que se adote um ou outro ponto de vista.

A conquista da alma é chegar ao próprio Destino, ou seja, ser o que sempre se foi.

12

GRÉCIA

No ponto de intersecção entre o extremo da Europa, Ásia Menor, e África (Egito), a origem dos povos
gregos ou helenos é indo-européia e, através desta e da corrente tradicional (Apolínea) vinda do Norte, a
Tradição Grega expressa uma das confluências da Tradição Primordial e da Atlante. Esta união das
tradições é uma origem, um oriente [articulado dos séculos VII a V] para um tempo posterior, que através
do Império Romano, e das sucessivas recorrências à Antigüidade que se darão na história, levará os
mistérios ao Ocidente, numa base de pensamento mítico. O pensamento antigo, representado por Homero
(Ilíada, Odisséia) e Hesíodo (Teogonia, Os Trabalhos e os Dias), recolhe uma Teogonia e uma Cosmogonia
arcaicas, expressadas também através de uma geografia sagrada que é a da Antiga Grécia, e nas quais se
conserva a memória das 4 Idades da Humanidade, designadas com os nomes dos metais que simbolicamente
lhes correspondem, Ouro, Prata, Bronze e Ferro. À ordem, ou cosmos tradicional estabelecido por aquelas,
unir-se-á mais tarde Apolo, deus da luz, da unidade polar e portanto da harmonia, sendo Delfos o centro de
toda Grécia, o omphalos (umbigo), sustento da unidade dos povos que a formavam, enquanto Elêusis e
outros santuários análogos constituíam o coração, sendo os depositários e transmissores dos Mistérios, nos
quais se acham também as origens sagradas do teatro, pois eles constituíam a representação das façanhas
dos deuses e dos homens no cumprimento do destino, que tem por modelo a consecução de uma plenitude
que corresponde a sua Identidade Suprema. São os mistérios de Dionísio, vinculados com os Órficos,
anteriores, e traduzidos posteriormente na epopéia da alma do homem e do mundo, recriada nos de Elêusis;
e são desta forma expressados de outra maneira, os do Número, que constituíram a essência do pensamento
pitagórico e que se reproduzirão na Teoria das Idéias de Platão.

Sócrates, mestre de Platão e herdeiro da essência supraformal do conhecimento, será o que articulará esse
pensamento na adaptação a que teve lugar simultaneamente em todo o globo, no século VI antes de Cristo;
sua dialética, não obstante, será a arte do obstetra, como ele definia sua função. O pensamento grego,
recolhido por Roma e revivificado pelos hermetistas e neoplatônicos do Renascimento, transmissor também
do pensamento egípcio graças a Hermes, é um dos que formam o Ocidente. Tanto hoje como ontem, superar
sua leitura profana, representada ultimamente na história dos recentes quatro séculos, é ter acesso ao âmbito
do espaço sagrado, regenerado pela Iniciação que remonta o homem à Idade de Ouro. Já em seu tempo, a
visão platônica foi irrealizável, como a própria morte de Sócrates anunciava, e os males da Grécia histórica,
o materialismo, o racionalismo, a falsa dialética, e a preeminência outorgada à quantidade, são como outros
os de um fim de ciclo, e os de um mundo profano que não vai em seus estudos além de Aristóteles, com o
qual a ontologia se reduz a uma perspectiva materialista, e a identidade do ser e do conhecer só se acentua
em seu reflexo analítico, ainda que lhe corresponda também ao ordenamento de boa parte dos aspectos
particulares, que é tal quando não progride à sistematização.

Sua mitologia, as histórias de seus deuses e seus heróis e heroínas, informaram a alma do Ocidente e
alimentaram as imagens de nossa cultura, e tudo isso ainda quando a "estética" tenha ocultado o símbolo e,
inclusive, tenham sido invertidos os autênticos valores que eles encarnavam.

13

ROMA I

Roma aparece no palco da história quando os povos da Hélade grega, que descendiam em grande parte da
Tradição primordial (o culto que estes professavam ao Apolo hiperbóreo e ao Zeus olímpico é um exemplo
disso), estão em plena decadência crepuscular. Já nas origens míticas de Roma encontramos a importante
herança dos povos helenos, pois como conta Virgilio na Eneida, o príncipe troiano Enéas –herói solar como
Herakles-Hércules– é eleito por Júpiter para fundar na região do Lácio ("onde antanho Saturno manteve seu
cetro...") uma colônia da qual surgiria posteriormente Roma. Por outro lado, na mesma Eneida (livro VI)
conta-se que de Enéas surgiria a estirpe da qual descenderão os maiores estadistas e imperadores romanos,
entre os quais destacamos a Julio César e seu sobrinho César Augusto.

Da mesma forma, quase todos os nomes dos deuses romanos foram versões latinizadas dos gregos: Saturno
por Cronos, Júpiter por Zeus, Marte por Ares, Mercúrio por Hermes, Vênus por Afrodita, Minerva por
Atenas, Baco por Dionísio, etc. A mesma influência está presente nas artes, na literatura e na filosofia. Neste
sentido é notória a influência de Platão e seus sucessores sobre Cícero, Varrão, Sêneca, Ovídio, Horácio e o
já mencionado Virgílio, o "príncipe dos poetas latinos", sem nos esquecer de todos aqueles filósofos e
teúrgos romanos ou romanizados que como Nigidius Figulus, Ário Dídimo, Quinto Sextius, Cornelius
Celsus e Apuleio (iniciado nos mistérios dos sacerdotes egípcios e conhecedor das doutrinas herméticas
surgidas em Alexandria), fizeram parte da escola neoplatônica e neopitagórica, contribuindo à difusão de
seu pensamento por todos os cantos do Império. Inclusive alguns imperadores, como por exemplo Juliano,
participaram inteiramente das idéias platônicas.
fig. 25

Pesando tudo isso, não se deve pensar que a civilização romana fora uma cópia calcada da grega. O que,
sim, é verdadeiro é que a partir de um dado momento ambas constituíram uma só cultura, a greco-latina, que
longe de desaparecer continuou viva no Ocidente até os próprios alvores dos tempos modernos.

No entanto, se nos referimos à tradição romana em si mesma vemos que esta pertence ao grande tronco da
civilização indo-européia, do qual surgiriam também os povos celtas, indianos, gregos, germânicos e tantos
outros, todos os que tinham um vínculo mais ou menos direto com a tradição primordial. Esse vínculo se
manifesta claramente nas origens históricas de Roma com a existência dos sete reis legisladores, que são
análogos aos sete Rshi da tradição indiana, seres míticos encarregados de conservar e transmitir a Sabedoria
e o Conhecimento em cada novo ciclo da humanidade. E isto é o que representam os sete reis com relação a
Roma: transmitem a esta as idéias-força que permitirão o desenvolvimento de sua civilização. Este é o caso
de Numa, que cria o colégio sacerdotal e o primeiro calendário, e é significativo que seu nome esteja
invertido silabicamente com respeito ao de Manu, que na tradição indiana simboliza o Ancestral e
Legislador primordial, como se efetivamente a função de Numa em relação a Roma fora idêntica à de Manu
com respeito ao conjunto da humanidade.

Mas o fundador de Roma, aquele que traça os limites sagrados da cidade e do qual deriva o nome da mesma,
não é outro que Rômulo, o primeiro dos reis legisladores. Foi capaz, com a força espiritual que outorga o
saber-se possuidor de um destino unido ao supra-histórico e transcendente, de infundir nos povos itálicos
(contando entre eles os etruscos e os sabinos) a idéia do Império sob o estandarte protetor da águia, ave
celeste e divina por excelência. Na realidade, o Império corresponde a uma antiqüíssima concepção
tradicional que se remonta às próprias origens da humanidade, e segundo a qual aquele representa a
expressão da ordem celeste e urânica sobre a terra. Nas mais altas culturas tradicionais se menciona, sob
diferentes nomes, um mítico "Império do Meio" onde reside o Monarca Universal (o Chakravartî hindu e
budista), o Rei de Justiça e de Paz, o Rei do Mundo, que não é outro que o Verbo divino do qual emana a
Lei Eterna reguladora da harmonia e da ordem da criação.

AS MUSAS II

No cume do Helicon, montanha sagrada ao norte do Olimpo, achava-se o altar de Zeus, e em seus declives,
as fontes que davam a inspiração poética a quem bebia delas (como a de Hipocrene, surgida da rocha por
um coice de Pégasus, ou a de Aganipe), de cujas azuladas águas (da cor do éter) também as Musas bebem
quando, cansadas, renovam seu vigor depois de dançar em seus prados, nos quais às vezes se manifestam
aos homens; também se encontrava naquele Monte o sepulcro de Orfeu, as estátuas dos principais deuses, e
o bosque sagrado dedicado a elas e onde, anualmente, eram celebradas junto a Cupido. Em seus brincos se
acham as plantas fragrantes, que têm a propriedade de privar às serpentes de seu veneno; em seus declives,
como nos do Pindo e do Parnaso, costuma apascentar Pégaso. Também neste último Monte, brotam as
fontes da inspiração profética: a de Castália, cujas águas se utilizavam como purificação em Delfos, e se
davam ali de beber à Pythia, mana em meio a dois cumes, um dos quais está consagrado a Apolo e às Musas
e o outro a Dionísio-Baco. A ambos, invoca-os Dante quando começa a cantar a ascensão que narra a
terceira e última parte de sua Comédia.

De suas batalhas, diz-se que venceram em duelo às nove filhas de Pierio, humanas e mortais, que as tinham
desafiado no canto, e a quem privaram de seu nome. Também que num duelo semelhante despojaram às
Sereias de suas asas e se coroaram com suas plumas, caindo aquelas ao mar. Não obstante é importante
assinalar que para Platão (no Mito de Er) e os Neoplatônicos (Proclo) cada Sereia se relaciona com uma das
esferas e seu canto à rotação destas, que movem com suas asas, enquanto as Musas presidem sobre cada
uma delas na ascensão vertical. Segundo os platônicos, não ouvimos aquelas notas porque soavam quando
nascemos e não dispomos de um silêncio capaz de contrastá-las; daí, no entanto, o silêncio sagrado revelado
no interior do bosque e vinculado para os gregos com o deus Pã. E bem como a luz solar é um símbolo da
Luz Inteligível, há um som não sensível que é a imagem do Logos, da Palavra ou Verbo criador, cujos
intervalos ou proporções encontram seu eco no coração do ser humano, veiculando os ensinos que só as
Musas outorgam, pois o Cosmos é a Música revelada ao homem:

"Ser instruído na música, não consiste senão em saber como se ordena todo o conjunto do universo e que
plano divino distribuiu todas as coisas: pois esta ordem, na qual todas as coisas particulares foram reunidas
num mesmo todo por uma inteligência artista, produzirá, com uma música divina, um concerto
infinitamente suave e verdadeiro" (Asclépio, 13).

15

MITRA

Deidade de origem índo-iraniana e caldaica (vinculado a Varuna, o Céu, e formando em ocasiões casal com
Ahura-Mazda, o deus salvador, em sua luta com Ahrimán, o aspecto tenebroso da criação), Mitra foi
adotado por Roma como um de seus principais númenes tutelares, até o ponto de ser considerado como o
"protetor e sustento do Império". É de destacar que a época de seu maior apogeu (entre os séculos I e IV)
coincide com o florescimento das doutrinas herméticas, gnósticas e neoplatônicas alexandrinas, com as
quais o mitraísmo teve sem dúvida seus contatos, beneficiando-se de muitas de suas idéias. Contatos que
também existiram com o cristianismo incipiente, como o demonstram as numerosas analogias entre as
figuras de Mitra e de Cristo, já observadas por alguns pais da Igreja, como Justino e Tertuliano.

Sua festa principal se celebrava no 25 de dezembro, dia do solstício de inverno, coincidindo assim com o
nascimento do "sol invencível" e vitorioso das trevas (dies natalis Solis invicti Mitra). Segundo a lenda,
Mitra nasce da "pedra" (petra genitrix) à beira de um rio, portando em suas mãos a espada e a tocha,
símbolos associados à Justiça e à purificação pelo fogo e pela luz da Inteligência. Trata-se, pois, de uma
deidade eminentemente solar (os gregos chegaram a vinculá-lo com o próprio Apolo, e também com
Hércules), o que está claramente indicado na própria raiz mir constitutiva de seu nome, que significa "sol".
Assim o testemunha o imperador Juliano (iniciado nos mistérios mitraicos pelo filósofo neoplatônico e
pitagórico Máximo de Éfeso) quando se dirige a Mitra nestes termos: "Este Sol, que o gênero humano
contempla e honra desde toda a eternidade, e cujo culto faz sua felicidade, é a imagem viva, animada,
razoável e benfeitora do Pai Inteligível". Outro significado de seu nome é o de "chuva", mas entendida em
seu aspecto de "orvalho" vivificador, símbolo do descenso das influências espirituais.

Num antigo hino iraniano se diz que Mitra está sempre desperto e vigilante, observando cuidadosamente
todas as coisas. Vai à chamada dos débeis, e seu poder é empregado sempre a favor do gênero humano.
Mitra é, efetivamente, o amigo e protetor dos homens, o que lhes infunde as virtudes heróicas: o valor, a
força interior, a lealdade, a fraternidade, e como deidade intermediária entre o mundo superior e o inferior, é
também (tal qual Hermes) o guia que os conduz em sua ascensão para a origem através das esferas
planetárias. Neste sentido, assinalaremos que entre os romanos os mistérios de Mitra se dividiam em sete
graus, em correspondência com a escala planetária, mas disposta na ordem seguinte: Lua, Vênus, Marte,
Júpiter, Mercúrio, Sol e Saturno. Ditos graus recebiam os nomes de Corvo (Corax), Oculto –ou Noivo–
(Cryphius), Soldado (Miles), Leão (Leo), Persa (Perses), Correio –ou Companheiro– do Sol (Heliodromus),
e por último Pai (Pater). Os três primeiros constituíam um período de preparação, durante o qual o adepto
devia morrer para sua condição anterior, o que está claramente expressado pelo Corvo, cuja cor escura
simboliza precisamente a fase de nigredo ou morte alquímica. Durante esse período, era instruído pela
"força forte das forças" e pela "Reta incorruptível", instando-lhe a um "persistir da potência da alma numa
pura pureza". Os mistérios culminavam com a obtenção do grau do Pai, através do qual –como hierofante
(pater sacrorum, pater patrum) e chefe da comunidade mitríaca– atingia-se o Princípio incondicionado,
morada dos Bem-aventurados, "aonde já não existe um aqui ou um ali, senão que é calma, iluminação e
solidão como num oceano infinito".

Os ritos se celebravam em cavernas e criptas subterrâneas chamadas mitreums, que constavam de dois
níveis, um superior e outro inferior, representando respectivamente o céu e a terra. Nessas criptas se
encontravam figurados os símbolos fundamentais da cosmogonia hermética: os círculos planetários, a roda
zodiacal, e os ciclos dos elementos, onde o fogo aparecia como o principal agente purificador. Em cima do
altar, encontrava-se a efígie de Mitra no momento de imolar com sua espada o touro primordial ("Mitra
tauróctono"), cujo sangue vertido em terra a fecundava, surgindo dela o trigo e o "pão de vida", alimento de
imortalidade. Como manifestação da potência geradora da natureza, este animal é também o símbolo dos
influxos lunares e telúricos, que determinam a existência do mundo inferior, e que no homem se expressam
através de sua ânima ou energia vital. É dita energia, em seu estado de "pedra bruta", que Mitra "doma" e
"sacraliza" quando cavalga o touro, direcionando-a num sentido superior, até convertê-la no motor ou fogo
sutil que faz possível a transmutação e a regeneração.

16

EXERCÍCIO PRÁTICO: MEDITAÇÃO EM AÇÃO

Demos uma seqüência constante de exercícios práticos de concentração, meditação e visualização,


utilizando especialmente a Árvore da Vida como modelo ou mandala para os realizar. Também, seguimos
com as práticas referentes ao Tarô, ao mesmo tempo em que ampliamos seu conhecimento. Os exercícios
sobre o Tarô são particularmente interessantes, pois este extraordinário veículo esotérico promove tanto a
visão como a sensibilização necessárias –em alguns casos quiçás imprescindíveis– para a efetivação dos
textos e ensinos dados em Agartha, enquanto ele mesmo é um iniciador nas disciplinas herméticas.

No entanto, queremos agora insistir sobre um tema fundamental unido às disciplinas que nosso curso e
suas lições comunicam. Referimo-nos a que todos os exercícios (que, como se pôde apreciar, estão unidos
uns com os outros, entre si) têm por finalidade o trazer estas práticas à cotidianidade, ou seja, o efetuá-las
em nossa vida habitual, qualquer que seja a circunstância na qual nos tenha tocado viver. Portanto, não
devem ser tomados como rígidos, ou seja, como um fim em si mesmos, senão que devem ser considerados
como veículos de Conhecimento. Qualquer advertência neste sentido não é demais, pois se considera
importantíssimo não confundir o fim com os meios adequados para produzi-lo. Por outro lado, uma atitude
dúctil com respeito a estes exercícios é recomendável, não quanto à perfeição desejável em sua realização,
ou igualmente à conveniência e utilidade de efetuá-los, senão que esta flexibilidade seja uma adaptação
que, de maneira individual, cada aluno faça em sua esfera própria. Dito de outra maneira: consideramos
aos exercícios como valiosíssimos, já que se trata de meios de realização, mas queremos insistir na
responsabilidade de nossos leitores no sentido de que estas práticas podem ser perfeitamente transladadas
às múltiplas circunstâncias de sua vida cotidiana e efetuadas com uma margem de interpretação criativa,
enquanto se atam aos mesmos modelos tradicionais que Agartha oferece, e sejam executadas com a boa
vontade e o rigor que elas merecem, sem que somente os alunos se rejam pela literalidade de seu exercício,
aferrando-se a elas, como quem se identifica só com a letra morta de determinados textos.

Os exercícios podem ser feitos em movimento: tanto caminhando, como correndo, ou ao ritmo de uma
"ginástica" que o aluno possa adaptar ou recriar. Também estas práticas de respiração e visualização
podem fazer-se em postura horizontal e efetuar-se tanto no solo como no leito ou na banheira. O importante
é não as descuidar por um só momento em nosso dia, e realizá-las com fé e alegria quando tenhamos tempo
disponível para isso.

17

JESUS

Jesus nasce no seio do povo judeu, e sua linhagem se remonta aos reis de Israel, à casa de David, da qual
descende. Seu nome hebraico, com o agregado do grego Cristo, identificam àquele que, enviado do Pai para
a Redenção e a Salvação da humanidade, gostava de se chamar "Filho do Homem", evidenciando assim sua
dupla natureza, divina e humana, arquétipo da composição dual do homem, símbolo vertical e axial da
comunicação céu-terra, fato a imagem e semelhança de seu Criador. Jesus nasce oculto num humilde lugar e
é visitado e adorado por três reis e magos que, seguindo a luz da estrela, chegaram a conhecê-lo. Depois vai
crescendo em sabedoria e bondade e depois de atravessar vários perigos, nos quais seus pais o protegem,
quer ser batizado por seu primo João, o asceta que vive no deserto, que batiza com água, enquanto ele
batizará com fogo, com seu sangue sacrifical simbolizado pelo vinho. Dali em diante, desenvolve-se uma
história iniciática recolhida pelos Evangelhos pontualmente e onde prima o sentido esotérico sobre qualquer
outra coisa, a tal ponto que se não fora por este sentido resultaria absurdo o que se afirma neles, por
contraditório, obscuro e confuso. Nos Evangelhos floresce o conhecimento da autêntica tradição de Israel,
aquela que deu forma a Moisés, o Egípcio, e que o Salvador herda e plasma de acordo ao desenvolvimento
do tempo e dos ciclos e ritmos de todo processo. Tudo está nos Evangelhos quando se os sabe ler. Seu
enorme conteúdo emocional, e sua beleza excedem às interpretações racionais e materiais e nos apresentam
a tremenda e magnífica semelhança do Homem-Deus e o paradoxal percurso de sua vida, que acabará no
coração da cruz, depois de ter sido recebido triunfalmente em Jerusalém e depois de ter passado por provas
e atravessado o Jordão várias vezes. Ali entrega finalmente a vida e o tempo e renasce definitivamente na
Vida Eterna em comunhão com seu Pai com o que forma uma só e única substância revestida de um Corpo
de Glória. Tal é aquele homem histórico e arquetípico, imagem viva do Cristo interno, Universal e Eterno,
que disse: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida"; também deixou dito: "Procurai e encontrareis".

18

ROMA II

No Ocidente, foi necessária a chegada de Roma para que esta concepção sagrada do Império se fizesse uma
realidade histórica, difundindo o ideal de civilização superior que encarnava e ao qual estava predestinada
desde suas origens lendárias. Da Ásia Menor e Oriente Próximo até a Hispania, do Norte da África até os
países germânicos, celtas e anglo-saxões, Roma implantou sua cultura e sua visão unitária do mundo, e
graças à Pax romana os povos que estiveram sob sua órbita conheceram uma época de grande esplendor e
florescimento cultural. E conquanto essa implantação se realizou muitas vezes mediante o uso das armas é
porque para Roma (como para muitos outros povos tradicionais) a guerra tinha um sentido completamente
diferente ao que se tem hoje em dia, começando porque se tratava de um rito ou um ato sacralizado. Essa
concepção transcendente da guerra explicaria também por que Roma respeitava as tradições e os costumes
ancestrais dos povos que conquistava.
Em relação com este último, um fato importante para se ter em conta é que antes de entrar em combate os
romanos invocavam, mediante ritos apropriados, a presença ativa de seus deuses, com o fim de que fossem
estes quem submetessem aos deuses respectivos de seus inimigos; ou seja, que a guerra se produzia
primeiramente no plano invisível e espiritual, pois a conquista de um território, cidade ou país, implicava
antes o domínio sobre seus deuses, que passavam a fazer parte do panteão romano, e à manutenção,
portanto, da unidade do Império. Os antigos romanos sabiam perfeitamente que para conseguir essa unidade
não bastava só com invocar a energia guerreira e combativa de Marte, senão que, acima desta, devia existir
a energia integradora e benéfica de Júpiter, o pai dos deuses e legislador celeste dos homens, cujos
distintivos são precisamente a águia imperial, o raio (eixo), a coroa e o trono.

O imperador encarnava em sua função e em sua pessoa essas energias, que o transfiguravam num ser dotado
de poderes sobrenaturais e num intermediário entre o céu e a terra, assumindo a responsabilidade de
governar seu povo segundo os atributos da Misericórdia e da Justiça divinas. Daí o título de Pontifex
Maximus que ostentava. Por isso mesmo, quando os imperadores perdem essa função intermediária (os
exemplos de Nero e Calígula são muito ilustrativos ao respeito) pode se dizer que Roma entra em sua
decadência anunciando assim o fim de sua civilização.

Devemos considerar também o importante papel exercido por Roma no conjunto global da história sagrada,
no sentido de que soube estender uma ponte entre Ocidente e Oriente, recolhendo neste sentido a herança
deixada por Alexandre Magno. Uma divindade romana, Jano, (ver Módulo II, título N.º 94) aludia também a
esta vinculação entre Ocidente e Oriente, ou seja, à complementação de opostos. Dos dois rostos que Jano
possuía um deles olhava à esquerda (Ocidente) e o outro à direita (Oriente), abarcando com seu olhar os
dois extremos do mundo, como projeção horizontal do eixo vertical único.

Jano era também o deus que presidia as iniciações artesanais, especialmente as quais tinham lugar entre os
collegia fabrorum, ou corporações de construtores. Estes foram sumamente importantes no
desenvolvimento da civilização romana, que, como já indicamos, assumiu grande parte da cultura grega,
sobretudo no terreno da filosofia e das artes, e dentre estas, particularmente, a arquitetura. Precisamente a
origem dos collegia fabrorum se remontava à época do rei Numa, que fora contemporâneo de Pitágoras, e
receptor também de seus ensinos, como o atesta que em sua tumba aparecessem escritos de conteúdo
inteiramente pitagórico. De fato estes collegia recebem do pitagorismo as ciências sagradas do número e da
geometria, que eles plasmaram nos templos, basílicas e edificações de todo tipo, e que constituem o legado
de uma cosmogonia (baseada no simbolismo construtivo) que permaneceu viva na cultura ocidental, graças
a qual foi transmitido aos construtores medievais e renascentistas, dos que derivaria, junto ao aporte
decisivo da Tradição Hermética, a Maçonaria que chegou até nossos dias.

19

ALEXANDRIA

Quando no ano 332 a. C. Alexandre Magno chega ao Egito em sua expedição conquistadora para Oriente,
funda no delta do Nilo, e depois de visitar no oásis de Siwa o oráculo do deus Amon (semelhante a Zeus-
Júpiter), a cidade que leva seu nome: Alexandria. Esta aparece como o último grande centro da cultura
clássica, o que determinará seu destino como cidade-ponte, que fará possível a comunicação da antiga
sabedoria ao novo período histórico, que se abriria no Ocidente depois do desaparecimento definitivo do
Império Romano. Por outro lado, seu famoso farol ficou na memória como um símbolo do que Alexandria
representou para seu tempo: um foco de luz intelectual que irradiou sua força civilizadora para todos os
confins do mundo mediterrâneo. Por essa razão sua influência se deixasse sentir em quem, mesmo não
vivendo em Alexandria, não obstante estavam vinculados a ela como "farol" de sua época, tal o caso de
Sêneca, Cícero, Virgilio, Ovídio, Moderato de Cádiz, entre tantos outros.

Sem dúvida ao esplendor cultural de Alexandria contribuíram de maneira decisiva a criação da Biblioteca e
o Museu (Museion: "Templo das Musas"), que já desde sua fundação no século III a. C. atraíram sábios,
filósofos, magos e teúrgos vindos de todos os lugares, chegando-se a conformar num momento dado a
escola matemática de Alexandria, onde o pensamento científico e filosófico da tradição pitagórico-platônica
se conjugou com o antigo saber egípcio e caldeu. Ali se ensinavam as artes liberais e cosmogônicas como a
aritmética, a geometria, a música e a astronomia, de onde surgiram obras tão importantes como os
Elementos de Euclides, que deram seu fundamento à geometria ocidental. A essa escola pertenceram
igualmente o físico Arquimedes, os astrônomos e geógrafos Apolônio de Pérgamo (chamado por seus
contemporâneos o "grande geômetra"), Eratóstenes, Aristarco de Samos, Hiparco de Rodes (descobridor
para Ocidente da precessão dos equinócios, importantíssima para o conhecimento das leis cíclicas), Claudio
Ptolomeu (a quem se deve o Almagesto ou Composição Matemática), Demetrio de Falera e Nicómaco de
Gerasa, autor de uma Introdução à Aritmética e de um Manual da Harmonia (exposição da teoria musical
pitagórica), que tanta influência exerceriam sobre Boécio, e através deste em toda a Idade Média e no
Renascimento.

Alexandria brilha com especial intensidade nos três primeiros séculos de nossa era, já que nesse momento se
vive um ressurgimento do neoplatonismo, ao mesmo tempo que se acaba de formar a Tradição Hermética
graças à síntese dos ensinos do mítico Thot-Hermes Trismegisto com o próprio neoplatonismo, sem nos
esquecer da presença de elementos procedentes das doutrinas orientais e das gnoses judaica e cristã.
Podemos dizer que a partir desse momento o hermetismo e o neoplatonismo constituirão as duas referências
fundamentais do esoterismo ocidental, e nenhum movimento ou individualidade que tenha sustentado e
transmitido a Ciência Sagrada ao longo dos últimos dois mil anos foi alheio às idéias do Deus Hermes, de
Pitágoras e Platão, conciliadas no "crisol alexandrino". Entre os muitos que encarnaram essas idéias
devemos destacar, no século I, Fílon de Alexandria (que fez uma síntese entre o judaísmo e o
neoplatonismo, antecipando-se nisso a muitos cabalistas medievais) e Apolônio de Tiana (que viajou pelo
Oriente e pela Índia, e autor também de uma vida de Pitágoras); no século II a Téon de Esmirna, Máximo de
Tiro, Apuleio (que escreveu As Metamorfoses), Numenio e Plutarco de Queronéia, autor de Ísis e Osiris e
Vidas Paralelas; e no século III temos a Ammonio Saccas, fundador da escola platônica de Alexandria,
considerada como a herdeira das que existiram na Grécia e na Itália nos tempos de Pitágoras e Platão.

À dita escola pertenceram nada menos que Plotino, Porfírio, Hermias e Jâmblico (que em seus Mistérios do
Egito afirma que foi nos livros herméticos onde descobriu a libertação da alma de todos os laços do
destino), Edésio de Capadocia e Plutarco de Atenas. Eles, e outros muitos, estenderam a doutrina por todo o
mundo greco-latino, fundando escolas em Roma, Sicilia, Pérgamo, Éfeso, Sardes, Apamea (Síria) e Atenas,
para citar as mais conhecidas. Na Academia de Atenas, e entre os séculos IV e V, sobressaem as figuras do
já mencionado Plutarco, de Sinesio e de Proclo, iniciado nos mistérios platônicos e teúrgicos por
Asclepigênia, filha de Plutarco. Proclo é autor de uma ingente obra entre a qual destaca seus Comentários
aos livros de Platão e a Teologia Platônica, em cujo prefácio diz que este tratado é "um elogio não só de
Platão, senão também daqueles que o sucederam na tradição filosófica". Proclo aparece assim como aquele
que dá depoimento dessa tradição, realizando uma síntese do pensamento de todos os que foram seus
transmissores ao longo do tempo, e que tanto influíram nos primeiros representantes do esoterismo cristão,
como Clemente de Alexandria, Orígenes, Lactâncio, Dionísio Areopagita e Máximo, o Confessor, todos eles
embebidos das idéias platônicas e herméticas.

Mas é importante sublinhar que a escola de Alexandria, e as que se criaram sob sua influência, se tomarão
como o modelo das que surgiram em Bizâncio, na Idade Média (Toledo, Chartres e Oxford especialmente) e
no Renascimento, começando pela Academia Platônica de Florença, onde sob a direção de Marsílio Ficino
se traduziu do grego ao latim todo o Corpus Hermeticum, Platão, Proclo, Jâmblico e a praticamente todos os
filósofos alexandrinos, feito este fundamental para que a "corrente áurea" continuasse viva na cultura de
Ocidente, prolongando-se até nossos dias.

20

O HERMETISMO ALEXANDRINO
Como dissemos no capítulo anterior, foi na cidade egípcia de Alexandria onde a Tradição Hermética acabou
por se constituir num corpo de doutrinas. E não é casual, senão devido a razões histórico-geográficas e
simbólicas, que fosse no Egito, e não em outro lugar, onde esta tradição começaria a irradiar sua influência a
todo Ocidente. Como assinala Plutarco, nos tempos dos faraós este país recebia também o nome de Kemi,
que significa "terra negra" como já sabemos, de onde provém –com o adicionado do artigo árabe al– a
palavra Alquimia, a ciência hermética que contém os sagrados mistérios dos sacerdotes egípcios, que na
realidade formavam uma entidade intelectual, cuja autoridade espiritual emanava diretamente do deus Thot,
o mensageiro do Conhecimento, deidade essencialmente civilizadora (doa aos homens a escritura junto com
as ciências e as artes da Cosmogonia), que entre os gregos tomou o nome de Hermes e o de Mercúrio entre
os romanos. Também, existe outro dado tradicional de origem árabe que vem confirmar o que dizemos:
trata-se da expressão "A Tumba de Hermes", que é como se designava antigamente à maior das pirâmides
do Egito, expressão que também pode se estender às duas outras que estão a seu lado. Neste sentido, essa
mesma fonte tradicional assegura que em dita pirâmide se encerra a Ciência Sagrada transmitida por
Hermes (identificado com o profeta Idris ou Henoch) desde os tempos antediluvianos, em clara alusão à
civilização Atlante, remontando-se através desta até a própria Tradição Primordial. Afirma-se também que a
referida pirâmide guarda essa Ciência não em forma de documentos ou inscrições hieroglíficas, senão
"fixada" em sua própria estrutura exterior e interior, pois na verdade se trata de um autêntico modelo
simbólico do Cosmos, ao qual reflete em todas suas proporções e medidas. Por conseguinte, é ao
conhecimento do que esse modelo expressa ao que em realidade alude "A Tumba de Hermes", expressão
que também sugere o caráter secreto e velado que dito conhecimento tomou a partir de um momento dado
no devir da história humana.

Por tudo isso, não deve resultar estranho que esse ressurgir da Arte e da Ciência de Hermes, acontecido nos
primeiros séculos de nossa era, ocorresse precisamente em Alexandria, ou seja, em terras do Egito, ao qual
contribuiu notavelmente a influência grega, sobretudo através da filosofia platônica e pitagórica, em grande
parte herdeira dos mistérios órficos e das tradições dos antigos povos helenos, de origem igualmente
primordial. A isto teria que adicionar o aporte recebido de outras correntes tradicionais, como o judaísmo, o
recém nascido cristianismo, o gnosticismo não dualista e a cosmologia astral dos sacerdotes caldeus, que
chegaram a Alexandria, junto com outros sábios orientais (principalmente indianos e budistas), através das
grandes rotas traçadas vários séculos antes por Alexandre Magno. Mas a Tradição Hermética, sob a forma
que adotou a partir de então e tal e como chegou até nossos dias, é fundamentalmente de origem greco-
egípcia, o que lhe permitiria propagar-se com rapidez por todos os países onde estava implantada, desde
tempos mais antigos, a cultura grega, ou melhor greco-latina: praticamente por toda a planície mediterrânea,
a Ásia Menor e o Oriente Próximo. Daí as constantes referências a Hermes e à doutrina hermética entre os
filósofos, magos e teúrgos dos mais diversos países e regiões, o que deu lugar a uma comunidade de
pensamento, ligada à "corrente áurea" imemorial, que sob o influxo espiritual-intelectual do Mensageiro dos
deuses nutrirá e estará presente em todas as correntes esotéricas e sapienciais forjadoras da identidade
cultural do Ocidente.

Todo esse cúmulo de sabedoria e conhecimento os mestres herméticos alexandrinos o verteram através de
uma série de livros que chegaram até nós sob o nome dos Hermética, entre os quais se contam o Corpus
Hermeticum, integrado, por sua vez, por outros escritos que como o Poimandrés, o Asclépio e a Koré
Kosmou, pertencente aos Extratos de Estobeo, descrevem o conjunto da Revelação de Hermes, cujo fim
último é conseguir que com a aprendizagem e conhecimento da Cosmogonia, da gênesis do mundo e da
alma humana, ou seja do Plano Intermediário, o adepto vá acordando em si mesmo o Nous (o Espírito
universal), e a possibilidade com isso de contemplar a realidade do que está além do cosmos, ao Um e Só,
no que reside o verdadeiro Bem. Dentro dos Hermética, temos de considerar igualmente os Oráculos
Caldeus, de Juliano, o Teúrgo e , claro, todos aqueles livros e tratados de caráter astrológico, alquímico e
mágico que falam das correspondências e analogias entre o homem, os diferentes reinos da natureza
(mineral, vegetal e animal) e o mundo celeste: os planetas, o zodíaco e as constelações estelares,
caracterizando tudo isso uma visão do cosmos considerado como um todo, onde as partes que o integram
respondem a estímulos semelhantes, manifestando desta maneira a Unidade que os une entre si e da qual
procedem pois, como dizem os textos, "o conhecimento (a gnose) é a culminação da ciência".
Falamos, por exemplo, do Livro de Hermes Trismegisto, O Transe de Salomão, O Livro Sagrado de Hermes
a Asclépio, O Livro das virtudes das ervas, as Kyranides, etc. Destacar também a Hieroglyphica, cujo autor,
Horapolo (nome integrado por Hórus e Apolo, as duas divindades solares de Egito e Grécia) fala-nos da
serpente ou dragão Uroboros, ideograma alquímico que foi considerado posteriormente pelos hermetistas
medievais e renascentistas como um dos símbolos da Grande Obra. Deixar constância também da figura de
Bolos de Mendes, que viveu no século II a.C. e autor do Livro das Simpatias e de Física e Mística, onde se
descrevem as correspondências entre a ciência da natureza e a ciência divina. E desde já não devemos
esquecer do alquimista Zósimo de Panópolis e de duas de suas principais obras: Conta Final e Questões
Alquímicas, nas quais deixou escrito que "a raça dos filósofos está acima da fatalidade", evocando ao
mesmo tempo ao "três vezes grande Platão e ao infinitamente grande Hermes".

21

COSMOVISÃO HERMÉTICA ALEXANDRINA

O universo foi criado por uma vibração sonora primordial, emitida no princípio, quer dizer, agora mesmo
(pois a revelação é coetânea com o tempo), pela Palavra, Verbo ou Logos spermatikós, que é também o
Mediador através do qual o Ser Supremo, o Pai, concebe o modelo do mundo. Este Mediador ou
Intermediário entre a Unidade primigênia e o mundo hílico (material) recebe o nome de Nous Demiurgo ou
Espírito da Construção Universal. Por sua vez, o Nous Demiurgo governa sobre as divindades astrais que
regem cada uma das esferas planetárias, que organizam, junto às divindades zodiacais, a Roda do Destino,
na qual se projeta a existência dos seres e das coisas. Este é o plano no qual atua diretamente o Anima
Mundi, ou segundo 'Demiurgo' (o Adão Protoplastos), que conjugando as energias contrárias e duais
implícitas já nessas divindades, gera o fluir perene e harmonioso dos ciclos e dos ritmos cósmicos.
Finalmente, essas energias celestes descem ao plano hílico ou Corpus Mundi, ao qual insuflam vida e ordem
a partir das qualidades respectivas dos quatro elementos em suas variadas combinações. A natureza torna-se
então um recipiente onde se refletem os diversos níveis da existência universal. E é pelos signos reveladores
que se expressam nela (como se de um oráculo se tratasse) que o homem pode se remontar a sua origem,
ascendendo pelos degraus da Escala Filosófica, pois conserva em seu interior a semente da alma imortal.
Mas essa ascensão se faz efetiva mediante a ciência teúrgica, que põe o homem em comunicação com os
deuses e as entidades angélicas que, mediante o rito e a invocação, transmitem sua inteligência e sabedoria
ao coração do adepto.

Temos assim, muito resumido, o conteúdo cosmogônico do Corpus Hermeticum, que o estudante de nosso
Programa já conhece pelas estreitas vinculações que tem com a Árvore da Vida cabalística.

22

A IDADE MÉDIA

O qualificativo de "idade obscura", que por parte da maioria dos historiadores modernos se atribui ao
Medievo, é uma prova a mais do espesso véu que cobre à excessivamente materializada mentalidade atual,
que em seu desconhecimento a tudo confunde e inverte. No entanto, desde algum tempo já, e desde diversos
campos da investigação, voltou-se a pôr este ciclo histórico no lugar ao qual corresponde, cuja característica
mais notória foi o esplendor e a presença do sobrenatural e do sagrado em todas as expressões de sua
cultura.

Para entender a Idade Média, tal como qualquer época histórica, há que saber visualizá-la dentro do
conjunto do ciclo ao qual pertence. O Medievo europeu corresponde ao ciclo particular da tradição cristã, e
representa um segmento ou parte desse mesmo ciclo, exatamente sua metade, daí a denominação de Idade
Média. Com ela se atinge –entre os séculos VIII e XIV– o ponto álgido, a culminação da idéia de civilização
especificamente cristã, que não obstante se gestara durante o curso dos séculos anteriores (que não devem
de jeito nenhum se desconhecerem), e concretamente desde o momento em que, depois da morte de Cristo,
os apóstolos e seus discípulos começaram a difundir a mensagem por todo Ocidente, chegando até a
Inglaterra.

Este foi o caso de José de Arimatéia e de Nicodemo, de quem se diz eram portadores da copa do Graal que
continha o sangue e a água (o espírito e a alma) que emanaram da ferida de Cristo na cruz. Esta viagem de
José de Arimatéia às ilhas britânicas constitui sem dúvida uma das chaves mais importantes para
compreender o autêntico espírito que animou à cristandade medieval, pois, com toda segurança, produziu-se
uma assimilação da antiga tradição celta –e muito especialmente do aspecto mais interior (esotérico) e
iniciático desta, cujo conhecimento estava em posse dos sacerdotes druidas–, com o cristianismo. A
conhecida e importante lenda do Graal, que circulou por toda a Idade Média (e na qual se relatam as gestas
heróicas e iniciáticas do Rei Artur e dos Doze Cavaleiros da Távola Redonda) [talvez] não houvesse sido
possível sem a herança celta.

Também, muitos outros elementos procedentes de outras tradições se encontraram na Idade Média. Temos o
importante aporte da civilização romana, especialmente no que se refere à organização social e jurídica, na
arquitetura e na arte (o românico, por exemplo), na constituição das corporações de construtores,
semelhantes aos Collegia Fabrorum, e também na idéia do Império e do Imperador como detentor supremo
da autoridade espiritual e do poder temporal (recordemos neste sentido a criação do Sacro Império Romano,
auspiciada pelo imperador Carlos Magno, e com o qual se dá começo propriamente à Idade Média), ainda
que desde o ponto de vista exotérico estas funções estivessem às vezes assumidas pelo papado e pelos reis,
respectivamente.

No âmbito puramente ontológico que assentou as bases da filosofia medieval, há que se mencionar, entre os
séculos IV e V, os chamados Pais da Igreja, como Dionísio Areopagita, Clemente de Alexandria, Santo
Agostinho, Orígenes e Máximo, o Confessor, conhecedores todos eles das doutrinas herméticas, platônicas e
gnósticas, das quais extraíram o mais essencial.

Mas a Idade Média não poderia compreender-se em sua totalidade se não tivéssemos em conta igualmente
às outras duas tradições abrahâmicas: a judaica e a árabe. Quanto à primeira, é evidente que o cristianismo,
por suas origens, procede diretamente do Antigo Testamento, e a expressão judaico-cristã convinha
perfeitamente a certas organizações do esoterismo cristão, às quais não eram desconhecidos os ensinos da
Cábala, cujo maior apogeu se deu também durante este período, sobretudo na França e na Espanha. No que
respeita à tradição islâmica, é notória a influência que esta exerceu entre as artes e as ciências, e se conhece
a importância que teve na propagação dos textos alquímicos e da Tradição Hermética em geral.

Neste sentido, há que se assinalar o papel que teve a península Ibérica, já que fundamentalmente, através
dela, a extraordinária riqueza da cultura árabe (e com ela a recuperação da antiga filosofia grega,
especialmente Pitágoras, Platão e Aristóteles) foi conhecida em toda Europa. Por outro lado, temos os
intercâmbios mantidos pelos iniciados muçulmanos e os cristãos durante a época das Cruzadas, fato que
propiciaria uma comunicação de ordem doutrinal entre Oriente e Ocidente, que perduraria além da Idade
Média, chegando até o Renascimento, depois do que se imporiam definitivamente as filosofias e ciências
racionalistas inspiradoras da era moderna, sem dúvida a autêntica "idade obscura".

23

O HERMETISMO MEDIEVAL I

Coincidindo com a queda do Império Romano do Ocidente, durante os séculos VI e VII se produz um
período de ocultamento do pensamento tradicional que contrasta com o apogeu conhecido nos séculos
anteriores, que, como assinalamos, teve em Alexandria seu foco de irradiação mais importante. Este
ocultamento também afetou a Tradição Hermética, que depois do desaparecimento da escola de Alexandria
e de Atenas se concentrará em determinadas cidades do Próximo Oriente, e especialmente em Bizâncio
(Constantinopla), naquela época capital do Império Romano do Oriente, já completamente cristianizado.
Efetivamente, Bizâncio aparece como a herdeira mais importante do legado hermético e neoplatônico, e em
definitivo da cultura clássica, que ali viverão um novo florescimento, perdurando até bem depois do início
da Idade Média. Essa herança está presente, por exemplo, na obra do bizantino Miguel Psellos (século XI),
grande comentador do Corpus Hermeticum, de Platão, Proclo, Dionísio Areopagita, etc., e que
posteriormente exercerá uma notável influência na tradição renascentista.

Mas o Hermetismo medieval ressurge com força sob o impulso da nascente civilização islâmica, que em
menos de cem anos se estende da China e da Índia até a Península Ibérica. Efetivamente, existem numerosos
adeptos árabes que traduzem para sua língua os livros herméticos (sobre Alquimia, Astrologia, Magia,
Matemáticas, Medicina, e as ciências da natureza em geral), o que faz possível que estes se conservem e
passem a ser traduzidos posteriormente ao latim, permitindo assim sua difusão por toda Europa. Isto se
acompanha com as traduções do "divino" Platão e de toda a tradição filosófica emanada de seus ensinos.
Tudo isto, como dissemos, passará ao Ocidente, que na época de expansão do islã (séculos VIII-IX) vivia
sumido na difícil transição da Idade Antiga à Idade Média.

Por outro lado, não é mera casualidade, senão algo que depende dos desígnios divinos que entretecem a
estrutura invisível da história, que simultaneamente à penetração árabe na Península Ibérica (século VIII),
estivesse sendo gestada a unidade política, cultural e religiosa da cristandade sob a autoridade temporal e
espiritual do Sacro Império Romano, instituído por Carlos Magno, e com o qual começa definitivamente a
Idade Média, como vimos no capítulo anterior. Esta unidade vai facilitar que, através da Espanha
muçulmana (país que recebe a denominação de "Porta Real da Alquimia" e "Porta Solar"), a arte e a ciência
sagrada de Hermes cheguem efetivamente a Europa. Por cima das diferenças que possam afetar às relações
que entre si mantêm os exoterismos das civilizações tradicionais, sempre prevalecerá o ponto de vista
esotérico e metafísico, que as identifica no essencial. O Califado de Córdoba e, mais tarde, Toledo são as
cidades nas quais se produz o verdadeiro renascimento medieval, e onde frutiferamente vão conviver as três
tradições do livro: judaísmo, cristianismo e islã. Mas é especialmente com a escola de tradutores de Toledo
que começa a se verter ao latim o hermetismo acumulado e desenvolvido pelos árabes. Sábios vindos de
todos os países da cristandade (por exemplo Miguel Escoto e Gerardo de Cremona) coincidem na cidade
imperial, "crisol de alquimistas".

Junto a Toledo temos de ressaltar a enorme importância das Escolas de Chartres e de Oxford (Séculos XII e
XIII) na difusão das idéias herméticas e platônicas. À primeira pertenceram Bernardo de Chartres,
Guilherme de Conches e Bernardo Silvestre, todo eles continuadores da obra de João Escoto Erígena (século
IX), monge irlandês que recebe por sua vez a herança do hermetismo alexandrino e do platonismo cristão de
Dionísio Areopagita. Na segunda encontramos ao já mencionado Miguel Escoto, alquimista e astrólogo, a
Robert Grosseteste e Roger Bacon, conhecido como o "Doutor Mirabilis" pela grande síntese que realizou
de todos os ramos da Ciência Sagrada.

Pela importância que tiveram no desenvolvimento do Hermetismo medieval merece destacar-se a tradução
do Livro de Morieno, no qual se relata a lenda segundo a qual Hermes Mercúrio, o "Pai dos Filósofos"
recuperou as ciências e artes sagradas depois do dilúvio. Traduz-se também a Tábua de Esmeralda, texto
fundamental da Alquimia greco-egípcia posto sob a autoria do próprio Hermes Trismegisto, e cujos doze
pontos constituem um resumo sintético de todo o ensino da Grande Obra. Não menos importante é a
tradução da Multidão dos Filósofos, onde se descreve, em forma de diálogos alquímicos, o acontecido num
congresso imaginário de filósofos gregos como Pitágoras, Sócrates, Demócrito, Parmênides, etc. Também o
livro alquímico e astrológico Picatrix, tradução que se faz durante o reinado do rei sábio Alfonso X, ao qual
se deve a redação do Lapidário, onde se fala das propriedades mágicas do mundo mineral posto em relação
com as energias astrais e planetárias. O mesmo ocorre com o Livro da Misericórdia, do célebre alquimista
árabe Geber. Séculos mais tarde, em pleno Renascimento, Cornélio Agrippa, influenciado pelos ensinos
deste autor, escreve em Da Filosofia Oculta: "Ninguém pode sobressair na arte alquímica sem conhecer os
princípios em si mesmo, e quanto maior o conhecimento de si mesmo, maior será o poder de atração
adquirido, e se realizarão mais coisas grandes e maravilhosas". Este é o fundamento da Alquimia natural e
espiritual, que o grande metafísico sufi Ibn Arabi desenvolverá em sua obra A Alquimia da Felicidade
Perfeita, mostrando as etapas que o iniciado deve atravessar em sua “viagem", descendo primeiro aos
planos elementares até retornar, numa ascensão vertical, a "A Força do Elixir" da Sabedoria Divina. Em dita
ascensão, a alma do peregrino percorre os céus planetários revestindo-se da luz cognoscitiva que mora em
cada um deles, chegando finalmente ante a presença do "Trono Divino", "motor imóvel" ou Arquétipo
Supremo no qual será absorvido numa plena identificação.

No hermetismo cristão esta descrição do universo espiritual se representará iconograficamente com uma
série de círculos concêntricos, com a terra em seu centro, girando em torno dela os três elementos restantes
mais o éter, os sete planetas, o zodíaco, o céu das estrelas fixas ou Empíreo, morada do fogo puro e eterno,
em cima do qual aparece a figura da Divindade. Esta imagem do mundo, enraizada na astrologia de
Ptolomeu e no Timeu de Platão, influirá notavelmente em Dante, que escreveu a Divina Comédia baseando-
se em parte nos ensinos do sufismo islâmico, e especialmente em quem foi um de seus máximos
representantes, o já nomeado Ibn Arabi. Este era considerado "Filho de Platão" e o "Mestre por Excelência",
que tinha atingido o grau de "enxofre vermelho", que não é outro que o estado espiritual, que em linguagem
alquímica cifrada serve para designar àquele que chegou de maneira definitiva ao Conhecimento mediante a
obtenção da "Pedra Filosofal".

24

DIONÍSIO AREOPAGITA

Durante toda a Idade Média e Renascimento, foi extraordinária a influência deste autor, representante do
pensamento neoplatônico e da autêntica espiritualidade cristã. Supostamente se apresenta nosso personagem
como discípulo direto de São Paulo, que serve para difundir seus escritos e evitar censuras por parte da
igreja “oficial”. Sua “teologia negativa” na corrente de Proclo e Plotino, influiu diretamente em toda a Idade
Média anterior a São Tomás (o que inclui vários séculos), em particular (para citar um só exemplo) na
escola do Chartres, e igualmente em mestre Eckhart (e em Tauler e Suso), em Nicolás de Cusa e São João
da Cruz, entre outros tantos sábios, teólogos e teósofos ocidentais. Escreveu um tratado sobre Os Nomes
Divinos e outro texto sobre Teologia Mística, além de um livro sobre Astronomia. Conservam-se, também,
algumas de suas epístolas. Reproduzimos aqui duas de suas cartas dirigidas a adeptos.

“A Doroteu, Ministro:

A treva divina é aquela luz inacessível na qual, diz-se, Deus habita1. E como aquela seja inapreensível por
causa da difusão exuberante de sua luz sobrenatural, entretanto, nela descansa qualquer que mereça
conhecer e ver Deus, e pela mesma razão pela qual não vê nem conhece, este mesmo existe naquele que
transcende qualquer visão e conhecimento, sabendo só do que está além das coisas sensíveis e inteligíveis,
dizendo de uma vez que o profeta: ‘para mim é admirável sua ciência, tão elevada que jamais poderei
alcançá-la’2.

Deste modo é como se diz do divino Paulo, que conheceu Deus quando soube que ele existia transcendendo
toda ciência e inteligência; deste modo diz (ele) que seus caminhos são indecifráveis e inescrutáveis seus
juízos3, inenarráveis seus dons e sua paz ultrapassa a todo entendimento4, já que descobriu Aquele que é
totalmente transcendente e soube, de um modo que ultrapassa qualquer inteligência, que Aquele que é autor
de todas as coisas, é também superior a todas elas.”
1
I Tim., VI 16.
2
Salmo 139 (Vulgata, 138), 6.
3
Romanos, XI, 33.
4
Filipenses, IV, 7

“A Sosipatro, Sacerdote:
Não te julgue vitorioso, venerado Sosipatro, por atacar aquele culto ou opinião que não te parece legítima
pois, se arguíres retamente contra eles, não por isso demonstrarás o valor positivo de tuas afirmações; pode
ser que, tanto para ti como para outros, escape-te a verdade, que é, por sua vez, oculta e verdadeira, a favor
das aparências.

Pois não é bastante que um objeto não seja vermelho ou brilhante, para que seja branco; nem, se alguém não
for cavalo, não por isso necessariamente é um homem. E assim, se me quer escutar, isto é o que fará; desiste
de falar contra seus adversários, e que tudo o que diga seja para estabelecer a verdade de tal maneira que
não sejam válidas as coisas que se digam contra ti.”

25

O SIMBOLISMO HERÁLDICO

A heráldica representa uma expressão mais da simbólica tradicional do Ocidente. Propriamente dita, ela
aparece com a constituição das ordens de cavalaria medievais, pelo que tudo o que a ela se refere está
diretamente relacionado com a casta dos guerreiros e da nobreza em geral. Muito apropriadamente era
chamada a "ciência heróica" ou a "nobre ciência", ainda que também é verdadeiro que existia uma arte
heráldica eclesiástica e das corporações de artesãos, esta última muito estendida durante o Renascimento. O
rico e complexo simbolismo heráldico seria mais uma antiqualha se realmente não encerrasse um sentido
esotérico e fundamentalmente sagrado, que precisamente é o que lhe dá todo seu relevo e importância, e
sobretudo o que o converte em plenamente atual e vivo. Sem dúvida a peça central e mais importante da
heráldica é o brasão ou escudo. Etimologicamente, o termo brasão deriva do verbo alemão blasen que
significa "sopro", revelando com isso a presença de uma inspiração espiritual e divina na elaboração do
mesmo. Neste sentido, antes do advento de uma arte escrita e figurada, o brasão era clamado pelo heraldo de
armas no campo de batalha e nos torneios, utilizando para isso também a música, ou seja, que era
transmitido por meio da palavra e do som. E tudo o que já dissemos no Programa Agartha sobre a
semelhança e a complementaridade entre o simbolismo sonoro e oral e o simbolismo geométrico e visual,
cabe neste caso particular. Em primeiro lugar, no escudo heráldico se plasma a arte da divisa e do emblema.
A divisa é uma sentença, uma frase criptogramática que constitui a alma do que aparece no mesmo,
enquanto o emblema é a figura ou o corpo.

Em geral todo o mundo da natureza, os animais (incluídos os fabulosos como o dragão e o grifo), as flores e
plantas, as pedras, os metais, os planetas e as estrelas participam da plástica e da simbólica do brasão. Uma
figura freqüente neste é o castelo ou qualquer outra fortaleza; iniciaticamente, são símbolos da alma
regenerada, da cidade, recinto ou palácio interior fechado às influências profanas. Na realidade, a arte do
brasão, sua técnica espiritual, consistia em estabelecer um sistema de correspondências e analogias entre o
plano visível e o invisível, o natural e o sobrenatural, tratando-se pois de uma ciência e de uma arte
verdadeiramente hermética, e vinculada portanto à idéia de "o que está acima é como o que está abaixo".
Não se deve esquecer que para a mentalidade do homem tradicional e arcaico a natureza inteira é uma
hierofania, ou seja, uma manifestação do sagrado. Neste sentido as diferentes espécies naturais
representadas no brasão estão expressando seus correspondentes arquétipos espirituais, e num grau menor as
diferentes tendências psicológicas a elas adscritas. E em tudo isto, o homem como intermediário, já que é ao
próprio universo interior deste que se refere todo o código heráldico. Por exemplo, se a águia é um animal
eminentemente celeste, a atitude com a qual geralmente se lhe representa (as asas abertas, que em ocasiões
abarcam todo o escudo como se o contivesse) não faz senão simbolizar o vôo do espírito para as regiões
superiores. Também, a atitude de galhardia e fereza do leão, animal terrestre, evoca e infunde o valor
interior imprescindível para combater contra as potências obscuras e caóticas do inconsciente. E o grifo
(metade águia e metade leão) supõe um estado intermediário no processo que conduz do terrestre ao celeste.
Também se deve considerar o brasão como um instrumento não só para se defender dos inimigos físicos,
senão, o que era mais importante, como um marco protetor contra as sutis influências inferiores.
Em todo caso a aquisição de um brasão estava em relação direta com a evolução espiritual daquele que o
pretendia, o que sem dúvida eximia de qualquer privilégio fictício e oportunista. Igualmente o significado
esotérico dos símbolos, figuras e cores revelava o grau espiritual que tinha atingido seu possuidor; e isto
mesmo se fazia extensivo ao escudo heráldico de uma corporação, cidade, reino ou nação. Neste sentido,
para conhecer a verdadeira essência e personalidade espiritual de uma cidade ou região nada melhor do que
pesquisar nos símbolos presentes em seus brasões. Compreende-se então a importância destes porquanto
eram receptores e transmissores de idéias-força e autênticas imagens-mandalas, contendo alguns deles
conhecimentos de ordem metafísica muito elevados.

26

ARQUEOLOGIA

É freqüente ver em quase todas as grandes e médias cidades do mundo museus arqueológicos que recolhem
os monumentos e as artes da Antigüidade. Embora as origens da Arqueologia se remontem à Itália do
Renascimento, podem encontrar-se vestígios dela em certos autores clássicos, como, por exemplo, o
historiador Dionísio de Halicarnaso, que pôs o título de Arqueológica a uma de suas obras; entretanto,
somente no século XIX que a Arqueologia se converte em ciência oficialmente aceita. Por outro lado é
durante esse século que surgem quase todas as ciências que se dedicam ao estudo do passado do homem e
da terra; assiste-se ao nascimento da antropologia ou etnologia, da paleontologia, da história das religiões,
da geologia, etc. Poderia quiçá perguntar-se o porquê deste repentino interesse pelo passado, pelo pretérito,
pelo antigo, e responderemos que isso só foi possível pelo fato de que no século XIX, e sobretudo no
Ocidente, ter-se virtualmente perdido todo vestígio da Tradição, ao menos de uma maneira visível e externa,
pelo que era perfeitamente lógico que o homem começasse a esquadrinhar nos fragmentos de seu passado
histórico para assim reconstruir o que foi a vida de seus antepassados, pois a sua própria sumia em uma cada
vez mais estéril mediocridade. Acontece também que no século XIX é quando se acabam de consolidar
definitivamente o positivismo materialista e o racionalismo, que vinham sendo incubados desde já fazia
tempo, que deviam influir decisivamente na mentalidade da época. Deste modo, pode ser dito que tais
ciências foram o resultado dessa visão excessivamente voltada para o exterior, que por certo é a que ainda
impera na maioria dos arqueólogos oficialistas, que a projetam nos próprios objetos de seu estudo. Estes se
empenham em não ver em seus achados outra coisa que restos mais ou menos interessantes e curiosos, aos
quais terá que classificar (e enquadrar) segundo uns parâmetros que eles mesmos estabeleceram para sua
comodidade investigadora.
fig. 27

Outra conseqüência igualmente equivocada, produto dessa mentalidade positivista, é a de não se atentar para
as diferenças qualitativas que se dão entre os homens e civilizações das diferentes épocas e períodos
históricos, como se o tempo transcorresse uniformemente e fora homogêneo. Assim, segundo esse critério, a
mentalidade do homem moderno, alheio por completo a qualquer intuição e sentimento sagrado e
transcendente, seria idêntica à do homem das sociedades tradicionais, que pelo contrário considerava que
todos os atos de sua existência cotidiana estavam impregnados de sacralidade. Se a Arqueologia, através das
análises e trabalhos de escavação, trata da reconstrução da vida das sociedades antigas, essas mesmas
investigações não deveriam estar desvinculadas de um rigoroso conhecimento da história e da geografia
sagradas, quer dizer, do tempo e do espaço qualitativos, como tampouco serem alheias às relações que
existem entre os diversos modos e comportamentos culturais e espirituais dos homens que integraram essas
mesmas sociedades.

Visitar um museu de Arqueologia é em certo modo recuperar o sentido da atemporalidade. Todas as peças,
numeradas e catalogadas, estão ali como resistindo ao tempo, negando-se a deixar de existir
definitivamente. Alheios a qualquer prejulgamento, daremos conta de tudo o que o homem, inspirado nos
princípios metafísicos que formaram sua civilização, é capaz de criar, de fazer, de edificar, em definitivo de
plasmar na pedra ou qualquer outra matéria ou substância, refletindo a beleza de seu mundo interior. Pois
essas colunas e arcos, essas esculturas, pinturas, cerâmicas, baixos-relevos, mosaicos são símbolos e gestos
que o rito do trabalho artesanal pacientemente elaborou e fixou: de repente toda a cultura humana está aí
representada. Um museu arqueológico é na verdade um discurso onde se expressa o antigo (este é
precisamente o significado etimológico de arqueologia), termo que não deve ser confundido com o velho e o
caduco; melhor se relaciona com tudo aquilo que é perene e que reflete as idéias ou arquétipos universais.
Neste sentido, o antigo é perfeitamente atual. E um museu arqueológico pode ser um lugar excelente de
meditação (assinalemos que a palavra Museu procede de Musa) se o abordarmos não com olhos de
"especialista", mas sim como se tratasse de uma evocação poética onde com toda probabilidade
encontraremos uma parte ou aspecto esquecido de nós mesmos.

27

ALFONSO X, O SÁBIO - I

Por razões históricas e geográficas, Toledo é o centro da Península Ibérica. Também o é por razões
simbólicas e metafísicas, e a Tradição assinala, por um lado, a antigüidade desta cidade, que se remonta à
origem dos tempos, ou seja, do tempo mítico, e por outro, a sua relação com a Atlântida, também presente
nas raízes TL de seu nome. Queremos nos referir neste trabalho a Alfonso X, o Sábio, verdadeiro ponto
central da história da Espanha (à qual, por outra parte, recompilou), como o monarca mais importante de
Castela, que deu à Espanha sua unidade, sua língua, e inclusive sua época de hegemonia mundial, incluindo
a conquista da América.

Na história da Espanha medieval se sobressai a figura eminente do rei castelhano (1221-1284), filho por sua
vez de outro grande rei, Fernando III, o Santo. Alfonso X era chamado o Sábio sem dúvida devido aos
vastos conhecimentos que possuía sobre as diversas disciplinas e ramos do saber. Ele deixou escrito que um
rei, para ser considerado como tal, deve ser o primeiro dos homens em conhecimento e sabedoria, pois só
assim advém o reflexo na terra da Inteligência Suprema. Além disso, Alfonso X, por sua dupla condição de
rei e sábio, reunia em sua pessoa a síntese entre o poder temporal e o espiritual, que como já sabemos
constituem as qualidades principais de todo verdadeiro Imperador. Possivelmente esta foi a razão (além de
questões dinásticas e de herança nas quais não entraremos) pela qual, durante grande parte de seu reinado,
pretendeu a coroa do Sacro Império Romano-Germânico. Acreditava ser descendente da linhagem imperial
que vem desde Alexandre Magno, passando pelos imperadores romanos, até seu tio Frederico II. E, além
disso, para Alfonso X esta linhagem tinha origens celestes, já que tinha sido instituída pelo próprio Júpiter, a
quem via como uma prefiguração greco-romana de Cristo. Se não o conseguiu foi devido às disputas e
interesses da política que em ocasiões empanaram os vínculos entre a realeza e o papado.

Com toda segurança, o que aconteceu posteriormente na história européia teria tomado outros rumos se
Alfonso X tivesse sido entronizado como Rex Romanorum. Não obstante, isto não foi óbice para que o
frutífero trabalho do rei sábio exercesse uma notável influência no terreno da filosofia, das artes e das
ciências de seu tempo e, o que é mais importante, que esse trabalho estendesse uma ponte entre as culturas
tradicionais do Oriente e do Ocidente.

Graças à Escola de Tradutores de Toledo (auspiciada por seu pai Fernando, quem tomou como modelo as
criadas séculos antes pelos califas omíadas de Córdoba), a riqueza da civilização e cultura islâmicas (e
através destas, da filosofia grega) puderam ser conhecidas na Europa cristã. Nesta escola, a mais importante
da época, participavam por igual doutores e sábios árabes, judeus e cristãos, o que refletia o espírito de
convivência que caracterizou, durante grandes períodos da idade média hispânica, às três tradições do tronco
abraâmico.

Os livros e tratados sobre astronomia, alquimia, música, medicina, geometria, agricultura e outras artes e
ciências herméticas, hebraicas e árabes, foram traduzidos ao latim e às diversas línguas românicas e
vernáculas faladas na Europa. Igualmente o idioma castelhano, ao qual também foram traduzidas muitas
dessas obras, experimentou um enorme enriquecimento graças, sobretudo, à influência árabe, convertendo-
se também no veículo de uma cultura.

28

A CIZÂNIA
A parábola evangélica da cizânia (Mateus XIII, 24-30 e 36-43), entre outras significações de ordem
espiritual, também nos ilustra a respeito da dualidade implícita no processo iniciático, ao menos até certa
etapa deste.

Na iconografia alquímica, representa-se com freqüência a imagem de um agricultor que pulveriza sementes
em seu campo, já preparado para o arado, que é acompanhado por um anjo (princípio supra-humano ou Eu
do homem) que parece lhe sussurrar palavras celestes ao ouvido. O campo é nossa alma, e o grão de trigo é
a semente do Ensino e do Conhecimento, sendo necessário, para nossa saúde interior, que frutifique e se
faça poderosa.

Mas em nós também existe o mau semeador, que de maneira furtiva, e amparado nas sombras da noite e da
ignorância, tenta destruir, semeando cizânia, a obra começada, desviando-nos do caminho que a razão e
intuição superior nos diz que é o que devemos seguir. Este mau semeador é o "ego", a alma inferior, cujo
alimento e sustento são os frutos "deste mundo".

Entretanto, a mesma parábola nos explica que não devemos nos precipitar e cortar a cizânia recém brotada,
pois se corre perigo de cortar deste modo o broto de trigo. No princípio, e enquanto se desenvolvem, terá
que os deixar crescer juntos.

Para a economia divina, que se expressa como ordem cósmica, o bem e o mal, ou melhor, clemência e rigor,
supõem uma dualidade fundamental e imprescindível, deixando entrever por isso mesmo a idéia da unidade
ou equilíbrio conciliador dos opostos no Amor e na Beleza inteligíveis. De entrada, não devemos desprezar
quão negativo há em cada um de nós, pois sua presença nos oferece o contraste da sombra e do reflexo
invertido.

Levado ao plano psicológico, "não dever cortar a cizânia até que tenha crescido" quer dizer que é necessária
a manifestação de todas as tendências inferiores que levamos dentro, já que as ocultar poderia supor, por um
lado, o desconhecimento de uma parte de nosso ser, e por outro –haja vista que, de uma maneira ou outra,
essas tendências existem–, é provável que ao final, se não forem expressadas ao exterior, acabem escavando
o melhor de nós mesmos.

Mas é importante o não esquecer que isso deve ser feito amparado na Doutrina e na Tradição, que atuam
como moldura protetora (sagrada). Só assim o inferior poderá ser canalizado, purificado e transmutado (pelo
fogo sutil) num elemento superior, que na parábola fica exemplificado pela dourada espiga de trigo, fruto
que simboliza o estado de regeneração iniciática e espiritual.

29

GEOMETRIA
O universo inteiro é uma dança cujo sentido só se pode achar nos traçados invisíveis que ela forma. A
Geometria se ocupa do estudo destes padrões e ordens harmônicos que, longe de serem estáticos, são
reflexos de idéias geradoras. O Oriente desenvolveu estes padrões que irradiam de um centro e que em
sânscrito se chamam mandalas, como suportes para a meditação.

A Divina Comédia, escrita nos inícios do século XIV, apresenta uma viagem através dos padrões do destino
de acordo com as concepções cristãs medievais. O inferno, o purgatório e o céu são concebidos como
imensos mandalas.

Recordemos que o estudo da Geometria foi recomendado por Platão como um verdadeiro caminho de
iniciação, já que não é mais que a manifestação visível de harmonias invisíveis que podem ser percebidas
como sensações num espaço fisiológico, como emoções num espaço psicológico, ou como formas
geométricas num espaço abstrato. O tipo de relação determina o ser que se concebe e é por isso que ser e
conhecer são equiparáveis.

Só a consciência é capaz de perceber a transparência entre as formas geométricas insubstanciais e as formas


mutáveis e transitórias deste mundo. A arquitetura da existência está determinada por um mundo invisível e
imaterial, composto de forma e por isso de geometria.

Efetivamente, como o testemunha toda a Sabedoria Tradicional, existe uma unidade profundamente
arraigada, que subjaz às múltiplas diversidades aparentemente caóticas deste mundo.

Esta ordem preexiste, manifesta-se em simples relações proporcionais, criando padrões que em sua
harmonia refletem à totalidade e dão forma tangível a uma ordem intangível. No mundo manifestado, a
unidade se reflete como polaridade, já que só pode conceber-se em termos de "mais algo" e "menos algo".
Entretanto a polaridade se refere aos opostos, mas sem indícios ainda de que algo nasce deles. A proporção
é o que nasce desses limites compartilhados: é uma relação e por sua vez um limite que nos abre a porta ao
ilimitado.

Por harmonia entendemos uma ordenada e agradável união de diversidades; já a origem da palavra
harmonia o diz: do grego armos = juntar.

Os mil e um seres nascem da união entre opostos que se complementam, e a aparência material não é mais
que o entrelaçamento de energias e polaridades em diferentes proporções e harmonias, que produzem a
variedade de qualidades desta.

O Livro das Mutações ou I-Ching está baseado no reconhecimento de que as diversidades sempre mutáveis
da existência têm uma unidade subjacente de ordem, no qual tudo está relacionado com tudo. O fundamento
desta ordem é a unidade dos princípios escuro (Yin) e luminoso (Yang) que, combinados de todas as
maneiras possíveis, simbolizam as diferentes situações básicas da vida.
30

ALFONSO X, O SÁBIO - II

Foi precisamente sob o reinado do Alfonso X quando a Cabala conheceu sua época de maior esplendor,
escrevendo o Zohar e outros textos sagrados da tradição judaica. Digamos que, sem a visão universal do
acontecer histórico que possuía Alfonso X, o Ocidente tivesse entrado em um processo de decadência muito
mais acentuado e rápido que o que se conheceu entre os séculos XIV e XVII, decadência que encontra sua
expressão mais clara em nossos dias. Tampouco tivesse sido possível, com a intensidade com que se
produziu, o ressurgimento das doutrinas herméticas durante o Renascimento. Por exemplo os sistemas
astronômicos e astrológicos elaborados naquela época tinham suas fontes nas traduções alfonsinas.

Uma das obras nas quais Alfonso X interveio mais diretamente, além da História Geral foi o Setenario,
onde se recolhem diversas matérias cosmológicas, teológicas, históricas, jurídicas, além de alguns dogmas e
sacramentos próprios da tradição cristã. Mas Alfonso, o Sábio, destacou-se também como um poeta que
cantava a alma do Mundo, sua beleza e harmonia, que viu encarnada na figura da Virgem Mãe. Alfonso X
se considerava um humilde trovador da Virgem, e em suas Cantigas da Santa Maria são narrados alguns
dos milagres intercedidos por nossa Senhora, inclusive vários deles acontecidos na própria pessoa do rei.
Entretanto terá que assinalar que o culto à Virgem não tinha na Idade Média o caráter de beatice simplória
que teve posteriormente, e embora exotericamente sua influência espiritual mantivesse um laço de união
entre a devoção popular e o sagrado, esotericamente era considerada como a "Rainha do Mundo", e portanto
mãe espiritual dos iniciados. As Cantigas de Alfonso o Sábio não estavam tingidas de um vago misticismo;
mais ainda, ao serem musicadas advieram com freqüência verdadeiros hinos oferecidos a Vênus Urânia, a
deusa da Sabedoria, do Amor e da Beleza, três virtudes celestes que sem dúvida este grande rei quis que
fossem as pedras angulares de sua extensa e importante, também para nós, obra cultural.

31

A TRADIÇÃO E A MENSAGEM

A tradição se transmite de maneira horizontal e fecundou diferentes civilizações e individualidades. Mas


isto foi possível mercê à permanente reatualização vertical da Tradição Universal, que se revela com novas
formas (de acordo a um concerto de forças que se entrelaçam harmonicamente e que incluem em sua
orquestração as circunstâncias pessoais daquele, ou daqueles que a encarnam e a transmitem),
regenerando assim a Tradição Originária, o que permite a continuidade da cadeia de união ao longo da
História e a possibilidade sempre presente da iniciação, da realização espiritual, da metanóia. Por outra
parte esta urgência de transmitir a seus semelhantes esta Mensagem, que sentem aqueles em quem a
doutrina e o símbolo se vivificaram, encontra-se particularmente aguçada nos tempos atuais, onde um fim
de ciclo obriga a redobrar energias na realização vertical, como igualmente na difusão horizontal.
32

O HERMETISMO MEDIEVAL II

No Ocidente, o século XII representa a expansão das ordens monásticas e da cavalaria, entre as quais se
destaca a do Templo, que são as que detêm praticamente a totalidade da doutrina e do saber tradicional. Não
é de se estranhar, pois, que fossem em sua grande maioria clérigos, abades e homens de igreja os que, em
suas peregrinações, serviram de enlace na propagação do Hermetismo no continente, sem esquecer as
relações que entre si mantiveram a cavalaria cristã e islâmica. Mas a tradição de Hermes, com seus mistérios
mágicos e teúrgicos, infunde no espírito do homem medieval um amor para a natureza que no Ocidente não
se conhecia desde a Antigüidade greco-latina; amor que é motivado também pela influência que nesse
tempo exerceu o "Cantar dos Cantares" de Salomão. "Redescobre-se", por assim dizer, a dimensão sagrada
da Natureza, sua beleza transcendente, que se concebe como uma hierofania onde o divino e sobrenatural se
faz presente no próprio seio da “matéria”. Natureza, enfim, visualizada como uma Mulher ao mesmo tempo
Virgem –Natura Naturans– e também Mãe –Natura Naturata–, que ao receber em sua substância as
sementes do Espírito, procria e dá vida (e por isso mesmo devora e mata) às inumeráveis formas que
manifestam a unidade do cosmos, pleno assim de significado simbólico. Por tudo isso, o corpo humano, o
microcosmos, é dignificado e devolvido a sua função analógica de refletir em cada uma de suas partes à
totalidade do macrocosmo, seguindo nisto a máxima hermética de que "o de baixo é igual ao de cima...".

Tendo sempre presente esta imanência do divino na Natureza, as obras do Alain de Lille, Hildegarde de
Bingen, Bernardo Silvestre, Honorius Augustodunensis, e tantos outros, abundam em correspondências
simbólicas entre o homem e o Cosmo. Os ossos, as unhas, os cabelos e os sentidos se relacionam com as
pedras, as árvores, as plantas e ervas, os animais... Na cabeça, redonda como o firmamento estrelado, reside
a inteligência e a mens luminosa, comparando-se com o céu das estrelas fixas que rodeiam o zodíaco, e cujo
giro perene é impulsionado pelo sopro divino. O peito, e mais concretamente o coração, alberga as emoções
e sentimentos superiores vinculados com os deuses e as entidades angélicas. A parte inferior e instintiva
corresponde propriamente ao homem físico e à terra. Todas estas correspondências são reveladoras de uma
cosmosofia que servirá de base para o posterior desenvolvimento da Filosofia Oculta do Renascimento.

Mas antes deve chegar o século XIII e a definitiva consolidação do Hermetismo, que de forma sutil e
vivificante penetra, como já dissemos, em virtualmente todos os círculos intelectuais, artesanais e
esotéricos. Por outro lado, não terá que esquecer as diversas correntes da Cabala hebraica, cujo centro de
irradiação está na Espanha e na Provença francesa. Neste século, a concepção filosófica, cosmológica e
teosófica da Idade Média encontra sua mais plena expressão na catedral gótica, que, como o templo
românico, constitui um compêndio do universo material e espiritual. Esculpidos na pedra (sentida como
matéria viva e não inerte) descrevem-se os diversos reinos da Natureza elemental, o mundo intermediário
com seus monstros guardiães e seres fabulosos, o gênero humano representando cenas exemplares e da
história sagrada, as hierarquias angélicas e celestes, e finalmente, presidindo todo este conjunto matizado
que se eleva em vertical para o céu, a figura da divindade em atitude de presença imutável. Esta visão
escalonada de baixo para cima e de cima para baixo, sugere a idéia de uma transmutação alquímica ligada
deste modo à descrição de uma geometria sutil do cosmos que a própria catedral expressa, com a planta
quadrada (ou retangular), as colunas, e a cúpula circular arrematada com a "chave de abóbada". O círculo
(céu) que engloba o quadrado (terra) ou o quadrado que emoldura o círculo, simbolizam a interpenetração
do tempo e da eternidade no devir da existência manifestada. Esta geometria filosofal formava parte dos
ensinos pitagóricos e platônicos transmitidos em grande medida pelo Hermetismo aos arquitetos
construtores, que não eram outros que os maçons e companheiros operativos. Efetivamente, junto aos
grêmios de construtores, trabalhavam em perfeita harmonia os astrólogos, magos e mestres alquimistas; e
essa convivência, selada na catedral, era uma amostra da definitiva síntese que durante séculos se forjou
entre a filosofia hermética e a espiritualidade cristã, de onde surgiu o chamado hermetismo cristão e do qual
deveria sair também o código do TARÔ, tal e como chegou até nossos dias. Igualmente, dessa confluência
doutrinal entre ambas as tradições, nasceram várias organizações heterodoxas e iniciáticas que, como os
“Irmãos do Livre Espírito” e os “Fiéis de Amor” (estes últimos estreitamente vinculados com a Ordem do
Templo) propugnavam uma iniciação baseada nos mistérios do amor (cantados também por jograis e
trovadores) como uma forma de aceder ao Conhecimento: a mulher como personificação da Sophia
(sabedoria) divina, que tão somente se descobre ao homem quando a alma ou psique foi alquimicamente
reduzida à “matéria prima”.

Assim que à abundante e bela criação literária da época, o rastro hermético se deixará sentir poderosamente,
como no célebre "Romance da Rosa", de conteúdo épico e cavalheiresco, onde se descreve a gesta iniciática
da busca do Templo interior (a Jerusalém Celeste), prefigurada já na arquitetura do Templo do Salomão.
Mas o hermetismo cristão também estaria presente em homens de Igreja da talha de Mestre Eckhart, São
Alberto Magno, São Boaventura, Roger Bacon, Michel Scot, Robert Grosseteste, e inclusive em papas como
João XXI e Silvestre II (este no século XI). De novo na Península Ibérica encontramos o médico e
alquimista catalão Arnau de Vilanova, em cuja obra "O Rosário dos Filósofos" destaca as correspondências
existentes entre a paixão, morte e ressurreição de Cristo e os processos da Grande Obra. Pela mesma época,
na Espanha também, o judeu Moisés de León escreve o Sefer Ha Zohar ou "Livro do Esplendor", obra
fundamental, junto com o Sefer Ha Yetsirah, da Cabala hebraica. A Cabala teve uma notável influencia no
filósofo e teurgo marroquino Ramón Llull, criador de um sistema astrológico-alquímico, o “ars
combinatoria”, baseado nas combinações e permutações entre as diversas letras, nomes e atributos divinos
relacionados com as figuras geométricas primitivas do triângulo, do círculo e do quadrado, figuras que
simbolizam cada um dos três mundos. Este é um sistema doutrinário completo e coerente que recolhe o
essencial da teosofia cristã (especialmente dos neoplatônicos Dionísio Areopagita e Scoto Erígena), da
Cabala (Moisés de León e Abraham Abulafia) e também do Islã. Graças ao “ars combinatoria” o adepto
pode comunicar-se com todos os planos do universo, ascendendo e descendendo pela escada da Arte do
nível mais inferior até a Deidade inefável. De algum jeito Ramón Llull foi o primeiro em combinar os
nomes divinos hebreus e cristãos, e com toda segurança em sua obra se inspiraram os magos e humanistas
do Renascimento que iluminaram o importante movimento hermético da Cabala Cristã.

33

METATRON

No Módulo I, título N.º 69, falávamos do Metatron e o associávamos com o arcanjo Miguel; queremos
ampliar aqui um pouco o tema desta figura enigmática da doutrina cabalística. Começaremos dizendo que
seu nome é equivalente numericamente no nome Shaddai (314), que significa "o Todo-poderoso", e em
certas ocasiões o vê como o par da Shekhinah, a imanência divina. Tal é sua importância que às vezes o
confundiu com o princípio chamado Moisés e até com o próprio Demiurgo.

Indefinido e sutil, é o grande intermediário, guardião, enviado e mediador; é Sar Ha Gadol, "Grande
Príncipe", e Kohen Ha Gadol, "Grande Sacerdote", segundo René Guénon, que regula as relações do céu
com a terra. Percorre a Árvore da Vida desde Kether a Malkhuth, morando alternativamente em Tifereth (e
aqui se o assemelha com Cristo) e Yesod. Suas ascensão e descida são axiais.

Mas também a Cabala reconhece um lado escuro em Metatron e portanto na Shekhinah. Ao separar o mal
do bem, as escórias (Keliphoth) formaram um Adão invertido: Adam Belial, e portanto há um Metatron
invertido, a face escura do anjo Mikael: Samael, anjo que tem submetidos a inumeráveis demônios,
entidades ctônicas e não urânicas, terrestres e não celestes, que são invocadas às vezes nos ritos mágicos.

A Shekhinah é a imagem de Deus –emanada d'Ele mesmo– que o faz inteligível, e está implícita em toda a
Criação. Seu par masculino, Metatron, é a potência divina em ação.

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HISTÓRIA SAGRADA
O parêntese entre o final da Idade Média (que a tradição data em 1.314 com o desaparecimento da Ordem
Templária) e os inícios do Renascimento, caracteriza-se por um período em que as estruturas da sociedade
tradicional se debilitam e degeneram rapidamente. É uma época relativamente obscura, que assiste ao
nascimento da Inquisição e ao início das censuras eclesiásticas contra qualquer expressão do verdadeiro
esoterismo. De certo modo, a Tradição Hermética –junto com outras organizações iniciáticas– volta a se
retrair sobre si mesma, seguindo o ritmo marcado pela inexorável lei cíclica de expansão-concentração a que
estão sujeitos todos os movimentos da história e da vida. Além disso, à sombra desta tradição surgiram
numerosos falsos alquimistas (os “sopradores de carvão”, como depreciativamente se lhes chamavam) que
só pretendiam a fabricação do ouro físico, ignorando ou desprezando a vertente cosmogônica e metafísica
do Ars Magna. Estes personagens (que hoje passariam pelos [chamados] "tradicionalistas", de diferente
qualidade) fizeram bastante dano, pois com sua avareza e sua visão limitada ao puramente material
desprestigiaram o trabalho dos verdadeiros adeptos, que por sua culpa tiveram que suportar diversas bulas
papais condenatórias e inclusive perseguições e encarceramentos. Mas isto é tão somente o lado negativo
que apresentam todas as épocas de transição, e em contrapartida o espírito do hermetismo continuaria
iluminando as diferentes facetas da cultura do Ocidente. Assim, e apesar da cobertura protetora que sempre
brinda uma civilização tradicional ter quase desaparecido, isso não impediu que numerosas individualidades
(laicas ou pertencentes a ordens religiosas) continuassem mantendo e difundindo a ciência e o conhecimento
herméticos, que terão uma grande difusão nas cortes européias, onde reis, príncipes e senhores se convertem
em mecenas de alquimistas, magos, teúrgos e astrólogos. Deste modo prosseguem os contatos, nunca
interrompidos, entre o hermetismo e as diversas ordens de cavalaria que subsistiram ou se criaram depois da
dissolução da Templária. As gestas e aventuras iniciáticas contidas na literatura cavalheiresca dessa época
manifestam uma clara influência da Alquimia, pelo que se deduz que o esoterismo hermético-cristão
continuou existindo embora de forma mais secreta e velada. Outro tanto se pode dizer no referente à arte
que, com exceção da arquitetura, conheceu uma particular difusão através da ourivesaria e das artes
plásticas, ofícios que se inspiraram na mensagem cosmogônica e espiritual da Grande Obra. Aparecem
também as primeiras gravuras coloridas, com as quais se introduz o elemento da luz e da cor na rica
iconografia alquímica, que adquire assim uma indubitável beleza estética e simbólica. Mestres herméticos
como João de Rupescissa, Nicolas Flamel, Hortulano, Basilio Valentim e Bernardo Trevisano,
testemunharam com suas vidas e obras o vigor da Arte Real.

Deve se destacar que nestes tempos se estava produzindo a paulatina expulsão dos judeus não conversos da
Espanha, efetivada em 1492. Este novo êxodo de um povo que já habitava a Península Ibérica (à qual
chamaram de Sefarad, daí “sefardim”) desde vários séculos antes de Cristo (segundo algumas crônicas
desde a primeira destruição do Templo de Jerusalém), fez possível que a Cabala penetrasse no resto da
Europa, especialmente na Itália, França, Inglaterra e Alemanha. Nestes países, criaram-se importantes
comunidades cabalísticas que intensificaram ainda mais, se é possível, os vínculos com o hermetismo. Por
outro lado, foram judeus espanhóis que traduziram quase todas as obras herméticas do árabe ao latim e
línguas vernáculas, graças a que adquiriram profundos conhecimentos sobre estas ciências. Muitos destes
sábios foram também alquimistas e astrólogos. Assim, pelo conduto dos judeus a Tradição Hermética
recebeu toda uma série de elementos doutrinais procedentes da Cabala, ficando definitivamente assimilados
por ela, e se constituindo em parte integrante dela a partir de então.

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O NOME I

Tudo o que escapa à atualidade de nosso conhecimento permanece como inexistente ao não poder nomeá-lo.
Nomear é, pois, dar existência inteligível às coisas, resgatando delas sua identidade, sua qualidade e seu
sentido universal. A esta faculdade exclusiva do homem sempre se considerou como um legado divino
vinculado à intuição espiritual; não é sem motivo que seja o próprio Jehovah (YHVH) no relato da Gênese,
quem outorga a Adão o poder de nomear todas as coisas, ou seja, o de atribuir função e destino a todos os
seres e elementos deste mundo em relação a sua natureza essencial.

E embora o próprio mundo e a realidade nos antecedam, é enquanto possibilidade indefinida de descobri-
los, de recriar a multidão de suas diferentes, mas articuladas, significações, que a vida adquire sentido. Todo
verdadeiro conhecimento começa, efetivamente, pela evocação ou reminiscência de um significado cuja
plenitude se pretende enlaçar; e os significados por sua vez cristalizam em um nome –equivalente a um
signo, símbolo, código ou marca que sempre sintetiza um aspecto da realidade cósmica e universal,
realidade cuja plenitude (unidade) é Deus ou o Ser em Si mesmo.

A linguagem, em especial a sagrada, não é mais que a articulação ritmada de todas as possibilidades
inteligíveis dos nomes. Dada a universalidade das dez sefiroth, a doutrina cabalística lhes atribui a função e
o papel de nomes –além da de numerações–, vinculados à identidade e o poder próprio de cada aspecto ou
atributo determinado da divindade que eles expressam; outro tanto ocorre com o importante papel dado aos
99 epítetos sublimes de Allah na tradição islâmica.

Na Cabala, os nomes arquetípicos adotam cosmologicamente um papel polifacético, ao serem tanto relações
ou energias vinculantes, quanto veículos da criatividade divina. Eis o motivo de que sejam considerados
indistintamente como: inteligências, poderes angélicos (construtores e transformadores), idéias-força,
proporções imutáveis, etc.; não é por isso casual que a ciência dos nomes e a arte de sua invocação formem
parte essencial da metodologia e dos rituais iniciáticos de todas as tradições. O que no budismo é a recitação
salmodiada dos mantras, é o japa no hinduísmo, o dhikr no islã, a própria oração em todas; em resumo,
formas particulares de invocação ritual do nome divino.

Em um sentido menos universal, o nome segue também revelando, inclusive literalmente, a essência de seu
portador. Pelo nome o indivíduo se diferencia dos outros indivíduos, sendo o que é e não outro. Pela forma
se identifica, pelo contrário, com a espécie, da que é um representante particular. Paralelamente, os termos
Nama-Rupa (nome e forma) designam, no hinduísmo, a essência e a substância de todo ser individual: as
medidas cosmológicas de sua natureza específica, ou seja aquilo mediante o qual este ser participa
simultaneamente –a seu nível– do universal (celeste) e do particular (terrestre); o nome, neste caso,
simboliza a personalidade essencial, por assim dizer, o Si-mesmo deste ser que, sendo único e idêntico ao de
todo ser, tem uma conotação propriamente universal, enquanto que a forma, sendo "específica", vincula-se a
sua individualidade psicossomática particular, condicionada sempre pelos limites e leis do estado de
existência que ocupa dentro da realidade cósmica.

Ultrapassar, neste sentido, as condições do nome e da forma, equivale a escapar das limitações próprias da
individualidade e da espécie, acedendo ao informal e supra-individual, ou seja, aos estados superiores do
ser.

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ASTROLOGIA

Tal como vimos o zodíaco em seu ciclo anual, dividido em doze signos mensais, também podemos vê-lo em
um ciclo diário no qual a roda zodiacal faz um percurso aparente completo ao girar a Terra ao redor de seu
próprio eixo. Alguns astrólogos consideram que, durante as vinte e quatro horas que seguem ao nascimento
de uma pessoa, refletir-se-á toda sua vida. Para fazerem as observações, dividem a roda do zodíaco em doze
Casas e fazem corresponder duas horas a cada uma delas. Isto determinará o signo ascendente e descendente
do indivíduo e diversos aspectos de sua personalidade. Deve tomar-se em conta, ao realizar o cálculo das
Casas, a latitude do lugar de nascimento, o dia do ano e a hora do dia. As Casas não são, como os signos, de
30° exatos, mas sim oscilam entre os 17° e os 60°.
Lembraremos o simbolismo das Casas e mostraremos como realizar os cálculos para confeccionar o
Horóscopo. Mas repitamos que o fundamental é o conhecimento dos princípios, dos quais derivam as
manifestações particulares.

I. Vita: É a casa do nascimento que indica as particularidades, tendências, talentos e potencialidades do


indivíduo.

II. Lucrum: Refere-se ao plano material, os bens, riquezas e aquisições, assim como à alimentação e ao
mundo físico.

III. Frates: Casa dos irmãos, e também da educação, a instrução e da adaptação ao médio. Relaciona-se com
viagens menores.

IV. Genitor: É a casa dos pais e das características herdadas do meio familiar e social. Refere-se também ao
patriotismo e às sucessões.

V. Filii: Esta casa está relacionada com os filhos, e em geral com o que o indivíduo produz, cria e engendra.

VI. Valetudo: Casa dos súditos, os escravos e os animais domésticos, é também do trabalho, os deveres e as
obrigações.

VII. Uxor: Refere-se ao matrimônio, os afetos e as uniões, e também às alianças e as associações.

VIII. Mors: É a casa da morte e das grandes transformações. É também da decomposição e da putrefação.

IX. Peregrinationes: Casa das peregrinações e grandes viagens, está relacionada com a espiritualidade, a
filosofia, a religião e o mistério.

X. Regnum, Honores: relaciona-se com os objetivos, as dignidades e a glória, assim como com a profissão,
as ambições e as recompensas.

XI. Amici benefacta: Casa dos amigos, benfeitores e admiradores.

XII. Inimici: Nesta casa se vêem os inimigos ocultos, a prisão, o exílio, assim como as enfermidades,
debilidades e doenças.

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HISTÓRIA SAGRADA: O RENASCIMENTO - I

Em parágrafos anteriores, vimos como todas as épocas históricas de que temos notícia desempenharam uma
função específica no conjunto global do ciclo humano. O que se denominou “Renascimento”, e apesar de
sua duração de apenas dois séculos, marcou definitivamente o que deveria ser a historia posterior da Europa
e por extensão do mundo.

Com o desaparecimento do modelo de sociedade tradicional que na verdade representou a Idade Média,
produziu-se uma crise de valores que penetrou em todos os âmbitos da vida e da cultura, manifestando-se,
uma vez mais, um desses períodos críticos que de forma repetitiva e cíclica se dão na história da
humanidade. O Renascimento surge como uma resposta a essa crise, mas por alguma razão que só é
possível compreender quando se tem uma visão global e sintética das leis cíclicas, também preparou o
caminho que inelutavelmente devia conduzir até a era de subversão anti-tradicional que representa o mundo
moderno.
Na realidade, durante o Renascimento se produziu um fato que iria modificar radicalmente as estruturas
sociais, políticas e religiosas que até então tinham imperado no Ocidente. Ao se fragmentar a unidade
política de caráter supra-nacional que se conheceu na Idade Média –unidade fundamentada na convivência
harmoniosa entre o poder temporal e a autoridade espiritual– surgem os estados e as nações, com a
conseguinte afloração dos interesses egoístas e particulares dos governantes, unida ao poder cada vez mais
amplo de um novo corpo social: a burocracia administrativa e a burguesia; o exoterismo religioso aguça seu
dogmatismo, o que traz consigo uma ruptura com o esoterismo, que desde a desaparição da Ordem do
Templo tinha visto diminuir enormemente sua influência espiritual.

Tudo isto traz aparelhado indevidamente um desconhecimento das relações simbólicas e sagradas que o
homem mantinha com o universo. Nasce um conceito novo até então impensável: o humanismo, que reduz
todas as coisas ao ponto de vista simplesmente humano, excluindo de seus esquemas qualquer intervenção
direta do sobrenatural e divino.

Quando já não se compreende em toda sua extensão o símbolo, e seu poder evocador de outras leituras
verticais desaparece, é perfeitamente lógico que o desejo de conhecimento, inato no homem, oriente-se e
procure as respostas no plano exclusivamente horizontal e material. Esta é uma das razões pelas quais o
Renascimento se caracterizou como a época dos grandes descobrimentos geográficos, e que se começasse a
investigar o aspecto puramente mecanicista das coisas, deixando de lado ou ignorando o espírito que as
anima.

Já ao final do Renascimento, homens como Descartes, com suas teorias empíricas e racionalistas,
encarnaram essa visão dessacralizada do universo e do homem. Entretanto, tudo o que se disse até aqui não
deixa de ser o ponto de vista mais exterior e periférico desta época de grandes contrastes que foi o
Renascimento. Este também supôs uma continuação do pensamento tradicional do Ocidente, que não se
perdeu de uma maneira definitiva, mas sim adotou outras formas de se expressar de acordo às novas
condições de existência que se estavam gerando.

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HISTÓRIA SAGRADA: O RENASCIMENTO - II

Não é sem razão que a palavra Renascimento quer dizer um "voltar a nascer" de algo que já era, e não outra
coisa distinta. Assiste-se nesta época a um poderoso ressurgimento da Tradição Hermética e das ciências a
ela vinculadas como são a Alquimia e a Astrologia. Vemos igualmente como esta tradição se converte no
receptáculo para onde confluem diversas correntes esotéricas e tradicionais. Assim, além da herança deixada
pelo hermetismo cristão medieval (sobretudo através das ordens de cavalaria ainda vivas e de certas
organizações iniciáticas como os "Fiéis de Amor", à qual pertenceu Dante) encontramos a importante
contribuição da Cabala hebraica, que como conseqüência da paulatina expulsão dos judeus da Espanha,
expandiu-se por quase todos os países da Europa, e em primeiro lugar na Itália, como dissemos. Ao mesmo
tempo se conciliou a sabedoria cabalística com o cristianismo, que deu origem à chamada Cabala Cristã,
cujo principal inspirador foi Pico de la Mirandola, discípulo de Gemisto Pleto e de Marsilio Ficino.

Um fato também significativo foi a queda do Império Bizantino em mãos dos turcos em 1.453, data que é
habitualmente considerada como o início do Renascimento. Isto produziu que numerosos antigos textos
gregos e alexandrinos (platônicos, pitagóricos e gnósticos) chegassem a Itália e se difundissem rapidamente,
graças especialmente ao invento da imprensa, uma das grandes conquistas do Renascimento.

Em todo este conjunto de influências devemos destacar o "redescobrimento" da cultura greco-latina, que se
evidenciou notoriamente na arquitetura, na pintura, na escultura e no pensamento filosófico. As novas
técnicas da gravura que nascem com a imprensa são aproveitadas para plasmar o Conhecimento tradicional,
dando-lhe ainda adornos de uma grande beleza plástica e simbólica, como foram o caso das gravuras de
Dürer, Michael Maier, Basilio Valentino e tantos outros. O Liber Mundi (chamado do mesmo modo "Livro
Mudo" por conter só imagens) dos Rosacruzes é uma clara amostra da utilização da gravura como meio de
transmissão da doutrina. Criam-se em qualquer parte numerosas oficinas e escolas onde se acostumam as
disciplinas cosmológicas e herméticas tomando para isso como suporte as artes e os ofícios.

Paralelamente a todas estas atividades criadoras, numerosos mestres herméticos do Renascimento foram
homens de espírito e de disposição liberal, que tomaram parte ativa nos acontecimentos políticos e
religiosos de sua época, que se caracterizou pela mais refinada sutileza em todas as formas culturais do que
são ilustração e exemplo eloqüentes nas artes plásticas: Boticelli, Michelangelo, Leonardo, Benvenuto
Cellini, etc., etc., arte toda ela carregada de sentido esotérico e onde as "figuras" e as "imagens" do discurso
pictórico estão ligadas a idéias perfeitamente claras e de intenção didática e cosmogônica, tudo isto sem
mencionar as maravilhosas técnicas formais destes artistas, e a magia de que faziam ornamento em sua
realização, que através do tempo segue manifestando-se na atualidade.

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NOTA: MAGIA

Entende-se aqui por magia (sem desconhecer formas menores, ineficazes e perversas desta ciência) toda
atividade ritual intermediária, dedicada a atrair as energias celestes à realidade terrestre, de acordo à
doutrina das emanações cabalísticas que subordina o mundo elemental e corporal ao mundo anímico e
astral, e ambos ao plano estritamente espiritual, ou em outra terminologia: intelectual. Por este motivo
tanto as práticas cultuais, como os encantamentos, exercícios, concentrações, meditações, estudos, e
especialmente a oração, devem efetuar-se tendo o ânimo e a inteligência postos nas verdades mais
elevadas, no Deus supremo e incognoscível, além de sua própria criação. Isto fará com que estas práticas
mágicas, ou melhor teúrgicas e celestes, que pressupõem um conhecimento cosmogônico e metafísico,
sejam eficientes e adequadas proporcionalmente às necessidades invocadas. Por outro lado, este
movimento descendente de energias e forças que se provoca tem que ser completamente subjetivo e interno,
ou seja de exclusivo interesse do sujeito que as pratica em íntima relação com o benefício do
Conhecimento. Sua característica tem que ser a da realização de um rito simpático e rítmico com o
universo, e estas correspondências e analogias que se pretendem estabelecer devem ser efetuadas com um
total desinteresse sobre coisas particulares; ou seja com um alto grau de "esvaziamento" e
"impessoalidade", para que os eflúvios do mais alto se derramem sobre o "operário" ou aprendiz de mago,
que desse modo possa aceder às verdades mais sutis e recônditas e às esferas mais altas do intelecto divino,
a um ponto tal que seu próprio ser se encontre identificado em todo tempo e lugar com as mais
transparentes emanações do cosmo e advirta sua unidade e majestade em todas as coisas, de uma maneira
natural, pois estas verdades são já consubstanciais com seu próprio ser. Neste tipo de identificação com o
universo e com o que está além dele, tem um papel extraordinariamente eficiente a Árvore da Vida
Sefirótica, como modelo do universo e instrumento veicular e revelador (como o TARÔ) das energias
intermediárias entre a Deidade mais alta e os seres e as coisas manifestados de forma material, ou
elementar.

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MAGIA E ARTE

Uma representação pictórica é uma cerimônia congelada, um gesto prototípico capaz de engendrar um sem-
número de outros gestos igualmente harmoniosos. Assim concebiam a Arte os mestres do Renascimento, e
esse é o caso da maior parte de suas criações, por exemplo, "A Primavera" de Boticelli, cujo conteúdo
mágico e esotérico é evidente, transmitindo as emanações do doce mistério da vida, percebido plenamente
pelo autor. Por certo que Leonardo participava deste mesmo tipo de concepção, e se encarregou de
demonstrá-lo não só por meio de sua obra plástica, mas também com sua ciência e com o matrimônio desta
com sua arte em representações mecânico-teatrais, onde manifestou o modelo cosmogônico mediante um
grandioso espetáculo que ofereceu na corte de seus protetores. Shakespeare utilizou também da poesia e do
teatro para expressar o esotérico, como deste modo o fizeram os artistas renascentistas, não só italianos, mas
também alemães, franceses, flamengos e ingleses (com expressões tão aparentemente afastadas como a
construção de jardins simbólicos herméticos, ou engenhos animados, etc. etc.), até o começo do século
XVIII. A arte era, pois, um rito, uma cerimônia mágica encaminhada a estabelecer uma comunicação entre
céu e terra, em altares de uma harmonia energética universal designada com o radiante nome de Beleza.

Igualmente Magia e Arte têm que ser conectadas de forma direta com o Amor, como sinônimo de União,
que na prática cotidiana não só tem que se identificar com ideais românticos mas também com a faustuosa
genitalidade da fêmea prototípica (vez por outra individualizada).

Não há nada mais valioso que a aventura do Conhecimento e sua seqüela, a energia do Pensamento, ou seja,
os instrumentos motores da Arte que resolvem no prazer inefável da Contemplação. Eles não têm preço, na
verdade, e se houver algo que pode ser chamado luxo é esta magia, que paradoxalmente se encontra ao
alcance imediato de todo aquele que é capaz de interessar-se verdadeiramente nela; a qual, de mudança em
mudança, vai produzindo uma autêntica transmutação interior.

Na realidade o Agartha, além de ser um método de Autoconhecimento é um tratado de arte teúrgica que se
reconhece nas imagens ordenadas de uma cosmogonia e que se revela na organização da imaginação,
mediante um rito preciso e, ai!, extremamente purificador, ao ponto de tocar os limites individuais e
transpassá-los, prorrompendo no luminoso âmbito do Conhecimento e da metafísica, origem e fim de todo
poder. Isto é válido tanto para as figuras do TARÔ, associadas a imagens mentais, como para tudo o que o
aprendiz trabalhou com o modelo cabalístico da Árvore da Vida. O leitor possui agora um arquivo dinâmico
de imagens e figuras às quais pode recorrer em qualquer momento. Inclusive esses símbolos repercutirão de
maneira inconsciente nele e serão causa de novos efeitos que ao se transformarem outra vez em causas,
assegurarão um trabalho mágico ininterrupto de participação no cosmo mediante arquétipos tradicionais que
possibilitam a constante regeneração do plano do artista divino. Estas práticas rituais de recriação de
imagens mediante a memória, levam à recordação do si mesmo, à "reminiscência" platônica; sobretudo
quando a meditação sobre o objeto mágico que se deseja recordar se faz não só mediante a atenção
concentrada, mas também quando esta, uma vez exercida, pode ser liberada e voar atrás de uma imaginação
que nada tem de arbitrária, pois foi provocada e modelada por idéias-forças universais, energias sutis e vivas
que finalmente terminam se manifestando em gestos existenciais, ao extremo não só de assinalar ideários
definidos, mas também igualmente de determinar maneiras de ser e viver, critérios morais e normas de
conduta. A palavra “re-conhecer”, que empregamos neste texto, quer dizer “conhecer duas vezes”. Em
particular a utilizamos no sentido de voltar a conhecer o que já sabíamos, o que é o mesmo que descobrir a
verdadeira identidade, intrínseca união com o Si Mesmo e seus indefinidos reflexos, que perenemente
modificam e reconstroem o cosmo. Esse re-conhecer ritual, reiterado, é a razão de ser deste manual, sua
autêntica essência, sua novidade permanente, e o propósito daqueles que o desenharam. Assinalaremos,
embora não seja mais que uma coincidência, que o termo "reconhecer", em castelhano [N.T.: “reconocer”],
é uma palavra rebis [N.T.: palíndromo], ou seja, que se pode ler tanto da esquerda para a direita, como da
direita para a esquerda, o que constitui um exemplo cabal do que se entende por inversão.

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CABALA: O NOME - II

Para a Cabala o nome indica a essência do renomado e, portanto, a identidade. Isto é assim porque ela
configura uma metafísica da linguagem, e como tal, as letras do alfabeto são produtos do Verbo e da Grafia
divinos, de sua Palavra e de sua Escritura.

O nome divino, o Schem, está dotado de um misterioso poder total, e todo aquele que conhece ou participa
de algum modo do conhecimento desse nome se encontra compartilhando automaticamente desse poder.

Não é, portanto, nada estranho que o nome de Yahvé não pudesse pronunciar-se (e inclusive escrever-se
corretamente), posto que violar esta proibição equivaleria a brincar com um poder incontrolável, além de
todo limite ou proporção. Por tal razão, tratava-se de nomear indiretamente, ou só por alguns atributos, à
deidade –e em determinadas circunstâncias–, posto que todo nome sagrado leva um poder intransferível, um
segredo que compartilha com todos os nomes; com qualquer coisa nomeada e até com a possibilidade de se
nomear.

Isto outorga uma importância extraordinária à palavra e a sua expressão: a escritura, o que comporta
transferir esta suprema valoração aos textos sagrados, em particular aos cinco primeiros livros de Moisés, e
à Bíblia em geral, que será herdada pelas religiões "do livro": tanto pelo cristianismo (com o agregado do
Novo Testamento) quanto pelo islã (Corão), o que se projeta em toda a cultura ocidental. Fazendo a
condição de que estes textos não são letra-morta, mas sim palavra viva, permanente e atual, e o livro um
organismo, com uma energia íntima, do qual constantemente surge uma nova luz, a verdade, para iluminar
os segredos cosmogônicos e metafísicos, revelados e velados ao mesmo tempo. Certamente que isto
modifica de forma substancial a relação entre o homem e a escritura e, portanto, a do homem com a leitura
(reflexo por sua vez da que mantém com o nome e com a palavra), derivadas do pensamento e da
consciência, que distinguem e singularizam o fenômeno humano. Por tal motivo, a concepção cabalística
sobre o homem se encontra estreitamente ligada com a possibilidade de nomear, o que equivale dizer à de
criar, ou re-criar, à de formar e re-formar o cosmo, que definitivamente não é mais que um conjunto de
nomes proferidos pela Palavra divina.

Na letra está, pois, o sentido da criação, que foi realizada precisamente pelas combinações e permutações
dos signos do Santo Alfabeto Cósmico, grafados pela pluma de Deus, cujo nome se tece de maneira oculta
em cada uma dessas letras e em todas as palavras e nomes, inclusive nos espaços vazios que deixam livres
os signos entre si.

Diz Orígenes que, tal como a magia, o nome e seu poder não são vãos e sem importância, mas, pelo
contrário, uma ciência temível; desta forma, terá que utilizar com prudência e circunspeção estes nomes
mágicos, cuja eficácia deriva de sua pronúncia em sua língua original, porque é precisamente o som o que
atua.

Os doutores hebreus desenvolveram extensamente estes estudos, fundamentalmente orais, embora haja
numerosos escritos destinados a despertar os gênios adormecidos mediante o chamado e a escritura de seus
nomes, ou atributos, como o efetuaram todas as culturas tradicionais ou primitivas, embora não tenham
produzido necessariamente uma linguagem alfabética, por se terem expressado por glifos ou emblemas
ideogramáticos, ou de outra maneira análoga, mediante símbolos que fixavam o nome e, portanto, o que este
representava, em perfeito acordo com a ordem cósmica.

42

O LABOR COTIDIANO

Insiste-se novamente sobre a necessidade –quase urgência– do trabalho diário interno a aqueles que vão
em busca do Conhecimento. Desgraçadamente a natureza do homem é tal que tende a esquecer o que
verdadeiramente lhe interessa e procurou sempre, e é traído pelos sentidos, ao que se soma a determinação
do meio social contemporâneo, absolutamente profano e afastado da autêntica realidade do que o mundo e
o ser humano são e representam. Este condicionamento a uma imagem fixa, literal e falsa do que somos e o
que nos rodeia, faz com que sejamos absorvidos pela inegável força da mediocridade do meio, que de
indefinidas maneiras, inclusive com a violência e a "chantagem", trata de nos fazer participar do
achatamento de seus valores.

O leitor de Agartha sabe que deve empregar todas suas energias nessa luta surda com o social (que está
acostumado a se manifestar, às vezes, através da família) ao se enfrentar com essas concepções que ele,
queira-o ou não, tem internalizadas mediante uma aprendizagem tão falsa quanto equivocada, estando a se
enfrentar consigo mesmo e seus próprios enganos e misérias.

Várias armas tem o aprendiz de alquimista para vencer nesta guerra. A primeira é a paciência, uma forma
de compassar o tempo; deste modo, possui distintos veículos para obter seus propósitos, que se foram
indicando ao longo de nosso Programa. O objetivo destes trabalhos, deste treinamento que nos provê este
manual, é obter a atenção concentrada, a reminiscência e lembrança de nós mesmos, e o conhecimento dos
segredos cosmogônicos, com relação a abordar a metafísica e a contemplação, efetuando determinadas
práticas e exercícios, como o estudo e a meditação e, igualmente, o cultivo de certas potências anímicas
referentes às imagens visuais e mentais que se produzem em nós e que atuam como despertadores de
consciência.

Mas o aprendiz do teúrgo sabe a esta altura do caminho percorrido que é obrigado à perseverança
cotidiana, que se podem obter conquistas duradouras em sua realização. Por isso, vez por outra, insiste em
seus trabalhos e fadigas, impulsionado pela fé na promessa que lhe foi dada (aquela de que obterá cem
vezes mais do que tinha,) apesar de suas amarguras e graças a seu sacrifício. Razão pela qual é capaz de
dizer “Redobro!”, em especial em circunstâncias difíceis, ou seja, naquelas em que se faz imprescindível
um sobre-esforço e onde se vê não só como conveniente, mas sim como imprescindível, a realização do rito
cotidiano, a única salvação em um mundo como o que nos tocou viver.

fig. 35

Por tudo isto é que nos permitimos recomendar novamente aos nossos leitores a releitura do Programa
Agartha. Não só porque terá uma visão diferente do que aqui se diz, mas também porque em muitas coisas
ela será como nova, a tal ponto você foi capaz de modificar seu critério, seu ângulo de visão. Este exercício
lhe permitirá estabelecer comparações entre suas antigas concepções e as novas e estabelecer assim seu
grau de "adiantamento", ou melhor: a porção do caminho espiral ascendido. Sua elevação do plano da
visão literal, às sutis percepções de outras formas da consciência, que se constituem numa atmosfera
diferente para o desenvolvimento do ser, a tal ponto que pode então se falar de um antes e um agora, de um
homem velho e, portanto, de um homem novo, de uma metamorfose ou, muito melhor, de autêntica
metanóia .

Deve-se, pois, seguir confiando na memória, que devidamente treinada pelo exercício e pelo estudo, pela
escritura interna que imprimimos nela, constituir-se-á em uma energia constante, que atuará por si mesma,
como se manifestasse uma ordem mágica e divina.

43

QUIROLOGIA

À mão, que cumpre uma função de modelo simbólico, a Cabala lhe outorga um profundo sentido sagrado.
Da mesma forma, outras tradições, como a Hermética ou o Islã (ver nesta última, por exemplo, a
importância talismânica que possui a mão da Fátima, a filha do Profeta). As duas mãos unidas com seus
respectivos cinco mais cinco dedos são uma imagem do modelo do denário arquetípico e, portanto, da
realidade que expressa a Árvore da Vida Sefirótica. Mas o que hoje se entende por quiromancia ou
quirologia (do grego kheir, mão) é um vestígio, muito desfigurado –como é também a Astrologia moderna–,
pelo que outrora fora uma ciência de alcance espiritual e oracular. Haveremos, pois, de insistir em que todas
as artes mânticas e adivinhatórias em geral assumem o verdadeiro sentido e função que lhes compete só
enquanto emolduradas dentro de uma perspectiva espiritual e iniciática, do homem e do mundo, alheia a
toda superstição e literalidade. Embora que isto seja assim, é obvio que nas mãos está impresso o mapa de
nosso próprio destino e natureza, como também no rosto ou na própria configuração física. Em qualquer
caso, já se sabe que todo o âmbito terrestre e corporal é um reflexo ou rastro de um modelo celeste, pelo que
cada parcela de sua geografia é portadora de uma mensagem simbólica que está apenas manifestando esse
modelo num nível (assim é, por exemplo, quando recém-nascido o Buda Sakyamuni, os sacerdotes
decifraram seu importante destino espiritual partindo dos 32 signos impressos em sua pele).

fig. 36

A cada dedo, linha e região da mão se lhes atribui, efetivamente, uma correspondência com uma deidade
determinada, vinculada, sobretudo, ao simbolismo astrológico e alquímico: o polegar a Vênus, o índice a
Júpiter, o médio a Saturno, o anular ao Sol e o mínimo a Mercúrio. Entretanto, à hora de decifrar os
diferentes sentidos e analogias simbólicas dos signos terá que se considerar a mutabilidade –e portanto
relatividade– do mundo sensível e corporal, próprio do fenômeno e da mudança. Os signos da topografia
física trocam de configuração em seus pormenores ao trocar constantemente também o próprio organismo e
ainda mais até seu aspecto externo. Estabelecer, pois, sistemas muito rígidos de interpretação é se arriscar
indevidamente a cair no engano de tomar algo relativo por algo absoluto. De fato, e tal e qual no caso da
fisiognomia, cada tradição ou povo possui variantes próprias de interpretação, válidas na maioria das vezes
para sua própria raça e ligadas a seus próprios parâmetros simbólicos, o que não quer dizer que, no fundo,
não exista entre eles uma unanimidade essencial de sentido. Digamos, por último, que a mão esquerda está
relacionada com o ancestral e a herança psíquica do indivíduo, com suas possibilidades latentes, enquanto
que a direita o está com sua personalidade e sua atualidade, ou seja com a concreção efetiva de tudo o que,
na esquerda, é potencial e instintivo; relação análoga à de toda a simetria microcósmica.

44

CABALA

No começo de nosso Programa (Módulo I, título N.º 26), mostramos as correspondências entre o modelo do
Árvore da Vida e o corpo humano. Ali propúnhamos umas correspondências e sugeríamos as visualizações
adequadas a elas. Também dizíamos ali que em futuras práticas tentaríamos a inversão de polaridade de
energias. Isso é o que faremos agora de acordo ao seguinte quadro:
Kether: o alto da cabeça
Hokhmah: olho e hemisfério cerebral direito
Binah: olho e hemisfério cerebral esquerdo
Hesed: braço direito
Gueburah: braço esquerdo
Tifereth: coração, plexo solar
Netsah: perna e quadril direitos
Hod: perna e quadril esquerdos
Yesod: as genitálias
Malkhuth: base, planta dos pés

No futuro, regularemos e ordenaremos nossas visualizações e exercícios respiratórios assim como nossas
“especulações” (o espelho reflete sempre as imagens invertidas, tais como estão nossas mãos uma com
relação à outra, e deste modo as duas metades dos hemisférios cerebrais) de acordo à presente versão, que
não só é cabalista mas também se acha em correspondência com outras tradições.

Portanto a mão direita já não representará o rigor e a justiça, mas a misericórdia e a graça (Hesed) e será
a mão de benzer. Igualmente Hokhmah será o olho direito e o hemisfério cerebral que representará a reta
(ou direita) intenção (ver Módulo II, título N.º 43) e a coluna da esquerda se relacionará com o passivo,
com o limitante e constritor. Esta é uma maneira radical de conjugar os contrários, por meio de um
exercício prático que deve necessariamente unificar os opostos no eixo central.

A orientação que damos agora é especialmente válida para os povos do hemisfério norte e tem como
referência a estrela polar, situada nesse ponto cardeal, o norte, para o qual se olha. A orientação que
seguimos até o momento enfrenta o sul, e tem como guia o Cruzeiro do Sul, visível nesse hemisfério. O
oriente e o ocidente se correspondem em ambas as situações com distintos braços no homem embora
obviamente não trocam seu conteúdo essencial identificado com a saída e ocaso do sol.

45

A ESTRELA E A ESPIGA

A viagem reiterada pelas dimensões do mundo do homem, à luz da estrela entrevista no segundo de um
outro tempo, mais atemporal, próximo às origens, viagem de reconhecimento das direções qualitativas da
caixa-cubo do cosmo, é também o reconhecimento da obra de arte sagrada, que possui a qualidade do
holograma, obra também da luz, em que a parte contém imanentemente o Todo. O mundo do homem é um
todo unitário, um jogo de relações e tensões que se equilibram em seu centro sempre virginal. Essas viagens
não são distintas da compreensão que a alma realiza reconhecendo suas qualidades, seu desenho, sua forma
prototípica, assinalada pela divina proporção que nasce da relação da Estrela com a circunferência de seu
limite. Essa regra de ouro, ou proporção áurea, é o verdadeiro nome das coisas, sua realidade no Homem
primordial, que as resgata devolvendo o mundo a seu Princípio, na síntese de sua morada originária.

Mas o encontrar a Estrela, selo da verdadeira vida do mundo do homem, é também encontrar a morte, não
como a entende o mundo profano, mas sim no nome de outra luz, mais que inteligível, não cósmica, com
relação à qual a anterior não é mais que um pálido reflexo. Efetivamente, o mesmo que dá a vida, sinalizada
por isso mesmo com a morte. A afirmação do ser oculta tudo aquilo que só pode ser expresso em termos
negativos, por ser inefável. No coração do templo, o altar, centro onde se equilibram as influências do
celeste e do terrestre, do vertical e do horizontal, pode ser produzido um sacrifício secreto, caracterizado
pelo abandono de todo reflexo, no qual o oficiante e a vítima sejam um só. Tudo foi dado e tem que ser
devolvido, com a gratuidade própria de uma Realidade que nunca se viu a si mesma como proprietária, pois
é Não-Dual.

A espiga, que o Sol fez crescer, mostrando-se sobre o meridiano, não poderia seguir crescendo
indefinidamente. Seu próprio peso, que deve à Terra, inclina-a sobre si mesmo, traçando o anagrama de um
Nome arquetípico pelo que são feitas novas todas as coisas.

46

ALQUIMIA

Geralmente quando se fala da Ciência Alquímica se pensa naquela referente ao reino mineral, cujo objetivo
é a realização do ouro metálico através da pedra filosofal. Esta forma da Arte Régia é a transmutação que se
produz no atanor ou forno por meio de diferentes procedimentos e etapas que o adepto relaciona com seu
próprio processo iniciático interno, análogo a qualquer gestação, começando pela do Universo. Entretanto,
já mencionamos a alquimia vegetal como uma possibilidade idêntica, que utiliza o próprio corpo humano
como um atanor e persegue exatamente os mesmos fins, ou seja, os da plena realização das possibilidades
humanas por meio da constante conjunção das energias opostas, que jazem no fundo de sua alma. Também
devemos mencionar uma alquimia desenvolvida através da respiração, que pretende fixar o hálito vital (o
prana dos hindus) como alimento constante fluídico e permanente da criação íntegra.

É necessário esclarecer que todas essas formas da alquimia são igualmente válidas e são referentes a
idênticos princípios cosmogônicos que se manifestam de igual modo essencialmente, embora as formas de
se expressarem sejam diferentes, razão pela qual são válidos os mesmos símbolos e a sucessão das
operações descritas na alquimia metálica (começando pelo mercúrio), embora a matéria prima a se empregar
seja diferente. Caberia também aqui assinalar a alquimia sexual como outra modalidade operativa,
intimamente ligada ao que no hinduísmo e o budismo se denomina tantra. Todos estes aspectos têm em
comum a idéia de uma regeneração e por isso estão ligados a conceitos referentes à “longa vida”, “medicina
universal” e inclusive à “imortalidade”, o que é claro no Taoísmo.

Também queremos sublinhar que a alquimia foi chamada a ciência dos espelhos, e que estas especulações
constituem em todos os casos uma ordem consecutiva de dissoluções e sublimações, dissociações e
associações, de mortes e ressurreições que não são indefinidas nem se perdem no vazio de um gesto tão
reiterado como banal, mas sim aspiram a uma conquista final, na qual elas, e portanto a alquimia, adquirem
seu verdadeiro sentido.

47

VIRGILIO-DANTE I

É bastante freqüente, na história das civilizações tradicionais, o fato de que quando estas, por imperativos
cíclicos, estavam a ponto de desaparecer, a doutrina metafísica e cosmológica que ordenou sua cultura e sua
vida tenha se refugiado nas obras de determinados personagens chave, e isso com o propósito de que dita
doutrina não se perdesse definitivamente. O destino dos homens de Conhecimento que vivem durante esses
períodos críticos está, em parte, sujeito a essa missão de salvaguarda. Tal é o caso de Dante em relação à
Idade Média. Foi em "A Divina Comédia" onde Dante recolheu e plasmou o essencial do esoterismo cristão
que estava representado por certos grupos artesanais, herméticos e cavalheirescos, como a Ordem
Templária. Como já dissemos em um parágrafo anterior, a própria organização a que pertencia Dante, os
"Fiéis de Amor", passava por ser um ramo da própria Ordem do Templo, pelo que é de se supor que, quando
esta desapareceu em 1314, os "Fiéis de Amor" tenham continuado a manter –embora em forma mais oculta
e velada– grande parte do ensino iniciático e tradicional que detinham os cavaleiros templários. É esta
herança espiritual que na verdade constitui o eixo medular que sustenta toda "A Divina Comédia", e
qualquer leitura que desta obra se faça deve ter em conta este dado, quando se deseja conhecer o profundo
sentido que encerra.

Entretanto, existe a presença de outras fontes tradicionais no poema de Dante, coisa que não é de se
estranhar tendo em conta a encruzilhada de culturas que confluíram na época medieval. Concretamente nos
referimos à presença da tradição greco-latina, representada na Comédia por Virgílio, a quem Dante chama
mestre, senhor e guia. Virgílio foi, com respeito à tradição greco-latina, o mesmo que Dante com relação ao
esoterismo cristão: um iniciado que conservou em suas obras, especialmente no Geórgicas e na Eneida, o
essencial de sua cultura. Na Eneida, por exemplo, encontramos uma série de dados relacionados com a
doutrina dos ciclos, e sem dúvida Dante se serve deles na Divina Comédia. Tudo isto nos indica que a
tradição representada por Virgílio continuava viva nos tempos de Dante, e continuaria estando para além
destes, como fundamento que é da própria cultura e da história sagrada do Ocidente, e cuja herança
recebemos todos os nascidos nele, sejamos ou não conscientes disso.

Centrando-nos no ponto de vista do processo iniciático, e considerando que com respeito a ele a história e a
geografia sagradas –assim que expressam as leis universais– também constituem um dado importante a ter
presente, pode se dizer que a tradição greco-latina representa para Dante o legado de seus ancestrais ou
antepassados; um legado impresso por “consangüinidade espiritual” na alma do poeta florentino. Quando
em sua “viagem” Dante acede à região intermediária do mundo sutil, simbolizada pelo “limbo”, e contempla
as almas dos justos que ali moram (a de Homero, Enéias, Heitor, César, Ovídio, Horácio, Orfeu, Pitágoras,
Sócrates, Platão, Aristóteles, Sêneca, Heráclito, Zenão, Diógenes, Anaxágoras, Tales, Empédocles,
Euclides, Ptolomeu, etc.), “re-conhece” em si mesmo essa herança tradicional, sendo graças a ela, e junto a
seu mestre Virgílio, que pode acometer seguidamente o duro e perigoso descenso pelos círculos infernais,
que supõem uma imersão no aspecto mais tenebroso da psique: os prolongamentos mais inferiores do estado
humano, que devem ser esgotados definitivamente antes da ascensão ou subida aos céus e aos estados
superiores.

48

O MÉTODO FUNDAMENTAL

O estudo e a meditação sobre os textos herméticos, o Ensino da Cabala sefirótica, as imagens e a estrutura
móvel propostas pelo Tarô, tanto quanto as da Alquimia e suas operações, assim como a da ciência
Astrológica e Pitagórica, e o discurso platônico, produzem na alma que contempla um reencontro com a
Gnose Perene, conhecimento e sabedoria obtidos a partir da ascensão paulatina pelas esferas e
experimentados de modo vital a partir de uma teurgia fundamentalmente individual. Ou seja, um método
"objetivo" que se encarna de modo "subjetivo", em forma "mágica".
Isto desde já se deve à correspondência entre todos os planos da realidade, tanto do macro quanto do
microcosmos, e do amor entre suas partes que, partindo da Unidade Original, primeira determinação do Não
Ser, articulam-se desde a Idéia e do Arquétipo até a materialidade mais concreta de nosso mundo sensível
através do plano intermédio, povoado por entidades espirituais informais e sutis, que atuam como
mensageiras concretas das emanações mais altas das quais são recipiendárias, e que transmutam em
vibrações que, por sua vez, geram as inumeráveis energias do mais baixo. Para o Hermetismo, só é preciso
reverter este processo descendente (que no homem se denominou Espírito-Alma-Corpo), isto é, fazê-lo
ascendente para remontar assim até o primeiro Princípio, amparados e protegidos pelo orvalho celeste,
cristalização do supra-celeste.

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DANÇA: EXERCÍCIO PRÁTICO

Conselho: Deixar se levar pelo movimento e pelos giros constantes da dança, que nos tiram de nossa
percepção ordinária e nos proporcionam um exercício tão descondicionador quanto ligado a outras
leituras das dimensões do movimento em sua expressão atemporal e espacial, que logo são observadas nos
deslocamentos de maneira direta, não dialética e racional; os movimentos harmônicos inspirados pelos
deuses do ar nos transpõem, mediante a ruptura de nosso falso controle, a espaços e ciclos mais amplos
daqueles que laboriosa e equivocadamente forjamos em nossos cotidianidade por problemas de
autocensura interna.

50

VIRGILIO-DANTE II

Na simbólica iniciática, a “porta dos infernos”, ou Ianua Inferni, que é precisamente a “porta dos homens”
ou dos “ancestrais”, é a que o ser em procura de sua realização espiritual deve franquear antes de sair pela
“porta dos deuses”, ou Ianua Coeli, aquela que dá acesso aos estados supra-individuais ou supra-humanos.
Mas com o descenso ao infra-mundo ou “reino dos mortos”, não termina a função de guia assumida por
Virgilio, senão que esta ainda permanece, em decorrência da não menos penosa ascensão pela montanha do
Purgatório, durante a qual Dante se purifica e se re-genera dos “sete pecados capitais”, reverso negativo das
“sete virtudes”, setenário este que manifesta as energias ambivalentes dos planetas. Por outro lado, o
percurso pelo qual ascende equivale às provas iniciais. Desta forma, a estrutura literária da Divina Comédia
(e especialmente do Inferno e do Purgatório) está também inspirada na Eneida virgiliana (concretamente no
Canto VI), onde se relata o descenso do herói troiano Enéias no antro da Sibila de Cumas. Ademais, este
mesmo esquema, que por outro lado é universal, repete-se nos mistérios órficos e de Elêusis, bem como no
descenso de Ulisses ao antro das ninfas. Igualmente há que se considerar a influência do islã, e
concretamente no que se refere ao relato do mais importante mestre espiritual do sufismo, Mohyddin ibn
Arabi, que em sua obra Revelações de Meca descreve a "viagem noturna" de Mohamed através dos três
mundos. Esta influência não é de se estranhar, pois, como já se disse em títulos anteriores, os intercâmbios
doutrinais entre o esoterismo cristão e o islâmico foram bastante freqüentes na Idade Média.

É importante assinalar que Virgílio também simboliza a razão humana que deve prevalecer firmemente no
iniciado, a fim de que não sucumba ante os três tipos de perigos com os quais deve se enfrentar em sua
descida aos infernos: a queda no lamaçal, a volta para trás e a petrificação. Neste caso, a razão deve ser
entendida como a síntese de todas as faculdades e virtudes correspondentes ao estado humano e que por isso
mesmo refletem e manifestam a Razão ou Inteligência divina. Curiosamente a palavra latina ratio designa
por igual a razão e o raio que conecta a periferia de uma circunferência com seu centro. Desta forma, e nos
servindo uma vez mais da analogia geométrica, no contexto iniciático a razão (no sentido que lhe damos e
não no qual lhe outorga o “racionalismo”) representa a via reta, ou “reta intenção”, que não terá que perder
nessa viagem labiríntica da periferia de nós mesmos, até o centro ou ponto mais interno onde reside nossa
autêntica identidade. É quando Dante alcança o Paraíso terrestre –situado no topo da montanha do
Purgatório– que Virgílio, quer dizer a tradição de seus antepassados, cumpriu sua missão com respeito à
horizontalidade humana. No Paraíso terrestre (o centro de nosso estado de existência) Dante encontra
Beatriz, encarnação da Sabedoria e da Beleza transcendentes, e junto a ela empreende a viagem, desta vez
vertical, através dos diversos céus planetários que simbolizam os estados superiores do ser, até alcançar a
plenitude do Conhecimento e do acesso ao Paraíso celeste, onde reside "... o Amor que move o Sol e as
demais estrelas."

51

EXERCÍCIOS PRÁTICOS

Queremos lhe sugerir, se é que já não o efetuou, que realize o estudo do Agartha de noite. No começo de
nosso Programa é mais indicado (embora de maneira nenhuma necessário ou imprescindível) realizar os
exercícios e meditações nas horas diurnas, em especial de manhã, antes de enfrentar o mundo profano e
cotidiano. Se isto foi assim, comece agora a praticar nas horas noturnas. Ao contrário, se até agora se
exercitou de noite, deve começar a praticar os exercícios de dia, pelo menos durante um certo período. Na
realidade, há adeptos que dizem que o trabalho alquímico deve ser efetuado do meio-dia em diante e outros
que por anos trabalham só a partir da meia-noite, uma vez entenderam com os olhos bem abertos –na
vigília de manhãs e tardes– a natureza de suas operações.

Deve-se esclarecer que não é unicamente que se recomenda este horário noturno pela maior tranqüilidade
que oferece a noite na vida moderna e nas cidades contemporâneas, mas sim pela energia-força que
contém, intimamente ligada à descida à interioridade da terra, ou aprofundamento de todos os aspectos e
planos de nossa existência, tal qual o efetua o sol em seu percurso, para renascer em cada amanhecer,
coalhado de beleza.

Também representa uma interessante forma de assimilação e aprendizagem o sonhar com o modelo do
universo cabalístico, nossa Árvore da Vida Sefirótica. Se isto ainda não lhe aconteceu, faça os exercícios de
visualização antes de se deitar, com a firme intenção de que esta aflore em seus sonhos.

Igualmente queremos indicar outra prática: comece a meditar todas as noites de lua cheia que possa, ou as
que seja capaz. Faça os exercícios de respiração dados neste manual. Faça-os só ou com outro ou outros
amigos/as que estejam realizando ou tenham seguido o Programa. Tenha a segurança de que muitas outras
pessoas em diferentes partes do mundo estão fazendo o mesmo que você. Una-se a eles e sinta a força da
energia da Boa Vontade, e a plenitude do Agartha em ação. Dedique de 1/2 a 1 hora a isto.

Acompanhe-nos nestas práticas cuja única intenção é a entrega completa a um Poder Superior e a Oração
por nossos irmãos perdidos na confusão de um mundo profano. Carregue suas baterias e desfrute da Paz
do Senhor e de uma vida cada vez menos opressiva.

52

SOBRE O TRABALHO INTERNO

A luta por nos livrar dos condicionamentos que nos marcam e dos que inconscientemente obedecemos
(fazendo-nos seus escravos, quando não seus cúmplices, por temor a destruir o que pretendidamente somos
e a mudar nossa maneira de ser e existir) deve realizar-se com a assepsia do guerreiro e invocando a graça
das deidades para que os espíritos nos guiem no intrincado labirinto do destino. O fruto de nosso desejo é a
virgindade capaz de levantar todo nosso pequeno cosmo novamente, depois de morto às concepções
caducas, mas agora edificando sobre uma ordem que escolhemos. Seria possível pensar que a construção a
partir de um modelo análogo ao próprio universo fosse precisamente nosso condicionamento. Nesse caso
estaríamos governados pelos númens, que sinalizam nosso caminho e a obediência às vozes interiores seria
acessar o seu amor e misericórdia. Algo que sem dúvida tem que ver com o sagrado em detrimento do
profano, marcado pela leitura egótica e literal, ou pela interpretação psicológica ou social, ou qualquer
outra programação cultural, que nos faz ser o que o poder e o meio determinam em sua ignorância. Não
houve tirania igual, nem que se assemelhasse sequer no totalitário ao que se produz na sociedade moderna,
embora esta suponha nos deslumbrar com sua técnica, suas pretendidas democracias e suas modalidades
repressivas tão refinadas que atuam em forma subliminar. Um mundo envelhecido e sem futuro, sem
dúvida.

53

ALQUIMIA

Os Quatro Elementos (2). Os quatro elementos, ou melhor, os quatro princípios que eles simbolizam (que
constituem qualquer possibilidade de manifestação e, portanto, a de toda matéria, posto que esta é a
combinação desses princípios ou elementos em rotação, alternando-os uns com os outros; os que são apenas
a emanação de um mesmo princípio criador universal que toma diferentes modos ou formas designadas por
distintos nomes) chamam-se, como já bem sabe o estudante do Agartha, fogo, ar, água e terra. O fogo
simboliza o princípio radiante que é o mais alto de todos. Na Árvore da Vida corresponderia a Atsiluth, ao
ontológico, ou seja, ao Ser e ao Espírito. É a primeira possibilidade da matéria, o hálito espermático do
enxofre capaz de fecundar a potência mercurial, a penetração pela palavra, ou seja, a luz pura simbolizada
por este princípio radiante, materializado no que significa o ígneo, do qual o fogo é o emblema. O seguinte
elemento, ou estado da matéria, é o ar, ou energia refrigerante e sutil, correspondente à leveza e
instabilidade do emocional, ao plano de Beriyah, à primeira construção do cosmogônico, à sublimação do
fluídico, à transmissão de toda possibilidade, ao sopro do ar como causador da generosidade das chuvas e da
geração vegetal, e também à alma superior, a que está por cima da superfície das águas. O terceiro elemento
é a água, gás condensado, ou energia fluídica, capaz, como já se disse, de gerar, mas também de corroer.
Toda matéria é abrandada pela água, que igualmente sempre encontra um leito e que é capaz de adaptar-se à
forma que lhe toque. Corresponde ao plano de Yetsirah e ao perigoso e atrativo psiquismo inferior; às belas
e às artes. Também a uma condensação do aéreo e, portanto, a uma progressiva solidificação, a uma
transformação daquele princípio radiante, daquela primeira emanação que se expressou por um sopro que
agora, ao se coagular, apresenta-se em estado líquido. O último elemento é a terra, que é o receptáculo e ao
mesmo tempo contém em seu seio outros princípios, elementos, ou estados da matéria, e é a energia
solidificada dessa matéria, o summum de sua densidade e de suas possibilidades de concreção. Corresponde
ao plano do Asiyah, a grande mãe, à potência do ato permanente, ao passivo em contínuo movimento, à
última manifestação da perfeição universal, espelho da perfeição de seu criador.

Há um quinto elemento que é o éter, ao qual se está acostumado a simbolizar no centro de uma roda da qual
irradiam os outros quatro princípios, e ao redor do qual giram. É pois sua origem para o qual constantemente
retornam e a oculta raiz de tudo, um “motor imóvel” mais relacionado com o Não Ser que com o Ser,
aparentado com o Ain e En Soph: com o autenticamente metafísico, o invisível, o inexprimível, o
verdadeiramente desconhecido, o que está por cima da coroa, que ainda apóia sobre a cabeça, emblema do
corpo mineral.
Estes quatro elementos estão constituídos pelos três princípios alquímicos: o enxofre, o mercúrio e o sal, que
se interagem constantemente, como por sua vez o fazem estes elementos entre eles. Houve a intenção de se
lhes comparar com uma roda dentro de outra roda, ou como uma roda que fixa doze possibilidades (3 x 4), o
zodíaco (ver Módulo II, título N.º 98). Estes três princípios, como sabemos, estão presentes em toda
“matéria” ou energia, apresente-se essa energia em estado radiante, gasoso, fluídico, ou de maneira sólida.
Estes três princípios podem ser associados com o Osíris (+), Ísis (-), e Hórus (N), filho de ambos que,
portanto, contém parte dos dois, aos quais deve sua existência. Mas sobretudo temos que vinculá-los com a
Árvore da Vida e suas três colunas, que se vão solidificando em quatro etapas sucessivas coexistindo,
entretanto, em qualquer matéria, como os quatro planos ou mundos do Árvore da Vida coexistem entre si.

Devemos esclarecer que tanto no trabalho hermético, quanto na Alquimia instrumental, o trabalho interno é
invertido com relação às emanações criativas. Está contra a corrente, e terá que remontar o rio até suas
fontes. Por isso é que se fala precisamente de um trabalho. A matéria física tem que se descartar e sutilizar,
do opaco ao transparente.

54

NOTA: RECORDAÇÃO, CENTRO E PERIFERIA

O “antropomorfo”, como qualquer expressão do mundo acessível aos sentidos, não tem nenhuma vantagem
especial que justifique a prepotência com a qual o homem moderno visualiza seu status no mundo, que não
é outro senão o que recria com sua atitude. Mas pelo ao contrário, a insuficiência crônica que lhe faz
sobrevalorizar o visível e sensacional (sensação) sobre o invisível e significante –se é que por algum
momento considera este último– é o próprio expediente que fecha a porta à possibilidade regeneradora
implícita na lembrança do sagrado.

Esse mesmo gesto interno que o encerra nos limites do individual - particular - literal, sustentado pelo
esquecimento cotidiano que o faz mecânico, oculta seu direito de filiação e não permite que o mundo, do
qual ele pode ser centro, manifeste-se-lhe como uma mandala apta para lhe revelar sua identidade
primordial e intemporal.

Simultaneamente, a multiplicidade dos aspectos egóticos progride indefinidamente, como é próprio do


mundo da quantidade.

Entretanto, o homem primordial, inapreensível pela história, segue sendo ele em cada uma das imagens
simbólicas (que nunca foram vãs) dos filhos póstumos, nascidos à individualidade nessa dimensão obscura
do ciclo na qual o homem, desligado de suas origens míticas que o aparentam com seus verdadeiros
ancestrais, é lançado, pela própria natureza das coisas, à periferia da roda, ao mais denso e relativo, sendo
vítima, como ser humano caído, de tudo aquilo que poderia e deveria estar nomeando, conhecendo em sua
fonte primeira.

Agora, quando o indivíduo, talvez graças a uma curiosidade profunda, ou a uma melancolia ainda lúcida,
permite-se a lembrança de um passado prototípico, quer dizer, de uma origem capaz de ser origem de todas
as coisas, pode verificar que não está sozinho, ainda que exista algo que apenas ele mesmo poderá realizar,
escutando as vozes que só se ouvem no silêncio, também há uma verdadeira família do espírito, conhecida
não só do passado mas também do futuro, posto que suas vozes trazem a memória do que sempre excedeu
os tempos históricos.

Esses reais ancestrais no domínio do conhecimento, ou seja, do verdadeiro ser, são, pelo ensino que
formulam, a manifestação, variada em aspectos, única em essência, do motor primitivo que, como professor
arquetípico e secreto, fecunda todos os tempos, dos quais é sempre centro.

A aspiração amorosa do transcendente devolve ao mundo, em forma imanente, a presença do não-dual,


pela qual é regenerado o Livro da Vida, obra que o espírito realiza ao reconhecer-se no que sempre o
esteve revelando.

Em outros termos, a reunião do disperso não ocorre só no mundo histórico e geográfico do homem, por sua
remissão ao arquetípico; o Coração do Mundo, ou o que aparece como zênite para um estado do ser como
o humano, não tem mais aspectos separadores que os projetados desde determinado estado de existência.
Em si não é a presença real do divino. É evidente que o poder vivê-lo assim tem muito que ver com o
anonimato verdadeiro, interno sobretudo, no qual o Si-mesmo não precisa adornar-se com pronomes
pessoais.

O mundo aparentemente já solidificado e terminado, apto para o consumo entrevisto pelo cárcere da
mente, resultado de uma árvore sem raízes, destruído em um gesto de apropriação típico do ego, poderá se
endireitar de novo na lembrança efetiva daqueles que, graças ao sacrifício reiterado no Nome do que
nunca será acessível aos sentidos, terão recuperado o “sentido da eternidade”, o qual redime qualquer
ciclo, que só do ponto de vista “profano” aparece como abandonado a si mesmo.

55

OS ASPECTOS DA ALMA

Os graus da alma humana, ou dos planos de consciência nos quais se manifestam, são três, em
correspondência com os mundos da Árvore Sefirótica, e têm portanto três designações: nefesh, para o hálito
vital; ruah, para a alma interior; e neshamah, para o espírito.
É muito importante recalcar que para a Cabala os três planos estão compreendidos um dentro do outro, mas
por sua vez têm seus próprios nomes ou domicílios.

No trabalho hermético, a energia motora desperta, ou melhor, é despertada, e se for bem conduzida (com
humildade, paciência e verdade) será capaz de estimular a nefesh, que por sua vez nos poderá transferir a
ruah, ao mundo do psiquismo superior, ao ponto de inflamá-lo, em cujo caso é muito possível que nos abra
a porta de neshamah, o espírito puro.

Daremos a seguir estas correspondências, representadas na Árvore da Vida.

56

AS CASTAS

Um dos temas menos compreendidos entre as concepções tradicionais é o das castas devido à confusão que
o mundo moderno (nascido no Renascimento, confirmado nos séculos XVII e XVIII e efetivado no XIX e
XX) projetou sobre este assunto, confundindo-o com suas próprias problemáticas, suas revoluções políticas
e econômicas, suas divisões referentes às classes sociais (verdadeiros tabus) e posteriormente o
enfrentamento destas e portanto a ruptura do organismo nacional e internacional.

Trataremos de esclarecer algo do tema à luz do que o leitor já sabe sobre o pensamento tradicional. Embora
antes de abordar este equívoco, devem ser resolvidas certas dúvidas e sentar-se algumas bases necessárias à
clarificação:

a) Nada tem que ver o tema das castas com a divisão contemporânea referente às classes sociais,
motivo pelo qual o aspirante ao Conhecimento, ainda filho de seu condicionamento histórico, não
tem em sua bagagem de imagens nada parecido que possa tomar como ponto de referência;
aconselha-se, portanto, não extrapolar informações e menos ainda pretender julgar com elementos
exclusivamente contemporâneos, aos que se supõem universais, a sociedades pretéritas das quais
tudo se ignora.
Para pôr um só exemplo, diremos que os homens e mulheres mais poderosos e de mais status da
atualidade, presidentes, primeiros ministros, líderes, e até reis e nobres, podem ser considerados
de uma perspectiva tradicional, ou seja espiritual, como os integrantes da casta mais baixa de
seres jamais conhecida neste ciclo humano de existência.
b) A divisão em quatro castas não é um fato arbitrário ou casual, mas sim está em correspondência
com a ordem natural das coisas e com a divisão quaternária de qualquer manifestação. É, pois,
uma realidade de ordem cosmológica verificável em qualquer sociedade e/ou cultura.
c) Aos efeitos deste título utilizaremos a terminologia hindu para nos referir ao assunto por ser a
mais clara e conhecida, a que agrupa os homens em quatro conjuntos denominados Brâhmanes,
Kshatriyas, Vaishyas e Shûdras. O primeiro corresponde ao estado sacerdotal ou sapiencial. O
segundo ao guerreiro e a nobreza; o terceiro aos artesãos, comerciantes e administradores, e o
último aos servos. Os nascidos nos três primeiros podem renascer na Suprema Identidade, podem
ser iniciados nos mistérios; os que pertencem por nascimento ao outro estamento, ou casta, estão
destinados à reencarnação na roda das existências, ainda que sejam milionários, chefes políticos,
artistas de êxito, ou talvez precisamente por isso, tomando devida conta da degradação do mundo
em que vivemos. Quer se chamar a atenção de que esta separação em castas, ou em estados, não
só se apresenta na tradição hindu, mas também é clara na China (e em todo o extremo oriente e
também no oriente médio), na América pré-colombiana, e inclusive em culturas tribais
consideradas tão “primitivas” como a África negra. Na organização social da Idade Média
ocidental é evidente, herdada não só das concepções cristãs (o Cristo Rei por exemplo), mas
também das antigas culturas nórdicas e celtas, e deste modo de egípcios, caldeus, gregos e
romanos. Nos hebreus é nítida entre os reis-sacerdotes (ou melhor sacerdotes-reis) e o séqüito
escalonado de suas cortes.

Seguidamente ilustraremos esta concepção com o símbolo do círculo, ou da circularidade, muito conhecido
por nossos leitores que já trabalharam bastante com ele.

Desde já devemos dizer que nesta representação também cabem todas as relações ou especulações que já
fizemos dela, tal qual se sobrepõem os distintos significados ou leituras do símbolo.

Agora a desenvolveremos na Árvore da Vida:


Também neste caso, a divisão em castas (expressas aqui com a terminologia hindu) deve ficar em relação
com tudo o que temos visto do modelo sefirótico.

O predomínio de tal ou qual casta deve ficar em relação com o ciclo e o tempo histórico por um lado; pelo
outro com a hierarquização ou leitura de níveis, ou graus de consciência, presente em qualquer realidade.

Para finalizar, queremos fazer referência a uma quinta casta: Hamsa. Esta é na verdade uma não casta e
deve ser colocada acima da Árvore da Vida. Corresponde aos seres não condicionados ou, os que tendo sido
condicionados pelo nascimento, foram liberados de sua determinação. Estes iniciados são chamados
ativarna, utilizando sempre a terminologia hindu.

57

CIÊNCIA

O que se entende hoje por ciência –a ciência profana– tem também uma origem sagrada (como todas as
Artes Liberais) que se foi degradando, desde seus começos, onde a observação dos fenômenos naturais
revelava o funcionamento da grande máquina do mundo, manifestada pelas grandes estruturas da
cosmogonia, que simbolizava, em última instância, o que estava além dela. Ou seja, às leis naturais como
signos e arquétipos do sobrenatural e como seu selo nas coisas e nos seres, incluído o humano, como o fazia
a alquimia em virtude da correspondência entre macro e microcosmo.

E é digno de nota que autores como Tycho Brahe, Kepler, Newton (sobretudo este último), e um longo
“etc.”, vivem seus trabalhos individuais como diretamente ligados ao Universal, em busca do
Conhecimento, aventurando-se ao limite de suas possibilidades intelectuais inseridas em um contexto
metafísico, como autênticos hermetistas.

Em termos gerais, do Renascimento, o mundo atual materializou completamente suas suposições e se foi
solidificando cada vez mais em razão de acontecimentos cíclicos, e isto coincide com a aparição da ciência
moderna, ou ciência profana. Porém, os fundadores desta ciência jamais negaram seus interesses sagrados.
Bem pelo contrário, que poderia chamar-se seu mais longínquo antecedente medieval, Roger Bacon,
considerava os fatos experimentais como formas visíveis de forças invisíveis –o que fundamenta à analogia
e portanto à teurgia– e haveria que se lançar um olhar sobre sua obra para notar seus interesses. Ou fixar-se
no já chamado Newton, que investia mais tempo e punha maior interesse em suas investigações bíblicas que
em suas buscas propriamente "científicas". Sua lei da gravidade nos ilustra sobre as correspondências e
portanto a respeito da magia simpática, como ele sabia, embora preferiu emitir sua teoria em termos
mecânicos.

58

CIÊNCIA I

Um conceito linear do universo, do tempo e do espaço faz com que estes sejam vividos de uma maneira
rígida e fixa, em acordo com a literalidade de um pensamento só capaz de vislumbrar o mais imediato do
que percebem os sentidos. Na época atual, a ciência tomou formas quase exclusivas de medição
quantitativa, reduzindo os problemas científicos a meras estatísticas, o que equivale a abandonar a busca da
essência e as causas dos fenômenos –de qualquer natureza que sejam– pela comodidade de sua mera
descrição e seus efeitos. Desgraçadamente, esta forma de pensar invalida a ciência oficial que,
empiricamente, enquadra as coisas por suas características mais superficiais sem contar, tampouco, os
fatores de mudança permanente aos quais está sujeita qualquer manifestação, e considera o homem
contemporâneo, completamente condicionado por seu meio e ideologia, como um modelo universal válido
para ser aplicado em toda circunstância. O mesmo, na realidade, faz com qualquer fenômeno, seja este
subatômico ou estelar, e termina mecanizando sua visão da vida a tal ponto que é incapaz de distinguir entre
a teoria e o fenômeno em si. Já dissemos que esta pretendida ciência oficial não está de acordo com as
últimas investigações científicas, nascidas muitas delas a partir das teorias do Einstein, mas estas ainda não
puderam transformar o esquema oficial (ver Módulo I, título N.º 77).

O universo se encontra em permanente movimento e constantemente se contraem e expandem sistemas


inteiros de estrelas que configuram galáxias e planetas que, tal qual as partículas subatômicas, formam
diferentes sistemas alternativos a velocidades supersônicas. Isto em perfeita coordenação cíclica e rítmica
com todos os elementos que compõem este universo vivo e em perpétua expansão.

Assim, em nossa ignorância, os homens vão como aqueles burros aos quais se lhes sustenta, por cima e
diante de suas cabeças, uma vara na qual se pendura uma cenoura, o que faz com que a besta caminhe e
corra com o afã de procurar seu alimento sem que possa consegui-lo.

A via Láctea é um imenso aro de gases e estrelas que gira perpetuamente sobre nossas cabeças como uma
roda. A matéria física tampouco é inerte e passiva, mas constantemente vibra em uma ondulante dança,
cujos padrões de movimento estão dados pelas estruturas moleculares, atômicas e nucleares.

Tudo isto entranha um segredo cuja revelação é a origem do conjunto. Qualquer obra fala de seu criador se
não houver diferença entre o autor e a obra. A manifestação é a assinatura de Deus e eis a suma importância
da Ciência, cujo ponto de partida é a experiência, que igualmente constitui o fim último do Conhecimento.
Do visível ao invisível, por mediação da autêntica ciência.

59

ALFABETO E ESCRITURA

Os distintos esoterismos coexistem e são idênticos em essência, enquanto o exotérico nas diferentes
tradições toma formas que as contrapõem entre elas. Isto é válido para a soma das diversas formas
tradicionais e seus símbolos, ritos e mitos. Enquanto o esotérico é interior e se refere aos princípios
imutáveis, o exotérico faz insistência no superficial e no múltiplo. O esotérico une, o exotérico divide (ver
Módulo I, título N.º 2).
O anterior é notório nas tradições hebraica e árabe, hoje tão contrapostas no material, o que se traduz em
ódios e diferenças religiosas, sociais, econômicas e políticas. Entretanto, as raízes, e até o tronco, são
comuns para ambas as tradições face às diferenças das flores e frutos, e os iniciados e esoteristas das duas
(sufis e cabalistas) referem-se não só a um mesmo Ser e a uma idêntica e Suprema realidade, mas também
seus métodos de aproximação dela são nitidamente similares. Adicionemos que os esoteristas de ambas as
tradições foram e são perseguidos pelo exoterismo oficial e religioso.

Nos alfabetos, é patente esta identidade, assinalando desde já a profunda analogia que existe entre eles, e
fazendo a condição de que, pese a ter o islâmico 28 letras, corresponde-se perfeitamente com o hebraico
(algumas destas letras são virtualmente iguais). Por outra parte, a cada letra corresponde um número e se
fazem cálculos análogos em ambas as línguas com relação ao valor dos signos. O Nome Supremo tem
quatro letras tanto entre os judeus como entre os árabes, que são postas em relação com os quatro elementos,
os quatro pontos cardeais, as qualidades do poder divino, etc.

O magno testemunho do islã (a shahadá) compõe-se de quatro palavras, sete sílabas e doze letras, tal qual
expressa também o Sepher Yetsirah. A criação é considerada como um livro, do qual as criaturas são as
letras. O universo é uma escritura, um discurso provocado pela expansão do Verbo, o que configura o livro
do mundo. Pelo que, tanto o Corão, quanto a Bíblia são textos sagrados reveladores que expressam a
totalidade do cósmico, sendo suscetíveis de serem lidos de diferentes maneiras hierarquizadas e ocultas, que
manifestam de modo real o Espírito Supremo.

Os especialistas islâmicos, dedicados à ciência das letras (os hurufis), dão enorme importância ao Alif,
primeira letra do alfabeto, valor um, pois dela derivam os principais nomes. As letras, como a linguagem,
são os atributos da essência divina e são imanentes a todas as coisas, pois são as materializações da Palavra,
Kalimat Allah e seu discurso criador. O nome, composto de letras, significa verdadeiramente a coisa
nomeada e, portanto, revela-a (kashf). É no homem onde se manifesta conscientemente esta escritura divina,
da qual, por outra parte, ele é um signo. A escritura é um exemplo evidente do mistério do ser e uma grafia
permanente da mais alta atividade da pluma do Criador, que se expressa também pela palavra, pela
linguagem, pelo nome e, sobretudo, pelo som, que os antecede.

Desde este ponto de vista, o estudo e a leitura de qualquer texto sagrado, ou verdadeiramente esotérico, não
são absolutamente vãos, senão que tal texto, ao manifestar em si e por si a potência geradora, não pode
deixar de ser –para quem se abre a ele– autenticamente transmutador e constituir de fato uma gnose. Isto é
patente na Tradição Hermética onde o livro é o veículo por excelência.

60

CIÊNCIA II

A matéria, tal como se refere a física oficial, na verdade não existe. A máquina do mundo permanece em
constante atividade e ora se esfria, ora se esquenta conjugando-se permanentemente na ronda dos quatro
elementos que a compõem, que alternativamente preponderam um sobre o outro. O motor é ígneo:
efetivamente é a intensidade do fogo que derrete o sólido, liquidificando-o, e posteriormente transforma
estes líquidos em gases, que mediante esfriamento começam novamente a se condensarem e se
estabilizarem em sólidos.

Da Antigüidade greco-romana, esta roda de fogo, ar, água e terra preocupou filósofos e sábios, que jamais
consideraram à matéria como algo fixo e imóvel, mas sim como um conjunto de elementos em permanente
mudança e reestruturação. A unificação matéria-energia, vale dizer, a unicidade da matéria, foi um axioma
alquímico tradicional. O mesmo aconteceu com a unidade indissolúvel espaço-tempo, presente nas
concepções dos povos arcaicos.
É só recentemente que a ciência tornou a reconsiderar sua concepção dualista e dicotômica, demasiado
mecânica, com a qual se pretendia julgar os seres e os fenômenos de uma maneira esquizofrênica, própria
dos pontos de vista das grandes cidades modernas. Assim, a física subatômica observa que as partículas
existem e não existem simultaneamente, e que na verdade a diferença entre dentro e fora não é mais que
uma maneira de encarar as coisas, em perfeita coincidência com as sociedades tradicionais que vêem o
universo como um homem, animal ou organismo gigantesco, que não se encontra nem cheio nem vazio.
Coisas que parecem opostas e incompatíveis são consideradas hoje como distintos aspectos de uma mesma
realidade.

O espaço chamado vazio contém todas as possibilidades virtuais de qualquer desenvolvimento e possui um
número ilimitado de partículas que nascem e desaparecem espontaneamente. Até o movimento e o repouso,
a existência e a não existência, a força e a energia são considerados como antagonismos fenomênicos que
unicamente podem ser compreendidos sob a noção de complementaridade. Tampouco há diferença entre o
ser e o ato. Todas as manifestações do mundo procedem da expressão de uma mesma realidade, que chega a
ser e, logo, desintegra-se, transformando-se em outra coisa que, por sua vez, modifica-se em outra e assim
indefinidamente. A transitoriedade dos objetos, a incessante mutação das coisas e o fluir do rio da existência
são uma realidade viva e tangível além de qualquer metáfora que, além disso, explica-nos a ilusão
permanente do homem histórico e seu cuidadoso engano.

61

NOTA: SOBRE A MELANCOLIA

A paixão, ou loucura heróica, o furor, como Platão o compreendia e como motor do Conhecimento, fonte
de inspiração e meio do processo iniciático, produz excelentes resultados, regidos por Marte, quando se
sabe combinar com o temperamento melancólico e sua biliosa e negra expressão, atribuída ao planeta
Saturno.

Deve recordar o sentido real e simbolicamente elevado deste último planeta e as sutis energias que como
tal contém, além de seus aspectos negativos e das pesadas cargas que se lhe impinge a interpretação
supersticiosa ordinária, incapaz de considerar os distintos aspectos das coisas e portanto de conciliar
opostos. Saturno é também a lentidão e a sabedoria da velhice, e a entrada em um estado purificador
parecido à morte. O Renascimento valorizou de modo extraordinário a melancolia, e a tristeza com a qual
se manifesta, e considerou que era um estado onde florescia a inspiração, o berço da compreensão e a sala
de espera do êxtase. Grandes pintores como Dürer e a escola de pintura flamenga a retrataram e
destacaram sua vinculação com o metafísico, o simbólico, o numérico e o esotérico.

Atribuía a este humor ser próprio de heróis, poetas e grandes homens; e em que pese ser de difícil
tolerância pelos interessados nos momentos em que esta forma de caráter se apresenta, considera-se –e
assim o testemunha Agripa– que gera um frenesi que leva à sabedoria e à revelação.

Os "mistos", segundo a Alquimia, são aqueles iniciados que ainda não terminaram seu processo e se
encontram escarranchados entre o cru e o cozido, o frio e o calor, o profano e o sagrado. Pode-se
assegurar que estes aspirantes ao Conhecimento experimentaram esse humor na própria carne, e tiveram
que agüentar os embates da tristeza; de Saturno e da melancolia. Embora devam reconhecer-se, também,
os aspectos benéficos destes estados, por momentos intoleráveis, que acompanham os "mistos" ao longo do
processo de Conhecimento, onde se encontram muito assinalados, e põem marcos e balizas no caminho da
vida.

Tome o estudante do AGARTHA devida conta de tudo isto.

62
AS QUATRO LEITURAS DA REALIDADE

Falamos de En Soph como do supracósmico, ou verdadeiramente metafísico, no sentido etimológico mais


elevado e radical do termo. Queremos aqui indicar a vinculação das três primeiras numerações ou sefiroth
com os princípios universais do ser tratados pela ontologia. Também com as seis sefiroth de construção
cósmica, referentes à cosmogonia (plano ou mundo de Beriyah e Yetsirah) e a concreção material ou física
(plano ou mundo de Asiyah).

Diz-se em Teologia que há quatro maneiras de ler a Bíblia, ou melhor, quatro leituras de seu texto (literal,
alegórica, tropológica, anagógica). Dante também o explica no Prólogo de A Divina Comédia (reparastes
neste título?) referindo-se a sua própria obra que, como sabemos, inclui uma descida aos infernos, um
purgatório e uma posterior ascensão aos céus. Esta concepção das quatro leituras da realidade (ou três
equiparáveis a elas segundo outras tradições) corresponde aos distintos planos dessa realidade e igualmente
aos graus hierárquicos de seu conhecimento.

No judaísmo, são igualmente quatro os planos ou níveis de leitura dos textos sagrados, em perfeita
coincidência com o modelo da Árvore da Vida, e a Teoria das Emanações. Inscrevem-se de baixo para cima,
de Asiyah a Atsiluth, e são correlativamente Peshat, Remez, Derash e Sod. Peshat é o sentido da leitura
literal, Remez o alegórico. Derash o sentido reto e Sod o sentido secreto. Poderá reconhecer-se que as letras
iniciais destes quatro termos PRDS, configuram a palavra PaRDeS, que quer dizer Paraíso ou Jardim, e se
refere a um lugar, ou melhor, a um estado original que só se pode adquirir quando se completa com a última
letra (a “S” final) toda a palavra. Deve se recordar que esta letra “S” corresponde ao Sod, cuja tradução é
“segredo”.

63

ALQUIMIA

Às vezes a Alquimia se expressa numa linguagem e num simbolismo complexo e “obscuro”, e isto é assim
face aos cuidados de nosso PROGRAMA que trata de sintetizar, esclarecer e expressar em uma linguagem
clara e atual verdades que, entretanto, necessitam para ser compreendidas de uma reforma da compreensão
profana, o que justifica em algumas circunstâncias o uso dessa aparente obscuridade ou contradição, para
fazer funcionar os esforços pessoais através de uma série de exercícios mentais (e físicos) regidos pela
coerência interna dos mesmos símbolos e sua estrutura lógica e, ao mesmo tempo, supra-racional. Por este
motivo, a importância do estudo e da meditação sobre o modelo cosmogônico no primeiro grau iniciático,
tratando de não deixar um oco na compreensão deste, pois é um trampolim imediato para a integração no
ontológico e metafísico.

O tempo, sobre o qual atua a paciência tanto como a dedicação, é um grande auxiliar no trabalho alquímico-
hermético, e na Cabala se aponta que o trabalho do neófito começa a maturar quando começa a encanecer,
ou quando passa os quarenta anos (ou ciclos), número este várias vezes mencionado nos textos sagrados.
Mas, sobretudo, tem que se destacar a intensidade com que o aprendiz encare o Conhecimento, o que o
levará, quando esta é firme, decidida e prudente, às portas de uma segunda Iniciação, muito mais real e
verdadeira, que já não é somente especulativa, teórica, ou intelectual, mas sim operativa, prática e
encarnada.

Na Alquimia chinesa, também existem duas iniciações. A primeira corresponde ao “homem verdadeiro”
(Tchenn-jen), a segunda ao “homem transcendente” (Cheun-jen). O acesso ao estado de “homem
transcendente” supõe o de “homem verdadeiro”, que o antecede. Este último seria o ser (ontologia) obtido
por meio da iniciação, que por sua vez tem que se dissolver na infinitude do não-ser (metafísica), ou seja,
voltar a morrer e renascer.

Na primeira etapa o aprendiz tem que se abandonar e abandonar o mundo da leitura profana e nascer para a
realidade simbólica. Esse rechaço do mundo profano implica uma morte (dissolução) e um renascimento,
aonde se vai formando o ser (coagulação), ou seja, o Conhecimento. Posteriormente, esse ser deve, de novo,
dissolver-se em uma lúcida ignorância e assim poder gerar uma autêntica nova vida interior, nascida dos
planos mais sutis da consciência e de um conhecimento que se basta por si mesmo. Isto é, se a graça de
Deus, acrescentando sua sede de saber, permiti-lo. Por outra parte, este é o esquema dialético e prototípico
da Alquimia. E estas duas operações básicas de dissolução-coagulação se repetem muitíssimas vezes no
processo iniciático (ou alquímico) como ciclos pequenos girando dentro de ciclos grandes; e é de se notar
que quanto mais se repitam, mais redundarão em bem do aspirante, que deve considerar que se encontra em
presença de bons sinais quando estes fenômenos ocorrem.

O taoísmo (extremo oriental) é brando e dissolvente. Os chineses e seus descendentes culturais sublinham o
metafísico; ao contrário, os mediterrâneos e sua área de influência (ocidental) fazem insistência no
ontológico e cosmológico. Neste sentido, podem ser consideradas complementares estas duas tradições, em
um processo de realização interior, e também serem conjugados seus ensinos e métodos com amplo
benefício. Mas ambas as tradições consideram as duas iniciações sucessivas, referidas aqui. O estudante
deve investigar não só na Alquimia ocidental (mineral), mas também na chinesa (vegetal).

Na tradição judaica (e árabe) o “homem verdadeiro” é Adão, fala-se de um jardim virginal primordial, que
se corresponde com um estado análogo original da consciência; estado ao qual o neófito pode aceder em
virtude da primeira iniciação. O homem transcendente é representado por Enoch, arrebatado ao céu em um
carro de fogo, que ainda está vivo e constitui o protótipo histórico de todos aqueles que realizaram o
Conhecimento em si mesmos, ou seja, a transmutação alquímica em seu grau mais elevado. No cristianismo,
esta diferenciação é a que há entre o João, o batista, e Jesus, e suas distintas funções, associadas igualmente
com o religioso e com o metafísico; o primeiro batizava com água, o segundo com fogo.

64

ANGEOLOGIA II

Dizer anjo quer dizer imagem. A imaginação não deve entender-se aqui como a faculdade que produz o
imaginário, o irreal, mas sim o ato pelo qual se faz real o mundo das Formas e Figuras. O mundus
imaginalis se situa no tempo mítico da percepção visionária e revelação profética. Como diz o poeta e pintor
do século XVIII, William Blake, "quem não pode imaginar de uma maneira mais real o que seu olho mortal
pode ver, não imagina do todo".
O criador de imagens (nome que se dá ao devoto do islã), identifica-se com a luz interior dos seres e das
coisas do mundo Natural, e com as idéias e arquétipos do mundo Ideal.

Esta imaginação ativa é uma faculdade do Intelecto ou órgão do Conhecimento, e conduz à Inteligência do
Coração, objeto do Conhecimento interno direto.

Os arcanjos, como faculdades cognitivas que são, associam-se a estas funções. A imaginação ativa ao
arcanjo Gabriel (anjo Espírito Santo) que no cristianismo é o anunciador da encarnação do Verbo; a
inteligência do coração, ou intelecto puro, ao arcanjo Miguel (ou Christos-angelos), cujo nome significa
"igual a Deus".

Na Árvore Sefirótica da Cabala, segundo algumas versões tradicionais, Miguel ocupa o centro (Tifereth);
Gabriel o Fundamento (Yesod) e Metatrón o pólo ou a coroa (Kether). Este último é denominado o “YHVH
menor” e é o arcanjo que aparece a Moisés no meio da sarça. Metatrón é a mesma palavra "que abre o reino
supra-celestial"; é o espírito da visão que anuncia um Deus que virá; o que em termos gerais é válido para
qualquer energia imaterial e luminosa, quer dizer, Angélica.

65

EXERCÍCIO PRÁTICO

Algo que se deseja recomendar é a leitura em voz alta como exercício fecundo para se carregar
interiormente. Comece a ler com suma claridade e voz forte, e espaçadamente, qualquer parágrafo deste
Programa. Faça-o entendendo perfeitamente o que lê e acompanhando com sua voz (e até com seu gesto) o
texto. Se tiver em sua casa um gravador, permita-se utilizá-lo e registrar nele sua leitura. Não só ouvirá
vibrar sua voz, mas também sentirá a aliviada e marcial sensação de estar novamente levantando âncora
como um privilégio concedido a sua decisão responsável. Diga-se para si mesmo: “Voto a Hércules!
Adiante com a navegação!” Além disso, você deve ter em conta que cumpre uma função, que esta longa
efetivação de um processo interno, esta iniciação no Conhecimento por mediação da alquimia anímica e
espiritual, que nosso Programa oferece, é parte de nosso destino individual. Uma alternativa que começa a
se realizar em obras e se manifesta de acordo com a nossa capacidade, tanto de compreensão, quanto de
expressão, para que possamos reconhecer em seus rastros o que é aquele Destino para o qual fomos
chamados.
66

MINUTA

Ser pobre, na verdade, é ter medo à pobreza, ou desejar possuir, qualquer sejam os meios com os quais
contemos. Igualmente ser rico é não ambicionar o que não se tem; o que é o mesmo que estar de acordo –e
não resignado– com o que se é, seja o que for ou possua o que possuir.

Realmente, quando mais se sabe, mais se esquece o aprendido. Deus é permanente novidade. A posse da
psique pessoal é a expressão mais clara do engano de nos perceber de modo individual. Na deidade não há
solidão nem medo.

67

O HORÓSCOPO

O horóscopo nos permite determinar a posição dos planetas e das estrelas nos signos e casas zodiacais, em
um dia e uma hora concretos. Costuma-se fazer o cálculo para observar os aspectos astrais no momento do
nascimento de uma pessoa, em cujo caso se denomina “carta natal”; mas também se poderia realizar a partir
de qualquer outro acontecimento, especialmente significativo, do qual queiramos saber suas influências
celestes.
É necessário, para poder elaborá-lo, terem claros e precisos o dia e a hora que vamos analisar, e o lugar, do
qual teremos que obter sua latitude e longitude; também possuir uma tabela de posições planetárias
denominada “efemérides”; uma tabela de casas em que se possa ver a posição destas na latitude do lugar que
se observa; e uma tabela de logaritmos. Estas pranchas podem ser adquiridas em livrarias especializadas.
A maioria das pranchas –especialmente nas que podemos conseguir hoje em dia no Ocidente– apóiam seus
cálculos na hora de Greenwich e dão seus dados ao meio-dia; é necessário, pois, transpor os resultados à
hora e lugar em questão.

Feitas estas observações, daremos uma idéia geral de como elaborar o horóscopo:

a) Trace com seu compasso um círculo e divida-o em doze segmentos de 30º cada um, tal
como se mostra nos gráficos das páginas seguintes.
b) Obtenha a “hora sideral” do lugar e do momento que lhe interessam, seguindo as
instruções que nas mesmas pranchas –ou em livros de Astrologia– poderá encontrar.
Calcule o intervalo transcorrido entre no meio-dia anterior e a hora que investiga. Para
a colocação dos planetas, que faremos em seguida, obtenha o logaritmo desse
intervalo.
c) Abra sua “tabela de casas” na latitude correspondente e olhe a coluna “Tempo Sideral”
em que se vêem horas, minutos e segundos. Procure nesta coluna o “tempo sideral”
que lhe interessa, e ali poderá observar, nesse tempo, e na latitude em questão, as
cúspides das 10ª, 11ª, 12ª, 1ª, 2ª e 3ª casas. Trace em seu diagrama os signos e os graus
que lhe indica a tabela, e nos pontos opostos marque as cúspides das 4ª, 5ª, 6ª, 7ª, 8ª e
9ª casas, respectivamente.

Vejamos como traçar, caso a posição resultante fora, por exemplo, a seguinte:
Casa 10.ª 15° Libra Casa 4.ª 15° Áries
Casa 11.ª 20° Escorpião Casa 5.ª 20° Touro
Casa 12.ª 26° Sagitário Casa 6.ª 26° Gêmeos
Casa 1.ª 6° Capricórnio Casa 7.ª 26° Câncer
Casa 2.ª 18° Aquário Casa 8.ª 18° Leão
Casa 3.ª 14° Peixes Casa 9.ª 14° Virgem

Ficam, desta forma, desenhados os signos zodiacais e as casas. A cúspide da 10ª casa é chamada meio do
céu; a da 4ª casa, fundo do céu. A da 1ª é o signo ascendente e a da 7ª o descendente.
Vejamos agora como se inserem os planetas. Utilizaremos a tabela das “Efemérides” que nos dará a posição
de cada planeta em Greenwich e ao meio-dia, e teremos que transpor ditas posições ao lugar e a hora que
estamos observando. Para isso, será necessário obter o logaritmo dos graus e dos minutos em que se
encontrava cada planeta no meio-dia anterior à hora que procuramos, conforme nos mostre a tabela, e
adicionar em cada caso o logaritmo permanente que obtivemos do intervalo transcorrido entre o meio-dia
anterior e a hora que se investiga. O logaritmo resultante da soma de ambos deverá, agora, converter-se em
graus e minutos. Repetindo esta operação com cada um dos planetas, obter-se-ão suas posições exatas. Uma
vez obtidas as posições dos planetas em graus e minutos, vejamos como se inserem no gráfico anterior, que
já nos mostra a cúspide das casas e a posição dos signos zodiacais. Unicamente utilizaremos os graus,
“arredondando” os minutos e segundos. Suponhamos que a posição dos planetas resulte a seguinte:

Saturno: 0° Sagitário
Júpiter: 22° Leão
Marte 18° Aquário
Sol: 23° Touro
Vênus: 3° Câncer
Mercúrio: 9° Gêmeos
Lúa: 4° Câncer
Isto se insere no gráfico da seguinte maneira:

Você já tem, em seu gráfico, os elementos necessários para começar a fazer os outros cálculos e
interpretações. Para isso, deverá ter em conta os significados que demos dos signos zodiacais, das casas e
dos planetas, assim como as influências de cada um deles conforme se encontrem em um ou outro dos
signos e dos “aspectos” dos planetas entre si.

Pela natureza deste manual, vemos-nos obrigados a dar uma explicação esquemática e sintética da
confecção do horóscopo, que obrigará o estudante a investigar sobre o manejo das pranchas que
mencionamos e a exercitar-se, retificando, até obter o cálculo e a interpretação adequados. É este um
trabalho que recomendamos, pois ao nos conectar com a harmonia e com o ritmo das energias celestes, e ao
nos permitirem observar suas influências na terra, ajuda-nos a desempenhar o papel –que sempre se atribuiu
ao homem verdadeiro– de intermediário entre o céu e o terrestre, e vice-versa.

68

NOTA

No Módulo II, título N.º 65 , falamos a respeito da alimentação. Sem excluir nada do que ali se diz, agora
nos referiremos deste modo a certos temas conexos e aos enganos que podem derivar deles, a ponto de se
constituírem em dificuldades, às vezes insolúveis, no caminho do Conhecimento. Dois exemplos bem nítidos
são o preconceito "naturista" e o impedimento materialista. O segundo está intimamente ligado com a
versão que o homem moderno tem de si mesmo e de todas as coisas, e corresponde, em termos gerais, à
forma de ver da sociedade contemporânea, associada deste modo com a leitura literal e programada que
este homem histórico tem do cosmo. O primeiro, vale dizer, o preconceito "naturista", é próprio de certas
pessoas e grupos que pretendem "melhorar" sua situação individual dentro do caos que nos tocou viver. A
ele nos referiremos agora, pois muitas das pessoas interessadas nos temas da Metafísica e do autêntico
Conhecimento, ou seja, aqueles que têm uma inquietação interior, vêem-se freqüentemente tentados por
certos atrativos que lhes oferece uma vida mais "pura", "natural" e "saudável".

Haveria que se perguntar, desde o começo, o que se entende pelo hoje chamado "natural" e que conceito se
possui na atualidade sobre a natureza.

É bem sabido que, para as sociedades tradicionais e primitivas, que por certo são as que vivem integradas
no cosmo e palpitam junto com os ritmos e com os ciclos naturais, em um plano perfeitamente universal –e
ecológico–, a natureza não é o que os modernos supõem, ou seja: a superfície da paisagem ou hipotéticas
questões vinculadas com a "saúde", da que também cabe perguntar-se: o que se entende por tal?
Por outro lado, alguns alimentos específicos são considerados como "bons" ou "maus" de acordo a
determinadas pautas que arbitrariamente fazem do "natural" seu lema, e de sua saúde "ideal", em uma
verdadeira cruzada do tipo moralista e fanática, sem terem os conhecimentos elementares necessários para
isso, e sem estarem informados da história e da cultura dos distintos povos que habitam desde sempre o
mundo. É muito importante destacar que em nenhum texto sagrado das diferentes tradições se toma à
alimentação como tema fundamental, e em geral nem o mencionam, já não como requisito prévio para
alcançar determinados estados de consciência, nem mesmo de autêntica saúde corporal, senão que, em
certos livros sacros, como o Evangelho cristão, esclarece-se que o importante não é o que entra pela boca,
mas sim o que sai do coração do homem.

Um caso muito difundido é o da prédica vegetariana. De fato nenhuma tradição –a hebraica, a cristã, a
islâmica, a budista, a taoísta, etc.– salvo a hindu, pratica o vegetarianismo, ao que seus seguidores
constituíram em um culto de que são devotos de uma maneira quase moral. Por certo que são muito bons os
vegetais, como também todas as coisas que Deus pôs a disposição do homem; mas a exclusão de umas em
benefício de outras, como se umas fossem "boas" e outras "más", fazem dessa forma de ver unilateral algo
muito parecido às civilizações dessacralizadas ou profanas, e não às autênticas doutrinas tradicionais.
Sobretudo, quando cai em extremos de acreditar e tratar de impor ao extremo a idéia de que só as verduras
e frutas cruas são os alimentos autenticamente sãos, apreciação de maneira nenhuma verificável ao se ter
que levar uma dieta prolongada desta natureza, com as moléstias e inconvenientes que conduz. Neste
sentido, certas práticas e concepções de origem hindu, igual que outras derivadas do Hatha Yoga, próprias
de simples faquires que pretendem fazer passar suas práticas como autêntica espiritualidade, são
consumidas de maneira literal e vividas de modo pseudo-místico e de forma fanática, tanto no Ocidente,
como no Oriente, assim no próprio seio da Índia atual, onde numerosas seitas de origem confusa e
pensamento sincrético, muito influídas também pela cultura moderna, pregam determinados "ensinos" (e
isto ainda nas cidades sagradas à beira do Ganges) que têm filiados em todos os países da Europa e da
América, que são impedimentos sérios para a obtenção do Conhecimento quando estas prédicas e
exercícios são tomados de maneira estritamente linear.

Acreditamos que o "natural" tem que ser transcendido para poder dar lugar ao sobrenatural.

69

CABALA

A seguir oferecemos um singelo “talismã” numérico (recordemos que os números são também letras)
baseado na Estrela de Davi ou Selo Salomônico, emblema de Israel.

Poder-se-á observar que a soma das seis fileiras de números dão um mesmo resultado:
4 + 7 + 9 + 6 = 26 6 + 5 + 12 + 3 = 26
1 + 11 + 12 + 2 = 26 4 + 8 + 11 + 3 = 26
1 + 8 + 7 + 10 = 26 10 + 9 + 5 + 2 = 26
Igualmente, a soma dos números colocados nas pontas da Estrela dá 26 (13 para os dois extremos do eixo
vertical e 13 para os 4 restantes). Este número, como sabemos, é particularmente importante na Cabala
hebraica –e em outras tradições– e corresponde à soma das letras do Supremo Nome Sagrado YHVH,
decomposto desta maneira:

Y = 10, H = 5, V = 6, H = 5. Total = 26
Por outra parte, a soma do hexágono interior dá 52 (26 x 2), os quais adicionados aos 26 exteriores dão 78
(26 x 3), como o total de todos os números da figura. Queremos recordar que este é o número de cartas que
possui um jogo completo do Tarô.
70

GEOMANCIA

Respeitamos o nome Geomancia, com que se acostumou a conhecer esta ciência, embora, rigorosamente,
corresponder-lhe-ia o de Geologia, com o qual o homem contemporâneo designa uma disciplina nascida no
século passado [N.T.: Século XIX]. Em chinês é chamada Feng-Shui e estuda as energias da natureza, em
sua íntima relação com a terra, e por certo que esta ciência está estreitamente vinculada com a Geografia
Sagrada. Na realidade, todos os povos e sociedades tradicionais utilizaram a geomancia com o fim de situar
em determinados lugares e pontos chave tanto suas cidades, como seus templos ou casas de culto, e da
mesma forma suas moradias.

Para uma mentalidade tradicional, tanto a terra como o céu estão perfeitamente vivos e se expressam
constantemente por mediação das energias que continuamente os formam. A terra respira, pare, resplandece,
e adquire formas distintas em diversos lugares, assinalados por diferentes fenômenos (montanhas, vales,
planícies, rios, cascatas, etc.), que são símbolos de idéias arquetípicas, ou melhor, de "outras coisas"
existentes também no mundo do invisível, do espiritual. Por certo que estas concepções hão de se pôr em
direta conexão com a idéia da analogia entre o macrocosmo e o microcosmo, a que vê na terra um ser vivo,
sensível e gigantesco, expressão natural, como o homem, de um Ser Supremo, oculto em sua própria
criação. Motivo pelo qual as energias cósmicas, e neste caso especial as telúricas, são igualmente os
condutos pelos quais se manifesta a divindade e, portanto, assinalam lugares específicos de comunicação
terra-céu. Esta circulação da energia, em ambos sentidos, é o que caracteriza, igualmente, à Geomancia
como arte divina-tória, e a que busca por seu intermédio a localização adequada do ser humano no
indeterminado e amorfo, instaurando uma ordem no caos. Uma das variantes secundárias desta ciência (ou
arte) constitui-se na figura do Zahori [N.T.: Geomante ou rabdomante], que é o encarregado de encontrar
água, ou corrente de energias benéficas (aproveitáveis), utilizando para isto um bastão ou um pêndulo.
71

FILOSOFIA PERENE

Algumas pessoas, de formação exclusivamente profana, talvez pudessem se surpreender com a existência de
uma "Filosofia Perene", ou seja, de uma série ordenada de conhecimentos inter-relacionados, de uma
doutrina (jamais de um dogma), capaz de explicar aos homens sua própria natureza e a do mundo em que
vivem. Certamente que esta "panacéia" universal, capaz de responder a todas as perguntas, acalmar as
angústias do mundo moderno e suprimir o sofrimento provocado pela ignorância, não é uma criação
individual (nem muito menos "coletiva"), mas sim a expressão de uma revelação espiritual direta, obtida por
distintas pessoas em diversos lugares, que reveste diferentes formas próprias e que, sobretudo, acha-se
presente na própria entranha do ser humano e do cosmo em que este habita. Portanto, a revelação destes
conhecimentos arquetípicos não é só horizontal e histórica, mas sim fundamentalmente vertical e eterna,
como são as "idéias", princípios que formam o mundo e que se manifestam mediante leis universais, que
foram conhecidas de modo unânime pelas diferentes tradições que formaram a História da humanidade ao
longo de sua Geografia. Esta simples observação, que qualquer leitor armado de boa vontade pode constatar
pessoalmente, supõe a idéia de um modelo universal, de um jogo de estruturas imutáveis, visíveis e
invisíveis, sem as quais o mundo e o homem não seriam. Eis a importância de conhecer a cosmogonia como
expressão simbólica da Inteligência Universal, energia subjacente a qualquer manifestação, tal e qual
acontece com o pensamento, que antecede à palavra. Com efeito, este jogo de estruturas essenciais se
expressa simbolicamente, e é por meio desses simbolismos, e de suas analogias e equivalências, que
podemos entender a realidade última do cosmo e sua instância final: sua natureza incriada e, no entanto,
sempre atuante. É este legado herdado das grandes tradições da Antigüidade uma autêntica cosmogonia
arquetípica que, como tal, corresponde-se com as distintas simbólicas arcaicas, mediante as quais se
expressa, reatualizando deste modo a realidade do mundo atual que, ainda órfão de todo conhecimento
verdadeiro, segue constituindo uma autêntica teofania para todos aqueles que são capazes de compreendê-
lo. Ademais, deve-se dizer então que se dedicar ao estudo das disciplinas tradicionais, e efetuar suas práticas
com o propósito de despertar as potências adormecidas da alma, constitui um método apropriado do
Conhecimento.

72

SIMBOLISMOS DE PASSAGEM

Agartha propõe uma total conversão de nosso modo ordinário de ser e uma busca perseverante de outros
estados mais sutis aos quais devemos aportar. A aventura do Conhecimento, como vimos, é representada
como uma viagem ou uma peregrinação ao Centro do Ser, para a Cidade Santa, ou seja, para nossa própria
interioridade. Essa viagem, cheia de peripécias e perigos nos permite "passar", paulatinamente, a outras
regiões mais internas, e cada um desses "passos" supõe uma "recordação", cada vez mais nítida, do Si
Mesmo, da verdadeira identidade que permanece imóvel no meio de nosso próprio coração. De fato, todo
símbolo sagrado, por sua condição veicular, supõe a possibilidade de uma "passagem", pois tem a
característica de poder transportar o homem da realidade material que lhe mostram os sentidos para a
verdade interior que se oculta detrás da aparência formal das coisas e dos seres. O símbolo toca os sentidos
permitindo que, a partir dessa percepção sensível, elevemos-nos por seu intermédio para as regiões
invisíveis que ele mesmo representa, tornando possível, portanto, a "passagem" a outros estados e graus de
consciência e de vida.

A ascensão e o descenso perpétuos que o Ser realiza pelas esferas da Árvore Sefirótica supõem uma
"passagem" pelas vias que comunicam as distintas sefiroth entre si, sendo, de acordo à Cabala, 22 os
caminhos que temos que cruzar (ver Módulo II, título N.º 28), relacionando-se cada um deles com uma letra
do alfabeto sagrado e com uma lâmina dos arcanos maiores do Tarô.
Há certos símbolos, queremos agora destacar, que se referem especificamente a estas "passagens" que têm
que ser produzidas durante o processo da realização da Grande Obra. Estes, como o do Octógono, o da
Porta, o atravessar as águas e o da Escada, poderão nos mostrar como realizar essas travessias pelas
comarcas da mente universal. Os pensamentos, cada vez mais sutis, guiados por estes caminhos
arquetípicos, levar-nos-ão por passadiços mais e mais estreitos, que desembocarão finalmente no En Sof, o
nada ilimitado no qual só é o eterno repouso. "Através de Mim conhecereis o Pai".

73

AS TRADIÇÕES ARCAICAS

Aqui e ali, em distintos lugares do mundo, convivendo com a civilização moderna, podem se conhecer
distintos grupos que ainda vivem virtualmente na "idade de pedra" ou na de "bronze", segundo o
vocabulário (jargão) da "ciência" atual. Estes povos que ainda conservam fragmentos mais ou menos
completos de suas tradições originais e vivem de acordo com elas, são denominados "primitivos" pela
ciência oficial, ao se lhe escapar o sentido de seus costumes e de seus ritos, e ao não poder compreender a
mentalidade tradicional, que vê na natureza uma imagem do supra-natural e no mundo e no homem uma
série de energias invisíveis que constantemente o determinam; portanto, tem-se suposto que estes seres, aos
quais se considera completamente faltos de inteligência, como estúpidos, ou no melhor dos casos meninos
que não podem sair de sua pretendida ignorância, constituem uma espécie quase diferente, como de
humanóides, muito próxima dos macacos, existente antes de que o homem tivesse podido ser tal graças aos
adiantamentos e ao progresso instaurados pela ciência.

Tal acontece porque um investigador das tradições arcaicas, que é um cético em matéria metafísica e
considera a presença animada da deidade como algo pouco sério, jamais poderá entender esse mundo
arcaico, e igualmente acontece com aquele que tem de Deus uma idéia exclusivamente religiosa ou de tipo
moral. Com muita freqüência, estes dois tipos de estudiosos são os que dirigem a informação oficial, não
entendendo eles próprios que sem a vivência íntima do sagrado é quase impossível a compreensão do que se
acredita ser uma mentalidade tradicional. Uma pessoa, que nega o plano invisível ou espiritual, verá nos
símbolos só elementos utilitários do tipo literal; por outra parte, um indivíduo religioso-moral quererá ver só
o que é "inferior" a suas crenças, o que desprezará como lixo, ou se adotará o direito de perdoar a barbárie,
ou o que ele supõe é um paganismo ignorante e supersticioso, incluídos os antigos ritos gregos iniciáticos de
Elêusis e os "oráculos" de Delfos e o de Zeus, em Dodona do Epiro.

Na verdade, este tipo de critério poderia melhor ser aplicado aos habitantes das grandes cidades, os que, de
acordo com a programação do mundo contemporâneo, só aparecem como autômatos, positivamente
escravos de seus condicionamentos culturais infligidos pela falsa religião da "ciência", o que equivale a
institucionalizar definitivamente a ignorância.

As grandes civilizações são na realidade uma degradação do pensamento tradicional, onde este,
paradoxalmente, alcança seu maior brilho, antes de sepultar-se com seu próprio ciclo. E pelo contrário,
certos povos arcaicos ainda conservam a "ingenuidade" e o frescor das origens. Deveríamos, nesse caso,
perguntar-nos quais são os "ignorantes", ou os "primitivos", e que autoridade pode adjudicar, no mundo
moderno, respeito a qualquer classificação em cada ramo de sua "ciência". Nada sabem os representantes
"oficiais" do pensamento moderno, e às vezes se chega ao caso de alguns que tomam sua própria ignorância
–que deveria lhes envergonhar– como um avanço com relação a um novo mundo do qual, através de sua
incapacidade –institucionalizada como uma objetiva postura científica–, eles seriam a vanguarda
construtora.
74

ASTRONOMIA-ASTROLOGIA

A astronomia é a mais antiga de todas as ciências e é a que determina uma civilização em sua origem, como
o tem feito com todas as da Antigüidade. Efetivamente, o estudo dos ciclos e dos ritmos dos astros gera as
pautas em que se fundamentará o pensamento religioso, político e econômico, toda a cultura, afinal, de uma
sociedade. A partir daí é possível tirar conclusões particulares, baseadas em cálculos, relações e analogias,
que se correspondem com um conceito reiterativo e circular do tempo, que dá lugar às predições sobre
acontecimentos cíclicos e, portanto, reincidentes, que são estudadas pela astrologia, ou astronomia judiciária
(como se lhe chamava na antigüidade). O ciclo mais curto e mais fácil de observar é o lunar que, em 29 dias
e fração (28 dias para o pensamento antigo, dividido em 4 semanas de 7 dias), realiza um percurso e retorna
ao mesmo ponto. Isto, sem considerar o percurso do sol no dia, ou seja, a diferença que existe entre o dia e a
noite. Também a lua admitiu o estudo de ciclos maiores, o de seus eclipses que, conforme observaram os
caldeus, produziam-se na mesma ordem depois de 223 meses lunares. O mais importante destes ciclos
maiores dos astros é o da precessão dos equinócios, que se reitera a cada 25.920 anos (26.000 em números
"redondos") estabelecido para a cultura ocidental por Hiparco, de Nicéia, e outros sábios tradicionais.
Chama-se abóbada celeste, ou firmamento, uma semi-esfera cuja linha de contato com a terra é o horizonte,
e cujo centro se encontra no olho do observador. Se este se mover, o horizonte se desloca. Igualmente, se o
espectador contempla um astro, a reta ou raio visual que vai ao centro do astro, determina um ponto na
abóbada celeste, que é a projeção do astro sobre ela, e como a distância que vai da terra aos distintos astros é
imensa (recordemos que a que separa a nosso planeta do sol é de 150 milhões de km), em relação com o
diâmetro da terra (6.378 km), supõe-se que os astros se movem em uma esfera ideal, de raio indefinido,
denominada “esfera celeste” e cujo centro, do mesmo modo, encontra-se no olho do contemplador. Na
realidade, o que o observador vê são as projeções dos astros sobre o firmamento e não os deslocamentos
verdadeiros dos astros. Além disso, considera-se a terra como um ponto coincidente com o centro desta
esfera celeste. Pelo que se pode verificar, que até a astronomia atual sustenta, e parte do ponto de vista
geocêntrico, ou melhor, antropocêntrico, para construir todas suas especulações –e não poderia ser de outra
maneira– em que pese que a ignorância e a vulgarização geral ponham uma ênfase pomposa e vaidosa sobre
o heliocentrismo (perfeitamente conhecido pela antigüidade, conforme pode ver-se no papel primitivo
atribuído unanimemente ao sol) como conquista científica, antes da qual nada se sabia de astronomia. Quer
dizer que os que rechaçaram Nicolau Copérnico (autor de De Revolutionibus, publicada em 1543, em que
sustentava o heliocentrismo, baseado precisamente na astrologia antiga) são os mesmos ignorantes que
afirmam enfaticamente hoje seu sistema como oficial, sem compreendê-lo, e sem saber inclusive que a
astronomia atual se fundamenta na terra e no homem, e em nenhum momento toma um ponto de vista alheio
a eles, o que por certo seria totalmente absurdo e impossível. Vale o mesmo uma descrição geocêntrica ou
antropocêntrica da terra (comparada com a heliocêntrica) e na prática a astronomia atual a segue utilizando;
o mesmo aconteceu com relação a Einstein e ao fenômeno da luz. Entretanto, é tal a confusão do mundo
moderno e nossos contemporâneos "cientistas" que são previsíveis suas aberrações e anomalias hoje
computadorizadas, fomentadas pela má fé e pelo mesmo ódio que levou a proibir a obra de Copérnico (e,
pouco mais tarde, levaram Giordano Bruno à fogueira e obrigaram Galileu a abjurar) um dos sábios
herméticos e esotéricos do precisamente chamado Re-nascimento em relação com as culturas da
Antigüidade.

Nota: Embora as claves ou chaves das antigas ciências astrológicas parecem ter sido perdidas, os fragmentos
que nos legaram permitem a especulação, e em muitos casos nos assombram com a justeza de suas
interpretações na aplicação aos fatos cotidianos da existência.

De todos os modos, quer se deixar claro que a Astrologia (derivada da Astronomia) é um simbolismo
perfeitamente válido, como qualquer outro, para tratar de descrever e "apreender" a "realidade" sempre
multifacetada e pluridimensional. Um sistema classificatório de noções inspirado nos movimentos cíclicos e
rítmicos dos céus e suas influências determinantes no mundo e no homem. Uma ciência tal, estudada sob a
luz da Tradição Hermética, é um instrumento a mais na busca do Conhecimento.

75

AS TRADIÇÕES

Ao longo de nosso Programa nos referimos com freqüência a muitas das tradições ainda vivas ou já
desaparecidas. E sempre destacamos o fato de que nessas tradições existe uma identidade quanto a seus
símbolos, ritos e mitos principais, pois todas elas emanam de uma só e única Tradição, chamada primordial
precisamente por sua condição essencialmente vertical e supra-histórica, o que lhe permitiu subtrair-se às
mudanças do devir cíclico, conservando integralmente o Conhecimento (a Gnose) e a possibilidade
permanente e salvífica de poder ser encarnado pelo homem de qualquer tempo e lugar. Isto vale também
para nossa época em que, apesar de sua extrema obscuridão, ainda seguem vivas em diferentes lugares da
Terra determinadas culturas tradicionais que não perderam seu vínculo com a Tradição Primordial,
outorgando a influência espiritual-intelectual imprescindível para iniciar o caminho que nos leve a
realização interior e à identidade com o Si Mesmo.

Entretanto, não podemos desconhecer o fato de que todas as tradições atuais sofrem, em maior ou menor
medida, uma degradação com respeito ao que foram seus valores originais, embora essa degradação afeta
mais à forma exterior de que necessariamente se revestem (e que não é alheia às condições espaço-
temporais), mas não ao seu fundo, ao seu núcleo e essência metafísica revelada através de seus códigos
simbólicos.

– Por um lado temos às três tradições abraâmicas: o judaísmo, o cristianismo e o islã, também chamadas as
"tradições do Livro": a Bíblia para as duas primeiras e o Corão para a terceira. Dá-se a circunstância de que
nestas tradições o aspecto religioso ou exotérico prevalece há muito tempo sobre seu esoterismo (a Cabala
para o judaísmo e o sufismo para o islã), o que é virtualmente desconhecido para a grande maioria de seus
praticantes, apegados à letra mas não ao espírito de sua tradição. Não obstante, nestas tradições subsistem
ainda pequenos grupos ou individualidades que continuam transmitindo os ensinos do verdadeiro esoterismo
a pessoas que o buscam com retidão de coração.
– A tradição hindu é de todas as existentes a que talvez conserva de maneira mais completa a doutrina
metafísica, expressa fundamentalmente através dos Vedas e dos Upanishades, que como todos os livros e
textos sagrados estão inspirados diretamente pelos deuses, quer dizer que sua origem é não-humana.
– O budismo em suas duas grandes versões: hinayana (ou "pequeno veículo") e mahayana (ou "grande
veículo"). Neste último é onde se mantiveram com maior pureza os ensinos do Buda, sendo o que penetrou
no Tibete procedente da Índia, onde incorporou elementos das tradições nativas, dando lugar ao lamaísmo.
Atualmente o budismo lamaísta não só está expandido pelo Oriente, mas também por diferentes cidades da
Europa e da América.
– O taoísmo nasce da antiga tradição chinesa ou extremo-oriental, da que constitui seu aspecto mais
autenticamente metafísico e cosmogônico, anotando que também existe uma alquimia taoísta (tal qual uma
alquimia hindu) com muitos pontos em comum com a alquimia ocidental. Na mesma China surgiu o zen, ou
zen-budismo, nascido da síntese entre o taoísmo e o budismo mahayana. Atualmente a escola zen está
arraigada sobretudo no Japão, país que por outro lado segue conservando sua antiga tradição, o shinto, de
características muito similares ao confucionismo chinês.
– Deste modo temos que considerar a presença da grande tradição pré-colombiana, ainda viva, embora de
forma fragmentária, ao longo de toda a América, assim como constatar a existência do jainismo hindu e dos
parsis zoroastrianos, sem esquecer os numerosos povos "primitivos" da África e da Oceania, que em termos
gerais constituem todas aquelas culturas mágico-religiosas que se incluem no que se entende, ou melhor,
que mal se entende, por "xamanismo".
– Mas é particularmente na Tradição Hermética onde pomos nossa ênfase, já que esta síntese própria dos
povos ocidentais –e a mais apropriada para eles–, não é de maneira nenhuma um sincretismo por ter uma
origem múltipla (como tampouco pode ser considerada tal a tradição de gregos e romanos, nascida do
pensamento egipcio-caldeu, ou o islamismo, entroncado diretamente com Israel e o cristianismo, ou o
budismo, emanado do hinduísmo, etc.), mas sim uma tradição viva, que inclusive pode ser rastreada
historicamente ao longo da formação da Europa e da América, que deu inumeráveis adeptos da Arte:
alquimistas, astrólogos, artistas e filósofos, que de maneira ininterrupta nutriram e marcaram a vida do
Ocidente, criando instituições, que como no caso da Franco-maçonaria, resguardam o conteúdo da Tradição
Unânime.
76

A PORTA

"Tinha um muro grande e alto e doze portas, e sobre as doze portas, doze anjos e nomes escritos, que são os
nomes das doze tribos dos filhos de Israel: da parte do oriente, três portas; da parte do norte, três portas; da
parte do meio-dia, três portas, e da parte do poente, três portas" (Apocalipse XXI,12-13).

O despertar gradual da consciência pode ser visualizado como a abertura de portas que permite que o
pensamento "passe" a outras regiões e que o adepto vá conhecendo os graus invisíveis do ser. A porta supõe
sempre uma saída e por sua vez uma entrada, pois quando a atravessamos saímos de um espaço mental para
ingressar em outro; e são várias as que temos que cruzar, cada vez mais estreitas, durante o processo da
transmutação. A Iniciação nos Mistérios abre a porta que separa o mundo ordinário e profano daquele outro,
sagrado, onde o espaço e o tempo recuperam sua verdadeira significação.

Já nos referimos à Porta dentro do simbolismo construtivo, e queremos agora fazer certas observações sobre
a "passagem" que este símbolo evoca. Vimos o templo como modelo do cosmo e como símbolo do espaço
interior do homem. Sua porta exterior serve de separação –e por sua vez como ponto de união– entre o átrio
–onde preponderam a multiplicidade e o caos do mundo ordinário– e o espaço interno, no qual reinam a
ordem e a harmonia do sagrado e significativo. O iniciado, graças aos rituais que o qualificam para entrar,
atravessa essa soleira, morrendo aos estados inferiores e exteriores e renascendo a uma vida interior em que
as possibilidades superiores despertam.

Esta Iniciação, ou porta de entrada aos mundos invisíveis, está representada na Árvore Sefirótica pela esfera
9, que por sua vez se relaciona com a lâmina número 12 dos Arcanos Maiores do Tarô. É interessante a
relação que podemos fazer entre esta esfera –Yesod, o Fundamento– e o símbolo cristão de Pedro (que foi
crucificado com a cabeça para baixo, como é a posição de "O Enforcado") que é a pedra de fundamento
sobre a qual a Igreja se levanta. Neste sentido não é casual que seja o próprio Pedro o portador das chaves –
ou claves– que abrem as portas do reino dos céus.

Por outra parte, esta primeira porta está também relacionada com o símbolo da caverna e, em ambos os
casos, o iniciado, uma vez que ingressou no espaço interior, deve atravessar pelo labirinto que finalmente o
conduzirá –se não se perde– ao centro ou coração do templo, no qual se localiza a ara ou altar. No
simbolismo cristão, vemos como neste espaço central (guardando o cálice ou taça, espaço vazio ou
receptáculo da Shekhinah), há também outra pequena porta que só o sacerdote abre e que cobre o mistério
dos olhos profanos. Esta porta se localiza em Tifereth –sefirah central que temos que transpassar, nascendo
de cima, para começar a vislumbrar a realidade oculta sobre "a superfície das águas".

Havendo recebido o batismo de água que abre a primeira porta, e uma vez realizado o percurso horizontal e
labiríntico entre essa porta exterior e seu centro, ou coração, no qual se recebe o batismo de fogo, o adepto
tem que iniciar uma "passagem" axial, vertical e ascendente pelo eixo invisível que conecta o altar com o
ponto central da cúpula –de Tifereth a Kether–. Os ritos "primitivos" de subir a árvore, ou de subir pelo
poste ritual, exemplificam esta ascensão ao final do qual o adepto terá que atravessar a porta mais estreita
que se acha simbolicamente na sumidade do templo. Este é o buraco da agulha pelo qual não pode passar
nenhuma riqueza individual. A agulha, com efeito, é um símbolo mais do eixo e do rito de enfiar uma linha
na agulha, então, deve ser uma representação desta "passagem" pela porta estreita.

O homem em sua busca do Conhecimento tem que sair primeiro do mundo ordinário para entrar em interior
do templo; logo, deve se perder nos labirintos para se encontrar novamente ao atracar no centro; daí, terá
que empreender a ascensão vertical em busca da sumidade e, finalmente, deverá sair pela porta zenital do
templo, ou cosmo, para o supracósmico. Esta saída final é visualizada como o desatar ou dissolver o nó que
nos mantém atados à individualidade e a um estado particular do ser, e sua conquista constitui uma fusão
absoluta com o todo. "Batei e se vos abrirá".

77

O SÍMBOLO DO CORAÇÃO II

Sede para muitas tradições do valor, do ânimo (alma) e da Inteligência criadora, análogo no interior do ser
humano ao Sol no macrocosmo, a luz e a vida nascem dele como de uma só fonte, a imagem da origem: "luz
e vida, isso é o Deus e Pai (Noûs) de quem nasceu o Homem. Se aprendes, pois, a te conhecer como feito de
vida e luz, e que são esses os elementos que te constituem, voltarás a nascer outra vez." (Poimandres, I-21).

Não se pode amar o que não se conhece, e nem todas as formas de união são um reflexo cabal do Amor.

Pequeno todo, já que é o centro do microcosmo, sintetiza o quaternário horizontal no eixo vertical e difunde
na construção o Não-ser da mesma, sua identidade supracósmica, que ele reflete diretamente segundo o eixo
vertical e a que o ser conhece através de seu próprio sacrifício (Olho do coração).

É a verdadeira Cidade divina, onde reside indubitavelmente o autêntico Sujeito incondicionado de todo
Conhecimento; nele se acha o germe cujo desenvolvimento faz efetivos os planos que o diagrama da Árvore
da Vida simboliza, pois é o verdadeiro atanor que absorve o inferior e manifesta o superior; já que não há
manifestação sem centro, nem coisa alguma que careça de origem. O desenvolvimento deste embrião ou
semente, através das diferentes fases da Obra, sempre alcança no coração uma atualização, uma realização
ou nascimento, pois também há quatro leituras dele, do órgão físico até o santuário onde se produz a união
do criado e o incriado. É a ara sacrifical e a oblação ou oferenda.

O Centro do Mundo é o banquete do Si mesmo do qual todos podem alimentar-se sem que se esgote, por
isso foi simbolizado por uma Mesa em que se sentam os deuses e os homens, seja na celebração de um céu
regenerado (Giordano Bruno: Expulsão da Besta Triunfante), ou na de um matrimônio hierogâmico (as
Bodas de Cadmo e Harmonia, quando para a tradição grega aqueles compartilharam o ágape pela última vez
com os humanos); ou pela Távola Redonda, em cujo centro se acha o Graal, ou a Mesa de Salomão na
Toledo hermética do Século XII, segundo a lenda, coalhada de pedras preciosas que simbolizam o Zodíaco.

Também é a terra pura, uma vez dissolvida a ignorância que por degradação cíclica cobre o lugar das
hierofanias, que sempre se dão no "centro do mundo", inaugurando, se for necessário, um espaço ou um
tempo ao qual outorgam essa característica.

Este coração, que é o receptáculo do vertical-espiritual, cuja influência irradia no horizontal, exercendo
assim de intermediário através de seu vazio central, que o Éter simboliza, é também o receptáculo guardado
no sacrário do templo, construção análoga a este, cuja tampa corresponde à abóbada ou telhado, e que
contém o alimento ou licor de imortalidade, fruto do atanor ao qual se chegou através do vazio, realidade
efetiva de um estado do ser que transcende à construção, e que pode ser conhecido na abertura do "sentido
de eternidade" e seu desenvolvimento total, embora a individualidade do homem esteja crucificada no
quaternário.

Por seu simbolismo concêntrico, correspondente deste modo à síntese perfeita da Criação, em seu interior se
acha a Presença ou Imanência divina, que é o verdadeiro Centro de todas as coisas e que as contém, a todas,
sem ser contido por elas: este é assim o autêntico Mestre, com o qual se identifica o iniciado conforme
progride na realização de seu verdadeiro Ser.

78

OS CICLOS I

Como dissemos no título N.º 2 deste Módulo III, um Kalpa representa o ciclo de existência de um universo
ou mundo, nascido do hálito de Brahma, a Deidade criadora. Não há um ciclo mais extenso que o Kalpa,
pois ele contém todos os ciclos de ciclos possíveis, unidos entre si por esse hálito que os sustenta e lhes dá a
vida. Acrescentaremos que, quando um Kalpa chega a seu fim, produz-se um Pralaya, a dissolução ou
reabsorção desse mundo no seio de Brahma, no imanifestado. A este respeito, lemos no Bhagavad-Gita,
livro sagrado da Índia: "Ao fim de um Kalpa, de um período de criadora atividade, os seres e as coisas
voltam para Mim". O Kalpa é um dia de Brahma, e o Pralaya uma noite que, ao finalizar-se, aparece um
novo Kalpa, e assim de maneira indefinida, conformando o que se chama a "cadeia dos mundos". Cada
Kalpa contém 14 Manvântaras, e cada Manvântara representa o ciclo completo de uma humanidade, que
por sua vez se subdivide em quatro yugas ou idades de desigual duração cada uma delas. Nosso Manvântara
é o sétimo dessa série, e ainda faltariam outros sete para que finalize o Kalpa atual. Dizer, enfim, que a
palavra Manvântara significa "era de Manu", que é o Legislador universal ou Inteligência cósmica que
promulga, de acordo com a Sabedoria Eterna, a Lei ou Dharma que rege todo o Manvântara desde seu
princípio até seu fim.

Diz-se que o Dharma, simbolizado por um touro na tradição hindu, apóia-se com suas quatro patas durante o
Satya-Yuga ou Idade de Ouro, o que quer dizer que se manifesta em sua totalidade, significando com isso
que a humanidade em seu conjunto vivia em perfeita harmonia e unidade com seu Princípio. Recordemos
neste sentido que Satya-Yuga quer dizer "Idade do Ser", ou "Idade da Verdade". A mesma raiz Sat a
encontramos em Saturno, o regente da Idade de Ouro na tradição grego-latina. Por analogia entre a ordem
metafísica e a corporal, esse mesmo sentido de totalidade se expressa na duração temporal desse Yuga,
avaliada como sabemos em 25.920 anos, que é um período inteiro da precessão dos equinócios ou, o que é o
mesmo, 12 "eras zodiacais" de 2.160 anos cada uma (12 x 2.160 = 25.920). Pelo contrário durante o Treta-
Yuga, ou Idade de Prata, a instabilidade e o paulatino obscurecimento espiritual penetram no mundo, pois o
touro do Dharma se sustenta com três patas (Treta = três). Isto se traduz em um encurtamento da duração
dessa Idade: 19.440 anos, quer dizer, três quartos da precessão dos equinócios ou, o que é igual, 9 "eras
zodiacais" (9 x 2.160 = 19.440). No Dvapara-Yuga ou Idade de Bronze, o touro se apóia tão somente com
duas patas (Dvapara = dois), dando a entender que o Dharma é compreendido unicamente em sua metade.
Precisamente a essa Idade corresponde uma duração que é a metade da precessão dos equinócios: 12.960
anos, ou 6 "eras zodiacais" (6 x 2.160 = 12.960). E finalmente, no Kali-Yuga ou Idade de Ferro, o touro do
Dharma se sustenta com um só pé, simbolizando assim o grande desequilíbrio que distingue a última idade
do Manvântara, e muito especialmente às últimas fases deste. A duração desta Idade é de um quarto da
precessão dos equinócios: 6.480 anos, ou 3 "eras zodiacais" (3 x 2.160 = 6.480). Kali-yuga quer dizer "Idade
Sombria", que começou faz mais de seis mil anos, com o que está a ponto de chegar a seu fim, e com ela a
de todo o Manvântara. Segundo os dados da Ciência Sagrada esta Idade começou com a entrada na "era
zodiacal" de Touro, ao redor do ano 4.450 A. C.

79

O FIM DOS TEMPOS

Qualquer observador neutro pode comprovar na atualidade certos sintomas mundiais como terremotos,
secas, pestes, guerras, catástrofes, degeneração social, superpopulação, violências e injustiças, em uma
proporção jamais conhecida pela humanidade. Estes claros sintomas do fim de um ciclo anunciados pelas
escrituras judaico-cristãs até em seus detalhes, também foram expostos pelas tradições hindu, budista,
islâmica, pré-colombiana, greco-romana, hermética, etc., em abundantíssimos documentos.

Parece que todos estes acidentes se resolverão pelo fogo –por um raio misericordioso– e que este elemento
permitirá a regeneração desta humanidade que perecerá totalmente e se reintegrará à névoa de onde proveio,
para dar lugar a outra, nascida de suas cinzas e gérmens, que fará renascer um mundo novo e uma Idade de
Ouro, graças aos esforços –e o sangue– de iniciados e adeptos, que possibilitarão a continuidade da criação.
Certamente que a ignorância contemporânea despreza no público e oficial este fato, que nega e desconhece
–as escrituras dizem que os homens serão colhidos de maneira imprevista, efetuando seus negócios e
mentiras– embora no privado alguns se sensibilizem, ainda que tendam às imagens literais e físicas e
muitos, inclusive, planejam "salvar-se" em uma espécie de Arca do Noé material.

Esta última "ingenuidade", ou melhor, ilusão, é tão grave como a outra, e os que "acreditam" nela –quando
se diz que não só haverá uma nova terra, mas também um novo céu– serão igualmente excluídos do mundo
futuro.

A morte de uma civilização é análoga a do ser individual e este nada poderá levar de material ao outro
mundo. Entretanto, o homem ressuscitará em um corpo de glória se for capaz de aceder ao Conhecimento,
ao Ser, e reabsorver-se no Tempo para ganhar a Eternidade, o que constitui a verdadeira espiritualidade que
o iniciado pretende em vida. E sem dúvida, este corpo glorioso, ou melhor, esta "entidade", pode se realizar
deste modo de maneira grupal.

Por outra parte, deve se recordar que, na infinita harmonia de todas as coisas, aonde tudo está contado,
pesado e medido, o fim de um ciclo e seus habitantes está em íntima relação com o começo de outro e o
nascimento de uma nova humanidade, que nada tem que ver com esta, a qual, é óbvio, não pode subsistir
pela própria dinâmica de sua multiplicação.

80

MARSÍLIO FICINO

Quando em 1450 Cosme de Médici confia ao ainda muito jovem Marsílio Ficino (1433-1499) a criação da
Academia Platônica de Florença, estava-se dando um passo fundamental para o que ia ser um novo
ressurgimento da Tradição Hermética, depois do relativo obscurecimento acontecido do final do Idade
Média. Para encontrar as causas que fizeram possível a realidade desta Academia (convertida no centro
intelectual mais importante da época), devemos retroceder até o ano 1439 em que, com objetivo de celebrar
um congresso de filosofia, vão a Florença sábios procedentes de diversos países e religiões, entre os quais se
acham também os filósofos neoplatônicos bizantinos. Estes últimos trazem consigo todo o saber hermético e
platônico conservado intacto na cidade de Bizâncio (anteriormente Constantinopla) dos tempos
alexandrinos, e que só em parte tinha sido difundido pelo Ocidente Medieval. Entre esses filósofos é
Gemisto Pleto o que mais direta influência exercerá sobre a Academia Platônica, pois por sua mediação
Marsílio Ficino e seu círculo esotérico traduzirão do grego todos os livros do Corpus Hermeticum (na Idade
Média unicamente foi conhecido o Asclépios em versão latina), os "Oráculos Caldeus", e as obras de Platão,
Proclo, Jâmblico, Plotino, Dionísio Areopagita, Porfírio, Sinésio, para só citar uns quantos. Deve ser
destacado que, para Ficino, traduzir é sobretudo uma forma de transmitir a tradição, tendo em conta além
que estas três palavras –traduzir, transmitir e tradição– equivalem a uma mesma realidade, já que todas elas
procedem de idêntica raiz etimológica. Neste sentido, convém recordar que o mesmo conhecimento
simbólico transmitido pelas culturas tradicionais é uma tradução à linguagem e entendimento humanos das
verdades e arquétipos eternos. Assim, traduzindo, comentando e prefaciando as obras da antiga sabedoria,
Ficino se converte em um fiel intérprete dela. No prólogo que fez ao Poimandres, Ficino estabelece a
genealogia mítica e espiritual que, como uma cadeia de ouro, a "cadeia áurea", unifica acima do tempo e do
espaço a ilustre família dos filósofos herméticos, "...cuja origem está em Mercúrio e o apogeu em Platão".
Retenhamos um parágrafo de dito prólogo: "No tempo em que nasceu Moisés, florescia o astrônomo Atlas,
irmão do físico Prometeu (filiação esta que sem dúvida se refere à origem única do céu e a terra), avô
materno do antigo Mercúrio, cujo neto foi Mercúrio Trismegisto, o maior dos sacerdotes e reis". A este rei-
pontífice se lhe deve a instrução "de Orfeu, quem revelou os mistérios a Aglaofemo, sucedido por Pitágoras,
que teve como discípulo a Filolau, mestre de Platão". Considerando-se a si mesmo como um elo a mais
dessa cadeia, Ficino produzirá uma obra própria, que perpetuará a memória da "raça divina e heróica",
"proprietária dos séculos", adaptando-a às circunstâncias de seu tempo.

Pelo profundo rastro que deixaram na arte e na filosofia hermética do Renascimento, merecem destacar-se
dessa obra a Teologia Platônica e Da Religião Cristã, nas quais se manifesta a universalidade de um
pensamento, que foi capaz de combinar os mistérios da cosmologia e da metafísica platônicas com os da
revelação cristã, síntese anunciada já pelos primeiros Pais da Igreja e seus sucessores medievais, e deste
modo por Nicolau de Cusa (1401-1464), o doutor da douta ignorantia, que tão grande influencia exerceria
sobre o próprio Ficino e seu discípulo Pico de la Mirândola, e através deles em todos os neoplatônicos
renascentistas. Por outro lado, o esoterismo impulsionado por Ficino pode ser visto como uma reação contra
o "escolasticismo" aristotélico, que em sua degradação estava incubando os gérmens do que, séculos mais
tarde, daria lugar ao racionalismo cartesiano.

Ao dizer de seu discípulo Policiano, Ficino foi "um novo Orfeu que resgatou dos infernos a Eurídice
platônica". Com efeito, o eixo ao redor do qual se edificou dita obra foram os hinos órficos, nos quais o
mestre descobre, velados sob a linguagem evocadora da poesia, os mais altos segredos, pois conforme
afirmou Dionísio Areopagita, "o raio divino não pode nos alcançar a menos que esteja coberto de véus
poéticos". Esses véus são os próprios deuses, ou melhor, as emanações que estes manifestam ao homem por
mediação das musas mensageiras –filhas de Zeus e da Memória– e pelas Graças. Ficino, tal qual Pico de la
Mirândola, mantinha que os deuses do panteão órfico eram deuses "compostos" ou "híbridos", investidos do
poder da mutabilidade, adquirindo com isso todas as formas. Mas essa mutabilidade é possível pelo auto-
sacrifício do Ser que, ao se fragmentar e se dividir, dá lugar à ordem cosmogônica, regida pelos mesmos
deuses. Por outro lado, que um deus contenha o seu contrário, ou que necessite de seu oposto para expressar
a totalidade de seus atributos, não resulta para nada estranho a um mago renascentista como Ficino, para
quem o universo é uma estrutura tecida pelas constantes relações, tensões e lutas entre energias opostas que,
entretanto, perpetuamente se equilibram e harmonizam, atraídas pela força do Amor, inseparável da Beleza,
a porta por onde se acede à identidade com o Conhecimento e a Sabedoria.

Em seu tratado De Amore (comentário ao Simposio do Platão), Ficino deixou escrito: "Todos os deuses
estão ligados uns aos outros por uma espécie de caridade mútua, de tal maneira que se pode dizer com
justiça que o amor é nó e vínculo permanente do universo". Note-se como se corresponde esta concepção
com o exposto pela doutrina cabalística, pois é em Tifereth (o Amor ou Beleza), como coração axial da
Árvore da Vida, onde acham seu equilíbrio todas as oposições sefiróticas. Na mesma ordem de idéias,
haveria que se ver o quê a respeito diz o próprio cristianismo, para o qual a caridade, ou amor, está situada
na cúspide das virtudes teologais, que por serem tais pertencem ao domínio da ontologia, acima da qual só
se encontra a metafísica. Não é casual, pois, que entre os neoplatônicos renascentistas subsistisse uma
secreta filiação que entroncava com o ensino iniciático dos "Fiéis de Amor medievais". Além disso,
representar cega ou com os olhos enfaixados a deidade do amor (por exemplo, o Cupido de "A Primavera"
de Botticelli, pintor integrado no círculo do Ficino) era uma forma de exemplificar que os mais elevados
mistérios, ocultos nas "trevas mais que luminosas do Ser", não se podem apreender apenas pelos sentidos
corporais, mas sim por meio da alma purificada, recolhida em si mesma no arrebatamento do êxtase
amoroso que antecede à união com o inefável.

81

A TRADIÇÃO HERMÉTICA

No título N.º 20 deste Módulo aludimos à origem antediluviana e atlante da Tradição Hermética, recolhendo
o que a este respeito se menciona em certas lendas a respeito da existência de um mítico "Hermes de
Hermes" que viveu "antes do Dilúvio". Essas mesmas lendas referem que desse Hermes Arquetípico nascem
o "Hermes caldeu" e o "Hermes egípcio", quer dizer, as duas grandes civilizações que dentro do Kali-Yuga,
e junto às pré-colombianas, contam-se entre as herdeiras mais importantes da Tradição Atlante, em que
residia um poder espiritual diretamente emanado do Centro Supremo ou Tradição Primordial. O Hermes
egípcio não é outro que Thot, o escriba divino e depositário da Ciência Sagrada, aquele que é chamado
"Senhor da Sabedoria", "o Misterioso" e "o Desconhecido", mas ao mesmo tempo intermediário entre o Céu
e a Terra, pois "sem seu conhecimento, nada pode ser feito entre os deuses e os homens".

Essa função intermediária passará a formar parte do Hermes grego e do Mercúrio romano, o Deus que
encontramos nas encruzilhadas da vida e nos guia pelo caminho do Conhecimento. Ambos, como sabemos,
são representados com asas na cabeça e nos pés, testemunhando assim essa natureza intermediária e aérea,
que une o inferior ao superior, e levando além disso o caduceu como insígnia de sua função axial, e com o
qual realiza o vínculo e a união entre os três mundos ou planos da Existência universal, presentes também
no microcosmo humano. Thot-Hermes-Mercúrio conhece, pois, "tudo o que está oculto sob a abóbada
celeste e nas vísceras da terra", ou seja, a totalidade dos mistérios do Cosmo, e doa esse conhecimento a sua
estirpe (a quem se liga com seu influxo espiritual) mediante a revelação de um código simbólico que se
cristaliza nas distintas artes e ciências da Cosmogonia (que deram forma à cultura e à civilização do
Ocidente), incluindo os livros sagrados e sapienciais inspirados diretamente pelo próprio Hermes, como é o
caso dos que compõem o Corpus Hermeticum, sem nos esquecer de todos aqueles que nos foram legados
pelos adeptos e mestres desta Tradição, que continua estando tão viva e atual como o esteve desde suas
origens.

Do Corpus Hermeticum queremos extrair os seguintes fragmentos:

"Detei-vos e recuperai a sobriedade! Olhai ao alto com os olhos do coração –senão todos, ao menos aqueles
que sejam capazes. O mal da ignorância alaga toda a terra e acaba por corromper à alma aprisionada no
corpo, impedindo-lhe de atracar no porto da salvação. Não vos deixeis arrastar por esta enorme corrente,
aproveitar a vazante, os que possais, e atraqueis no porto da salvação. Procurai então um guia que vos colha
da mão e vos conduza até as ante-portas do Conhecimento. Ali brilha a luz, limpa de toda obscuridão. Ali
ninguém está embriagado. Todo mundo está sóbrio e observa com o coração aquele que deseja ser visto, que
não se deixa ouvir nem descrever, que não pode ser visto com os olhos senão com a mente e com o coração.
Mas primeiro deveis lhes arrancar a túnica que levam posta, o vestido da ignorância, o fundamento do mal,
a cadeia da corrupção, a cela tenebrosa, a morte vivente, o cadáver sensível, a tumba que levam de um lado
a outro, o ladrão que habita em vós, que odeia através do que ama e sente inveja através do que odeia".
Poimandres, VII, 1-2.
"Tal vai ser a velhice do mundo: falta de piedade, desordem, desprezo por todo o bom. Quando tudo isto
aconteça, Asclépio, então, o Senhor e Pai, o deus cujo poder é soberano, governador do primeiro deus,
contemplará esta conduta e estes crimes insensatos e por um ato de sua vontade –que é a benevolência de
deus–, enfrentar-se-á com os vícios e a perversão de todas as coisas, endireitará os enganos, purificará a
maldade com um dilúvio ou consumindo-a em chamas, ou acabará com ela difundindo por toda parte
enfermidades pestilentas. Então restituirá o mundo a sua beleza antiga, de tal modo que o próprio mundo
voltará a parecer que merece maravilha e culto, e, com constantes bênções e cerimônias de louvor, a gente
destes tempos honrará ao deus capaz de fazer e restaurar uma obra tão grande. E esta será a gênese do
mundo: uma reforma de todas as coisas boas e uma restituição muito sagrada e piedosa da mesma natureza,
reordenada no curso do tempo...". Asclépio, XXVI.

82

OS SIGNOS DA RENÚNCIA

Às vezes este universo se torna muito pequeno, quase como um brinquedo ou um teatro de marionetes, uma
ilusão por cuja realidade, apenas, alguém apostaria se não fosse porque de momento se encontra dentro,
vivendo e sofrendo em e com ele constantemente. Pois separado de seu sentido simbólico e teofânico, só é
um multicolorido cenário de fenômenos, além do qual começa o que é verdadeiramente ilimitado e real. Se
algo nos "salva" precisamente deste mundo, permitindo-nos vivê-lo-o mais harmoniosamente possível, não
é ele mesmo ou as coisas que nele existem, mas sim a compreensão do que o excede e transcende. E só é a
fé, nascida da intuição direta, que nos permite seguir e compreender a ignorância de nossas dúvidas. E
quando dizemos "mundo", referimo-nos também aos dez mil seres que o povoam, sendo estes uma
prolongação sua microcósmica e transitória, assim como seus afetos, paixões, instintos, ambições e desejos.
Prisioneiro de uma limitada visão de sua existência, dificilmente o homem concebe a idéia de transpassar a
soleira que o separa do "além", tanto como de superar o sofrimento que implica perder tudo aquilo que ama
e que deseja reter. Para uma cultura que não concebe outra realidade que a material, a morte e o sofrimento,
tanto como a própria vida, são um absurdo completo, uma interrogação para a qual não há mais resposta que
o encolhimento de ombros, ou as mais desatinadas suposições. É uma visão sem esperança nem consolo,
que termina por fomentar um ódio instintivo e destruidor contra tudo, contra o próprio mundo, produzindo
niilismo e ceticismo.

A impermanência das coisas, a irrealidade do mundo, é que faz intuir desde o começo a Sidhartha (o futuro
Buddha Gautama Sakyamuni), a Liberação ou a União (Yoga) com a única e verdadeira Realidade Imutável.
E é esta a mensagem básica do budismo, tanto quanto do cristianismo, pregando ambos a renúncia aos bens
ou desditas passageiras deste mundo, a sua ilusória realidade. Com efeito, nas três primeiras viagens fora do
recinto de palácio, aonde o tem resguardado seu pai, Sidhartha contempla pela primeira vez a enfermidade,
a velhice e a morte. Sua visão confirma suas intuições: tudo é sofrimento porque toda ação desejosa de
"resultados" fixos produz uma fricção que desgasta. Tudo é um contínuo desgaste ou esgotamento, que se
renova para seguir se desgastando. A única escapatória desta roda inexorável (Samsara) é a não-ação, ou a
renúncia a seus frutos e à "recompensa". E como sua marcha exterior não pode parar, pois segue pautas
cíclicas de causa-efeito invariáveis, é só pela via interna que pode ser efetuada esta saída (pois o centro
sempre reside no interior das coisas), sendo sua realidade imutável, não afetada pelas mudanças contínuas
da periferia.

Podemos ver que nas circunstâncias cíclicas em que vivemos, esta doutrina é uma autêntica medicina, um
consolo para a alma que hoje, mais que nunca, intui-se afastada de sua verdadeira pátria, exilada neste "vale
de lágrimas". Com efeito, o desejo e a paixão são os verdadeiros motores da ação (karma), os quais jamais
podem se ver satisfeitos pois a ação, por si mesma, jamais conduz ao repouso, mas sim gera indefinidamente
ações e reações secundárias. Acabar com os desejos e paixões, mediante o conhecimento da Cosmogonia
como suporte do ser e passagem à metafísica, é deixar de atirar lenha ao fogo e, portanto, liberar-se da
contínua necessidade de fazer ou de ter.
83

O ATRAVESSAR AS ÁGUAS

"No princípio, criou Deus os céus e a terra. A terra estava sem forma e vazia e as trevas cobriam a face do
abismo, mas o espírito de Deus pairava sobre a superfície das águas. Disse Deus: ‘Haja luz’; e houve luz. E
viu Deus ser boa a luz, e a separou das trevas; e à luz chamou dia e às trevas noite, e houve tarde e manhã,
primeiro dia.

"Disse em seguida Deus: 'Haja firmamento em meio das águas, que separe umas das outras' e assim foi. E
fez Deus o firmamento, separando águas de águas, as que estavam debaixo do firmamento das que estavam
sobre o firmamento. E viu Deus ser bom. Chamou Deus ao firmamento céu, e houve tarde e manhã, segundo
dia." (Gênese I, 1-8).

O percurso da alma para os estados mais internos e sutis do ser, é representado por várias tradições como
uma "passagem" através das águas. O iniciado deve atravessar as águas inferiores de seu psiquismo
individual procurando a chegada às águas superiores que se acham sobre o firmamento.

Entre os antigos egípcios o percurso que faz a alma uma vez que se libera de sua morada terrestre é
representado ritualmente como uma viagem que se efetua em uma barca, cruzando as águas. Entretanto, é
importante recalcar que, para que esta se realize, não é necessária a morte física, pois a morte iniciática faz
que o adepto obtenha uma verdadeira separação de sua circunstância individual e de seu corpo carnal e
possa empreender em vida esta viagem através das águas para sua morada eterna.

O modo como se simboliza essa passagem é variada:

a) Algumas vezes se olha como uma viagem da fonte do rio até o mar, em cujo caso o oceano representa as
águas superiores, sendo a desembocadura como uma "boca" ou uma "porta" pela qual se passará do cósmico
ao supracósmico.

b) Outra forma de visualizar é como o cruzamento de uma margem a outra do rio, o que se expressa com o
símbolo da ponte que une suas duas margens opostas. Neste caso, cada margem simboliza um grau diverso
do ser, correspondendo uma à terra e à morte e outra ao céu e à imortalidade. Este símbolo –que também se
relaciona com o arco-íris–, representa aquela entidade intermediária que permite que as energias celestes
desçam ao mundo terrestre e que a terra se comunique com o céu. A ponte é um lugar de passagem, de
provas e perigos, e o atravessá-la constitui no passar da terra ao céu. Inversamente essa "passagem" já foi
realizada por cada um dos seres individuais que, provindo de um Princípio único, devieram em criaturas
manifestadas; e o verdadeiro trabalho do homem tem que ser –segundo a Tradição– a de reencontrar ou
"recordar" o caminho de retorno que o leve a sua origem, atravessando essa ponte invisível que une estados
simultâneos do ser. A palavra pontifex (pontífice), significa "construtor de pontes", e de fato o próprio Papa
ou Hierofante (ver o número 5 dos Arcanos Maiores do Tarô), sendo um mediador que conecta o divino e o
humano, é ele mesmo, portanto, uma verdadeira ponte que comunica o homem com sua realidade espiritual.
Diz-se que essa ponte é estreita e –como no simbolismo da porta– que permite a passagem só aos "eleitos",
únicos capazes de obter a identidade real com os estados mais sutis do Si Mesmo.

c) Outra forma de representar esse passar através das águas, é mediante o símbolo de remontar o rio até sua
fonte original, navegando contra a corrente. Neste caso o oceano de onde se parte significa as águas
inferiores; a corrente, contra a qual tem que realizar o percurso, são as forças que tratam de impedir a
ascensão; e a fonte é a origem e o destino –a identidade imutável– do ser verdadeiro e eterno.

Por último, é interessante fazer notar que em todos estes simbolismos do atravessar as águas se aponta a
necessidade de um passar pela morte que as próprias águas simbolizam.

"É propício atravessar as grandes águas". "É propício ver o Grande Homem". (I Ching).
84

A INICIAÇÃO

Queremos abordar novamente o tema da Iniciação e sua possibilidade real e devem ser feitas algumas
considerações.

Em primeiro lugar, deve-se esclarecer que a Iniciação verdadeira é um processo íntimo, secreto, onde o
homem troca o conteúdo de suas imagens mentais através da reforma total de sua psique e portanto inclui
uma morte ao mundo conceitual profano, que é uma reconversão do ser e, desta forma, vem seguida de um
novo nascimento a um estado diferente. Também se assinalou que há duas destas mortes e portanto três
nascimentos, dois iniciáticos e o profano, e estes nascimentos são perfeitamente efetivos e reais, claramente
indicados por ciclos e sinais, para quem participa deles.

A via é a Simbólica, como ciência das correspondências e das analogias, e dos ciclos, ritmos, freqüências e
cadências em que estes símbolos se manifestam no ser e seu entorno. Ou seja a via do Conhecimento,
apoiada por práticas físicas e comprovações psicológicas como suportes do Ser e sua verdadeira realização
Metafísica: em suma, a busca e efetivação do terceiro nascimento, quer dizer, o ingresso aos Mistérios
maiores. Para isso, o Programa conta com os elementos invisíveis –energias espirituais– que exteriorizados
em modo de lições permitem represar o percurso iniciático do Adepto. Estes elementos tomam a forma da
Tradição Hermética, por um lado, por outro a comparação da mensagem desta Tradição –e as experiências
vitais que o estudo e a imersão nela trazem emparelhados– com outras manifestações tradicionais –
religiosas ou não–, que conformam a Tradição Original, Universal e Unânime.

85

A TÁBUA DE ESMERALDA

A esta altura de nosso Programa, faz-se quase imprescindível publicar o texto do mais importante
documento Hermético. Trata-se da Tábua de Esmeralda, legado do mítico e arquetípico Hermes
Trismegisto, diretamente vinculado com a Tradição Egípcia:

1. "É verdade, sem mentira, certo e o mais verdadeiro: O que está


embaixo é como o que está encima, e o que está encima é
como o que está embaixo, para que se operem os milagres de
uma só coisa."

2. "Assim como todas as coisas procedem do Um, pela


contemplação do Um, assim todas as coisas resultam desta
coisa única por adaptação."

3. "Seu pai é o Sol, sua mãe é a Lua, o vento o levou em seu


ventre, sua nutriz é a Terra."

4. "É o pai de toda maravilha no mundo inteiro."

5. "Seu poder é perfeito quando se converte em Terra."

6. "Separa a Terra do Fogo, e o sutil do grosseiro, suavemente e


com todo cuidado."
7. "Sobe da Terra ao Céu, desce de novo à Terra, e une os
poderes das coisas de cima e das de baixo. Deste modo
possuirá a glória do mundo inteiro e toda obscuridade se
afastará de ti."

8. "Este é o poder de todo poder, pois vence tudo o que é sutil e


penetra tudo o que é sólido."

9. "Desta maneira foi criado o mundo."

10. "Por isso, operar-se-ão assim adaptações prodigiosas, cujos


meios se acham aqui estabelecidos."

11. "Por isso sou chamado Hermes Trismegisto, pois possuo as


três partes da Filosofia do mundo inteiro."

12. "Terminado e completo está o que disse com respeito à obra do


Sol."
86

NOTA

A Kundalini é uma energia que sobe da terra para o céu, extremos para os quais o homem, localizado no
centro ou eixo do mundo, é um lugar de encontro e fusão, energia que o iniciado deve conduzir conjugando
os opostos para obter através dessa ascensão escalonada a União (Yoga) com a Origem imanifestada do
universo, graças ao conhecimento paulatino, por graus –ou estados do ser– do Todo universal.

Dita operação é o trabalho da união dos complementares e a solução dos opostos, que se realiza graças à
compreensão dos princípios e a apreensão e contemplação da realidade por intermédio dos símbolos ou
veículos revelados, capazes de despertar em nós as distintas leituras do Mistério que a conforma: do
manifestado ao imanifestado segundo ensina a Tábua de Esmeralda hermética: "Separa a Terra do Fogo, e o
sutil do grosso, suavemente e com todo cuidado. Sobe da Terra ao Céu, desce de novo à Terra, e une os
poderes das coisas de cima e das de baixo."

Tanto a Tradição extremo-oriental (incluindo sua aplicação no Tai-chi) como a Maçonaria, são unânimes
através de seu simbolismo construtivo: de um prumo imóvel que pende de um "ponto" imanifestado, desce
um eixo que atravessa o centro de todos os movimentos, corporais, anímicos e intelectuais; equilíbrio e
hierarquia aos quais o ser se adequa por meio do rito que conduz ao que a primeira denomina a "endogenia
do Imortal", cujo pleno desenvolvimento será idêntico à coroação da Obra, ou obtenção da Pedra Filosofal.

Graças ao mesmo eixo, conjuga-se a força da gravidade que assinala o mais baixo, com a via de ascensão
que se orienta ao mais alto: a cúspide do Céu ou Pólo celeste (daí que a "forma" do Tai-chi, a sucessão
harmônica de seus movimentos segundo as distintas escolas, reproduza sinteticamente, entre outros, os
gestos de determinados animais tomados como símbolo dos movimentos anímicos).

Trata-se nisso da forma cósmica: os três mundos –ou quatro se se dividir o plano intermédio, o da alma, em
superior e inferior– unidos por um eixo invisível (o centro está virtualmente presente mas pertence, tal como
é em si mesmo, a outro plano que suas manifestações), que, partindo de sua Origem, dá lugar a todas as
coisas por meio da polarização de dois princípios imanifestados: o Céu e a Terra, constituindo por sua vez o
caminho de retorno. "O Tao do Homem segue o Tao da Terra, o Tao da Terra segue o Tao do Céu, o Tao do
Céu segue o Tao de Taos".
Para o Tantra, a Shakti de Brahma, sua potência criadora e transformadora, encontra-se simbolicamente, em
estado passivo e potencial, no interior do homem, na base de sua coluna vertebral (Mêru-danda, o "eixo ou
cetro do monte Meru" em sua correspondência microcósmica), ou eixo central de seu corpo, e a descreve
como uma serpente enroscada sobre si mesma, cuja ascensão e desdobramento (Kundalini-Yoga) pelo
interior daquela (com o passar do sushumnâ, o raio solar análogo no interior do ser humano ao sutrâtmâ ou
"fio do Atmâ" que une o "colar" dos mundos) vai despertando, vivificando e expandindo os diferentes
chakras, ou "rodas", que se encontram em distintos níveis da medula espinhal, até chegar, por meio do
encéfalo, ao extremo superior da abóbada cranial e abrir-se por sobre ela no chakra Sahasrâra (o "Lótus das
Mil pétalas"); abertura paulatina e sucessiva que equivale iniciaticamente à tomada de consciência efetiva
dos estados superiores. Em torno do sushumnâ se acham os outros dois nâdîs ("canais") sutis principais, idâ
(feminino, lunar, descendente) e pingalâ (masculino, solar, ascendente) que em forma helicoidal se
entrecruzam seis vezes ao redor do primeiro, justo ao nível dos chakras correspondentes, e cuja figura
global evoca assim imediatamente a do caduceu hermético; estes se relacionam fisiologicamente, de baixo
para cima, com as regiões coxígea, sacra, lombar, dorsal-cordial, cervical, encefálica-pineal, e o último com
o alto da cabeça e o que se acha por cima dele. A verdadeira localização destes "centros" é, efetivamente,
sutil e extracorporal, o que não impede a possibilidade de uma correspondência e interação mútuas e
precisas entre ambas as ordens, tal como ocorre, como vimos, entre os planetas e os metais que se lhes
correspondem. Deste modo, representa-os simbolicamente para a meditação mediante forma geométricas
(yantras) que por sua vez contêm mantras, tudo isso no interior de lótus cujas pétalas são letras do alfabeto
sânscrito e que, além disso, são considerados morada das correspondentes deidades e suas shaktis ou
potências; a natureza de Kundalinî, sonora e luminosa, difunde-se por meio dos nâdîs principais e
secundários junto com o prâna (o espírito vital, análogo ao chi da tradição extremo-oriental) na totalidade
do ser individual.

Em nosso caso, é duplamente importante assinalar que esta estrutura da anatomia sutil do ser humano se
encontra igualmente presente no esquema da Árvore da Vida cabalística, no qual o sushumnâ será seu canal
ou pilar central, e o idâ e o pingalâ, respectivamente, as colunas laterais do rigor e da graça; é natural que
isso seja assim pois se trata de um simbolismo fundamental que os veículos sagrados das distintas tradições
não podem deixar de testemunhar, ainda com diferenças de detalhe devidas a suas próprias perspectivas.
Igualmente, para o esoterismo hebraico, o núcleo de imortalidade, descrito como uma luminosa amêndoa
indestrutível (Luz), acha-se situado simbolicamente na base da coluna vertebral.

Se contarmos os pontos assinalados ao longo do Pilar central no diagrama Sefirótico que inclui os caminhos
(ver seguinte diagrama assim como o Módulo II, título N.º 28), veremos que é em sete níveis do mesmo,
indicados pelas sefiroth do Pilar do Equilíbrio, e os pontos médios entre os que conformam os Pilares da
Graça e do Rigor, onde se encontra a analogia com os chakras da tradição hindu. Tratam-se dos vértices e o
ponto meio das bases dos triângulos constituídos pelas três tríadas da Árvore mais a sefirah do último plano
(ver Módulo I, títulos 11 e 84). Seguindo as correspondências deste modelo com o corpo humano,
estabelecidas pela Cabala (ver Módulos I, título 26 e III, 44) vemos que a primeira sefirah, Kether, a coroa,
corresponde-se com o chakra Sahasrâra, situado por sobre o alto da cabeça e que constitui, segundo o yoga,
a porta ou passagem da manifestação cósmica ao supra-cósmico ou imanifestado. Da união ou equilíbrio
entre o Hokhmah e Binah, sabedoria e inteligência (o olho direito e o esquerdo e os respectivos hemisférios
cerebrais) nasce, segundo a Cabala, a não-sefirah, Daath, o conhecimento, situado pois entre ambos como o
"terceiro olho" ou "olho do Conhecimento", o chakra âjnâ, cuja visão destrói –ou conjuga– os opostos na
simultaneidade do "eterno presente". Do mesmo modo, e desde outro ponto de vista, Hokhmah e Binah são
para a Cabala o "Sol dos sóis" e a "Lua das luas", e em diversas tradições, além da hindu, o olho direito e o
olho esquerdo do Homem universal (o Adam Kadmon da Cabala) são igualmente o Sol e a Lua. Hesed e
Gueburah, a graça e o rigor, relacionados com ambos os ombros, unem-se no corpo ao nível da zona
cervical, a mesma do chakra vishudda situado na garganta. Tifereth, a beleza, e o chakra anâhata,
correspondem ambos ao coração. Netsah e Hod, os quadris e pernas, ao chakra manipûra, situado na zona
umbilical. Com respeito à Yesod e Malkhuth, as genitálias e a base ou planta dos pés, dá-se uma variação na
posição sefirótica: o primeiro se corresponde, por seu significado, com o chakra mûlâdhâra ("raiz, suporte,
fundamento"), cuja localização é na base da coluna vertebral, e o segundo, o "reino", ou morada da
Shekinah, com o chakra swâdhishthâna (a "residência própria" da Shakti).
fig. 41

87

EXERCÍCIO PRÁTICO

No yoga tântrico, a cada chakra corresponde um mantram e também uma sílaba ou letra sagrada do
alfabeto sânscrito, que pronunciada ritualmente, tal como uma oração, dinamiza e possibilita a abertura do
“lótus” ou ponto virtual de energia contida nesse centro, despertando assim a Kundalini. Na prática deste
exercício, nós faremos o mesmo com os nomes das sefiroth correspondentes a cada centro, quer dizer, nos
remetendo à Cabala. Estes nomes deverão ser pronunciados rítmica e reiteradamente, imaginando-os
escritos com luz branca sobre um fundo escuro, e girando ao redor de um ponto. A ordem de começo deve
ser de cima para baixo e, logo depois, de baixo para cima.

88

O OCTÓGONO

Sendo o quadrado representação da terra e o círculo uma imagem do céu, o octógono é considerado como
uma figura capaz de unir ambos e, portanto, como um símbolo do mundo intermediário, que comunica o
inferior com o superior. Por esse motivo que é relacionado com a idéia do mistério da “quadratura do
círculo” e da “circulatura do quadrado”, que serviu para expressar o fato da espiritualização do corpo e da
“corporificação” do espírito –ou seja, da união indissolúvel do espiritual e do material–, e que por sua vez
seria utilizado para representar a “passagem” por esse mundo intermediário. O número oito é
freqüentemente relacionado com a morte, e em particular com a morte iniciática. A carta treze do Tarô, com
efeito, é colocada na sefirah número oito (Hod) e, na Astrologia, a casa oitava é a casa da morte. Isto nos
indica que essa “passagem” terá que implicar na morte aos estados profanos e na ressurreição aos mundos
superiores e, nesse sentido, o octógono simboliza uma verdadeira regeneração espiritual que supõe uma
transmutação e um novo nascimento.

Com relação com o simbolismo de atravessar as águas, é interessante o fato de que o timão com o qual se
conduz a nave tenha forma octogonal. Por outra parte, no percurso através das águas são necessários certos
pontos de referência e orientação, e é justamente o símbolo da rosa dos ventos –que se relaciona também
com o das “oito portas”– que se utiliza para designar as oito direções do espaço (os quatro pontos cardeais e
os outros quatro intermediários) que servirão de guia durante a viagem iniciática. Muitas vezes, as
representações da roda aparecem com oito raios, e em certos casos com eles se combinam os quatro
elementos (terra, água, ar e fogo) com os quatro estados intermediários da matéria (o seco, o úmido, o frio e
o quente).
Na tradição extremo oriental, sempre foi concedida ao octógono uma importância simbólica fundamental, e
é a estrutura básica do “Livro das Mutações” ou I Ching. Também entre os chineses são comuns os templos
de base quadrada (terra) coroados com uma cúpula semi-esférica (céu), que aparece sustentada por oito
pilares ou colunas (mundo intermediário - homem).

No simbolismo construtivo cristão, vemos como os batistérios antigos eram octogonais, como o são também
–até agora– as pias batismais. O batismo de água gera uma passagem real a outros estados e um novo
nascimento, e nos prepara para o batismo de fogo, que se produzirá quando passarmos pela “sumidade” do
templo, pelo ponto central do octógono, que divide sua cúpula, graças a que transitaremos do cósmico ao
supracósmico, do humano ao supra-humano ou divino. Insistiremos nestes conceitos quando
desenvolvermos outros simbolismos de “passagem” intimamente relacionados com este e complementares
entre si.

89

PICO DE LA MIRANDOLA

Giovanni Pico de la Mirandola, Conde de Concórdia (1463-1494) foi, igual que Marsílio Ficino, um dos
filósofos herméticos mais importantes dos primeiros anos do Renascimento. Dele se conta que, ao nascer,
uma bola de fogo apareceu de súbito no quarto de sua mãe, sendo que tal, mais que fato anedótico, pode ser
visto como um presságio da função e do destino espiritual que deveria cumprir. Apesar do breve de sua
vida, Pico de la Mirandola deixou uma obra que seria decisiva para a definitiva consolidação do
Hermetismo renascentista, embora seus escritos não reflitam hoje com exatidão a transcendência de seu
trabalho.

Continuando com o empreendimento de Ficino, Pico de la Mirandola amplia ainda mais a síntese levada a
cabo pelo mestre florentino ao incluir em sua obra elementos doutrinais procedentes de diversas filosofias e
tradições do Oriente e do Ocidente, e especialmente da Cabala. Este espírito de concórdia ficará plasmado
nas “Novecentas Teses” com as quais Pico provará a essencial coincidência que aparece no núcleo interior
(esotérico) de todas as tradições, muito acima das diferenças formais e das pretendidas “ortodoxias”
dogmáticas e excludentes. Com isso, quem recebeu os apelativos de “Fênix de seu tempo” e “príncipe
encantador do Renascimento”, converteu-se para sua época num fiel expoente da Filosofia Perene. As
“Novecentas Teses” (algumas das quais lhe conduziram a sérios enfrentamentos com a cúria do vaticano)
abrem-se, em modo de prólogo, com uma “Oração sobre a dignidade do homem”, onde com verbo
inflamado, Pico expôs a posição central que o homem ocupa no cosmo. Como já se disse, Pico herda o
pensamento do cardeal Nicolás de Cusa (1401-1484) que, bebendo nas fontes da metafísica platônica e do
hermetismo, desenvolveu a idéia de que os opostos que os limites da razão não podem superar, encontram
seu equilíbrio conciliador na Unidade, em que igualmente se fundem todas as doutrinas e religiões.
Trata-se de uma afirmação que corresponde à concepção renascentista do homem considerado como um
teurgo capaz de operar nos distintos planos do universo, graças ao conhecimento de um saber totalizador,
cuja chave estava na arte e na ciência herméticas. Pode comprovar-se aqui até que ponto distava esta
concepção do simples “humanismo”, com que de forma unilateral se pretendeu rotular todo o Renascimento
sem considerar as diversas correntes de pensamento tradicional que nele existiram. A “dignidade” do
homem lhe vem dada por se saber um colaborador consciente na obra da criação, por cujo eixo pode
ascender e descender, pois sua natureza participa por igual do inferior e do superior, “e, se não satisfeito
com nenhuma classe de criaturas (terrestres e celestes), recolhe-se no centro de sua unidade, feito um
espírito com Deus, introduzido na misteriosa solidão do Pai, que foi colocado sobre todas as coisas,
avantaja-las-á a todas. Quem poderia não admirar a este camaleão?”

Mas, sem dúvida, a mais importante empresa levada a cabo por Pico de la Mirandola foi introduzir a Cabala
na filosofia oculta do Renascimento. E foram precisamente os judeus chegados na Itália, procedentes da
Espanha, que transmitiram a Cabala ao jovem conde. Dentre esses judeus, alguns eram conversos e, por
conseguinte, conhecedores tanto da Cabala quanto do cristianismo. Era o caso de Leão Hebreu, Flávio
Mitrídates e Paulo de Heredia, que orientam a Pico no sentido de dar uma interpretação cabalística do
cristianismo, readaptando, de certo modo, uma tradição à outra. Convencido de que a Cabala confirmava as
verdades do cristianismo, Pico dá forma à Cabala cristã, que se complementa perfeitamente com o
gnosticismo hermético e neoplatônico herdado de Ficino (ver neste Módulo o título N.º 80). O estudo e
conhecimento dos nomes divinos, e a invocação de suas potências mediante a alquimia da oração,
constituíam a pedra angular do edifício cabalista cristão, pelo que se deduzia uma teurgia que predispunha o
adepto a uma comunicação com os estados angélicos. Seguindo os rabinos cabalistas e os doutores da Igreja
como São Jerônimo, para os cabalistas cristãos cada uma das palavras, signos, sílabas e pontos dos livros
sagrados (Bíblia, Zohar, Sefer Yetsirah, Bahir, etc.) manifestam a plenitude da mensagem divina na
multiplicidade ordenada e hierárquica de seus significados. Modificar ou suprimir algo do contido nesses
livros supõe cortar as “raízes das plantas”, e portanto interromper o acesso que conduz à Árvore de Vida,
que se eleva no centro do Pardes. Outra coisa bem distinta é fazer uso da combinação e permutação entre as
letras e palavras do alfabeto sagrado, pois isso permite descobrir verdades de ordem doutrinal extremamente
reveladoras. Todo o sistema de combinação e permutação cabalístico procedia das ciências das letras
conhecidas como Guematria, Notarikon e Themurah. Pico assimila o método de combinar as letras
(acrescentando seu correspondente valor numérico) ao ars combinandi de Raimundo Lulio. O próprio Pico
utilizou a “arte combinatória” para demonstrar, como explica em suas “Conclusões mágico-cabalísticas”
(incluídas nas “Novecentas Teses”) que: “Não há ciência que mais certeza nos dê sobre a divindade do
Cristo que a magia e a cabala”. Isto, que escandalizou os espíritos fechados do cristianismo, abria,
entretanto, possibilidades insuspeitadas para todos aqueles que procuravam uma via de realização baseada
na Teurgia e na Magia Natural. Por sua vez, na sétima dessas “Conclusões”, Pico afirma enfaticamente:
“Nenhum cabalista hebreu pode negar que o nome de IESU (Jesus), interpretado segundo os princípios
cabalísticos, significa “Filho de Deus””. E na décima-quarta, conclui-se dizendo que o nome de Jesus e do
Tetragrama são idênticos, mas com o agregado de uma Shin no meio das quatro letras: .
Um discípulo cabalista cristão de Pico, João Reuchlin, acrescentará anos mais tarde em seu livro De Verbo
Mirifico, que a consoante “s” (Shin) do nome de Jesus, faz possível a pronúncia, e por conseguinte a
audição, do inefável Tetragrama. Esta era uma forma de demonstrar, cabalisticamente, a natureza divina de
Cristo, Verbo encarnado do Pai. Assim, o que o exoterismo judaico negou (por ignorância), é afirmado pelo
esoterismo. Para Pico e os cabalistas cristãos, Jesus era o Messias, a culminação histórica e supra-histórica
da revelação sinaítica dada por Moisés ao povo de Israel. De suas Conclusões reproduzimos as seguintes:

– A unidade metafísica é o fundamento da unidade aritmética.


– A essência e a existência de qualquer coisa são realmente o mesmo.
– O número se encontra precisamente tanto nas coisas abstratas como nas materiais.
– A essência de qualquer inteligência existe substancialmente para algo.
– Nada há no mundo que careça de vida.
– A magia é a parte prática da ciência natural.
– O que o mago faz por meio da arte, isso mesmo fez naturalmente a natureza fazendo o homem.
– Fazer magia não é outra coisa que fecundar o mundo.
– Quem copula à meia noite com Tifereth, obterá que toda sua geração seja próspera.
– Por meio da Cabala e concretamente por meio do mistério da parte setentrional, sabe-se por que
julgará Deus o século pelo fogo.
90

O HERMETISMO RENASCENTISTA I

Os parágrafos sobre Marsílio Ficino e Pico de la Mirandola serviram-nos de introdução à filosofia hermética
do Renascimento, cuja história, balizada de visões luminosas e acontecimentos mágico-teúrgicos sempre
relacionados com a busca do Conhecimento, deixou um rastro indelével na cultura e na alma do Ocidente.
Como já apontamos, as sínteses levadas a cabo por Ficino e Pico, junto com a irrupção do Corpus
Hermeticum na Europa latina, determinaram o começo de uma nova etapa e desenvolvimento da Arte Régia,
enriquecida notavelmente com a contribuição devida à Cabala cristã. Do foco inicial, centrado na Itália, o
Hermetismo renascentista conheceu uma ampla difusão pela Alemanha, França e Inglaterra, para acabar
implantando-se virtualmente em todo o continente, incluída a, naquela época, Espanha inquisitorial. Da
Alemanha, precisamente, era oriundo o já mencionado João Reuchlin (1455-1522), que em suas viagens à
Itália contata com os círculos neoplatônicos e cabalistas cristãos, representando o tipo de humanista
hermético na linha do Ficino e Pico. Reuchlin estuda e se aprofunda nos mistérios da Cabala e da língua
hebraica, desenvolvendo a partir desses conhecimentos aspectos fundamentais da Cabala cristã, assinalados
por Pico nas Conclusões e no Heptaplus. A Reuchlin, grande conhecedor da cultura grega (foi chamado
“Pitágoras redivivo”), é devido o ter trazido a numerologia pitagórica à teosofia cabalístico-cristã, por outro
lado já implícita nesse sistema graças à cosmologia e à metafísica platônicas. Recordemos que Pico havia
assinalado que “no número pode encontrar o modo de investigar e compreender tudo o que é possível
saber”. Vemos, assim, que em sua primeira obra, De Verbo Mirífico (“O Verbo Maravilhoso”), Reuchlin
afirma a analogia entre o Tetragrama e a Tetraktys pitagórica, e entre esta e as dez numerações e nomes
divinos da Árvore da Vida, diagrama que, a partir de então, passa a integrar-se definitivamente na
cosmovisão hermética, fora do âmbito estritamente judaico. Mas é com sua segunda obra, De Arte
Cabalistica, onde Reuchlin expõe a doutrina integral da Cabala cristã, passando a ser o manual de estudo e
meditação para todos os adeptos da Ciência Hermética. Em De Arte Cabalistica se diz que a Cabala é uma
alquimia que transmuta o mundo das aparências externas em percepções internas, produzindo uma cada vez
maior sutilização das faculdades humanas, até sua definitiva transformação em espírito e luz.

Entretanto, ao mesmo tempo que se difundiam as idéias herméticas e cabalísticas, apareceram núcleos de
violenta reação contra estas e seus representantes, ataque que procediam sobre tudo de alguns teólogos e da
filosofia escolástica em franca fase de degradação e incompreensão para com os princípios tradicionais. Este
enfrentamento será constante em todo o Renascimento, vendo-se acrescentado com a aparição da Reforma
impulsionada por Lutero e Erasmo. Neste sentido, não será demais assinalar que a Reforma se apoiou, no
início, em certos conceitos extraídos da Cabala cristã, ao mesmo tempo que muitos cabalistas cristãos viram
com esperanças o movimento reformista, que advogava por uma volta à pureza primitiva dos Evangelhos.
Isto foi assim até que, por sua vez, a Reforma protestante decaiu em um estéril puritanismo religioso a
serviço dos postulados racionalistas e anti-tradicionais que iluminaram o mundo moderno. Mas também
existiram homens de Igreja que se interessaram vivamente pelo hermetismo cabalístico, e inclusive
participaram de sua difusão. É o caso do cardeal Egídio de Viterbo (1465-1532), que protegeu e se rodeou
de sábios versados em Cabala e hermetismo, tal como fez outro cardeal, Bessarion, na época de Ficino e
Pico. Tradutor do Zohar, Egídio de Viterbo deixou uma obra considerável, destacando por seu conteúdo a
que leva por título Shekhinah, em que é notório o rastro de Reuchlin. Para o Viterbo, a Shekhinah (a
presença real da divindade) é a própria voz da Sabedoria, que se manifesta no coração do justo, mostrando-
lhe os celestes mistérios. Ele a compara ao Espírito Santo, por cuja mediação a Lei foi sendo revelada
através dos séculos aos profetas e apóstolos. Como se diz no Zohar: “Quando dois ou três se reúnan ao redor
da Torah, a Shekhinah estará em meio deles”. Com palavras que evocam a “Tábua de Esmeralda”
hermética, Viterbo põe nos lábios da Shekhinah: “Porque este é meu segredo: tanto na terra como no céu...
Para que haveria eu criado o céu, os elementos, as pedras, os metais, as ervas, as árvores, os quadrúpedes, os
peixes, os pássaros, os homens, senão para que ocorra o mesmo na terra como no céu, e que o mundo
sensível imite ao inteligível: e tenho inscrito signos na matéria tal como o imitaram os egípcios”.

Um dos mestres herméticos mais destacados nessa primeira metade do século XVI italiano foi o monge
Francesco Giorgi (ou Zorzi) de Veneza (1460-1540), cidade esta que, depois de Florença, passou a ser a
capital da filosofia oculta do Renascimento. Bebendo das fontes neoplatônicas, pitagóricas, cabalísticas e na
teologia do Dionísio Areopagita, Giorgi escreve Da Harmonia Mundi, talvez a obra que, junto à de
Reuchlin e Agrippa, maior influência terá sobre os cabalistas herméticos de toda a Europa. Em Da
Harmonia Mundi são constantes as correspondências mágico-teúrgicas entre as hierarquias angélicas
(também sefiróticas), zodiacais e planetárias, quer dizer, de todo o conjunto da ordem celeste, que
indevidamente se reflete no mundo sublunar ou terrestre.

Para o Giorgi, a harmonia do universo, sua beleza, põe ao homem em disposição de compreender e perceber
a perfeição da Mônada ou Unidade Suprema. Todos os planos e níveis da criação, do superior até o
elementar, vibram ao mesmo acorde, tangido sobre o diapasão do Arquiteto divino, embora em diferentes
tons ou graus de intensidade. O homem capta essa sutil harmonia por meio dos módulos geométricos e
numéricos, que acham suas mais formosas e essenciais expressões na arquitetura e na música. Precisamente,
em alguns edifícios renascentistas se aplicaram as concepções geométrico-numerológicas recolhidas em Da
Harmonia Mundi, e na construção dos quais interveio diretamente Giorgi, como foi o caso do convento de
São Francisco da Vinha, em Veneza. Da Harmonia Mundi foi traduzida ao francês pelo poeta hermético
Guy Le Fèvre de la Boderie (tradutor também de Pico), a quem descreveu como um tesouro de “belas
semelhanças... que se diria que o conjunto está composto de um só bloco de pinturas várias (as diversas
fontes doutrinais em que se inspirou), embelezado e enriquecido com arte”. Esta tradução teve grande
influência sobre Guilherme Postel e sua escola, que representava o principal foco de expansão da Cabala
cristã na França, país este que, dito seja de passagem, desempenharia um importante papel na conservação
das idéias tradicionais até nossos dias. Não menos notável foi a influência de Giorgi na Inglaterra de
Elisabete I, que na segunda metade do século XVI era na verdade uma “ilha” de tolerância para com a
filosofia e a ciência herméticas, tolerância que contrastava com o que ocorria no resto do continente, onde
aquelas estavam sendo perseguidas com crescente crueldade pela Inquisição e pela Contra-reforma.

91

O HERMETISMO RENASCENTISTA II

Tanto quanto à Cabala cristã, a Alquimia também participou do desenvolvimento e difusão do Hermetismo
renascentista. Como é natural, ambas as disciplinas eram e são inseparáveis e, de fato, a Grande Obra
alquímica facilitava aos cabalistas cristãos o conhecimento da natureza, concebida como uma entidade
mágica, mediante a qual se restabelecia a realidade dos contatos com o plano ontológico e metafísico. Quer
dizer, que a Alquimia representava, em certo modo, o método “prático” para conseguir a imprescindível
transmutação interior que possibilitava a ascensão pelos graus da scala philosophorum.

Talvez quem expôs mais nitidamente as vinculações entre a Cabala cristã, a Alquimia e a Magia natural foi
Cornelio Agrippa (1485-1535), sobretudo em seu famoso tratado Filosofia Oculta. Esta obra se divide em
três partes, correspondendo-se cada uma delas com os três mundos: o Elemental, o Celeste e o Intelectual,
segundo definição dada pelo próprio Agrippa. Tendo sempre presentes as permanentes relações e a unidade
entre os três planos cosmogônicos, na primeira parte de seu livro –intitulada “A Magia Natural”– Agrippa
detalha cuidadosamente as virtudes e propriedades dos seres e das coisas que habitam na esfera sub-lunar,
ou Corpus Mundi. É dada toda classe de indicações e regras para interpretar adequadamente, “como
ensinam os Magos e Filósofos”, os reinos telúricos mineral, vegetal e animal à luz de seus protótipos
celestes. Na segunda parte –“A Magia Celeste”– descreve-se o Anima Mundi ou Anima Vitae, governada
pelas potências das estrelas, dos planetas e do zodíaco. Esta parte está quase toda ela consagrada ao número
e à geometria, pois, para a Agrippa como para o Giorgi, a geografia sutil da maravilhosa “máquina celeste”
está regida e animada pelas Idéias que manifestam os números e as formas geométricas. Evidencia-se,
assim, a influência platônica e pitagórica. E, por último, o terceiro livro, Agrippa o dedica a “A Magia
Cerimonial”, que é precisamente a magia invocatória dos anjos e nomes divinos, que conformam o Spiritus
Mundi, doador da palavra fecundante e luminosa, que vivifica com seu influxo sobrenatural o cosmo inteiro.
Recolhe-se aqui o essencial da Cabala cristã, pois além de oferecer uma exaustiva interpretação das
emanações sefiróticas, fazem-se constantes referências ao nome do Jesus, “que tem toda a virtude do nome
de quatro letras, expande seu poder e virtude, pois este pai Tetragrama lhe deu poder sobre todas as coisas”.
Da mesma forma, alude-se extensamente aos quatro “furores” divinos que o mago invoca em suas operações
teúrgicas: o proveniente das Musas, o de Dionisios, o de Apolo e o de Vênus. E como advertindo as
dificuldades e paradoxos que apresenta a via hermética para todo aquele que nela entra, Agrippa conclui
com estas palavras extraídas do texto bíblico: “Quando procurar o Senhor seu Deus, encontra-lo-á se o
busca de todo coração e em toda a tribulação de sua alma”. Infatigável viajante, Agrippa leva a mensagem
por sua a Alemanha natal, Itália, França, Inglaterra... Em todos esses países ensina, forma discípulos, cria
escolas, entrando em contato com os mais importantes núcleos herméticos e cabalistas. É também
perseguido e tachado de enganador e feiticeiro pelos eternos inimigos da doutrina, contra os quais se
defende argumentando que o mago “não é sinônimo de enganador, de supersticioso ou de demoníaco, mas
sim equivale a sábio, sacerdote ou profeta”, tão elevada era a concepção que tinha de seu ministério e
função.

Entre os que foram influídos por seu pensamento, merece destacar-se ao gravador e pintor Alberto Dürer,
cujas duas obras, “Melancolia I” e “São Jerônimo em seu estudo”, constituem autênticos tratados hermético-
alquímicos. Assinalemos que Dürer foi, além disso, mestre de um agrupamento esotérico de tipo artesanal,
tal como seu contemporâneo Leonardo Da Vinci, o que era bastante freqüente em uma época que, como
estamos vendo, e apesar de suas contradições e complexidade, reivindicou com força os valores perenes do
espírito tradicional do Ocidente. Por outro lado, muitos alquimistas do século XVI deixaram perseverança
da cosmovisão hermética em pinturas e gravuras de grande riqueza simbólica e iconográfica, continuando
assim uma forma de expressão que se remontava à época alexandrina e, sobretudo, Medieval. Digamos que
a utilização das artes plásticas e visuais como meios de transmitir a Grande Obra ainda perduraria entre os
adeptos dos séculos XVII e XVIII, a alguns dos quais nos referiremos em posteriores títulos.

92

ALQUIMIA

Continuando com os mestres alquimistas do XVI, devemos mencionar também ao grande médico Paracelso
(1493-1541). Como alquimista, sua experiência médica se centrou no estudo e observação da natureza e
mais exatamente na forma em que esta urde suas operações ocultas e invisíveis, pois, em definitivo é o
espírito, e por meio deste a alma do mundo e do homem, o único que pode sanar os corpos doentes.
Tomando como princípio o postulado hermético de que “a magia é natural porque a natureza é mágica”, a
medicina do Paracelso se funda nas correspondências e analogias entre o macrocosmo e o microcosmo, que
formam um só organismo “no qual as coisas se harmonizam e simpatizam reciprocamente”. Ambos “não
são mais que uma constelação, uma influência, um sopro, uma harmonia, um tempo, um metal, um fruto”.
Este íntimo laço entre o invisível e o visível, que contribui a edificar a arquitetura do cosmo e da vida,
Paracelso o resume da seguinte maneira: “Os astros não influem diretamente sobre os corpos, mas sim sobre
a força vital. Por isso os órgãos não são em si mesmos senão representações (símbolos) corporais de
energias invisíveis que atuam em todo o organismo. Na realidade, o verdadeiro fígado é uma força que
circula em todas as partes do corpo, mas que tem sua sede em um órgão ao qual chamamos assim”. A
enfermidade aparece no momento em que se produz uma dissociação no seio dessa unidade macro e
microcósmica, pois cada órgão ou parte do corpo está em correspondência com um planeta ou signo
zodiacal, os quais, por sua vez, influem em determinados minerais, metais, plantas e animais. Por este
motivo, ao se resultar de uma carência um órgão doente, haja compensação administrando –ou anulando a
influência se, pelo contrário, tratar-se de um excesso– o conseguinte produto natural com o que dito órgão
simpatize. Entretanto, segundo Paracelso, a enfermidade não é unicamente excesso ou carência de algo (que
seriam só o efeito), senão que se trata de um “ser” ou de uma entidade do plano anímico intermediário,
vinculada, tal como a velhice, ao poder dissolvente e corrosivo do tempo, pelo que a medicina alquímica e
tradicional persegue “extrair a ‘quintessência’ das coisas, descobrir seus arcanos, preparando os elixires
capazes de devolver ao homem a saúde perdida”; e, o que é mais importante, reintegrá-lo ao estado
primordial. A enfermidade seria, pois, não um mal em si mesmo, senão um suporte como outro qualquer
para “remontar-se ao plano divino”, conciliando os opostos que surgem de sua ação.

93

A ESCALA

Quando Jacob fugia de seu irmão Esaú, detendo-se para passar a noite, tomou uma pedra que pôs de
cabeceira:

“E teve um sonho; sonhou com uma escada apoiada na terra, e cujo topo tocava os céus, e eis aqui que os
anjos de Deus subiam e desciam por ela. E viu que Yahveh estava sobre ela...” (Gênese, XXVIII, 12).

Pela escala, simbolicamente, sobem e descem as energias da criação, pois esta é como uma ponte vertical
que comunica a terra com o céu, o material com o espiritual. Por ela as energias sutis e invisíveis descem
aos homens, que por sua vez têm a possibilidade de subir por seus degraus para a pátria celeste.

No processo iniciático este símbolo tem o duplo papel tanto no processo de “descer” como no de “subir”. A
descida aos infernos, ou visita ao interior da terra, que se tem que produzir na primeira etapa da iniciação, é
às vezes representada como uma escala que conduz ao subsolo; por outra parte, os deuses, enviados ou
energias celestes que visitam a terra, descem por uma escala misteriosa. Mas, em geral, seu significado é
mais ascendente, representando a elevação escalonada da consciência no caminho do conhecimento.

Há uma similaridade e complementaridade entre o simbolismo da escala e o da porta, já que ambas indicam
uma “passagem” a outros estados, e a primeira, em muitos casos, precede à segunda. Tal é o caso do
simbolismo do templo cristão: primeiro se vêem os degraus entre o átrio e a porta exterior; em seguida,
estão de novo antes da chegada ao altar; e finalmente, a mais importante é a escala invisível que comunica o
altar com a cúpula, em cujo centro se acha a porta estreita à qual já nos referimos. Por outra parte, também
na arte cristã se vê freqüentemente a relação da escala com a árvore e de ambos com a cruz, todos símbolos
axiais cuja função consiste em enlaçar o de cima e o de baixo. A verdadeira escala está plantada no centro
do mundo, e, como sabemos, qualquer espaço sagrado pode representar esse centro. Entretanto, todas as
idéias de centro nos devem conduzir a nossa própria interioridade, que é de onde tem que sair a escala que
nos permitirá aceder –quando chegarmos a seu topo– ao mundo dos deuses.

Também se relaciona este símbolo com o da espiral –o que é notável na escada em “caracol”–, pois ambos
se referem às hierarquias da existência, os níveis do Conhecimento e os graus de leitura da realidade. Cada
um de seus degraus representa um distinto “céu”, um estado do ser; e o escalá-los indica a ascensão gradual
da alma que busca a fusão com o espírito único.

No simbolismo construtivo a escala é por um lado um instrumento de trabalho (escada) e pelo outro forma
parte integral da própria construção (degraus). A própria estrutura da pirâmide, por exemplo, fala-nos da
escalonada subida para o centro do ser; e é interessante também a relação desta com a montanha, que em
determinados casos se escala ritualmente e cuja ascensão tem o mesmo significado.
O número de degraus ou degraus da escala é importante e varia segundo o que esteja simbolizando. As mais
comuns são as de três e sete degraus; embora as encontra também freqüentemente em número de nove, dez,
doze, trinta e trinta e três, etc. A de três degraus se relaciona em geral com os três graus (de aprendiz,
companheiro e mestre) da iniciação. A de sete também tem esse sentido, quando –como no caso do
simbolismo dos sete chakras– os graus são nesse número. Esta última é claramente visível na escala
musical, que por sua vez se encontra ligada com a dos planetas, a dos metais, a das cores –o arco íris é às
vezes representado como uma escala– e os sete dias da semana, símbolos todos que nos falam da ascensão
progressiva pelos sete “céus” planetários –que as sete artes liberais e as próprias sefiroth exemplificam– que
temos que visitar em nossos percursos iniciáticos e cuja realização sempre suporá uma expansão gradual da
consciência.

No corpo humano, o simbolismo natural que mais claramente se relaciona com a escala é o das trinta e três
vértebras que compõem a coluna vertebral, eixo axial que lhe dá o ponto de equilíbrio; embora também a
divisão simples do corpo em cabeça, tronco e extremidades, tem um sentido escalonado e hierárquico.

Com efeito, o símbolo da escala nos ensina que a criação é hierarquizada, que essas hierarquias são na
verdade internas, e que temos que as conhecer, as escalando dentro de nós mesmos, para despertar e
conhecer nossas verdadeiras possibilidades espirituais.

A palavra escala tem uma relação também com a idéia de “proporção”, e nesse sentido pode se ver o ser
humano como criado “à escala” do universo. Com efeito, o homem tem limites pois seus sentidos
unicamente lhe permitem perceber uma determinada escala da realidade (não vêem nossos olhos as cores
infravermelhas nem as ultravioletas; nem percebemos a olho-nu os planetas mais afastados de Saturno; nem
escutam nossos ouvidos as escalas musicais mais baixas e mais altas). Entretanto, primeiro o
reconhecimento desses limites, e logo a ascensão escalonada pelos graus do ser, permitir-nos-ão chegar ao
ilimitado, onde a idéia de hierarquia perde realidade e só reina a igualdade pura da essência.

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A TRADIÇÃO PRÉ-COLOMBIANA

Em finais do século XV e no XVI, os europeus “descobriram” a América. Entretanto, a Tradição Pré-


colombiana existia há muito e era conhecida essa existência pela antigüidade segundo testemunho de Platão,
que, falando da Atlântida, continente-ilha desaparecido por uma catástrofe, diz-nos que suas colônias se
achavam pulverizadas pelo ocidente em pequenas ilhas, arquipélagos e terra firme. Do mesmo modo, outras
das colônias deste continente se achavam na África e na Europa e delas são herdeiros nada menos que o
Egito (e por seu intermédio a Grécia e todo Ocidente), Caldéia (de ingerência fundamental nos povos do
Oriente-Médio e mediterrâneos) e os celtas (de particular influência na Espanha, Irlanda, Inglaterra e
França).

Entretanto, durante séculos, foi tabu o cruzar as Colunas de Hércules e penetrar o oceano Atlântico (a raiz
Atl, encontra-se ainda hoje muito difundida entre os povos Nahuatl) o que, finalmente, por imperativos
cíclicos e históricos, foi levado a cabo pela Espanha, seguida de Portugal e posteriormente da Inglaterra,
França, Holanda, etc. Foi assim como se “descobriu” a América e, a partir desse momento, ela se converteu
no objetivo econômico de toda a Europa, deslumbrada exclusivamente pelo ouro e pelas riquezas destas
terras, a tal ponto que não souberam emprestar nenhuma atenção à cultura desse imenso continente, à sua
tradição e seus homens, que foram exterminados fisicamente, e menosprezados seus ritos, mitos, símbolos,
usos e costumes, expressões vivas de sua concepção cosmogônica e teogônica. Esta última situação se
prolongou até nossos dias, e só uma minoria de estudiosos (em particular desde meados do século XIX e no
transcurso do XX) dedicou-se a resgatar os valores tradicionais pré-colombianos, que se encontram em
número indefinido e em qualquer parte, nas centenas de povos (e línguas) distintos que se acham
pulverizados desde o Alasca à Terra do Fogo. Entretanto, todas estas nações, que incluíam tanto a povos
nômades ou semi-nômades como a medianas ou grandes civilizações, têm uma óbvia origem comum, apesar
de suas diferenças culturais, muitas delas surgidas como adaptações geográficas e históricas diversas, e
inclusive por possíveis contatos com outras sociedades.

O estudo da Tradição Pré-colombiana é muito importante tanto para aqueles que, por uma ou outra razão,
tiveram contato com a América, como para os investigadores das tradições, religiões e filosofias
comparadas. Particularmente dos símbolos, ritos e mitos, pois se poderá comprovar, com surpresa, como
esta cosmogonia e teogonia se identificam com as mediterrâneas (a tal ponto que os sacerdotes cronistas da
conquista não deixam de destacar as estreitas relações com o judaísmo e com o cristianismo) e até com as da
Índia e da China, para dar só um par de exemplos, demonstrando-se a identidade essencial de todas as
tradições, vivas ou mortas, como é este último o caso da Pré-colombiana, cujos símbolos esperam ser
revivificados para transformarem-se em energias atuantes no desenquadrado e crepuscular mundo moderno.
Deve, entretanto, o leitor atuar com suma prudência e não deixar-se tentar por falsos indícios ou entusiastas
aspirações. Talvez poderia tomar a reconstrução deste imenso quebra-cabeças que traçam as antigas culturas
indígenas, ou outras igualmente pouco conhecidas, como auxiliares na própria Iniciação; sobretudo, se
pudesse compreender a simbólica desta Tradição como arquetípica, e portanto capaz de manifestar-se e
atuar em nossa psique, em nossa própria vida. Fechamos com um fragmento do Peri Agamaton de Porfírio,
apropriado para a idéia da vivificação de uma Tradição virtualmente morta.

“Desvelo noções de uma sabedoria teológica; é Deus e as potências de Deus o que os homens revelaram
mediante estas noções. Têm-no feito através de imagens apropriadas aos sentidos, imprimindo as coisas
invisíveis nas obras visíveis, para aqueles que aprenderam a decifrar nas representações o que se encontra
gravado referente aos deuses, da mesma maneira que se faria nos livros. Além disso, nada tem de estranho
em que os mais desprovidos de instrução tomem às estátuas por blocos de pedra ou de madeira, exatamente
como aqueles que não sabem ler não vejam nas estelas, as pranchas ou os livros, mais que pedras, madeiras
ou papiro encadernado”.

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O RENASCIMIENTO ELISABETANO

Em meados do século XVI se produziu um certo declinar do movimento hermético que com tanta força
emergiu cem anos antes na Itália. Neste fato, tiveram muito que ver as ações levadas a cabo pela contra-
reforma, que, em seu pretendido afã por conservar e defender o que ela entendia pela “pureza” da religião
católica, perseguia todas aquelas idéias que não correspondiam a seus limitados critérios. Só nas nações
onde os respectivos estados abraçaram a Reforma persistia a tolerância religiosa, tal o caso da Alemanha,
Boêmia e Inglaterra. Mas as particulares circunstâncias geográficas deste último país fizeram possível que
ali se desse, mais que em nenhum outro, um novo ressurgimento tradicional, propiciando o que com razão
se deu em chamar o Renascimento Elisabetano, no qual também participou o hermetista e neoplatônico
italiano Giordano Bruno, que residiu durante vários anos na Inglaterra, e ao que se devem obras tão
importantes como De umbris idearum, Da causa, princípio e um, Dos heróicos furores, De
innumerabilibus, immenso et infigurabili, Do infinito, do universo e dos mundos, Expulsão da besta
triunfante, etc. Com efeito, sob o reinado de Elisabete I, que vai de 1558 a 1606, a antiga Albion conheceu
sua maior época de esplendor no terreno cultural, e no qual certamente exerceram uma notável influência as
concepções herméticas. Do mesmo modo, deve-se considerar que na Inglaterra daquela época sobreviviam
algumas correntes do cristianismo templário e cavalheiresco, que seguiam mantendo vivo o antigo ideal
medieval do Império cristão, encarnado ali na figura mítica do rei Artur e seus doze cavaleiros da “Távola
Redonda”, cuja lenda está baseada também nas antigas tradições celtas. Assim, as favoráveis condições que
naquela época vivia a Inglaterra e sua decidida oposição ao poder quase exclusivamente temporal em que
havia caído a Igreja Católica, foram fatores decisivos para que essa idéia da monarquia imperial renascesse
com força. O suporte doutrinal no qual se apoiaria dita monarquia não seria outro que o Hermetismo e a
Cabala cristã.
Por outro lado, e do ponto de vista em que aqui nos situamos, pouco importa que a tão esperada reforma
universal não chegasse a cumprir-se totalmente, tal e como desejavam seus promotores. Longe de ter sido
em vão, esse intento gerou toda uma plêiade de escritores, poetas, artistas e cientistas profundamente
interessados na Ciência Sagrada. Baste recordar a Shakespeare, cujas peças teatrais transluziam uma visão
do mundo fundada na cosmogonia hermética e cabalista cristã, especialmente em “A Tempestade”, “O
Mercador de Veneza” e “O Rei Lear”. Sem esquecer tampouco a Edmund Spenser e seu poema épico “A
Rainha Fada”, intensamente saturado de neoplatonismo hermético e claramente alusivo à função
reformadora da monarquia Tudor. Mas o personagem chave do Renascimento Elisabetano é sem dúvida
John Dee, até tal ponto que resulta impossível compreender este período da história esotérica do Ocidente
sem ter em conta este mestre, de quem se diz que possuía uma enorme biblioteca abrangendo todos os
ramos do saber hermético. Renomado matemático, Dee desenvolveu sua concepção do cosmo apoiando-se
inteiramente nas proporções harmônicas dos números e da geometria, em total acordo com o exposto por
Reuchlin, Giorgi, Agrippa e inclusive Dürer, de quem Dee extraiu sua teoria sobre ditas proporções no
corpo humano. O essencial de seu pensamento o verteu na que aparece como sua obra fundamental, a
Monas Hieroglyphica, quer dizer, a figura, gravura ou símbolo sagrado (hieróglifo) representativo da
Mônada ou Suprema Unidade. Basicamente, a Monas Hieroglyphica explica como o Ser se desdobra, e é
imanente, nos três mundos, que por sua vez, e tomados em seu conjunto, formam uma imagem “matemática,
mágica, cabalística e anagógica”, pela qual é possível remontar-se para a contemplação da própria Unidade,
de sua transcendência. Com efeito, é por meio da matemática pitagórica, da magia, da cabala e da anagogia
(busca e interpretação do sentido metafísico encerrado nas Santas Escrituras) que o mistério fecundo da
existência se revela em toda sua plenitude e majestade. Para Dee, no mundo elementar as leis divinas se
expressam através da ciência matemática, entendida como tecnologia aplicada; no intermediário, ditas leis
regulam os ciclos astrológicos e astrais; e no espiritual se manifestam como energias angélicas. Dee
tampouco foi alheio à Alquimia, especialmente à legada por Agrippa, que como sabemos estava unida à
Cabala cristã. Em Dee, Alquimia e Cabala efetuam um sistema mágico-teúrgico, cujo principal objetivo
consistia na comunicação direta com os anjos, mediante o poder da invocação e da oração.

Neste sentido, Dee desenvolve uma Cabala de tipo “prático”, que é na realidade uma forma cristianizada da
magia Angélica, fundamentada no conhecimento dos nomes divinos e nos princípios da cosmologia
hermética e da metafísica, pelo que não tem nada que ver com a “cabala prática” nem tampouco com a
“magia cerimonial” em uso entre os ocultistas dos séculos XIX e XX, nascida de uma grosseira confusão
entre o psíquico e o espiritual. Dentro do período elizabetano, Dee chegou a ser um dos principais
inspiradores do movimento político-hermético que deveria conduzir à nova ordem imperial, à frente do qual
estaria a própria rainha Elizabete I. Nesta perspectiva, deve se ver a série de viagens que Dee leva a cabo
por diversas cortes da Europa Central, onde, ao mesmo tempo que difunde a mensagem da monarquia cristã,
realiza fecundos contatos com os núcleos herméticos-cabalistas por ali existentes. Por exemplo, reside
algum tempo na corte do imperador Rodolfo II, da Boêmia, que se rodeou sempre de mestres cabalistas e
herméticos, e a cujo serviço precisamente esteve o médico alquimista Michael Maier. Significativamente,
durante os anos em que Dee permaneceu no continente (de 1583 a 1590) estava sendo gerado o movimento
hermético rosa-cruz, que tão destacada importância teria na primeira metade do século XVII.

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NOTA: DOUTA IGNORÂNCIA OU IGNORÂNCIA DOUTA?

Como já foi dito, existe uma grande diferencia entre a “douta ignorância”, chamada assim por Nicolas da
Cusa ao querer explicar aqueles estados que tão bem descreve a “teologia negativa”; e outra por certo a
simples ignorância geral que, por ser tal como é, presta-se à cumplicidade com o êxito, ou a hipócrita
bênção oficial, ou com o que exigem a moda e o mercado. Ambas estão invertidas, nos extremos da
polaridade, e os seres que encarnam estas realidades são opostos; os primeiros experimentam o não saber,
os segundos, os “doutores” ignorantes, não sabem do saber e, portanto, acreditam que os outros tampouco
sabem, e isso os faz capazes de fingir saber.
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O MOVIMENTO ROSA-CRUZ

O conjunto da filosofia hermética do Renascimento encontrou sua última expressão no que se chamou
movimento rosa-cruz, ou rosacruciano, ao qual pertenceram Robert Fludd, Michael Maier, Valentín
Andreae, Enrique Khunrath e Comenius, entre outros. Como já dissemos, este movimento nasce em
princípios do século XVII, concretamente nos países onde John Dee dera a conhecer a mensagem da
reforma universal, apoiada nos postulados doutrinais do hermetismo alquímico e cabalístico-cristão, do qual
também é herdeiro o teósofo alemão Jacob Boehme (1575-1624), que teve que lutar toda sua vida, como
tantos outros mestres herméticos, contra a intolerância religiosa, chegando inclusive a conhecer por algum
tempo a amargura do cárcere. Em suas obras –principalmente A Aurora que desponta, De Signatura Rerum
e Mysterium Magnum– Boehme expõe com verbo inflamado as etapas pelas quais o homem pode recuperar
seu “corpo de luz” anterior à queda adâmica, nascendo como filho da Sabedoria Eterna.

O movimento rosa-cruz toma força com o resultado da aparição dos manifestos entitulados Fama
Fraternitatis e Confessio Fraternitatis, cuja autoria, direta ou indiretamente, pertencia ao misterioso
“Colégio Invisível da Rosa-Cruz”, do qual os rosacrucianos obtiveram precisamente o nome. Pela
importância que reveste para compreender a história sutil da época que estamos tratando, convém que nos
detenhamos um momento no conteúdo desses manifestos, e especialmente nos eventos acontecidos ao
fundador legendário dessa Fraternidade iniciática: Christian Rosenkreutz (literalmente “Cristão Rosa-cruz”).
Em primeiro lugar, diremos que esse nome é simbólico, pois não designa um personagem concreto, mas sim
uma “entidade coletiva” que desempenhou uma função tradicional em um período determinado. Diz-se que
a “vida” de Christian Rosenkreutz está na transição entre os séculos XIV e XV, quer dizer, quando se gerava
a passagem da Idade Média ao Renascimento, com tudo o que isto implicava de reajustamento dos
princípios tradicionais às novas condições históricas e cíclicas. Como já sabemos, uma das organizações que
na Idade Média detinha o conhecimento iniciático e esotérico era a Ordem da Templo, que além disso
mantinha relações doutrinais com análogas organizações do esoterismo islâmico, o que propiciava o vínculo
espiritual entre o Ocidente e Oriente. O cruento desaparecimento dos templários nos inícios do século XIV,
concretamente em 1314, produziu uma eventual ruptura desse vínculo, com o que se supunha a perda para o
Ocidente de uma parte essencial de sua própria sabedoria tradicional, pois na verdade o Oriente não designa
senão a região simbólica onde reside o Centro Supremo e primordial, a fonte de todo conhecimento
metafísico e espiritual. Neste sentido, as “viagens” que efetuou Christian Rosenkreutz por diversos países do
Oriente (no transcurso dos quais “recebeu os segredos da magia e da cabala”) tinham como objetivo o de
voltar a restabelecer o laço que se quebrara, com o fim de que o Ocidente mantivesse a regular comunicação
com o Centro Supremo. Ao voltar para a Europa, Christian Rosenkreutz funda a “Fraternidade da Rosa-
Cruz”, de conteúdo hermético-cristão que, ao contrário de seus antecessores templários, não conservava
uma organização de tipo exterior, mas sempre permaneceu no mais completo anonimato, passando a atuar
de um plano estritamente espiritual e invisível; por este motivo, então, a denominação de “Colégio
Invisível”.

Assim, pois, podem-se compreender quais foram na realidade os “inspiradores” de virtualmente todos os
movimentos esotéricos que apareceram no Renascimento, movimentos cujo caráter hermético-cristão não
deixa nenhuma dúvida. O fato de que os manifestos Rosacruzes se fizessem públicos em princípios do
século XVII, indicava que tinha chegado o momento de passar a uma ação muito mais direta, já que as
condições adversas que naquela época existiam no Ocidente assim o requeriam. Desta maneira, motivados
por ditos manifestos, uma série de adeptos herméticos se agruparam para criar o movimento rosacruciano,
que devia ser como uma espécie de braço exterior, mas sem relação aparente, com o “Colégio Invisível da
Rosa-Cruz”. Esse movimento teve inclusive um alcance político-religioso, pois também se tratava de
organizar um Estado semelhante ao que existia na cristandade medieval: o Sacro Império Romano
Germânico. Com segurança, os projetos de John Dee e dos reformistas elisabetanos, para restabelecer uma
monarquia cristã de alcance universal, abonaram o caminho para acometer semelhante empresa, à frente da
qual se encontrava o príncipe renano Frederico V do Palatinado. Este pequeno principado no centro da
Europa foi, durante a segunda década do século XVII um autêntico “Estado Rosa-cruz”, aonde confluiriam
quase todas as correntes herméticas do último período do Renascimento. As universidades de Heidelberg e
Oppenheim converteram-se em centros de ensino propagadores da filosofia oculta, gerando assim uma
cultura que ficou impressa em numerosas obras arquitetônicas, científicas, artísticas e literárias. Nesse clima
de extraordinária e fecunda criatividade em todos os campos do saber, vemos o engenheiro e arquiteto
Salomão de Caus, que desenhou jardins e monumentos mágicos e simbólicos, tomando como referência as
leis da perspectiva, das proporções e harmonias do número, da geometria e da música. Encontramos deste
modo os editores Teodoro de Bry e Mateo Merian, que imprimiram e realizaram os emblemas e gravuras de
“As Bodas Químicas de Christian Rosenkreutz”, de Valentín Andreae; os vários volumes da “Historia
Metafísica do Macrocosmo e do Microcosmo”, de Fludd, e “Atalanta Fugitiva” de Maier, para citar apenas
alguns.

Recordemos também as gravuras alquímico-cabalísticas de Khunrath em sua obra “Anfiteatro da Eterna


Sabedoria”, e especialmente a que leva por título “A Cova dos Iluminados”, onde se conservavam os
tesouros da filosofia rosa-cruz, herdeira do pensamento de Ficino, Pico de la Mirandola, Reuchlin, Agripa,
Giorgi, Postel, Paracelso e Dee, principalmente, embora por razões de brevidade omitamos outros
numerosos adeptos da Arte e da Ciência Hermética. Digamos que a utilização da técnica da gravura, para
apresentar visualmente as idéias contidas nos livros herméticos, supunha não só uma forma de embelezá-los
esteticamente, mas também brindar uma seqüência de imagens ordenadas que facilitassem o despertar da
intuição intelectual (espiritual) do leitor, quer dizer, que desempenhavam uma função didática apta para
veicular o Conhecimento. O desaparecimento do movimento rosacruciano trouxe como conseqüência uma
concepção cada vez mais racionalista do saber científico, que desembocaria de modo irreversível na
solidificação positivista do século XIX, que supôs um limite no descenso da degradação cíclica, dando
passagem assim a esta nossa época de completo caos e dissolução em todas as ordens da existência.

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OS CICLOS II

Como já sabemos, a precessão dos equinócios (25.920 anos) é o número cíclico fundamental, pois, a partir
dele e de suas subdivisões, organizam-se e se estruturam os diferentes períodos da humanidade (ver Módulo
II, títulos N.º 54 e N.º 105). A principal dessas subdivisões é justamente a metade da precessão, quer dizer,
12.960 anos (13.000 em números redondos), módulo de tempo que era conhecido por todos os povos da
Antigüidade, alguns dos quais, como os caldeus e os gregos, deram-lhe o nome de “grande ano”, dando a
entender assim que se trata de um ciclo completo em si mesmo.

Na tradição hindu, cinco desses “grandes anos” constituem também o Manvántara (5 x 12.960 = 64.800), o
qual acrescenta uma nova perspectiva a nossos estudos sobre os ciclos, pois até agora tão somente tínhamos
considerado sua divisão quaternária em correspondência com as quatro idades da humanidade. Se estas
últimas assinalam as etapas do descenso cíclico, que se acompanha por um encurtamento na duração de
cada idade, a divisão em cinco “grandes anos” de igual duração estaria em correspondência com os períodos
de tempo que dentro do Manvántara transcorrem entre dois cataclismos geológicos, que sempre provocaram
mudanças consideráveis na geografia do planeta, sujeito indevidamente ao ritmo marcado pela sucessão dos
grandes ciclos cósmicos.

O Dilúvio bíblico se refere em realidade a um desses cataclismos, que entre outras conseqüências, provocou
o desaparecimento do continente atlante (a Atlântida, a mítica “ilha do Ocidente”) e a civilização que se
desenvolveu dentro dele, civilização em que existiu um centro espiritual diretamente emanado da Tradição
Primordial. Esse cataclismo representou o passado do quarto “grande ano” ao quinto, ao final do qual nos
encontramos atualmente, coincidindo portanto com o fim do Manvántara. Numerosas tradições guardaram a
memória dessa civilização, muitas das quais se consideraram suas herdeiras, como é o caso da Tradição
Hermética e de todas aquelas que com o passar do último “grande ano” habitaram a costa oeste da Europa, a
bacia do Mediterrâneo e Oriente Médio, e é obvio as culturas da América pré-colombiana. Recordemos que
o mesmo Platão fala da Atlântida em dois de seus “Diálogos”: Timeu e Crítias.

Se tivermos em conta que esse cataclismo, segundo os dados tradicionais, teve lugar ao redor do ano 11.000
A. C., o anterior ocorreu em torno do ano 24.000 A. C., marcando assim o passado do terceiro “grande ano”
ao quarto. Diz-se que dito cataclismo provocou o deslocamento de um grande continente (que recebeu o
nome da Gondwana) situado nas regiões mais meridionais da Terra. É bastante provável que a civilização
que floresceu em dito continente tivesse como descendentes a todas aquelas tradições que se desenvolveram
principalmente na África e Austrália.

Por volta do ano 37.000 A. C. temos a passagem do segundo “grande ano” ao terceiro, marcado por um
cataclismo que afetou, sobretudo, os povos que habitavam outro grande continente localizado nas regiões
extremo-orientais, cujos restos formariam todas essas milhares de ilhas dispersas hoje em dia pelo sudeste
asiático e grande parte do Pacífico. E quanto à passagem do primeiro “grande ano” ao segundo, pouco se
sabe do cataclismo que a marcou, embora sua data, 50.000 A. C., coincida com a que a ciência moderna
atribui à primeira glaciação, quando as regiões hiperbóreas, que até então gozavam de uma “eterna
primavera”, cobriram-se de gelo. É interessante destacar que na sucessão das quatro idades da humanidade,
os dois primeiros “grandes anos” (de 63.000 a 37.000 A. C.) pertencem inteiramente à Idade de Ouro que,
como sabemos, cobre um ciclo completo da precessão dos equinócios (2 x 12.920 = 25.920 anos),
indicando-nos que dentro dessa Idade há que se distinguirem também dois períodos distintos, embora para
aquela humanidade primitiva tão somente existisse uma só e única Tradição.

99

AGARTHA

Ao longo deste Programa, referimo-nos muitas vezes a Agartha sob diferentes formas, e acreditamos
oportuno efetuar algumas elucidações sobre este país invisível, sobre este território não localizável de
maneira espacial –mas que existe efetivamente no invisível e que todo ser humano pode encontrar em seu
interior mediante um processo ordenado e gradual– de que este manual de introdução aos símbolos e à
doutrina tradicional tomou seu nome. René Guénon, o esoterista mais importante do século XX, referindo-
se à Agartha, disse:

“Falamos antes de alusões feitas por todas as tradições a alguma coisa que está perdida ou oculta, e que se
representa sob diversos símbolos; isto, quando se toma em seu sentido geral –o que concerne a todo o
conjunto da humanidade terrestre– se relaciona precisamente com as condições do Kali-Yuga. O período
atual é, portanto, um período de obscurecimento e de confusão; suas condições são tais que, enquanto
persistam, o conhecimento iniciático deve necessariamente permanecer oculto; de onde o caráter dos
“Mistérios” da Antigüidade chamada “histórica” (que nem sequer se remonta até o princípio deste período)
e das organizações que dão uma iniciação efetiva onde ainda subsiste uma verdadeira organização
tradicional, mas da que não oferecem mais que a sombra quando o espírito desta doutrina deixou que
vivificar os símbolos, que não são mais que a representação exterior; e isto porque, por diversas razões, todo
vínculo consciente com o centro espiritual do mundo terminou por romper-se, o que é o sentido mais
particular da perda da tradição, que concerne especialmente a tal ou qual centro secundário, que deixa de
estar em relação direta e efetiva com o centro supremo”.

“Deve-se falar, então, como já o dizíamos precedentemente, de algo que está mais oculto que
verdadeiramente perdido, pois não está perdido para todos, e alguns o possuem ainda integralmente; e, se
for assim, outros têm sempre a possibilidade de voltar a encontrá-lo, contanto que o busquem como convém,
quer dizer, que sua intenção esteja dirigida de tal modo que, pelas vibrações harmônicas que desperta
segundo a lei das “ações e reações concordantes”, possa pô-los em comunicação espiritual efetiva com o
centro supremo”.
E adiciona:

“Trata-se sempre de uma região que, como o paraíso terrestre, torna-se inacessível para a humanidade
ordinária, e que está situada fora do alcance de todos os cataclismos que transtornam o mundo humano no
final de certos períodos cíclicos”.

Quanto à introdução que procura o Programa Agartha, relaciona-se fundamentalmente com a Cosmogonia,
como suporte imediato do Ser, e com a Metafísica. Nesse sentido, assinalamos determinadas vias iniciáticas
para aqueles que tenham afinidade com elas como o islã, o judaísmo, o budismo mahayana, o zen budismo,
etc., em particular para os que necessitam prementemente do rito exotérico comunitário, ou da emoção
religiosa. Só queremos advertir aos estudantes a respeito de certas seitas que existem em todo mundo; mas
acreditam que depois de ter seguido o Programa o leitor estará capacitado para distinguir entre o joio e o
trigo. Entretanto este manual está dirigido para o ocidente, e se refere mais particularmente à Tradição
Hermética. Se alguma instituição iniciática moderna e internacional poderia adotar o direito de representar
essa Tradição, esta é a Maçonaria, que até tendo perdido em geral o sentido dos mitos e dos ritos que ela
conserva e que ainda continuam vivos em algumas de suas lojas maçônicas, está capacitada para transmitir o
influxo espiritual que representa. E por certo que está igualmente viva a Tradição Cristã, cujo esoterismo
nos deu a maior parte do pouco que temos e pela qual também podemos recuperar o muito que tivemos. De
todas maneiras, insistimos em que o estudante da Tradição Hermética pode trabalhar sozinho; embora deste
modo, sublinhamos que é conveniente assimilar-se uma forma Tradicional, quando se adverte da grave
responsabilidade que se deposita sobre nossos débeis ombros, e simultaneamente admitimos a
inconveniência de alimentar nossos egos. Uma sentença islâmica assegura que no começo de um ciclo ao
aprendiz se lhe exige pelo menos o conhecimento de nove das dez partes da totalidade, mas que nos últimos
tempos só com uma décima parte poderá ser salvo, o que não deixa de ser reconfortante para nós, ignorantes
atuais, e o que, além disso, deve ficar em relação com o Evangelho cristão que afirma que, para o fim deste
ciclo, até os próprios meninos poderão ver e ser transfigurados na luz eterna, o que constitui, sem dúvida
nenhuma, uma imensa esperança também para nossos filhos. Tomando devida nota de que este Programa é
muito mais para aqueles que estão desiludidos de suas ilusões que para iludidos.

00

O ESOTERISMO CONTEMPORÂNEO

A presença da Tradição Hermética não se esgotaria com o desaparecimento do movimento rosa-cruz em


meados do século XVII, mas sua influência seguiria sendo decisiva em todas aquelas correntes esotéricas e
iniciáticas que surgiriam ao longo dos séculos XVIII e XIX, como é o caso, por exemplo, da Maçonaria
moderna. Na verdade, a energia espiritual do Deus que é Triplo em sua Sabedoria não deixou de se
manifestar nunca no Ocidente até nossos dias, embora tenha havido momentos em que, devido às
dificuldades do meio profano e dessacralizado, esse influxo tão somente fecundasse o coração de uns
poucos, os quais, entretanto, têm feito possível a continuidade da transmissão da Ciência Sagrada,
adaptando-a à mentalidade de seus contemporâneos e às circunstâncias especiais deste final de ciclo. Este é
o caso de René Guénon (1886-1951), considerado, como já se disse, o maior metafísico e esoterista do
século XX, e cuja obra representa a síntese mais completa da doutrina tradicional realizada em nosso tempo
e nesta parte do mundo, e que foi também decisiva para validar os estudos e as investigações sobre os
símbolos, considerados como os veículos do Conhecimento, atuando neste sentido seu autor como um
verdadeiro hermetista, pois a revivificação dos símbolos, portadores das idéias da Sabedoria Perene, foi
sempre uma das funções mais importantes dos mestres herméticos em todo tempo e lugar. Uma obra que em
definitivo serviu, e servirá, como guia intelectual a numerosos homens e mulheres que procuram sua
realização interior mediante o aprofundamento na Via Simbólica, que é precisamente uma das formas que
tomou hoje em dia o esoterismo contemporâneo no Ocidente, e portanto a Tradição Hermética, ao
compreender todas aquelas disciplinas que fazem referência direta à Cosmogonia e à Ontologia, ou seja, ao
conhecimento do Ser e dos diferentes planos de sua manifestação, cujo conjunto compreende a totalidade do
que antigamente se chamou os “Pequenos mistérios”. Mas estes, longe de representarem a totalidade do
Conhecimento, constituem tão somente um suporte (mas, este sim, imprescindível) para aceder ao “Grandes
Mistérios”, quer dizer, à Metafísica, cujos princípios gerais foram também expostos por Guénon, e que
completariam, coroando-os, seus estudos sobre a Ciência Sagrada.

Recordemos que a Metafísica se refere a tudo aquilo que está mais à frente do edifício cósmico, e inclusive
além de seu princípio criador, que não é outro que o Ser, ocupando-se exclusivamente do conhecimento
transcendente do Não-Ser, por cima do qual tão somente se encontra a Não-Dualidade ou Perfeição Infinita
da Suprema Identidade. O Ser, a Unidade, é o Não-Ser afirmado e, portanto, representa já uma primeira
determinação, que embora seja a mais primordial de todas, está ainda condicionada com relação a aquelas
outras possibilidades, verdadeiramente infinitas, que não se manifestarão jamais por sua natureza inefável e
incondicionada, e que pertencem inteiramente ao Não-Ser, o qual, por conseqüência, contém tanto o que
será manifestado através do Ser como o que nunca se manifestará. Assim, distinguir entre o Ser e o Não-Ser,
entre Kether e En Sof, é essencial para quem empreende o caminho da verdadeira Gnose, que sempre têm
que ter como referência permanente o supra-cósmico e as idéias e princípios mais universais, embora os
interessados estejam recém iniciando esse caminho e ainda tenham que complementar suas primeiras
transmutações alquímicas. Ou talvez por isso mesmo é que devam ser advertidos e conhecer essa diferença
no começo, evitando assim posteriores confusões que lhes impediriam de ultrapassar as condições que lhe
prendem a seu estado individual e contingente.

O mesmo podemos dizer da confusão entre metafísica e religião, que é outra das questões que Guénon
procurou sempre clarear, como também o tem feito nosso Programa em várias oportunidades (ver,
sobretudo, o Módulo II, título N.º 99). Essa confusão é bastante comum hoje em dia, inclusive entre alguns
dos que se nutriram da obra do Guénon, à qual, por este motivo, distorceram, quando não simplesmente
manipularam e traíram. É necessário distinguir nitidamente entre o metafísico e o ponto de vista religioso,
entre outras razões porque este se limita sempre ao mais exterior, considerando ao elemento sentimental e
devocional acima do verdadeiramente intelectual e espiritual, com o que esse ponto de vista não contempla
a idéia de uma Cosmogonia, e em conseqüência a possibilidade da iniciação nos mistérios da vida e do Ser,
ante-sala dos grandes mistérios da Metafísica. Confundir o metafísico com o religioso supõe a inversão total
das relações hierárquicas entre o exotérico e o esotérico e, mais ainda, entre o psíquico e o espiritual.

Neste sentido, e para concluir, eis aqui o que diz a respeito o próprio Guénon: “A metafísica e a religião não
estão, nem estarão jamais, no mesmo plano; disso resulta, por outra parte, que uma doutrina puramente
metafísica e uma doutrina religiosa não podem competir nem entrar em conflito, posto que seus domínios
são claramente diferentes”. (Oriente e Ocidente, 2ª parte, Cap. IV). E do mesmo modo: “Pretender que a
iniciação pudesse ter nascido da religião [...] é inverter todas as relações normais que resultam da natureza
própria das coisas; e o esoterismo é verdadeiramente, com respeito ao exoterismo religioso, o que é o
espírito em relação com o corpo, tanto é assim que, quando uma religião perdeu todo ponto de contato com
o esoterismo, não fica nela mais que 'letra morta' e formalismo incompreendido, porque o que a vivificava
era a comunicação efetiva com o centro espiritual do mundo, e esta somente pode ser estabelecida e mantida
conscientemente pelo esoterismo e pela presença de uma organização iniciática verdadeira”. (Apreciações
sobre a Iniciação, cap. XI).

101

FIM DE CICLO

A velocidade com a qual transcorrem os acontecimentos do mundo, e a crescente sensação de instabilidade


que se deriva de tudo isso, é uma das características principais do fim de ciclo que estamos vivendo. O
tempo está a ponto de esgotar-se por sua própria aceleração, fazendo com que a humanidade se encontre
hoje em dia mais afastada que nunca de seu Princípio. Neste sentido, poderia se dizer que o
desenvolvimento cíclico e temporário supõe um afastamento gradual e paulatino do pólo essencial da
manifestação, que é a Unidade primordial, e inversamente uma cada vez mais progressiva queda no pólo
substancial, ao qual pertence o reino da quantidade e da multiplicidade. Em analogia com isto, dito
afastamento provocou também que o ser humano fosse perdendo, pouco a pouco, consciência de suas
realidades superiores, vendo-se exposto finalmente a desenvolver aquilo que nele existe de mais inferior e
superficial. Esta é a tendência geral, aquela que marca o tom de nossa época terminal, considerada como a
fase mais escura da “Idade Sombria” (o Kali-Yuga ou Idade de Ferro), e que por isso mesmo reveste um
caráter anômalo e invertido com respeito ao que foi a história da humanidade em épocas anteriores, e não
muito longínquas.

De uma ou outra maneira, quase todas as tradições mencionaram em suas profecias e textos sagrados as
características com que se revestirá o fim de ciclo, e que se ajustam inclusive nos detalhes ao que estamos
vivendo na atualidade. Mas por cima dos horrores e tristezas que trazem os sinais deste tempo, abre-se para
todos os homens e mulheres de coração reto a esperança de um mundo verdadeiramente novo, onde “já não
haverá noite, nem se terá necessidade de luz de tocha, nem de luz do sol”, pois a roda terá deixado de girar e
o tempo se absorveu na Realidade de seu centro imutável.

“Quando reinam o engano, a mentira, a inércia, o sonho, a maldade, a consternação, a aflição, a confusão, o
medo, a tristeza: isto se chama a Idade Kali, que é tenebrosa”. Bhagavata Purana. Livro XIII.

“Na Idade Kali a riqueza, entre os homens, substituirá em muito a nobreza de origem, a virtude, o mérito; o
direito e a regra estarão determinados pela força”. Ibid.

“... agora existe uma estirpe de ferro. Nunca durante o dia se verão livres de fadigas e misérias nem deixarão
de consumir-se durante a noite, e os deuses lhe procurarão ásperas inquietações (...). O pai não se parecerá
com os filhos nem os filhos ao pai; o anfitrião não apreciará a seu hóspede, nem o amigo a seu amigo, e não
se quererá ao irmão como antes. Desprezarão a seus pais apenas se façam velhos e lhes insultarão com duras
palavras, cruelmente, sem advertir a vigilância dos deuses (...). Nenhum reconhecimento haverá para o que
cumpra sua palavra nem para o justo e o honrado, mas sim terão em mais consideração ao malfeitor e ao
homem violento. A justiça estará na força das mãos e não existirá pudor; o malvado tratará de prejudicar o
varão mais virtuoso com retorcidos discursos e, ademais, valer-se-á do juramento. A inveja murmuradora,
apreciadora do mal e repugnante, acompanhará a todos os homens miseráveis”. Hesíodo, Os Trabalhos e os
Dias, versos 174-195.

“Cuidei que ninguém vos engane, porque virão muitos em meu nome e dirão: ‘Eu sou o Messias', e
enganarão a muitos. Ouvireis falar de guerras e rumores de guerras, mas não vos turveis, porque é preciso
que isto aconteça, mas não é ainda o fim. Levantar-se-á nação contra nação e reino contra reino, e haverá
fome e terremotos em diversos lugares. Mas isto será o começo das dores do parto (...) Então se
escandalizarão muitos e uns aos outros se farão traição e se aborrecerão; e se levantarão muitos falsos
profetas, e pelo excesso de maldade se esfriará a caridade de muitos, mas o que perseverar até o fim, esse
será salvo”. Mateus 24, 4-13.

102

ALQUIMIA: A REMINISCÊNCIA

A reminiscência é recordar a Origem e por isso penetrar no Eterno Presente. Assim, a reminiscência atualiza
o que sempre foi, ou seja, o que é (e o que dá a vida) e o conhecimento de outra realidade multi-
dimensional, e o espaço em que ela se produz. É necessário advertir que nesse outro âmbito se compreende
–ainda que seja nebulosamente– a presença de uma ampla cadeia de testificação, das origens, incluindo
deuses, heróis ou personagens incríveis que transmitiram estas energias que se recebem mediante operações
de alquimia, manifestam-se sempre pela dualidade de opostos solve-coagula, dissolver e coagular, graças ao
fogo do coração que preside toda a Obra e se conjugam sempre no Presente, que outorga a autêntica
maestria aos Adeptos ao Conhecimento.
A anamnese, ou seja, a Recordação, adquire muitas instâncias que se transformam em reminiscências. O
déjà vu é uma delas, assim como a recuperação da identidade que pressupõe o ingresso num plano diferente,
mercê a desvelar a Potência, superior à soma de todos os atos. A Antigüidade, o país dos ancestrais, é agora.
O que algumas civilizações nomearam como o reino dos mortos é a matéria atual da Obra e indica que o
nigredo foi assimilado. Então, o Adepto deixa o luto e luze uma nova vestimenta caracterizada pela
perenidade, assim que se encontre embelezado com uma serena alegria, ou consumido na agonia sacrifical
do suicídio reiterado, ou alternando ambas as situações.

Quem cruza o umbral guarda em silêncio o Segredo de algo que se revela em sua consciência, mas que não
se manifesta de modo ordinário. Bem-vindos à Certeza e aos Grandes Mistérios.

Tudo isto já aconteceu. O fim do mundo já foi.

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