O grupo acampa em um vale após um dia de viagem. Alan conversa com Júlia usando um orbe mágico, onde ela dá informações sobre reuniões em Valendia. Ivan tem um sonho estranho sobre uma figura sinistra em um local escuro.
O grupo acampa em um vale após um dia de viagem. Alan conversa com Júlia usando um orbe mágico, onde ela dá informações sobre reuniões em Valendia. Ivan tem um sonho estranho sobre uma figura sinistra em um local escuro.
O grupo acampa em um vale após um dia de viagem. Alan conversa com Júlia usando um orbe mágico, onde ela dá informações sobre reuniões em Valendia. Ivan tem um sonho estranho sobre uma figura sinistra em um local escuro.
andavam por planícies verdejantes, mas elas eram de um amarelo que contrastava com o céu cinzento que os observava, pronto para cuspir água em direção ao solo. Era outono; e um outono frio na região sul, pois a Costa Cinzenta possuía outonos mais frios que o comum. Ivan sempre ia à frente com Alan; Jhon e Luis iam atrás conversando e se divertindo na estrada. Se divertiam como podiam, contavam piadas e as vezes cantavam, quando não achavam que estavam sendo observados por gnolls ou coisas misteriosas que poderiam viver naquelas partes desconhecidas para eles. O planalto que a estrada seguia era plano, com exceção de uma colina aqui e ali no horizonte; às vezes a estrada circundava grandes pedras brancas que agora apresentavam musgos verdes em suas bases aonde o sol não conseguia chegar. O cheiro de grama molhada os acompanhava e era agradável Ivan pensava; depois de algumas horas de caminhada eles acharam algumas árvores para se abrigar do vento forte do planalto e ali, entre os eucaliptos dos planaltos, fizeram uma fogueira com a ajuda da magia de Alan. -- O que seria de nós sem a magia de Alan – Luis dissera feliz por ser tão fácil fazer uma fogueira. Aproveitaram o momento para ver o mapa. Eles tomavam os picos das Grandes Montanhas Secas como referência de norte em dias cinzentos como aqueles; ela se estendia como um paredão cinzento no horizonte à direita deles, que observavam entre os altos e imponentes eucaliptos. -- Creio que temos provisões para mais uma semana de viagem – Jhon abriu sua mochila para pegar um pote com biscoitos e pão. – Isso se comermos bem pouco. -- Não se preocupem com isso enquanto eu estiver por aqui – Alan disse. – Posso fazer a comida se multiplicar e dobrar de tamanho, logo, se meus cálculos estiverem certos, temos comida para, pelo menos, um mês de viagem; o que é o suficiente para ir e voltar à Nahakirsh pelo menos duas vezes. Ivan, Jhon e Luis observaram pasmos enquanto Alan fazia uma maça ficar do tamanho de um melão e depois praticamente a clonou e logo dividiram os dois “melões vermelhos” e, por incrível que parecesse até mesmo Jhonny Wolf comeu. -- Alguém aqui já sabia que Jhonny comia frutas? Porque eu não sabia – Ivan expressou de testa franzida. -- Faz sentido agora – lembrou Jhon. – Digo isso porque várias vezes eu notei desaparecimento de frutas e pensava que era culpa de Luis. -- Viu só, Jhon! – Luis dizia sorridente. – Não era eu e, agora, estou esperando um bom pedido de desculpas – terminou satisfeito. -- É – começou Jhon --, desculpe-me. O cão mordiscou e comeu maçã também, além de uma ração que Jhon havia preparado para ele em Valendia ainda. Partiram da proteção dos eucaliptos e seguiram a estrada ventosa nos campos; pareciam solitários no mundo, pois nem sequer viram um animal que fosse. Começou a escurecer cedo naquele dia e Ivan havia observado do topo de uma elevação que precariamente salientava-se do mar de gramas amareladas e cinzentas. -- À frente eu consigo ver o início de um vale – disse ele. – Mais alguns quilômetros apenas. Também vejo florestas ao oeste, logo ao lado. Logo que escureceu, eles não podiam mais enxergar na distância e seguiram em direção do vale ao oeste, pois passar a noite nas campinas não lhes parecia agradável; não poderiam ascender uma fogueira e sabiam pouco da região. O fato é que iam acampar no perigo e ninguém poderia ter previsto aquilo. O vale, como assim chamaram, não passava de um conjunto de colinas ondulantes aonde, de vez, se encontravam e formavam pequenos vales. Num destes corria um riacho de água cristalina e ali decidiram que seria um bom local para acampar. Ao lado de uma grande pedra, há uns cem metros do rio, protegidos do vento, eles esticaram seus sacos de dormir sobre a grama seca; não se incomodaram em armar as barracas, pois o local não era grande o suficiente e, se algo acontecesse, o que Luis sempre achava bem provável, eles não teriam de se preocupar em perder tempo desarmando barracas. Depois deste dia, poucas vezes usaram barracas na verdade, pois se acostumavam em dormir na relva e com o céu como teto, desde que não chovesse é claro. Depois de alojados ao lado da grande pedra, sob sua proteção contra o vento, decidiram por fazerem rondas e Luis seria o primeiro; Jhonny Wolf descansava ao seu lado e sempre fazia isso ao lado do vigia da vez. Foi então que Alan sentiu que a luz de seu orbe emanou uma luz singela por entre os objetos de sua mochila mágica e lançou um suave suspiro; que representava que ele estava recebendo uma mensagem naquele instante. Imediatamente pegou o orbe e falou: “Oi”. Era Júlia que respondia e ele sorriu em felicidade e já se via sentado falando ao orbe – Luis viu e sorriu pela alegria do amigo. -- Alan? – disse a suave voz de Júlia meio preocupada. – Você consegue me ouvir? É estranho falar para um orbe – ela riu e ficou muito feliz quando ouviu a resposta do mago. -- Sim, lhe ouço, Júlia! – ele dizia surpreso, pois nunca havia testado aquele invento arcano antes que, de fato, era utilizado por professores e altos magos de Valendia. – E como estou feliz por ouvir sua voz! – ele sorriu para o orbe e sinalizou para Luis, que o observava sorridente ao lado de Jhonny Wolf. -- Eu mal posso acreditar que posso falar com você, nossa eu estava preocupada – ela disse. – Como foi o dia de viagem? Onde estão? -- Estamos indo bem, Júlia – ele respondeu. – Estamos, neste momento, acampados num vale, pelo menos é o que diz Ivan – e deu risada. -- Devem tomar cuidado, querido – ela disse e a última palavra que ela disse fez sinos tocarem na mente de Alan. – Eu e Linna estamos nos tornando grandes amigas. Ela me contou tudo sobre o que aconteceu em Leftwine e agora sei pelo que passaram. Estou orgulhosa de você e de como tem lutado. Sei que Júlio também estaria. -- Júlia, querida Júlia – e pode notar um suspiro por parte da jovem –, eu não estaria aqui, agora, se não fossem as pessoas de extrema coragem que eu tive a sorte de conhecer. E não entendo ainda porque as coisas tomaram o rumo que tomaram. Ainda não obtive respostas e creio que demorarei em saber, pois não sou sábio o suficiente. -- Alan – ela suspirou –, eu tenho certeza que conseguirá achar estas e mais respostas, pois é o mago mais capaz que eu já conheci. E agora você e seus amigos são nossa única esperança, pois sinto em meu coração que a batalha em Leftwine foi só um início sombrio de algo que espreita toda a nossa região. -- Também sinto isto – Alan respondeu. -- Devo lhe dizer que amanhã logo pela manhã, o senado irá se reunir em sessão especial, pois o senador Lurien voltou hoje pela tarde de sua viagem à Leftwine e ele parecia muito preocupado. -- Reymond deve ter lhe contado sobre os objetivos dos atacantes – Alan ponderou. – Não será surpresa que Valendia tome medidas; mas o senado não deve saber, pelo menos por enquanto, sobre os pergaminhos; não enquanto não descobrirmos o poder por trás deles. Se deixássemos com eles, os papiros seriam guardados e, através deles, talvez pudessem ser utilizados para fins pessoais. E assim seria tão pior quanto aquele dragão tê-los, imagino. -- Você não se diz sábio, mas imagino que Wylaf pensaria do mesmo jeito se estivesse aqui – ela respondeu. – Ah e não se preocupe com Leftwine, pois o senador deixou mais um batalhão lá de guarda. A segurança foi reforçada. -- Isso é uma boa notícia, mas creio que nossos inimigos não irão mais se preocupar com Leftwine. De repente as vozes de Alan e Júlia estavam ficando fracas e o orbe do mago estava piscando de forma intermitente. -- Júlia, o tempo está acabando – ele disse rapidamente para ela. – Se cuide e obrigado pelas informações. Mantenha-nos informados e até amanhã! -- Tudo bem, querido – ela respondeu. – Cuide-se também e tenha bons sonhos! O orbe se apagou e Alan o depositou de volta à mochila. Seu sorriso era largo e Luis ainda observava o horizonte em direção ao leste, de onde vieram durante todo esse tempo de viagem; Jhon e Ivan dormiam como crianças depois de um dia de muitas brincadeiras e Luis não teve vontade de acordá-los, então trocou de vez na ronda com Alan que já estava acordado. -- Fico feliz por você, Alan – Luis tocara o ombro do mago com um sorriso e Alan retrucou com outro sorriso. – A Júlia me parece ser uma ótima pessoa. -- E como, meu caro – o mago respondeu. – Agora vá dormir um pouco, pois amanhã será um novo dia e precisamos estar bem para cobrirmos bastante terreno. Ivan teve sonhos naquela noite. Estava vendo uma figura sinistra se esgueirando pelas sombras de algum local desconhecido para ele. Estava entre paredes de um local muito escuro cujo piso era de uma laje solta e traiçoeira; filetes de água escorriam e formavam pequenas poças no piso; uma tocha ardia forte em sua empunhadura e ele enxergava tudo na cor do fogo. -- Quem está aí? – o jovem franzia a vista na tentativa de enxergar melhor, mas não obteve resposta alguma. – Se é amigo, mostre-se agora. -- Seja bem-vindo, jovem amigo – disse uma voz suave e tocável. Ivan não percebeu no princípio, mas a silhueta na escuridão é que estava falando. – Peço, encarecidamente, que não chegue tão perto com esta luz. Porque não a deixa ai, ou a apaga? -- Porque assim não conseguiria enxergar – ele respondeu. Agora se sentia incomodado em conversar com uma sombra; percebeu que a sombra possuía traços humanoides quando deu dois passos na direção da mesma. Um silvo agudo foi lançado pela criatura e isto fez o sangue do jovem congelar. -- Não chegue perto com essa luz! – a voz que antes era suave agora era um chiado macabro e agudo, mas, ainda assim, tocável. – Porque você não a apaga? Vamos, eu não vou lhe fazer mal. Não tenha medo, venha. -- Não deixarei a luz – ele respondeu firme. Agora o incomodo passou a ser um sentimento de medo. -- Posso sentir o cheiro de seu medo – a voz macabra dizia enquanto a sombra se mexia de um lado ao outro. – Tem de passar por aqui e uma hora a sua luz vai terminar. Esperarei e irei lhe devorar depois disso. -- Eu estou com um pouco de medo – Ivan respondeu –, mas enquanto eu tiver essa luz, sei que ficarei bem. Não permitirei que ela se apague jamais. O medo pode ser vencido pela determinação – e começou a avançar em direção ao único caminho disponível – que era em frente; a sombra chiou em fúria e tentou por medo no espírito do jovem, mas ele avançava com a luz da tocha muito determinado; seus passos ecoavam no fúnebre local e a sombra ia se desfazendo e diminuindo até que, com um silvo agudo de dor, sumiu por uma fissura na parede, como se fosse água escorrendo por um buraco. Ivan então percebeu que a tocha não era mais de madeira, mas sim feita de papel; pergaminhos enrolados que estavam queimando e ele ficou surpreso em ver que o fogo se extinguira e uma das folhas brilhou e um glifo esverdeado brilhou mais forte num dos cantos da folha, como se mostrasse ao jovem que um conhecimento havia sido descoberto. Quando acordou na manhã seguinte, percebeu que estava tocando, com a cabeça, os papiros. De fato os usava quase como travesseiro. -- Ivan, você dormiu em cima dos papiros – disse Alan. Naquela hora cedo da manhã quem estava de ronda era Jhon. – Acho que deveríamos cuidar melhor deles. -- Já eu penso que deveríamos destruí-los – respondeu Jhon bocejando e cutucando Luis para que acordasse. – Pensando nisso, acho que nunca tentamos ou estipulamos fazer isto, não é? -- Não funciona – disse Alan. – Existe magia antiga nestas folhas, eu mesmo as detectei. Existe uma transmutação muito forte. Não ousaria tentar destruí-los. Não seria algo sábio. -- Não sei, mas tive um sonho memorável agora – Ivan falou meio transtornado ainda com as imagens daquela masmorra fria ainda permeando seu consciente. – Nunca sonhei algo parecido. Alan e Jhon o olharam e Luis disse que encheria os cantis com água do rio. -- Ora bolas! Então fale logo, Ivan, estou curioso. Mais um de seus estranhos sonhos ora bolas – Jhon sorriu. -- Eu, de certa maneira, enfrentei uma sombra macabra com uma luz. -- A luz tinha forma? – Alan questionara e, por um momento, ficou curioso. -- Não sei, mas lembro que vinha de uma tocha que eu carregava. De fato a tocha se tornou um rolo de pergaminhos no final – Ivan respondeu. -- Típico sonho do Ivan! – Jhon dava risadas. – Está pensando demais nos pergaminhos, deve ser isso. -- Não sei, mas sinto que estou mais preparado – Ivan franziu a testa por lembrar a sensação. – Sinto-me muito mais preparado caso tenha de entrar em algum lugar escuro. -- Isso é interessante – Alan interveio. – Creio que por dormir em cima dos papiros, acabou por descobrir um de seus poderes. Isso é bem comum e demonstra, se meus conhecimentos não estiverem errados, que estes pergaminhos possuem conteúdos informativos de muita importância. Lembro que li que um grande mago antigamente fazia pergaminhos que você não precisava ler; bastava dormir com eles por perto para que você fosse lembrado de seus conteúdos em sonhos; muito útil para magos que desejavam preparar suas magias mais rapidamente. -- Pelas barbas dos anões – Jhon estava surpreso e Ivan mais ainda. -- Agora que você contou isso, Ivan, lembrei deste conhecimento – o mago estava com a mão no queixo agora, pensativo. Luis voltou com a água depois de alguns minutos e os jovens fizeram um rápido desjejum. Deram adeus à pedra onde passaram a noite e continuaram pelo pequeno vale. Foram adentrando mais profundamente e agora a estrada ficava estreita o suficiente para que andassem em duplas; não enxergavam nada ao leste e nem ao oeste, pois as colinas se tornavam mais altas... e mais traiçoeiras. -- É ali que eu ficaria – Luis disse olhando para o topo de uma das colinas. -- Porque está falando isso? – Jhon perguntou meio que gaguejando. -- Não sei, tive um pressentimento – Luis respondeu. Eu não gosto deste local, me sinto muito exposto. -- Então fiquem quietos e andem logo, assim poderemos passar por aqui rapidamente – Alan disse tocando com o cajado o ombro de Jhon. Ivan estava um pouco à frente neste momento e voltou com um sorriso. -- Mais alguns minutos de caminhada! – ele disse animado. – Logo à frente vejo um bosque, poderemos almoçar sob a proteção das árvores. Todos ficaram animados, pois chuviscava um pouco agora e uma névoa começava a descer do topo das colinas para se alojarem no interior do vale; logo andavam e não enxergavam muito bem o chão. Andavam mais devagar que o normal devido a este fenômeno da natureza, mas Luis gostava daquilo; pois andar nas furtivas lhe convinha mais. Continuaram contornando as colinas, algumas bem amareladas e encharcadas por causa do chuvisco. Fizeram algumas curvas na estradinha aqui e ali, mas Ivan dizia saber o caminho e os outros confiavam em seu bom senso de direção. – Nunca vi Ivan se perder antes – comentou Luis e Alan olhou para ele. – Alguma vez ele saiu de Leftwine? – o mago perguntou. – Certa vez ele saiu para procurar por uma ovelha de um fazendeiro das fazendas do sul; ficou todo o dia e disse que teve de andar vários quilômetros para achar – Jhon respondeu olhando para Ivan que ia na frente. – Ele voltou com a ovelha e nos deixou muito preocupados. – Lembro da vez que ele saiu procurar por uma erva nos bosques do oeste – Luis lembrava. – Um menino estava com dor de estômago e, por isso, ele se embrenhou na floresta e de lá saiu, horas depois, sem um mapa sequer, com a erva que a mãe do rapaz ferveu num chá logo após. Lembro que Ivan ganhou pedaços de bolo por isso e estava muito satisfeito. – É bem a cara dele mesmo – Alan sorriu. – Ele sempre parece saber o que está fazendo. – Pessoal – Ivan voltava do fronte –, vi alguma coisa à frente; vamos nos esconder ali naquelas árvores e, Luis, poderia escalar aquela colina e observar, não? – Nem precisa falar – Luis respondeu prontamente. – Escondam-se e não respirem até eu voltar. – O que era, Ivan? – Jhon perguntou aflito. – Pude perceber uma silhueta somente devido a chuva, mas estava bloqueando a estrada. Atrás de uma formação de árvores eles ficaram e Jhonny Wolf teve de ser segurado por Jhon, pois estava muito nervoso e rosnava em direção à neblina na estrada; estavam há uns vinte metros da estradinha agora, mas perto o suficiente para vê-la. Foi então que viram uma silhueta andando na estrada. Estava murmurando algo, mas não puderam ouvir do que se tratava. Quando a silhueta se aproximou, puderam perceber que não andava muito bem, arrastava os pés no solo e parecia gemer com uma dor aguda; não viram nem ouviram nada de Luis e continuaram parados. Uma sensação terrível os tomou o coração enquanto aquela coisa ficava ali gemendo como se estivesse em terrível dor, mas algo lhes dizia para ficarem quietos e esperarem a criatura passar; foi exatamente o que aconteceu depois de dois minutos que pareceram duas horas para os jovens. A silhueta tinha um porte humanoide e se afastou em direção oposta, seguindo pela estradinha de onde os jovens haviam vindo. Antes a criatura se virou para o conjunto de árvores e olhou, Alan estremeceu ao ver um par de olhos refletirem uma luz amarelada em meio à chuva e o nevoeiro do vale. Fechou os olhos, pois havia ficado abalado. Ivan e Jhon não conseguiram enxergar isso e por isso não demonstraram medo, mas uma angústia os tomou o espírito até que a criatura virasse as costas e seguisse seu caminho. – Vocês viram alguma coisa? – Luis disse ao voltar. – Eu não consegui ver, mas ouvi e nunca fiquei com tanto medo na minha vida. Nem mesmo aquele dragão me assustou tanto quanto aqueles gemidos. – Vimos uma silhueta somente – Jhon respondeu. Alan estava suando frio. – Você está bem, Alan? – Sim, agora estou – o mago respondeu meio trêmulo. – Vamos sair daqui. Não gostei daquilo. – Nem eu – Ivan expressou. – Já estamos saindo dos vales. Penso agora se estivéssemos viajando de noite... – Por favor, nem me faça imaginar uma coisa dessas à noite – Alan disse. – Devemos sair daqui, vamos para a floresta logo. – Vamos – Ivan tocou o ombro do mago. – Fiquem de olhos abertos e escutem os sinais de Jhonny Wolf. Luis, vá na frente seguindo a estradinha até chegarmos à primeira curva; depois siga pela colina e nos guie na direção das árvores. Eu ficarei cuidando de nossa retaguarda. Almoçaremos na floresta e seguiremos para o norte de lá. Com sorte acharemos outro local elevado após as árvores e poderemos observar e traçar a rota para amanhã. Seguiram viagem, mas aquele olhar sedento e amarelado não saiu da mente de Alan que, de quando em quando, olhava freneticamente para todas as direções. Tocava a nuca de Jhonny Wolf e aquilo o confortava. Guiados por Luis, deixaram a estradinha macabra, para o alívio de todos, e cortaram as colinas até chegarem à fronteira daquele vale. As colinas desciam abruptamente na floresta e logo estavam sob a sombra e o olhar de grandes árvores. Antes Ivan tentou aproveitar a vista, mas tudo que via, no chuvisco, era um mar verde acinzentado abaixo de seus pés que se estendia até pouco mais de um quilômetro; que era tudo que conseguia ver. Os jovens se agruparam uns perto dos outros novamente, pois a floresta era densa e poderiam se separar fácil; quando haviam vagado fundo nas entranhas do bosque, decidiram almoçar. Desfivelaram as mochilas e se sentaram no chão do bosque, no local mais seco que puderam encontrar. Ali tiveram tempo para saborear biscoitos e frutas. Jhon abriu um pote com carne seca e Alan dobrou o tamanho da carne com sua magia. – Posso fazer isso três vezes por dia – acrescentou o mago dando o primeiro sorriso desde o encontro com a silhueta no vale. – Você comeu pouco, Alan – Luis disse um pouco preocupado. – Geralmente come bastante. – Eu não estou me sentindo muito bem – o mago respondeu e olhou para todos os lados de novo. – Você está assim desde o encontro com a silhueta – Ivan expressou. – Ninguém ficou confortável com aqueles gemidos, mas, se tiver algo para nos contar, que possa aliviar essa tensão que estamos vendo em você, por favor conte. – Eu não sei explicar, mas, de repente, senti medo – o mago olhava para a copa das árvores em volta. – Dou graças aos deuses que vocês não tenham visto o que vi, mas posso lhes dizer, não quero mais voltar para aquele vale – ele terminou com uma voz agourenta. Quando disse aquilo, Alan segurou firme o cajado e Ivan, Jhon e Luis ficaram surpresos e um pouco amedrontados com aquele relato fúnebre. – Tenho tido a impressão de ser observado durante toda viagem de hoje. Uma sensação horrível de solidão – Alan acrescentou. – Acalme-se, Alan – Ivan disse. – Estamos aqui com você. Vamos continuar juntos; mas foi bom você relatar isso, pois tenho certeza que ninguém ficou confortável com aquele encontro no vale. Temos de ter muito cuidado. Depois de almoçarem, continuaram a viagem pelo bosque. Acharam uma nascente e seguiram seu curso até que a nascente se tornou um belo riacho. Enquanto seguia para o norte eles a seguiam; Luis sentiu-se com sorte, pois as folhas molhadas no solo produziam menos barulho do que se estivessem secas e aquilo era motivador para ele – seguia na frente da formação, mas não longe dos olhos de Ivan que vinha logo atrás com Alan, Jhon e Jhonny Wolf. Ivan percebeu que o moral de seus amigos estava um pouco abalado e teriam um final de dia, se não por dizer uma noite difícil também, se não fosse por sua postura positiva e confiante, pois era nessas situações que ele via o quanto era importante que mantivesse a calma e o raciocínio livre; não tolerava ver os amigos desmotivados e, com energia estimulante, os guiava para dias e memórias mais agradáveis e foi assim naquele dia; determinação, coragem e um pensamento positivo das situações, e ainda assim realista e racional, eram muito inspiradores. Quando Ivan estava por perto, sentiam que estavam seguros e sempre tinham um curso ou um foco em mente para tirar o foco de medos e inseguranças. A fome, a sede, o sono e o cansaço eram mais toleráveis com um Ivan confiante à frente do grupo. E a noite daquele dia cinzento chegou depois de uma tarde marchando pelos bosques. Acharam um casebre abandonado; segundo Luis estava abandonado, pois não tinha sinal de moradores e, para eles ali agora, servia como proteção da leve garoa que caía da escuridão acima. Um relâmpago descia aqui e acolá no horizonte e sua claridade perfurava fácil a copa das árvores e iluminava de vez em quando os arredores do casebre; existia uma porta e uma janela para um cômodo único, mas o telhado estava bem conservado. Alan dobrou de tamanho, com sua magia, um pão caseiro que haviam trazido e comeram todos sob a luz de uma única vela. Alan falou com Júlia por intermédio do orbe mágico das mensagens e aquilo lhe renovou o ânimo de um jeito insuperável. Ele contou sobre o vale e sobre o dia pesado e tristonho de viagem. Como só havia um cômodo no casebre, todos ouviram a conversa e sorriam à medida que o mago conversava com sua amada e ela o dizia para que não ficasse triste, que esperaria por ele e tudo o mais. – O conselho declarou que Reymond foi um herói em Leftwine e disseram que ele seria convocado para ser um capitão na Legião Imperial – Júlia comentou com sua suave voz. – Há e diga à Jhon que Linna está com saudades. Amanhã, se vocês se comportarem, nós duas conversaremos com vocês dois – ela sorriu e Alan suspirou ao ouvir seu riso. Depois da conversa de Alan, os jovens começaram a pegar no sono enquanto ouviam a suave chuva cair no telhado do casebre; Jhon ficou acordado de vigia e Jhonny Wolf estava ao seu lado deitado, mas de vez em quando, ao menor som que não fosse o da chuva lá fora, suas orelhas levantavam e ele olhava na direção do som, mas quase sempre deitava a cabeça de volta nas patas cruzadas como se não percebesse nada de mais. Os pergaminhos estavam enrolados em um tubo de madeira impermeável que Alan havia disponibilizado; segundo ele, aquilo protegeria os papiros até mesmo do mais intenso cenário. Jhon lacrimejava de sono quando ia chamar o próximo da vigília, que seria Luis, mas então ouviu um som de ecoantes passos nas folhas encharcadas; parecia arrastar os pés e nem mesmo a garoa abafou o som. Jhonny Wolf esbravejou e se pôs de pé num salto; logo estava rosnando em direção à porta. – Pessoal, acordem! – Jhon guinchou um sussurro agudo e todos acordaram com caras de sono. – Não precisava acordar a todos, Jhon – Luis comentou, mas Ivan viu Jhonny Wolf naquele estado e se pôs de pé e sacou sua espada; sem pestanejar Alan pôs o cajado entre as mãos e se levantou também e Luis seguiu o exemplo de seus amigos e sacou sua espada. Logo estavam tão acordados como se tivessem dormido o suficiente, pois a adrenalina já os tomava. – Vejo algo ali fora, está parado olhando para cá – Luis estremeceu enquanto espiava pela janela. De repente um gemido agoniante ecoou nos arredores e eles reconheceram: era a silhueta do vale, que haviam encontrado horas atrás perto do meio dia daquele dia cinzento e enevoado; Alan estremeceu ao lembrar daquele olhar sombrio e não piscava olhando fixo para a portinha do casebre. – Boa noite, jovens – a voz veio lá de fora. Era arrastada e grave, quase gutural. – Fazia muito tempo que eu não via alguém por estas bandas. A chuva caia leve lá fora, mas em meio a um relâmpago, Luis, que espiava ainda pela janela, pode discernir a fisionomia da criatura; era um homem vestido num robe escuro, seus cabelos eram muito enredados e longos, quase como palha; Luis não conseguiu ver seus olhos, se é que tinha em sua percepção, e aquilo o deixou em pânico. – Sei que estão aí – a voz continuou. – Vim seguindo seus rastros por horas, esperando a noite para lhes encontrar. Não temam, não desejo mal a vocês, vamos conversar. Era estranho, Luis e Alan tremiam e Jhon e Jhonny Wolf estavam prontos para qualquer eventualidade, mas estavam parados esperando; Ivan lembrou de seu sonho com a sombra nos corredores escuros e deu um passo à frente até a porta. – Você enlouqueceu?! – Jhon o reprimiu imediatamente. – Jhon, mire com seu arco e evite focar seu olhar na direção daquele ser, use sua visão periférica e jamais o olhe nos olhos – Ivan falou tão rápido que tudo que Jhon fez foi sacar logo sua flecha e prepará- la no arco; foi em direção da janela e se pôs à disposição. – Se algo der errado, me cubra. Alan, faça o mesmo e Luis – ele parou um pouco e pensou –, você fica aqui e proteja eles em qualquer eventualidade. Jhonny venha comigo garoto – e assobiou para o cão que o seguiu fielmente e disposto. – Boa noite – disse Ivan abrindo a porta e saindo para fora, Jhonny Wolf rosnava e Ivan o tranquilizava com suaves toques na cabeça. – Peço desculpas e sua compreensão pela demora em responder, mas acontece que ficamos surpresos com uma visita tão tarde da noite. – Ivan observou todos os lados discretamente, mas não ousou olhar para o rosto do ser, pois já estava assustado só de olhar de seus ombros para baixo – era alto e esguio, mas possuía uma espada gigantesca nas costas, parecida com a do cavaleiro negro em Leftwine. – Posso sentir o cheiro de seu medo, ser miserável – a voz grave riu em crueldade. – Há muito não provo da carne dos vivos, tenho fome. Ivan logo mostrou sua espada e Jhonny Wolf ficou em posição de ataque, mas tremeu quando a criatura lançou um chiado, como um grito, tão agudo que fez arrepiar a espinha de Ivan e dos outros. Imediatamente ele gritou para Alan: “Luz, Alan!” e o mago, tremendo, conjurou uma luz na ponta da espada de Ivan; de relance o mago olhou para a criatura, mas não ousou olhá-la no rosto e ficou esperando o que Ivan faria. – PARTA – Ivan rugiu com a luz em direção da criatura. Ouviu-se um riso histérico por parte do ser e Ivan estremeceu. – Acha mesmo que essa pequena luz vai me afastar, mortal? Eu, que mesmo à luz do dia posso andar sem muitos problemas? – e deu um passo à frente em direção ao casebre. – Não ouse se aproximar, ou terei de defender- me com a espada e acredite, você não quer isso – Ivan ainda olhava do ombro para baixo da criatura e aquilo se tornou perturbador para ele, pois não queria arriscar olhar para a criatura, visto que percebeu que Luis estava abalado por ter fitado o cruel ser, mas de uma coisa agora ele tinha certeza, aquele ser não podia estar vivo; tinha a pele ressecada como a de um cadáver, alguns dedos da mão esquerda lhe faltavam e seu odor era terrível – o cheiro do túmulo. – Se você desejar, posso lhe transformar em meu servo se me entregar seus amigos. Eles terão uma morte indolor, eu prometo – e o ser sorriu, mas Ivan não viu. – Me olhe nos olhos, mortal. – Irei, depois de arrancá-los – e Ivan partiu para o embate assim que viu que Jhon havia disparado para cravar uma flecha na bexiga do homem ressecado; para a surpresa de Ivan, o homem possuía, por de baixo do robe, uma malha de anéis como proteção, mas era antiquíssima e enferrujada em alguns locais; inclusive na altura do coração existia uma perfuração de ponta de lança e uma mancha escura no couro debaixo da malha. – Você já morreu e agora morrerá de novo! Descanse em paz criatura! – e estocou com a espada, mas o golpe foi aparado pelo ser com maestria e sem dificuldade. – Sua esgrima é péssima – a voz respondeu. – Beberei de sua alma hoje – e contra atacou Ivan com dois cortes horizontais; um Ivan aparou, mas o outro lhe raspou no ombro, deixando sangue vazar pelo ferimento. A criatura ficou feliz em ver sangue novamente parecia, pois dava risadas de alegria: “Isso, venha mortal, sejamos rápidos” e Ivan então, sem perceber fitou a face do ser; era horrível, não possuía olhos e sim órbitas oculares preenchidas por luzes pálidas e amareladas. O rosto era dessecado e criava covas vazias nas bochechas, os cabelos eram como palha e eram brancos e sem vida. Ivan estava chocado com o que via e tremeu a mão da espada quando se viu ali na floresta sendo golpeado por um ser tão horrível. Nunca antes havia visto um morto-vivo – como eram chamados aqueles que vagavam na terra, mas cujos espíritos já haviam sido destruídos em eras imemoriais ou revividos pela quase extinta magia da necromancia. – Jovem alma – disse a criatura se aproximando de Ivan. O jovem estava muito incomodado com aquele ser ali o golpeando –, não tenha medo, aceite seu destino, você não tem culpa de ser tão fraco. Você veio a mim e farei com que não sofra. O jovem estremeceu e não conseguia se mexer, parecia ter aceitado aquelas palavras e não ousava se mover, estava em pânico e o ser se aproximou e ergueu a espada gigantesca; um brilho esverdeado tomou a lâmina, era como a luz dos espíritos que gritavam pela alma de Ivan. Mas foi então, no momento de maior sombra, que sua coragem foi testada. Ele lembrou de Leftwine e do ataque dos gnolls e do dragão, lembrou que havia prometido para si próprio que jamais desistiria de lutar pelo bem de seus amigos e de seu povo; com a coragem renovada o suficiente para raciocinar, ele ergueu a espada e aparou o golpe do ser desgrenhado e Jhon disparou mais uma flecha que acertou, com o som de um baque seco, o coração do ser, mas este não possuía mais órgãos vitais, era um corpo dessecado e morto. Antes de Ivan se virar para correr, o ser ainda o golpeou mais uma vez e cortou seu corselete de couro nas costas. – Saiam dai – Ivan gritou e os outros se ergueram e saíram. – Corram e não olhem para trás, estarei os seguindo! Foi então que começou a perseguição na floresta à noite. O ser cambaleava de dia, mas à noite possuía um vigor sobrenatural e conseguia acompanhar a velocidade dos jovens; Jhonny Wolf foi na frente de todos e Alan o seguia – porque fazia isso ele não sabia ao certo, só pensava em correr e nem ao menos tiveram tempo de pegar seus sacos de dormir, mas conseguiram pegar as mochilas. Ivan não conseguiu pegar sua mochila e nem se perturbou por isso, pois no momento só pensava em tirar seus amigos daquele local e longe da presença daquela criatura terrível. Pensaram ter despistado o ser quando olharam para trás, depois de uns cinco minutos de marcha pela mata, mas conseguiram ouvir sua voz logo atrás: – Sou incansável, hora ou outra irei alcançá- los, pois precisam respirar o ar! – e os jovens estremeceram ao ouvir a voz gutural e arrastada e continuaram sua corrida. Apesar de cansados, a adrenalina os mantinha firmes na marcha. Já não sabiam para onde estavam indo e nem se importavam, só seguiam Jhonny Wolf e mal enxergavam dez metros à frente na noite chuvosa. Ivan era o último do grupo e ficou atrás de propósito, pois de certa maneira conseguia pensar, mesmo com aquela voz ameaçadora tão perto os seguindo e mesmo que seu corpo tremesse incontrolavelmente de pânico, ainda assim conseguia raciocinar e ditava o ritmo da fuga. Quando ouvia a voz se aproximando, apressava o passo e fazia os da frente andarem mais rápido. Jhonny Wolf os havia guiado para uma lareira e ali Alan conjurou luz de seu cajado. Viam tudo ao redor agora, mas estavam com medo; olhavam cansados para as árvores e estavam sem fôlego. – Aqui estão, o que eu disse? – a criatura irrompeu se arrastando curvada dentre as árvores escuras. – Há muitos anos não via viajante algum nestas estradas e confesso que estava ficando impaciente, mas agora com vocês aqui, posso finalmente me alimentar. A espada do vil guerreiro balançou de um lado ao outro golpeando os jovens, mas Ivan e Luis defendiam desesperados os golpes e Jhon percebeu que suas flechas sequer incomodavam o ser – finalmente ele fitou a criatura e ficou tão aturdido com a feiura do ser e com o desespero que tomou seu coração, que deixou o arco cair da mão e começou a tremer sentado no chão molhado do bosque. O desespero havia começado de novo e Alan, apesar de extremamente perturbado, conseguiu ajudar seus amigos com proteções que conjurava – uma em Luis e outra em Ivan, mas não conseguia se concentrar em nada além destes encantos simples e rápidos, pois o medo assolava sua mente e as imagens daquele ser não deixavam sua memória. Mas os encantos compraram um pouco de tempo e mesmo Jhonny Wolf entregou-se ao combate e rosnava tentando achar uma brecha nas defesas da criatura. Ivan e Luis formavam uma boa dupla, pois enquanto Ivan enfrentava a criatura no combate franco, Luis tentava flanquear e dar um bote, mas o terrível guerreiro era audaz no combate e poucas vezes Luis cruzou sua espada no corpo do mesmo; e quando isso acontecia, a lâmina não conseguia cruzar a cota de malha enferrujada que protegia o ser. Foi neste momento que Luis fora atingido por um contra golpe; seu braço esquerdo havia sido cortado e o sangue de Luis brilhou na lâmina larga da criatura. – Ah, como é bom saborear a vida novamente! – uma vitalidade renovada tomou o ser e, energicamente, começou a atacar Luis. Alan e Jhon estavam pasmos em ver que não podiam fazer nada para salvar Luis e, que depois dele, provavelmente Ivan seria o próximo. Jhonny Wolf comprou tempo saltando nas costas do morto- vivo, mas não o mordeu; parecia estar enojado em morder a carne pútrida do ser. Ivan aproveitou para fincar sua espada no estômago do guerreiro que urrou de dor. Seu grito ecoou e um relâmpago desceu até o topo das montanhas ao norte longínquo; o terrível ser contra golpeou Ivan, mas este rolou para o lado e suas costas ficaram cheias de folhas molhadas que se penduraram; Ivan sinalizou para que Luis recuasse para Alan e Jhon e assim ele fez. Jhonny Wolf aproveitou e saiu das costas do inimigo e recuou com Luis. – Vejo que você tem um pouco de coragem – a criatura tocou seu estômago perfurado. – Mesmo tremendo ao ver a morte, consegue raciocinar. Interessante realmente – a voz era arrastada e possuía uma inteligência cruel, mas Ivan não se abalava com as palavras. – Por vários momentos pensei que morreria e isso me deu certo medo, mas agora não tenho dúvidas – o jovem começou confiante –, não tenho dúvidas de que iremos lhe derrotar. – Então venha, venha lutar, criança – o ser se preparou e Ivan começou a andar em sua direção. Jhon, Alan e Luis não conseguiam olhar para o ser ainda, mas viam Ivan andar na sua direção e por um momento pensaram que ele estava aceitando a morte de bom grado. Sua caminhada era determinada, no entanto, e ele esperou que o cruel ser erguesse a enorme lâmina e assim a criatura fez, deixando todo o seu tórax exposto a um golpe; e em vez de esquivar ou aparar, Ivan fez diferente, encarou o ser nos olhos e bradou: – Parta!!! – e sua espada e seus olhos brilharam, como se tivessem recebido a energia de um relâmpago do céu tempestuoso, mas nenhum relâmpago havia caído ali. Um estrondo e uma luz forte não permitiram que ninguém ouvisse ou visse algo e quando sumiu a luz, Alan, Jhon e Luis puderam ver Ivan de pé com a espada cravada no peito do ser, que ainda estava com os braços erguendo a grande espada; Ivan tirou a espada e o ser explodiu em cinzas. Os olhos de Ivan voltaram ao normal e ele caiu em um joelho e apoiou a espada no solo, ofegante e molhado da chuva. Parecia estar em um estado de tranquilidade. O medo e a energia negativa que pairavam pelo local sumiram totalmente e os jovens voltaram ao normal, não tinham mais medo. – Ivan, você está bem?! – Luis correu para socorrer o amigo, por mais que todos pensassem que era ele quem precisava de socorro com aquele braço cortado. – Eu estou bem, Luis – Ivan respondeu erguendo-se. – O seu braço, temos que ver isso imediatamente. – Enfaixarei o seu braço, Luis – disse Jhon. – Eu trouxe ervas de limpeza na mochila. Você não poderá forçar este braço por um bom tempo – Jhon estava de espírito renovado e sem medo algum. – O que foi aquela luz? – Alan questionou Ivan, mas o jovem não soube responder. – Novamente somos salvos por alguma intervenção – ele olhou para Jhonny Wolf. Alan lembrou do encontro contra Et'urkon nos bosques perto de Leftwine e de como Jhonny Wolf havia brilhado e salvado os jovens da cruel magia do feiticeiro. Os jovens esperaram que Jhon improvisasse um primeiro tratamento para que Luis não perdesse sangue na viajem, pois agora não sabiam aonde estavam, mas estavam ficando com sono assim que a adrenalina passou. Procuraram densas copas de árvores e dormiram abaixo delas; de vez em quando pingos cruzavam a espessa camada de folhas e caiam neles, mas não se incomodaram muito, pois se protegeram com suas capas. Capítulo 2 – A amazona da lagoa
Na manhã seguinte, os jovens acordaram com
suas capas molhadas. Ivan havia dormido mais e aquilo era bem diferente do comum, pois geralmente era o primeiro a acordar. – Acho que ele cansou ontem – disse Jhon para Alan enquanto os dois se erguiam e olhavam as copas das árvores. Luis acordou também e ainda não havia se acostumado com o braço cortado; Jhon refez os curativos. – Terá de descansar esse braço, Luis – ele disse. – E mesmo tomando cuidado, devemos levá-lo a um curandeiro imediatamente. – Tudo bem, mas eu estou bem – Luis respondeu com cara de sono. – Vamos acordar o Ivan. Ivan acordou e sorriu ao ver o dia, pois, por mais que fosse mais um dia cinzento, já era bem melhor que a noite, principalmente depois da noite anterior que tiveram no bosque. – Devemos ver onde estamos – ele disse. – Já que Luis está ferido, eu mesmo escalarei uma árvore para observar. Ivan levou um tempo para subir uma árvore, coisa que Luis faria em segundos caso não estivesse com o braço esquerdo daquele jeito. Depois de um tempo desceu sorridente. – Não nos afastamos muito de nosso caminho. As Montanhas Secas estão ao leste já. Temos que seguir para o oeste e Nahakirsh deve estar atrás daqueles vales à frente! – Ivan desceu com menos cuidado e quase caiu da árvore, pois estava feliz. – Acho que mais uns dois dias de viagem somente! – Você acha que poderíamos voltar para a cabana para pegar nossas coisas? – Jhon perguntou. – Sim, até deveríamos, pois dormir sentado e encostado nas raízes das árvores não fez muito bem para as minhas costas! – Ivan respondeu e todos riram e partiram. Em pouco mais de quinze minutos já estavam de volta na cabana da noite anterior, mas agora o cenário era diferente. Ivan ainda não sabia explicar o que havia acontecido quando alguém perguntava, mas todos estavam satisfeitos que ainda estivessem vivos e recuperaram seus sacos de dormir e Ivan ainda recuperou sua mochila que havia ficado para trás. – Agora sim – ele disse sorridente. – Ainda bem que dei os papiros para Alan, se não quem sabe o que poderia ter acontecido. Alan guardava os papiros em sua mochila mágica. Lá era o local mais seguro por hora e sua magia garantia que seria difícil detectá-los. No fim de tarde do segundo dia andando pelos planaltos ondulantes e dourados, os jovens puderam ver o pôr do sol finalmente. Aquilo os renovou os espíritos. Luis e Jhon já não aguentavam aquele tempo cinzento que os acompanhava desde Leftwine praticamente, mas durou pouco, pois à noite a garoa voltou. Pelo menos naquela noite Ivan havia conseguido achar uma caverna seca nas bases de duas grandes e antigas árvores na fronteira entre um bosque e um riacho. Ali dentro fizeram uma pequena fogueira com a ajuda da magia de Alan e fizeram a melhor ceia que já haviam feito desde Valendia. Depois de comerem, sentaram-se e observaram a chuva cair na lagoa que ficava a uns sessenta metros da gruta; caíram no sono um a um. Não se preocuparam com vigia, pois estavam confiantes e ainda tinham Jhonny Wolf, em cujos instintos aprenderam a confiar. Mal puderam acreditar no tempo da manhã seguinte; o sol havia surgido forte no leste e nenhuma nuvem bloqueava seu esplendor dourado. Saíram aos pulos da gruta e ficaram preparando o café da manhã sobre os raios rejuvenescedores do sol. Ivan havia dito que daria uma volta, subiria um pouco ao longo do riacho para ver se enxergava Nahakirsh ou alguma estrada que pudessem seguir. – Se cuide, e não demore! – Luis o alertou com a boca cheia de biscoitos e Jhon alertou Luis quanto a falar de boca cheia. Ivan andou por uns quinze minutos subindo o riacho que descia serpenteando pelas colinas e árvores. Em direção ao oeste o riacho seguia e então pode ver mais uma lagoa acima nas colinas. Era como uma clareira de água com árvores em volta; andou abismado com a beleza do local e viu que estava alto o suficiente para observar planícies baixas do outro lado daquelas árvores. Seguiu até que ouviu o leve relincho de um cavalo. – Ora bolas – falou para si. Curvou-se e andou como um lobo curvado sobre as patas, subiu um pequeno aclive e espiou, e lá estava; um cavalo bebendo da água do riacho. Ivan não entendia muito de cavalos, mas aquele estava selado e era muito belo em sua percepção. – Espere até o pessoal ver isso! – o jovem se adiantou e saiu de seu esconderijo e andou em direção do cavalo. O animal se quer se perturbou com sua presença e era de uma pelugem marrom. Havia uma mochila pendurada na sela, mas Ivan foi tocar a cabeça do animal, que respondeu lambendo seus dedos. O jovem riu. – Você é muito corajoso. – ele disse para o cavalo. Foi então que uma flecha zuniu perto vindo das árvores e se enterrou na terra perto dos pés de Ivan. – Largue-a agora – Ivan ouviu uma voz feminina vinda de alguma direção, mas não pode ver de onde. No entanto, para ele, aquela voz parecia vir do céu de tão doce que era. Não muito depois da flecha acertar o solo, uma bela moça saiu dentre duas árvores. Estava escondida e seu corpo estava envolto em uma capa presa na altura de seu peito. Possuía cabelos cacheados que desciam até os ombros de tal maneira, que Ivan não conseguia respirar e estava pasmo e paralisado com tal beleza. Ele não largou o cavalo e ela apontou o arco e flecha para ele enfatizando que se afastasse do animal. – Oh, me desculpe – Ivan respondeu largando o cavalo e voltando a si. Parecia ter acordado de um sonho. – Eu pensei que ele estivesse perdido. – Ele? – ela franziu a testa. – É ELA se quer saber – a jovem moça sorriu de leve. – Eu não sabia, não sei muito sobre cavalos – ele respondeu e percebeu que estava de um jeito que não entendia ao certo. Estava nervoso e as palavras pareciam lhe fugir da mente, pois tudo que queria era poder observar a moça. – É, dá pra perceber – ela ainda não havia abaixado o arco e apontava ainda para Ivan. – Quem é você e o que faz aqui, nos arredores de Nahakirsh? – Nahakirsh?! – Ivan soltou um grito de alegria. – Já estamos tão perto assim?! – Eu diria que há algumas horas no seu caso, pois está sem cavalo. E quando diz “nós”, está acompanhado? – ela ainda apontava o arco, mas agora olhava para os lados também. Ivan não tinha receio de falar com aquela moça, algo em seu interior lhe dizia que podia confiar nela. – Eu sou Ivan, muito prazer. Somos quatro no total – ele lembrou um pouco –, cinco com Jhonny Wolf, nosso amigo cão. Ela ficou olhando o jovem dos pés à cabeça. Ivan ficou olhando-a esperando mais perguntas, mas ela estava quieta e imóvel. – É – ele continuou –, quem é você? Por acaso estava tomando banho? Essas terras não são perigosas? E outra coisa, você não poderia mirar essa arma para outro lado? A moça havia voltado a si com as perguntas de Ivan. – Ah, me desculpe – e sua voz era tão suave e doce que Ivan sentia um lobo uivar em seu peito. – Eu sou Rosimeri, mas pode me chamar de Rosi e esta é Nuvem – e baixou o arco, guardou a flecha e tocou na égua com sua delicada mão. – E sim, eu estava me banhando, pois o tempo está muito bom; e não, essas terras não são perigosas. – São belos nomes – Ivan reparou que a moça havia corado um pouco e ele acabou corando também quando olhou diretamente nos olhos vivos e cheios de luz de Rosimeri. – Foi você que pôs o nome nela? – ele perguntou por fim. – Sim, pois cavalgá-la é tão suave quanto o deslizar das nuvens no céu – Ivan ficou impressionado. – Mas diga-me o que faz aqui? De onde você é, nunca o vi antes por aqui e tenho visto estranhos nos arredores. E também, não se importaria de olhar para outro lado enquanto me visto? – Sim claro – e se virou para o lago. – Eu e meus amigos queremos chegar em Nahakirsh para fazer pesquisa. Precisamos do conhecimento contido lá. Mas temo que não possa falar mais, pois botaria em risco minha missão – ele não notou, pois estava de costas, mas ela o olhava quase que sem piscar. – Eu e meus amigos somos de Leftwine, uma aldeia na província sul do Império de Valendia. – Ah, então são da Costa Cinzenta! Meu avô me contou histórias sobre lá. Os valendianos são amigos dos nahakirshianos desde épocas antigas – ela sorriu consigo mesma. – Você tem uma missão secreta então? – Digamos que sim, até mesmo para mim e meus amigos. Mas que estranhos você tem visto? – Uns vinte homens acampados não muito longe daqui. Eu segui os rastros deles e ouvi suas conversas na noite; falavam de um cão e de pergaminhos e de um mago que vinha nesta direção. Falavam em emboscá-los. – Mago? – Ivan pensou. – Um de meus amigos é um mago. Mas não entendo, como eles sabem? – Sabem o que? – ela estava curiosa. – Que estamos aqui. Um cão, um mago e os pergaminhos definitivamente se referem ao meu grupo de amigos. Como eram estes homens? – Eram diferentes, eram cruéis. Entre eles vi um que comandava, ostentava uma grande espada e vestia uma armadura que eu nunca havia visto antes, era negra dos pés à cabeça. – O cavaleiro negro – Ivan ficou agitado. – Eles nos seguiram, conseguiram detectar a gente. Eu preciso ir avisar meus amigos, temos que achar Nahakirsh imediatamente! – Espere! Eu posso ajudá-los, eu sei o caminho, pois moro lá – ela disse e montou em Nuvem com uma elegância que fez Ivan esquecer de todos os problemas que o mundo continha. – Muito obrigado! – e os dois partiram riacho abaixo para o encontro de Luis, Jhon, Alan e Jhonny Wolf. Já haviam desfeito o acampamento e estavam esperando Ivan somente. Alan se ergueu de uma pedra onde estava sentado ao ver Ivan sendo acompanhado por uma estranha em cima de um cavalo. – Quem é aquela? – Luis perguntou para um Jhon de olhos esbugalhados. – Ivan sai por alguns minutos e acha uma mulher na floresta?! – Pessoal – Ivan chegou ofegante e Rosimeri veio ao seu lado montada em Nuvem. – Essa é Rosimeri. Rosimeri, estes são Alan, Jhon, Luis e Jhonny Wolf. – Olá – ela disse os cumprimentando de cima da égua. – Onde a conheceu? – Jhon perguntou. – No riacho à cima, ela sabe o caminho pra Nahakirsh. Temos de ser rápidos, pois pelo que ela sabe, o cavaleiro negro seguiu-nos! – Como assim?! – Alan ficou aturdido com as novas. – Não conheço vocês o bastante, mas se aqueles homens estão perseguindo vocês... estão em perigo, pois eles eram cruéis – Rosi respondeu firme. – Eu posso guiá-los até minha cidade natal, Nahakirsh. Lá estarão em segurança. – Não precisa dizer duas vezes, moça! – Luis respondeu. – Pela descrição dela, tenho certeza que se trata do mesmo que atacou Leftwine – Ivan disse por fim. – Vamos, ela disse que Nahakirsh está a horas somente daqui. E partiram imediatamente sob o sol da manhã. Depois de baixarem o vale do riacho, puderam observar longe nas planícies. – Nahakirsh fica depois daquelas colinas – Rosi apontou de cima de Nuvem. Não parecia longe, apenas uma longa caminhada na manhã para Ivan. – O cão de vocês é diferente – ela adicionou, por fim, vendo Jhonny Wolf andar ao lado de Jhon. – Ele não é nosso cão – Ivan respondeu. – É nosso amigo. E tem sido muito fiel nas adversidades. – É verdade – Jhon acrescentou sorridente e acariciando a nuca do cão, que retribuiu balançando a cola. Continuaram e agora haviam parado para um almoço sobre a sombra de algumas árvores nos planaltos. Viam nas costas, de onde vieram, as Montanhas Secas enormes depois dos vales e dos bosques há centenas de quilômetros. Ivan estava sentado comendo um pouco do pão que Alan havia clonado e duplicado de tamanho quando Rosi sentou-se ao seu lado. – Você tem bons amigos – ela comentou. – É mesmo, eles são os melhores – ele respondeu com um sorriso. – São minha família desde sempre. – Em minha terra, há um dito popular que fala sobre os amigos, que é possível conhecer uma pessoa pelo jeito que ela trata de seus amigos e dos outros. – Estou muito curioso para conhecer sua terra, pois nós passamos por alguns maus bocados e esta viagem tem nos feito bem. Mas então é possível conhecer uma pessoa desse jeito? Nunca pensei nisso – e sorriu para ela. Rosi ficou o olhando comer. Ela não cansava de o observar e apreciava seu jeito espontâneo. Ela pensou que há muito tempo não havia conhecido alguém que tratasse tão bem um desconhecido; o nome de Ivan ecoava em sua mente. – Eu acho que eles se gostaram – Luis comentou baixo para Jhon, que ainda mastigava outro pedaço do pão de Alan. – É cedo para dizer, mas que eles se entendem bem, disso tenho certeza – Jhon respondeu. – É cedo para dizer? – Alan chegou perto e sussurrou para os dois. – Você e Linna foram tão rápidos quanto eles estão sendo, Jhon – e deu risada e continuou. – Eu já vi tudo, eles se encantaram um com o outro e estou torcendo pelos dois, pois sei o que é isso e é muito bom – e sorriu em ver Ivan mais espirituoso do que o comum. – Na verdade não acho que somente se gostaram – pensou Luis. – Vejam como é bom vê-los juntos, é como se seus espíritos se conhecessem de outros locais. Riram um pouco com Luis e levantaram-se para seguir viagem. Andaram mais algumas horas sob o forte sol de uma tarde sem nuvens, de céu azul e bem claro; ao fim da tarde já haviam passado pela curva que o vale descrevia e avistaram, no horizonte, a mais bela vista que tiveram em dias de viagem. Lá estava, à apenas alguns quilômetros, a cidade-luz, Nahakirsh. A muralha era branca, mas naquele momento, com o céu alaranjado do fim de tarde, refletia uma luz de ouro, não só da muralha, mas do alto das torres brancas também, que podia ser avistada, pensaram os jovens, dos quatro cantos do mundo. Pasmos com a vista, nem se deram por conta do caminho que ainda deveriam percorrer, mas não era muito para quem ficou dias procurando pela cidade, pensou um Ivan de sorriso esplendoroso e queixo caído ao mesmo tempo. Foi então que Jhonny Wolf rosnou e ficou em posição de luta, quando perceberam, os jovens já estavam cercados por silhuetas que se esgueiravam entre rochas e troncos de árvores caídos ali por perto; os jovens fizeram um círculo e Rosi estava no meio montada em Nuvem. – São eles! – ela alertou com os olhos bem abertos, não acreditava no que via. – Então você achou, menina, que escaparia de nós? – disse um jovem, andando, era Et'urkon e caminhava despreocupado. – Se aproxime mais um pouco, e farei com que se arrependa – disse Alan portando o cajado, firme nas mãos. – E vejam – continuou o feiticeiro, sem dar importância para Alan. – Ela nos levou exatamente para onde queríamos e agora, vocês devem nos entregar o que tem. Muito obrigado, mocinha, nos poupou muito tempo de procura pela cidade, e por estes jovens. – Entreguem os papiros – disse Luandrius saindo de trás de uma rocha, seguido por três homens. – Se os entregarem agora, deixarei que saiam com suas vidas – ele apontou a espada na direção de Ivan, que tomava a frente do círculo agora –, por hora, pelo menos. – O que há de tão importante nestes papiros? – Jhon perguntou enquanto mirava com seu arco na direção do feiticeiro. – Massacraram uma aldeia inteira por causa deles. – Deem logo os papiros. Se não fosse pelo sacrifício do velho, vocês nem estariam aqui, ponham-se em seus lugares, medíocres taverneiros – Et'urkon disse enraivecido. Aquilo abalou os jovens; Alan lembrou de Wylaf e ficou pensativo, Luis lembrou do senhor Túlio e Jhon de Linna. Agora pensavam profundamente nas palavras do feiticeiro e, por um instante, quase iam aceitá-las, até Rosi ficou de espírito pesado com as palavras que o feiticeiro dirigiu para os jovens, sem tirar o fato que começou a sentir uma culpa enorme por ter atraído os inimigos de Ivan, a quem ela admirava e não queria que coisas ruins acontecessem; mas, em meio a tudo isso, a esse silêncio de segundos que pareceram anos de reflexão, uma voz surgiu; era a voz calma, confiante, firme e destemida de Ivan. – Ao que vejo, meu lugar é o de quem está com os papiros nas mãos – ele respondeu. – Meu lugar é o de quem vai vingar o massacre de Leftwine, meu lugar é o de quem luta hoje! E com isso Jhonny Wolf lançou um uivo agourento na direção dos homens, que agora fechavam o círculo aos poucos. – O que faremos?! – Luis disse apavorado em uma tentativa de sussurro que mais parecia um guincho agudo. – Não posso lutar com o braço desse jeito! – apontou para o braço ferido. – Rosi! – Ivan chamou a atenção da moça. – Você deve levar os papiros para sua cidade! – Mas e vocês, não lhe deixarei aqui – ela respondeu voltando a si. – Nós encontraremos você lá, não se preocupe – ele respondeu praticamente exigindo que Alan arremessasse os papiros para Rosi. O mago hesitou um pouco, pois não daria os papiros para um estranho, mas, ao mesmo tempo, confiava no julgamento de Ivan e deu os papiros para a moça. – Espere meu sinal – Ivan começou. – E então cavalgue o mais rápido que puder. Alan está pronto? Jhon, Luis, estão prontos? Dê-nos tempo, Alan; Luis pegue suas adagas... – Mas eu só posso pegar uma – ele respondeu. – Então arremesse uma de cada vez – Ivan retrucou e Luis sorriu com a ideia desesperada do amigo. – Vocês enlouqueceram? – questionou Et'urkon. – Mesmo que fossem capazes, ainda estamos em maior número. Enquanto falava aquilo, o feiticeiro preparava uma magia que emanava de seu orbe e os homens de Luandrius fechavam o cerco aos poucos, andando pela grama alta como lobos em uma matilha pronta para caçar. Alan preparava um feitiço; Luis segurava uma de suas adagas e planejava arremessá-las em caso de última necessidade; Jhon mirava com seu arco; Ivan segurava sua espada e portava seu escudo; Rosi havia pegado a mochila de Alan e a pôs nas costas, quando hesitava, Ivan falava confiante para ela que tudo ia ficar bem e, foi então que Luandrius, perto o bastante, mandou que seus homens disparassem as flechas; Et'urkon conjurou sua magia atroz e estacas de gelo desciam do céu para atingir o pequeno grupo dos jovens, foi então que Ivan deu o sinal. – Agora, vamos lá! Para Nahakirsh! – ele berrou e investiu na direção da cidade. A chuva de gelo de Et'urkon explodiu em algo e as flechas dos homens de Luandrius choveram no grupo dos jovens, mas Alan havia salvado a todos com uma cúpula de energia que repeliu o ataque; Luis arremessou a adaga num dos três homens que foram bloquear o caminho de Ivan e acertou na perna de um deles, que cambaleou e caiu rolando com dor; Jhon disparou de arco no outro dos três e acertou, cravando a flecha no braço da espada do homem, que a soltou e gemeu de dor e, por fim, Ivan desviou o golpe de espada curta do último dos três que bloqueavam seu caminho e atingiu-o na coxa da perna esquerda, o homem caiu sentado com dor e Ivan o desarmou chutando sua espada para longe, furando, assim, um dos bloqueios do círculo dos homens de Luandrius. – Rosi! Vá – ele gritou e Rosi chutou as costelas de Nuvem e partiu praticamente voando e zigue-zagando entre os jovens, antes de se afastar, uma flecha ainda cravou nas ancas de Nuvem, ela relinchou da dor, mas seguiu correndo. A situação era desesperadora, mas Ivan conduziu uma retirada; quando Et'urkon correu para lançar uma magia, Jhonny Wolf lançou mais um uivo perturbador, os homens de Luandrius estavam apavorados e não ousaram mirar mais com seus arcos, algo de mágico existia naquele uivo e, muito irritado, o feiticeiro começou a fazer mímicas, pois alegava não conseguir falar. Alan entendeu aquilo, pois Jhonny Wolf acabara de silenciar Et'urkon, um truque arcano muito comum em batalhas de magos, mas difícil de conseguir êxito. Luandrius, com sua armadura de placas, não conseguiu alcançar os jovens em fuga e Et'urkon quase explodia de raiva por não poder fazer nada. – Atirem seus patifes! – Luandrius esbravejava, mas seus homens não tinham mais alcance para as flechas. Jhonny Wolf corria e bloqueava o caminho daqueles que ousavam tentar perseguir os jovens e, depois de alguns momentos fazendo isso, e esquivando de algumas flechas perdidas, partiu correndo rápido na direção da cidade. Correram por minutos a fio, até que chegava a noite. Não sabiam se haviam despistado o cavaleiro negro e o feiticeiro, mas depois viram Jhonny Wolf se aproximando e Jhon ficou aliviado. – Conseguimos, não acredito no que estou vendo, estamos vivos! – ele dizia energicamente. – Ainda não – disse Ivan. – Diremos vitória quando chegarmos a Nahakirsh; vamos logo! – e seguiram a marcha até a cidade, sobre o crepúsculo do início de noite. Olhavam para trás e viam os vultos dos homens de Luandrius os procurando há centenas de metros, mas o véu da noite já escondia os jovens de seus olhares caçadores. Mesmo assim, Ivan só conseguia lembrar do relinchar de Nuvem e estava muito preocupado com Rosi, não conseguia imaginar algo de mal caindo sobre ela, não aceitaria se houvesse acontecido. Capítulo 3 – A fonte no jardim
Os homens de Luandrius andavam o mais
rápido que podiam, mas nenhum deles era páreo para a habilidade de Luis de esconder-se. O jovem ia guiando os outros e os exigia silêncio sempre que ouvia o som dos piratas por volta; assim foram andando e se cuidando, até que, depois de pouco mais de uma hora, chegaram à luz das muralhas de Nahakirsh – agora as muralhas eram cinzentas e amareladas pela luz de lamparinas de óleo. Perto do grande portão de madeira estavam guardas armados e preparados, Rosi estava junto deles. – Rosi, você está bem! – Ivan correu para vê-la de perto. Percebeu que ela estava muito assustada e que gemeu de alívio ao vê-lo ali, sorridente e a salvo. – A senhorita Rosimeri nos alertou sobre a emboscada, vocês estão bem? – perguntou uma voz que saiu dentre a formação dos guardas. Era um homem vestido em uma armadura de cota de malha muito lustrada. – Eu sou Elon, o capitão da Guarda do Portão do Oeste. – Título pomposo, não? – Luis cochichou no ouvido de Jhon. – Nós estamos bem – disse Ivan depois de abraçar Rosi. – Vocês devem me desculpar, mas devo fazer algumas perguntas – o homem disse, os convidando para que passassem pelo portão. – Fechem o portão, mas não façam nada, só observem. Se algo de suspeito acontecer, me avisem – ele instruiu os guardas do portão. – Sigam-me, jovens – ele apontou com a mão, fazendo um gesto cortês para que os jovens passassem. Ivan olhou para Rosi, que ia ao seu lado e ela pareceu ter captado o olhar de preocupação do jovem e o assegurou que estava tudo bem. – Onde esta a mochila de Alan, Rosi? – Ivan perguntou para ela. – Não se preocupe, deixei-a em minha casa. Assim que Elon os liberar os levo até lá – ela respondeu tranquilamente, mas Alan estava preocupado. – E então, quem são vocês, de onde vem e o que querem em Nahakirsh – o capitão foi bem direto depois que todos entraram numa construção de alvenaria perto do portão, era a casa da guarnição daquele distrito. Ele alertou que Rosi teria de ficar do lado de fora e pediu desculpas para ela. Os jovens acharam estranho, pois os guardas a tratavam muito bem, bem diferente das boas vindas que receberam, pois Luis pensava que já tomaria um banho quente numa hospedaria a essas horas. Como de costume, Ivan falou: – Eu sou Ivan, este é Alan – e apontou para o mago –, este é Luis – e apontou para o jovem franzino – e estes são Jhon e Jhonny Wolf – e apontou para os dois. – Viemos de Valendia para fazer pesquisa... – Pesquisa? – o capitão ergueu a sobrancelha. – E porque vocês estavam sendo perseguidos? Devem carregar algo importante. – Na verdade eu estou vindo para cá para pesquisar sobre a arte arcana e meus amigos aqui estão me protegendo – Alan continuou por Ivan. – Aqueles ladrões estavam nos seguindo e acho que estavam atrás de meu cajado – e mostrou o cajado para Elon. – Impossível – o capitão respondeu e Luis engasgou. Jhon estava quase suando de nervosismo. – Mas considerando que vieram de longe, podem ter atraído estes bandidos. Não sei como estão as defesas de Valendia, mas aqui eles não virão, tenho certeza. – Ficamos muito felizes em saber disto – Alan respondeu. – Estamos cansados da viagem, poderíamos seguir para uma hospedaria imediatamente? – Sim, claro – o capitão respondeu erguendo- se da cadeira aonde sentava. – Falem com a senhorita Rosimeri, ela saberá lhes dizer onde ficam as hospedarias, visto que conhece muito bem esta cidade. Caso contrário, posso lhes mostrar. – Não será necessário – Ivan disse. – Iremos com ela, é nossa amiga. Saíram da casa da guarnição e Rosi estava os esperando. – Lhes levarei até a minha casa, a esta altura a dona Edwiges já deve estar com uma sopa quente nos esperando e a mochila com os papiros está lá – ela disse e sorriu para Ivan. Agradecidos, os jovens seguiram-na pelas ruelas pavimentadas e cinzentas do distrito oeste de Nahakirsh. – A cidade é dividida em cinco distritos, pois é muito grande – Rosi salientou. – Cada um deles é tão antigo e cheio de histórias, relatos que datam de antes das Cruzadas Dracônicas, vejam só – e ela estava com um olhar sonhador enquanto imaginava a época. Ivan sorriu, pois gostava de vê-la daquele jeito. – Aquela é a estátua de Miliandor, comumente chamado de Mili por nós – ela apontou para uma verdadeira obra de arte que descansava no centro de uma praça bem arborizada. A estátua tinha a altura de um troll das montanhas pensaram, por mais que só tivessem ouvido falar de tal criatura, e representava um homem que segurava um rolo de pergaminho entre as mãos; seu olhar era alegre, mas, ao mesmo tempo, determinado. – Mili foi um grande explorador e aventureiro que chegou à Nahakirsh no início da terceira era... – Terceira era? – Luis questionou. – Sim, a era das cruzadas – Rosi respondeu. Então ela percebeu que não era só Luis que estava com dúvidas, pois os outros não estavam entendendo também. – Dizem que Nahakirsh é a cidade mais antiga do mundo, a única que sobreviveu à Grande Guerra há mais de cinco mil anos. Desde sempre separamos as épocas deste mundo por eras. Todos que nascem aqui passam anos na escola para aprender a história mundial. – Escola? – Jhon questionou. – Vocês não tem escolas em Valendia? – ela estava pasma. – Não exatamente – Alan respondeu. – Em Valendia existem organizações e instituições chamadas de Universidades. Se você tiver ouro o suficiente, pode estudar. – Aqui é assegurado que todo o cidadão que nasce tenha direito à educação de graça, o senado vota estas questões – ela disse e Luis achou que ela estava se gabando, mas Ivan ouvia maravilhado e boquiaberto que pudesse existir um local como aquele, como Nahakirsh. – Nós temos um congresso em Valendia também, mas poucos senadores são honrados – o mago disse. – Então, pelo que você diz, não existem problemas em Nahakirsh? – Ah existem – ela concordou. – A cidade-luz possui um grande problema. Um que nos acompanha desde eras passadas. – O que é? – Ivan estava curioso ao seu lado. – Falemos disso lá dentro – e ela apontou para um grande portão que protegia um jardim com cheiro de rosas. – Essa é minha casa – ela disse sorridente e abriu o portão, que tinha vários adornos em sua fabricação, algo que somente um mestre em forjaria teria feito todos pensaram. O que viram foi uma verdadeira mansão; janelas altas e largas e um par de escadarias que pareciam abraçar o bem cuidado jardim se estendiam levando até uma porta dupla de madeira, flanqueada por pilastras brancas. Os jovens viram uma estátua bem no centro entre os dois conjuntos de escadas. – Esta foi Jenna a Azul – Rosi apontou para a estátua de uma bela moça pensaram todos. – Ela é um parente muito distante que viveu na quinta era. – Isso seria quanto tempo? – Ivan questionou e os jovens ficaram boquiabertos quando ela respondeu “… mil e quinhentos anos atrás…” Uma senhora vestindo um vestido preto recebeu a todos na porta e ficou furiosa ao ver Rosi. – Rosimeri, isso são horas de chegar? Seus pais estavam muito preocupados! – a senhora abriu mais a porta e viu os jovens. – E estes quem são? Rosi sorriu e entrou, seguida dos jovens que se depararam com o hall enorme da mansão; Jhon ordenou que Jhonny Wolf ficasse do lado de fora. Tapetes e tapeçarias adornavam o piso e as paredes enquanto escadas levavam para o segundo andar; existiam portas por todos os lados. – Você sabe como a mãe e o pai são, não é, Edwiges? – a moça respondeu deixando a capa numa haste de madeira ao lado da porta. – Sim, eu sei. Sei também que você sabe se cuidar, mas eles ainda assim vão ficar preocupados, principalmente seu pai. – Estamos com fome, Edwiges, estes são meus amigos, disse a eles que você estaria com uma sopa pronta… – E como sabe estou – a senhora sorriu. – Por favor, venham para a mesa que servirei, pois, pelo que me parece, deviam estar por ai se aventurando e devem estar famintos! – Estamos, senhora, muito obrigado – Ivan respondeu muito agradecido.. – Sintam-se em casa – Rosi disse. – Pegarei a mochila de Alan, já volto. A senhora Edwiges guiou os jovens até a cozinha da mansão; existia um cheiro saboroso e doce no ar da cozinha enquanto vários temperos e utensílios estavam pendurados nas paredes e dispostos em bancadas. Uma grande mesa de madeira existia no centro do local e todos pensaram que comeriam ali, mas ela continuou os guiando por um corredor que embocou em um enorme saguão centrado por uma grande mesa; deviam existir quase vinte acentos ao redor da mesa e a cima um lustre do tamanho de Luis se pendurava do teto e centenas de lâmpadas iluminavam o local. – Não se assustem – a senhora disse ao ver a cara de espanto dos jovens, mas Alan não estava impressionado, pois já havia visto tal arquitetura e engenharia na Lashanter –, esse lustre não cairá sobre suas cabeças enquanto estiverem comendo – e ela riu e sua risada ecoou pelo saguão. Existiam várias janelas ao redor, mas cortinas impediam de ver a vista lá fora. Eles foram se sentando na mesa e Edwiges disse que já voltava para trazer a comida. – É um local muito elegante, nunca havia visto uma casa como esta – Jhon disse entusiasmado. – E as ruas da cidade, vocês viram? – Luis saltou. – Todas pavimentadas, pelo menos as que passamos. Me entendem, sem lama na chuva! Ivan e Alan riram e Edwiges havia voltado e servido a mesa, Rosi a ajudou depois de devolver a mochila de Alan e todos desfrutaram de uma sopa, mas depois veio mais comida e aproveitaram para comer como há dias não faziam. – Onde estão seus pais, Rosi? – Alan perguntou pousando sua colher no prato. – Eles estão em seus aposentos – ela respondeu, estava sentada ao lado de Ivan e Luis e Jhon sabiam ou achavam que sabiam o porque. – Eles jantam bem cedo – Edwiges respondeu trazendo um bolo com calda de maçã. – Seu pai está cansado com os afazeres do conselho, Rosi, e você fica por ai na selva, se pondo aos perigos dos locais não civilizados – os jovens ficaram sem jeito ao ouvir aquilo, inclusive Rosi. – Eu estou cansado, Edwiges, mas não o suficiente para não ver minha filha retornar – uma voz foi ouvida no saguão e quando olharam para porta, os jovens viram um homem entrando. Iam se levantar para mostrar respeito, mas o homem abanou com a mão para que continuassem sentados. – Não levantem, jovens, pois ao apreciar a comida de Edwiges, uma pessoa não deve ser interrompida. Olá, querida. – ele foi em direção de Rosi e pôs a mão em sua cabeça. Ivan e os outros ficaram bem à vontade e sorriram com o comentário do homem. – Pai! Sente-se conosco! – Rosi disse animada e o homem sentou-se no centro da mesa, que estava vago. – Lhes dou boas vindas, amigos de minha filha – disse sorrindo –, por favor, Edwiges, vou repetir sua sopa, pois estava muito saborosa, só não diga nada à Trisha, ela vai ficar brava se souber que ando comendo tarde da noite. – É pra já, senhor Richard – e Edwiges foi até a cozinha. – Como puderam ver, eu sou Richard, é um prazer conhecê-los – e os jovens apresentaram-se um a um, mas Luis ficou um pouco sem jeito. – Eu estava preocupado com você, filha. Eu soube de notícias vindas do sul e temo que terei de proibi-la de sair pros ermos. – O senhor teve notícias do sul? – Ivan perguntou. – Sim, hoje estavam todos no conselho e debatemos os últimos acontecimentos. Mas não posso lhes contar, pois é assunto do conselho, peço desculpas. Ivan e Alan se entreolharam. – Por algum acaso se refere à Valendia e o ataque do dragão? – Ivan questionou e viu um olhar de espanto de Richard. O homem limpou os lábios num lenço. – Como podem saber desta informação? – o homem ainda estava pasmo. – Pai, Ivan e seus amigos são de Valendia – Rosi respondeu pousando o talher e pegando um pão. – Então vocês sabem do ataque de Desolus?! – Richard arregalou os olhos, mas Alan, Luis e Jhon ficaram quietos e pensativos, tristes com a lembrança. – Senhor – começou Ivan –, não só sabemos como sobrevivemos ao ataque, mas esta é uma lembrança recente e que maltrata, ainda… – Oh, pelos deuses, eu sinto muito. Eu não sabia, me perdoem – Richard estava sem jeito e mal podia acreditar. – Não se preocupe, senhor – disse Alan. – Nós temos que ir indo, pessoal, está ficando tarde. – Esperem, vocês vieram de longe, se não tiverem onde ficar, por favor aceitem minha hospitalidade – Richard disse. – Eu soube do ocorrido, desejo ajudar. Do que precisam? Os jovens se entreolharam e Rosi sorriu para Ivan. – Senhor, estamos em Nahakirsh para fazer pesquisa – Alan começou. – Precisamos saber onde fica a biblioteca. – Ah, mas então está decidido! Precisarão de permissão para entrar lá e eu posso conseguir – Richard disse. – Eu lhes convido que fiquem em minha casa o tempo que acharem necessário. – Fiquem, Ivan – Rosi o olhou. – Poderão fazer a pesquisa sem se preocupar com nada além da pesquisa. Ivan olhou para seus amigos, e como se lesse suas mentes, respondeu que ficariam ali. Continuaram a conversa e Rosi e Richard explicaram a única preocupação da cidade, além das terríveis novas do sul... – Mortos-vivos!? – Luis lembrou da criatura do bosque e ficou com medo. – Sim – respondeu Richard. – Desde sempre, temos enfrentado os mortos que andam. Se você viajar daqui em direção ao norte, noroeste e oeste, tudo que encontrará são locais de sombra, aonde os mortos andam como se estivessem vivos. Os jovens mal podiam acreditar, mas relataram que encontraram um no vale a caminho da cidade. – Isso é impossível, devem estar confundindo – Richard disse e Rosi concordou com seu pai. – Se tivessem encontrado um dos mortos-vivos, não estariam aqui, ainda mais à noite. Tirando o fato de que Nahakirsh é a fronteira entre a civilização e os ermos, nenhum morto-vivo passaria por nossas defesas. – É, mas aquele passou – Alan respondeu. – Ou vai ver, como ele mesmo nos havia dito, sempre esteve lá, esperando – Luis acrescentou, com um tom de voz sombrio que fez Edwiges estremecer quando voltou com a sopa de seu patrão. – Como podem ter sobrevivido ao mero encontro com um morto-vivo, e ainda mais de um que falava! – Richard estava mais surpreso ainda e Rosi olhava apavorada para Ivan, nunca havia imaginado que tivessem passado por este tipo de situação a caminho de Nahakirsh. – Nem nós sabemos ao certo – Ivan respondeu lembrando. – Só sei que juntos nós conseguimos. – Jhon tossiu com aquele comentário, mas ninguém mais falou sobre aquilo. – Bom, devem estar cansados – Richard disse, levantando-se. – Se me derem licença, irei me retirar, pois amanhã cedo devo ir para o ministério e depois para o parlamento; vai ser um dia corrido. Edwiges mostre aos garotos os quartos de hóspedes. – Sim, senhor Richard – ela respondeu. Os quatro foram guiados até os aposentos e Rosi disse que Jhonny Wolf poderia ficar com eles ali, mas Luis e Jhon acharam melhor que ele ficasse no jardim e todos concordaram. O quarto de hóspedes era enorme e possuía várias camas, inclusive uma lareira e grandes janelas com vista para o jardim dos fundos da mansão, que possuía plantas e rosas tão bonitas quanta as do jardim da frente. Estavam maravilhados, mas também cansados da viagem e dos últimos acontecimentos e foram se deitar depois de despedirem-se de Rosi e Edwiges. Ivan não conseguiu pegar no sono, lembrava de Leftwine e dos gritos de dor de seus companheiros na batalha. Virou-se na cama de um lado ao outro e percebeu que queria tomar um ar. – Ah, como ando pensativo, meu amigo – ele comentou acariciando o pelo de Jhonny Wolf; ambos estavam diante de uma fonte que esguichava água e o som do líquido e do vento acalmou Ivan. – O ar aqui é tão bom, tão doce... – É, eu imagino – ouviu-se a voz de Rosi logo atrás e Ivan percebeu que seu coração bateu forte. – Digo isso porque sei que onde você mora é perto do mar, o ar deve ser diferente. – É bem diferente – ele disse. – Não consegue dormir? – Não – ela respondeu depois de um tempo. – Estou preocupada com Nuvem. – Eu tenho certeza que ela ficará bem – Ivan respondeu. – Eu, apesar de estar triste com o ocorrido, fiquei muito feliz e aliviado que nada tenha lhe acontecido, Rosi – e pegou a mão da moça. – Eu também fiquei muito feliz ao ver você passar por aquele portão, tão feliz que não consigo descrever... – e Ivan percebeu que ela estava nervosa, pois sua mão tremia um pouco. Ela olhou de um jeito doce para Ivan, era um olhar de aceitação completa e ele retribuiu o olhar dando um abraço bem forte nela; a ergueu do chão e girou-a no ar e então, quando voltou para o chão, ele percebeu que ela estava muito aliviada e os dois se beijaram. O jovem sentiu como se o peso do mundo tivesse saído das costas de Rosi e ela se sentiu livre e feliz. Jhonny Wolf estava sentado olhando e se quer fez alguma coisa, sabia a hora de não ser inconveniente parecia. Ivan pensou que havia estado no céu e havia voltado, seu coração havia encontrado a paz ele pensara. E os dois ficaram abraçados contemplando o céu noturno, possuía nuvens brancas e claras pela luz da lua e o vento suave e doce batia em seus rostos, pensavam sonhar e nenhum deles queria jamais acordar. Capítulo 4 – Guerreiro da Luz
Nos dias que se seguiram, Alan e Luis se
dedicaram à pesquisa na Biblioteca da República, como era chamado o local mais brilhante e enorme que Luis já vira na vida. – Eu nunca havia visto algo assim – o jovem dizia boquiaberto enquanto sentava-se em uma poltrona e bebia um pouco de chá. – Definitivamente esta biblioteca deve ter quatro vezes o tamanho da biblioteca na Lashanter – Alan expressou enquanto observava as estantes. Fileiras enormes se estendiam por saguões que se encontravam no meio, abaixo de um domo com vidros pintados das mais diversas cores; era um grande círculo do conhecimento Alan dizia, outras estantes empilhavam-se uma por cima das outras, formando verdadeiras paredes de livros que atingiam quase vinte metros de altura. – Usem o catálogo dos livros – uma senhora de óculos e olhar determinado falou aos dois enquanto andava apressada pelos corredores –, mesmo com o catálogo é possível se perder com facilidade aqui – ela terminou deixando para eles um enorme livro; Luis o pegou e disse, que apesar do tamanho, o livro não era nada pesado. – Deixe-me ver – Alan pegou o tomo. – É mágico, por isso. Com o nome do livro, ou do assunto, podemos identificar o local aonde o livro, ou o conhecimento sobre o assunto, estará. – Vai ser fácil – Luis comentou, bebericando sua caneca. – É, assim espero – Alan concordou, mas sentia que não seria nada fácil. E não foi fácil achar nada relacionado às Pilastras de Hilírian. Mas quanto à Corligan, eles acharam bastante informação, inclusive uma bibliografia escrita por um filósofo da quinta era que dizia que Sir Corligan era um dos Guerreiros da Luz. – Guerreiro da luz? – Luis refletia, umas quatro xícaras de chá jaziam em uma mesinha ao lado de sua poltrona. – O que dizem sobre esse assunto? – Alan questionou de outra poltrona à frente da de Luis, enquanto ele mesmo lia outro livro. – Veja só – Luis começou –, “... um guerreiro da luz tem a capacidade de controlar a luz, que tem sua origem no elemento fogo. Meu estudo diz que nosso último Guerreiro da Luz foi Sir Corligan de Nahakirsh que, após anos de treinamento, manipulava a luz e o fogo de tal maneira que os mortos-vivos o temiam...”. – Luz? – Alan refletiu e lembrou de Ivan quando enfrentou a criatura no bosque naquela noite conturbada. – Aqui diz mais – Luis continuou intrigado, pois também havia lembrado-se de Ivan. – “... na história, como observado por Saleb, em seu artigo, de grande peso histórico: Os Grandes Guerreiros (3 era, 3152); existe, mas com uma extrema raridade, pessoas capazes de controlar o fogo interior de tal maneira, que moldam energia luminosa de um jeito natural, sem qualquer vínculo com o arcano. Muitos, no decorrer das eras, faziam isso sem qualquer treinamento, simplesmente descobriam tal poder em situações estressantes e de perigo iminente...”. E o artigo segue – Luis terminou. – Isso realmente é intrigante – Alan expressou e não piscava ao ler o artigo que Luis havia pegado. – Veja, aqui diz que Sir Corligan saiu em viagem em direção ao noroeste para achar um jeito de pedir ajuda para os Dragões dos Metais, pois em sua época a ameaça dos mortos-vivos era uma novidade assustadora e que crescia diariamente: “... e no dia 26 da primavera, do ano de 4029, Sir Corligan, o Imperador, deixou os portões de Nahakirsh e partiu com o consenso do Congresso Imperial para achar o local de Reclusão dos Dragões, na esperança de pedir- lhes ajuda e lembrar assim, os laços antigos de amizade...”. Ele sequer foi com ajuda, partiu sozinho! – Alan estava boquiaberto. – Devia ser muito poderoso – Luis respondeu, havia pegado sua xícara de chá, mas ficou chateado por vê-la vazia de novo. – Afinal de contas, pelo que dizem estes textos, ele era um dos Guerreiros da Luz, não precisava temer os mortos-vivos. – Ele jamais voltou – Alan disse entristecido, imaginou se aquilo um dia poderia acontecer a Ivan, e parou de pensar quando teve esse pensamento. – Não faz sentido, se ele jamais voltou como os papiros foram achados, e como foram parar em Valendia? – o mago estava pensativo. – Acho que temos a nossa questão, e também temos de descobrir o motivo por Corligan ter escrito tal conhecimento... – Creio que, por deduções minhas, ele tenha deixado essa mensagem antes de morrer, as Pilastras de Hilíriam responderão o objetivo de Corligan para a gente. Estes papiros contém a chave para a questão dos mortos-vivos, mas não consigo ligar o interesse daquele dragão nos papiros... – E como aqueles infelizes sabiam sobre os papiros? – Luis expressou meio enraivecido quando lembrou do cavaleiro negro. – É uma boa pergunta, pois nenhum conhecimento que vimos durante essas semanas sequer relata a existência destes papiros – Alan folhava o seu livro, sem muitas esperanças. – Acho que estamos metidos em algo grande... – Também acho – o mago respondeu preocupado. – Ivan tem de saber sobre o que vimos aqui, acredito que ele seja um guerreiro da luz, mas como isso foi possível, eu não sei dizer, pois nenhum artigo ou livro fez referência quanto à origem deste tipo de poder. – Mas, de algum jeito, pelo que parece, estamos no local certo e na hora certa – Luis disse aquilo sorridente e inspirado. – É verdade, tudo ocorreu bem, apesar de tudo. Temos de descobrir agora sobre Hilíriam e suas pilastras – e o mago terminou voltando para os livros. Enquanto Luis e Alan estudavam, Jhon e Jhonny Wolf andavam e viam as belezas da Cidade Luz. Jhon estava maravilhado com a arquitetura deslumbrante, tudo era tão detalhado e embranquecido, tinha de fechar os olhos certas vezes devido aos reflexos do sol que batiam nas paredes das casas totalmente brancas. Em questão de oito dias vivendo ali ele já conhecia todos os locais públicos da cidade e, em duas semanas já conhecia todas as tavernas e estabelecimentos comerciais do local e, em dois meses já conhecia os nomes de muitas pessoas que viviam em Nahakirsh; todas eram positivas, apesar do medo constante que pairava sobre os mortos-vivos. Crianças brincavam nas ruas pavimentadas; eram Cavaleiros da Fronteira e enfrentavam os mortos-vivos em batalhas épicas, alguns eram voluntários para serem os mortos-vivos nestas brincadeiras e Jhon gostava de ver as crianças brincando, aquilo lhe acalmava o espírito e o fazia esquecer um pouco tudo pelo que passou. Sentia muita falta de Linna e de seus abraços apertados, mas o sol de Nahakirsh havia o transformado em um homem positivo, não existia mais medo do amanhã, sabia que com Ivan, Alan e Luis, poderia enfrentar qualquer coisa e daria seu máximo para que voltassem a salvos para casa um dia. Já Ivan estava mais feliz e distraído do que nunca. Gastava maior parte de seu dia andando com Rosi para lá e para cá, às vezes desapareciam e ninguém os achava; ressurgiam felizes e sorridentes e voltavam para a casa de Rosi todas as noites e lá, ainda ficavam mais tempo juntos. – Ivan e Rosi não param quietos – a mãe de Rosi disse para Richard enquanto os dois estavam indo dormir certa noite. – É verdade – ele riu. – Eu nunca vi nossa filha tão feliz como agora. – Concordo – ela sorriu e guardou um livro que lia na cama. – Ela está tão feliz, mas fico com medo que algo aconteça. – Eu compreendo Elza – Richard a confortou – , pois Ivan e seus amigos estão de passagem. Eu sinto que o destino destes jovens não é Nahakirsh, principalmente o destino de Ivan, pelo menos não agora. Nossa filha não se apaixonaria, afinal de contas, por um homem que não fosse bom e honrado. Eu fico feliz por ela, pois seu coração escolheu bem. – Estou orgulhosa de nossa filha, Richard. Você deve ajudar Ivan e seus amigos ao máximo, pois pelo que me disse, também vejo que o destino deles é incerto e perigoso. Eles deverão carregar uma grande carga e você deve ajudá-los, afinal de contas é um Senador da República de Nahakirsh. – Eu sei, Elza. Devo ajudá-los também porque nossa Rosi não aceitará que Ivan parta sem ajuda. Ela é teimosa como a mãe dela – e sorriu ao olhar para Elza, que retribuiu com um abraço longo. Toda a noite Alan falava com Júlia pelo Orbe da Mensagem e ela o mantinha informado sobre as novidades. Ela havia o dito que o ataque do dragão já era um conhecimento geral em Valendia e que todos na região tinham medo do que estava por vir; sentiam que algo mexeria com as próprias fundições do mundo e Alan a disse para não temer, pois eles estavam próximos de saber a verdade por trás do ataque do dragão. – Há muitas pontas soltas, Júlia – Alan segurava o orbe e falava diretamente para ele, que emanava uma luz fraca. – Vou ficar em Nahakirsh o quanto for preciso, é seguro aqui, é um local maravilhoso, lhe trarei aqui um dia, quem sabe possamos viver aqui. Ivan também gostou daqui, é uma república, combina mais com ele e sinto que a origem dele tem a haver com a história desta cidade, creio que queira viver aqui, pois ele está apaixonado, veja só – e riu ao ouvir o riso de Júlia. – Isso é um máximo, Alan – ela respondeu. – Eu amaria estar com você aí, mas entendo que tenha uma responsabilidade grande, esperarei sempre por você – ela terminou e o mago pode perceber que ela chorava um pouco. Os dias foram passando e os jovens aproveitavam a hospitalidade do senhor Richard. Todas as noites quando jantavam, conversavam sobre todos os assuntos do momento e o ataque do dragão em Valendia também havia se tornado público em Nahakirsh. – O senado marcou uma audiência para receber senadores do império de Valendia em algumas semanas – Richard dizia enquanto segurava os talheres e começava a comer. – Será um encontro para discutir os acontecimentos e sua origem. – Senhor, antes que possa tornar os pergaminhos um assunto público, deve esperar nossa partida – Alan expressou e o senador concordou com a cabeça. Entre os jovens e a família de Rosi não havia mais segredos na questão dos pergaminhos, todos sabiam e Alan havia lhes dito sobre suas suspeitas e descobertas na Biblioteca da República. – Os estudos na biblioteca foram esclarecedores... – Partir? – Rosi ficou preocupada e pegou a mão de Ivan e apertou em nervosismo. – Mas para onde, porque? – Rosi... – Ivan começou com um tom entristecido. – Teremos de seguir nossa viagem para descobrir qual era o significado da mensagem de Sir Corligan, essa mensagem pode ter a haver com o fim da ameaça dos mortos-vivos... – E também sabemos que pessoas más, inclusive sem identidade para nós ainda, querem os pergaminhos e temos que descobrir o porquê – Jhon completou entristecido também. – Filha – Richard e Elza falaram ao mesmo tempo, mas Rosi se levantou e saiu do aposento, estava chorando quando se virou, e, antes de fechar a porta, olhou para Ivan. O jovem estava comovido com o olhar de Rosi e saiu para ir atrás dela. – Sabíamos que ia ser difícil – Richard disse aos três jovens que permaneceram e Luis, Alan e Jhon ficaram um pouco entristecidos por Rosi, mas continuaram a conversa sobre os papiros, a viagem e o dragão. O senador lhes dava conselhos sobre o que fazer na viagem. – Sobre hipótese alguma devem enfrentar os mortos-vivos – Richard dizia-lhes. – Devem evitar viajar à noite e, mesmo para dormirem, devem escolher locais perto da água e com a luz da lua. – Luz da lua? – Luis perguntou. – Sim, a luz da lua nada mais é do que o reflexo da luz do sol – Elza respondeu. – Eles temem a luz do sol. – Mas aquele que enfrentamos no vale não temia – Alan lembrou. – Se não fosse Ivan, não sei se estaríamos aqui hoje. Alan compartilhou com Jhon, Richard e Elza, que ainda não sabiam sobre o que havia pesquisado na biblioteca na questão do guerreiro da luz e Luis confirmou. – Você tem certeza? – Richard mal acreditava na história. – Não tenho certeza, mas os fatos coincidem com os estudos que vimos – o mago respondeu. – Ainda preciso estudar um fator de nossa extraordinária sorte – ele parou e olhou para fora pela janela e lá estava Jhonny Wolf tentando pegar uma mariposa no jardim. Ivan pensou saber onde Rosi estaria e foi procurá-la no local, pois ela saiu de tal maneira que o jovem não conseguiu segui-la. Chegou a um dos vários locais onde eles ficavam juntos; a Praça Pública das Fontes. Rosi estava sentada na base de uma das fontes, observava a água calma deslizar pela alvenaria e Ivan chegou e sentou ao lado dela. – É uma boa noite – ele disse e ela não o olhou, ficou com o pensamento mergulhado, parecia, nas águas. – Está parecida com aquela em que viemos aqui, lembra? – Ivan comentou e ela, então, virou o rosto para ele. Estava com as bochechas vermelhas e os olhos inchados e vermelhos também de chorar. – Mas você não estava avermelhada de chorar, estava vermelha de alegria, lembra? – ele continuou e a olhou nos olhos e sorriu; ela riu com a lembrança e seu rosto se iluminou. – Eu não quero que vá embora, Ivan – ela disse e o mero pensamento da partida do jovem a fez lacrimejar de novo. – Eu lhe amo! – Eu também lhe amo, Rosi – ele respondeu acariciando o rosto dela com os dedos da mão. – Em seus braços, em meio a este local abençoado, eu reencontrei a paz em meu espírito. – Então, Ivan, fique. Eu não posso imaginar você correndo perigo nos locais escuros desse mundo – ela argumentou. – E eu não posso imaginar você passando pelo que passamos em Leftwine – o jovem pegou a mão dela e beijou. – Eu sinto que o mal observa Nahakirsh neste instante, está lá, quieto, mas não está imóvel e não podemos esperar ele agir. Agora que sabemos que passo tomar, não posso arriscar sua segurança e nem a da cidade. – Acho que não vou conseguir convencê-lo a ficar – ela disse deprimida. – Onde eu estiver, vou carregá-la aqui – e apontou para a própria cabeça. – Deixo meu coração, pois é seu – e continuou pegando o cabelo dela –; quando voltar, quero viver aqui com você e formar uma família. – Você sempre estará no meu coração e nos meus pensamentos também, meu amor – ela respondeu. – Tudo bem, eu vou tentar engolir essa situação. Rosi disse aquilo e levantou-se de repente e Ivan ficou surpreso. – Vamos pra casa, precisa descansar para a viagem – ela disse e quase não conseguiu esconder o que parecia ser uma ideia que crescia em sua mente, mas Ivan, apesar de surpreso, não percebeu algo, achou que ela estivesse um pouco brava somente; o que era normal naquele tipo de situação ele pensara, ainda mais se tratando de sua doce Rosimeri. No final daquela mesma noite, Alan pediu que Ivan fosse até a sala de reuniões do senhor Richard e lá ele viu o mago, Luis, Jhon e o próprio senhor Richard o esperarem. – Serei direto, Ivan – Alan começou sentado na mesa, convidando Ivan a se sentar. – Eu e Luis pesquisamos muito e, como havíamos conversado, temos de descobrir o significado da mensagem de Sir Corligan – Ivan sentou-se na ponta da mesa. – E há algo que vimos – Luis continuou o raciocínio de Alan. – Algo sobre a luz que você fez aparecer e que destruiu aquilo que chamam de morto-vivo que nos perseguiu no vale. – Não diria que fui eu – Ivan começou –, creio que Jhonny Wolf tenha algo a haver, vocês sabem que não é a primeira vez que algo acontece de estranho com ele ao redor. – Ainda verei sobre isto antes de partirmos para a viagem – Alan expressou, mas voltou sua atenção ao caso de Ivan. – Escute ao que ele tem a dizer, Ivan – Richard disse e Ivan sinalizou que sim com a cabeça. Alan e Luis falaram bastante, explicando sobre seus estudos e sobre a ligação de Ivan com o termo guerreiro da luz. Edwiges trazia pratos com sopa para todos e Rosi ouviu tudo de traz da porta, mas antes que percebessem, ela voltou para seu quarto. Ivan estava confuso, não acreditava ou simplesmente ainda não havia absorvido aquele novo conhecimento e situação que seus amigos o haviam explicado. – Não poderá partir – Richard falou erguendo a colher de sopa. Soprou a colher com o líquido quente –, não enquanto não treinar, pelo menos. – Treinar? – Ivan perguntou. – Sim, para sobreviverem, vocês terão de fazer bom uso de suas habilidades – o homem continuou. – E se você é realmente um guerreiro da luz, deve aprender a controlar seu poder. – Não teremos tempo para treinar, pois os piratas nos perseguem e mesmo enquanto estamos aqui, estão tramando algo com toda a certeza – Alan respondeu. – Enquanto estivermos aqui, este local se torna o centro das atenções daqueles que querem os papiros – Jhon concordou. – Nos demoramos demais aqui já – Luis disse. – Estamos pondo em perigo esta cidade. – Não se preocupem – Richard começou. – Concordo que devem partir em silêncio e sem alvoroço para o sucesso da viagem, mas se estes piratas ainda não agiram, é por conta que reconhecem o poder de Nahakirsh. Sabemos nos defender e podem ter certeza de que ficaremos bem. – Vocês aqui devem lidar com a ameaça dos mortos-vivos já – Alan respondeu. – Devemos ir antes que aconteça o congresso entre os senadores das nossas nações, os pergaminhos são nossa responsabilidade agora. Meu mestre Wylaf nos acreditou esta missão quando se sacrificou nos céus de Leftwine meses atrás – os jovens concordaram com Alan. – Então parece que se decidiram – Richard concluiu. – Se devem partir, então irei ajudá-los com tudo que puder. – A ajuda do senhor e de sua família foi indispensável senhor Richard – Ivan disse. – Ivan – Edwiges começou tocando o ombro do jovem –... deve treinar nessas andanças e ficar forte para voltar e casar com a Rosi, eu prepararei muita comida para irem tranquilos nessa viagem maluca que devem empreender. – Obrigado, Edwiges – Ivan respondeu, mas não estava feliz em deixar Rosi ele pensou naquele momento. Finalmente a mente de Ivan havia se dado conta de que não voltaria a ver o rosto de Rosimeri e nem ouvir o som da sua voz, em meio há aqueles dias ensolarados de Nahakirsh, por um bom tempo, e aquilo pesou em seu coração. Foi dormir muito entristecido, mas sentia um pouco de alívio ao saber que teria seus amigos para dividir aquela responsabilidade enorme que eram os pergaminhos. – Que barulho foi esse?! – Luis acordou emburrado no meio da madrugada. Viu que Ivan não estava mais deitado, mas Jhon e Alan estavam acordados ainda. – Veio lá de cima – Alan disse, estava lendo, à luz de uma vela, sentado em uma poltrona. – E você está aí todo tranquilo?! Já falou com Júlia? – Luis estava pasmo. – Já – o mago respondeu. – Volte a dormir, Luis, não consegue ver? – Jhon disse enquanto mexia na lareira e apontava para a cama de Ivan. – Onde está Ivan?! – Luis ainda estava preocupado. – Não se preocupe, ele deve estar muito bem se quer saber, saiu faz um tempo e foi para o segundo andar – e Jhon fez sinal para Alan que riu por baixo de seus óculos. – Ah, entendi, aquele moleque – Luis voltou a si e fez uma pausa. – Ele não devia estar descansando? – Volte a dormir – e Jhon lançou um travesseiro em Luis e lhe acertou a cara e Alan quase chorou de rir. Capítulo 5 – Rumo ao desconhecido
Luandrius estava mais impaciente do que
nunca. Ainda não havia engolido sua ultima derrota para os quais passou a chamar de “Os Quatro”. Ele havia convocado uma reunião com seu bando de guerreiros e chamou Et'urkon também; o grupo estava acampado a uns trinta quilômetros de distância de Nahakirsh, mas sempre estavam a observando de longe. – O que fazem aqueles desgraçados!? – ele gritava enquanto olhava para a cidade no horizonte. – Se preparando – Et’urkon respondeu ao seu lado enquanto encarava a cidade também. – Devem estar tramando algo. Acredito que a esta altura já saibam demais... Luandrius olhou para o feiticeiro e o encarou. – Saibam sobre o plano do mestre? – ele franziu o olhar. – Não, o plano do mestre não, mas sobre os próximos passos que devem tomar – e virou-se e saiu andando. – Irei consultar com o mestre hoje à noite. Até lá, diga a seus homens que devemos marchar para o noroeste, mas não tão perto da fronteira, pois os mortos que andam serão problema. Quando amanheceu no outro dia, houve um alvoroço em Nahakirsh, pois a Segunda Guarda da Fronteira havia retornado do forte Norte. Os homens estavam feridos e haviam relatado que vários haviam morrido num ataque na madrugada; eram os mortos que andam. – Não pudemos assegurar o forte, os mortos passaram nossas defesas – dizia o comandante da tropa. Ainda vestia sua armadura e estava sentado em uma cadeira no centro da Câmara do Congresso. – Esse é um relato preocupante – disse um senador. Richard ouvia o relato do comandante. Ele estava sentado entre outros senadores. – Foi um ataque pensado, nunca antes havia visto os mortos agirem em grupo, não era da natureza deles – continuou o comandante. – E o líder era terrível. Seu simples olhar fez com que quase metade do meu batalhão fugisse em pânico, ficaram aqueles que não o olharam. Tentei salvar o máximo possível dos meus homens, mas muitos ficaram... não sei que fim tiveram. Richard contou aquilo para Ivan e os outros naquela noite e todos ficaram comovidos. Ivan se preocupava e Alan sentiu seu olhar de fúria, como se achasse que deveria fazer alguma coisa. – Nem pense nisso – o mago disse enquanto todos jantavam ao redor da mesa, o que já era um costume nas noites de Nahakirsh. – Conheço este olhar e acredite, não há nada que possa fazer, Ivan. – Aqueles homens faziam seu trabalho – Luis concordou. – Deve pensar na viagem... – Alan está certo, Ivan – começou Richard. – O senado aprovou que um esquadrão de elite faça o resgate daqueles que ficaram, não deve se preocupar com esta batalha, pois ela é do povo de Nahakirsh. Mesmo assim Ivan ficava imaginando o terror por que passaram aqueles soldados e seu senso de responsabilidade passou a ficar mais forte para com aquele povo; se ele era mesmo um Guerreiro da Luz, como seus amigos sugeriam, ele não mediria esforços para ajudar no combate a aqueles que não tiveram o eterno descanso. Mas ele também sabia que seria uma eterna batalha e que sua responsabilidade era a de seguir os passos de Corligan agora. Que no fim do caminho e do mistério dos pergaminhos estaria a resposta para todos esses problemas. Ele perseguiria a solução e isso o motivava. Nos outros dias que se sucederam Alan fazia pesquisas na Biblioteca da República e descobria mais sobre as terras para onde viajaria daqui a alguns dias. Luis e Jhon o acompanhavam nestas pesquisas e Ivan aproveitava ao máximo seus dias com Rosi, pois confiava que seus amigos achariam a resposta sobre o paradeiro das Pilastras de Hilírian. – Luis, Jhon – Alan os chamou. Estavam sentados ao redor de uma grande mesa empilhada de livros. Candelabros iluminavam o local e eles bebiam muito chá. – Eu encontrei várias referências sobre um antigo templo cujas pilastras falavam. Não há erro, pois fica na direção que Sir Corligan partiu e essa deve ser a pista. – É muito vago – Jhon expressou cabisbaixo. – Creio que já é um começo, pois pilastras que falam tem tudo a haver com o que procuramos – Luis disse, mas não levava muita fé até que Alan continuou... – Esse templo era dedicado a um antigo Deus da Luz – o mago os olhava sério. – Precisamos ver isto, pois não acredito que seja mera coincidência. Alan rabiscou em um mapa que Richard o havia dado da região e traçou uma rota que acreditava ser segura, pois seguia as precauções de Elza e Richard. – Temos uma direção, senhor Richard – Alan comentou no jantar daquele mesmo dia. – Iremos para o noroeste, achar pelo antigo Templo do Deus da Luz. – Eu sabia que conseguiria achar algo na biblioteca que os ajudaria – o homem respondeu contente. – Falta pouco para o congresso e essa notícia veio em boa hora. E então seguirão com o plano? – Sim, senhor – Ivan respondeu e apertava a mão de Rosi que sentava ao seu lado. – Não permitiremos que o mal caia sobre Nahakirsh e o mundo. – Partiremos para o coração do incerto, mas com o objetivo mais inspirador possível – Jhon complementou. – Sofremos com a queda de nossa casa, não desejo isso a mais ninguém. O destino nos escolheu para esta missão – Luis disse inspirado. – Como Wylaf havia pressagiado, eu devo enfrentar o maior desafio de minha vida – Alan completou inspirado pela lembrança do grande mago Wylaf. – “Os Quatro” se decidiram minhas senhoras – Richard contemplou aquele entusiasmo dos jovens; e Rosi, Elza e Edwiges também. – Que a luz os favoreça – Elza disse aquilo e olhou para Ivan que retribuiu fazendo um movimento positivo com a cabeça. Não necessitaram de mais tempo e, quatro dias antes do congresso entre Valendia e Nahakirsh, os jovens já estavam prontos para partir em viagem rumo ao desconhecido. Richard revisou o mapa que ajudaria no início da viagem dos jovens e deu a sua confirmação de que estava tudo certo; Edwiges havia lhes preparado comida o suficiente para dez dias de viagem, depois disso estariam por sua própria conta; Elza disse que rezaria todos os dias pela segurança deles e que esperaria Ivan para que casasse com Rosi na volta da viagem. Já Rosi não quis se despedir. Nuvem estava curada e Richard pensou que sua filha não aguentaria se despedir de Ivan. – Ela deve estar por aí, Ivan, não se preocupe – o homem confortou o jovem com um tapinha no ombro. – Volte a salvo e case com Rosi, pois ela lhe ama. – É o que farei, senhor Richard – o jovem respondeu e virou-se para a entrada da cidade. A família de Rosi estava ali para se despedir, mas ela não estava. Ivan pensou que era melhor assim, pois também não gostava de despedidas. Em seu coração tinha certeza que voltaria para os doces lábios de sua Rosimeri. – Eu não tenho palavras para agradecer tudo que fizeram por nós – o jovem continuou. – Muito obrigado por tudo. Alan, Jhon e Luis também agradeceram e assim o guarda abriu o portão da cidade para que os jovens partissem; Ivan olhou para trás, depois para as colinas ao sul, os bosques ao norte e não viu Rosi e nem Nuvem. Suspirou, respirou fundo e seguiram numa caminhada leve. Esperavam encontrar os piratas de tocaia, mas não tão cedo e Alan dizia que estava preparado para surpresas. Ivan e os outros confiavam na magia do mago e não temiam nada. Os piratas, eles pensaram, não eram nada se comparado aos mortos que andam, mas, mesmo assim, não subestimariam seus rivais e assim foi dada a largada pela corrida do conhecimento dos pergaminhos; os jovens possuíam muitas perguntas que precisavam de respostas.