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Universidade Federal do Pampa

Campus Jaguarão

Licenciatura em História

História Contemporânea I

Revolução Industrial

Prof. Drª Débora Clasen de Paula

Discente: Virgínia Martins Sabino


UM BREVE OLHAR SOBRE A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL ATRAVÉS DO FILME
“TEMPOS MODERNOS” (1936)

INTRODUÇÃO

Antes de qualquer coisa, é necessário entendermos que a Revolução Industrial não é


algo que ficou para trás, muito menos que ela seja um movimento estático, muito pelo contrário.
A constante mutabilidade dos moldes atuantes na sociedade é um dos fatores principais para
que a manutenção desse acontecimento se perpetue até os dias atuais.

Há diversas fontes para que possamos tentar compreender a dimensão dessa Revolução,
seja em documentos históricos, produções literárias ou até mesmo produções audiovisuais,
essas possíveis justamente pelo desenvolvimento da própria Revolução Industrial. Aqui, a
análise feita se utilizará, como base, essa última fonte, o Cinema, fonte essa que fornece
inúmeras camadas analíticas, desde o que vemos em tela e até mesmo o que não se é visto nela,
como disse Marc Ferro:

“[o cinema] destrói a imagem do duplo que cada instituição, cada indivíduo se
tinha constituído diante da sociedade. A câmara revela o funcionamento real
daquela, diz mais sobre cada um do que queria mostrar. Ela descobre o segredo,
ela ilude os feiticeiros, tira as máscaras, mostra o inverso de uma sociedade,
seus “lapsus”. É mais do que preciso para que, após a hora do desprezo venha
a da desconfiança, a do temor (...). A idéia de que um gesto poderia ser uma
frase, esse olhar, um longo discurso é totalmente insuportável: significaria que
a imagem, as imagens (...) constituem a matéria de uma outra história que não
a História, uma contra-análise da sociedade.” (1976)

O filme a ser utilizado como fonte, será “Tempos Modernos”, de 1936, dirigido e
interpretado por Charlie Chaplin. A escolha por esse longa-metragem deu-se pela sua
complexidade crítica que se estende até a atualidade, como poderemos ver no decorrer desse
texto. Além disso, “Tempos Modernos” também nos ajuda a refletir em como esse processo
revolucionário afetou e afeta a vida das pessoas em todo o território global.

Com isso, o intuito aqui é de que possamos visitar um pouco esse processo ocorrido
desde o apagar das luzes do século XVIII, na Europa, passando pelas suas etapas ao adentrar
os séculos seguintes, etapas essas desenvolvidas e dissipadas pelo resto do globo, juntamente
com as expansões imperialistas.

AS REVOLUÇÕES
A Revolução Industrial possui quatro etapas, sabendo que desde a invenção das
máquinas à vapor, esse desenvolvimento maquinário foi contribuindo para cada vez mais o
avanço das tecnologias, chegando ao mundo digital do qual estamos constantemente inseridos.

Tendo a primeira dessa etapa ocorrida entre os anos de 1780-1840, sendo iniciado no
território inglês, devido as condições favoráveis a esse fato, como por exemplo uma política
liberal que estava se estabilizando cada vez mais, principalmente com o processo de
privatização das terras, a partir dos cercamentos das mesmas, além de mãos-de-obra e matérias
primas em demasia.

Com essas privatizações de terras, uma vasta produção de algodão, onde havia uma
manufatura em desenvolvimento, que era a de produção de roupas e tecidos em geral, porém, a
partir do desenvolvimento de maquinários, essa produção, que antes era realizada de maneira
artesanal, passa a ser produzida em fábricas, o que possibilitou um aumento de produção e,
consequentemente, um maior acumulo de capital. Como antes esses artesãos possuíam controle
e conhecimento de todos os processos de seus produtos, com o avanço tecnológico, esses
produtores passaram a perder o controle do que fabricavam, pois agora não trabalhavam mais
para si e sim para empresários, tendo início ao capitalismo industrial.

Esse desenvolvimento industrial fez com que houvesse um grande êxito rural, levando
as pessoas, que antes viviam nos campos, a viverem nos grandes centros urbanos, tanto da
Inglaterra como em outros países que passaram por esse mesmo processo. Isso fez com que
essas pessoas habitassem em cortiços e outros espaços insalubres, além de que essas fábricas
eram completamente prejudiciais à saúde desses trabalhadores, o que gerava a propagação de
inúmeras doenças entre eles. Nessas fábricas, o corpo de trabalhadores era completado com
homens, mulheres e, até mesmo, crianças, onde chegavam a trabalhar cerca de 80 horas
semanais. Devido a essas situações, Hobsbawm nos diz que houve, como consequência, “o
aparecimento de um forte movimento sindicalista” (1968), onde se utilizaram de greves em
busca de melhorias de trabalho.

O segundo período da Revolução Industrial deu-se entre os períodos compreendidos


como 1840-1945, onde marca a chegada da Alemanha e Estados Unidos como grandes
potências industriais, onde já se haviam a França e Inglaterra. Aqui podemos ver o
aperfeiçoamento das tecnologias da primeira revolução, como o petróleo, que entra como
matéria-prima de substituição do carvão, que alimentava as máquinas das fábricas. Além dessa
substituição de material combustor, também há o aperfeiçoamento em outras áreas, como a do
aço, por exemplo. Esse desenvolvimento do aço foi um dos principais fatores a contribuir com
a expansão desse sistema industrial, fazendo com que essas grandes potências fossem se
entranhando cada vez mais nos territórios. Foi a partir desse momento em que houve uma
explosão na produção e construção de linhas férreas, o que facilitava ainda mais o transporte de
materiais para outras regiões que, até então, eram realizadas com grandes dificuldades, além da
possibilidade de produzir alimentos em latas, que facilitava seu transporte e conservação por
mais tempo.

Outro fator importante, nesse segundo período, foi um maior estruturamento para o
fornecimento de energia elétrica, tendo os nomes de Nikola Tesla e Thomas Edison como
desenvolvedores dessas técnicas.

Como as fábricas estavam visando cada vez mais seus lucros e o aumento de suas
produtividades, nesse segundo momento revolucionário, iremos ver o surgimento de três
métodos de produção, onde o intuito era o de diminuir o tempo das produções para que assim,
consequentemente, houvesse um maior acumulo de capital. Esses métodos, utilizados até os
dias de hoje, são: Taylorismo - o que consiste em manter o trabalhador em apenas uma função
específica, cronometrando o tempo deste funcionário, onde a remuneração era relacionada com
a produtividade individual -, Fordismo – onde há um desdobramento do Taylorismo, com o
adicional de uma esteira rolante para um ritmo mais dinâmico de trabalho além de uma maior
padronização dos produtos -, e, por fim, o Toyotismo – busca minimizar o estoque produzido
devido a demanda, eliminar desperdício e, ao contrário das que vimos antes, os trabalhadores
realizam mais de uma função -.

Já a terceira revolução, conhecida também como revolução digital, tem seu período
marcado entre os anos de 1950-2010, com a substituição gradual das tecnologias mecânicas
pelas tecnologias digitais, ocasionando em uma expansão de computadores, o que contribuiu
com uma maior comunicação entre as sociedades. Foi nesse período em que houve o surgimento
da internet e o desenvolvimento de novas tecnologias, como a indústria espacial, o que levou a
humanidade a solos além dos já invadidos e conquistados, como a Lua, por exemplo. O
desenvolvimento da biotecnologia também se deu nesse momento, contando também com um
maior desenvolvimento agrícola, devido a sua informatização de produção.

Chegamos, então, no quarto momento dessa revolução industrial, ou conhecida também


como Industria 4.0, trazendo para a sociedade a automatização e troca de dados, onde a busca
pela inteligência artificial esteja cada vez mais inserida nas fábricas, e, obviamente, sempre
visando um maior acumulo de capital. Ainda estamos presenciando esse momento, então
podemos dizer que essa quarta etapa teve seu início em 2011 e segue se desenvolvendo cada
dia mais.

AS ENGRENAGENS DE UM SISTEMA ATRAVÉS DAS TELAS

Após entendermos, brevemente, como dividiu-se esse processo nomeado Revolução


Industrial, conseguiremos compreender melhor o filme “Tempos Modernos” e quais são as
mensagens que este longa-metragem busca nos proporcionar com suas cenas.

“Tempo Modernos” é um filme de 1936, escrito, dirigido e atuado por Charlie Chaplin.
Uma forte crítica, principalmente, a uma sociedade industrializada, onde as cidades são sujas,
barulhentas e a atividade humana foi reduzida a uma repetição de tarefas que não exigem
nenhuma criatividade.

Contextualizando o período em que o filme foi gravado, na década de 1930 o mundo


estava passando pela Grande Depressão, decorrente da Crise de 1929, e nisso a industrialização
estava a todo vapor, porém o desemprego era generalizado. No ano de 1931, Charlie Chaplin
viajou para a Europa para conhecer Mahatma Gandhi, o qual também estava em viagem para
discutir com o vice-rei da Inglaterra sobre a independência da Índia. Nesse encontro, discutiram
sobre a sociedade moderna e as tecnologias industriais.

Chaplin começou a observar os problemas causados pelas ações sociais nas sociedades
industrializada e, com isso, teve a idéia de escrever o roteiro do longa-metragem. Embora nesse
período o cinema já havia a introdução do som, Chaplin decidiu trabalhar com pouquíssimas
falas, trazendo uma universalidade em sua obra, já que sem a barreira da linguagem, qualquer
pessoa em qualquer lugar do mundo conseguiria captar a mensagem impressa em sua obra.

No Brasil, sua personagem ficou conhecida como Carlitos, e nessa obra busca se
adequar na sociedade trabalhando como um operário em uma fábrica e seguindo as normas
sociais, embora não tenha muito êxito nisso e acaba que por entrar em diversos problemas por
conta de sua personalidade, como ser demitido em outros empregos, chegando até mesmo a ser
preso, sob a alegação de vadiagem. No meio desse processo todo, Carlitos acaba por conhecer
uma órfã que, assim como ele, enfrenta dificuldades para se adequar aos papéis sociais dos
quais os obrigavam a performar, e, com isso, ambos buscam se ajudar a conseguirem uma vida
digna em meio a esse caos todo.
Logo no início do filme, vemos uma mensagem, a qual vai ser fio condutor de toda a
trama: “Tempos Modernos – uma história sobre a indústria, a iniciativa privada e a
humanidade em busca da felicidade”. A primeira imagem que vemos, após essa mensagem, é
uma alusão ao tempo do homem que é tomado por essa indústria, sendo simbolizada por um
relógio, junto de um som que faz alusão ao sinal existente nas fábricas, tendo o relógio como
marcador do horário em que os funcionários devem entrar, trabalhar e ir embora.

Um dos autores que abordam a temática da sociedade, é Michel Foucault, onde ele
trabalha a idéia do biopoder e as instituições disciplinares, que acabam por delimitar o espaço
de vivência humana, sempre com a idéia de obedecer – obedecer a horários, obedecer às regras,
obedecer a padrões -, o que podemos pensar em como até mesmo fora do ambiente fabril, como
o ambiente escolar, tem sido constantemente inserida essas práticas.

Em seguida, é mostrado um rebanho de ovelhas, todas andando para a mesma direção,


fazendo uma transição para uma cena em que pessoas seguem o mesmo fluxo, em direção às
fábricas. Assim como as ovelhas têm seus pelos tosados para a produção de tecidos – vale
lembrar aqui que, no início da Revolução Industrial, o algodão e lã eram matérias primas das
grandes fábricas têxteis -, os homens também são explorados pelo capital. Nessa mesma cena,
embora passe desapercebida, existe a presença de uma única ovelha de pelos negros, que
podemos interpretar como sendo uma representação de Carlitos, chamado também de
vagabundo, mas não por não querer trabalhar, mas, assim como a ovelha de pelos negros, se
difere dos demais e não consegue se encaixar nos moldes exigidos de uma sociedade
mecanizada e repetitiva.

Podemos também perceber que as máquinas da fábrica são representadas em tamanhos


gigantescos, dando alusão em como os trabalhadores – explorados - são pequenos perto da
“grandiosidade” que são as fábricas e, com elas, uma suposta evolução social, além das
engrenagens parecerem dentes e bocas, dispostas a engolirem todos ao seu redor. Em certo
momento do filme, Carlitos é, de fato, engolido por uma das máquinas após se descontrolar
com tamanha pressão do seu patrão, passando por dentro de engrenagens. Fica nítido nessa cena
que esse maquinário, o qual foi engolido, representa o próprio sistema industrial que acaba por
engolir e enlouquecer o homem, fazendo com que se torne apenas mais uma peça desse gigante
sistema. Aqui podemos ter uma representação do sistema de montagens Fordismo, o qual já
citamos anteriormente.
Enquanto os trabalhadores passam por todo esse desgaste, retratado pelo Carlitos, na
sala presidencial temos a visão de como é o ritmo do patrão, ritmo esse totalmente diferente dos
trabalhadores explorados, onde há disponibilidade de tempo para jogar seu quebra-cabeças, ler
seu jornal e tomar um cafezinho, com uma única preocupação: a de observar se os homens
seguem exercendo suas funções como lhes foram delegadas, essa observação é realizada através
de câmeras de segurança espalhadas pela fábrica. Aqui, Charlie Chaplin foi visionário a nos
mostrar uma tendência que ainda estaria por vir, que é o de um sistema de segurança que as
fábricas adotariam com mais frequência futuramente, já que no período do filme, essas práticas
não eram nada comuns. Um exemplo rápido sobre isso se dá na cena em que Carlitos está no
banheiro, e logo aparece em uma tela o patrão o repreendendo por não estar trabalhando, assim
controlando até mesmo o tempo dos funcionários de realizarem suas necessidades físicas.

Outro ponto destacado por Chaplin, é o horário de almoço em que a fábrica constrói um
equipamento que tem o intuito de alimentar os funcionários enquanto os mesmos trabalham,
até que, enfim, esse equipamento é quebrado por não aguentar a velocidade em que o patrão
tenta colocar.

Carlitos tem a função de apertador de parafusos, embora ele não saiba nem o que a
fábrica produz, nos mostrando o quão mecanizado se torna o serviço dentro desses espaços,
expropriando toda e qualquer criatividade humana que possa existir. Com o desenrolar do filme,
a personagem de Chaplin adoece, entrando em colapso nervoso e acaba sendo levado ao
hospital, onde fica internado. Ao ter alta e sair do hospital, Carlitos recebe a prescrição de
descansar e evitar emoções fortes, mas ao se deparar com uma realidade onde o desemprego
está generalizado, como conseguir seguir as recomendações médicas, em uma cidade com um
ritmo frenético e barulhenta?

Ao sair do hospital, Carlitos acaba, sem perceber, entrando em uma manifestação


sindical, onde há placas exigindo melhorias para os trabalhadores, o que acaba gerando um
conflito com a polícia local, fazendo com que Carlitos e outros manifestantes acabem sendo
presos. Após passar um período nessa prisão e ser solto, ele percebe que seus dias na prisão
foram melhores do que no meio dessa confusão e desgaste que é a sociedade industrial. Nessa
sociedade da eficiência, somos obrigados a produzir e, quase sempre, essa produção não é pra
nós mesmos.

Quando Carlitos conhece a garota órfã, os dois embarcam em busca de encontrarem um


lugar nessa sociedade em que ambos sentissem-se confortáveis, já que ele teve sua (péssima)
experiência nas fábricas e ela vivia de pequenos furtos nas ruas da cidade. Entre essas tentativas,
os dois acabam encontrando emprego em um restaurante, ela como dançarina e ele como
garçom, mesmo que Carlitos não entendesse nada sobre o ofício. É com esse cenário que
Carlitos e a órfã se descobrem no ramo do improviso e da música, onde podemos analisar um
distanciamento do que se propõe a sociedade industrial, um trabalho mecanizado e repetitivo.
A arte traz a eles uma liberdade criativa a qual o ambiente fabril impossibilitava de ser exercida.

CONCLUSÃO

Ao finalizar o filme, conseguimos encontrar diversos dos pontos explicitados por


Hobsbawm em suas obras, a respeito do processo de Revolução Industrial, onde o mesmo
absorve de todos os modos a humanidade dos trabalhadores, tendo o lucro e acúmulo capital
como prioridade. Sabemos que “Tempos Modernos” é apenas uma obra cinematográfica, de
cunho fictício, mas podemos analisar suas camadas e absorver críticas a cerca dessa realidade
que estamos inseridos até hoje.

REFERÊNCIAS

FERRO, M. O filme: uma contra-análise da sociedade? In: LE GOFF, J., NORA, P. (Orgs.).
História: novos objetos. Trad.: Terezinha Marinho. Rio de Janeiro: F. Alves, 1976. p. 202-203

HOBSBAWM, Eric J. Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo

HOBSBAWM, Eric J. As Origens da Revolução Industrial

VALPAÇOS, Antônio Tempos Modernos: Uma Proposta de Análise

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