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Algoritmos,
capital e a automação do comum
Posted on November 12, 2014
(Tradução minha, autorizada pela autora. Original:
https://www.academia.edu/8430149/Red_Stack_Attack_Algorithms_Capital_and_the_Au
tomation_of_the_Common)
Tiziana Terranova
Além do mais, uma vez que algoritmos contemporâneos tem sido mais e mais expostos
a conjuntos de dados cada vez maiores (e, em geral, a uma entropia crescente no fluxo
de dados, também conhecida como Big Data), ele têm também se tornado, de acordo
com Luciana Parisi, algo além de meras sequências de instruções a serem seguidas:
um volume infinito de informação interfere e reprograma procedimentos algorítmicos… e
os dados produzem regras estranhas” (Parisi 2013, X). Fica claro a partir deste resumo
que os algoritmos não são um conjunto homogêneo de técnicas ou que garantem “a
execução infalível e automatizada da ordem e do controle” (Parisi, 2013, IX).
Do ponto de vista do capital, portanto, algoritmos são apenas capital fixo, ou seja, meios
de produção com a finalidade de conseguir retorno econômico, mas isso, como no caso
de todas as técnicas e tecnologias, é tudo o que são. Marx explicitamente afirma que,
mesmo quando o capital apropria a tecnologia como a forma mais eficiente de
subsunção do trabalho, isso não é tudo o que se pode dizer sobre ela. Sua existência
como maquinaria, ele insiste, não é “idêntica à sua existência como capital e, assim,
não se segue de maneira nenhuma que a subsunção à relação social do capital seja a
melhor e mais adequada relação social de produção para a aplicação da maquinaria”
(Marx). É essencial lembrar que o valor instrumental que os algoritmos têm para o
capital não exaurem o “valor” da tecnologia em geral ou de algoritmos em particular, ou
seja, sua capacidade de expressão não apenas “valor de uso”, nas palavras de Marx,
mas também valores estéticos, existenciais, sociais e éticos. Não foi esse embate entre
a necessidade do capital de reduzir o desenvolvimento de software ao valor de troca,
marginalizando, assim, os valores estéticos e éticos da criação, o que empurrou Richard
Stallman e incontáveis hackers e engenheiros para o movimento do Software Livre? O
entusiasmo que anima os encontros e espaços hackers não vem da energia liberada do
constrangimento de ter que “trabalhar” para uma empresa para se manter fiel à sua
própria estética e ética da codificação?
A automação, portanto, quando vista sob o ponto de vista do capital, deve sempre ser
equilibrada com novas maneiras de controle, ou seja, deve absorver e exaurir o tempo e
a energia por ela liberados. Deve necessariamente produzir pobreza e stress onde
deveria haver riqueza e lazer. Deve fazer do trabalho direto a medida de valor, mesmo
quando estiver claro que são a ciência, a tecnologia e a cooperação social o que
constitui a fonte de produção de riqueza. Leva inevitavelmente, portanto, à destruição
periódica e generalizada da acumulação de riquezas, na forma de esgotamento
psíquico ou da destruição física da riqueza criada, e à catástrofe ambiental. Cria fome
onde deveria haver saciedade, coloca lado a lado o banco de alimentação e a opulência
dos super-ricos. É por isso que a noção de um modo de existência pós-capitalista
precisa se tornar verossímil, ou seja, precisa se tornar o que Maurizio Lazzarato
descreveu como um foco autônomo e duradouro de subjetivação. O que um comunismo
pós-capitalista pode assim almejar é, não apenas a melhor distribuição as riquezas,
comparada à que temos hoje, que é insustentável, mas também a reinvindicação do
“tempo livre”, ou seja, de que esse tempo e energia liberados pelo trabalho
[automatizado] sejam empregados no desenvolvimento e na problematização da noção
mesma do que é “necessário”.
Dinheiro virtual
Ao longo dos últimos dez anos, as mídias digitais tornaram-se sociais, o que introduziu
uma inovação genuína em relação às formas previas de software social (listas de email,
fóruns, domínios multiusuário etc.). Se as listas de email, por exemplo, baseavam-se
nas na linguagem comunicacional de enviar e receber, as redes sociais e a difusão de
plug-ins sociais (proprietários) transformaram as relações sociais em si no conteúdo de
novos procedimentos computacionais. Ao enviar e receber uma mensagem, podemos
dizer que os algoritmos operam foram da relação social em si e, sim, no espaço de
transmissão e distribuição de mensagens; já as redes sociais operam diretamente
dentro dela. De fato, tecnologias digitais e redes sociais atravessam as relações sociais
em si, ou seja, eles as transformam em objeto discreto e introduzem relações
suplementares (Stiegler 2013). Se compreendermos, com Gabriel Tarde e Michel
Foucault, a relação social como algo assimétrico e que envolve pelo menos dois polos
(um, ativo e o outro, receptivo) e caracterizada por um certo grau de liberdade,
podemos compreender ações como curtir e ser curtido, postar e ler, ver e ser visto,
marcar e ser marcado e mesmo comprar e vender como tipos de condutos que
transindividuam o social (eles induzem passagens do pré-individual, através do
individual, até o coletivo).
Nos sites de redes sociais e nos plug-ins sociais, essas ações tornam-se objetos
técnicos distintos (botões, caixas de comentários, tags etc.), os quais se ligam a
estruturas de dados subjacentes (por exemplo, o Social Graph, do Facebook) e ficam
sujeitos ao poder de classificação dos algoritmos. Isso produz a modalidade
espaço-temporal característica da sociabilidade digital hoje: o feed, um fluxo de
opiniões, crenças, afirmações, desejos, customizado algoritmicamente, expresso em
palavras, imagens, sons, etc. Muito recriminados na teoria crítica contemporânea por
seu efeito supostamente homogeneizante, essas novas tecnologias do social, contudo,
também abrem a possibilidade de experimentação com a interação muitos-para-muitos
e, assim, com o próprio processo de individuação. Experimentos políticos (os vários
partidos baseados na internet, como o Movimento 5 Estrelas, o Partido Pirata e o
Partido X) partem dos poderes dessas novas estruturas sócio-técnicas para produzir
processos massivos de participação e deliberação, mas, assim como o Bitcoin, também
demonstram as limitações dos processos que ligam a subjetivação política à automação
algorítmica. Eles funcionam, contudo, porque utilizam uma variedade de novos saberes
e habilidades socializados (como construir um perfil, como cultivar um público, como
publicizar eventos) e “soft skills” (competências transversais) de expressão e
relacionamento (humor, argumentação, discussão), as quais não são boas ou ruins em
si, mas apresentam uma série de affordances ou graus de liberdade de expressão para
a ação politica que não podem ser deixadas nas mãos de monopólios capitalistas, mas
podem migrar para novas plataformas e serviços. Uma vez que algoritmos, como
dissemos, não podem ser separados de agenciamentos sociais maiores, sua
materialização dentro do red stack envolve o sequestro das tecnologias de redes
sociais, a invenção de novos tipos de plug-ins e a construção de novas plataformas a
partir da bricolagem inventiva de tecnologias existentes, a performance de novas
subjetividades através de um deslocamento (detournement) do letramento generalizado
nas mídias sociais.
Bio-hipermídia
O termo bio-hipermídia, criado por Giorgio Griziotti, identifica a relação cada vez mais
íntima entre corpos e dispositivos digitais que faz parte da difusão de smartphones,
tablets e da computação ubíqua. Enquanto as redes digitais se movem da centralidade
do desktop ou mesmo do laptop rumo a dispositivos cada vez menores e mais portáteis,
uma nova paisagem sócio-técnica emerge ao redor dos “apps” e da “nuvem”, a qual
diretamente “interfere na nossa forma de sentir, perceber e compreender o mundo” [a
bio-semiótica chama isso de “expansão do Umwelt humano c.f. Jorge Albuquerque
Vieira] (Griziotti 2014, Portanova 2013). Bratton define esses “apps” para plataformas
como Android e Apple como interfaces ou membranas que ligam dispositivos individuais
a uma database maior, armazenada na “nuvem” (centros de processamento de dados e
armazenamento gigantescos que pertencem a grandes corporações) (Bratton, 2013).
Essa continuidade topológica permitiu a difusão de aplicativos baixáveis – ou apps –
que modulam cada vez mais a relação entre corpos e espaço. Tais tecnologias não
apenas “grudam na pele e respondem ao toque” (como já colocou Bruce Sterling uma
vez), mas criam novas “zonas” ao redor dos corpos, que agora se movem através de
“espaços codificados”, sobrepostos de informação, capaz de localizar corpos e lugares
dentro de mapas interativos, informacionais e visuais. Novos ecossistemas espaciais
emergentes do cruzamento entre o “natural” e o artificial permitem a ativaçãoo de um
processo de co-criação caosmótica da vida urbana (Iaconesi e Persico, n.d.). Aqui,
novamente, é possível ver como apps são para o capital apenas uma forma de
“monetizar” e “acumular” dados sobre o movimentos dos corpos, enquanto os
subsomem ainda mais rigidamente em redes de consumo e vigilância. Contudo, essa
subsunção do corpo móvel sob o capital não implica que seja este necessariamente o
único uso dessas novas affordances tecnológicas. Transformar a bio-hipermídia em
componentes do “red stack” (o modo de reapropriação do capital fixo na era do social
em rede) implica aproximar atuais experimentos com hardware (tecnologias shenzei de
hackear celulares, maker movements etc) aptos a dar suporte a uma nova espécie de
“apps imaginários” (pensemos, por exemplo, nos apps criados pelo coletivo artístico
Electronic Disturbance Theatre, que permitem a imigrantes enganar controles de
fronteira ou apps que localizam a origem de commodities, seus graus de exploração
etc.)
Conclusão
Este pequeno ensaio, a síntese de uma pesquisa mais abrangente, pretende propor
uma nova estratégia para a construção da infraestrutura maquínica do comum. A ideia
fundamental é a de que as tecnologias da informação, que têm algoritmos como seu
componente central, não constituem apenas uma ferramenta para o capital, mas
constroem simultaneamente novas potencialidades para os modos neoliberais de
governo e para os modos pós-capitalistas de produção. A questão aqui é abrir possíveis
linhas de contaminação junto aos grandes movimentos de programadores, hackers e
makers (fazedores) envolvidos num processo de recodificação da arquitetura das redes
e das tecnologias da informação baseadas em outros valores, que não a troca e a
acumulação, mas também levando em consideração o processo generalizado de
letramento sócio-técnico que tem afetado grande parte da população mundial. É uma
questão, portanto, de produzir uma convergência capaz de estender o problema da
reprogramação da Internet para além das tendências recentes de corporatização e
monetização, às custas da liberdade e pelo controle dos usuários. Uma convergência
que ligue a comunicação bio-informacional a assuntos como a produção de um dinheiro
do comum, capaz de socializar a riqueza, contra tendências correntes rumo à
privatização, acumulação e concentração, afirmando que as redes sociais e as
competências comunicacionais difusas podem funcionar como uma maneira de
organizar a cooperação e produzir novos saberes e valores. Significa buscar uma nova
síntese política que nos leve para longe do paradigma neoliberal do débito, da
austeridade e da acumulação. Isto não é uma utopia, mas um programa para a
invenção dos algoritmos sociais constituintes do comum.