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“FARSA DE INÊS PEREIRA”

Gil Vicente

BIOGRAFIA

 Gil Vicente foi um autor, dramaturgo, encenador e, provavelmente,


ourives quinhentista (século XVI) ao qual se supõe ter vivido entre
os anos 1465 e 1536. Supõe-se também que seja oriundo de
Guimarães ou da Beira. Na ótica de muitos, este homem é
considerado o pai do teatro em Portugal. Passou cerca de trinta e
cinco anos da sua vida na corte, estando ao serviço de D. Leonor, D.
Manuel I e, posteriormente, D. João III.
 Este escritor casou-se com Branca Bezerra, casamento esse que lhes
deu quatro filhos: Paula Vicente (mulher extremamente culta para a
época, que supostamente atuava nas peças do pai), Luís Vicente,
Belchior Vicente e Gaspar Vicente.
 Vicente destaca-se sendo um escritor de transição, isto é, está
inserido numa época da História, vulgarmente chamada de
“Renascimento”, marcada pela passagem de uma mentalidade
teocentrista (onde Deus é a resposta para todos os acontecimentos
que se sucedem) para uma mentalidade antropocentrista (onde o
Homem é considerado o maior influenciador de tudo aquilo que
acontece no Universo).
 Este dramaturgo inovador conta com um vasto portefólio de
emblemáticas obras, como por exemplo: “Auto da Visitação” ou
“Monólogo do Vaqueiro” (escrito especialmente para celebrar o
nascimento do monarca D. João III), “Auto da Barca do Inferno”,
“Auto da Índia”, “Auto da Barca do Purgatório”, “Cortes de Júpiter”,
“Farsa de Inês Pereira” e ainda “Floresta de Enganos”.
CARACTERÍSTICAS DA OBRA

 O texto é composto por um texto principal, onde constam as falas


das personagens, e um texto secundário, onde estão presentes as
didascálias ou indicações cénicas.
 As personagens da obra são personagens tipo, isto é, são usadas
para criticar a uma classe social ou profissional.
 É recorrente o uso de recursos expressivos como a ironia, a
hipérbole, a repetição e, ainda, a utilização de arcaísmos e do calão.
 São usados os três tipos de cómico (linguagem, situação e carácter).
 Peça dramática de carácter profano (herdeira dos fabliaux
franceses, narrativas breves de intenção moralizadora).
 Peça cómica curta, com um escasso número de personagens.
 Peça com uma intriga bastante simples, sem necessidade de marcar
a unidade de tempo ou de espaço ou de estabelecer uma divisão
cénica.
 Peça com a intenção de ridicularizar e criticar a sociedade,
retratando cenas da vida popular ou burguesa de forma realista.

RESUMO DA OBRA

“NÃO TE APRESSES TU, INÊS”

 Inicialmente, Inês mostra-se aborrecida e extremamente cansada


da vida que leva. Encontra-se sozinha e lamenta-se da tarefa
doméstica que a mãe lhe tinha pedido para executar enquanto
estava ausente. A jovem vitimiza-se como “cativa”, não só por estar
sobre domínio da mãe e na casa da mesma, mas também por estar
presa a fazer coisas que não gosta e nem são do seu interesse,
chegando a invejar as vidas das jovens da sua idade, considerando-
as bem melhores do que a dela. Através de todo este discurso
inicial, podemos destacar também a preguiça de Inês e o seu sonho
com o casamento, ao qual achava que podia vir a ser o seu caminho
para a libertação.
 Logo de seguida, entra a mãe. Inês tem um grande à vontade com a
progenitora, tomando-a por sua confidente. A rapariguinha
confessa a sua vontade de casar para com a sua mãe, mas esta,
sensata e prudente, avisa-lhe para não levar os planos matrimoniais
a curto prazo e que pondere a decisão com bom senso. Esta
personagem, que transborda de cautela, não tem nome,
representando assim um estereótipo, um grupo social, de rosto
materno.

“OU SEJA SAPO OU SAPINHO, OU MARIDO OU MARIDINHO”

 Nesta cena, Lianor Vaz vem afobada e conta como foi atacada por
um clérigo que queria saber “se era [ela] fêmea, se macho”. Lianor
acaba por mostrar que achou o momento prazeroso e não mostra
remorsos do sucedido.
 Terminado o relato, Lianor dispõe-se por fim ao seu exercício da sua
atividade enquanto alcoviteira e apresenta a Inês uma carta de Pêro
Marques.
 Na carta, que é lida em voz alta por Inês, Pêro não corresponde por
completo ao ideal da jovem, mostrando-se um pobre de espírito.
 Mesmo assim, Lianor e a mãe tentam chamar Inês à razão, e esta
acaba por aceitar receber a visita de Pêro, ainda que o faça só para
se divertir à sua custa.
 Lianor Vaz mostra-se uma moça casadoira, zelando e defendendo os
interesses do pretendente, que muito provavelmente é explorado
pela mesma.
 Lianor comporta-se como uma verdadeira amiga de Inês, chegando
a dar-lhe conselhos que parecem bem-intencionados.
 No final da cena, Lianor vai avisar Pêro que Inês está pronta para o
receber e logo ele aparece ansioso.
“EU NÃO ME CASAREI SENÃO COM HOMEM DISCRETO”

 Nesta cena, dá-se o encontro entre Pêro e Inês.


 Desde logo, o homem mostra-se um “João das bestas”. Ao chegar, a
mãe oferece-lhe uma cadeira para se sentar este questiona a
funcionalidade da cadeira.
 Mesmo assim, Pêro ostenta a mãe e Inês com o facto de ter muitas
cabeças de gado, contudo volta a desmazelar-se ao esquecer-se de
trazer as peras do seu pomar, uma forma que tinha arranjado para
presentear Inês.
 Antes de sair da cena, a mãe deixa os dois a sós, Pêro deixa bem
explicito que está apaixonado por Inês e garante que só está
disposto a casar se for com ela. Inês passa a cena toda a troçar Pêro
e no fim chega a dizer que nunca estaria disposta a casar com ele.
 Após a saída de Pêro, a mãe volta e Inês explica o perfil do seu
marido ideal à progenitora. Inês quer um homem belo, culto e rico e
não um homem “feio, pobre, sem feição”. A mãe tenta chegar Inês à
razão admitindo que não é isso que realmente importa, mas Inês
havia falado com uns judeus casamenteiros que tinham arranjado
uma solução do agrado da jovem.
 Finalmente, entram dois judeus casamenteiros, Latão e Vidal, que
juraram ter feito um longo percurso de norte a sul à procura do
homem ideal para Inês, encontrando um escudeiro “que fala, e
como ora fala”, tocava guitarra, tal como Inês pretendia, e era um
autêntico galã.

“PODE SER MAIOR RIQUEZA QUE UM HOMEM AVISADO?”

 Inicialmente, o Escudeiro, Brás da Mata, entra em cena e declara o


seu perfil de mulher ideal. Esta tinha que ser bonita, mas sisuda.
 Deste modo, a mãe aconselha Inês a comportar-se durante a visita
do Escudeiro, e a não causar muito alarido.
 Na verdade, após a entrada do Moço, criado do Escudeiro, este
anuncia a verdadeira condição de Brás da Mata, que ao contrário
daquilo que se pensa, este não é tão afortunado como aparentava
ser. O Escudeiro, acaba também por demonstrar que o casamento
para ele é algo que muito anseia, pois como está falido, pensa que o
casamento pode salvar a sua situação financeira.
 O Escudeiro, desde logo, usa todo um discurso que ao que parece
seduz Inês e os judeus tomam logo a sua missão, e principalmente a
recompensa monetária pelo serviço prestado, como garantido.
 Tal como Inês pretendia, Brás da Mata sabia ler, escrever, jogar à
bola e, ainda, tocar viola, ao que pede ao seu criado que lhe traga a
guitarra.
 Mais uma vez, o moço mostra o seu descontentamento com o seu
amo, e este promete-lhe uma boa mesada depois da boda.
 A mãe volta a avisar Inês que a simplicidade também é motivo para
se apaixonar, mas mesmo assim, ao que parece, a moça estava cada
vez mais apaixonada.
 Os judeus voltam a enaltecer Brás da Mata, mas também se
descuidam anunciando algumas coisas não tão boas sobre o
próprio. A mãe volta a avisar Inês a manter um casamento “com teu
igual”, contudo, Inês não volta atrás, decidindo por fim casar-se
com o Escudeiro.
 Mal dada como finalizada a boda, o Escudeiro questiona a mãe
relativamente ao dote, mas esta diz-lhe que só o receberá no dia
seguinte, como combinado, e esta parte a anunciar a boa nova aos
amigos e vizinhos para que fossem com eles celebrar. Assim, Brás
da Mata mostra-se desiludido, dizendo a Inês “que casar é
cativeiro”.
 Luzia, amiga de Inês, mostra-se contente com o casamento da
amiga. É nos também anunciado o nome do Moço (Fernando).
 Todos dançam e cantam e dão felicidades aos noivos e, no final da
cena, a mãe garante a Brás da Mata que a sua filha é virgem e que,
também ela, zela pela felicidade dos dois.
“QUEM BEM TEM E MAL ESCOLHE…”

 Após o casamento, Brás da Mata mostra a sua verdadeira face, este


é possessivo, arrogante e proíbe, desde logo, Inês a cantar, a falar
com quer que seja e somente pode ir à igreja. Ordena, deste modo,
que Fernando lhe cerrasse as janelas para nem ter a oportunidade
de comtemplar o exterior.
 Brás da Mata, diz, então, que vai partir para a guerra, em Marrocos,
e ordena a Fernando que durante a sua ausência, continue a
controlar Inês, que a mantenha em cativeiro em casa e que roube,
uma vez que não havia dinheiro sequer, para se alimentarem.
 Após a partida do marido, Inês canta lavrando, e lamenta-se dá sua
escolha, prometendo que se um dia voltar a estar solteiro, voltará a
arranjar marido, mas desta vez, alguém cordial que lhe deixe fazer
todas as suas vontades.
 Chega de novo o Moço, trazendo uma carta com notícias de Africa.
Dá a carta a Inês e, ao que parece, o Escudeiro havia sido morto por
um mouro na guerra.
 Perante tal notícia, Inês e Fernando exultam de alegria, e Inês é
liberta do seu casamento.

“EXPERIÊNCIA DÁ LIÇÃO…”

 Vem Lianor Vaz, e Inês finge-se desconsolada pela morte do marido.


Em forma de consolo, a casamenteira diz-lhe, que caso não esteja
casada, para que se case com Pêro e para que siga com a sua vida
em frente. E assim o faz, Inês aceita então casar com Pêro Marques.
Sendo assim, Lianor vai buscar Pêro para a boda.
 Vem Pêro e Lianor, e logo começa a cerimónia. Pêro mostra-se tão
inculto ao ponto de nem saber o que dizer nos votos matrimoniais,
mesmo assim casam-se, e no fim Lianor deixa os recém-casados
sozinhos.
 No fim, Inês pede a Pêro permissão para sair, este diz para que saia
quando quiser e para que regresse quando bem entender.
“EM TUDO É BOA A CONCRUSÃO”

 Chega um Ermitão, um homem religioso, que tem como intensão


inicial pedir uma esmola. Mostra-se numa tristeza inconsolável e
numa profunda tristeza. Este reconhece, posteriormente, Inês que,
ao que parece, era uma antiga pretendente do homem e a razão
pela qual se encontra nesse estado.
 Posteriormente, Inês reconhece-o e anuncia que não o havia
aceitado na altura pois ainda era muito pequena e não tinha noção
das coisas. Contudo, aproveitando a condição de estar casada com
um marido ingénuo, promete que lhe irá visita-lo à ermida o quanto
antes.
 Logo depois, Inês, aperalta-se e diz ao marido que o que ela
realmente queria era ir à ermida, e este aceita a proposta sem
pensar duas vezes.
 Nessa sequência, Inês pede ao marido para que lhe leve às costas e
que prossiga descalço, e Pêro, assim o faz.
 Depois, Inês pega numas lousas e pede ao marido para que cante e
que lhe responda “pois assi se fazem as cousas.” e o inocente do
marido assim o faz, ridicularizando mais a sua pessoa.

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