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AGRUPAMENTO DE ESCOLAS TEMPLÁRIOS 10º Ano

FICHA INFORMATIVA
ESCOLA SECUNDÁRIA DE JÁCOME RATTON A Farsa de Inês Pereira

A Farsa de Inês Pereira

Farsa - Género dramático que se centra no relacionamento humano, familiar e


amoroso, na oposição dos valores tradicionais e convencionais a valores
individuais e pessoais e no recurso frequente a um triângulo amoroso.

A nível formal/estrutural apresenta as seguintes características:


 ausência de divisão em atos e cenas;
 despreocupação com as unidades de tempo e de espaço;
 utilização de parcos recursos cénicos;
 reduzido número de personagens;
 abundância de tipos sociais característicos da época;
 presença eventual de uma personagem redonda que evolui psicológica e moralmente;
 delineamento de uma intriga com uma exposição, desenvolvimento e desenlace;
 presença de sátira, fonte de cómico.

A Farsa de Inês Pereira é considerada a peça mais divertida e humanista de Gil Vicente. O aspeto
humanístico da obra vê-se pelo facto de que a protagonista trai o marido e não recebe por isso nenhuma
punição ou censura, diferentemente de personagens de O Auto da Barca do Inferno e O Velho da Horta
que são castigadas por factos moralmente parecidos.

É uma comédia de carácter e de costumes, que retrata a vida doméstica e envolve tipos psicologicamente
bem definidos. A protagonista, Inês Pereira, é uma típica rapariga, leviana, ociosa, namoradeira, que
passa o tempo todo diante do espelho, tendo em vista um casamento nobre. Com esta personagem, Gil
Vicente critica as jovens burguesas, ambiciosas e insensatas. Critica também a figura de Brás da Mata, o
falso escudeiro, tirano e ambicioso, malandro, galanteador, bom falante e bom cantante, superficial e
cobarde. As alcoviteiras, alvo frequente da sátira de Gil Vicente, têm em Lianor Vaz mais um tipo
inesquecível da galeria de Gil Vicente. A classe sacerdotal também é satirizada com os judeus
casamenteiros, Latão e Vidal,  que aparecem com seu linguajar e atitudes característicos.

Gil Vicente esmera-se em compor o contraste entre Pêro Marques, o primeiro pretendente, camponês
rústico e provinciano, mas honesto e com boas intenções, e Inês Pereira, calculista, frívola e ambiciosa -
uma rapariga fútil e insensata, a quem a experiência acabou transmitindo uma lição de vida.

Estrutura interna da obra - composta por três partes:

1ª Parte-Exposição: desejo de libertação de Inês através do casamento; Inês Pereira fantasiosa /solteira
- uma Inês caracterizada pelos seus desejos e ambições no momento em que é apresentada pela
alcoviteira a Pêro Marques. Esta parte retrata o quotidiano da protagonista e a situação da mulher na
sociedade da época, por meio das falas de Inês, da mãe e da alcoviteira Lianor Vaz.

2ª Parte-Desenvolvimento (Conflito): proposta de Pero Marques; casamento com o Escudeiro e


casamento com Pero Marques:

a) Inês Pereira casada com o Escudeiro - mostra as agruras do primeiro casamento de Inês. Nesta parte, o
autor aborda o comércio casamenteiro, por meio das figuras dos judeus comerciantes e do arranjo
matrimonial-mercantil, e o despertar de Inês para a realidade, abandonando as fantasias alimentadas até
então.

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b) Inês Pereira casada com Pêro Marques - a protagonista casa-se pela segunda vez e trai o marido com
um antigo admirador. Experiente e vivida, aqui Inês tira todo o proveito possível da situação que vive.

3ª Parte - Desenlace: concretização das aspirações de Inês.

Estrutura externa - ausência de divisão em atos e ausência de marcação de cenas.

O tempo representado na peça não é indicado. As cenas vão tendo sequência não dando a ideia de tempo
decorrido entre uma e outra. A única menção feita é do período passado desde que o Escudeiro foi à
guerra até a chegada da notícia de sua morte: três meses, segundo o Moço.
A maioria das cenas passa – se num mesmo espaço especificado apenas como a casa de Inês. Todos os
personagens passam por ali. Em alguns momentos, os personagens vêm-se preparando no caminho para
a casa, como acontece com Pêro Marques, o Escudeiro e o Moço. Mas de nenhum desses lugares há
indicações cenográficas específicas como descrição do ambiente, iluminação, etc. O mesmo acontece em
relação aos trajes das personagens. Apenas Pêro Marques tem a sua roupa genericamente
explicitada: “Aqui vem Pêro Marques, vestido como filho de lavrador rico, com um gibão azul deitado ao
ombro, com o capelo por diante”.

Ação/assunto desenvolvido ao longo da peça

Inês Pereira é uma jovem solteira que anseia pelo casamento, reclama da sorte por estar presa em casa,
aos serviços domésticos, cansando-se deles. Imagina casar-se com um homem que, ao mesmo tempo,
seja alegre, bem-humorado, galante e que goste de dançar e cantar, tal logo se percebe na primeira
conversa que estabelece com a sua mãe e Lianor Vaz. Estas duas têm uma visão mais prática do
matrimónio: o importante é que o marido cumpra com as suas obrigações financeiras, enquanto Inês está
apenas preocupada com o lado prazeroso e cortesão.

O primeiro candidato, apresentado por Lianor Vaz, é Pêro Marques, camponês de posses, o que satisfazia
a ideia de marido, na visão da sua mãe, mas era extremamente simplório, grosseirão e desajeitado, factos
que desagradam a Inês. Por isso, Pêro Marques é logo descartado, enquanto pretendente.

Inês Pereira aceita, então, a proposta de dois Judeus casamenteiros divertidíssimos, Latão e Vidal, que
somente se interessam pelo dinheiro que o casamento arranjado lhes pode render, não dando
importância ao bem-estar da moça. Então, apresentam-lhe Brás da Mata, um escudeiro, que se mostra
exatamente do modo que Inês esperava, apesar das desconfianças da sua mãe. Eles casam-se. No
entanto, consumado o casamento, Brás da Mata, o seu recém-marido, mostra ser um tirano, proibindo-a
de tudo, até de ir à janela. Chega a pregar as janelas para que Inês não olhe para a rua. Proíbe-a de cantar
dentro de casa, pois quer uma mulher obediente e discreta.

Encarcerada na sua própria casa, Inês sente-se desgraçada. Mas a desventura dura pouco, pois Brás da
Mata torna-se cavaleiro e é chamado para a guerra, onde morre nas mãos de um mouro pastor, enquanto
fugia de forma cobarde. Viúva e mais experiente, fingindo tristeza pela morte do marido tirano, Inês
aceita casar-se com Pêro Marques, o seu antigo pretendente. Este mostra-se bastante diferente do
primeiro marido, concedendo a Inês toda a liberdade que ela deseja. Assim, a moça consegue sair e
passear quando quer. Num desses passeios, encontra-se com um Ermitão, que revela ser um seu antigo
apaixonado. Inês compromete-se a visitá-lo na sua ermida e consegue que Pêro Marques a conduza até
ao local, com o pretexto de o Ermitão ser um homem santo. O marido chega a carregá-la às costas,
enquanto atravessam um rio. Durante a travessia, cantam uma música carregada de ironia, na qual Inês
chama o marido de “cervo” e de “cuco” (gíria da época para “marido enganado”). Seguindo o refrão da
canção, Pêro Marques limita-se a repetir: “Pois assim se fazem as cousas”. 
Consuma-se assim o tema, que era um ditado popular de que "é melhor um asno que nos carregue do
que um cavalo que nos derrube", que sintetiza a experiência vivida por Inês Pereira, isto é, o  cavalo -
Brás da Mata - é o primeiro marido, que, com a sua agressividade e autoritarismo, a derruba. Pêro
Marques é o asno que a leva e faz todas as suas vontades.

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Personagens/caracterização - número reduzido:

Inês Pereira - jovem esperta que se aborrece com o trabalho doméstico. Deseja ter liberdade e divertir-se.
Sonha casar-se com um marido que queira também aproveitar a vida. Personagem protagonista da peça.
(personagem tipo modelada). É uma rapariga bonita, solteira, pertencente à pequena burguesia. O seu
quotidiano é enfadonho: passa os dias a bordar, a fiar e a costurar.  Sonha casar-se, vendo no casamento
uma libertação dos trabalhos domésticos. Despreza o casamento com um homem simples, preferindo um
marido de comportamento refinado. Idealiza-o como um fino cavalheiro que soubesse cantar e dançar.
Contraria as recomendações maternas rejeitando Pêro Marques e casando-se com Brás da Mata, frustra-
se com a experiência e aprende que a vida pode ser boa ao lado de um humilde camponês. Inês deixa-se
levar pelas aparências e ridiculariza Pêro Marques despedindo-o da sua casa para receber Brás da Mata.
Casa-se com ele, mas sua vida torna-se uma prisão, pois ela não pode sair e é constantemente vigiada por
um moço. Inês sofre e chega a desejar a morte do marido.

Mãe de Inês: mulher de boa condição económica, que sonha casar Inês com um homem de posses. É a
típica dona de casa pequeno-burguesa e provinciana, preocupada com a educação e o futuro da filha em
idade de casar. Dá conselhos prudentes, inspirada por uma sabedoria popular imemorial. Chega a ser
comovente em sua singela ternura pela filha, a quem presenteia com uma casa por ocasião das núpcias.

Leonor Vaz:  alcoviteira, encarregava-se normalmente em arranjar casamentos e encontros amorosos. É o


estereótipo da comadre casamenteira que sabe seu ofício. Sabe valorizar seu produto com argumentos
práticos de quem tem a experiência e o senso das coisas da vida.

Pêro Marques: primeiro pretendente de Inês rejeitado por ser grosseiro e simplório, apesar da boa
condição financeira. Camponês simples, não conhece os costumes das pessoas da cidade.  É uma
personagem ambígua, pois ao mesmo tempo que é ridicularizado pela ingenuidade, é valorizado pela
integridade de carácter. Foi o segundo marido de Inês, fiel e dedicado, revela-se um gentil e carinhoso
marido.

Latão e Vidal: judeus casamenteiros, assim como Leonor. Os judeus casamenteiros são muito parecidos,
têm as mesmas características, na verdade são o mesmo repartido em dois. São a caricatura do judeu
hábil no comércio. Faladores, insinuantes, humildes, serviçais e maliciosos, são o estereótipo de que a
literatura às vezes se serviu, como, por exemplo, no caso desta peça de Gil Vicente.

Brás da Mata: escudeiro, índole má, primeiro marido de Inês. Interesseiro e dissimulado é a


representação da esperteza das classes superiores. É um nobre empobrecido que não perde o orgulho e
pretende aproveitar-se economicamente de Inês através do dote. Brás da Mata é um escudeiro, isto é,
homem das armas que auxiliava os cavaleiros fidalgos. Na mudança do feudalismo para o capitalismo, a
maioria permaneceu numa condição subalterna, procurando imitar a aristocracia.

Moço: criado de Brás da Mata é um pobre coitado, explorado por um amo infame. Humilde, deixa-se
explorar e acredita ingenuamente nas promessas do Escudeiro. Cumpre sua obrigação sem ver
recompensa.

Ermitão: antigo pretendente de Inês e amante depois de seu casamento com Pêro Marques. É um falso
monge que veste o hábito para conseguir realizar seu propósito de possuir Inês.

Fernando e Luzia: amigos e vizinhos da mãe de Inês.

Abundância de tipos sociais característicos da época - São personagens que agem de acordo com
determinado padrão de comportamento. Ex.: Inês Pereira – jovem em idade de casar; Lianor Vaz –
alcoviteira; Brás da Mata – escudeiro pelintra; Pêro Marques – lavrador rústico.

Dimensão satírica - presença da sátira/ cómico


 Mundo às avessas / subversão da ordem social estabelecida;
 crise de valores (hipocrisia, tirania, adultério, devassidão do clero, culto da aparência);

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 conflitos sociais em potência (casamento entre pessoas de classes sociais distintas).

 Mecanismos
 Personagens-tipo - (tipos sociais característicos da época)

 Recurso ao cómico - (de situação, de carácter e de linguagem): Ridendo castigat mores

 Cómico de caráter: Pêro Marques (desconhecimento da cultura da cortesia):


 Ex.:«E que val aqui ũa destas?»; «Cuido que lhe trago aqui / peras da minha pereira… / Hão de estar na
derradeira / Tende ora, Inês, per i» ;;«Pois, senhora, eu quero-m’ ir / antes que venha o escuro».

 Cómico de situação: Episódio final


 «Marido cuco me levades / E mais duas lousas» ; «Bem sabedes vós marido / quanto vos amo / sempre
fostes percebido / pera gano. / Carregado ides, noss’amo, / com duas lousas.»

 Cómico de Linguagem: Expressões provincianas de Pêro Marques, representante da cultura popular.


 «Fresco vinha aí o presente / com folhinhas borrifadas!»; «Estas vos são elas a vós / anda homem a gastar
calçado / e quando cuida que é aviado, / escarnefucham de vós!»

Linguagem
As falas das diversas figuras desta farsa acentuam a rusticidade das personagens e realçam a importância
do saber popular; a linguagem de cada personagem adequa-se ao seu estatuto social e nível etário e
contribui para os efeitos de cómico.

Recursos Expressivos
 Comparação:
Ex.: «Moça de vila será ela/com sinalzinho postiço,/e sarnosa
no toutiço, / como burra de Castela»

 Interrogação retórica:
Ex.: «Eou sam algum caramujo / oue não sai senão à porta?»

 Ironia:
Ex.: «Logo eu adivinhei / lá na missa onde eu estava, / como a minha Inês lavrava»

 Metáfora:
Ex.: «Deos vos salve, fresca rosa, / e vos dê por minha esposa»

 Metonímia:
Ex.: «Não sei se me vá a el rei, / se me vá ao Cardeal»

 Ironia:
Ex.: «Logo eu adivinhei / lá na missa onde eu estava, / como a minha Inês lavrava / a tarefa que lhe eu
dei…»

A crítica vicentina
• A ânsia de libertação da mulher de condição burguesa, através do casamento (Inês);
• A ruína da baixa nobreza, decorrente da centralização das riquezas, provindas da expansão, na corte
(Escudeiro);
• Os velhos costumem morais de uma sociedade medieval e feudal, em vias de extinção (Pêro Marques);
• Degradação moral da conceção de família;
• O êxodo dos campos, o desenvolvimento das cidades e a atração pela riqueza fácil.

Assim, podemos dizer que Gil Vicente critica na sociedade do seu tempo:
 a corrupção;
 o materialismo;

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 a ausência de verdadeiros valores humanos.

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