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Departamento de Línguas

12º Ano | Português


Ano Letivo 2022/2023

Grupo I
A

Leia atentamente o texto a seguir transcrito.

Ah, os primeiros minutos nos cafés de novas cidades!


A chegada pela manhã a cais ou a gares
Cheios de um silêncio repousado e claro!
Os primeiros passantes nas ruas das cidades a que se chega…
E o som especial que o correr das horas tem nas viagens…

Os ónibus ou os eléctricos ou os automóveis…


O novo aspecto das ruas de novas terras…
A paz que parecem ter para a nossa dor
O bulício alegre para a nossa tristeza
A falta de monotonia para o nosso coração cansado!...
As praças nitidamente quadradas e grandes,
As ruas com as casas que se aproximam ao fim,
As ruas transversais revelando súbitos interesses,
E através disto tudo, como uma coisa que inunda e nunca transborda,
O movimento, o movimento
Rápida coisa colorida e humana que passa e fica…

Os portos com navios parados.


Excessivamente navios parados,
Com barcos pequenos ao pé esperando…
s. d.

Álvaro de Campos — Livro de Versos, Fernando Pessoa, (Edição crítica - Introdução, transcrição,
organização e notas de Teresa Rita Lopes), Lisboa, Estampa, 1993

Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.

1. As sensações do sujeito poético são determinantes para a recriação da realidade exterior representada
no poema. Identifique duas dessas sensações, citando elementos textuais para fundamentar a sua
resposta.
2. Tendo em conta a fase de criação poética do heterónimo em análise, identifique dois traços
caracterizadores do “eu” lírico, apoiando-se na segunda estrofe.
3. Saliente o valor expressivo da pontuação na primeira estrofe do poema.
4. Explicite a relação que se pode estabelecer entre o poema apresentado e a poética do ortónimo.

1 Auxília Ramos
SUGESTÃO DE CORREÇÃO

1. A recriação do espaço exterior é conseguida com base em sensações de natureza diversa. Assim, o
ambiente urbano das “novas cidades” é percecionado através de sensações predominantemente visuais,
mas também auditivas e cinéticas. Veja-se, para o primeiro caso, a nitidez com que o eu lírico recria “As
praças (…) quadradas e grandes,” ou “Os portos com navios parados.” Porém, enquanto deambula, o
sujeito poético capta também os ruídos e o bulício próprio de uma cidade ao acordar – “(…) o som especial
que o correr das horas tem nas viagens…“ e “O movimento, o movimento…”

2. No poema apresentado, nomeadamente na segunda estrofe, o sujeito poético é dominado por


sentimentos de desencanto e de tristeza, em contraste com “O bulício alegre (…)” que caracteriza as “(…)
novas cidades!”. Na verdade, o verso “A falta de monotonia para o nosso coração cansado!...” evidencia o
desencontro entre as realidades interior (dominada pelo cansaço) e exterior (marcada pelo movimento e
por uma certa agitação). Assim, o sujeito poético é incapaz de se integrar completamente no meio que
observa, sentindo-se um estranho, uma vez que não se consegue identificar com o dinamismo que
preenchem as “novas cidades”. Por tudo isto, podemos aproximar o poema em análise da fase intimista ou
abúlica. No poema, constata-se, ainda, a presença de marcas da civilização moderna – “Os ónibus ou os
elétricos ou os automóveis…” – que parecem fascinar o sujeito poético no seu deambulismo pela cidade,
no entanto o sensacionismo que daí poderia resultar é sufocado pelo cansaço e angústia do eu lírico, como
se pode concluir pelo verso “Rápida coisa colorida e humana que passa (…)”.

3. Na primeira estrofe da composição poética, assinala-se o uso da exclamação (associada à interjeição


“Ah”) que exprime a surpresa do instante captado pelo sujeito poético, em oposição ao seu mundo interior.
Já a utilização das reticências que suspendem o discurso suscita no leitor a sensação de que nem tudo se
esgota nesta enumeração dos aspetos característicos da cidade que surpreendem o eu lírico.

4. Ao analisarmos o poema da fase intimista de Campos, facilmente se constata a existência de linhas


temáticas comuns ou em sintonia com a poética do ortónimo. Na verdade, o vazio existencial, o
inconformismo com a vida, a dor de existir, espelham-se em versos como “A paz que parecem ter para a
nossa dor” ou “A falta de monotonia para o nosso coração cansado!...” que integram esta composição
poética. Para além deste aspeto, um outro poderá servir de ligação, o facto de ambos os sujeitos poéticos,
ortónimo e heterónimo, se servirem da observação do real exterior para desenharem um movimento de
introspeção (as novas cidades, no poema apresentado).

2 Auxília Ramos

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