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FICHA INFORMATIVA
ESCOLA SECUNDÁRIA DE JÁCOME RATTON A Farsa de Inês Pereira
A Farsa de Inês Pereira é considerada a peça mais divertida e humanista de Gil Vicente. O aspeto
humanístico da obra vê-se pelo facto de que a protagonista trai o marido e não recebe por isso nenhuma
punição ou censura, diferentemente de personagens de O Auto da Barca do Inferno e O Velho da Horta
que são castigadas por factos moralmente parecidos.
É uma comédia de carácter e de costumes, que retrata a vida doméstica e envolve tipos psicologicamente
bem definidos. A protagonista, Inês Pereira, é uma típica rapariga, leviana, ociosa, namoradeira, que
passa o tempo todo diante do espelho, tendo em vista um casamento nobre. Com esta personagem, Gil
Vicente critica as jovens burguesas, ambiciosas e insensatas. Critica também a figura de Brás da Mata, o
falso escudeiro, tirano e ambicioso, malandro, galanteador, bom falante e bom cantante, superficial e
cobarde. As alcoviteiras, alvo frequente da sátira de Gil Vicente, têm em Lianor Vaz mais um tipo
inesquecível da galeria de Gil Vicente. A classe sacerdotal também é satirizada com os judeus
casamenteiros, Latão e Vidal, que aparecem com seu linguajar e atitudes característicos.
Gil Vicente esmera-se em compor o contraste entre Pêro Marques, o primeiro pretendente, camponês
rústico e provinciano, mas honesto e com boas intenções, e Inês Pereira, calculista, frívola e ambiciosa -
uma rapariga fútil e insensata, a quem a experiência acabou transmitindo uma lição de vida.
1ª Parte-Exposição: desejo de libertação de Inês através do casamento; Inês Pereira fantasiosa /solteira
- uma Inês caracterizada pelos seus desejos e ambições no momento em que é apresentada pela
alcoviteira a Pêro Marques. Esta parte retrata o quotidiano da protagonista e a situação da mulher na
sociedade da época, por meio das falas de Inês, da mãe e da alcoviteira Lianor Vaz.
a) Inês Pereira casada com o Escudeiro - mostra as agruras do primeiro casamento de Inês. Nesta parte, o
autor aborda o comércio casamenteiro, por meio das figuras dos judeus comerciantes e do arranjo
matrimonial-mercantil, e o despertar de Inês para a realidade, abandonando as fantasias alimentadas até
então.
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b) Inês Pereira casada com Pêro Marques - a protagonista casa-se pela segunda vez e trai o marido com
um antigo admirador. Experiente e vivida, aqui Inês tira todo o proveito possível da situação que vive.
O tempo representado na peça não é indicado. As cenas vão tendo sequência não dando a ideia de tempo
decorrido entre uma e outra. A única menção feita é do período passado desde que o Escudeiro foi à
guerra até a chegada da notícia de sua morte: três meses, segundo o Moço.
A maioria das cenas passa – se num mesmo espaço especificado apenas como a casa de Inês. Todos os
personagens passam por ali. Em alguns momentos, os personagens vêm-se preparando no caminho para
a casa, como acontece com Pêro Marques, o Escudeiro e o Moço. Mas de nenhum desses lugares há
indicações cenográficas específicas como descrição do ambiente, iluminação, etc. O mesmo acontece em
relação aos trajes das personagens. Apenas Pêro Marques tem a sua roupa genericamente
explicitada: “Aqui vem Pêro Marques, vestido como filho de lavrador rico, com um gibão azul deitado ao
ombro, com o capelo por diante”.
Inês Pereira é uma jovem solteira que anseia pelo casamento, reclama da sorte por estar presa em casa,
aos serviços domésticos, cansando-se deles. Imagina casar-se com um homem que, ao mesmo tempo,
seja alegre, bem-humorado, galante e que goste de dançar e cantar, tal logo se percebe na primeira
conversa que estabelece com a sua mãe e Lianor Vaz. Estas duas têm uma visão mais prática do
matrimónio: o importante é que o marido cumpra com as suas obrigações financeiras, enquanto Inês está
apenas preocupada com o lado prazeroso e cortesão.
O primeiro candidato, apresentado por Lianor Vaz, é Pêro Marques, camponês de posses, o que satisfazia
a ideia de marido, na visão da sua mãe, mas era extremamente simplório, grosseirão e desajeitado, factos
que desagradam a Inês. Por isso, Pêro Marques é logo descartado, enquanto pretendente.
Inês Pereira aceita, então, a proposta de dois Judeus casamenteiros divertidíssimos, Latão e Vidal, que
somente se interessam pelo dinheiro que o casamento arranjado lhes pode render, não dando
importância ao bem-estar da moça. Então, apresentam-lhe Brás da Mata, um escudeiro, que se mostra
exatamente do modo que Inês esperava, apesar das desconfianças da sua mãe. Eles casam-se. No
entanto, consumado o casamento, Brás da Mata, o seu recém-marido, mostra ser um tirano, proibindo-a
de tudo, até de ir à janela. Chega a pregar as janelas para que Inês não olhe para a rua. Proíbe-a de cantar
dentro de casa, pois quer uma mulher obediente e discreta.
Encarcerada na sua própria casa, Inês sente-se desgraçada. Mas a desventura dura pouco, pois Brás da
Mata torna-se cavaleiro e é chamado para a guerra, onde morre nas mãos de um mouro pastor, enquanto
fugia de forma cobarde. Viúva e mais experiente, fingindo tristeza pela morte do marido tirano, Inês
aceita casar-se com Pêro Marques, o seu antigo pretendente. Este mostra-se bastante diferente do
primeiro marido, concedendo a Inês toda a liberdade que ela deseja. Assim, a moça consegue sair e
passear quando quer. Num desses passeios, encontra-se com um Ermitão, que revela ser um seu antigo
apaixonado. Inês compromete-se a visitá-lo na sua ermida e consegue que Pêro Marques a conduza até
ao local, com o pretexto de o Ermitão ser um homem santo. O marido chega a carregá-la às costas,
enquanto atravessam um rio. Durante a travessia, cantam uma música carregada de ironia, na qual Inês
chama o marido de “cervo” e de “cuco” (gíria da época para “marido enganado”). Seguindo o refrão da
canção, Pêro Marques limita-se a repetir: “Pois assim se fazem as cousas”.
Consuma-se assim o tema, que era um ditado popular de que "é melhor um asno que nos carregue do
que um cavalo que nos derrube", que sintetiza a experiência vivida por Inês Pereira, isto é, o cavalo -
Brás da Mata - é o primeiro marido, que, com a sua agressividade e autoritarismo, a derruba. Pêro
Marques é o asno que a leva e faz todas as suas vontades.
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Personagens/caracterização - número reduzido:
Inês Pereira - jovem esperta que se aborrece com o trabalho doméstico. Deseja ter liberdade e divertir-se.
Sonha casar-se com um marido que queira também aproveitar a vida. Personagem protagonista da peça.
(personagem tipo modelada). É uma rapariga bonita, solteira, pertencente à pequena burguesia. O seu
quotidiano é enfadonho: passa os dias a bordar, a fiar e a costurar. Sonha casar-se, vendo no casamento
uma libertação dos trabalhos domésticos. Despreza o casamento com um homem simples, preferindo um
marido de comportamento refinado. Idealiza-o como um fino cavalheiro que soubesse cantar e dançar.
Contraria as recomendações maternas rejeitando Pêro Marques e casando-se com Brás da Mata, frustra-
se com a experiência e aprende que a vida pode ser boa ao lado de um humilde camponês. Inês deixa-se
levar pelas aparências e ridiculariza Pêro Marques despedindo-o da sua casa para receber Brás da Mata.
Casa-se com ele, mas sua vida torna-se uma prisão, pois ela não pode sair e é constantemente vigiada por
um moço. Inês sofre e chega a desejar a morte do marido.
Mãe de Inês: mulher de boa condição económica, que sonha casar Inês com um homem de posses. É a
típica dona de casa pequeno-burguesa e provinciana, preocupada com a educação e o futuro da filha em
idade de casar. Dá conselhos prudentes, inspirada por uma sabedoria popular imemorial. Chega a ser
comovente em sua singela ternura pela filha, a quem presenteia com uma casa por ocasião das núpcias.
Pêro Marques: primeiro pretendente de Inês rejeitado por ser grosseiro e simplório, apesar da boa
condição financeira. Camponês simples, não conhece os costumes das pessoas da cidade. É uma
personagem ambígua, pois ao mesmo tempo que é ridicularizado pela ingenuidade, é valorizado pela
integridade de carácter. Foi o segundo marido de Inês, fiel e dedicado, revela-se um gentil e carinhoso
marido.
Latão e Vidal: judeus casamenteiros, assim como Leonor. Os judeus casamenteiros são muito parecidos,
têm as mesmas características, na verdade são o mesmo repartido em dois. São a caricatura do judeu
hábil no comércio. Faladores, insinuantes, humildes, serviçais e maliciosos, são o estereótipo de que a
literatura às vezes se serviu, como, por exemplo, no caso desta peça de Gil Vicente.
Moço: criado de Brás da Mata é um pobre coitado, explorado por um amo infame. Humilde, deixa-se
explorar e acredita ingenuamente nas promessas do Escudeiro. Cumpre sua obrigação sem ver
recompensa.
Ermitão: antigo pretendente de Inês e amante depois de seu casamento com Pêro Marques. É um falso
monge que veste o hábito para conseguir realizar seu propósito de possuir Inês.
Abundância de tipos sociais característicos da época - São personagens que agem de acordo com
determinado padrão de comportamento. Ex.: Inês Pereira – jovem em idade de casar; Lianor Vaz –
alcoviteira; Brás da Mata – escudeiro pelintra; Pêro Marques – lavrador rústico.
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conflitos sociais em potência (casamento entre pessoas de classes sociais distintas).
Mecanismos
Personagens-tipo - (tipos sociais característicos da época)
Linguagem
As falas das diversas figuras desta farsa acentuam a rusticidade das personagens e realçam a importância
do saber popular; a linguagem de cada personagem adequa-se ao seu estatuto social e nível etário e
contribui para os efeitos de cómico.
Recursos Expressivos
Comparação:
Ex.: «Moça de vila será ela/com sinalzinho postiço,/e sarnosa
no toutiço, / como burra de Castela»
Interrogação retórica:
Ex.: «Eou sam algum caramujo / oue não sai senão à porta?»
Ironia:
Ex.: «Logo eu adivinhei / lá na missa onde eu estava, / como a minha Inês lavrava»
Metáfora:
Ex.: «Deos vos salve, fresca rosa, / e vos dê por minha esposa»
Metonímia:
Ex.: «Não sei se me vá a el rei, / se me vá ao Cardeal»
Ironia:
Ex.: «Logo eu adivinhei / lá na missa onde eu estava, / como a minha Inês lavrava / a tarefa que lhe eu
dei…»
A crítica vicentina
• A ânsia de libertação da mulher de condição burguesa, através do casamento (Inês);
• A ruína da baixa nobreza, decorrente da centralização das riquezas, provindas da expansão, na corte
(Escudeiro);
• Os velhos costumem morais de uma sociedade medieval e feudal, em vias de extinção (Pêro Marques);
• Degradação moral da conceção de família;
• O êxodo dos campos, o desenvolvimento das cidades e a atração pela riqueza fácil.
Assim, podemos dizer que Gil Vicente critica na sociedade do seu tempo:
a corrupção;
o materialismo;
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a ausência de verdadeiros valores humanos.
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