Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A casa toda era iluminada por velas. Havia fotos no altar da parede. A de seu
primeiro filho que nascera morto. Tios, sobrinhos, desconhecidos e pais. As
sombras das velas faziam fundo para a luz: um crânio chorando. A vela de
sete cores apagou num sopro fantasmagórico. Vrush! Sua base adornada por
dentaduras assumiam a culpa. A Santa julgava como se dissesse: — Você
será minha. E a criança que está esperando também. Tremeu e engoliu em
seco. Antes de descansar resolveu rezar.
As luzes apagaram como se a casa fosse invadida por uma ventania. Juan
esbravejou: — Que inferno é isso agora?! A cabeça da moça pulsava, a
bochecha fervendo tocava uma sinfonia desafinada. — Monstro! — gritou.
Apoiou no balcão, tateou o cabo da faca e levantou-se grunhindo. Escondeu
a arma no avental. — Chego morrendo de fome e você rezando? Vi tudo pela
janela. Pensa que me engana? Eu trabalho para quê nessa porra? Hein!
Fala! A essa altura os olhos estavam adaptados à escuridão. Ameaçou bater
nela de novo. Margarida virou o rosto e protegeu com o braço à frente. O
golpe não veio. Pensou se teria coragem de enfiar a faca no bucho dele.
Sentiu algo quente escorrer entre as pernas. Veio à mente que estava
urinando. Juan segurou seu braço, abaixou à força e aproximou-se: — Você
é nojenta! Toda vomitada. Agora mijando na roupa. Cuspiu e acertou o
pescoço. Sacou a arma do coldre, agachou e encostou o cano na fuça dela.
Além da desolação e horror, quis matá-lo. Imaginou-se enfiando a faca no
pescoço dele. Tantas vezes. Mas, tantas e tantas que foi acordada desse
delírio. Porque aquilo não parecia urina. A bolsa estourou. — Vou ter o bebê
— foi o que saiu. — O quê? Sei que não quer morrer — confirmou Juan. — A
bolsa estourou! — gritou em plenos pulmões. Juanito se tocou que a poça de
urina estava grande demais. Guardou o revólver. — Nós vamos ter um bebê,
meu amor — envolvendo o rosto dela com as mãos.