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Tu já leste alguma coisa sobre a edição de DNA? Já leu?

Então assim, o DNA


é uma estrutura bastante complexa, né? Composta ali pelos carbonos e as
moléculas de adenina, a guanina, citosina e timina que fazem aquela cadeia e
o DNA ele vem em sequência e compõe os genes. Cada gene vai ser
responsável por formar uma determinada proteína e a proteína vai ser o que
vai funcionar. Só que nem todo o nosso DNA vai formar proteína. Agora eu vou
te dizer uma coisa bem impressionante: de todo o nosso DNA só 3% dele serve
pra formar as nossas proteínas, o resto tá ali como estrutura que a gente nem
sabe direito qual é o efeito e tudo mais. E o que que se faz hoje? O que é a
edição gênica é cortar um pedacinho dele, corrigir e fazer com que aquela
sequência de letrinhas que estão erradas, passem a ter a sequência correta.
Isso se faz utilizando as próprias enzimas. Existem enzimas de restrição que
funcionam pra quebrar o DNA constantemente e para fazer a multiplicação das
células se usa uma enzima que corta, né? Então, uma delas é a Cas9, que é
uma enzima que corta o DNA e edita ele. Corrige o erro. Do ponto de vista de
fazer isso em laboratório é relativamente tranquilo pra quem faz. Já faz há
bastante tempo. Só que a aplicabilidade dessa correção pra curar doenças
ainda é um desafio, porque sempre que a gente tem uma estrutura em que a
gente vai cortar e corrigir, primeiro isso tem que funcionar em todo o DNA do
indivíduo. Todas as células, as milhares de células que tem. E nem sempre
isso acontece, né? A partir dessa correção a produção daquela proteína que
poderia estar deficiente, também não funciona exatamente como se quer. Não
é simplesmente trocar a letrinha e a partir daí a proteína que não funcionava
vai começar a funcionar. Por exemplo, se eu tenho um gene que expressa no
desenvolvimento humano, vamos dizer que ele faz o dedo, aquele gene é
responsável pela estrutura do dedo. Se eu nascer sem o dedo porque tem
algum erro genético não adianta mais eu corrigir esse erro, porque eu não vou
reformar o dedo por causa disso, mesmo que ele vá produzir aquela proteína.
É assim pra outras proteínas de funcionamento cerebral por exemplo. Para as
doenças de metabolismo é um bom exemplo, porque a gente tem uma proteína
que funciona numa determinada rota metabólica que está deficiente. Nesse
caso, a edição pode ser uma solução porque eu vou começar a formar aquela
proteína e aquela rota vai voltar a funcionar, então isso pode ajudar. Então
assim, na teoria, funciona, na prática, ainda tem muita coisa pra acontecer
porque a interação da edição gênica ainda é bem complexa. Temos que
entender primeiro bem sobre as doenças, sobre a causa das doenças e
entender se o efeito dela é causado por aquela deficiência de proteína ou se
tem outras coisas junto. A gente corrige, mas podem aparecer outros
problemas. Eu acho ainda que a gente tem uma rodada de muitos anos pela
frente, mas pode ser que seja uma solução.

Felizmente a molécula do DNA ela é uma molécula bem dinâmica e ela sofre
interferência do ambiente também. A expressão de determinados genes
depende de o que a gente chama de “fatores epigenéticos”, eles têm uma
importância sobre expressar ou não expressar uma determinada proteína e
quando fazer isso. Por que que algumas pessoas que fumam, têm câncer e
outras não têm câncer. Esses mecanismos epigenéticos a gente não conhece
ainda. Algumas pessoas podem ter genes de mais predisposição do que outras
ao reagir, por exemplo, ao tabagismo, que é um fator externo. Então mesmo
que façamos uma clonagem de um indivíduo, ele nunca vai ser idêntico ao
outro e nunca vai ser perfeito também, porque naquela formação dele teve todo
um ambiente de gestação especial. E a gente não consegue criar esse mesmo
ambiente, mesmo que a gente pegue todas as células daquele indivíduo e
tente que criar outra, a gente não consegue ter aquele mesmo ambiente.
Então, aparentemente, pode ser igual, mas ele não é como esperamos. O
gêmeo é clone, né? O gêmeo monozigótico ele é quase um clone na verdade,
mas eles são diferentes porque sofrem ambientes diferentes. Então, o que eu
acho que talvez seja interessante na clonagem é a geração de órgãos, por
exemplo, para transplantar. Porque hoje, para transplantar um fígado,
precisamos esperar alguém morrer para transplantar o órgão. Mas se a gente
conseguir com uma clonagem produzir um órgão, isso seria uma coisa
interessante, porque eu posso produzir fígados e transplantar para pessoas
que tenham alguma condição genética. E a Dolly também, não sei se você
sabe, mas ela envelheceu muito rapidamente. Aquela clonagem não deu certo,
na verdade. Foi uma falsa clonagem, porque ela já nasceu velha né? (risos)
Dessa forma ela foi perdendo pedacinhos do DNA com o passar do tempo e
ela acabou tendo uma série de condições clínicas. Eu não acho que a
clonagem vai ser algo pros próximos 50 anos assim, nem a clonagem
reprodutiva. O ser humano sempre tenta ter um controle total sobre todas as
coisas, mas esse controle na verdade não existe, porque a molécula do DNA é
muito dinâmica e ela modifica e ela se adapta conforme os diferentes
ambientes.

É... Eu acho que antes disso, é importante saber que isso depende de muita
tecnologia laboratorial e como eu te falei, eu acho que nunca a gente vai
conseguir reproduzir, mesmo a gente pode ter um DNA igual, mas nunca vai
conseguir reproduzir seres iguais, porque tem toda essa questão do ambiente e
da epigenética, mas eu acho que temos outros desafios, por exemplo, em
relação aos testes genéticos que são realizados em embriões antes deles
serem implantados. Por exemplo, fazer um teste de DNA e selecionar por
características físicas, ou por cor de cabelo, ou por desempenho de QI dos
pais, ou por cor da pele, por exemplo, ou cor do olho. Eu acho que isso são
desafios éticos maiores que a gente tem e que já poderiam potencialmente
serem, né, serem utilizados na prática. A gente sabe por exemplo, que é
possível já saber genes de predisposição de determinadas doenças que podem
vir a acontecer daqui a sessenta anos, já saber se aquele bebê vai ter ou não
essas doenças e tu imaginas a pessoa conviver com essa informação, de que
ela vai ter uma doença aos sessenta anos de idade. Então acho que esses são
desafios éticos mais reais nesse momento, que é lidar com a tecnologia do
diagnóstico genômico. Hoje depois do sequenciamento do DNA, descoberta do
DNA e tudo mais, esses estudos genômicos eles ficaram muito fáceis e baratos
de serem feitos e se ele cai na mão de pessoas que não tem uma boa
habilidade de interpretação, tu podes dar o diagnóstico de uma probabilidade
de uma doença que ela vai ter, isso vai acabar gerando talvez um stress, até
talvez um suicídio, por exemplo, saber que vai ter uma doença ruim na vida
adulta e talvez não ter um tratamento específico, são desafios mais presentes
do que o desafio da clonagem reprodutiva, que eu espero não ver, tá? (risos) A
não ser que seja para o bem, aquilo que eu falei de ter órgãos que possam ser
transplantados com mais facilidade para salvar vidas, ou células que possam
ser produzidas pra gente curar um câncer ou pra curarmos doenças raras, que
eu lido muito com a questão da doença rara. Então eu tenho mais interesse em
primeiro a prevenção, claro, e ainda mais a cura de condições mais raras. Eu
acho que a tecnologia devia se voltar muito mais pra isso do que a tecnologia
se voltar para a melhoria do ser humano. Até por que isso pode gerar guerras
entre populações e aí daqui a pouco você cria um exército de uma pessoa
muito ruim. Você já viu o filme GATTACA?
Entrevistador: Vi! Vi sim, com o colégio inclusive.
Acho que inclusive tem uma edição nove né? Mas pra você ter uma ideia,
quando eu vi o GATTACA Maria, aquela gotinha que eles coletam para saber
se aquela criança ia ser assim e assado, claro que tem muita coisa que é
fantasia, mas já é possível coletar o DNA e saber se a criança vai ter uma
doença, por exemplo, como o câncer. Isso é bem fácil de fazer e é bem barato.
Com 5 mil reais a gente faz isso. Mas tem questões éticas envolvidas nisso e é
por isso que não devemos sair fazendo, porque você pode detectar uma
condição que não tenha nada de diferente pra fazer e a pessoa vai ter que
conviver com aquela informação e a vida dela vai ser um inferno. Então eu
queria que as pessoas pensassem mais sobre isso. Em fazer uma tecnologia
muito mais para salvar vidas e tentar curar as doenças que a gente ainda tem
desafios. Ninguém ainda tem a cura para a diabetes, para pressão alta,
ninguém tem a cura para muitos cânceres. Então, seria melhor se
trabalhássemos tecnologicamente mais para isso do que para a melhoria do
ser humano, ou pra fazer um teste recreacional, que é aquilo do “eu quero ver
se eu vou ter”. Isso pode ser um tiro no pé, como a gente diz né? Porque
podemos achar que estamos fazendo uma coisa legal, mas aquilo na verdade
pode acabar com a sua vida.

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