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Farsa de Inês Pereira, Gil Vicente

1. Pequeno resumo:

Inês Pereira é uma jovem solteira que sofre a pressão constante do casamento, e reclama da sorte por estar presa em casa, aos serviços
domésticos, cansando-se deles. Imagina Inês casar-se com um homem que ao mesmo tempo seja alegre, bem-humorado, galante e que
goste de dançar e cantar, o que já se percebe na primeira conversa que estabelece com sua mãe e Leonor Vaz. Essas duas têm uma visão
mais prática do matrimônio: o que importa é que o marido cumpra suas obrigações financeiras, enquanto que Inês está apenas
preocupada com o lado prazeroso, cortesão.
O primeiro candidato, apresentado por Leonor Vaz, é Pero Marques, camponês de posses, o que satisfazia a idéia de marido na visão de
sua mãe, mas era extremamente simplório, grosseirão, desajeitado, fatos que desagradam Inês. Por isso Pero Marques é descartado pela
moça.
Aceita então a proposta de dois judeus casamenteiros divertidíssimos, Latão e Vidal, que somente se interessam no dinheiro que o
casamento arranjado pode lhes render, não dando importância ao bem-estar da moça. Então lhe apresentam Brás da Mata, um escudeiro,
que mostra-se exatamente do jeito que Inês esperava, apesar das desconfianças de sua mãe.
Eles se casam. No entanto, consumado o casamento, Brás, seu marido, mostra ser tirano, proibindo-a de tudo, até de ir à janela. Chegava a
pregar as janelas para que Inês não olhasse para a rua. Proibia Inês de cantar dentro de casa, pois queria uma mulher obediente e discreta.
Encarcerada em sua própria casa, Inês encontra sua desgraça. Mas a desventura dura pouco pois Brás torna-se cavaleiro e é chamado para
a guerra, onde morre nas mãos de um mouro quando fugia de forma covarde.
Viúva e mais experiente, fingindo tristeza pela morte do marido tirano, Inês aceita casar-se com Pero Marques, seu antigo pretendente.
Aproveitando-se da ingenuidade de Pero, o trai descaradamente quando é procurada por um ermitão que tinha sido um antigo
apaixonado seu. Marcam um encontro na ermida e Inês exige que Pero, seu marido, a leve ao encontro do ermitão. Ele obedece
colocando-a montada em suas costas e levando Inês ao encontro do amante.
Consuma-se assim o tema, que era um ditado popular de que "é melhor um asno que nos carregue do que um cavalo que nos derrube"

2. Personagens (caracteristicas e relações entre elas):


 Inês Pereira: esta personagem é a protagonista da farsa, pois a intriga desenvolve-se à volta do desejo de casar
(para ter mais liberdade) e das escolhas que faz neste sentido. De ínicio, esta personagem feminina surge como
alguém muito descontente com a vida que tem: Inês sente-se “cativa” da vida doméstica que leva e gostaria de ter
a mesma vida que as outras jovens com uma vida mais folgada. Deste modo, representa um grupo social com uma
forma es estar, de pensar e de agir muito tipica. Inês construi uma imagem idealizada do seu marido de sonho. A
sua mãe, a alcoviteira Lianor Vaz tentam orientá-la mas Inês mostra-se decidida e irredutivel nas suas opinões. Inês
acabará por aprender por sim e com os seus erros. Numa primeira fase, enganada pelo Escudeiro Brás de Mata
pela aparência, inês opta pelo pretendente mais galante. Depressa apercebe-se da má escolha que fizera e
arrepende-se. Constata-se uma mudança de atitude da protagonista que revela um plano futuro para se vingar do
sucedido. Depois de ter sido enganada por Brás da Mata, Inês escolhe a personagem que representa o “asno”, o
lavrador Pêro Marques.

 Mãe : uma mulher de pouca sorte, perspicaz, manifesta opiniões totalmente contraditórias das da filha
relativamente ao casamento e ao marido que esta devia escolher. Analisando as suas falas, repletas de provérbios
e as suas falas podemos dizer que a mãe é a voz do bom senso, da razão e também da expriência. A mãe quer
ajudar a sua filha tanto que elogia-a ao saber da proposta da Alcoviteira. Por outro lado, dá conselhos a Inês
sempre que um pretendente a vem visitar, o que mostra cuidado e preocupação. Outras vezes coloca perguntas à
filha com fim a deixá-la reflirir e a ponderar melhor sobre o seu futuro, fazendo referência à necessidade de um
futuro seguro. Inês não quer casar com um homem da sua classe social mas sim alguém da corte com um home
que toque viola e que saiba falar bem. A mãe porém é mais realista e interessa-se pela condição económica do
Lavrador. A partir do casamento com o escudeiro, a mãe não volta a aparecer, como se a sua missão já estivesse
terminada e que agora “todo o mal” fosse responsabilidade da escolha que Inês fez.

 Lianor vaz: esta é uma personagem-tipo, uma alcoviteira, é uma mulher cujo oficio consistia em arranjar
casamentos apresentando pretendentes. Assim dá a conher Pêro Maruqes a Inês e à sua mãe considerando-o
“bom marido, rico, honrado conhecido”. Lianor Vaz partilha das mesmas opiniões da mãe quanto à escolha que
Inês devia fazer. Porém, tal como a Mãe, a alcoviteira não consegue convencer inicialmente Inês a optar pelo
lavrador e é só depois da morte do Escudeiro que Lianor Vaz aparece e aconselha-a novamente chamando a
atenção para as vantagens económicas de tal união. Esta personagem denuncia o comportamento devasso do
clero, através do encontro com o clérigo que a assedia, o que constitui uma critica social.

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 Pêro Maques: Retrato fiel do camponês, do homem rústico e simples, Pêro Marques é uma personagem-tipo e
aparece como o primeiro pretendente, aquele que, apesar de todos os elogios da Alcoviteira, é desprezado por
Inês Pereira. Inês não hesita em caracterizá-lo de uma forma bastante negativa e sarcástica, tecendo comentários
insultuosos sobre ele (“parvo vilão”/”nunca vi tal coisa”/ “oh, Jesus!Que joão de bestas”). Esta caracterização
direta (heterocaracterização) decorre das atitudes e comportamentos que Pêro Marquês teve com Inês mesmo
ainda antes de a conhecer (por exemplo, a carta que lhe escreveu com uma linguagem demasiado básico). Quando
é apresentando a inês, esta personagem tem uma situação cómica que se cria com Pêro Marques sem saber para
que serve uma cadeira sentando-se ao contrário nela ou quando procura em vão as pêras no seu chapéu. Pêro
Marques autocaracteriza-se como sendo um homem do bem, sério e decente. Para Inês estas qualidades não são
de valorizar, antes pelo contrário (ridiculariza-o sem perceber que ele se sente desconfortavel por estar na mesma
sala com apenas ela). Por fim, a imagem do camponês inocente, ingénuo e desajeitado fica completa no ultimo
episódio da peça quando o vemos a transportar Inês, agora sua mulher, às costas, levando-as ao encontro do
Ermitão. Pêro Marques encara então o papel de marido ingénuo e obdiente que é enganado pela mulher.

 Escudeiro Brás da Mata: Segundo pretendente de Inês Pereira que parece corresponder ao perfil desenhado por
ela para seu marido. Após os vários elogios dos judeus, o Escudeito também ele é uma pesonagem-tipo que parece
ser um homem encantador, hábil com as palavras e com os instrumentos musicais, mas na verdade é apenas um
homem falso, arrogante, pelintra e prepotente.

 Judeus (Latão e Vidal): Desempenham um papel semelhante ao da Alcoviteira e têm por missão apresentar a Inês o
Escudeiro. São personagens cómicas e recorrem a uma linguagem caricaturial como quando apresentam o
Escudeiro a Inês num retrato exagerado. Pertencem a uma comunidade judaica, contribuindo para serem como
personagens-tipo (na cerimónia de casamento executam rituais judaicos). São grananciosos pois concretizam o
casamento e exigem logo a quantia de dinheiro devida. Funcionam como uma unica personagem porque tanto ao
nivel do discurso como a nivel do comportamneto, ambos completam-se.

 Moço: Criado do Escudeiro, acompanha-o ao longo de toda a peça e é uma voz critica do amo. Leva uma vida dura
de pobreza e é maltratado pelo amo. É fiel mesmo assim ao seu amo fazendo tudo o que lhe pede (como, por
exemplo, o pedido do escudeiro para o moço vigiar inês) e contra a sua vontade, cumpre o pedido.

 Ermitão: é um ermitão que é diferente dos ermitas e monges que viviam isolados para se dedicarem
exclusivamente a Deus e que viviam da a fé e da a caridade das pessoas que os ajudavam e os alimentavam. Para
este “Deus é Cupido”. Seduz Inês Pereira e representa a vida da liberdade que a moça pretendia levar, com a
aprovação do próprio marido que não vê maldade em nada. Representa uma critica ao clero, à sua imoralidade e à
sua corrupção.

3. A representação do quotidiano:

As farsas têm como caracteristica a representação da vida quotidiana e nesta podemos encontrar os hábitos, os
costumes, as crenças e os modos de vida da época, em especial aos que diziam respeito:

Ao casamento: o texto vicentino dá-nos a conhecer as ideias contrárias de Inês , da Mãe e de Lianor Vaz em relação ao
casamento (a intervenção de uma alcoviteira e dos judeus, os encontros com os pretendentes, as regras, a festa de
casamento e a vida a dois).
Ao estatuto da mulher: (sobretudo a solteira). Os casamentos eram, grande parte das vezes, um negócio entre duas
partes, sem que a mulher tivesse alguma participação na decisão. Neste caso, que é uma exceção a essa regra, apesar de
haver na mesma intermediários entre ambos, a ultima palavra é de Inês que deseja uma vida sem ser de “cativeiro” e
ascender socialmente, objetivo esse que não foi cumprido com o primeiro marido (o escudeiro).
À vida doméstica: ao longo da farsa, acompanhamos a protagonista nas suas tarefas domésticas, assumindo uma
postura da típica mulher que trata da casa. No seu monólogo inicial, Inês encontra-se a costurar em casa; depois, já
casada, também costura fechada em casa.
À vida palaciana: apesar da vida de aparências que existiam na corte e que está representada na figura do Escudeiro ,
muitos ambicionavam a sua ascendência social de modo a fazer parte desta classe (ex: Inês)
À vida do campo: Uma vida simples, autêntica mas pouco considerada. Pêro Marques representa essa classe social em
oposição à vida falsa da corte. Esta vida simples de trabalho garantia mais sustento que a vida dos fidalgos pelintras.
À vida do clero: o encontro da alcoviteira com um membro do clero e o de Inês Pereira com um Ermitão devoto de
cupido são exemplos que denunciam comportamentos imorais desta classe social.

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4. A dimensão satírica:

Um dos objetivos do teatro de Gil vicente era denunciar, criticar e mostrar algumas mudanças que afetavam a
sociedade, como por exemplo, o desejo de ascendência social, o adultério, a imoralidade do clero, entre outros. Estes
comportamentos são denunciados através de personagens-tipo e da linguagem cómica. Nesta farsa reconehcemos alguns tipos:

→a alcoviteira e os judeus (Lianor Vaz, Latão e Vidal)- figuras gananciosas que agem com um fim económico;

→Pêro Marques- personagem rústica, serve para fazer rir a gente da corte com a sua ignorância e simplicidade.

→o Escudeiro Brás da Mata- género de parasita, vadio, que imita os padrões da nobreza (ex: tocar guitarra, faz serenatas, finge-
se corajoso, mas é medroso e maltrata o moço). Não trabalha e passa fome.

→o Ermitão- há uma conformidade entre os atos e os ideias pois invés de procurar renunciar o mudo e a pobreza, busca a
riqueza e os prazeres que não estão ligados à religião.

4.1. O cómico → utilizado para críticar os costumes da época.


a) Cómico de caracter: assenta na personalidade e no modo de ser da personagem. Pêro Marques e o escudeiro
mostram que são personagem cómicas. O primeiro é o retrato fiel do provinciano desajeitado e desconhecedor das
convenções sociais; já o segundo estava arruinado e era cobarde, embora aparentasse ser rico e elegante. Pêro
Marques, quando visita Inês pela priemira vez revela imediatamente o seu lado cómico (ex: não sabe para que
serve a cadeira e ao sentar-se coloca-se de costas para as outras personagens, invés de presentes elegantes, traz
peras). Quanto ao Escudeiro, a sua faceta cómica reside precisamente no contraste que há entre agir com o moço
(é pelintra, arrogante, autoritário) ou com Inês, já casados (é severo, insensivel), e aquilo que ele manifesta quando
a conhece (é afável, cortês, galante).
b) Cómico de situação: baseia-se na intriga e no próprio desenrolar dos episódios. Como exemplo disso tem-se, as
atitudes desajeitadas de Pêro Marques ao longo da obra ou mesmo os judeus quando querem forçar Inês a
conhecer o pretendente que eles escolheram. A morte do Escudeiro também é considerado cómico de situação
pois foi morto pelo pastor mouro. Por fim, Pêro Marques leva Inês às costas e esta canta uma cantiga sobre um
“marido cuco”, isto é, traído. Toda esta cena é cómica pois este não percebe e comporta-se como um “asno”
c) Cómico de linguagem: resulta da desadequação do que é dito ou do modo que é falado relativamente ao contexto
envolvente, pode ser produzido através da ironia, apartes, sarcasmo, trocadilho, jogo de palavras, o calão ou
expressões populares. Pêro Marques escreve uma carta a InÊs com uma linguagem muito provinciana e provoca o
riso ao leitor e à própria protagonista. Tem um discurso e uma linguagem provinciana, por vezes, confusa queserve
também para o caracterizar. Os judeus também têm uma linguagem cómica fruto da repetiçaõ do discurso mas
também o uso do registo popular e, por vezes, o calão. A ironia presente nos apartes de Inês onde ela refere Pêro
Marques também é um exemplo, tal como os apartes do moço referentes ao seu amo.

5. Linguagem e estilo

Gil Vicente procurou adequar a linguagem de cada personagem ao seu grupo social ou à atividade que desempenhava.

a) Pêro Marques fala como lavrador que é, de forma simples, muito provinciana e por veze, confusa, visto que não é
instruído.
b) Inês Pereira, a Mãe e Lianor Vaz falam como mulheres do povo recorrendo muito a ditados populares e a
provérbios.
c) Bras da Mata, como pretende enganr Inês, fala com ela de um modo galante sendo o seu discurso rebuscado. Já
com o moço, usa uma linguagem mais coloquial e agressiva, tal como faz com Inês depois do casamento.
d) Os Judeus recorrem a uma linguagem de cariz popular e , a dada altura usam rituais judaicos .

Recursos expressivos recorrentes nesta obra:


- Ironia;
-Comparação;
-Interrogação retórica;
-Metáfora

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