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Poesia Trovadoresca

Cantigas de Amigo Cantigas de Amor Cantigas de Escá rnio e Maldizer

-o trovador que escreve como se fosse uma donzela.


-o pró -as cantigas
prio trovador que escreve e sente amor pela de escá rnio nã o revelam diretamente
sua "senhor";

-desabafa com as amigas; a Natureza e raramente


-ambientecom a mã e,(cortês);
palaciano acerca do seu"amigo"; -as cantigas de maldizer revelam diretamente a p

-cenário rural; campestre (bucó lico); -funcionam como documentos histó ricos, pois mo
-amor, muitas vezes, nã o correspondido (plató nico);

-atividades relacionadas com o campo; pesca;


-a mulher amada é idealizada, sendo descrita como perfeita, quer física quer psicologicamente;

-divertimentos: romarias; -divertimentos de vivências palaciana: bailes; torneios;

Espaços, protagonistas e circunstância

▪ Cantiga de amigo – Ambiente doméstico e familiar, marcadamente feminino (donzela ou


meninas e as amigas, ou a mã e e a filha); ambiente coletivo (romaria, santuá rio) ou rural (campo, rio, mar);
origem autó ctone, resultando da tradiçã o lírica já existente na regiã o.

▪ Cantiga de amor – Ambiente aristocrá tico (rei, nobres, senhores); palá cio ou corte;
ambiente marcado por um có digo e por convençõ es (amor cortê s); cantigas importadas em particular da
zona de Provença.

▪ Cantiga de escárnio e maldizer – Ambiente palaciano e de corte.

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Linguagem, estilo e estrutura
As cantigas de amigo caracterizam se por uma estrutura rítmica e estró fica muito pró xima de uma musica.
Como tal, podem acontecer dois processos (em simultâ neo ou isolados) : o refrão- repetiçã o de um ou mais
versos no final de cada estrofe- e o paralelismo. Estã o presentes também recursos expressivos como a
personificaçã o, comparaçã o ou apostrofe.

As cantigas de amor podem ou nã o recorrer a um refrã o e normalmente sã o utilizados recursos expressivos


como a adjetivaçã o, a hipérbole ou a comparaçã o.

Nas cantigas de maldizer e escá rnio é muito recorrente utilizar a sá tira e o có mico recorrendo também, como
recurso expressivo, a ironia

Gil Vicente, Farsa de Inê s Pereira

Inês Pereira é uma jovem solteira que sofre a pressã o constante do casamento, e reclama da sorte por
estar presa em casa, aos serviços domésticos, cansando-se deles. Imagina Inês casar-se com um homem
que ao mesmo tempo seja alegre, bem-humorado, galante e que goste de dançar e cantar, o que já se
percebe na primeira conversa que estabelece com sua mã e e Leonor Vaz. Essas duas têm uma visã o mais
prá tica do matrimô nio: o que importa é que o marido cumpra suas obrigaçõ es financeiras, enquanto que
Inês está apenas preocupada com o lado prazeroso,
cortesão.
O primeiro candidato, apresentado por Leonor Vaz, é Pero Marques, camponê s de posses, o que satisfazia
a idé ia de marido na visã o de sua mã e, mas era extremamente simpló rio, grosseirã o, desajeitado, fatos que
desagradam Inês. Por isso Pero Marques é descartado pela moça.
Aceita entã o a proposta de dois judeus casamenteiros divertidíssimos, Latã o e Vidal, que somente se
interessam no dinheiro que o casamento arranjado pode lhes render, nã o dando importâ ncia ao bem-
estar da moça. Entã o lhe apresentam Brá s da Mata, um escudeiro, que mostra-se exatamente do jeito que
Inês esperava, apesar das desconfianças de sua
mãe.
Eles se casam. No entanto, consumado o casamento, Brá s, seu marido, mostra ser tirano, proibindo-a de
tudo, até de ir à janela. Chegava a pregar as janelas para que Inês nã o olhasse para a rua. Proibia Inês de

cantar dentro de casa, pois queria uma mulher obediente e discreta. Encarcerada em sua pró pria
Inês encontra sua desgraça. Mas a desventura dura pouco pois Brá s torna-se cavaleiro e é chamado para a
guerra, onde morre nas mã os de um mouro quando fugia de forma covarde.

Viú va e mais experiente, fingindo tristeza pela morte do marido tirano, Inês aceita casar-se com Pero
Marques, seu antigo pretendente. Aproveitando-se da ingenuidade de Pero, o trai descaradamente quando
é procurada por um ermitã o que tinha sido um antigo apaixonado seu. Marcam um encontro na ermida e
Inês exige que Pero, seu marido, a leve ao encontro do ermitã o. Ele obedece colocando-a montada em
suas costas e levando Inês ao encontro do
amante.
Consuma-se assim o tema, que era um ditado popular de que "é melhor um asno que nos carregue do
que um cavalo que nos derrube"

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Personagens:
Inês Pereira: esta personagem é a protagonista da farsa, pois a intriga desenvolve-se à volta do desejo de casar
(para ter mais liberdade) e das escolhas que faz neste sentido. De início, esta personagem feminina surge
como algué m muito descontente com a vida que tem: Inês sente-se “cativa” da vida domé stica que leva e
gostaria de ter a mesma vida que as outras jovens com uma vida mais folgada. Deste modo, representa um
grupo social com uma forma es estar, de pensar e de agir muito típica. Inês construi uma imagem idealizada
do seu marido de sonho. A sua mã e e a alcoviteira Lianor Vaz tentam orientá -la mas Inês mostra-se decidida e
irredutível nas suas opinõ es. Inê s acabará por aprender por sim e com os seus erros. Numa primeira fase,
enganada pelo Escudeiro Brá s de Mata pela aparê ncia, Inês opta pelo pretendente mais galante. Depressa
apercebe-se da má escolha que fizera e arrepende-se. Constata-se uma mudança de atitude da protagonista
que revela um plano futuro para se vingar do sucedido. Depois de ter sido enganada por Brá s da Mata, Inês
escolhe a personagem que representa o “asno”, o lavrador Pê ro Marques.

Mã e : uma mulher de pouca sorte, perspicaz, manifesta opiniõ es totalmente contraditó rias das da filha
relativamente ao casamento e ao marido que esta devia escolher. Analisando as suas falas, repletas de
provérbios e as suas falas podemos dizer que a mã e é a voz do bom senso, da razã o e também da experiência.
A mã e quer ajudar a sua filha tanto que elogia-a ao saber da proposta da Alcoviteira. Por outro lado, dá
conselhos a Inês sempre que um pretendente a vem visitar, o que mostra cuidado e preocupaçã o. Outras
vezes coloca perguntas à filha com fim a deixá -la refletir e a ponderar melhor sobre o seu futuro, fazendo
referência à necessidade de um futuro seguro. Inês nã o quer casar com um homem da sua classe social mas
sim alguém da corte com um homem que toque viola e que saiba falar bem. A mã e porém é mais realista e
interessa-se pela condiçã o econó mica do Lavrador. A partir do casamento com o escudeiro, a mã e nã o volta a
aparecer, como se a sua missã o já estivesse terminada e que agora “todo o mal” fosse responsabilidade da
escolha que Inês fez.

Lianor Vaz: esta é uma personagem-tipo, uma alcoviteira, é uma mulher cujo oficio consistia em arranjar
casamentos apresentando pretendentes. Assim dá a conhecer Pêro Marques a Inês e à sua mã e considerando-
o “bom marido, rico, honrado conhecido”. Lianor Vaz partilha das mesmas opiniõ es da mã e quanto à escolha
que Inês devia fazer. Porém, tal como a Mã e, a alcoviteira nã o consegue convencer inicialmente Inês a optar
pelo lavrador e é só depois da morte do Escudeiro que Lianor Vaz aparece e aconselha-a novamente
chamando a atençã o para as vantagens econó micas de tal uniã o. Esta personagem denuncia o comportamento
devasso do clero, através do encontro com o clérigo que a assedia, o que constitui uma critica social.

Pê ro Marques: Retrato fiel do camponê s, do homem rú stico e simples, Pê ro Marques é uma personagem-tipo
e aparece como o primeiro pretendente, aquele que, apesar de todos os elogios da Alcoviteira, é desprezado
por Inês Pereira. Inê s nã o hesita em caracterizá -lo de uma forma bastante negativa e sarcá stica, tecendo
comentá rios insultuosos sobre ele (“parvo vilã o”/”nunca vi tal coisa”/ “oh, Jesus!Que Joã o de bestas”). Esta
caracterizaçã o direta (heterocaracterizaçã o) decorre das atitudes e comportamentos que Pê ro Marquê s teve
com Inês mesmo ainda antes de a conhecer (por exemplo, a carta que lhe escreveu com uma linguagem
demasiado bá sico). Quando é apresentando a Inês, esta personagem tem uma situaçã o có mica que se cria
com Pê ro Marques sem saber para que serve uma cadeira sentando-se ao contrá rio nela ou quando procura
em vã o as pêras no seu chapé u. Pê ro Marques autocaracteriza-se como sendo um homem do bem, sério e

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decente. Para Inês estas qualidades nã o sã o de valorizar, antes pelo contrá rio (ridiculariza-o sem perceber
que ele se sente desconfortá vel por estar na mesma sala com apenas ela). Por fim, a imagem do camponês
inocente, ingénuo e desajeitado fica completa no ultimo episó dio da peça quando o vemos a transportar Inês,
agora sua mulher, à s costas, levando-as ao encontro do Ermitã o. Pêro Marques encara entã o o papel de
marido ingénuo e obediente que é enganado pela mulher.

Escudeiro Brá s da Mata: Segundo pretendente de Inês Pereira que parece corresponder ao perfil desenhado
por ela para seu marido. Apó s os vá rios elogios dos judeus, o Escudeiro também ele é uma personagem-tipo
que parece ser um homem encantador, há bil com as palavras e com os instrumentos musicais, mas na
verdade é apenas um homem falso, arrogante, pelintra e prepotente.

Moço: Criado do Escudeiro, acompanha-o ao longo de toda a peça e é uma voz critica do amo. Leva uma vida
dura de pobreza e é maltratado pelo amo. É fiel mesmo assim ao seu amo fazendo tudo o que lhe pede (como,
por exemplo, o pedido do escudeiro para o moço vigiar Inês) e contra a sua vontade, cumpre o pedido.

Judeus (Latã o e Vidal): Desempenham um papel semelhante ao da Alcoviteira e têm por missã o apresentar a
Inês o Escudeiro. Sã o personagens có micas e recorrem a uma linguagem caricatural como quando
apresentam o Escudeiro a Inês num retrato exagerado. Pertencem a uma comunidade judaica, contribuindo
para serem como personagens-tipo (na cerimó nia de casamento executam rituais judaicos). Sã o gananciosos
pois concretizam o casamento e exigem logo a quantia de dinheiro devida. Funcionam como uma ú nica
personagem porque tanto ao nível do discurso como a nível do comportamento, ambos completam-se.

Ermitã o: é um ermitã o que é diferente dos ermitas e monges que viviam isolados para se dedicarem
exclusivamente a Deus e que viviam da a fé e da a caridade das pessoas que os ajudavam e os alimentavam.
Para este “Deus é Cupido”. Seduz Inês Pereira e representa a vida da liberdade que a moça pretendia levar,
com a aprovaçã o do pró prio marido que nã o vê maldade em nada. Representa uma critica ao clero, à sua
imoralidade e à sua corrupçã o.

A dimensão satírica:
Um dos objetivos do teatro de Gil Vicente era denunciar, criticar e mostrar algumas mudanças que afetavam a
sociedade, como por exemplo, o desejo de ascendência social, o adultério, a imoralidade do clero, entre
outros. Estes comportamentos sã o denunciados através de personagens-tipo e da linguagem có mica. Nesta
farsa reconhecemos alguns tipos:

a alcoviteira e os judeus (Lianor Vaz, Latã o e Vidal)- figuras gananciosas que agem com um fim econó mico;

Pêro Marques- personagem rú stica, serve para fazer rir a gente da corte com a sua ignorâ ncia e
simplicidade.

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o Escudeiro Brá s da Mata- género de parasita, vadio, que imita os padrõ es da nobreza (ex: tocar guitarra,
faz serenatas, finge- se corajoso, mas é medroso e maltrata o moço). Nã o trabalha e passa fome.

o Ermitã o- há uma conformidade entre os atos e os ideias pois invés de procurar renunciar o mudo e a
pobreza, busca a riqueza e os prazeres que nã o estã o ligados à religiã o.

A representação do quotidiano:
As farsas têm como característica a representaçã o da vida quotidiana e nesta podemos encontrar os
há bitos, os costumes, as crenças e os modos de vida da época, em especial aos que diziam respeito:

Ao casamento: o texto vicentino dá -nos a conhecer as ideias contrá rias de Inês , da Mã e e de Lianor Vaz
em relaçã o ao casamento (a intervençã o de uma alcoviteira e dos judeus, os encontros com os
pretendentes, as regras, a festa de casamento e a vida a dois).
Ao estatuto da mulher: (sobretudo a solteira). Os casamentos eram, grande parte das vezes, um negó cio
entre duas partes, sem que a mulher tivesse alguma participaçã o na decisã o. Neste caso, que é uma
exceçã o a essa regra, apesar de haver na mesma intermediá rios entre ambos, a ultima palavra é de Inês
que deseja uma vida sem ser de “cativeiro” e ascender socialmente, objetivo esse que nã o foi cumprido
com o primeiro marido (o escudeiro).

À vida doméstica: ao longo da farsa, acompanhamos a protagonista nas suas tarefas domésticas,
assumindo uma postura da típica mulher que trata da casa. No seu monó logo inicial, Inês encontra-se a
costurar em casa; depois, já casada, também costura fechada em casa.

À vida palaciana: apesar da vida de aparências que existiam na corte e que está representada na figura do
Escudeiro , muitos ambicionavam a sua ascendência social de modo a fazer parte desta classe (ex: Inês)

À vida do campo: Uma vida simples, autêntica mas pouco considerada. Pêro Marques representa essa
classe social em oposiçã o à vida falsa da corte. Esta vida simples de trabalho garantia mais sustento que a
vida dos fidalgos pelintras.

À vida do clero: o encontro da alcoviteira com um membro do clero e o de Inês Pereira com um Ermitã o
devoto de cupido sã o exemplos que denunciam comportamentos imorais desta classe social.

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O có micoutilizado para criticar os costumes da época.

a) Có mico de caracter: assenta na personalidade e no modo de ser da personagem. Pêro Marques e o


escudeiro mostram que sã o personagem có micas. O primeiro é o retrato fiel do provinciano desajeitado e
desconhecedor das convençõ es sociais; já o segundo estava arruinado e era cobarde, embora aparentasse ser
rico e elegante. Pêro Marques, quando visita Inês pela primeira vez revela imediatamente o seu lado có mico
(ex: nã o sabe para que serve a cadeira e ao sentar-se coloca-se de costas para as outras personagens, invés de
presentes elegantes, traz peras). Quanto ao Escudeiro, a sua faceta có mica reside precisamente no contraste
que há entre agir com o moço (é pelintra, arrogante, autoritá rio) ou com Inês, já casados (é severo,
insensível), e aquilo que ele manifesta quando a conhece (é afá vel, cortês, galante).
b) Có mico de situaçã o: baseia-se na intriga e no pró prio desenrolar dos episó dios. Como exemplo
disso tem-se, as atitudes desajeitadas de Pêro Marques ao longo da obra ou mesmo os judeus quando querem
forçar Inês a conhecer o pretendente que eles escolheram. A morte do Escudeiro também é considerado
có mico de situaçã o pois foi morto pelo pastor mouro. Por fim, Pêro Marques leva Inês à s costas e esta canta
uma cantiga sobre um “marido cuco”, isto é, traído. Toda esta cena é có mica pois este nã o percebe e
comporta-se como um “asno”
c) Có mico de linguagem: resulta da desadequaçã o do que é dito ou do modo que é falado
relativamente ao contexto envolvente, pode ser produzido através da ironia, apartes, sarcasmo, trocadilho,
jogo de palavras, o calã o ou expressõ es populares. Pêro Marques escreve uma carta a InÊ s com uma
linguagem muito provinciana e provoca o riso ao leitor e à pró pria protagonista. Tem um discurso e uma
linguagem provinciana, por vezes, confusa que serve também para o caracterizar. Os judeus também têm uma
linguagem có mica fruto da repetiçã o do discurso mas também o uso do registo popular e, por vezes, o calã o. A
ironia presente nos apartes de Inês onde ela refere Pêro Marques também é um exemplo, tal como os apartes
do moço referentes ao seu amo.

Linguagem e estilo
Gil Vicente procurou adequar a linguagem de cada personagem ao seu grupo social ou à atividade que
desempenhava.

a) Pêro Marques fala como lavrador que é, de forma simples, muito provinciana e por vezes, confusa,
visto que nã o é instruído.

b) Inês Pereira, a Mãe e Lianor Vaz falam como mulheres do povo recorrendo muito a ditados populares
e a provérbios.

c) Brás da Mata, como pretende enganar Inês, fala com ela de um modo galante sendo o seu discurso
rebuscado. Já com o moço, usa uma linguagem mais coloquial e agressiva, tal como faz com Inês depois
do casamento.

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d) Os Judeus recorrem a uma linguagem de cariz popular e , a dada altura usam rituais judaicos .

Recursos expressivos recorrentes nesta obra:

-Ironia;

-Comparação;

-Interrogação retórica;

-Metáfora;

Fernã o Lopes, Cró nica de D. Joã o I


Contextualização histórica:
A cró nica de D. Joã o I é, na realidade, uma legitimaçã o da nova dinastia, a dinastia de Avis, iniciada apó s um
período conturbado entre dois reinos na monarquia portuguesa que vai de 1383 a 1385 (crise politica). Esta
cró nica é considerada a cró nica medieval mais importante, quer pelos acontecimentos que relata, quer pela
qualidade literá ria da sua prosa. Foi publicada pela primeira vez em Lisboa a 1644 e está dividida em duas
partes:

-a 1º ocupa-se no espaço e no tempo desde a morte de D. Fernando até à eleiçã o de D. Joã o I;

-a 2º relata o reinado deste monarca até à paz com Castela em 1411.

Afirmação da consciência coletiva:


A cró nica de D. Joã o I constitui uma afirmaçã o da consciência coletiva, no sentido em que o verdadeiro heró i
que povoa na obra nã o é um heró i individual como habitual (nã o é um cavaleiro, um nobre...) mas sim um
heró i coletivo – o POVO. Fernã o Lopes mostram-nos com imenso realismo, vivacidade, pormenor descritivo e
emotividade o povo que se revolta, que irrompe as ruas de Lisboa à procura do Mestre, que defende a cidade
contra os castelhanos, que passa fome e privaçõ es por causa do cerco.

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A voz do povo, o sentir dos homens e das mulheres, dos mesteirais, dos homens-bons, é muitas vezes
transmitida através de uma voz anô nima e da multidã o. Outras vezes é a pró pria cidade que parece revelar
essa consciência do todo, assumindo quase o estatuto de uma personagem coletiva.

O povo manifesta o seu patriotismo e o seu apoio ao Mestre. O povo é o verdadeiro heró i da revoluçã o e da
cró nica de Fernã o Lopes.

É no pró logo da Cró nica de D. Joã o I que o cronista expõ e o seu objetivo e método de historiar inovador.
O seu desejo é "em esta obra escrever verdade sem outra mistura", para o que faz concorrer toda a gama
de documentos possível, desde narrativas a documentos oficiais, confrontando-os entre si para assegurar
a veracidade dos registos existentes. Ao mesmo tempo, esta cró nica estabelece, de certa forma, o ponto de
chegada das duas cró nicas precedentes, na medida em que estas preparam os acontecimentos que
culminam com a sublevaçã o popular e consequentemente, com a entronizaçã o de D. Joã o I.

A primeira parte da cró nica descreve a insurreiçã o de Lisboa na narraçã o célere dos episó dios quase
simultâ neos do assassinato do conde Andeiro, do alvoroço da multidã o que acorre a defender o Mestre e
da morte do bispo de Lisboa. Ao longo dos capítulos, fundamenta-se a legitimidade da eleiçã o do Mestre,
consumada nas cortes de Coimbra, na sequência da argumentaçã o do doutor Joã o das Regras, enquanto
desfecho inevitá vel imposto pela vontade da populaçã o. Nesta primeira parte, o talento do cronista na
animaçã o de retratos individuais, como os de D. Leonor Teles ou D. Joã o I, excede-se na composiçã o de
uma personagem coletiva, o povo, verdadeiro protagonista que influi sobre o devir dos acontecimentos
histó ricos.

Na segunda parte, o ritmo narrativo diminui, tratando-se agora de reconhecer o rei saído das cortes, e é de
novo pela açã o do povo que a glorificaçã o do monarca é transmitida, como, por exemplo, no modo como o
acolhe a cidade do Porto. Um outro momento de maior relevo é consagrado, nesta parte, à narrativa da
Batalha de Aljubarrota, embora aí nã o ecoe o mesmo tom de exaltaçã o com que, na primeira parte,
colocara em cena o movimento da massa popular.

Atores individuais e coletivos:

Atores coletivos:
-as gentes de Lisboa, quer como uma massa, uma coletividade, quer como grupos sociais (ex:
lavradores, homens-bons, as mulheres).

Atores individuais:
-Mestre de Avis- é caracterizado como um homem vulgar, hesitante e vulnerá vel à s fraquezas. É um
homem receoso, no seguimento do assassinato do conde Andeiro. Apesar destes defeitos – que o tornam
uma personagem profundamente realista –, D. Joã o I mostra também ser capaz de atos espontâ neos de
solidariedade, o que o converte numa figura cativante. Líder “desfeito” mas também solidá rio com a
populaçã o, durante o cerco de Lisboa.

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-Á lvaro Pais- o burguês que espalha pelas ruas de Lisboa que estã o a matar o Mestre, influenciando o povo
a correr a seu auxilio.
-D. Leonor Teles- a mulher que gera ó dio na populaçã o e é apelidada de “aleivosa” (traidora).

Luis de Camõ es, Rimas


Contextualizaçã o histó rico-literária:
A idade média foi considerada uma época de trevas, de ignorâ ncia e de atraso. Existia uma grande vitalidade
intelectual na idade média já que, durante este longo período, se sucederam os “renascimentos” e os esforços
para recriar a sabedoria clá ssica. O renascimento pode definir-se como um movimento cultural que marca a
transiçã o da idade média para a idade moderna e teve repercussõ es politicas, sociais, econó micos e culturais.
Em Portugal, o renascimento surgiu na segunda metade do século XVI e apresentou a particularidade de
estar ligado à expansã o marítima.

Linguagem, estilo e estrutura:


Esta poesia foi influenciada por duas tendências estéticas- uma mais tradicional e outra mais clássica.
-Redondilhas- poemas com versos de 5 ou 7 sílabas métricas, ou seja, a medida velha e podem ter a forma de
cantigas, vilancetes, esparsas ou trovas;
-Sonetos- poemas com influê ncias de Itá lia e da valorizaçã o clá ssica. Encontra-se entã o versos com 10 sílabas
mé tricas (decassilá bicos), a chamada medida nova.

A lírica tradicional seguem uma estrutura comum da poesia palaciana, um mote desenvolvido em voltas.

-Mote- verso ou conjunto de versos que começam o poema e que servem para apresentar a ideia que será
desenvolvida nos versos seguintes.

-Voltas- versos que aparecem depois do mote agrupados em estrofes. Ao recuperar o tema explicitado no
mote, a volta pode repetir um ou mais vezes o mote, funcionando assim, como um refrã o.

Já a inspiraçã o clá ssica está presente na transformaçã o das composiçõ es em decassílabos que podiam ser em
formas de odes, sonetos ou cançõ es.

-Soneto- constituído por 2 quadras e 2 tercetos com vá rios tipos de esquemas rimático.

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Temá ticas da lirica camoniana:

a) A experiê ncia amorosa e a reflexã o sobre o amor

-Existem 2 tipos de mulher (a espiritual e a carnal)- a mulher sensual desperta o amor carnal e fisico.
A mulher petrarquista é descrita como um ser ideal, que nã o deve ser desejado fisicamente mas
amado e idolatrado. (*petrarquista- inspiraçã o na deusa Petrarca)
-O poeta sente à s vezes que a realizaçã o total do amor só é possível atravé s do amor espiritual e do
amor fisico/carnal.
-O sujeito poético está dividido entre o fascínio do amor plató nico (espiritual)/petrarquista vs. a
atraçã o por um amor carnal (entre a mulher que admira e a que deseja).
-A ausência da mulher amada origina sofrimento, saudade e â nsia por um reencontro físico.
-A experiência de uma vida amorosa fracassada poderá explicar a influência do amor de concessã o
plató nica.
-O amor e os seus efeitos têm um poder transformador.

b) A representaçã o da amada

-Imagem de uma mulher angélica, um ser divido, de pele, olhos e cabelo claros, elementos físicos
reveladores das qualidades da alma, com um poder transformador da Natureza e do Homem
(influência petrarquista).
-Representaçã o de uma mulher maléfica, em contraste com a mulher anjo.
-Novo conceito de beleza feminina distante do de Petrarca (pele, olhos e cabelos escuros), capaz de
provocar fascínio e tranquilidade no amador.
-A imagem realista, inspirada na vida quotidiana, presente em algumas redondilhas.
-A imagem petrarquista da mulher que representa a beleza, a castidade, a serenidade, a harmonia, a
unidade profunda entre a beleza externa e a beleza interna. Em geral, é um modelo feminino de
cabelos de “oiro”, pele clara, serena, impalpá vel, símbolo da perfeiçã o.

c) A representaçã o da Natureza

-Espaço alegre, tranquilo, sereno, propicio ao amor.


-Espelho da alma do poeta, refletindo os seus sentimentos.
-Confidente, testemunha da dor da ausÊ ncia/separaçã o da amada.
-É solidá rio com as qualidades femininas exaltadas conferindo-lhes luz, graça, pureza...
-É espelho das vivências do sujeito poético.
-É locus amoenus (lugar ameno), a paisagem amena, verdejante, colorida, má gica, harmó nica.

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d) A representaçã o da vida pessoal

-Reflexã o do poeta sobre o destino (que nunca lhe foi favorá vel), os erros que cometeu, o amor
fracassado, o desterro...
-Afirma que nasceu para sofrer e que ele é o seu pró prio tormento.
-Considera-se com pouca sorte (“má fortuna”), e com azar no amor, refletindo sobre o seu infortú nio
e sobre o seu sofrimento.
-O sujeito poético amaldiçoa o dia do seu nascimento, pois esse dia “deitou ao mundo a vida/mais
desventurada que se viu”.

e) O tema do desconcerto

-Camõ es apresenta o destino e ele pró prio como os responsá veis pelo seu infortú nio.
-Nesta temá tica, já nã o é só o amor o sentimento que é explorado, mas também a revolta, o remorso,
o cansaço e o desespero perante a existência da morte.
-Socialmente, o mundo é um desconcerto, provocando injustiças aos bons premiando os maus.
-As destruiçã o do amor puro, a morte e a passagem do tempo, que só traz infortú nio, sã o algumas
realidades que chocam o poeta.
-O desconcerto do mundo provoca espanto, revolta e inconformismo.
-Reflexã o sobre o desconcerto do mundo, ao nível social e moral, evidenciada em aspetos como: a
errada distribuiçã o dos prémios e castigos (os maus sã o galardoados, os bons severamente
castigados); os contrastes entre a riqueza e a miséria; o crescente interesse dos homens por valores
materiais.

f) O tema da mudança

-A sucessã o de mudanças ocorre através do tempo.


-Na Natureza, a mudança opera de forma cíclica, natural e positiva, enquanto na vida do poeta se
concretiza de modo negativo.
-A passagem do tempo traz novidade, mas nem sempre esperança.
-A consciência da irreversibilidade do tempo que conduz à reflexã o sobre a renovaçã o cíclica da
Natureza, sobre a mudança da vida e das coisas e o caminho inexorá vel do poeta para a morte, razã o
que lhe acentua a angustia.

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Os Lusíadas, Luis de Camõ es
Visã o Global:

Camõ es procurou fontes literá rias como:

A epopeia “os Lusíadas” é uma narrativa em verso destinada a celebrar feitos grandiosos de um heró i, neste
caso coletivo – o povo. Esta obra pode ser reconhecida por epopeia porque:
-A açã o é épica, com grandeza e solenidade, de modo a mostrar heroismo:

-A açã o de central é a aventura dos Descobrimentos de que se destaca a viagem marítima de Vasco da
Gama à India, uma açã o cheia de heroismo e digna de ser louvada.

-Em articulaçã o com essa açã o, surge episó dios de mitologia – plano da mitologia.

-A par da açã o centra, verifica-se também a narraçã o de outros feitos histó ricos a cabo pelos
Portugueses e contados por Vasco da Gama ao rei de Melidnde e por Paulo da Gama ao Catual de
Calecute- plano da histó ria de Portugal.

-O heró i desta epopeia é o povo português representado na figura de comandante das naus, Vasco da Gama.
Há portanto um heró i coletivo e um heró i individual.

-O maravilhoso nã o só aparece com intervençõ es das divindades da mitologia (ex: vénus ou baco), como do
Deus dos Cristã os (reza de Vasco da Gama aquando da tempestade).

-Forma- há um narrador que relata os acontecimentos; em Os Lusíadas podemos, inclusive, distinguir os


vá rios narradores.

-O poeta que relata a viagem de Vasco da Gama desde Moçambique até à India e toda a viagem de
regresso.

-Vasco da Gama que conta ao rei de Melinde tanto a histó ria de Portugal como a viagem de Lisboa a

Moçambique.

-Paulo da Gama que relata, em Calecute, ao Catual alguns factos da nossa Histó ria e explica o
significado das 23 figuras representadas nas bandeiras.

-Fernã o Veloso que descreve o episó dio dos Doze de Inglaterra.

Estrutura-

-Partes obrigató rias como a Proposiçã o, a Invocaçã o, a Narraçã o e a dedicató ria que era opcional. Os
Lusíadas dedicam a obra ao rei D. Sebastiã o.

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-A narraçã o in media res que é o facto da narraçã o começar com a viagem já a meio.

Obras Autor Herói Assunto

Ilída Homero Aquiles – um grego, filho Canta o episó dio da


de um humano e da Guerra de Troia, que
deusa do mar Tétis. opô s o povo da Grécia
Através das suas açõ es antiga aos troianos. A
revela o seu cará ter personagem principal,
nobre e guerreiro Aquiles, luta e mata o
seu rival Heitor, príncipe
troiano. A narrativa
começa quando a guerra
já esta no ultimo ano.

Odisseia Homero Ulisses – heró i grego Depois da guerra de


que é exemplo de Troia, Ulisses vive muitas
astú cia, determinaçã o e aventuras ao longo da
coragem sua viagem de vá rios
anos.

Eneida Virgilio Eneias – príncipe Canta as aventuras de


troiano, filho de Eneias, ú nico heró i que
Anquises e de Vénus se salvara da destruiçã o
de Troia. É acolhido por
Dido em Cartago,
vagueia pela Itá lia e
desce ao reino dos
mortos, onde ouve o
futuro e a histó ria de
Roma.

Estrutura interna

-Proposiçã o (apresentaçã o do assunto): nesta parte Camõ es propõ e-se cantar as navegaçõ es e
conquista no Oriente nos reinados de D.Manuel e de D. Joã o III., as vitó rias em Á frica de D.Joã o I a
D. Manuel e a organizaçã o do país durante a 1ºdinastia.

-Invocaçã o (sú plica de inspiraçã o para escrever o poema): 1a sú plica à s ninfas do Tejo (Tá gide) para
que o ajudem na organizaçã o do poema; 2a sú plica a Caliope, porque estã o em causa os mais

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importantes feitos lusitanos; 3a sú plica à s ninfas do Tejo e do Mondego, queixando-se dos seus
infortú nios; 4a nova invocaçã o a Calíope para que o inspire para terminar a obra.

-Dedicató ria (oferecimento da obra a D. Sebastiã o): esta dedicató ria ao rei D. Sebastiã o reflete a
esperança do povo português no novo monarca e sobretudo, na possibilidade de retomar a expansã o
no Norte de Á frica.

-Narraçã o (desenvolvimento do assunto): iniciada in media res (quando a frota já se encontrava no


canal de Moçambique a caminho de Melinde), apresenta momentos retrospetivos da Histó ria de
Portugal e da viagem, momentos prospetivos como sonhos, pressá gios, profecias e um Epilogo, o
regresso dos nautas, incluindo o episó dio da Ilha dos Amores.

Estrutura externa:

Forma narrativa; versos decassilábicos; rimas com esquema abababcc; estâncias- oitavas; poema
dividido em dez cantos.

Proposiçã o, Estâ ncia 1 à 3 do Canto I

A proposiçã o indica qual é o objeto do canto – “o peito ilustre Lusitano”. Esta expressã o inco

-as armas e os barõ es assinalados, isto é , os feitos bé licos e quem os executou, os homens ilu
-“passaram para alé m da Taprobana”.

-os Reis que foram dilatando/ A fé, o impé rio e que andaram a devastar as terras desconhece

-aqueles que por obras valerosas/ Sevã o da lei da Morte libertando, isto é , todos os que, por

-Os portugueses sã o entã o o heró i da epopeia – heró i coletivo- e sã o os seus feitos que o poe
-Sobre os portugueses diz-nos ainda que os seus feitos superam os de figuras míticas (Ulisse
representam um “valor mais alto”

-Na proposição são indicados os 4 planos estruturPaiás gd ai nnaa r1r a4ç ã do e 91


(plano da viagem, da histó ria de Portugal, do Poeta e da mitologia)
Invocaçã o, Estancia 4 e 5 do Canto I

-Camõ es tem plena consciência da grandiosidade do que vai


cantar e, por isso, sabe que o estilo do seu canto de ser
“grandíloquo” e fluente. O poeta logo no início, pede ajuda e
inspiraçã o à s ninfas do Tejo.

-Só estas divindades poderiam fazer despertar no poeta “um


novo engenho ardente”, um ”som alto e sublimado”, que nã o
se assemelha ao da poesia bucó lica, mas é antes um som
digno capaz dedar â nimo e provocar emoçõ es.

Dedicató ria, Estancia 6 à 18 do Canto I

A dedicató ria nã o era um elemento estrutural obrigató rio do género épico, mas Luís de Camõ es decide
dedicar o seu poema ao rei D. Sebastiã o, a quem louva pelo que representa para a independência de Portugal
e para o aumento do mundo cristã o. os louvores, segue-se o apelo. Referindo-se com modéstia à sua obra, que
designa como “um pregã o do ninho (...) paterno”, pede ao Rei que a leia. Na breve exposiçã o que faz do
assunto d’Os Lusíadas, o poeta evidencia um aspecto particularmente importante, a obra nã o versará heró is e
factos lendá rios ou fantasiosos, como todas as epopeias anteriores, mas matéria histó rica. Documenta-o
nomeando alguns heró is nacionais que valoriza pelo confronto com os de outras epopeias. O discurso da
Dedicató ria organiza-se, pois, segundo esta ló gica — louvor, apelo de cará cter pessoal e argumentos que o
fundamentem, incitamento/apelo de cará cter nacional e, em jeito de conclusã o, breve reforço do apelo
pessoal. Na estâ ncia 6, D. Sebastiã o é-nos apresentado como defensor nato da liberdade da Naçã o, como o
continuador da dilataçã o da Fé e do Império, como o Rei temido pelo Infiel, como o homem certo no tempo
certo, «dado ao mundo por Deus». Na estâ ncia 10 e 11, o poeta pede a D. Sebastiã o que ponha os olhos no
poema que desinteressadamente fez e lhe dedica, no qual ele verá os grandes feitos dos portugueses, reais e
nã o fingidos, maiores do que os narrados nas antigas epopeias, de tal forma que o jovem rei se poderia julgar
mais feliz como rei de tal gente do que como rei do mundo todo hipérbole). O poeta desliga a gló ria de ser
conhecido pela sua obra do «prémio vil», já que o moveu o «amor da pá tria». Os Lusíadas sã o fonte de gló ria

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para Camõ es pode ver-se nos quatro primeiros versos da estrofe 10, em que o poeta afirma que foi levado a
escrever o seu poema, nã o pelo desejo de um pré mio vil (material), mas de um pré mio alto e quase eterno.
Esse pré mio é a fama de grande poeta entre os portugueses. O poeta exalta D. Sebastiã o como jovem rei
destinado pelo Fado (destino) a grandes feitos, num império já imenso, mas que ele acrescentaria ainda,
dilatando a fé e o império. O louvor de D. Sebastiã o está pois, em ser apresentado como um jovem-rei em que
o povo portuguê s tudo espera, rei que a providê ncia faz surgir para retomar a grandeza dos feitos
portugueses. A ideia do jovem rei como salvador da pá tria reflete a crise em que a naçã o já se encontrava, mas
ela estava lá tã o firme no povo que nã o desapareceu da sua alma nem com a morte do rei. O sebastianismo é
precisamente isso: a imagem de um rei fatalmente destinado a ser salvador de uma naçã o em crise.

Narração

A narraçã o tem inicio quando a açã o já vai a meio, ou seja, in media res.Quando se inicia o relato da viagem
(açã o central), os portugueses já tinham percorrido metade do caminho, encontrando-se no oceano Índico.

A parte inicial da viagem só será narrada posteriormente, num processo de retrospetiva – analepse.

A narraçã o é entã o a articulaçã o dos quatro planos.

Os 4 Planos:

-Plano da viagem (plano central): a narraçã o dos acontecimentos ocorrido durante a viagem realizada
entre Lisboa e Calecute:

-Partida a 8 julho de 1497

-Peripécias da viagem- destaque para a grande coragem e valor guerreiro dos marinheiros

portugueses, para a tempestade, o escorbuto, as vitó rias sobre traiçõ es entre outras.

-Paragem em Melinde durante 10 dias.

-Chegada a Calecute (Índia) a 18 de maio de 1498.

-Regresso a 29 de Agosto de 1498.

-Chegada da nau de Vasco da Gama a Lisboa em 29 de agosto de 1499

A funcionalidade deste plano é conferir unidade ao poema. É , por isso, uma espécie de “esqueleto” da
epopeia.

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-Plano da Histó ria de Portugal (plano encaixado): relata factos marcantes da Histó ria de Portugal:

-Em Melinde, Vasco da Gama narra ao rei os principais acontecimento da nossa histó ria.

-Em Calecute, Paulo da Gama apresenta ao Catual episó dios e personagens representadas nas
bandeiras portuguesas.

A funçã o deste plano é relatar e enaltecer a Histó ria de Portugal.

-Plano da Mitologia(plano paralelo): A mitologia permite e favorece a evoluçã o da açã o: os


deuses assumem- se como apoiantes (Vénus) ou como oponentes dos portugueses (Baco):

-Os deuses apoiam os Portugueses: concílio dos deuses no Olimpo.

-Concilio dos deuses marinhos.

-Ilha dos Amores.

A funçã o deste plano é conferir beleza, açã o e diversidade ao poema, ajudando no processo de divinizaçã o
dos Portugueses.

-Plano do poeta (plano ocasional): Consideraçõ es, criticas, lamentos e opiniõ es do poeta, expressas
nomeadamente, no inicio e no fim dos cantos.

Este plano serve para o poeta transmitir as suas posiçõ es face ao mundo, aos outros e a si mesmo.

-O plano da viagem e o plano da mitologia ocorrem em simultâ neo .


-A articulaçã o entre o plano da viagem e da mitologia sai reforçada pelo estatuto que os Portugueses
conquistam, apó s chegarem à Índia – estatuto de divindade, por terem concretizado algo de sobre-humano,
como um prémio é-lhes
oferecida uma recompensa digna de deus- Ilha dos Amores.
-O plano da Histó ria de Portugal é um plano encaixado, que apresenta episó dios de guerra e liricos.
-O plano da histó ria de Portugal funciona como analepse e prolepse.
-O plano das intervençõ es ou reflexõ es do poeta será vital para o entendimento do pendor humanista

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Imaginá rio épico
Maté ria é pica e sublimidade do canto

Como foi visto na proposiçã o, a intençã o do poeta ao escrever esta obra é cantor o “peito ilustre lusitano”,
isto é, glorificar os feitos do povo português. Esses feitos dizem respeiro quer aos nautas quer a outras ilustre
figuras histó ricas portuguesas. Por esta razã o podemos dizer que a matéria épica de Os Lusíadas integra:
a viagem de Vasco da Gama à Índia – as descobertas;
os feitos histó ricos – apresentaçã o por Vasco Da Gama ao rei de Melinde e por Paulo da Gama ao
Catual.

A maté ria é pica só se torna verdadeiramente é pica quando passa a estar subordinada ao mito, isto é , quando
a sua interpretaçã o passa a ser simbó lica. Nesse sentido, o pró pria heró i é subordinado ao mito, ou seja, sofre
um processo de mitificaçã o.

Mitificaçã o do heró i
Camõ es nã o escolheu um heró i individual que motivasse o título da sua obra, mas procurou que a sua
epopeia enunciasse a histó ria de todo o povo da "geraçã o de luso". A intençã o em exaltar os portugueses
levou Camõ es a torná -los verdadeiros heró is que se foram construindo, ao longo da obra, e que mereceram a
mitificação.

Deste modo, estamos perante um heró i colectivo, que é constituído pelas "armas e barõ es assinalados", pelos
Reis, por "aqueles que por obras valorosas/Se vã o da lei da morte libertando" e pelos navegadores, que no
seu conjunto formam "o peito ilustre lusitano".

Para que este se fosse construindo, vá rios elementos foram fundamentais, tais como: a inteligência, pois os
portugueses fizeram grande parte da viagem sem que os Deuses se apercebessem; a coragem e a valentia, que
demonstraram perante as ciladas de Baco e perante o Gigante Adamastor, símbolo do perigo e do
inultrapassá vel, que permitiu a heroificaçã o de Vasco da Gama, no momento de inversã o.

Além disso, o episó dio do Velho do Restelo, que simbolizando a contraposiçã o e prenunciando vá rios perigos,
mortes, tormentas e outros desastres, contribui para a formaçã o do heró i, que enfrenta estes obstá culos com
coragem e esforço.

Depois de todas as etapas vencidas, os portugueses merecem descanso, que decorrerá na Ilha dos Amores,
local concebido pelo épico, simbolizando a recompensa pela heroicidade, a satisfaçã o dos sentidos e a
harmonia no Universo. É aqui que os portugueses sã o mitificados e se tornam Deuses, como se verifica
quando as Ninfas se entregam aos navegadores, alcançando a gló ria.

Finalmente, a viagem, mais do que a exploraçã o dos mares, é a passagem do desconhecido para o conhecido,
conseguida pelo esforço e motivada pelo amor, tendo como resultado a posse do conhecimento.

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Reflexõ es do poeta

Luís de Camõ es, n ́Os Lusíadas, nã o consegue calar a voz crítica da sua consciência nem a sua emoçã o. Entã o,
interrompendo o tom épico, umas vezes, a sua palavra ganha uma feiçã o didá ctica, moral e severamente
crítica. Outras vezes, expressa o lamento e o queixume de quem sente amargamente a ingratidã o, ou os
desconcertos do mundo.

Canto I (105-106) Limites da condiçã o humana: Os perigos que espreitam o ser humano (o heró i), tã o
pequeno diante das forças poderosas da natureza (tempestades, o mar, o vento...), do poder da guerra e dos
traiçoeiros enganos dos inimigos.

• Canto III Poder do amor: surge do tema do amor de D. Fernando por D.Leonor

• Canto IV ambiçã o desmedida do homem

• Canto V (92-100) Desprezo das artes e das letras: O poeta lamenta o desprezo que os Portugueses
valorizam as letras, pois apesar de serem de terra de heró is, nã o reconhecem o valor da arte.

• Canto VI (95-99)Verdadeiro valor da gló ria: Nestas estâ ncias, o Poeta realça o verdadeiro valor das honras
e da gló ria alcançado por mérito pró prio. O heró i faz-se pela sua coragem e virtude, pela generosidade da
sua entrega a causas desinteressadas.

• Canto VII (78-93) Lamento pelos infortú nios da vida: Camõ es elogia o Espírito de Cruzadas dos
Portugueses, destacando-os de outros povos. O poeta, invoca as Ninfas do Tejo e do Mondego, queixando-se
da ingratidã o de que é vítima. Ele que sonhava com a coroa de louros dos poetas, vê-se votado ao
esquecimento e à sorte mais mesquinha, nã o lhe reconhecendo, os que detêm o poder, o serviço que presta
à Pá tria.

• Canto VIII (96-99) o poder corrupto do ouro: Faz-se, nestas estâ ncias, uma severa crítica; o alvo é o
poder corruptor do dinheiro e do «ouro».

• Canto IX (93-99) verdadeiro caminho para atingir a fama: O poeta incita os homens a alcançarem a
verdadeira gló ria e a fama, que nã o se conseguem pela cobiça, a ambiçã o ou a tirania; mas pela justiça, a
coragem e o heroismo desinteressado.

• Canto X (145-156) lamentos pela falta de reconhecimento do povo: O poeta volta a referir-se à importâ ncia
das Letras (Literatura) e desabafa que já está cansado de se dirigir a quem nã o quer escutar o seu canto,
«gente surda e endurecida». Exorta o Rei a concretizar novas gló rias.

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Sermã o de Santo Antó nio aos peixes, Padre
Antó nio Vieira
Contextualizaçã o histó rico-literá ria

Vieira viveu num período conturbado da Histó ria de Portugal, um longo período de agonia que se iniciou
com o desaparecimento do rei D. Sebastiã o nos areais de Alcá cer Quibir e que determinou a perda da
independência nacional, com a invasã o do territó rio português pelo exército espanhol em 1580, cujo poder
militar tomou a coroa da monarquia portuguesa.

A Europa vivia em tempos de crise generalizada e num clima de medo.


No Brasil viviam se tempos de exploraçã o de Índios por parte dos colonos brancos.

Objetivos da eloquê ncia (docere, delectare, movere):

O sermã o seiscentista, cujo objetivo principal é levar os fiéis a reconhecerem os seus erros e a alterarem
comportamentos, apresenta uma importante componente lú dica.
-Docere (educar/ensinar) - funçã o pedagó gica, muitas vezes conseguida através de citaçõ es bíblicas e de
autores da Igreja ou de obras clá ssicas.
-Delectare (agradar)- funçã o estética, concretizada através de um discurso rico em recursos expressivos
como a alegoria, a metá fora, a comparaçã o, antítese, gradaçã o...
-Movere (persuadir)- funçã o critica e moralizadora, baseada numa argumentaçã o bem construída,
recorrendo a argumentos de autoridade.

Intençã o persuasiva e exemplaridade:

No caso do Sermã o de Santo Antó nio, Padre Antó nio Vieira vai censurar o comportamento dos colonos
portugueses no Maranhã o e defender os direitos dos índios. Apresenta assim uma intençã o persuasiva,
procurando convencer o seu pú blico a mudar de comportamento.

A critica social será feita através da alegoria, recorrendo ao exemplo de Santo Antó nio, que, face à revolta dos
habitantes de Arimino em Itá lia, nã o queriam ver os seus pecados expostos, optou por pregar aos peixes que
o escutaram. No dia em que se festejava este santo, Vieira dirige alegoricamente o seu sermã o aos peixes,
servindo-se dos seus defeitos e virtudes para denunciar pecados dos homens.

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Crítica social e alegoria:

O Sermã o de Santo Antó nio denuncia o comportamento dos colonos do Maranhã o. Ao observar-se o seu
tempo e sentindo-se desiludido com os homens, Vieira decide voltar-se da terra para o mar e dirigir a sua
pregaçã o aos peixes. De uma forma metafó rica, diz que os pregadores sã o “o sal da terra”, cujo efeito deve ser
impedir a corrupçã o. No entanto, ao ver que a terra está corrupta, interroga-se sobre a causa desta corrupção.

Ao longo do sermã o, Vieira começa por louvar as virtudes dos peixes, para depois repreender, com empenho,
mas também com ironia, os seus defeitos. Embora interpele os peixes, na verdade, é aos homens que ele se
dirige , sendo os peixes metá fora dos homens. Estabelece assim um paralelismo entre os vícios dos peixes e
os vícios dos homens, neste caso para denunciar a exploraçã o dos colonos sobre os indígenas.

Visã o global do Sermã o e sua estrutura:

-Capitulo I
Exó rdio – exposiçã o do plano a desenvolver e das ideias a defender a partir do conceito predicável.

“Vos sois o sal da terra” é o conceito predicá vel (texto bíblico que serve de tema e de acordo com o
objetivo do autor, pretende demonstrar fé). Este elemento bíblico serve de tema/ tese ao Sermã o e a
partir do qual vai desenvolver a sua argumentaçã o: os pregadores sã o o sal, a terra os homens.

O sal é a metá fora dos pregadores A terra é a metá fora dos ouvintes

Os pregadores sã o importantes na transmissã o da mensagem evangélica, na


preservaçã o da moralidade e da integridade dos homens- a “terra”.

O sal impede que os alimentos se estraguem.Os pregadores impedem a corrupçã o. O sal que salga- evita a
corrupção;

O sal que nã o salga- é inú til e desprezado;


O pregador é como o sal – se a palavra nã o chega aos ouvintes ou nã o produz os seus frutos é porque algo
está errado.

Se a terra está corrupta/ estragada de quem é a culpa?


Os pregadores não “salgam” porque:
- Ou o pregador nã o prega convenientemente a palavra de Deus

-não pregam a verdadeira doutrina;


-dizem uma coisa e fazem outra;
-se pregam a si e não a Cristo.

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A terra nã o se deixa “salgar” porque:
- os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhes dã o, nã o
querem receber;
-os ouvintes querem antes imitar o que os pregadores fazem do que Ou a terra nã o “ouve” a
fazer o que dizem; palavra do pregador.
- os ouvintes, em vez de servirem a Cristo, servem a seus apetites.

O capítulo I termina com um pedido de auxilio divino, que pode ser entendido como uma invocação.

-Capítulo II – Louvores em geral


Exposiçã o- referência à s obrigaçõ es do sal. Indicaçã o das virtudes dos peixes em geral. Crítica ao
homem.

As duas qualidades dos ouvintes sã o ouvir e nã o falar.


-Retoma do conceito predicá vel. As duas propriedades do sal sã o – “conservar o sã o e preservá -lo
para que nã o se corrompa”.
-As propriedades das pregaçõ es de Santo Antó nio: 1. Louvar o bem (“para o conservar”);

2. Repreender o mal (“para preservar dele”).


O sermã o será , desta forma, aos peixes (e, obviamente aos homens) e está dividido em dois pontos: louvar as
qualidades e repreender os vícios.

Qualidades e virtudes -> Defeitos dos homens


▪ A obediência -> o deslumbramento face a dar graxa para obter algo em troca.
▪ A “ordem, quietação e atenção” com que ouviram as palavras de Santo Antó nio -> a arrogâ ncia e
a presunçã o. ▪ O respeito e a devoçã o ao ouvirem as palavras de Deus-> a violência e a
obstinaçã o.
▪ O seu “retiro” e afastamento relativamente aos homens -> a crueldade irracional
▪ “só eles entre todos os animais se não domam nem domesticam” -> o exibicionismo e a vaidade.

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Capítulo III –Louvores em particular
Confirmaçã o- louvores a alguns peixes em particular e consequente crítica aos homens.

1. O peixe Tobias :
-As suas entranhas curavam a cegueira dos homens tendo assim um poder curativo (seu pai, que era cego,
recuperaria a visã o depois de, a conselho do Anjo Rafael, lhe ter sido aplicado um pouco do fel extraído
do peixe).
-O seu coraçã o afugentava os demó nios.
- Vestido de burel e atado com uma corda “este peixe parecia um retrato marítimo de Santo Antó nio”.

2. A rémora:
- peixe marinho cuja cabeça funciona como ventosa, o que lhe permite fixar-se a embarcaçõ es
(procurando conduzir ao bom caminho).
- pequena no seu tamanho mas com uma grande força, que conseguia imobilizar o leme das naus
(travando o mal).

3. O torpedo:
- peixe, parecido com a raia, capaz de produzir pequenas descargas elétricas que fazem tremer o braço do
pescador, obrigando-o a lagar a cana (assim o torpedo nã o é pescado).

Simbologiatambém na terra os homens extorquem o que nã o lhes pertence, sem recearem as


consequências dos seus atos, ou seja, o castigo divino; as palavras de Santo Antó nio transformaram
vinte e dois homens desonestos que tomaram consciência dos pecados, se arrependeram e
confessaram, o que enaltefica a eficá cia de Santo Antó nio; Tal como há homens que nã o sentem as
descargas elétricas do tropedo, também há homens que ouvem a verdade e continuam o seu caminho
errado; realça a importâ ncia que esses peixes poderiam desempenhar para fazer tremer o braço
daqueles que se desviam do caminho certo. Assim, a descarga simboliza as palavras de Deus.

4. O quatro-olhos:
- tem dois olhos “para se vingar das aves” e dois olhos “para se vingar dos peixes”.
- simboliza que devemos olhar ou só para cima (considerando que há Ceu) ou só para baixo (Inferno).
- este peixe simboliza o dever que os cristã os têm, isto é, olhando para o céu, mas lembrando sempre que
há inferno.

Outros peixes:
- Servem de alimento (as sardinhas sã o o sustento dos pobres e o salmã o dos ricos);
-Ajudam à abstinência nas quaresmas;
-Com peixes, Cristo festejou a Páscoa;
- Ajudam a ir ao Céu;
- Multiplicam-se rapidamente (apenas aqueles que sã o consumidos pelos pobres).

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Capítulo IV- Repreensõ es em geral
Exposiçã o- indicaçã o das repreensõ es aos peixes em geral e critica aos homens.

Os peixes, assim como as suas qualidades em geral (ouvem e nã o falam), irã o agora ouvir as
repreensõ es:

1. Nã o só se comem uns aos outros como os grandes comem os pequenos;

2. Ignorâ ncia e a cegueira.

-Critica e repreensã o aos peixes para melhor explicitar a condenaçã o dos homens.
-Aspetos criticados: a “antropofagia social” e a “vaidade no vestuário”.

1. Nã o só se comem uns aos outros como os grandes comem os pequenos (critica à


prepotência dos grandes que “se alimentam” do sacrifício dos mais pequenos, tal como os peixes):

▪Repreensõ es dirigidas aos peixes:


✓ “vos comeis uns aos outros” (quando sã o todos irmã os e vivem no mesmo elemento).
✓ “que os grandes comem os pequenos”.

▪Repreensõ es aos homens: também “se comem uns aos outros”, s:


✓antropofagia social- também os homens se “comem”, se exploram uns aos outros.

▪Presença de um tom mais violento na referência à injustiça e à s maldades causadas por :


✓ Serem os maiores a comerem os pequenos;

✓ Serem os pequenos comidos “de qualquer modo”;

✓ Serem os grandes aqueles “que têm o mando das cidades e das províncias, nã o se contenta a sua
fome de comer os pequenos um
por um, ou poucos a poucos, senã o que devoram e engolem os povos inteiros”;

✓ Serem os pequenos comidos em qualquer momento.

▪Apelo de Vieira para que os peixes nã o se comam uns aos outros referindo-se ao Dilú vio e à arca
de Noé como exemplo de atitudes de bondade e generosidade a serem seguidas.

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2. Ignorâ ncia e cegueira: (- caracterizaçã o do homem da cidade: prepotente, vaidoso, parasita, ambicioso,
hipó crita, traidor...;
- as virtudes e os feitos dos peixes surgem sempre associados por comparaçã o aos homens do Maranhão
ora por antítese, opondo os homens aos peixes ora por semelhanças, aproximando os peixes com os homens).

▪O peixe - O peixe é facilmente enganado por um anzol pela ignorâ ncia porque nã o entende o
significado do anzol e cegueira porque se atira cegamente e fica preso.

▪O homem - os homens nã o conseguem resistir à tentaçã o e à vaidade, ficando, por isso, engasgados
e presos com dívidas.

▪Santo Antó nio – Os homens (pela vaidade) e os peixes (pela inocê ncia e pela cegueira) eram
facilmente enganados e “perdiam a sua vida” . Santo Antó nio abandonou as vaidades e, com as suas roupas
simples e as suas palavras “pescou muitos homens” para o bom caminho.

O capítulo termina com mais uma referência a Santo Antó nio como exemplo a seguir. Esse santo preferiu a
sobriedade à ostentaçã o, recusando galas e vaidades e, por isso, atingiu a santidade. Foi com essa postura
simples e humilde que conseguiu converter muitos homens desviados da fé.

Capítulo V – repreensõ es em particular


Confirmação- repreensõ es a alguns peixes em particular; critica aos comportamentos dos homens
ambiciosos, vaidosos, hipó critas e traidores.

1. O roncador-
-embora pequenos e aparentemente vulnerá veis, estes peixes emitem um som forte; esta autopromoçã o
revela a sua soberba e arrogâ ncia (“quem tem muita espada, tem pouca língua”);
-exemplo de Pedro, discípulo de Cristo: apesar de ter afirmado que defenderia até à morte o se Senhor,
bastou-lhe uma simples inventiva de uma mulher para negar que conhecia o seu Mestre; se tal aconteceu
com S. Pedro, muito menos razõ es terã o os homens para exibirem a sua arrogâ ncia;
- outros exemplos bíblicos como David e Golias reiteram o facto dos arrogantes e os soberbos pensarem
que sã o Deus e acabarem diminuídos e humilhados.
-Santo Antó nio, símbolo de sabedoria, nunca se exibiu as suas capacidades, confinando-se à sua condiçã o
de servo de Deus.
2. O pegador-
-parasita que vive à s custas do seu hospedeiro;
-o parasitismo foi aprendido com os português, porque nã o há nenhum vice-rei ou governador que parta
para as conquistas sem ir rodeado de uma larga comitiva- critica ao aparelho colonial português;
-em termos humanos, os mais preguiçosos acabam como os pegadores, que, quando o tubarã o, que lhes
serviu de hospedeiro, é pescado, morrem com ele, porque nele estã o pegados.
-Deus também tem os seus “pegadores”, aqueles que espalham a palavra com David e Santo Antó nio, que
se pegou a Cristo e ambos foram bem sucedidos.

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3. O voador-
-morfologicamente, possui uma barbatanas maiores que a generalidade dos peixes, dai que queira
imitar as aves; -esta ambiçã o de se querer transformar naquilo que verdadeiramente nã o é só lhe traz
sofrimento porque está sujeito aos perigos do mar e do ar – no mar morre enganado pelo isco e no ar
morre cego pela ambiçã o desmedida; -simboliza a ambiçã o, a presunçã o e o capricho.
-Santo Antó nio sempre se demarcou da ambiçã o, porque reconhecia que as asas que fazem subir
também fazem descer, o que pode precipitar a destruiçã o. Santo Antó nio preferiu remeter-se à sua
humilde.

4. O polvo-
-o polvo é caracterizado através de comparaçõ es sugestivas:
> “com aquele seu capelo na cabeça parece um monge”- aparenta santidade.
> “com aqueles seus raios estendidos, parece uma estrela” – aparenta beleza.
> “com aquele nã o ter osso nem espinha, parece a mesma brandura, a mesma mansidã o” –
aparenta serenidade.
- contudo, apesar da modesta aparência, o polvo é considerado o maior traidor do mar. Esta traiçã o
consiste em enganar os outros peixes, caçando-os mais facilmente.
> “as cores, que no camaleã o sã o gala, no polvo sã o malícia”;
> “as figuras que em Proteu sã o fá bula, no polvo sã o verdade e artifício”; >o polvo veste-se
ou pinta-se “das mesmas cores a que está pegado”.
-simboliza traiçã o, a dissimulaçã o, a hipocrisia e a falsidade e é, assim, pior que Judas, o paradigma
do traidor no Evangelho, porque o apó stolo planeou a entrega de Cristo à s escuras, mas executou a
traiçã o à s claras, enquanto o polvo, escurecendo a á gua com a sua tinta, rouba a luz à presa para a
apanhar.
- Santo Antó nio é considerado um exemplar de candura, da verdade e da sinceridade

O capítulo acaba com uma critica feroz aos portugueses. Vieira refere a degeneraçã o dos valores nacionais,
uma vez que, no passado, as características exemplares de Santo Antó nio eram extensivas a todo o povo
português, nã o sendo, por isso, atributos dos santos.

Capítulo VI – Peroração
Conclusã o- ultima advertência aos peixes; retrato de Vieira como pecador; hino de louvor.

O capítulo VI é a conclusã o de todo “O Sermã o de Santo Antó nio aos Peixes”, e Santo Antó nio tem
como objetivo a conversã o dos homens à Fé de Deus.
Santo Antó nio revela que tem inveja dos Peixes, pois estes nã o ofendem Deus com a sua memó ria e
cumprem o objetivo da sua criaçã o, enquanto que os Homens ofendem Deus com as suas palavras, com os
seus pensamentos e com a sua vontade, nã o atingindo o objetivo da sua criaçã o.
Assim, Santo Antó nio reflete sobre os Peixes e os Homens e conclui que os Peixes sã o melhores que
os Homens, e que a ú nica soluçã o para o Homem é a conversã o, porque só assim é que os Homens podem
dar gló ria a Deus.

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O hino de louvor final -“louvai, peixes, a Deus”- e as razõ es para o louvor: Deus dê-los numerosos,
belos e diversos, porque lhes deu a á gua para nela viverem e se multiplicarem.
- A alegoria como recurso expressivo: representa uma realidade abstrata através de uma realidade
concreta, por meio de analogias, metá foras e imagens sucessivas, neste caso na sucessã o alegó rica relativa
à s naus, o orador consegue concretizar os diversos vícios dos homens, simplificando a sua argumentaçã o.
-A comparaçã o como recurso expressivo: enquanto elogia os pregadores que espalham a doutrina
divina e que, portanto, ensinam, Vieira acusa os outros que nã o cumprem a sua funçã o, sendo, por isso,
votados ao desprezo. Aludindo à funçã o do sal, ou seja, salgar a terra com a mensagem bíblica, Vieira refere
que vai dar inicio aos louvores dos peixes, que devem ser atentamente ouvidos por estes, enquanto vivos,
enquanto podem ser apreciados.
-A metá fora como recurso expressivo: o orador utiliza a metá fora da arte de pescar para desenvolver
a sua crítica à exploraçã o do homem pelo homem e, simultaneamente recorre a uma sucessã o de imagens
como representaçã o dos diversos tipos de poder abusivo – judicial, ancestral, religioso e real.

Frei Luís de Sousa, Almeida Garrett


Contextualização histórico-literária
“Em 1578, o rei D. Sebastiã o desapareceu na Batalha de Alcá cer-Quibir. Nã o tendo deixado herdeiros, houve
uma longa disputa pela sucessã o. Entre os pretendentes estava Filipe, rei da Espanha, que anexou Portugal ao
seu império em 1580. O domínio espanhol duraria sessenta anos (1580 a 1640). Criou-se nesse período o
mito popular do "Sebastianismo", segundo o qual D. Sebastiã o, retornaria para reerguer o império português.
Entre os nobres desaparecidos em Alcá cer-Quibir estava D. Joã o de Portugal, marido de D. Madalena de
Vilhena.

Drama româ ntica e tragédia clá ssica:


Drama româ ntico (características):
-revela conflitos emocionais, muitas vezes em situaçã o do quotidiano;
-valoriza os sentimentos humanos das personagens;
-apresenta acontecimentos de cariz sentimental e amoroso;
-recorre à prosa em substituiçã o do verso e utiliza uma linguagem mais pró xima da realidade vivida
pelas personagens.
Tragédia clá ssica (características):
-Efeitos sobre o pú blico: inspira sentimentos de terror e piedade;
-Personagens de alta estirpe (social ou moral);
-Lei das 3 unidades:
-Unidade de açã o- a intriga deve ser simples, sem açõ es secundá rias, aumentando assim a
tensã o dramá tica;
-Unidade de espaço- toda a açã o deve desenrolar-se no mesmo espaço;
-Unidade de tempo- a duraçã o da açã o dramá tica nã o deverá exceder as 24horas.

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Estrutura tripartida da ação:
-Exposiçã o- apresentaçã o das personagens; esboço do conflito que surge associado a um mistério na
origem das personagens, provocado pela força do destino.
-Progressã o dramá tica- desenvolvimento do conflito, originado pelo desafio das personagens à sua
resoluçã o (HYBRIS). O conflito encaminha-se progressivamente para um clímax, ponto culminante
da açã o trá gica, em que se desvenda o misté rio ligado a uma relaçã o oculta (ANAGNÓ RISE); o
sofrimento das personagens que intensifica-se (PATHOS).
-Desenlace/catá strofe- o fim das personagens é a morte (física, social ou afetiva).

Atos Estrutura externa Estrutura interna

Ato I Cenas I-IV Informaçõ es sobre o passado das personagens

Cenas V-VIII Decisã o de incendiar o palá cio

Cenas IX-XII Açã o: incêndio do palácio

Ato II Cenas I-III Informaçõ es sobre o que se passou depois do incêndio

Cenas IV-VIII Preparaçã o da açã o: ida de Manuel de Sousa Coutinho a Lisboa

Cenas IX-XV Açã o: chegada do romeiro

Ato III Cena I Informaçõ es sobre a soluçã o adotada.

Cenas II-IX Preparaçã o do desenlace.

Cenas X-XII Desenlace

Toda a açã o se passa nos finais do séc. XVI, apó s o desaparecimento de D. Sebastiã o na Batalha de
Alcá cer-Quibir. Com ele parte D. Joã o de Portugal, personagem vital que desaparece também desencadeando
toda a açã o dramá tica em Frei Luís de Sousa. Todos estes acontecimentos decorrem sob domínio Filipino, 21
anos depois da Batalha de Alcá cer Quibir.
Apó s o desaparecimento de D. Joã o de Portugal, D. Madalena manda-o procurar durante 7 anos mas
em vã o. Casa entã o com D. Manuel de Sousa, nobre cavaleiro, de quem tem uma filha de 14 anos. D. Madalena
vive uma vida infeliz, cheia de angú stia e de tranquilidade, no receio de que o seu primeiro marido esteja vivo
e acabe por voltar. Tal facto acarretaria para Madalena uma situaçã o de bigamia e a ilegitimidade de Maria,
sua filha. Esta é tuberculosa e vive, em silêncio, o drama da sua mã e que será o seu. Efetivamente D. Joã o de
Portugal acaba por regressar, acarretando o desenlace trá gico de toda a açã o.

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Importâ ncia do espaço na obra

Ato I - Palá cio de Manuel de Sousa Coutinho, em Almada:

-luxo e elegâ ncia da época;


-porcelana, charõ es, sedas, flores... Simbologia:
-duas grandes janelas donde se avista o Tejo e Lisboa; -a família vive em paz e aparente harmonia.
-o retrato de Manuel de Sousa Coutinho transmite
-retrato de Manuel de Sousa Coutinho vestido com o
a serenidade da sua personalidade.
há bito da ordem de S. Joã o de Jerusalém;
-o incêndio e a consequente destruiçã o do seu
-comunicaçã o com o exterior e o interior do palácio.
retrato tornar-se-ã o um prenú ncio da catá strofe.

Ato II- Palá cio de D. Joã o de Portugal, també m em Almada:

-salã o antigo de gosto melancó lico e pesado;


Simbologia:
-retrato da família e, em lugar de destaque, os de
- a ausência de luz prevê a catá strofe final – o
D. Sebastiã o, D. Joã o de Portugal e de Camõ es; circulo fechado em que as personagens vã o
-reposteiros que impedem a vista para o exterior e a luz; ficado encerradas, entregues à angú stia,
-comunicaçã o com a capela da Senhora da Piedade; separadas do mundo e da luz, impedidas de
fugir;
- os retratos, para além de cará cter nacionalista
que transmitem, também evocam um passado
extinto mas ameaçador, que dificulta o
presente e, também o futuro.
- a comunicaçã o com a capela da Senhora da
Piedade indicia já o final trá gico e demolidor do
Ato III, que aí ocorre.

Ato III- Parte baixa do palá cio de D. Joã o de Portugal:

-lugar vasto e sem decoraçã o nenhum;


Simbologia:
-comunicaçã o com a capela da Senhora da Piedade; - o espaço é símbolo da morte e da
-decoraçã o com símbolos de morte (esquife) e de dor impossibilidade de a superar.
(cruz, ornamentos característicos da Semana Santa). - a ú nica saída para uma família cató lica que
assume as convicçõ es religiosas e sociais de
forma clara e rígida é a renú ncia ao mundo e à
luz.

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Os espaços vã o-se progressivamente obscurecendo e afunilando (concentraçã o espacial) tornando-se severos
e despejados. O círculo que se vinha fechando desde o início do ato II encerra-se definitivamente, atirando as
personagens para um abismo do qual é impossível sair. Maria morre, nã o suportando a vergonha de ser filha
ilegítima e sabendo que a vida, sem o amor dos pais seria insuportá vel. Madalena e Manuel morrem para o
mundo, renunciando à paixã o que os unira.
Tal como o tempo, o espaço assume logo desde início, um cará cter pressagiador do desenlace final,
contribuindo para a intensificaçã o progressiva da tensã o trá gica.

A dimensã o patrió tica e a sua expressã o simbó lica


Esta obra é caracteristicamente româ ntica, pela temá tica, pela ideologia e pelos valores que veicula:
-A valorizaçã o do “eu” por oposiçã o à sociedade- o percurso das personagens nomeadamente,
Madalena e Maria ilustra o poder avassalador da sociedade face à liberdade individual;

-O apelo à liberdade de decisã o- presente sobretudo na figura de Manuel de Sousa Coutinho, que
prefere sacrificar o bem- estar individual e familiar que entregar-se ao domínio espanhol.

-A obsessã o da morte/destruiçã o- Maria e Madalena ficam aterrorizadas diante da eventual destruiçã o


da família, embora nã o o confessem uma à outra.

-O nacionalismo/patriotismo- é revelado pela fé colocada no regresso de D.Sebastiã o para restaurar o


país dos espanhó is e pela atitude patriotista de Manuel quando incendeia a sua casa para nã o ser
ocupada pelos invasores. Há uma necessidade em valorizar a nacionalidade e o orgulho portuguê s.
Os retratos de D.Joã o e de D.Manuel transmitem um final trá gicos (dois patriotas derrotados pelo
destino) e o retrato de Camõ es e de D.Sebastiã o simbolizam a pá tria e o orgulho nela (1o simboliza
orgulho nacional e o 2o representa esperança).

-A ligaçã o amor/morte- a impossibilidade do amor, quer paternal, quer matrimonial, conduz à morte
(física de Maria e espiritual de Madalena e de Manuel).

O sebastianismo
O Sebastianismo tornou-se um traço da personalidade nacional, que se caracteriza por viver das gló rias do
passado, acreditar numa soluçã o que nã o envolva determinaçã o na superaçã o dos problemas e de aceitar
passivamente o destino.
Deste modo, o sebastianismo constitui-se como um movimento passadista e retró grado, que se alimentam da
grandeza passada e que espera a superaçã o de má goas do presente pela chegada providencial e fantá stica de
um heró i. Sendo assim, nesta obra, a mensagem é claramente progressista, como se pode constatar pelo
elogio da açã o proativa de Manuel ao incendiar o seu palá cio. Pode-se dizer que esta obra insere o
sebastianismo como forma de crítica aquele sentimento passadista e preso a um passado que já nã o tem lugar
no presente.

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Personagens

-D. Madalena de Vilhena é uma personagem psicologicamente afetada e que vive marcada por conflitos
interiores pelo desaparecimento do primeiro marido e nã o consegue viver o presente devido a esse
“fantasma”.
Os sentimentos e a sensibilidade sobrepõ e-se à razã o e é uma mulher em constante sofrimento. Acredita em
agoiros, superstiçõ es, dias fatais (a sexta-feira) e Deus.
Surge também como “pobre mã e” e “coitada”, que se encontra em pâ nico, com pressentimentos de desgraça.
É uma sofredora e tem um amor intenso e uma preocupaçã o constante com a sua filha Maria, contudo o mais
importante para ela é a sua felicidade e amor ao lado de Manuel de Sousa pois até o seu amor à pá tria é
menor do que o que sente por Manuel. É muito influenciada por Manuel de Sousa, sendo evidenciado no
final da obra, pois esta aceita o convento como soluçã o mas fá -lo seguindo Manuel.
Esta personagem relaciona-se conjugalmente com outras duas de uma forma legal e de compromisso com D.
Joã o de Portugal, por outro lado a sua relaçã o com Manuel de Sousa Coutinho é amorosa e por sua vez ilegal.
Tem uma relaçã o afetiva com Telmo e Maria, sendo Telmo um aio e Maria sua filha, mas ao contrá rio do que
se possa pensar Maria assume um papel adulto em relaçã o à mã e devido ao estado mental de Madalena.

-Maria de Noronha é uma personagem fisicamente frá gil e fraca de 13 anos. Também apresenta um
cará cter puramente inocente e angelical e sendo psicologicamente muito forte. Maria tem uma relaçã o muito
forte com Telmo devido à sua crença no regresso de D. Sebastiã o.
É uma personagem nobre, de inteligência precoce, muito culta, intuitiva e perspicaz. Também é muito curiosa
pois aparenta querer saber de tudo, e uma româ ntica: é nacionalista, idealista, sonhadora, fantasiosa, patriota,
crente em agoiros e uma sebastianista.
É a vítima inocente de toda a situaçã o e acaba por morrer fisicamente, tocada pela vergonha de se sentir filha
ilegítima (morre tuberculosa).

Manuel de Sousa Coutinho é um nobre e honrado fidalgo que se orienta por valores universais como
a honra, a lealdade, a liberdade, é um patriota, forte, corajoso, e decido, mas nã o acredita em agoiros. Contudo,
esta personagem evolui de uma atitude interior de força, de coragem e segurança para um comportamento de
medo, de dor, sofrimento, insegurança e piedosa mentira no ato III quando teme pela saú de da filha e pela
sua condiçã o social. Os seus sentimentos sã o muitas vezes sobrepostos à razã o (normalmente deve-se á sua
preocupaçã o com doença da sua filha).
Manuel de Sousa é um bom pai e um bom marido, pois ao longo do texto demonstra muita preocupaçã o para
com estas personagens. No final da obra demonstra-se decido como noutros momentos, com o facto de
abandonar tudo (bens, vida) para se refugiar no convento.
É de referir que Manuel de Sousa nã o sente ciú mes pelo passado de Madalena e considera-o um honrado
fidalgo e um valente cavaleiro, dizendo mesmo que considera D.Joã o um homem honrado e que honra a sua
memó ria.
A sua relaçã o com Telmo é muito afastada, visto que, Telmo é um serviçal normal e nã o existe nenhuma
intimidade, Telmo atreve-se a dizer coisas a Madalena que nã o diz a Manuel de Sousa.

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Telmo é um criado caracterizado como extremamente leal ao seu primeiro amo, D. Joã o de Portugal, e
acredita piamente no seu regresso. Nã o consegue perdoar Madalena pelo seu segundo casamento e mostra o
maior desprezo por Manuel, apesar de ser o confidente de Madalena e Maria. Telmo é fiel, dedicado e é a
ligaçã o entre as duas famílias (os dois maridos de Madalena) e a chama viva do passado que alimenta os
terrores de Madalena.
Esta personagem é muito crítica, cria juízos de valor e é através dele que a consciência das personagens é
fragmentada, este vive num profundo conflito interior pois sente-se divido entre Joã o e Maria, nã o sabendo o
que fazer. Apercebe-se mais tarde que ama mais Maria que o seu antigo amo.

O romeiro/D. Joã o de Portugal é um nobre cavaleiro, que está ausente fisicamente durante o I e II ato
da peça. Contudo, está sempre presente na memó ria, palavras e nas esperanças de Telmo que paira sobre
aquela família, na consciência (sombra das angú stias) de Madalena, nas palavras de Manuel e na intuiçã o de
Maria.
D. Joã o é caracterizado direta e indiretamente, esta caracterizaçã o é tanto física como psicoló gica. É sempre
lembrado como patriota, digno, honrado, forte, fiel ao seu rei.
Quando regressa, na pele do Romeiro é austero e misterioso, representa um destino cruel, é implacá vel,
destró i uma família e a sua felicidade, mas acaba por ser, também ele, vítima desse destino. Resta-lhe entã o a
solidã o, o vazio e a certeza de que ele já só faz parte do mundo dos mortos.
D. Joã o é uma figura simbó lica: representa o passado, a época gloriosa dos descobrimentos. Representa
também o presente, a pá tria morta e sem identidade na mã o dos espanhó is, e é também a imagem da pá tria
cativa.

Frei George é uma personagem tipo e apenas tem a funçã o de mostrar o que a igreja deveria de assumir.
Frei George é irmã o de Manuel de Sousa, representa a autoridade de Igreja. É também confidente de
Madalena, pois é a ele que ela confessa o seu “terrível” pecado: amou Manuel de Sousa ainda D. Joã o era vivo.
É uma figura moderadora, que procura harmonizar o conflito e modera os sentimentos trá gicos. Acompanha
sempre a família, é conciliador, pacificador e impõ e uma certa racionalidade, procurando manter o equilíbrio
no meio de uma família angustiada e desfeita.

A dimensã o trá gica


De acordo com a classificaçã o de Frei Luís de Sousa pelo pró prio autor, a peça apresenta características que a
aproximam quer do drama româ ntico quer da tragédia clá ssica.
-Principais características trá gicas da obra:
-nú mero reduzido de personagens;
-personagens de elevado estatuto social e moral;
-açã o ú nica e que converge para o desenlace trágico;
-concentraçã o temporal (progressã o temporal, até culminar na madrugada da morte ou separaçã o da
família);
-concentraçã o espacial (progressã o espacial, terminando na Igreja de S. Paulo dos Domínicos);
-vestígios do coro da tragédia clá ssica, nas personagens Telmo e frei Jorge;
-presença de momentos e indícios trágicos.

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Os indícios trá gicos sã o sinais da fatalidade que se avizinha. Os indícios ou pressá gios podem surgir sob a
forma de acontecimentos, comportamentos, comentá rios, alusõ es ou informaçõ es que nem sempre sã o
entendidos pelas personagens como sinais trá gicos. Ao longo da açã o de Frei Luís de Sousa, há vá rias
situaçõ es e elementos que contribuem para a criaçã o de um ambiente de medo e de suspeita e que
funcionam como uma espécie de preparaçã o para o desenlace trá gico.

Simbologia
-Os retratos – primeiro remetem para uma força espiritual e física, depois, o retrato queimado de Manuel é
prenuncio da catá strofe final que destró i a família. O retrato de Camõ es representa gló ria das letras. O retrato
de D.Joã o simboliza o fantasma ameaçador que regressa do passado para aniquilar o presente.
-A concentraçã o espacial – o progressivo afunilamento e obscurecimento do espaço simboliza o caminhar
inexorá vel para a tragédia final, deixando as personagens sem saída.
-A decoraçã o dos espaços – a decoraçã o dos espaços vai-se tornando mais despojada, mais melancó lica,
impossibilitando o contacto com o exterior.
-Os nú meros – 7 é o algarismo que domina quase todas as referências e simboliza a totalidade. Maria tem 13
anos, nú mero associado ao azar.
-O dia da semana – sexta feira, dia aziago para Madalena.
-A concentraçã o temporal – o afunilamento progressivo do tempo simboliza a impossibilidade de fuga das
personagens ao destino já traçado.

Amor de perdiçã o, Camilo Castelo Branco


A obra como cró nica da mudança social
-Crítica ao ser vs. parecer.
-Critica à sociedade do séc. XIX
-Denú ncia dos privilégios das classes superiores.
-Condenaçã o dos casamentos por conveniência.
-Oposiçã o a uma sociedade repressiva e retró grada, associada ao poder de instituiçõ es como a justiça e a
igreja.
- Defesa da liberdade individual e da valorizaçã o dos ideais nobres.

A estrutura da obra

Introdução
-Apresentaçã o da entrada de Simã o Botelho na Cadeia da Relaçã o do Porto, condenado ao degredo na Índia.
-Referência sucinta à histó ria triste de Simã o, que se resume na frase «Amou, perdeu-se e morreu amando».
-Reflexõ es do narrador sobre a histó ria trá gica de Simão.

Capitulo I
-Apresentaçã o da família de Simã o Botelho.
-Caracterizaçã o de Simã o que aos 15 anos era rebelde e estudante em Coimbra.

Página 33 de
Capitulo II e III
-Simã o e Teresa (filha de Tadeu Albuquerque) veem-se pela primeira vez e apaixonam-se.
-As famílias de Simã o e Teresa opõ em-se ao amor dos jovens, devido ao ó dio entre ambas.
-Tadeu de Albuquerque pretende casar Teresa com o seu sobrinho Baltasar.

Capitulo IV
-Teresa recusa o casamento e o pai decide encerrá -la num convento.
-Escrita de uma carta a Simã o, na qual Teresa explica a sua situação.
-Simã o regressa a Viseu e fica alojado em casa do ferrador Joã o da Cruz.

Capitulo V-IX
-Breve encontro entre Teresa e Simão.
-Mariana, filha de Joã o da Cruz, apaixona-se por Simão.
-Baltasar prepara uma emboscada a Simã o e este é ferido. Simã o consegue fugir com a ajuda de Joã o da Cruz
que matam os dois criados de Baltasar.
-Tadeu decide encerrar Teresa num convento em Viseu. Simã o fica em casa de Joã o da Cruz que devia um
favor ao pai de Simã o.
-Mariana cuida de Simã o em casa de Joã o da Cruz.

Capitulo X
-Simã o vai ao encontro de Teresa, quando a jovem parte do convento de Viseu para o convento de
Monchique, no Porto.
-Simã o mata Baltasar.
-Simã o é preso.

Capitulo XI-XX
-Mariana continua ao lado de Simã o, na prisão.
-É condenado à forca.
-Teresa chega ao convento de Monchique, no Porto, e toma conhecimento da condenaçã o de Simão.
-Doença de Teresa que anseia pela morte, apesar de Simã o, através de Mariana, a incentiva a nã o desistir.
-Decisã o de Tadeu em trazer a filha de volta para Viseu quando sabe do estado frá gil dela, e quando sabe que
que Simã o está também na cidade do Porto.
-Recusa de Teresa em fazer a vontade do pai.
-Assassínio de Joã o de Cruz.
-Simã o é condenado ao degredo por 10 anos e Mariana tem intençã o em acompanhá -lo.
-Suplica de Teresa para que Simã o nã o aceite o degredo e que cumpra o tempo na cadeia onde já esta.
-Partida de Simã o para a Índia, na companhia de Mariana, no momento em que é informado da morte de
Teresa.

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Conclusã o
◆ Morte de Simã o passados 10 dias e suicídio de Mariana, que se atira ao mar na companhia do corpo do seu
amado.

Simã o e o narrador
O autor, Camilo Castelo Branco, criou uma histó ria onde cruza ficçã o e algumas notas biográ ficas. Simã o
Botelho e o autor/narrador partilham o mesmo destino – ambos sã o presos pelo mesmo motivo: o amor.
-Titulo – Amor de Perdiçã oObra de Ficçã o- Histó ria do amor proibido de Simã o e Teresa,
culminando em desfecho trágico.
- Subtítulo - Memó ria de uma famíliaSugestã o de relato histó rico e familiar verídico - Camilo
estava preso na Cadeia da Relaçã o do Porto e encontrou, no livro de registos de entradas na cadeia, o
registo de condenaçã o ao degredo (para a Índia) do seu tio, Simã o Botelho.
Para acentuar o cará ter verídico do seu relato, o narrador recorre:
- à transcriçã o de documentos - à referência a datas.

Construçã o do heró i româ ntico:

Simã o Botelho

-Estatuto nobre.
-Sentimentos fortes:
– antes de amar: rebelde, marginal e violento;
– ao amar (amor-paixão)
– apaixonado, sincero, fiel, obstinado na defesa da sua honra de amante perseguido, excessivo no
amor e no ó dio; veia poética (cf. cartas escritas na prisã o); morre de amor.
-Transformação pela paixã o.

Teresa de Albuquerque (heroína romântica)

-Estatuto nobre.
-Jovem, pura e frá gil (mulher-anjo).
-Sentimentos fortes – amor-paixã o (vive o amor intensamente e morre de amor); obstinaçã o na recusa de
aceitar a autoridade paterna.

Mariana (heroína româ ntica)


- Nobreza de sentimentos – sofre em silêncio por amor (amor nã o correspondido); abnegaçã o, generosidade,
dedicação.
-Indiferença em relaçã o à sociedade.
-Morte por amor (suicídio).

Página 35 de
Relaçõ es entre personagens:

Simã o:
-apaixonado por Teresa;
-fiel aos seus princípios.

Teresa: Mariana:
- apaixonada por Simão; -apaixonada por Simão;
- corajosa perante o seu pai. -cú mplice dos dois amantes

Família Botelho: Família Albuquerque:


- Domingos Botelho: Oponente da relaçã o - Tadeu de Albuquerque: Oponente da relaçã o
Outras personagens:
entre o filho e Teresa, visto que o pai desta é entre a sua filha e simã o, visto que o pai deste
-Mariana: Apaixonada por simã o, mesmo sabendo que nã o éécorrespondida,
seu inimigo. seu inimigo. sacrifica o seu amor pró prio ao
partir
-D. Ritacom ele para
Preciosa: o degredo,
Maternal anulando, com
e preocupada comaomorte de simã o, a sua
-Teresa vida.
Albuquerque: jovem de 15 anos, rica,
-Joã o Cruz: Protetor de Simã o, por dívida de gratidã
filho, é incapaz de se opor à decisã o do marido. o para com
herdeira e bonita, revela Botelho.
o pai dele, Domingos uma força-Mendiga:
de cará cter
intermediá riaSimã
- Irmã os de entre
o:os amantes, entregando
Indiferentes ao irmã o,esendo
recolhendo asexcepcional
cartas. para a época, quando se opõ e à s
-Corregedor: sensível
que apenas Rita (tia àque
coragem de Simã
acolheu o, troca
Camilo apó sa a
pena paradecisõ
o degredo, em vez
es do seu pai. da forca.
morte da mã e) se preocupa com Simã o. - Baltasar Coutinho: convencido, prepotente e
egoísta, nã o se conforma de a prima o ter
ignorado.

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Amor-paixã o:
-O amor-paixã o se concretiza na morte dos amantes, que enfrentam a violência repressiva das leis
familiares e religiosas;
-O amor é elevado a um patamar sagrado, em que há a redençã o pelo sofrimento e o perdã o dos
pecados;
-O amor transpõ e barreiras físicas, instituindo-se para além da morte.
-O destino domina esta personagens, incapazes de concretizarem os seus caminhos individuais.
O amor que une Simã o e Teresa leva a que os dois jovens se comportem de forma violadora, desafiando os
limites sociais e familiares impostos. No entanto, é possível escapar ao Destino implacá vel que se abate sobre
estas personagens e que, ao mesmo tempo, eleva este amor à dimensã o espiritual.

Linguagem e estilo
O narrador:
Como já foi visto anteriormente, o titulo e o subtítulo sugerem duas dimensõ es – a ficcional e a memorialista
– e desta forma destacam-se dois tipos de narrador, o narrador-autor e o narrador enquanto porta-voz da
ficção.
O narrador-autor evidencia-se em dois momentos:
na introduçã o fala na primeira pessoa (“folheando [...] li”)
nas linhas finais da conclusã o, quando identifica Manuel Botelho como seu pai.
O narrador da ficçã o tem as suas marcas presentes quando:
narra com evidente comoçã o a histó ria dos amores trágicos;
se comove com as açõ es das personagens ou quando as elogia;
tece comentá rios pessoais;
interpela o leitor com a intençã o de suscitar a sua reflexão.
O narrador, ora é relator, ora observador critico. Intervém ao longo da obra através dos comentá rios,
parando o relato para tecer consideraçõ es pessoais.
Diálogos:
Nota-se que a preocupaçã o de Camilo em conseguir o efeito de verdade através dos diá logos que marcam os
momentos quer de tensã o, quer de paixã o, quer de sofrimento amoroso.
Os diá logos sã o també m instrumentos ú nicos de descodificaçã o das características especificas de
determinado grupo social, nomeadamente nobreza/burguesia (com registo cuidado) e do povo (com a
linguagem coloquial e familiar).

Concentraçã o temporal da açã o:

Introduçã o: “Amou” Desenvolvimento: “perdeu-se ” Conclusã o: “morreu amando”

-Amor de Simã o e Teresa – correspondido, mas proibido.


-Referência a dados -Amor de Mariana por Simã o – nã o correspondido. Morte de Simã o.
biográ ficos de Camilo. -Assassínio de Baltazar Coutinho. Suicídio de Mariana.
-Apresentaçã o global do -Condenaçã o de Simã o ao degredo.
-Ida de Teresa para o convento.
infortú nio de Simã o
-Morte de Teresa
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Os Maias, Eça de Queirós
Contexto histó rico-cultural
A Segunda metade do sé culo XIX:
Na dé cada de 50 assistiu-se a um grande desenvolvimento das vias de comunicaçã o e a um progresso
econó mico. Esta época de estabilidade política ficou conhecida por Regeneração. Este desenvolvimento
económico deu-se graças a Fontes Pereira de Melo, tendo sido o iniciador de uma política de implementação de
infra-estruturas, tais como: caminhos-de-ferro, estradas, pontes, telégrafo, etc... designada por "fontismo".
No entanto, esta política não foi pacífica nem igual para todos, uma vez que se verificaram desequilíbrios entre o
interior e o litoral.

O contexto cultural:
Enquanto o crescimento econó mico progredia, os padrõ es estético-literá rios vigentes na época
dominados ainda pelo ultra- romantismo e pela sua figura emblemá tica permaneceram iguais.
A década anterior à publicaçã o de Os Maias foi a mais polémica da Histó ria da Literatura, foi
marcada por uma série de revoluçõ es:
a) o idealismo cede lugar ao positivismo;
b) o romantismo é violentamente atacado pelo realismo;
c) o realismo clarifica os grandes males sociais;
d) a arte literá ria é entregue ao serviço da revoluçã o de mentalidades.

Eça de Queirós terá demorado cerca 8 anos para escrever a obra Os Maias, tendo sido publicada a 2 de Junho de
1888. Isso poderá explicar o afastamento progressivo, à medida que a ação avança, do romantismo para o
naturalismo/ realismo. No inicio da obra, Eça é fortemente influenciado pelas teses naturalistas (meio, educação,
hereditariedade), assim como elege o destino como responsável pelo desenlace trágico da família Maia. A obra
foi atacada por fortes críticas quanto à sua extensão e outros fatores, tanto por críticos como também pelo
próprio Eça.

A Questã o Coimbrã
O "Poema da Mocidade" de Pinheiro Chagas foi fortemente elogiado por Castilho numa publicaçã o
de um prefá cio, no qual Castilho aproveitou para censurar um grupo de jovens de Coimbra que acusa de
exibicionismo, obscuridade propositada e de tratamento de temas que nada tinham a ver com a poesia. Desse
grupo faziam parte Teófilo Braga e Antero de Quental. Antero de Quental decidiu responder a Castilho com
uma
Carta intitulada "Bom Senso e Bom Gosto" que acabou por sair em folheto. Formou-se assim um conflito entre
Castilho e Antero de Quental. Castilho defendia a arte pela arte, enquanto para Antero, a arte deveria estar
entregue ao serviço das transformações sociais.

A Geraçã o de 70
Um grupo de jovens intelectuais da Universidade de Coimbra formado por Antero de Quental, Eça
de Queiró s, Teó filo Braga,
Alberto Sampaio, Oliveira Martins, entre outros, responderam à s inventivas dos seus adversá rios e
realizaram um conjunto de atividades científicas, literá rias e artísticas.
Estes jovens opunham-se contra a ordem conservadora e retró grada, pondo assim em questã o toda a
cultura portuguesa.

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A difusã o do realismo em Portugal
A difusã o do "pensamento moderno" foi facilitada pela ligaçã o ferroviá ria entre Coimbra e Paris
assim como pela contestaçã o dos jovens intelectuais ao poder instituído, quer pela Universidade,
quer pelos representantes das "literaturas oficiais" sediados em Lisboa.
Para a divulgaçã o das novas ideias e críticas sociais e políticas, foram organizadas vá rias
conferências, "Conferências do Casino", o programa conferia a realizaçã o de 10 conferências, mas no
entanto foram interrompidas pelas autoridades nã o permitindo que Eça proferisse o seu trabalho
(4a conferência) intitulada "O Realismo como Nova Expressã o de Arte".

Pluralidade de açõ es:


-Açã o principalAmores de Carlos e Maria Eduarda (intriga principal)
-Açõ es secundá riasAmores de Pedro e Maria Monforte (intriga secundá ria); Romance de Ega e Raquel
Cohen; Romance de Carlos com a Gouvarinho.

Intriga > Os Maias (título) Principal- Carlos e Maria


Eduarda Secundá ria – Pedro e Maria Monforte

Açã o trá gica: incesto (intriga principal), destino, peripécia,


pressá gios, peripé cia, reconhecimento, catástrofe.
Nivel (ou planos) da ação
Cró nica de Costumes> Episó dios da Vida Romântica
(subtítulo)

Jantar nos Gouvarinho; Jantar no Hotel central; Episó dios


dos jornais; Corridas de Cavalos; Sarau da Trindade.

Complexidade do tempo
Tempo histó rico

Entende-se por tempo histó rico aquele que se desdobra em dias, meses e anos vividos pelas personagens,
refletindo até acontecimentos cronoló gicos histó ricos do país.

N' Os Maias, o tempo histó rico é dominado pelo encadeamento de três geraçõ es de uma família, cujo ú ltimo
membro - Carlos, se destaca relativamente aos outros. A fronteira cronoló gica situa-se entre 1820 e 1887,
aproximadamente. Assim, o tempo concreto da intriga compreende cerca de 70 anos.

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Tempo psicoló gico

O tempo psicoló gico é o tempo que a personagem assume interiormente. É o tempo filtrado pelas suas
vivências subjetivas, muitas vezes carregado de densidade dramá tica. É o tempo que se alarga ou se encurta
conforme o estado de espírito em Complexidade do tempo
Este romance nã o apresenta um seguimento temporal linear, mas, pelo contrá rio, uma estrutura complexa
na qual se integram três tipos de tempo: tempo histó rico, tempo do discurso e tempo psicoló gico.

No romance, encontram-se algumas açõ es onde se destaca a existência de tempo psicoló gico, como por
exemplo, nas horas passadas no consultó rio, que Carlos considerava monó tonas e “estú pidas”, ou quando, no
ú ltimo capítulo, em que Carlos e Ega visitam e completam o velho Ramalhete (1887) e refletem sobre o
passado e o presente, e numa das intervençõ es, Carlos, com emoçã o e nostalgia, recorda o tempo passado e
comenta “É curioso! Só vivi dois anos nesta casa, e é nela que me parece estar metida a minha vida inteira!”.

O tempo psicoló gico introduz a subjetividade, o que põ e em causa as leis do naturalismo.

Tempo do discurso

Por tempo do discurso entende-se aquele que se deteta no pró prio texto organizado pelo narrador, ordenado
ou alterado logicamente, alargado ou resumido.

Na obra, o discurso inicia-se no outono de 1875, data em que Carlos, concluída a sua viagem de um ano pela
Europa, apó s a formatura, veio com o avô instalar-se definitivamente em Lisboa. Pelo processo de analepse, o
narrador vai, até parte do capítulo IV, referir-se aos antepassados do protagonista (juventude e exílio de
Afonso da Maia, educaçã o, casamento e suicídio de Pedro da Maia, e à educaçã o de Carlos da Maia e sua
formatura em Coimbra) para recuperar o presente da histó ria que havia referido nas primeiras linhas do
livro. Esta primeira parte pode considerar-se uma novela introdutó ria que dura quase 60 anos. Esta analepse
ocupa apenas 90 pá ginas, apresentadas por meio de resumos e elipses. Assim, o tempo histó rico é muito mais
longo do que o tempo do discurso. Do outono de 1875 a janeiro de 1877 - data em que Carlos abandona o
Ramalhete - existe uma tentativa para que o tempo histó rico (pouco mais de um ano da vida de Carlos) seja
idêntico ao tempo do discurso - cerca de 600 pá ginas - para tal Eça serve-se muitas vezes da cena dialogada.
O ú ltimo capítulo é uma elipse (salto no tempo) onde, passados 10 anos, Ega se encontra com Carlos em
Lisboa.

Página 40 de
Complexidade do espaço
Na obra os Maias a Açã o decorre em diferentes Espaços físicos, Sociais e Psicoló gicos.

a) O Espaço Físico é o local onde se desenrola a narrativa (um país, uma cidade, uma casa, etc).

Espaço geográfico: Espaços interiores:


-Coimbra: espaço de boémia estudantil, artística -Ramalhete: a degradaçã o do edifício acompanha o
e literá ria; espaço de formaçã o de Carlos cuja percurso da família e a passagem de Carlos por Lisboa,
existência surge ainda marcada pelo Romantismo sendo considerado um marco referencial importante.
que a sua geraçã o procura rejeitar. Ambiente Símbolo desse percurso é a descriçã o do jardim (aspecto
propício simbó lico oposto ao racionalismo naturalista): -1o
ao diletantismo e ociosidade. momento: o jardim tem um aspecto de abandono e
degradaçã o; corresponde ao desgosto de Afonso apó s a
-Lisboa: é o espaço com maior importâ ncia na morte de Pedro; - 2o momento: é o renascimento da
obra, isto é, é o local onde ocorrem os principais esperança, renovaçã o da casa por Carlos; -3a momento:
acontecimentos. As ruas, as praças, os hotéis, os «areado e limpo, mas sombrio e solitá rio», simboliza o fim
locais de convívio, os teatros sã o caracterizados de um sonho e a morte de uma família.
como personagens ao longo da obra. Lisboa é o
símbolo da sociedade portuguesa da Regeneraçã o, -O consultó rio: A descriçã o do consultó rio revela-nos
incapaz de se modernizar (obras da Avenida da algumas facetas de Carlos: diletantismo, entusiasmos
Liberdade) e que agoniza na contemplaçã o de um passageiros, projectos inacabados.
passado glorioso.
-A casa de Dâ maso: a sua excentricidade faz um
-Sintra: A ida a Sintra de Carlos, Cruges e Alencar contraste com a personalidade mesquinha e cobarde de
constitui um dos momentos mais poéticos Dâ maso e com a sua embaraçada afliçã o no episó dio da
hilariantes da obra. Sintra é o paraíso româ ntico carta.
perdido, é o refú gio campestre e purificador.
-A Vila Balzac: A caracterizaçã o da casa remete para a
-Santa Olá via: É um local de extrema pró pria personalidade de Ega. Os mó veis escolhidos,
importâ ncia para as personagens, sendo como nomeadamente a cama, acentuam a exuberâ ncia afectiva e
refú gio aos problemas e um local calmo que eró tica de Ega o espelho à cabeceira insinua a
proporciona um ambiente agradá vel para extravagâ ncia, um temperamento exibicionista e
pensamentos. narcisista.

-O Hotel Central/ a casa da rua de S.


Francisco/ a Toca: Carlos tenta descobrir facetas da
personalidade de Ma Eduarda através da observaçã o dos
objectos que a rodeiam. A decoraçã o da Toca simboliza a
excentricidade, a anormalidade e a tragédia que
caracterizarã o as relaçõ es de Carlos e Ma Eduarda. Foi à

entrada desse Hotel que Carlos e Maria Eduarda se terã o


avistado pela primeira vez.

Página 41 de
O Espaço Psicoló gico está relacionado com as personagens pois traduz uma atmosfera de ordem
psicoló gica, que se projeta nos comportamentos destas.
Vai privilegiar o que ocorre dentro das personagens, sobretudo através do monó logo interior, manifestando-
se em momentos de maior densidade dramá tica. É sobretudo Carlos que desvenda os meandros da sua
consciência, ocupando também Ega lugar de relevo. O narrador como que desnuda as personagens perante o
leitor, dando conta dos estados de alma, dos personagens, dos pensamentos, da corrente da sua consciência.
A representaçã o do espaço psicoló gico permite definir a composiçã o destas personagens como personagens
modeladas. A presença do espaço psicoló gico implica, obviamente, a presença da subjectividade, pondo em
causa a estética naturalista.
O Espaço psicoló gico consegue-se através do(a) sonho, memó ria, imaginaçã o e emoção.

O Espaço Social sã o os lugares e ambientes em que se proporciona a aná lise dos comportamentos das
personagens, pois aí elas denunciam os seus tiques e os seus vícios (ex. jantar nos Gouvarinho, a corrida de
cavalos, ...)

Personagens:

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Afonso da Maia
▪ Caracterizaçã o física:
Afonso era baixo, maciço, de ombros quadrados e fortes. A sua cara larga, o nariz curvo e a pele corada. O
cabelo era branco, muito curto e a barba branca e comprida. Como dizia Carlos: "lembrava um varã o
esforçado das idas heró icas, um D. Duarte Meneses ou um Afonso de Albuquerque".

▪ Caracterizaçã o psicoló gica:


Provavelmente a personagem mais simpá tica do romance e aquele que o autor mais valorizou. Nã o se lhe
conhecem defeitos. É um homem de cará cter culto e requintado nos gostos. Enquanto jovem adere aos ideais
do Liberalismo e é obrigado, pelo seu pai, a sair de casa; instala-se em Inglaterra mas, falecido o pai, regressa
a Lisboa para casar com Maria Eduarda Runa. Dedica a sua vida ao neto Carlos. Já velho passa o tempo em
conversas com os amigos, lendo com o seu gato – Reverendo Bonifá cio – aos pés, opinando sobre a
necessidade de renovaçã o do país. É generoso para com os amigos e os necessitados. Ama a natureza e o que
é pobre e fraco. Tem altos e firmes princípios morais. Morre de desgosto, quando descobre os amores
incestuosos dos seus netos. É o símbolo do velho Portugal que contrasta com o novo Portugal – o da
Regeneraçã o – cheio de defeitos. É os sonho de um Portugal impossível por falta de homens capazes. É o
ponto de equilíbrio da família. É a ele que o filho entrega Carlos apó s a fuga de Maria Eduarda.

Pedro da Maia
▪ Caracterizaçã o física:
Era pequenino, face oval de "um trigueiro cá lido", olhos belos – "assemelhavam-no a um belo á rabe".
Valentia física.

▪ Caracterizaçã o psicoló gica:


Pedro da Maia apresentava um temperamento nervoso, fraco e de grande instabilidade emocional. Tinha
assiduamente crises de "melancolia negra que o traziam dias e dias, murcho, amarelo, com as olheiras fundas
e já velho". O autor dá grande importâ ncia à ligaçã o desta personagem ao ramo familiar dos Runa e à sua
semelhança psicoló gica com estes. Pedro é vítima do meio baixo lisboeta e de uma educaçã o retrograda. O
seu ú nico sentimento vivo e intenso foi a paixã o que sentia pela mã e. Apesar da robustez física é de uma
enorme cobardia moral (como demonstra a reaçã o do suicídio face à fuga da mulher). Falha no casamento e
falha como homem.

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Carlos da Maia
▪ Caracterizaçã o física:
Carlos era um belo e magnífico rapaz. Era alto, bem constituído, de ombros largos, olhos negros, pele branca,
cabelos negros e ondulados. Tinha barba fina, castanha escura, pequena e aguçada no queixo. O bigode era
curvado aos cantos da boca. Com diz Eça, ele tinha uma fisionomia de "belo cavaleiro da Renascença".

▪ Caracterizaçã o psicoló gica:


Carlos era culto, bem educado, de gostos requintados. Ao contrá rio do seu pai, é fruto de uma educaçã o à
Inglesa. É corajoso e frontal. Amigo do seu amigo e generoso. Destaca-se na sua personalidade o
cosmopolitismo, a sensualidade, o gosto pelo luxo, e diletantismo (incapacidade de se fixar num projecto
sério). Todavia, apesar da educaçã o, Carlos fracassou. Nã o foi devido a esta mas falhou, em parte, por causa do
meio onde se instalou – uma sociedade parasita, ociosa, fú til e sem estímulos e também devido a aspetos
hereditá rios – a fraqueza e a cobardia do pai, o egoísmo, o futilidade e o espírito boémio da mã e.

Maria Monforte
▪ Caracterizaçã o física
É extremamente bela e sensual. Tinha os cabelos loiros, "a testa curta e clássica".
▪ Caracterizaçã o psicoló gica
É vítima da literatura româ ntica e daqui deriva o seu cará cter pobre, excêntrico e excessivo. Costumavam
chamar-lhe negreira porque o seu pai levara, noutros tempos, cargas de negros para o Brasil, Havana e Nova
Orleã es. Apaixonou-se por Pedro e casou com ele. Desse casamento nasceram dois filhos. Mais tarde foge com
o napolitano, Tancredo, levando consigo a filha, Maria Eduarda, e abandonando o marido - Pedro da Maia - e
o filho - Carlos Eduardo. Leviana e imoral, é, em parte, a culpada de todas as desgraças da família Maia. Fê-lo
por amor, nã o por maldade. Apó s a morte de Tancredo, num duelo, leva uma vida dissipada e morre quase na
miséria. Deixa um cofre a um conhecido português - o democrata Sr. Guimarã es - com documentos que
poderiam identificar a filha a quem nunca revelou as origens.

Maria Eduarda
▪ Caracterizaçã o física
Maria Eduarda era uma bela mulher: alta, loira, bem feita, sensual mas delicada, "com um passo soberano de
deusa", é "flor de uma civilizaçã o superior, faz relevo nesta multidã o de mulheres miudinhas e morenas". Era
bastante simples na maneira de vestir, "divinamente bela, quase sempre de escuro, com um curto decote onde
resplandecia o incompará vel esplendor do seu pescoço".

Página 44 de
▪ Caracterizaçã o psicoló gica
Podemos verificar que, ao contrá rio das outras personagens femininas Maria Eduarda nunca é criticada, Eça
manteve sempre esta personagem à distâ ncia, a fim de possibilitar o desenrolar de um desfecho dramá tico
(esta personagem cumpre um papel de vítima passiva). Maria Eduarda é entã o delineada em poucos traços,
o seu passado é quase desconhecido o que contribui para o aumento e encanto que a envolve. A sua
caracterizaçã o é feita através do contraste entre si e as outras personagens femininas, mas e ao mesmo
tempo, chega-nos através do ponto de vista de Carlos da Maia, para quem tudo o que viesse de Maria
Eduarda era perfeito, "Maria Eduarda! Era a primeira vez que Carlos ouvia o nome dela; e pareceu-lhe
perfeito, condizendo bem com a sua beleza serena." Uma vez descoberta toda a verdade da sua origem,
curiosamente, o seu comportamento mantém-se afastado da crítica de costumes (o seu papel na intriga
amorosa está cumprido), e esta personagem afasta-se discretamente de "cena".

Personagens tipo:

Joã o da Ega
▪ Caracterizaçã o física
Ega usava "um vidro entalado no olho", tinha "nariz adunco, pescoço esganiçado, punhos tísicos, pernas de
cegonha". Era o autêntico retrato de Eça.

▪ Caracterizaçã o psicoló gica


Joã o da Ega é a projeçã o literá ria de Eça de Queiró s. É uma personagem contraditó ria. Por um lado,
româ ntico e sentimental, por outro, progressista e crítico, sarcá stico do Portugal Constitucional. Amigo íntimo
de Carlos desde os tempos de Coimbra, onde se formara em Direito (muito lentamente). A mã e era uma rica
viú va e beata que vivia ao pé de Celorico de Bastos, com a filha. Boémio, excêntrico, exagerado, caricatural,
anarquista sem Deus e sem moral. É leal com os amigos. Concebe grandes projetos literá rios que nunca
chega a executar. Terminado o curso, vem viver para Lisboa e torna-se amigo insepará vel de Carlos. Como
Carlos, também ele teve a sua grande paixã o - Raquel Cohen. Ega, um falhado, corrompido pela sociedade,
encarna a figura defensora dos valores da escola realista por oposiçã o à româ ntica. Na prá tica, revela-se em
eterno româ ntico. Nos ú ltimos capítulos ocupa um papel de grande relevo no desenrolar da intriga. É a ele
que o Sr. Guimarã es entrega o cofre. É juntamente com ele, que Carlos revela a verdade a Afonso. É ele que
diz a verdade a Maria Eduarda e a acompanha quando esta parte para Paris definitivamente.

Página 45 de
Conde de Gouvarinho
▪ Caracterizaçã o física
Era ministro e par do Reino. Tinha um bigode encerado e uma pêra curta.
▪ Caracterizaçã o psicoló gica
Tinha uma mentalidade retró grada. Tem lapsos de memó ria e revela uma enorme falta de cultura. Nã o
compreende a ironia sarcá stica de Ega. Representa a incompetência do poder político (principalmente dos
altos cargos). Fala de um modo depreciativo das mulheres. Revelar-se-á , mais tarde, um bruto com a sua
mulher.

Condessa de Gouvarinho
▪ Caracterizaçã o física
Cabelos crespos e ruivos, nariz petulante, olhos escuros e brilhantes, bem feita, pele clara, fina e doce; é
casada com o conde de Gouvarinho e é filha de um comerciante inglês do Porto.

▪ Caracterizaçã o psicoló gica


É imoral e sem escrú pulos. Traí o marido, com Carlos, sem qualquer tipo de remorsos. Questõ es de dinheiro e
a mediocridade do conde fazem com que o casal se desentenda. Envolve-se com Carlos e revela-se
apaixonada e impetuosa. Carlos deixa-a, quando percebe que ela é uma mulher sem qualquer interesse,
demasiado fú til.

Dâ maso Salcede
▪ Caracterizaçã o física
Era baixo, gordo, "frisado como um noivo de província". Era sobrinho de Guimarã es. A ele e ao tio se devem,
respectivamente, o início e o fim dos amores de Carlos com Maria Eduarda.

▪ Caracterizaçã o psicoló gica


Dâ maso é uma símbolo de defeitos. Filho de um penhorista, é presumido, cobarde e sem dignidade. É dele a
carta anó nima enviada a Castro Gomes, que revela o envolvimento de Maria Eduarda com Carlos. É dele
também, a notícia contra Carlos n' A Corneta do Diabo. Mesquinho e convencido, provinciano e tacanho, tem
uma ú nica preocupaçã o na vida o "chic a valer". Representa o novo riquismo e os vícios da Lisboa da
segunda metade do séc. XIX. O seu cará cter é tã o baixo, que se retracta, a si pró prio, como um bêbado, só
para evitar bater-se em duelo com Carlos.

Página 46 de
Sr. Guimarã es
▪ Caracterizaçã o física
Usava largas barbas e um grande chapé u de abas à moda de 1830.
▪ Caracterizaçã o psicoló gica
Conheceu a mã e de Maria Eduarda, que lhe confiou um cofre contendo documentos que identificavam a
filha. Guimarã es é, portanto, o mensageiro da trá gica verdade que destruirá a felicidade de Carlos e de Maria
Eduarda.

Alencar
▪ Caracterizaçã o física
Tomá s de Alencar era "muito alto, com uma face encaveirada, olhos encovados, e sob o nariz aquilino,
longos, espessos, româ nticos bigodes grisalhos".

▪ Caracterizaçã o psicoló gica


Era calvo, em toda a sua pessoa "havia alguma coisa de antiquado, de artificial e de lú gubre". Simboliza o
romantismo piegas. O paladino da moral. Era também o companheiro e amigo de Pedro da Maia. Eça serve-se
desta personagem para construir discussõ es de escola, entre naturalistas e româ nticos, numa versã o
caricatural da Questã o Coimbrã . Nã o tem defeitos e possui um coraçã o grande e generoso. É o poeta do
ultrarromantismo.

Cruges
▪ Caracterizaçã o física
"De grenha crespa que lhe ondulava até à gola do jaquetã o", "olhinhos piscos" e nariz espetado.
▪ Caracterizaçã o psicoló gica
Maestro e pianista patético, era amigo de Carlos e íntimo do Ramalhete. Era demasiado chegado à sua velha
mã e. Segundo Eça, "um diabo adoidado, maestro, pianista com uma pontinha de génio". É desmotivado
devido ao meio lisboeta - "Se eu fizesse uma boa ó pera, quem é que ma representava".

Craft
É uma personagem com pouca importâ ncia para o desenrolar da açã o, mas que representa a formaçã o
britâ nica, o protó tipo do que deve ser um homem. Defende a arte pela arte, a arte como idealizaçã o do que há
de melhor na natureza. É culto e forte, de há bitos rígidos, "sentindo finamente, pensando com retidã o".
Inglês rico e boémio, observador dos costumes lisboetas.

Página 47 de
Eusebiozinho
Eusebiozinho representa a educaçã o retró grada portuguesa. Também conhecido por Silveirinha, era o
primogénito de uma das Silveiras - senhoras ricas e beatas. Amigo de infâ ncia de Carlos com quem brincava
em Santa Olá via, levando pancada continuamente, e com quem contrastava na educaçã o. Cresceu tísico,
molengã o, tristonho e corrupto. Casou-se, mas enviuvou cedo. Procurava, para se distrair, bordéis ou
aventureiras de ocasiã o pagas à hora.

A representaçã o de espaços sociais e a crítica de costumes:

Ao subtítulo de “Os Mais”, Episó dios da Vida Româ ntica, corresponde a cró nica de costumes. Estes episó dios,
descritos ao longo da obra, têm como objectivo fazer o relato da sociedade portuguesa na segunda metade do
século XIX. Eça utiliza um desfile de personagens (personagens tipo) que representam grupos, classes sociais
ou mentalidades por forma a mostrar aos leitores o estado de corrupçã o, providencialismo e parasitismo da
sociedade portuguesa, bem como, seus costumes e vícios. Ao retratar os espaços sociais da alta burguesia,
através da estética naturalista, a obra apresenta personagens como produto de fatores “naturais”- o meio, a
hereditariedade ou a educaçã o.
A educaçã o em Os Maias é abordada de forma a evidenciar duas mentalidades diferentes. Uma é a
portuguesa, ligada a uma visã o cató lica, decadente e tradicionalista, recusa de inovaçõ es e “modernice”. A
outra, a britâ nica, defendia uma educaçã o moderna, aberta ao futuro, apologista da cultura física, da defesa da
ética e do respeito pelos outros e pela diferença. Pedro da Maia e Eusebiozinho sã o símbolos da educaçã o
portuguesa, enquanto Carlos tipifica o modelo britâ nico.
De crianças nervosas e frá geis a adultos fracos, abú licos e fracassados, assim será o percurso de Pedro
(obcecado pela paixã o pela mã e e depois por Maria Monforte, optaria pelo suicídio «face a uma situaçã o de
carê ncia afetiva) e de Eusebiozinho (protagonistas de aventuras com espanholas de porte duvidoso mas
submisso à violê ncia da mulher). Já Carlos, formou-se em medicina, ainda inicia uma carreira de mé dico que
logo abandona, contaminado pelo meio lisboeta e, mais tarde, pela vivê ncia da sua paixã o por Maria Eduarda.
Com efeito, embora Carlos nã o realize nenhum dos seus projetos iniciais, consegue sobreviver de uma forma
digna à descoberta do seu parentesco com Maria Eduarda e à morte do avô .

Página 48 de
Episó dios representativos:

O jantar no Hotel central (VI)


Neste jantar, Ega pretende homenagear Cohen, o marido de Raquel, a quem Ega estava apaixonado e com a
qual mantinha uma relaçã o. Em roda da mesa surgiram assuntos do foro literá rio e político que permitem ter
uma noçã o da situaçã o de Portugal. É uma reuniã o da “elite portuguesa”.
Literá rio: Alencar defende o Ultra-Romantismo enquanto que Ega o Realismo/Naturalismo (mostra uma
sociedade dominada por valores tradicionais, que se opõ e a uma nova geraçã o, a geraçã o de 70 representada
por Ega). Este defende exageradamente a inserçã o da ciência na literatura.
Político: Ega crítica a decadência do país e afirma desejar a bancarrota e a invasã o espanhola. A maneira de
ser português revelada, através das visõ es de Carlos (começa por pensar, a propó sito da mouraria, que "esse
mundo de fadistas, de faias" merecia um estudo, um romance) e de Craft, que fica impassível perante a feroz
discussã o entre Alencar e Ega (a propó sito de um verso "o homem da ideia nova", o paladino do Realismo),
discussã o que quase termina em agressã o física, reconhecendo que "a torpeza do Alencar sobre a irmã do
outro fazia parte dos costumes de crítica em Portugal", até porque sabia que "a reconciliaçã o nã o tardaria,
ardente e com abraços". Provocando Sousa Neto (representante da administraçã o pú blica), Ega percebe que
este nada sabe do socialismo e nã o é capaz de um diá logo consequente.
Carlos da Maia vai a este encontro e vê Ma Eduarda pela primeira vez.

A corrida de cavalos (X)


É uma sá tira ao desejo de imitar o que se faz no estrangeiro, por um esforço de cosmopolitismo, e ao
provincianismo do acontecimento. As corridas de cavalos permitem apreciar de forma iró nica e caricatural
uma sociedade que vive de aparências.
O comportamento da assistência feminina é naturalmente caricaturado. A conformidade do vestuá rio à
ocasiã o parece nã o ser a melhor e acaba por traduzir a falta de gosto e, sobretudo, o ridículo de uma situaçã o
que se pretende requintada sem o ser.
As corridas servem, para Eça, criticar a mentalidade e o comportamento da alta burguesia: O
aborrecimento, motivado pelo facto das pessoas nã o revelarem qualquer interesse pelo evento. A desordem
que existia no espaço que por sua vez, era desadequado ao conceito.
→Falta de desportivismo entre os participantes da corrida.
Carlos vai à s corridas com o objetivo de ver Maria Eduarda, o que nã o se realiza.

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Jantar oferecido a Carlos pelo Conde.
O espaço social permite através das falas, observar a gradaçã o dos valores sociais, o atraso intelectual do
país, a mediocridade mental de algumas figuras da alta burguesia e da aristocracia.
Desfilam perante Carlos as principais figuras e problemas da vida política, social e cultural da alta sociedade
lisboeta: a crítica literá ria, a literatura, a histó ria de Portugal, as finanças nacionais, etc. Todos estes
problemas denunciam uma fragilidade moral dessa sociedade que pretendia apresentar-se como civilizada.
No jantar podemos apreciar duas concepçõ es opostas sobre a educaçã o das mulheres: salienta-se o facto de
ser conveniente que "uma senhora seja prendada, ainda que as suas capacidades nã o devam permitir que ela
saiba discutir, com um homem, assuntos de cará cter intelectual" (Ega, provocador, defende que "a mulher
devia ter duas prendas: cozinhar bem e amar bem").
Sublinha-se neste episó dio os seguintes aspetos:
- a “estreiteza” de pontos de vista do conde de Gouvarinho.
-a ignorâ ncia e falta de inteligência de Sousa Neto.
-a incompetência dos políticos: O conde já tinha passado por vá rios ministérios e Sousa Neto era oficial
superior da Instituiçã o Pú blica, mas nunca tinha ouvido falar de figuras notá veis da literatura e da filosofia da
época.

Os Jornais, “A Corneta do Diabo” e “A Tarde”(XV)


Critica-se, neste episó dio, a decadência do jornalismo português, pois os jornalistas deixavam-se corromper,
motivados por interesse econó micos (é o caso de Palma Cavalã o, do Jornal A Corneta do Diabo) ou
evidenciam uma parcialidade comprometedora, originada por motivos políticos (é o caso de Neves, director
do Jornal A Tarde).
A Corneta do Diabo: Carlos dirige-se, com Ega, a este jornal, que publicara uma carta, escrita por Dâ maso
Salcede, insultando e expondo, em termos degradantes, a sua relaçã o amorosa com Maria Eduarda. Palma
Cavalã o revela o nome do autor da carta e mostra aos dois amigos o original, escrito pela letra de Dâ maso
Salcede, a troco de "cem mil réis".
A Tarde: Neves, o director do jornal, acede a publicar a carta em que Dâ maso Salcede se confessa embriagado
ao redigir a carta insultuosa, mencionando a relaçã o de Carlos e de Maria Eduarda, por concluir que, afinal,
nã o se tratava do seu amigo político Dâ maso Guedes, o que o teria levado a rejeitar a publicaçã o.

O sarau do Teatro da Trindade(XVI)


Evidencia-se o gosto dos portugueses, dominados por valores caducos, enraizados num sentimentalismo
educacional e social ultrapassados. Total ausência de espírito crítico e analítico da alta burguesia e da
aristocracia nacionais e a sua falta de cultura.
Rufino, o orador “sublime”, que pregava a “caridade” e o “progresso”, representa a orientaçã o mental
daqueles que o ouviam: a sua retó rica vazia e impregnada de artificialismos barrocos e ultra-româ nticos
traduz a sensibilidade literá ria da é poca, o seu enaltecimento á naçã o e à família.

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Cruges, que tocou Beethoven, representa aqueles que, em Portugal, se distinguiam pelo verdadeiro amor à
arte e que, tocando a Sonata patética, surgiu como alvo de risos mal disfarçados, depois de a marquesa dizer
que se tratava da Sonata Pateta, o que o tornaria o fiasco da noite.
Alencar declamou “A Democracia”, depois de “um maganã o gordo” lamentar que nó s Portugueses, nã o
aproveitá ssemos “herança dos nossos avó s”, revelando um patriotismo convincente. O poeta aliava, agora,
poesia, e política, numa encenaçã o exuberante, que traduzia a sua emoçã o pelo facto de ter ouvido “uma voz
saída do fundo dos séculos” e que o levava a querer a Repú blica, essa ”aurora” (e os aplausos foram
numerosos) que viria com Deus.
Carlos vai apenas para cumprir uma obrigaçã o social (o sarau destinava-se a ajudar as vitimas das cheias do
Ribatejo). É neste cená rio que o Sr. Guimarã es entrega a Ega o cofre que contém as revelaçõ es sobre o
parentesco entre Carlos e Maria Eduarda.
Estes episó dio aponta para aspetos caricatos da sociedade portuguesa:
▪O apreço e a admiraçã o pelo palavreado oco e inqualificá vel de Rufino;
▪A ausência da família real num espetá culo de beneficência;
▪A total ausência de sensibilidade estética para apreciar talento, incarnado por Cruges;
▪A lá grima fá cil, exagerada, pelos versos de Alencar.

Passeio final de Carlos e Ega (XVIII)


Apó s 10 anos de ausência do país por parte de Carlos, este episó dio permite constatar:
A sensaçã o de total imobilismo de Lisboa (está tudo igual).
O provincianismo da sociedade lisboeta face ao elegantismo de Carlos da Maia.
A aceitaçã o do fracasso e desencanto por parte dos dois amigos.
A falta de fô lego nacional para acabar os grandes empreendimentos, como a Avenida.
A imitaçã o acrítica do estrangeiro.
A decadência dos valores genuínos.
O aspeto simbó lico dos espaços físicos:
✓ A está tua de Camõ es, cuja tristeza espalha a grandeza perdida;
✓ A Avenida, cujas obras de renovaçã o se processã o devagar, revelando esforço ingló rio de progresso;
✓Os bairros antigos, cujo abandono oferece a imagem de decadência atual;
✓O ramalhete, solitá rio e amortalhado, reiterando o fim e a ruína dos Maias.

O estudo do espaço social nã o se esgota nestes episó dios, visto que os serõ es no Ramalhete, o chá dos
Gouvarinho e as conversas ocasionais contribuem também para a visã o crítica da sociedade portuguesa do

final do século XIX.

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Os espaços e o seu valor simbó lico e emotivo:

a) O Ramalhete
Na opiniã o de Vilaça, as paredes do Ramalhete sempre foram fatais aos Maias. Está ligado à decadê ncia
nacional. Aliá s, o ramo de girassó is aponta para uma atitude contemplativa de submissã o, associada à
incapacidade de ultrapassar esse estado rebaixado. Isto reflete nã o só a presença avassaladora da paixã o na
família Maia, mas també m o estado do pró prio país. O jardim do Ramalhete també m é rico em simbolismo.
Sobressaem trê s símbolos: o cipreste, o cedro e a Vé nus Citereia. O cipreste e o cedro, unidos de forma
incorruptível pelas suas raízes que a tudo resistem, simbolizam o amor absoluto. A está tua da Vénus Citereia
liga-se à seduçã o e à luxuria da deusa do amor. Passa por trê s fases: na altura da morte de Pedro, escurecia a
um canto; apó s a remodelaçã o do Ramalhete, reapareceu em todo o seu esplendor, como símbolo de vida
feliz, nã o deixando, no entanto, de estar ligada à desgraça futura, enquanto símbolo feminino desestabilizador;
na terceira e ú ltima fase, aparece coberta de ferrugem verde e humidade, assumindo uma simbologia negativa
de destruiçã o.
Importa referir também a cascata: a á gua é símbolo de regeneraçã o e purificaçã o, e o seu fluir representa a
passagem inexorá vel do tempo, associada à ideia de Destino.
O ramalhete é revelador do bom gosto e requinte de Carlos.
O Ramalhete – 10 anos depois: Passados dez anos, a casa é um espaço frio, decadente, “amortalhado” sob
lençó is, uma vez que Carlos levou para Paris parte do recheio do Ramalhete. No jardim, a Vénus enferrujada e
a cascata sem á gua sublinham a decadência.O Ramalhete acompanha e simboliza a gló ria e a decadência dos
Maias.

b) A Toca (casa de Maria Eduarda nos Olivais)


Uma toca é um covil de um animal, é onde este se esconde das ameaças exteriores. Assim, o nome da casa
aponta para uma amor marginal, que se torna animalesco por ser incestuoso, desafiando as leis humanas,
primeiro de forma inconsciente, depois consumado. Na Toca multiplicam-se os elementos trá gicos, sobretudo
no quarto de Maria Eduarda: a tapeçaria com os amores de Vénus e Marte; a pintura da cabeça degolada; a
coruja empalhada.

c) Santa Olá via (local de infâ ncia de Carlos)


Simboliza a vida e a regeneraçã o dos dois varõ es da família. É um espaço natural, conotado
positivamente. Opõ e-se ao espaço citadino degradado – Lisboa – local da degeneraçã o da família. Local de
refú gio de Afonso, apó s o suicídio de Pedro, é lá onde Carlos cresce. Apó s a instalaçã o da família Maias em
Lisboa, Santa Olá via é um local de férias.
É um local idílico e representa a beleza paradisíaca. Cená rio onde Carlos, Alencar e Cruges vã o passear no
capítulo VIII. O seu aspeto paradiso româ ntico, será , no entanto, corrompido pela intrusã o dos vícios
decadentes, representados pelas figuras de Eusebiozinho e Palma Cavalã o, acompanhados de prostitutas
espanholas. Também Dâ maso Salcede transporta o seu “chique a valer” para Sintra, tornando esta sensaçã o
paradisíaca natural uma continuaçã o do espaço lisboeta.

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e) Lisboa
Lisboa é o espaço privilegiado ao longo de toda a obra. Todas as ruas, as praças, os teatros assumem quase o
estatuto de personagens ao longo do romance. Representa Portugal inteiro: “O país está todo entre a Arcada e
S. Bento!” (cap. VI). Símbolo da decadência nacional, Lisboa é caracterizada pela degradaçã o moral e pela
ociosidade cró nica. No ú ltimo capítulo da obra, destaca-se a está tua de Camõ es, que assiste impotente à
decadência do país. O país, estagnado e politicamente amorfo, é incapaz de se regenerar, rendendo-se à
mediocridade intelectual e à adoçã o de modas estrangeiras, renunciando a qualquer sentido de identidade
pró pria.

f) Coimbra
Espaço da formaçã o académica de Carlos, Coimbra é símbolo da boémia estudantil, artística e literá ria. Eça
terá escolhido Coimbra pelo facto de esta cidade ter sido o palco da Questã o Coimbrã . Além disso, foi onde o
pró prio Eça estudou.

g) O consultó rio
É revelador de certas facetas de Carlos: o seu diletantismo (alguém que muda de ideias constantemente), os
seus entusiasmos passageiros, os projetos inacabados, c que levaram ao tédio e ao ó dio.

Características trá gicas das personagens:


A intriga central apresenta aspetos, para alé m da presença do destino, que a aproximam da tragédia clássica:
-a superioridade física e intelectual das personagens- Afonso, Carlos e Maria Eduarda destacam-se no
meio pequeno e medíocre em que vivem pelas suas qualidades físicas, morais e intelectuais;
-o papel do destino, da fatalidade, como força motriz- a destruiçã o consuma-se por meio de um
agente dissimulado, o destino, frequentemente referido ao longo do romance:
▪ a inevitabilidade do destino;
▪ a concordâ ncia dos nomes e do destino;
▪ o destino “irreparável”.
-Os indícios/ pressá gios- sinais, afloramentos disfarçados da força do destino, que se revestem de
aparências diversas, dificultando o seu reconhecimento por parte das personagens. (ex: semelhanças
fisioló gicas de Carlos com a mã e, reconhecida por Ma Eduarda; semelhança temperamental de Ma
Eduarda e de Afonso da Maia, reconhecida por Carlos).

Descriçã o do real e o papel das sensaçõ es

Nesta obra, Eça de Queiroz faz a descriçã o do real recorrendo ao impressionismo literário.
O impressionismo é um movimento artístico que procura expressar o real através das impressõ es recebidas
pelos sentidos. Neste estilo é valorizada a cor, a luminosidade, os contornos esfumados e os efeitos

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provocados pela realidade observada. O impressionismo literá rio foi criado mais tarde, e tornou-se uma
característica pró pria de Eça, sendo este um dos principais introdutores deste estilo na literatura.
Nos Maias o impressionismo literá rio é utilizado para:
▪retratar a linguagem quotidiana, sendo usada uma linguagem bastante exata, baseada
em pensamentos científicos.
▪voltada para o estado de espírito das personagens, buscava configurar a alma destas e da
mesma forma o ambiente subtil do local.
▪novo tipo de linguagem em que o autor busca mostrar a realidade com uma linguagem imperfeita,
com metá foras e ritmos evocativos.
Eça dava muita importâ ncia a que o leitor consegui-se sentir as sensaçõ es que pretendia transmitir e para
isso utilizava de forma recorrente recursos expressivos para o conseguir, como por exemplo a sinestesia.
Eça começa logo nas primeiras pá ginas da sua obra a demonstrar este seu estilo característico com a
descriçã o do Ramalhete. Mais tarde com recurso a recursos expressivos, como a sinestesia, a hipá lage, a
personificaçã o, entre outras.

Antero de Quental

A angú stia existencial

Na obra poética de Antero, é visível uma profunda angú stia existencial. Com efeito, a par de uma face
luminosa do eu, temos uma face noturna, sendo esta dualidade geradora de uma grande inquietaçã o interior.
Na sua vertente grandiosa, a poesia de Antero de Quental é dominada pela racionalidade de um pensador
que exalta o papel revolucioná rio do poeta e que aspira à justiça social e ao Bem.
No entanto, na obra de Antero está presente uma busca permanente da perfeiçã o, que nã o combina com a
dimensã o transitó ria e imperfeita da realidade. Desse ponto de vista, todos os ideais estarã o, à partida,
condenados ao fiasco, uma vez que nunca poderã o satisfazer totalmente a â nsia de Absoluto do eu.
É por este motivo que deparamos com a vertente mais negra da obra de Antero, marcada por um profundo
desalento provocado pelo desmoronar de todos os seus sonhos.
No intuito de se libertar deste sentimento doloroso de derrota, o eu busca desesperadamente uma forma de
evasã o —quer através do desejo de refú gio no sono no seio de uma figura protetora, que tanto pode assumir
traços maternais (sendo, por vezes, identificada com Nossa Senhora) como traços paternais (destacando-se a
figura de Deus). No entanto, este desejo de proteçã o nem sempre é investido de contornos positivos. De facto,
o sujeito poético manifesta, ao longo de toda a obra, dú vidas em relaçã o à existência de Deus. Deste modo,
mais do que um gesto voluntá rio de entrega ao divino, o comportamento do eu é, na verdade, uma atitude de
desistência resultante de um sentimento de profundo desencanto em relaçã o a todas as esperanças.

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Configuraçõ es do ideal

• A obra poética de Antero é marcada pela busca de um ideal, que pode assumir diferentes configuraçõ es.
• Em primeiro lugar, como foi anteriormente referido, o eu faz a apologia da necessidade de transformaçã o da
sociedade — processo em que o poeta teria um papel fundamental. Esta vertente da poesia anteriana é
influenciada pelos ideais socialistas, que inspiraram as iniciativas políticas do poeta ao longo da vida.
• Em segundo lugar, o eu manifesta també m a sua aspiraçã o a um amor que surge, muitas vezes, com
contornos idealizados (e que é , por vezes, associado a uma figura feminina també m ela ideal).
• Finalmente, é de destacar a busca da perfeiçã o a nível ético — que está , obviamente, também associada à
aspiraçã o à justiça social. Este processo pauta-se por uma preocupaçã o constante com a busca do Bem e da
pró pria santidade.

Linguagem, estilo e estrutura

O discurso conceptual:
• O discurso conceptual caracteriza-se pelo recurso a conceitos abstratos, a noçõ es filosó ficas, metafísicas e
abstratas, de maior ou menos densidade, que apresenta nos seus poemas.

O soneto:
• O soneto acaba por ser o intérprete perfeito da ideia anteriana, pois a apresentaçã o e o desenvolvimento da
tese sã o apresentados nas duas quadras e no primeiro terceto, sendo o ú ltimo a chave de ouro, isto é, a
conclusã o do tema apresentado, à boa maneira de Camõ es.
•Os sonetos de Antero de Quental sã o um testemunho de um estado de alma e agonia, em simultâneo.

Recursos expressivos:
• Se atentarmos nos principais recursos expressivos cultivados por Antero de Quental nos seus sonetos,
constatamos que a metá fora é usada para representar de forma convincente e reveladora de conceitos,
fenó menos e situaçõ es que sã o centrais no desenvolvimento do raciocínio do eu poético. Nas metá foras, o eu
poético ganha um olhar novo e revelador sobre uma ideia ou um conceito.
• A imagem é um recurso expressivo que consiste numa representaçã o (de natureza metafó rica) com um forte
apelo visual. Antero usa-a, em alguns casos, associada à alegoria: observe-se como em «O palá cio da Ventura»
a busca da felicidade é representada pela demanda de um cavaleiro ou como a açã o da morte e do amor na
vida dos homens é figurada na imagem de um cavaleiro negro que avança na noite escura em «Mors-amor».

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• Antero recorre à personificaçã o de elementos físicos e de conceitos abstratos, que surgem como
personagens nos poemas: o meu coraçã o, a minha alma, o vento, o sonho, mas também a Justiça, a Razã o, o
Amor e a Morte. Desta forma, o eu lírico dirige-se a estas entidades, questiona-as, lamenta-se, exige-lhes
explicaçõ es como se estivesse a falar com outra pessoa. Frequentemente, estes nomes surgem com inicial
maiú scula.
• Assim, em alguns sonetos, o eu poético estabelece diá logo com esses elementos e conceitos personificados a
fim de desenvolver o seu raciocínio ou de expor o seu argumento. É nesse momento que se socorre das
apó strofes para interpelar estas entidades: «Razã o, [...] / Mais uma vez escuta a minha prece» («Hino à
Razã o»);
«e tu, Morte, bem-vinda!» («Em viagem»).
• As interrogaçõ es, as frases exclamativas e as reticências servem para conferir o tom inquiridor, mas
também coloquial, à discussã o de ideias que o eu lírico está a desenvolver interiormente.
• Por fim, registe-se a presença de um vocabulá rio associado à escuridã o, mas também um léxico relativo à luz
e à claridade: estes dois campos lexicais traduzem a dimensã o luminosa e a negra dos sonetos de Antero.
Como antes vimos, se o primeiro campo lexical alude à racionalidade, à justiça ou à ideia de bem, o segundo
reú ne palavras associadas ao pessimismo, ao desespero ou à morte.

Cesá rio Verde, O sentimento de um ocidental


O poema longo e a sua estrutura:
Ao longo das 44 estrofes deste poema, embrenhamo-nos numa Lisboa asfixiante e castradora da qual Cesá rio
nã o consegue fugir. Percorrendo os diversos espaços físicos, desde o final da tarde até altas horas da
madrugada, o poeta conduz o leito desde as amplas margens do rio Tejo de onde partiram as naus para um
futuro glorioso, até aos becos escuros e simbó licos do presente melancó lico.
Ao longo do poema, Cesá rio mostra o sentimento da clausura que a cidade lhe provoca, com a
impossibilidade de escapar aos espaços fechados, quer sociais quer físicos, que o deixam sentir-se sufocado.
O poema é composto por 44 quadras, cada uma com 11 estrofes através das quais é dada a conhecer a
deambulaçã o do poeta pelas ruas da capital, entrelaçando o real observado com a sua interpretaçã o
simbó lica de que a cidade o sufoca.

I. “Ave Marias” (questã o é pica cró nicas navais)


A primeira parte do poema situa-se ao fim da tarde ("ao anoitecer"), à hora em que os sinos das igrejas
chamam para a oraçã o vespertina - a ave-maria.
O sujeito poético, à medida que deambula pelas ruas junto ao Tejo, descreve vá rios espaços citadinos -
edifícios em construçã o, "boqueirõ es", "becos", "varandas", "arsenais", "oficinas", "hotéis da moda" -,
referindo as "personagens urbanas" que neles se movimentam - "carpinteiros", "calafates", "dentistas",
"obreiras", "varinas", "um trô pego arlequim", "os querubins do lar", "os lojistas". Em relaçã o ao grupo de
personagens descrito, é evidente a simpatia solidá ria que o sujeito poético revela para com as personagens

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populares, com destaque especial para as varinas que "... embalam nas canastras / Os filhos que depois
naufragam nas tormentas" e que trabalham "(...) Nas descargas do carvã o, / Desde manhã à noite, (...) / E
apinham-se num bairro aonde miam gatas, / E o peixe podre gera os focos de infecçã o!" A impressã o geral
que decorre desta primeira descriçã o da cidade é de que se trata de um espaço soturno e melancó lico, pouco
luminoso, que apresenta uma "cor monó tona e londrina", despertando no "eu" sentimentos contraditó rios -
"E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!"
Nesta primeira parte do poema, é também nítida a oposiçã o entre o real e a fantasia. Na verdade, face a uma
realidade que lhe desperta "um desejo absurdo de sofrer", o sujeito poético anseia partir para outras
dimensõ es, e exprime o seu desejo de evasã o:
-para outros espaços reais: "Levando à via-férrea os que se vã o. Felizes! / Ocorrem-me em revista
exposiçõ es, países: /Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!";
-para outros tempos, outras gló rias - "Evoco, entã o, as cró nicas navais: / Mouros, baixéis, heró is,
tudo ressuscitado! / Luta Camõ es no Sul, salvando um livro a nado! / Singram soberbas naus que eu
nã o verei jamais!".
Esta evocaçã o das grandezas passadas aparece logo seguida da referência aos Lusíadas.

II. Noite Fechada


O sujeito poético continua o seu percurso, observando a realidade que o rodeia, enumerando os novos
espaços que observa:
-as cadeias -“as íngremes subidas"
-o Aljube -“o recinto pú blico e vulgar"
-a "velha Sé" -“um palá cio em face de um casebre"
-os andares -os quartéis
-as tascas -as "montras dos ourives"
-os cafés. -os magasins
-as tendas -a brasserie
-os estancos -as igrejas

Destes espaços mó rbidos, pouco iluminados, desprende-se uma sensaçã o de enclausuramento, de solidã o, de
pessimismo progressivo - "E eu desconfio, até, de um aneurisma / Tã o mó rbido me sinto, ao acender das
luzes", "Chora-me o coraçã o que se enche e que se abisma.", "E eu sonho o Có lera, imagino a Febre", "Triste
cidade! Eu temo que me avives / Uma paixã o defunta!".
Surgem, entã o, novas figuras citadinas, a que o sujeito poético se refere como "uma acumulaçã o de corpos
enfezados" - presos, velhinhas, crianças, soldados, as elegantes, as costureiras, as floristas ("E muitas delas sã o
comparsas ou coristas") e os emigrados que jogam dominó .
O tom melancó lico e disfó rico presente na descriçã o da cidade nã o nasce apenas do relato dos espaços e das
personagens que neles evoluem, mas também do tipo de sensaçõ es empregues pelo sujeito poético para
concretizar essa mesma descriçã o:

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-auditivas - "Toca-se as grades, nas cadeias. Som / Que mortifica e deixa umas loucuras mansas!", "E
os sinos dum tanger moná stico e devoto.", "... ao riso...";
-visuais - "... ao acender das luzes", "à crua luz";
-térmicas - "Derramam-se por toda a capital, que esfria".
Nesta segunda parte, face à desolaçã o e à soturnidade do presente, o sujeito poético também evoca o
passado ("Assim que pela Histó ria eu me aventuro e alargo") através do "severo inquisidor",
do "épico de outrora" e da Idade Média.

III. Ao Gá s (tradiçã o cató lica)


O deambular progressivo do sujeito poético permite-lhe completar o quadro citadino. Novos espaços e
personagens sã o referidos:
Espaços:
-os "passeios de lajedo"
-os "moles hospitais"
-as "lojas tépidas"
-a "catedral de um comprimento imenso"
-o "cutileiro"
-a "padaria"
-as "casas de confecçõ es e modas", com longos balcõ es de mogno
-as "longas descidas" e as esquinas

Personagens:
-“as impuras"
-as "burguesinhas do Catolicismo"
-“o forjador"
-um "ratoneiro imberbe"
-“a lú brica pessoa"
-uma "velha, de bandó s!"
-“os caixeiros"
-“um cauteleiro rouco"
-o "velho professor (...) de latim"

Esta longa enumeraçã o, para além de pormenorizar o retrato da cidade, reitera alguns dos aspetos
característicos da poesia de Cesá rio Verde, como:
-a valorizaçã o do campo, presente na ú nica nota eufó rica desta parte - o "cheiro salutar e honesto a
pã o no forno" que sai de uma padaria;
-a presença de uma figura feminina que subverte os câ nones poéticos da época - "as impuras";
-o anticlericalismo presente na referência ao histerismo das freiras;

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-a solidariedade social presente na referência ao facto de o seu "velho professor (...) de Latim" estar
transformado num pedinte.
Tal como nas duas primeiras partes, o sujeito poético descreve a cidade de modo sensorial, recorrendo a:
-sensaçõ es tá cteis - "(...) A noite pesa, esmaga. (...) / Um sopro que arrepia os ombros quase nus";
-olfativas - "Um cheiro salutar e honesto a pã o no forno";
-visuais - "E a vossa palidez româ ntica e lunar!";
-auditivas - "Da solidã o regouga um cauteleiro rouco".
O sujeito poético sublinha que o real é motivo de inspiraçã o poética - "E eu que medito um livro que
exacerbe. / Quisera que o real e a aná lise mo dessem".

IV. Horas Mortas


A quarta parte do poema corresponde ao momento final do percurso do sujeito poético, percurso esse que se
vai progressivamente tornando mais angustiante e fechado.
Assim, estamos no domínio total da noite, as estrelas brilham no céu - "Vêm lá grimas de luz dos astros com
olheiras" - e "os guardas, que revistam as escadas, / caminham de lanterna (...)".
Este é também o momento em que as personagens marginais dominam a cidade: as "imorais", os assassinos,
os "tristes bebedores", os "dú bios caminhantes" e até os cã es, que se transformam em lobos - "E sujos, sem
ladrar, ó sseos, febris, errantes, / Amareladamente, os cã es parecem lobos".

É també m o momento em que o espaço se torna agressivo para o sujeito poético, essa agressividade está
presente:
-no colocar dos taipais e no ranger das fechaduras;
-na consciência de que a cidade é uma prisã o, uma antecâ mara da morte - "Mas se vivemos, os
emparedados. / Sem á rvores, no vale escuro das muralhas!..."; "prédios sepulcrais";
-no sentir de um nojo físico pela cidade - "Nauseiam-me (...) os ventres das tabernas".
Face a esta cidade opressiva, o sujeito poético apenas pode:
-evocar a beleza e a serenidade do campo
- "Pois sobem, no silê ncio, infaustas e trinadas, / As notas pastoris de uma longínqua flauta";
-expressar desejos impossíveis ou de difícil realização
-"Se eu nã o morresse, nunca! E eternamente / Buscasse e conseguisse a perfeiçã o das
cousas!";
-esperar o regresso da grandeza perdida - "Nó s vamos explorar todos os continentes / E
pelas vastidõ es aquá ticas seguir!"

A representaçã o da cidade e dos tipos sociais


• A cidade surge como um espaço que se opõ e ao campo. O espaço urbano é visto como opressivo e
destrutivo (por exemplo, nos poemas «Num bairro moderno» e «O sentimento dum ocidental»), tanto para o
sujeito poético como para os populares que para aí se deslocam em busca de melhores condiçõ es de vida, na
sequência do enorme êxodo rural que ocorreu nesta época. Em contrapartida, o campo é perspetivado como
um local de liberdade — sendo que o espaço rural nã o é idealizado, mas descrito de forma realista e concreta.

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• Mesmo nos poemas que se concentram no espaço citadino, sã o feitas referências frequentes ao campo —
como que a lembrar que a vocaçã o do ser humano se orienta para uma vida harmoniosa e natural, que só no
campo se encontra, e que a vida na cidade o desumaniza. Deste modo, no espaço urbano há sempre um
desejo de evasã o para o campo.
• A oposiçã o cidade/campo alarga-se também ao campo amoroso: enquanto a cidade está associada à
ausência, impossibilidade ou perversã o do amor, o campo representa a possibilidade de vivência plena dos
afetos.
• As pró prias figuras femininas da obra de Cesá rio se associam a esta dicotomia: o eu poético sente-se atraído
por dois tipos opostos de mulher — a mulher fatal e a mulher frá gil e inocente. No primeiro caso, temos
figuras femininas que se enquadram perfeitamente no espaço citadino (e que surgem, por exemplo, no poema
«O sentimento dum ocidental»). Pertencem a um estrato social superior ao do sujeito poético e ostentam
riqueza e elegâ ncia. O desejo que estas mulheres suscitam no sujeito poético é investido de ambiguidade, na
medida em que a sua altivez, ao mesmo tempo que o seduz, provoca nele um sentimento de revolta. No
segundo caso, temos personagens simples, inocentes, frá geis e desamparadas, que, pelas suas características,
nã o se enquadram no espaço urbano, visto como um local de corrupçã o (por exemplo, o poema «A débil»).
Assim, ao contrá rio da mulher fatal, a vulnerabilidade desta figura feminina desperta no eu o instinto de
proteçã o, o desejo de se redimir das suas faltas e de levar com ela uma existência honesta e tranquila.
• No que diz respeito aos tipos sociais representados na obra de Cesá rio, temos claramente um sentimento de
empatia do sujeito poético em relaçã o aos elementos das classes mais baixas (cf., por exemplo, os poemas «O
sentimento dum ocidental», «Num bairro moderno» e «Cristalizaçõ es»). Com efeito, é feita uma crítica à s
condiçõ es degradantes em que os elementos do povo viviam: as varinas de «O sentimento dum ocidental»
«apinham-se num bairro aonde miam gatas / E o peixe podre gera os focos de infeçã o» (vv. 43-44) —, bem
como à exploraçã o a que estavam sujeitos — os calceteiros sã o descritos, em «Cristalizaçõ es», como «bestas
[...] curvadas» que têm uma «vida [...] custosa» (vv. 61-62); quanto à vendedeira de «Num bairro moderno», é
humilhada por um criado que lhe «[a]tira um cobre ignó bil, oxidado» (v. 29) e se recusa a pagar-lhe mais pela
mercadoria.

• O poema «Cristalizaçõ es» parece, num primeiro momento, contrariar este sentimento de compaixã o em
relaçã o aos elementos mais vulnerá veis da sociedade. De facto, o eu mostra-se pontualmente satisfeito com a
cidade mercantil — isto é , com uma sociedade que se centra apenas no progresso a nível econó mico,
ignorando as necessidades das classes mais desfavorecidas: «E engelhem muito embora, os fracos, os tolhidos,
/ Eu tudo encontro alegremente exato» (vv. 46-47). Contudo, esta perspetiva é posteriormente contrariada pela
contemplaçã o mais demorada dos calceteiros e pela reflexã o sobre a dureza que marca o seu percurso
existencial. Assim, o sujeito poético acaba por mostrar a sua admiraçã o por estes trabalhadores: «Que vida tã o
custosa! Que diabo!» (v. 62).
• A injustiça social denunciada na poesia de Cesá rio torna-se mais gritante pelo contraste que nela se
estabelece entre o labor permanente dos elementos do povo, que é visto como a força ativa da sociedade, e
o ó cio que caracteriza as classes dominantes. Com efeito, no poema «Num bairro moderno», a azá fama da

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vendedeira e dos trabalhadores da cidade contrasta com a «vida fá cil» (v. 12) dos habitantes deste luxuoso
espaço, que à s dez da manhã ainda estavam a começar a despertar. Também em «O sentimento dum
ocidental» este contraste é visível: a descriçã o dos trabalhadores que regressam a casa ao fim da tarde e dos
que se encontram ainda no local de trabalho torna mais gritante a inatividade das classes dominantes, que
jantam nos «hotéis da moda» (v. 28) ou se entregam ao consumismo nas «casas de confeiçõ es e modas» (v.
107).

Deambulaçã o e imaginaçã o: o observador acidental


• Cesá rio Verde representa nos seus versos a cidade (e o campo) atravé s do registo de percepçõ es sensoriais:
embora predominem as referê ncias visuais, o eu lírico caracteriza també m o espaço urbano pelas
constataçõ es que lhe chegam atravé s do ouvido, do olfato e do tato. Em vá rias situaçõ es essas sensaçõ es
cruzam-se em sinestesia.
• A caracterizaçã o da cidade é feita enquanto o eu lírico caminha pelas ruas, anotando em movimento o que
vê, ouve, cheira e sente. O facto de deambular, de se deslocar no espaço, permite-lhe uma perceçã o dinâ mica
e um conhecimento mais completo da realidade urbana, na medida em que passa por vá rios lugares e
encontra diferentes personagens.
• Mas Cesá rio nã o se contenta em apresentar a realidade «como ela é », ou seja, de forma «objetiva». O sujeito
poético coloca a sua subjetividade nessa descriçã o e fá -la acompanhar de insinuaçõ es apreciativas e de
comentá rios avaliativos: «Como animais comuns, que uma picada esquente, / Eles [os trabalhadores de rua],
bovinos, má sculos, ossudos,» («Cristalizaçõ es»).
• Esse olhar subjetivo sobre o real e a cidade concretiza-se em vá rios casos numa representaçã o imaginativa
das figuras, dos elementos e dos espaços que sã o descritos. A imaginaçã o do sujeito poético leva-o, por
exemplo, a comparar a atriz elegante e intimidada de «Cristalizaçõ es» a uma cabra fugidia («Com seus
pezinhos rá pidos, de cabra!») ou a falar, no mesmo poema, das «á rvores despidas» do inverno como «uma
esquadra [fundeada] em fria paz».
• Esta é uma té cnica de representaçã o do real que se propicia à aná lise e à crítica social: atravé s da
comparaçã o, da metá fora e da imagem condena-se a desumanizaçã o do trabalho quando se encontram
semelhanças entre os calceteiros e os animais de carga: «Assim as bestas vã o curvadas!» («Cristalizaçõ es»),
denuncia-se o «consumismo» da mulher abastada, comparando-a a uma «grande cobra, a lú brica pessoa»,
alude-se aos habitantes da cidade, que vivem em pré dios, como encarcerados («os emparedados») — ambos de
«O sentimento dum ocidental».
• Por outro lado, a imaginaçã o criativa e a subjetividade do sujeito poético manifestam-se também na
utilizaçã o da técnica impressionista para representar a realidade. Tal sucede quando a caracterizaçã o de um
lugar ou de uma personagem é inicialmente definida por características suas (normalmente associadas à luz e
à cor) que o observador percepciona para só num segundo momento esse elemento ser identificado: «Reluz,
viscoso, o rio», «Lançam a nó doa negra e fú nebre do clero».
• Por fim, note-se que a imaginaçã o do sujeito lírico é também responsá vel por trazer para o presente alusõ es
ao passado da cidade, seja esse passado glorioso ou sombrio: «Assim que pela Histó ria eu me aventuro e

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alargo». Os grandiosos tempos idos da pá tria emergem pela evocaçã o de «Mouros, baixéis, heró is, tudo
ressuscitado» ou de Camõ es; os períodos de obscurantismo revelam-se quando, por exemplo, duas igrejas
recordam os tempos da Inquisiçã o: «um ermo inquisidor severo» (exemplos de «O sentimento dum
ocidental»).
• Tal significa que esta imaginaçã o poética contribui decisivamente para dar significado (valorizaçã o,
crítica, sentido, etc.) à realidade que o sujeito poético descreve.

Perceçã o sensorial e transfiguraçã o poé tica do real:


• Na poesia de Cesá rio, há um sujeito poético que se encontra em permanente deambulaçã o e cujo olhar, à
semelhança de uma câ mara de filmar, vai captando imagens, como instantâ neos cuja rá pida sucessã o é por
vezes sugerida através do recurso ao assíndeto (recurso expressivo que consiste na omissã o da conjunçã o
coordenativa entre os constituintes, que se separam apenas por vírgulas). Assim, a visã o desempenha um
papel fundamental nestes poemas. O pró prio sujeito poético tem consciência deste facto, afirmando, no
poema «Nó s»: «Pinto quadros por letras, por sinais.»
• No entanto, o sujeito poético nã o se limita a descrever objetivamente a realidade que observa nas suas
deambulaçõ es. A «luneta de uma lente só » («O sentimento dum ocidental», v. 85) pode ser entendida como
uma metá fora de um olhar criador, que tem o poder de transfigurar tudo o que o rodeia. É nesta sequê ncia
que assistimos, por exemplo, ao aparecimento de um corpo formado pelas frutas e pelos legumes da
vendedeira no poema «Num bairro moderno» — atravé s do qual o sujeito poético como que reverte a
humilhaçã o a que esta figura feminina é sujeita pelo criado, na medida em que substitui, por momentos,
todo o espaço citadino — bem como a exploraçã o do campo que ele representa — por uma imagem
associada à vitalidade do espaço rural. A realidade é també m transfigurada, no poema «Cristalizaçõ es», no
momento em que o eu configura as camisas dos calceteiros como uma bandeira, que se institui como um
símbolo de todo o sofrimento inerente à sua vida, funcionando, portanto, como uma forma de denú ncia das
injustiças sociais. Finalmente, é possível també m considerar o momento de transfiguraçã o das lojas que o
sujeito poético observa em «O sentimento dum ocidental» como um passo que tem subjacente uma
intençã o crítica, dado que a sua configuraçã o como uma imensa catedral com diversas capelas pode ser
interpretada como uma condenaçã o da elevaçã o do consumismo à condiçã o de algo sagrado.

O imaginá rio é pico (em «o sentimento dum ocidental»)


• O poema «O sentimento dum ocidental» foi publicado em 1880 no nú mero especial do perió dico Jornal de
Viagens, que nessa ediçã o pretendia comemorar o terceiro centená rio do falecimento do autor d’Os Lusíadas.
(Já aqui se vislumbra alguma ligaçã o entre a composiçã o de Cesá rio e a epopeia camoniana.)
• «O sentimento dum ocidental» é um poema longo que se centra na experiência de vida na Lisboa da
segunda metade do século XIX, como cidade ocidental moderna, bem como nos sentimentos de melancolia,
desâ nimo e até desespero que tal vivência desencadeia.

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• Quanto à estrutura externa, o poema encontra-se organizado em quatro partes, cada qual com onze quadras,
formadas por um decassílabo e três alexandrinos. Na ediçã o de O livro de Cesá rio Verde, as quatro partes
receberam os títulos: «Ave-Marias» (seis da tarde), «Noite fechada», «Ao gá s» e «Horas mortas».
• Em termos de estrutura interna, assistimos ao percurso de um sujeito poético que percorre Lisboa à
medida que as horas passam e a noite se vai adentrando. As quatro partes correspondem, pois, a fases do fim
do dia: fim da tarde, chegada da noite, noite instalada e iluminada pelos candeeiros a gá s e a noite cerrada das
«Horas mortas».
• «O sentimento dum ocidental» é predominantemente um poema lírico, na medida em que representa a
vivência de um eu (poético) numa cidade moderna do mundo ocidental. Contudo, o poema contém marcas
que recordam o estilo épico mas que acabam por o subverter (ou seja, por o contrariar). Essas características
emergem logo por se tratar de um poema longo com um forte pendor narrativo, como sucede numa epopeia:
o eu poético relata o seu percurso pela cidade. Mais ainda, esse sujeito podia estar a celebrar Lisboa e a vida
dos seus habitantes; mas, na verdade, está a criticá -la: a cidade é um lugar decadente, sem brilho nem valor.
• Há , contudo, uma dimensã o épica no poema; mas essa nã o pertence ao presente, à Lisboa moderna. O Tejo,
a está tua de Camõ es e alguns outros elementos remetem para um passado em que Portugal conheceu a
grandeza e a gló ria. As alusõ es aos Descobrimentos e ao Império Marítimo sã o, assim, um esboço de uma
epopeia do passado, que o presente torna amarga porque já nã o é essa a realidade moderna.
• Como sucederia com Camõ es, se tivesse vivido no fim do sé culo XIX, o sujeito poé tico perdeu o motivo
para celebrar a pá tria decadente e a cidade sem brilho. No presente do eu poético, a viagem que se pode fazer
já nã o é a das Descobertas, plena de aventura, mas a fuga, a evasã o para outro lugar diferente: «Levando à via-
férrea os que se vã o. Felizes! / [...] Madrid, Paris, Berlim, Sã o Petersburgo, o mundo!»
• Por fim, também as personagens que povoam a cidade moderna nã o sã o já os heró is militares, cívicos,
políticos e artísticos de outrora. Sã o agora personagens decadentes como burgueses, dentistas ou gente que
trabalha mecanicamente, que nã o trazem estatuto épico à cidade.
• O estilo de Cesá rio é prosaico e de tom coloquial, o que o situa longe do estilo elevado, retó rico e
grandiloquente das epopeias. O pró prio vocabulá rio do quotidiano da cidade («varinas»,
«boqueirõ es»,
«becos») em nada se confunde com o léxico rico de um poema épico.

“Num Bairro Moderno”


Trata-se da reconstituiçã o do percurso que sujeito poético habitualmente faz para o emprego, para a loja de
ferragens do pai.
Este poema de Cesá rio Verde pode ser considerado uma espécie de paradigma da totalidade da sua produçã o
poética, uma vez que, de uma forma mais ou menos desenvolvida, todos os aspetos essenciais da sua poesia
estã o nele presentes.
Analisemos este poema, entã o, começando por fazer referência à s duas realidades presentes no texto:
-a objetiva, construída através da descriçã o do bairro e das personagens que nele se movimentam;
-a subjetiva, a fuga imaginativa levada a cabo pela visã o pessoal do "eu" que vagueia, que deambula
pelo bairro.

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A coexistência destas duas realidades prefigura a poetizaçã o do real, uma vez que o sujeito poético se deixa
levar pela sua imaginaçã o, construindo um corpo feminino (símbolo de saú de, de fertilidade, mas também de
sensualidade) a partir da giga de legumes e frutos, vendo estrelas nas gotas de á gua que caem do ralo de
regador, ou transformando a visã o final da hortaliceira e do seu cesto à cabeça numas "grossas pernas dum
gigante /Sem tronco, mas atléticas, inteiras".
Esta poetizaçã o do real, construída pela imaginaçã o do sujeito poético, inviabiliza algumas teorias segundo as
quais Cesá rio Verde seria um poeta realista. Cesá rio é, sim, contemporâ neo do realismo, sofre influências
desse movimento, mas vai além dele. É quase um surrealista antes do tempo, pela dimensã o que o imaginá rio
e a transformaçã o poética assumem na sua poesia.

Relativamente à realidade objetiva, assinale-se:


a) o cará cter deambulató rio (o "eu" descreve o que vê à medida que passeia pelo bairro), cinético e
visual da poesia de Cesá rio:
-a focagem do plano geral (o bairro);
-a passagem para a cena particular (o episó dio da hortaliceira).
b) a presença do quotidiano visível nas características narrativas do poema:
- tempo: "Dez horas da manhã " (estrofe 1); "ao calor de Agosto" (estrofe 16);
- espaço: "larga rua macadamizada" enquadrada por casas apalaçadas com quartos estucados,
paredes de papé is pintados, mesas com porcelanas, jardins com nascentes - bairro burguê s
(estrofes 1 e2);

- personagens:
-sujeito poético - frá gil, doente. "Com as tonturas de uma apoplexia" (estrofe 3);
-a hortaliceira: mulher do povo, esguedelhada, magra, feia, doente. A mulher do povo apresentada de
uma forma realista, nã o sujeita a uma metamorfose poética, constitui uma inovaçã o da poesia deste
poeta. Esta mulher pobre, feia, "sem quadris", esmagada pelo peso da giga, simboliza também as
preocupaçõ es sociais presentes na poesia de Cesá rio Verde, aspetos completamente
"revolucioná rios" para a época;
-o criado;
-o pequerrucho;
-os padeiros;
-as ménages.
-ação:
-o deambular do sujeito poético pelo bairro, o encontro com a hortaliceira e a fuga imaginativa a partir da
giga. Esta fuga imaginativa é uma micro narrativa encaixada na narrativa de primeiro grau;
-o retomar do passeio e a visã o final.

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Em relaçã o à realidade subjetiva que assume no poema o estatuto de uma narrativa de segundo grau, que
integra a fuga imaginativa:
-o cará cter subjetivo e surrealista da descriçã o da giga;
-o simbolismo inerente a esta "fuga": a giga é "um retalho de horta" e, por isso, transmite força, vigor,
saú de, vida, poder de transformaçã o, por oposiçã o à cidade, representada pelo sujeito poético e pela
hortaliceira, conotada com dor, sofrimento, e, no limite, morte;
-a presença dos binó mios campo/cidade, vida/morte estruturantes da poesia de Cesá rio Verde e
associados ao mio de Anteu. Só o contacto com o real, mas sobretudo com o campo, com a terra,
confere ao homem força e vitalidade;

-o visualismo (aspetos pictó ricos) quer na descriçã o da rua, quer na descriçã o da giga, criado a partir das
referências à :
luz - "E fere a vista, com brancuras quentes, / A larga rua macadamizada."; cor - "Ou entre a
rama dos papéis pintados";
forma - "Achava os tons e as formas";
movimento - "Sobem padeiros";
-a presença dos principais aspetos do estilo poético de Cesá rio Verde:
emprego de um vocabulá rio pragmá tico, preciso, concreto e corrente - "Se ela se curva,
esguedelhada, feia";
utilizaçã o inusitada do - "Atira um cobre lívido, oxidado";
emprego de sinestesias - "brancuras quentes";
recurso a sensaçõ es / verbos sensitivos: visã o ("matizam"); tato ("fere"); olfato ("Bó iam aromas,
fumos de cozinha"), ("hortelã que cheira"); audiçã o ("Toca, frené tica, de vez em quando"); gosto
("Como de algué m que tudo aquilo jante");
valor expressivo dos diminutivos - "pequenina", "bracinhos", "enfezadita";
emprego de estrangeirismos - "rez-de-chaussée", "ménages".

“Cristalizaçõ es”
Cristalizaçõ es recria o quadro do trabalho dos calceteiros a que o sujeito poético assiste. O título do poema
está relacionado com o brilho da luz nos charcos, cujos reflexos parecem cristais.
Enquanto em “Num Bairro Moderno” o sujeito poético conduz-nos através de um bairro burguês com as suas
casas apalaçadas e os seus mordomos, em "Cristalizaçõ es", deambulamos por entre "Uns barracõ es de gente
pobrezita / E uns quintaló rios velhos com parreiras" que se situam nuns "sítios suburbanos, reles!"
Porém, nã o é apenas este aspeto que aproxima dois poemas que retratam espaços citadinos tã o opostos.
Também a oposiçã o real / imaginaçã o está presente nos dois textos.
Tendo em conta esta oposiçã o, é possível delimitar em "Cristalizaçõ es" dois níveis narrativos diferentes:
-o do real;
-o da imaginação.

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No domínio do real, pontuam diversas personagens - os calceteiros, as varinas e a "actrizita" -, assumindo os
calceteiros o estatuto de personagem principal.
Com efeito, todo o poema é um hino a estes trabalhadores que abandonaram as lezírias, os montados, as
planícies, as montanhas para com "os grossos maços" partirem a pedra "com que outros" fazem a calçada.
Trata-se de um trabalho duro, moroso, ininterrupto - "(...) E os rapagõ es morosos, duros, baços, / Cuja coluna
nunca se endireita"; "Homens de carga! Assim as bestas vã o curvadas! / Que vida tã o custosa!") - realizado ao
frio, "nesse rude mê s, que nã o consente as flores", nesse "Dezembro enérgico, sucinto".
De repente, cortando o ritmo de trabalho daqueles homens fortes, rudes - "bovinos, má sculos, ossudos" - e
brutos - "Como animais comuns", surge uma actrizita com "pezinhos de cabra" cuja presença desassossega
aqueles trabalhadores que a encaram "sanguínea, brutamente".
No entanto, "O demonico arrisca-se, atravessa /Covas, entulhos, lamaçais depressa", continuando o seu
caminho.
O posicionamento do sujeito poético face aos calceteiros, embora lhes reconheça aspetos quase que
animalescos, é de uma empenhada solidariedade bem patente, quando na estrofe 13, transforma as nó doas de
vinho em medalhas, as camisas em bandeiras e os suspensó rios numa cruz - metá fora do sofrimento de
Cristo, na cruz.

Este poema é talvez aquele em que a descriçã o sensorial do real se torna mais evidente, através do uso de:
-sinestesias - "Vibra uma imensa claridade crua"
-sensaçõ es visuais - "E as poças de á gua, como em chã o vidrento, / reflectem a molhada casaria"
-sensaçõ es auditivas - "Disseminadas, gritam as peixeiras", "E o ferro e a pedra - que uniã o sonora!"
-sensaçõ es tá teis - "Faz frio"
-sensaçõ es olfativas "Cheira-me a fogo, a sílex, a ferrugem"
-sensaçõ es gustativas - "Sabe-me a campo, a lenha, a agricultura"
-metá foras - "E os charcos brilham tanto, que eu diria / Ter ante mim lagoas de brilhantes!"

“De tarde”
Neste poema verifica-se a capacidade descritiva de Cesá rio Verde e o seu gosto pela natureza. É possível
verificar-se ainda uma característica muito especial do poeta, o gosto pela simplicidade. O facto de a burguesa
ter descido do burrico descontraída e sem imposturas tolas e ter ido colher papoulas deu a Cesá rio um
significado belo. Para o poeta o real valor das coisas estava na simplicidade.
A descriçã o do local onde a burguesa fora colher as pá pulas “um granzoal azul de grã o-de-bico” demonstra a
capacidade descritiva do real observado pelo poeta e, assim quando a sua poesia é lida logo o leitor imagina a
sena presenciada pelo poeta.
Verifica-se ainda o gosto de Cesá rio pela mulher simples que nã o se dá a luxos e que, tal como ele, gosta da
natureza e do campo.

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Na segunda estrofe o poeta usa a aliteraçã o em “granzoal azul grã o de bico” e em “ramalhete rubro” para
valorizar a ideia de campo. Ao usar o gerú ndio (“descendo”) faz transmitir a ideia de movimento da figura
feminina naquele momento.
De seguida o sujeito poético faz uma pequena descriçã o dos elementos que compõ em a merenda, através de
alguns substantivos e de enumeraçõ es (“talhadas de melã o, damascos”, “pã o de ló molhado em malvasia”)
onde frisa o erotismo dos frutos e do resto da comida, através de sensaçõ es visuais e gustativas.
Na ú ltima quadra, Cesá rio Verde inicia a frase com uma conjunçã o coordenativa adversativa que confere a
ideia de que o poeta esqueceu o picnic por um instante e se concentra na mulher que lhe provoca vá rios
sentimentos e que é portadora de uma grande sensualidade «Mas, todo pú rpura, a sair da renda, dos teus
seios como duas rolas», usando aqui a comparaçã o.
O poema termina com uma frase exclamativa que pretende transpor-nos aquilo que o sujeito poético reteve
do picnic, ou seja, essencialmente a beleza daquela figura feminina que vai provocando um turbilhã o de
ideias na cabeça do sujeito poético.
Nesta, os dois seios remetem para a sensualidade da mulher, destaca-se muito a cor vermelha «rubro» que
nos remete para a vida sanguínea, mas também para o calor dos seios da figura feminina, metonimicamente
deslocados para as papoulas.
Em finalizaçã o, deste poema retém-se o gosto do poeta pelo campo e a atraçã o que aquela figura feminina lhe
provoca.

“De verã o”
Este poema relata um passeio do sujeito poético pelo campo, acompanhado de uma prima ("lírica excursã o,
de intimidade"), no qual se inclui o episó dio das formigas trabalhadoras.
As personagens intervenientes sã o o sujeito lírico e a prima. O sujeito poético é claramente um homem
citadino (usa um traje inadequado ao campo): "Eu de jasmim na casa do casaco / E de ó culo deitado a
tiracolo", apresentando-se, assim, como o perfeito "dâ ndi" num passeio rural, que fuma cachimbo e vê o
campo como um passatempo, mas também como fonte de inspiraçã o ("No campo; eu acho nele a musa que
me anima"); considera- se, ainda, "ocioso, inú til, fraco", em comparaçã o com as formigas que "Arrastam
bichos, uvas e sementes; / E atulham, por instinto, previdentes, / Seus antros quase ocultos na parede"; por
ú ltimo, revela, talvez, pouca sensibilidade, ao rir do cuidado da prima para nã o pisar as formigas. Enfim, trata-
se de um proprietá rio rural de visita à quinta, a quem os trabalhadores "fazem grandes barretadas!", em sinal
de respeito, e que observa a sua vinda com orgulho: "Verdeja, vicejante, a nossa vinha".
A prima é "Criança encantadora", meiga e educada ("Em quem eu noto a mais sincera estima / E a mais
completa e séria educaçã o"); é cuidadosa, dizendo ao primo "Apaga o teu cachimbo junto à s eiras",
brincalhona e vaidosa ("Colhe-me uns brincos rubros nas ginjeiras!"), querendo enfeitar-se, como qualquer
criança, com as ginjas; adora a natureza, aprecia o ritmo dos trabalhos do campo ("Quanto me alegra a calma
das debulhas!") e respeita a natureza no seu todo, desviando-se das formigas para nã o as pisar ("Tu nã o as
esmagares contra o solo!"). Usa "um chapéu de palha, desabado" e apoia-se no cabo de uma sombrinha.

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O espaço físico, o campo, é caracterizado, ao longo do poema, como "a musa", detentor de "paz, salubridade",
um espaço repleto de "claridade", "robustez", "açã o", desenhado através das leiras e das eiras e onde os
saloios cantam aos bois. É o espaço da "calma das debulhas", das "aldeias tã o lavadas", dos "Bons ares! Boa
luz! Bons alimentos!", dos "saloios vivos, corpulentos", das "ramagens / Dos olivais escuros", dos rebanhos
que regressam das pastagens, dos "milhos, nuvens e miragens", dos lugares calmos e das vinhas verdes e
vicejantes.
O sentido associado a este espaço, ao campo, é claramente positivo. O campo é o espaço da claridade, um
lugar solar, saudá vel, robusto, cheio de força e de viço. Este é, assim, visto como um espaço edénico, uma
espécie de paraíso, pleno de vida e transmitindo felicidade.
Na estrofe 5, encontram-se vá rias aliteraçõ es: no 1.o verso, em "Na ribeira abundam as ramagens" e no 3.o e
4.o versos em "Regressam os rebanhos das pastagens; / Ondeiam milhos, nuvens e miragens" do som nasal (n
e m e do som r); há ainda uma interrogaçã o retó rica ("Onde irá s") e uma imagem do movimento dos campos
de milho e das nuvens no cé u, fustigados pelo vento, sugerida pela forma verbal em "Ondeiam milhos,
nuvens e miragens". O conjunto destes recursos expressivos confere a esta estrofe um visualismo e um
movimento que a transformam numa espé cie de quadro/fotografia do espaço referido.
Na estrofe 6, em "Numa colina azul brilha um lugar caiado", é de notar a presença de uma metá fora, na
associaçã o da brancura do lugar com o brilho da "colina azul"; em "Belo!", de uma frase exclamativa que
culmina a descriçã o das belezas do campo; do diminutivo, com toda a conotaçã o de ternura, na alusã o à
"sombrinha" da prima; e, por ú ltimo, em "Verdeja, vicejante, a nossa vinha", a aliteraçã o do (v).
O episó dio das formigas pode ser visto como uma espécie de alegoria: as formigas "em sociedade, espertas,
diligentes" sã o uma metá fora do trabalho, da dedicaçã o em prol da comunidade e também do campo,
enquanto que o sujeito poético "ocioso, inú til, fraco / (...) de jasmim na casa do casaco / E de ó culo deitado a
tiracolo!" poderá ser entendido como a metá fora de cigarra, que canta no Verã o e no Inverno, quer viver à
custa dos outros, chegando, por vezes, a sucumbir... O sujeito poético, pelas características que apresenta,
pode também ser o símbolo da cidade.
O cará cter visualista e o predomínio das impressõ es visuais estã o bem patentes ao longo de todo o poema,
pois no decurso da "lírica excursã o", o sujeito poético revela-se sensível à s belezas do campo, que enaltece na
sua descriçã o: "Que aldeias tã o lavadas!" (de notar o emprego do advérbio de intensidade "tã o", reforçando a
limpeza das aldeias); "Bons ares! Boa luz! Bons alimentos!" (note-se a repetiçã o do adjectivo); "Olha: os
saloios vivos, corpulentos" (apelo ao destinatá rio para que veja mesmo). Os segmentos textuais "Na ribeira
abundam as ramagens / Dos olivais escuros", "Regressam os rebanhos das pastagens", "Ondeiam milhos,
nuvens e miragens", "Numa colina azul brilha um lugar caiado", "Verdeja, vicejante a nossa vinha", "No atalho
enxuto, e branco das espigas (...) / Esguio e a negrejar em um cortejo, / Destaca-se um carreiro de formigas.",
"Arrastam bichos, uvas e sementes; / E atulham, por instinto, previdentes, / Seus antros quase ocultos na
parede." constituem uma sucessã o de imagens visuais.
Finalmente, o sujeito poético fica silencioso - "E, silencioso, eu fico para trá s" - provavelmente para registar,
guardar bem no seu íntimo, todas as impressõ es visuais, todas as imagens daquele paraíso e, para isso,
precisa de silêncio, de recolhimento.

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“A dé bil”
Este poema põ e em relevo uma figura feminina que escapa à típica mulher citadina, mas também à mulher
que surge no espaço rural.
O sujeito serve-se de um conjunto de signos que contribuem para caracterizar a mulher: "bela, frá gil,
assustada, recatada, honesta, fraca, natural, dó cil, recolhida", remetendo para o seu retrato moral. Já os
vocá bulos "loura, de corpo alegre e brando, cintura estreita, adorá vel, com elegâ ncia e sem ostentaçã o, esbelta
e fina, ténue" remetem para o seu aspeto físico.
Por outro lado, o sujeito lírico considera-se "feio, só lido, leal; sente-se prestá vel, bom e saudá vel quando a vê,
ao ponto de desejar beijá -la. Afirma ainda ser "há bil, prá tico e viril", ou seja, com força suficiente para a
socorrer quando ela precisar.
Para além da figura feminina, o sujeito poético refere ainda os espaços citadinos como o café, o largo, as ruas,
caracterizando-os de forma negativa, chamando ao café "devasso"; do largo destaca o pedestal e das ruas a
agitaçã o que nelas se verifica. Nestes espaços movimentam-se figuras só rdidas, que ele caracteriza por " turba
ruidosa, negra" e por " uma chusma de padres de batina". Isto significa que o local urbano em que se
encontra se presta à movimentaçã o mesquinha destes seres escuros que permitem destacar a fragilidade da
jovem como a ú nica capaz de clarear estes locais, torná -los mais brilhantes e mais atrativos ao sujeito lírico.
Com o intuito de evidenciar o contraste entre o espaço e a jovem senhora, o sujeito poético faz referência ao
ajuntamento, característico dos espaços urbanos, onde a agitaçã o e a confusã o imperam. Sobressaem as
diferentes classes sociais que se podiam encontrar no espaço citadino, o que permite afirmar que a cidade era
palco de vá rios seres que nele se movimentam, uns por ociosidade, outros por obrigaçã o, tal como seria
normal numa cidade onde está a chegar a industrializaçã o e para onde acorrem os mais pobres, na expectativa
de aí encontrarem melhores condiçõ es de vida.
A luminosidade deste dia só é posta em evidência quando a figura feminina surge nos locais onde
anteriormente se moviam figuras conotadas com os aspetos negativos da cidade. Só a visã o desta mulher
frá gil e pura lhe possibilita uma visã o mais positiva da realidade, estando aqui realçados o tempo e o espaço
psicoló gicos, ou seja, aqueles que se resultam do estado de espírito do sujeito poético e da sua construçã o.
O sujeito lírico revela o receio de perder a mulher admirada, porque, "os corvos" a poderiam arrancar
daquele local, a ela que nã o passava de uma "pombinha tímida e quieta". Por isso, o sujeito poético mostra-se
capaz de a salvar, mesmo que seja a custo da sua pró pria vida, mostrando-se protetor da fragilidade e capaz
de tudo para poder conservar aquela figura que o fazia recordar a simplicidade do campo e das mulheres que
o povoam.
Apesar da oposiçã o que Cesá rio Verde costuma estabelecer entre a mulher do campo e a mulher da cidade, a
figura feminina que aqui é retratada é uma espé cie de mistura, uma vez que o retrato que dela traça está
associado à mulher campesina, mas o espaço em que se movimenta é -lhe estranho e, por, isso, esta sente-se
perdida, a necessitar da proteçã o masculina. Trata-se de uma mulher do campo que se sente desnorteada num
espaço que nã o está adequado à sua fragilidade.
Cesá rio Verde serve-se de um conjunto de processos que, também neste poema, podem ser percepcionados. É
o caso do vocabulá rio preciso e exato e as imagens carregadas de visualismo que dã o uma visã o perfeita das

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realidades visionadas. Além disso, percebe-se a objetividade que imprime ao conteú do, afastando-se, deste
modo, do lirismo româ ntico. Para retratar fielmente a realidade ou as figuras com que depara, o autor
emprega a adjetivaçã o e as frases preposicionais de valor adverbial. Acresce ainda referir o uso das quadras
e dos versos decassilá bicos que permitem uma maior aproximaçã o à prosa.

Fernando Pessoa, Ortó nimo e Heteró nimo


Contextualizaçã o histó rico-literá ria:
Fernando Pessoa é um dos mais proeminentes poetas da literatura portuguesa. Integra-se no Modernismo,
movimento estético que surge associado à s artes plá sticas e que, em Portugal, foi empreendido pela geraçã o
de Orpheu, revista luso- brasileira que contou com a participaçã o de Fernando Pessoa, Má rio Sá -Carneiro,
Almada Negreiro, entre outros.
O Modernismo caracteriza-se por uma nova perspetiva da vida e por uma abordagem diferente dos problemas
da humanidade.

A questã o da heteró nima:


Heteronímia designa o fenó meno da utilizaçã o de diferentes nomes que correspondem a personalidades
diferentes, com biografia e estilo pró prios, com uma visã o de mundo específica, num processo de
fragmentaçã o psicoló gica. Enquanto o pseudó nimo é um nome falso que esconde o nome e a personalidade
do seu autor, o heteró nimo implica uma personalidade particular, com uma biografia pró pria e uma visã o
específica do mundo.
A marca mais distintiva de Fernando Pessoa é a capacidade de «outrar-se», a criaçã o da heteronímia.
Este fenó meno resulta, segundo o mesmo afirma, em carta a Adolfo Casais Monteiro, da necessidade de
descobrir
a sua consciência e personalidade. E vai levá -lo à conceçã o de figuras "exatamente humanas" que "eram
gente". Nessa carta de 1935, diz ele: "hoje já nã o tenho personalidade: quanto em mim haja de humano eu o
dividi entre os autores vá rios de cuja obra tenho sido o executor. Sou hoje o ponto de reuniã o de uma
pequena humanidade só minha." Trata se, contudo, simplesmente do "temperamento dramá tico elevado ao
má ximo"; escrevendo, em vez de dramas em atos e açã o, "dramas em alma".

Poesia do Ortó nimo


Na poesia ortó nimo, podemos distinguir duas fases: a tradicional, na continuaçã o do lirismo português, e a
modernista, de rotura com o passado.
A primeira fase está marcada pelo sebastianismo e pelo saudosismo na segunda mostra-se a procura da
intelectualizaçã o das emoçõ es. Na poesia de pessoa, há um grande conflito entre “pensar” e “sentir”, entre
“felicidade pura” e “consciência de si”.
Para o autor, a arte é“o resultado da colaboraçã o entre sentir e pensar”.Para criar arte, o poeta deve
racionalizar o sentimento, daí a necessidade do fingimento. Fingir é inventar conceitos que experimentam
emoçõ es. Fernando Pessoa, procura, pela fragmentaçã o do eu, a totalidade que lhe permite conciliar o pensar
e o sentir.

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Temáticas:

1)A dor de pensar


é uma das linhas temá ticas da poesia de Fernando Pessoa ortô nimo, na qual se expressa a
dualidade consciência/inconsciência e a problemá tica sentir/pensar. O poeta, ser consciente,
constata que a extensã o dos seus sentimentos é constantemente diminuída pela vastidã o o seu
pensamento que corrompe a inconsciência inerente a pró pria felicidade de viver.Assim, a sua
consciência surge como um fardo e uma fatalidade que desencadeia no poeta um estado de
desencanto e impotência perante o absurdo da existência, já que por um lado nã o consegue libertar-
se do peso da reflexã o, mas também nã o alcança a alegre inconsciência da ceifeira, mantendo intacta
a sua pró pria consciência. Simplesmente paradoxal, pois consciente de que jamais será consciente,
sofre a dor de pensar e paga caro a extrema lucidez que possui. (“Ela canta, pobre ceifeira”e “Gato que
brincas na rua”)

“Ela canta, pobre ceifeira,"


- O poema caracteriza o drama interior do sujeito poético por oposiçã o à felicidade da ceifeira, tendo em conta as seguintes d
Num primeiro momento, o sujeito poético evoca o canto da ceifeira, evidenciando:
a suavidade;
o cará cter inconsciente da alegria da voz;
a pureza;
a harmonia;
o contraste entre a dureza da "lida" do campo e a leveza do canto.
-Posteriormente, a partir da quarta quadra, o sujeito poético exprime os sentimentos que o canto da ceifeira despertam nele, retoman
-desejo de permuta com a ceifeira;
-â nsia de ser inconsciente, mas preservando a consciência de o ser;
-vontade de intersecçã o - "Ah, poder ser tu, sendo eu!";
-desejo de dispersão.
O poema sintetiza, assim, a dor resultante do processo de racionalizaçã o permanente: ao contrá rio da ceifeira, o sujeito poé tico nã o at

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“Gato que brincas na rua"
- Pessoa parte de uma imagem-símbolo, o gato, para chegar a uma reflexão:
-a imagem-símbolo é o gato que brinca na rua, de forma instintiva e natural - "Como se fosse na cama";
-o sujeito poé tico inveja esse viver instintivo do gato, a sua irracionalidade e, consequentemente, a sua felicidade;
-a inevitá vel consciê ncia da fragmentaçã o interior domina o sujeito lírico - "vejo-me e estou sem mim";
-o processo de auto-aná lise é permanente - "Conheço-me e nã o sou eu".

2) A nostalgia da infância
é um dos aspectos focados na poesia ortoníma e surge como consequência do desejo do poeta regressar aos
tempos em que foi criança e feliz, a época longínqua do bem, da unidade, da inconsciência e da verdade. A
infâ ncia surge sempre como a época inocente em que nã o havia ainda o drama da dor de pensar, é sinó nimo
de segurança, pureza e felicidade e o poeta evoca esses tempos através da memó ria que acaba por trazer-lhe
mais angustia e solidã o, quando se apercebe que essa época nã o é mais do que um paraíso longínquo,
perdido na memó ria do tempo. Assim, ao negar lhe toda a sua felicidade, o Presente funciona como o marco
de sublimaçã o do Passado, abrindo passagem para a típica saudade nostá lgica dessa infâ ncia lembrada e
esquecida. (“Quando era criança”,”Pobre velha musica”).

3) O sonho e a realidade
é também um dos temas que percorre a poesia ortó nimica e retrata a multiplicidade do “EU” que faz
introspecçã o, inquieta-se e desdobra-se noutros seres, despersonalizando-se. Marcado pelo fluir continuo do
tempo, Pessoa sente-se separado de si pró prio, distante do passado e do futuro, restando-lhe apenas o ser
que é no instante que passa e nã o aquele que existe na duraçã o do tempo. Assim, Pessoa exprime nos seus
poemas um misto de inquietaçã o e absurdo perante esta divisã o do Ser que o faz sentir-se estranho de si
mesmo, fragmentado entre o Real e o Ideal e acabando, efectivamente, por ser um ser perdido no labirinto de
si mesmo, nã o encontrando o fio que o conduziria à saída e lhe permitiria alcançar o equilíbrio interior. (“Nã o
sei se é sonho, se realidade”)

4) O fingimento artístico
é uma das dialécticas da poesia do ortó nimo, na qual o poeta sofre uma forte tensã o que conduz ao anti-
sentimentalismo e à intelectualizaçã o da emoçã o. Para Pessoa, fingir é inventar, ou seja, é elaborar conceitos
que exprimem emoçõ es, gerando uma nova concepçã o da arte, anti-româ ntica, despersonalizada, expressã o de
sensaçõ es intelectualizadas, onde a imaginaçã o ocupa o papel principal e a arte é criada a partir de inspiraçã o
individual. Pessoa nã o transmite na sua poesia a emoçã o pura e simples, mas submete-a sempre ao exame da
inteligência e da razã o poética, deixando que a racionalize, afastando-se do tradicional sentimentalismo, típico
do passado. Assim, a arte nasce da realidade e consiste no fingimento dessa realidade, ou seja, na sua
intelectualizaçã o, a qual e materializada em texto. (“Autopsicografia”). Neste â mbito, a composiçã o de um
poema nunca ocorre no momento da emoçã o, mas no momento da recordaçã o dessa emoçã o. Para Fernando
Pessoa ortó nimo, o poeta necessita de ser fingidor. No entanto, é necessá rio ter em mente que fingidor difere
de mentiroso.

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É transmitido pelo ortó nimo que a produçã o artística nã o deve ser imediata, pois, além do poema ter uma
estrutura formal desorganizada, iria transmitir sentimentos imediatos, o que acabaria por nã o corresponder à
realidade, posteriormente. Devido a isso,Pessoa aposta na ideia de que é necessá rio que, por parte do poeta,
haja uma racionalizaçã o dos sentimentos. Tomemos como exemplo a ideia de um poeta que está magoado
porque a sua amada partiu. Este nã o poderá escrever imediatamente. Deve pensar a dor que sente e, sim,
posteriormente, escrevê-la. Em vez de dizer "Estou desolado, quero morrer!", por exemplo, poderá dizer
"Estava desolado; Ainda dó i; No entanto, segui", apresentando uma estrutura a nível de abordagem do tema
mais cuidada. Origina-se, entã o, a dor fingida (pensada).
-Existem 3 níveis de dor para Fernando Pessoa:
• A dor sentida (real): Dor vivida no imediato, dor nã o racionalizada;
• A dor pensada (fingida): Dor refletida, momentos mais tarde, apó s o acontecimento que a
originou;
• “Dor lida”: Dor sentida por parte do leitor, ao ler o que o poeta escreve, tendo em conta as
suas vivências.
A dor sentida e pensada caracterizam a produçã o artística; e a perceçã o do leitor em relaçã o à dor transmitida
no poema constitui a receçã o.
Conclui-se, entã o, que a poesia, para Pessoa ortó nimo, é a intelectualizaçã o dos sentimentos e emoçõ es.

Alberto Caeiro
Alberto Caeiro nasceu em Lisboa e nã o teve profissã o, nem educaçã o(só escola primá ria). Apresenta-se como
um “guardador de rebanhos”(que na verdade sã o pensamentos).Só se importa em ver a realidade de forma
objetiva e natural, com a qual contacta a todo o momento.
Mestre de Fernando Pessoa e dos outros heteró nimos, Caeiro dá especial importâ ncia ao ato de observar e à s
sensaçõ es, através de um discurso em verso livre e espontâ neo. Vê o mundo sem necessidade de explicaçõ es,
sem princípio e sem fim, e confessa que existir é um facto maravilhoso. Aproveita cada momento da vida e
cada sensaçã o que esta lhe presenteia.
Fazer poesia para o sujeito poético é uma atitude involuntá ria, espontâ nea, pois vive no presente e nã o se
interessa por os outros tempos e impressõ es, sobretudo visuais, e ainda porque recusa a introspeçã o ,a
subjetividade, sendo assim, um poeta do real é, aqueles que nã o sabem ser espontâ neo na sua escrita.

Alberto Caeiro- características principais


Na obra de Caeiro, há um objetivismo absoluto ou anti metafísico. Nã o lhe interessa o que se encontra por
trá s das coisas. Recusa o pensamento, sobretudo o pensamento metafísico, afirmando que “pensar é estar
doente dos olhos".
-Caeiro, poeta do olhar, procura ver as coisas como elas sã o, sem lhes atribuir significados ou
sentimentos humanos. Considera que as coisas sã o como sã o.
-Constró i uma poesia de sensaçõ es, apreciando-as como boas por serem naturais. Para ele, o
pensamento apenas falsifica as coisas.
-Numa clara oposiçã o ente sensaçã o e pensamento, o mundo de Caeiro é aquele que se apercebe
pelos sentidos, que se apreende por ter existência, forma e cor. O mundo existe e, por isso, basta
senti-lo, basta experimentá -lo através dos sentidos, nomeadamente através do ver.
-Ver é compreender. Tentar compreender pelo pensamento, pela razã o, é nã o saber ver. Alberto

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Caeiro vê com os olhos, mas nã o com a mente. Considera, no entanto, que é necessá rio saber estar
atento à “eterna novidade do mundo”.
-Condena o excesso de sensaçõ es, pois a partir de um certo grau as sensaçõ es passam de alegres a
tristes.
-Em Caeiro, a poesia das sensaçõ es é, também, uma poesia da natureza.
-Optando pela vida no campo, acredita na Natureza, defendendo a necessidade de estar de acordo
com ela, de fazer parte dela. Pela crença da Natureza, o Mestre revela-se um poeta pagã o, que sabe
ver o mundo dos sentidos, ou melhor, sabe ver o mundo sensível onde se revela o divino, em que nã o
precisa de pensar.
-Ao procurar ver as coisas como elas realmente sã o, sublima o real, numa atitude panteísta de
divinaçã o das coisas da natureza.
-Nesta atitude panteísta* de que as coisas sã o divinas, desvaloriza a categoria conceptual “tempo”.
O poeta confessa nã o ter “ambiçõ es nem desejos”. Ser poeta é a sua “maneira e estar sozinho”.

*O panteísmo é o sistema de crença daqueles que


sustentam/defendem que a totalidade do universo é o
ú nico Deus.
1) Fingimento artístico: o poeta “bucó lico”
Alberto Caeiro é um poeta voltado para a simplicidade e as coisas puras. Viveu em contato com a natureza,
extraindo dela os valores ingênuos com os quais alimentava a alma. É um poeta bucó lico, dá importâ ncia à s
sensaçõ es, registrando-as sem a mediaçã o do pensamento.
Alberto Caeiro é o lírico que restaura o mundo em ruínas. Para Caeiro, “tudo é como é”, tudo “é assim porque
assim é”, o poeta reduz tudo à objetividade, sem qualquer necessidade de pensar.

2) Reflexã o existê ncial: o primado das sensaçõ es


-Alberto Caeiro possui o privilégio das sensaçõ es, sobretudo visuais.
-Só lhe interessa vivenciar o mundo que capta pelas sensaçõ es, recusando o pensamento metafísico
"pensar é nã o compreender". Ou seja, aprender a nã o pensar, para se libertar de todos os modelos
ideoló gicos, culturais ou outros, e poder ver a realidade concreta; O pensamento gera infelicidade.
-Para Caeiro, ver é conhecer e compreender o mundo" Pensa vendo e ouvindo".
-Numa clara oposiçã o entre sensaçã o e pensamento, o mundo de Caeiro é aquele que se percebe
pelos sentidos. O mundo existe e, por isso, basta senti-lo, experimenta-lo através dos sentidos,
nomeadamente através da visã o.
-A deambulaçã o pela natureza, procurando viver em harmonia com ela, observando os seus mais
ínfimos pormenores;
-Atençã o ao mundo circundante, à realidade exterior;
-Caeiro constró i, assim, uma poesia das sensaçõ es observando toda a realidade, toda a natureza que
se encontra em seu redor, e ama-a, sem a questionar, sem a tentar compreender.

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Linguagem, estilo e estrutura:
-Tem uma linguagem poética nova: libertaçã o dos sentidos, das sensaçõ es, das emoçõ es,
recorrendo à irregularidade estró fica para provar a imediata passagem do sentir para a escrita;
-A apologia do realismo sensorial: a ú nica realidade está na consciência da sensaçã o e o
pensamento reduz- se ao puro sentir. Por isso, o sujeito poético capta apenas o que as sensaçõ es lhe
oferecem na realidade imediata;
-Depois de afirmar que se sente “triste de gozá -lo tanto”, ou seja, de aproveitar o dia até ao
limite, procura recuperar o equilíbrio (“Sei a verdade e sou feliz”) sentindo o “corpo deitado na
realidade”;
-Sensacionista, a quem só interessa o que capta nas sensaçõ es;
-O sentido das coisas é reduzido à perceçã o das cores, das formas, dos cheiros e dos sabores.
-É o poeta da natureza, vive de acordo com ela, na sua simplicidade e paz;
-Aparente simplicidade e natureza argumentativa do discurso poético, visível no recurso a
uma linguagem corrente e a oraçõ es coordenadas.
-Recurso à aliteraçã o, à aná fora e à metáfora.

Ricardo Reis
Ricardo Reis nasceu no Porto em 1887 e formou-se em medicina. Foi um poeta materialista e neoclá ssico. É
um poeta epicurista triste, pois defende o prazer do momento “carpe diem” (aproveite o momento) como
caminho para a felicidade.
Apesar de procurar este prazer e de querer alcançar a felicidade, considera que nunca se consegue a
verdadeira calma e tranquilidade, ou seja, sente que tem de viver em conformidade com as leis do destino,
indiferente à dor, conseguida pelo esforço estoico (naturalismo).

Ricardo Reis- características principais


-Na poesia de Ricardo Reis, há um sentimento de fugacidade da vida, mas ao mesmo tempo uma
grande serenidade na aceitaçã o da relatividade das coisas e da miséria de vida.
-A vida é efémera e o futuro imprevisível. “Amanhã nã o existe”, afirma o Poeta. Estas certezas levem-
no a estabelecer uma filosofia de vida, de inspiraçã o horaciana e epicurista, capaz de conduzir o
homem numa existência sem inquietaçõ es nem angú stias.
-Reconhecendo a fraqueza humana e a inevitabilidade da morte, Reis procura uma forma de viver
com o mínimo de sofrimento. Por isso, defende um esforço lú cido e disciplinando para obter uma
calma qualquer.
-Na linha do poeta latino Horá cio, Reis considera importante o carpe diem, o aproveitar o momento,
o prazer de cada instante.

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-Sendo um epicurista, o Poeta advoga a procura do prazer sabiamente gerido, com moderaçã o e
afastado da dor. Para isso, é necessá rio encontrar a ataraxia, a tranquilidade capaz de evitar
qualquer perturbaçã o. O ser humano deve ordenar a sua conduta de forma a viver feliz, procurando
o que lhe agrada.
-A obra de Ricardo Reis apresenta epicurismo triste, uma vez que busca o prazer relativo, uma
verdadeira ilusã o da felicidade por saber que tudo é transitó rio.
-A apatia, ou seja, a indiferença, constitui o ideal ético, pois, de acordo com o Poeta, há necessidade
de saber viver com calma e tranquilidade, abstendo-se de esforços inú teis para obter uma gloria ou
virtude, que nada apresentam à vida.
-Pró ximo de Caeiro, há na sua poesia a á urea mediocritas, o sossego do campo, o fascínio pela
natureza onde busca a felicidade relativa.
-Discípulo de Alberto Caeiro, Ricardo Reis refugia-se na aparente felicidade pagã que lhe atenua o
desassossego. Procura alcançar a quietude e a perfeiçã o dos deuses, desenhando um novo mundo à
sua medida, que se encontra por detrá s das aparências.
-Afirma uma crença nos deuses e nas presenças quase-divinas que habitam todas as coisas.
-Considera que sendo o destino “calmo e inexorá vel” acima dos pró prios deuses, tem necessidade do
auto domínio, de nos portarmos “altivamente” como “donos de nó s-mesmos”, construindo o nosso
“fado voluntá rio”. Devemos procurar, voluntariamente, submetermos-nos, ainda que só possamos ter
a ilusã o da liberdade.
-Pagã o por cará cter e pela formaçã o helénica e latina, há na sua poesia uma actualizaçã o de
estoicismo e epicurismo, juntamente com uma ostra ética e um constante diá logo entre o passado e o
presente.

Temá ticas na poesia de Ricardo Reis (o poeta clássico):


• Apatia – o termo apatia pode ter dois significados, a ausência de dor ou sofrimento bem como pode
ser a ausência de paixã o e de qualquer tipo de emoçõ es, sejam elas agradá veis ou desagradá veis.
Actualmente, apatia denota um estado de indiferença ou impavidez perante qualquer acontecimento,
seguindo assim o estoicismo.
• Ataraxia – significa tranquilidade da alma ou ausência de perturbaçã o. Consiste na busca do
equilíbrio emocional recorrendo à diminuiçã o da intensidade das paixõ es, dos desejos e o
fortalecimento da alma face à s adversidades da vida. A ataraxia está ligada à s correntes filosó ficas
do epicurismo, do estoicismo e do cepticismo.
• Carpe diem – é uma expressã o de origem latina que significa "aproveita o momento", "colhe o dia".
Outros significados que esta expressã o pode ter sã o o fruir da vida em todos os sentidos sem
preocupaçõ es com o que o futuro trará . Foi usada primeiramente pelo poeta Horá cio. Está muito
presente em Odes.
• Epicurismo – é uma filosofia moral com origem no filó sofo Epicuro. Este defendia o prazer como
caminho para a felicidade plena. Mas para atingir esta felicidade era necess á rio manter uma atitude
de ataraxia.

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• Estoicismo – considera que é possível encontrar a felicidade desde que se viva de acordo com as leis
do destino ou fatum, permanecendo com uma atitude de indiferença perante os males e paixõ es,
visto estes perturbarem a razã o. Para esta corrente filosó fica o ideal ético é a apatia.
• Fatum – de origem latina, esta palavra significa fado ou destino.
• Horacianismo – influencia poética e do pensamento induzida pelo poeta latino Horá cio autor das
Odes. É a construçã o poética e retó rica, baseando-se essencialmente na temá tica da brevidade da
vida, da passagem do tempo, necessidade de ficar impá vido perante as forças do destino. Convida a
gozar cada dia que passa e a beleza da Natureza.
• Paganismo – refere-se ao molde cultural e religioso das pessoas do meio rural. Caracterizava os
seguidores das religiõ es politeístas com ligaçõ es à Natureza, era tido como o culto e respeito pela
Natureza viva e divina.

Reflexã o existencial: a consciê ncia e encenaçã o da mortalidade


-A consciência da efemeridade da Vida, da inexorabilidade do Tempo e da ineviatbilidade da Morte.
-A tragicidade da vida humana;
-A vida como “encenaçã o” da hora fatal (previsã o e preparaçã o da morte): despojamento de bens
materiais, negaçã o de sentimentos excessivos e de compromissos;
-Intelectualizaçã o de emoçõ es e contençã o de impulsos ;
-Vivência moderada do momento (o presente é o ú nico que nos é concebido);
-Preocupaçã o obsessiva com a passagem do tempo e com a inelutá vel morte.

Características fundamentais a nível semâ ntico da poesia de Ricardo Reis


-Seguia a filosofia epicurista e defendia a necessidade do carpe diem ;
-Mantinha uma atitude estó ica;
-Buscava constantemente a ataraxia;
-Necessitava de nos transmitir uma ilusã o de calma, felicidade e liberdade;
-Mantinha uma atitude apá tica perante tudo o que o perturbava e os mistérios da vida;
-Cria em vá rios deuses;
Características fundamentais a nível estético e estilístico da poesia de Ricardo Reis
-Presença de versos rigorosos;
-Uso da ode;
-Mantinha um estilo latinizante;
-Os seus poemas tinham uma estrutura formal perfeita;
-Uso do hipérbato;
-Os recursos estilísticos predominantes sã o a metá fora, a comparaçã o e a imagem;
-Influenciado pelo estilo horaciano usava frequentemente o plural

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Á lvaro de Campos: O poeta da modernidade

Á lvaro de Campos- principais características:


-Á lvaro de Campos, a refletir a insubmissã o e rebeldia dos movimentos vanguardistas da
segunda década do século XX, olha o mundo contemporâ neo e canta o futuro.
-Á lvaro de Campos é o poeta, que, numa linguagem impetuosa, excessiva, canta o mundo
contemporâ neo, celebra o triunfo da má quina, da força mecâ nica e da velocidade. Dentro do
espírito das vanguardas, exalta a sociedade e a civilizaçã o modernas com os seus valores e a
sua “embriaguez” (ex: Ode Triunfal...).
-Diferentemente de Caeiro, que considera a sensaçã o de forma saudá vel e tranquila, mas
rejeita o pensamento, ou de Ricardo Reis, que advoga a indiferença olímpica, Campos
procura a totalizaçã o das sensaçõ es, conforme as sente ou pensa, o que lhe causa tensõ es
profundas.
-Como sensacionista, é o poeta que melhor expressa as sensaçõ es da energia e do
movimento, bem como as sensaçõ es de“sentir tudo de todas as maneiras”. Para ele a ú nica
realidade é a sensaçã o.
-Em Campos há a vontade de ultrapassar os limites das pró prias sensaçõ es, numa vertigem
insaciá vel, que o leva a querer “ser toda a gente e toda a parte”. Procura unir em si toda a
complexidade das sensaçõ es.
-Mas, passada a fase eufó rica, o desassossego de Campos leva-o a revelar uma face disfó rica,
a ponto de desejar a pró pria destruiçã o. Há ai a abulia e a experiência do tédio, a decepçã o, o
caminho do absurdo.
-Incorporando todas as possibilidades sensoriais e emotivas, apresenta-se entre o paroxismo
da dinâ mica em fú ria e o abatimento sincero, mas quase absurdo.
-Depois de exaltar a beleza da força e da má quina por oposiçã o à beleza tradicionalmente
concebida, a poesia de Campos revela um pessimismo agó nico, a dissoluçã o do “eu”, a
angú stia existencial e uma nostalgia da infâ ncia irremediavelmente perdida.
-Na fase intimista de abulia, observa-se a disforia do “eu”, vencido e dividido entre o real
objectivo e o real subjectivo que o leva a sensaçã o do sonho e da perplexidade (ex:
Tabacaria). Verifica-se, também, a presença do niilismo em relaçã o a si pró prio, embora
reconheça ter “todos os sonhos do mundo”.
O imaginá rio épico

Maté ria é pica- a exaltaçã o do Moderno:


-Elogio do cosmopolitismo;
-Exaltaçã o eufó rica da má quina, da força, da velocidade, da agressividade, do excesso; Integraçã o de todos os
tempos e de todo o processo num poema;
-Emoçã o violenta e “pujança de sensaçã o”, com pendor épico;
-A nova poesia como expressã o da civilizaçã o moderna;

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O arrebatamento do canto:
-O câ ntico reflete a grandiosidade da matéria épica; Poema extenso, com versos livres e longos;
-Estilo esfuziante e torrencial;
-abundâ ncia de recursos expressivos.

Reflexã o existencial: Sujeito, consciê ncia e tempo; a nostalgia da infância


-Consciência dramá tica da identidade fragmentada.
-Ceticismo perante a realidade e a passagem do tempo.
-Angú stia existencial, solidã o, abulia, cansaço e morbidez.
-Introspeçã o e pessimismo – dor de pensar.
-A ná usea, a abjeçã o e o “sono” da vida quotidiana.
-Evasã o para o mundo da infâ ncia feliz, irremediavelmente perdido.

A poesia de Á lvaro de Campos apresenta:

-o predomínio da emoçã o espontâ nea e torrencial;


-o elogio da civilizaçã o industrial, moderna, da velocidade e das má quinas, da energia e da força, do
progresso;
-um poeta virado para o exterior, que tenta banir o vício de pensar e acolhe todas as sensaçõ es;
-a ansiedade e a confusã o emocional - angú stia existencial;
-o tédio, a ná usea, o desencontro com os outros;
-a presença terrível e labiríntica do "eu" de que o poeta se tenta libertar;
-a fragmentaçã o do "eu, a perda de identidade;
-o sentido do absurdo;
-a excitaçã o da procura, da busca incessante;
-o verso livre e longo;
-um estilo esfuziante, torrencial, dinâmico;
-exclamaçõ es, interjeiçõ es, enumeraçõ es caó ticas, aná foras, aliteraçõ es, onomatopeias;
-uma desordem de ritmos, violência de metá foras - desespero por nã o poder meter as sensaçõ es nas
palavras.

Fernando Pessoa, a Mensagem


Mensagem é a ú nica obra completa publicada em vida de Fernando Pessoa. Contém 44 poemas. Os seus
poemas, apesar de compostos em momentos diversos, têm como fio condutor da sua unidade a visã o mítica
da Pá tria.

A Estrutura Tripartida
Os 44 poemas que constituem a Mensagem encontra-se agrupados em três partes que correspondem à s
etapas da evoluçã o do Império Português – nascimento, realizaçã o e morte.

Página 79 de
Brasã o
Esta primeira parte corresponde ao nascimento do Império Português. Portugal na Europa e em relaçã o ao
Mundo, procurando atestar a sua grandiosidade e o valor simbó lico do seu papel na civilizaçã o ocidental

Mar Português
Nesta segunda parte surge a realizaçã o da vida. Em “Mar Português”, Pessoa procura simbolizar a essência do
ideal de ser português vocacionando para o mar e para o sonho.

O Encoberto
A terceira parte corresponde a desintegraçã o, começa por manifestar a esperança e o “sonho português”, pois
o atual Império encontra-se moribundo. Mostra a fé de que a morte contenha em si o gérmen da ressurreição.

Mensagem – Aná lise de textos


1ª Parte
1-O dos Castelos
-Personificaçã o da Europa
-“Futuro do passado” designa uma alma que permanece.
2-Ulisses
-Lenda da criaçã o da cidade de Lisboa por Ulisses
-“O mito é o nada que é tudo”: apesar de fictício, legitima e explica a realidade
-O mito está num plano superior à realidade, dada a sua intemporalidade
3-D. Afonso Henriques
-D. Afonso Henriques equiparado a Deus, tendo como missã o o combate aos Infiéis
-Vocabulá rio de dimensã o sagrada: “vigília”, “infiéis”, “bênçã o”
-Referência ao aparecimento de Deus a D. Afonso Henriques na Batalha de Ourique
4-D. Dinis
-Mitificaçã o de D. Dinis pela sua capacidade visioná ria (plantou os pinhais que viriam a ser ú teis nos
Descobrimentos); construtor do futuro
-O Presente é “noite”, “silêncio” e “Terra”, enquanto que o futuro é os pinhais, com som similar ao do
mar, daí a “terra ansiando pelo mar”
5-D. Sebastiã o, rei de Portugal
-A “loucura” ou “sonho” é a capacidade de desejar e ter iniciativa, para ultrapassar o estado de
“cadá ver adiado que procria” (simplesmente vive esperando a morte)
-Convite a que outros busquem a grandeza para construir algo importante (“Minha loucura, outros
que me a tomem”)
-Para ser grande, Portugal deve ter loucura e desejar grandeza, para poder “renascer o país”.
-Enquanto figura histó rica, D. Sebastiã o morreu em Alcá cer-Quibir (“ficou meu ser que houve”) mas
persiste enquanto lenda e exemplo de “loucura” (“nã o o que há ”)
-Apesar do fracasso, a batalha de Alcá cer-Quibir é importante para motivar e recuperar Portugal do
estado de “morte psicoló gica”

Página 80 de
2ª parte
2-Horizonte
-O horizonte (“longe”, “linha severa”, “abstrata linha”) simboliza os limites
-Descriçã o das tormentas da viagem (passado), da chegada (presente) e reflexã o (projeçã o futura)
-A esperança e a vontade sã o impulsionadoras da busca
-O sucesso permite atingir o Conhecimento como recompensa

O mito do Quinto Impé rio


O Quinto Império profetizado na Mensagem seria um império de fraternidade universal, que seria vivido na
Terra. Enraizando no mito do "Paraíso Perdido", aquele espaço edénico onde reinava a perfeiçã o, o mito do
Quinto Império preconiza o renascimento humano numa outra era, num tempo futuro, ligado à simbologia
solar e a toda a carga positiva que a ela se associa.

O que se espera dos portugueses?


A Mensagem celebra as qualidades dos portugueses, que no passado ajudaram a construir um país, e que no
futuro o deverã o ajudar a reerguer-se.
Nã o se limitando, como Camõ es, ao elogio do português que desvendou novos mundos e que se “se mais
mundos houvera, lá chegara”, Fernando Pessoa destaca ainda a força de outrora de um povo dominador,
possuidor de um império territorial espalhado por vá rios continentes. Tudo isto aconteceu porque houve
vontade, esforço, dedicaçã o e capacidade de sofrimento. Na verdade, quando se consegue conjugar o que
“Deus quer” com o que “o homem sonha”, entã o aí “a obra nasce”.
Agora, para que esse elogio continue a ser merecido e para que “possa cumprir-se Portugal”, cabe a este país
e a este povo guiar a Europa e o Mundo, até atingir um novo Império.

Sebastianismo
Fernando Pessoa, na Mensagem cria o heró i, o Encoberto que se apresenta como D. Sebastiã o. Da histó ria ao
mito: a inspiraçã o providencial da figura de D. Sebastiã o. D. Sebastiã o é representado pelo “Encoberto” que
está associado a uma dimensã o messiâ nica de um salvador da pá tria. A mitologia nacional indica o
Sebastianismo como a crença na regeneraçã o futura de Portugal e de ideologia impulsionadora do Quinto
Império.

Exaltaçã o patrió tica


O nacionalismo está presente por Portugal ser o tema central. O passado de inspiraçã o, o presente de
frustraçã o e o futuro de concretizaçã o. O sentido providencial e messiâ nico de Portugal está presente na
eleiçã o do povo para a instituiçã o do Quinto Império.

Página 81 de
Relaçã o Intertextual Mensagem/ Lusíadas
-O é pico fala dos heró is que construíram e alargaram o Império Portuguê s, para que a sua memó ria
nã o seja esquecida, enquanto Pessoa escolhe aquelas figuras histó ricas predestinadas a essa
construçã o imperial mas, através delas procura simbolizar a essência do ser português que acredita
no sonho e se mostra capaz da utopia para a realizaçã o de grandes feitos.
-Nos Lusíadas há a viagem à India, na Mensagem temos a avaliaçã o do esforço, considerando que a
gló ria advém da grandeza da alma humana, apesar das vidas perdidas e de toda a espécie de sacrifícios dos
nautas mas também das mã es, filhos e noivas.

Camõ es procurou em Os Lusíadas cantar os feitos gloriosos dos portugueses que deram início ao grande
império que se estendeu pelos diversos continentes. Pessoa, em Mensagem, cantou o fim do Império
territorial, procurando incentivar o aparecimento de um império de língua, de cultura e de valores.

Semelhanças:
-Poemas sobre Portugal.
-Concepçã o da Histó ria Portuguesa enquanto demanda mística.
-D. Sebastiã o, ser eleito, enviado por Deus ao mundo, para difundir a Fé de Cristo.
-Os heró is concretizam a vontade divina.
-Conceito abstracto de Pátria.
-Apresentaçã o dos heró is da Histó ria de forma fragmentária.
-Exaltaçã o épica da acçã o humana no domínio dos mares.
-Superaçã o dos limites humanos pêlos heró is portugueses.
-Superioridade dos navegadores lusos sobre os nautas da Antiguidade.
-Gló ria marcada pelo sofrimento e lágrimas.
-Sacrifício voluntá rio em nome de uma causa patrió tica.
-Estrutura rigorosamente arquitectada.
-Evocação do passado (memó ria) para projectar, idealizar o futuro (apelo, incentivo).

Diferenças:
Os elementos estruturantes das obras (forma e conteú do) sã o marcados pela diferença de quatro séculos que
separam os autores

Página 82 de
Os Lusíadas: Mensagem:
-Estatísmo: o sonho, o indefinido.
-O abstracto, a sensibilidade, a utopia, a
-Dinamismo; a viagem, a aventura, o perigo.
falta de razõ es para ter esperança, o
-A acçã o, a inteligência, o concreto, o
sebastianismo.
conhecimento do Império no apogeu e na
-D. Sebastiã o é uma entidade que vive
decadência, a possibilidade de
na memó ria saudosa do poeta, uma
ter esperança. sombra, um mito.
-O poeta dirige-se a D. Sebastiã o, que era -A esperança é utopia, só existe no sonho.
uma realidade viva, e invectiva o rei a -Concepçã o de heroísmo: de cará cter
realizar novos feitos que dê em maté ria a mental, conceptual. O autor identifica-
uma nova epopeia. se com os heró is e, através deles,
-A memó ria e a esperança situam-se no revela-se num processo lírico-
mesmo plano. dramá tico.
-Concepçã o de heroísmo: concretizaçã o de -Os heró is sã o símbolos de um olhar
feitos épicos pelos humanos. visioná rio, as figuras sã o espectros,
resultado do trabalho do pensamento.
-Amor à Pá tria: enaltecimento e
-Amor à Pá tria: atitude metafísica,
imortalizaçã o a Histó ria de Portugal e dos
procura incessante do que nã o existe.
heró is portugueses, através de um
Expressã o de fé no Quinto Império,
poema épico, trabalho á rduo e longo.
evasã o angustiada da vivência absurda.
-Linguagem épica, estilo grandiloquente. -Linguagem épico-lírica, estilo lapidar.
-Epopeia clá ssica pela forma e pelo Mega-poema constituído por quarenta e
conteú do. Narraçã o da viagem de Vasco da quatro poemas breves, agrupados em
Gama, da luta dos deuses, da Histó ria de três partes principais (1a,2a, 3a, sendo
Portugal em alternâ ncias, discurso a 1a e a 3a subdivididas). De cará cter
encaixado, analepses e prolepses. ocultista, a sua natureza é
-Assunto: os Portugueses e os feitos predominantemente
concretos cumpridos. O poeta canta a saga de índole interpretativa, com reduzida
lusa na conquista dos mares. narração.
-Assunto: a essência da Pá tria e a missã o
-Os heró is agem norteados pela Fé' de
que esta deverá cumprir,
Cristo, dando a conhecer novos mundos
-Os heró is, numa atitude contemplativa e
ao mundo. A missã o de Vasco da Gama foi
enigmá tica, buscam o infinito: a Índia
coroada de êxito dela derivou o Império
tecida de sonhos. A missã o terrena de
Português do Oriente; outra missã o
Portugal foi cumprida por vontade divina;
poderá ser realizada pelo rei D. Sebastiã o: outra, de índole ocultista, aventura
difusã o do Cristianismo e conquistas no espiritual e cultural, está ainda por
Norte de Á frica. cumprir a hegemonia do Quinto Império.
-Epopeia de dimensã o humanista- -Poema épico-lírico-simbó lico-mítico,
renascentista: acesso ao conhecimento dos projecto de ideal de fraternidade universal:
segredos da Natureza pelo Homem utopia.
-Elogio da loucura, do sonho: evasã o do

Página 83 de
O Impé rio: apogeu e decadê ncia
A epopeia Os Lusíadas celebra a açã o grandiosa e heró ica dos Portugueses que deram o início ao grande
império que se estendeu pelos diversos continentes. Ao relatar a viagem à India, entrecortando-a com
episó dios do passado e profecias do futuro, Camõ es mostra a histó ria do povo que teve a ousadia da aventura
marítima.
O poema épico-lírico Mensagem canta de forma retratando o Portugal que se encontra declínio a necessitar
de uma nova força anímica.

Características do discurso épico: Características do discurso lírico:


- Uso da 3a pessoa (narratividade); - Uso da 1a pessoa (subjetividade);
- Glorificaçã o dos feitos heró icos de um heró i - Tom emotivo e linguagem expressiva;
Sempre é uma
e consequente mitificaçã o; companhia, Manuel da (44
-Forma fragmentada Fonseca
poemas).
- Protagonistas de estatuto moral e social elevado;
Solidão
-Inserçã oede
convivialidade:
figuras e acontecimentos histó rica.
O título «Sempre é uma companhia» remete para a companhia que a rá dio vinha trazer à populaçã o isolada,
invadindo a taberna e as suas vidas, com as notícias da II Guerra Mundial.
No conto de Manuel da Fonseca, as primeiras pá ginas anunciam o isolamento geográ fico, a solidã o e o
silêncio,
bem como referem a chegada do automó vel.
Os habitantes de Alcaria viviam em condiçõ es indignas, de tã o forma que perderam, praticamente, as suas
características humanas.
A chegada da rá dio viria a permitir a ligaçã o com o mundo, a tomada de contato com informaçã o nova e que
permitia aos habitantes ter novos assuntos de conversa. Até mesmo as mulheres, que nã o costumavam
frequentar a taberna, passaram a fazê-lo.
Se a vinda da rá dio havia interferido com a vida do casal, a possibilidade de ficarem sem a rá dio era dolorosa,
pois os habitantes regressariam novamente ao seu isolamento. A mulher de Batola, apresenta-se, no final, com
um ar ternurento, contrastando com a altitude altiva inicial, afirmando que a radiofonia «sempre é uma
companhia neste deserto»

Página 84 de
A intriga
-Peripécia banal: um engano de percurso leva um vendedor a Alcaria.
-Isolamento geográ fico da aldeia e ausência de comunicaçã o: abandono, solidã o e desumanizaçã o da
populaçã o. Chegada do novo aparelho: a radiotelefonia.
-Ligaçã o ao mundo: mú sica e notícias.
-Alteraçã o de comportamentos: devoluçã o da humanidade.
O tempo
-Tempo histó rico: anos 40 do século XX (referência à eletricidade e à telefonia).
-Passagem do tempo condensada: “há trinta anos para cá ”, “todas as manhãzinhas”.
-Tempo sintetizado: da chegada do vendedor à partida do vendedor e prazo de entrega do aparelho – um mês.
O narrador
-O narrador de terceira pessoa narra os acontecimentos, comenta, conhece o passado e o mundo interior das
personagens (presença: nã o participante; ponto de vista: subjetivo; focalizaçã o: omnisciente)
-O narrador centra a atençã o do leitor no abandono e solidã o sentidos pelo protagonista.
-O narrador conhece os pensamentos de Batola e desvenda como se vã o formando: o desgosto leva-o a
fechar-se num mundo de evocaçõ es
A atualidade
-Isolamento e falta de convivialidade.
-Relaçõ es entre homem e mulher.
-Vícios sociais: o alcoolismo, a violência doméstica.
-As inovaçõ es tecnoló gicas e alteraçõ es de há bitos sociais.
O espaço
-Aldeia de Alcaria: “quinze casinhas desgarradas e nuas”.
-Estabelecimento do casal Barrasquinho: “a venda” é um local onde reina o desleixo. • “Fundos da casa”:
espaço de habitaçã o sombrio separado da venda.
-Locais “longínquos” por onde viajava Rata: Ourique, Castro Marim, Beja.

Poetas Contemporâ neos


Temáticas:
-Representaçã o do quotidiano- sã o abordados assuntos do quotidiano e representaçõ es dele à imagem do
poeta em questã o;
-Tradiçã o literá ria- Influência de outras correntes e de outros autores faz-se sentir nos poetas
contemporâ neos, seja através de temas como o amor, a passagem do tempo e a complexidade da natureza
humana;
-Figuraçõ es do poeta- remete para a caracterizaçã o do poeta e reflexã o sobre o papel do mesmo, tanto na vida
como no mundo ou poesia.
-Arte poética- ocorre uma reflexã o sobre a pró pria composiçã o poética. Remete para a centralidade que a
pró pria poesia e o seu autor ocupam no seu processo de criaçã o.

Página 85 de
Poeta Representaçã o do Tradição Literária Figuraçã o do poeta Arte poética
contemporâneo

Miguel Comprometimento -Temos ligaçã o à Paixã o pela Terra. Processo de criaçã o


Torga político e social com o condição Consciência social e como algo rigoroso e
seu tempo (de ditadura). humana: duelo ética. Inquietaçã o, que implica
Presença da Natureza. homem/mundo; agonia e rebeldia do sofrimento.
homem/Deus; “eu” poético face ao seu
homem/criação tempo. Inconformismo
poética. quanto à condiçã o
-Influência de humana.
correntes e
poetas
tradicionais,
como Pessoa e
Camõ es

Alexande Crítica sarcá stica ao país Poesia em diálogo Ironia, provocação Defesa da liberdade
O’Neill e à consciência com a poesia enquanto formas de de criaçã o poética,
burguesa. satírica medieval recusa da ordem alheada do
(cantigas de estabelecida.Poesia de sentimentalismo
escá rnio e de intervençã o. Poeta excessivo.
maldizer). enquanto ser Condenaçã o da rima
empenhado na luta e dos artificialismos
contra a injustiça. normativos.

Eugénio Presença da Natureza e Influências Presença de temá tica Criaçã o poética


de dos quatro elementos tradicionais e de amorosa, quer na enquanto processo
Andrade primordiais (á gua, terra, poetas vertente maternal que de trabalho
tradicionais como na vertente sexual.Poeta angustiante e
ar e fogo). Tempo
Camõ es. enquanto ser “do povo” artesanal, de forma
presente enquanto
que trabalha em a revelar o poema
momento analisado
sofrimento até encontrar na sua plenitude –
criticamente e que
as palavras exatas. daí a mã o ser o
permita construir um símbolo da génese
outro futuro. artística.

Página 86 de
Ano da Morte de Ricardo Reis
Este é um romance fascinante, denso, com incursõ es inesperadas a propó sito de tudo e de nada, desde
expressõ es da nossa linguagem do dia-a-dia, até à s deambulaçõ es sobre a vida, a morte, o ser, o existir, o
sonho… sobretudo nos encontros de Ricardo Reis com Fernando Pessoa. É um livro surpreendente, para ser
lido com calma, saboreando os caminhos que Saramago nos convida a seguir, ao longo das pá ginas deste
romance.

Em finais de dezembro de 1935, Ricardo Reis chega de barco a Lisboa, vindo do Brasil onde esteve dezasseis
anos a viver. É o reencontro com a sua cidade, ficando alojado no Hotel Bragança na Rua do Alecrim, nã o
sabendo ainda por quanto tempo lá vai ficar. Sem planos definidos, Ricardo Reis é uma personagem solitá ria
que vai observando e apreendendo a realidade da cidade, do país e do mundo, sem se envolver diretamente,
antes colocando-se de fora.

No entanto, o cemitério dos Prazeres onde está sepultado Fernando Pessoa falecido em 30 de Novembro de
1935, é o primeiro local que Ricardo Reis visita mal chega a Lisboa. No primeiro dia do ano de 1936, quando
a euforia do novo ano é vivida lá fora e Ricardo Reis já se recolheu ao seu quarto no hotel Bragança,
Fernando Pessoa (ou o seu fantasma) visita-o pela primeira vez e avisa-o de que só poderã o ter mais oito
meses para se encontrarem e explica que tal como quando estamos no ventre das nossas mã es nã o somos
ainda vistos, mas todos os dias elas pensam em nó s, apó s a morte cada dia vamos sendo esquecidos um pouco
“salvo casos excepcionais nove meses é quando basta para o total olvido”.

O “Senhor Doutor Reis” como é tratado pelos empregados e hó spedes do hotel é um homem solitá rio,
embora goste de almoçar em pequenos restaurantes pedindo ao empregado que nã o levante o prato à sua
frente e deixe cheios o seu copo e o do seu companheiro imaginá rio. Gosta de observar e imaginar
histó rias sobre alguns hó spedes que jantam e frequentam o hotel e cria uma familiaridade por vezes forçada
com o gerente – Salvador – com Pimenta que lhe carrega as malas e com Lídia a empregada que lhe limpa o
quarto e lhe leva o pequeno almoço. Por outro lado, sendo alguém que se instala durante algum tempo no
hotel sem ocupaçã o nem ligaçõ es familiares ou sociais conhecidas, é observado nã o só pelo gerente e pelo
empregado do hotel, mas também pela polícia política que quer saber as motivaçõ es daquele estranho doutor
Ricardo Reis que regressou a Portugal vindo do Brasil. As notícias que lê todos os dias nos jornais para se pô r
a par do que se passa no mundo e em Portugal pintam um retrato idílico de um país em que o salazarismo
começa a fazer o seu caminho. O país da ideologia da família unida e feliz, em paz, em confronto com as
convulsõ es que se vivem na vizinha Espanha e no Brasil. O país da sopa dos pobres e das obras de caridade
em todas as paró quias e freguesias. O país onde se morre de doença e de falta de trabalho. O país dos
milagres de Fá tima e da devoçã o ao chefe, arregimentando os seus seguidores na Mocidade Portuguesa, na
Legiã o e em outros instrumentos de propaganda como a Obra das Mã es pela Educaçã o Nacional. O país dos
filhos de pais incó gnitos. O país da discricionariedade e da devassa da vida privada, dos interrogató rios e da
intimidaçã o sem quaisquer motivos, o início da triste histó ria da PVDE/PIDE. No fim do interrogató rio à
saída da Antó nio Maria Cardoso, Ricardo Reis sentiu um fedor a cebola que exalava Victor, o informador. Mas
também noutros momentos esse fedor rondava por perto.

Página 87 de
Lisboa, a cidade de Pessoa, a cidade onde Ricardo Reis veio para morrer, é uma cidade cinzenta e triste em
que a chuva cai impiedosa. O Carnaval também é molhado e sem graça. No Verã o, o calor é sufocante. A
condizer com o ambiente de suspeiçã o e desconfiança do Estado Novo, a cidade é mesquinha, coscuvilheira,
intromete-se na vida dos outros. Seja primeiro no hotel Bragança, ou mais tarde quando Ricardo Reis aluga
um andar na Rua de Santa Catarina, as vizinhas espreitam, conjeturam, mexericam, imiscuem-se. Até para os
dois velhos que se sentam junto à está tua do Adamastor, aquele novo morador de Santa Catarina nã o deixa
de ser um motivo de interesse para matar as horas de ó cio e de conversa. Felizmente para Ricardo Reis,
daquele segundo andar há uma vista deslumbrante para o Tejo.
Em Espanha, depois da vitó ria das esquerdas nas eleiçõ es é para Lisboa que fogem e se refugiam os
detentores de riquezas, aguardando a reviravolta que nã o tardará com o golpe fascista liderado por Franco.
Na Alemanha e na Itá lia, os ditadores lançam os seus instrumentos de propaganda e preparam os seus
seguidores para um dos períodos mais negros da histó ria da humanidade. No Brasil o comunista Luís Carlos
Prestes é preso. As notícias dos jornais portugueses dã o conta de que no estrangeiro Portugal é visto como o
país que finalmente vive um período de paz e prosperidade.

E agora, as duas personagens femininas que se relacionam com Ricardo Reis. Lídia – a musa das Odes de
Ricardo Reis – e Marcenda sã o duas personagens centrais nesta obra e neste período da vida de Ricardo Reis.
Como é apaná gio de Saramago, as suas heroínas sã o sempre mulheres fortes e decididas. Lídia, empregada no
hotel onde Ricardo Reis vai viver os primeiros tempos apó s a sua chegada a Lisboa, é senhora de si, apaixona-
se pelo doutor Ricardo Reis mesmo sabendo das diferenças sociais que a impedem de poder ter uma vida
social sem ambiguidades com aquele com quem se relaciona sexualmente.
Marcenda, a jovem hó spede do hotel que todos os meses vem com o pai para uma consulta médica, encontra
em Ricardo Reis uma pessoa mais velha que a trata como uma adulta e nã o como uma criança a quem se
escondem verdades dolorosas.

Muito mais haveria a dizer sobre este denso romance de José Saramago, repleto de referências poéticas a
Camõ es, à “Mensagem” de Fernando Pessoa e aos seus muitos heteró nimos, entre outros. Nã o sendo
especialista na obra do poeta, limito-me aqui a fazer este breve apontamento sobre esta obra de Saramago
que penso ser um manancial para os/as amantes da literatura e, sobretudo, para os/as estudiosos/as da poesia
de Pessoa e dos seus diversos heteró nimos.

Síntese da unidade - O Ano da Morte de Ricardo Reis

O romance irá apresentar o panorama político da maior parte dos principais países envolvidos nestas crises –
que culminarã o com a eclosã o da Segunda Guerra Mundial – em especial através das notícias dos jornais
portugueses que serã o lidas pelo protagonista, Ricardo Reis. 1936 (ano em que decorre a maior parte da
açã o).

Período conturbado, devido à s crises de natureza política que ocorriam na Europa, em que oscilavam
tendências democrá ticas e totalitá rias, estas ú ltimas de cará ter fascista.
-Portugal – Consolida-se o Estado Novo, conduzido por Salazar. É fundada a Mocidade Portuguesa. O
campo de concentraçã o do Tarrafal entra em funcionamento.
-Espanha – Emergem os conflitos sociais, políticos e econó micos que impulsionarã o o povo espanhol
para a Guerra Civil, sob o comando do General Franco.
Página 88 de
-Itá lia – Mussolini, líder fascista, ascende ao poder. Trava-se a guerra contra a Etió pia.
-Alemanha – O poder de Hitler, que compartilha dos ideais totalitá rios dos nazis, é fortalecido.
Intensificam-se os ataques aos judeus.

Estado Novo: regime ditatorial


• Equilíbrio financeiro, conseguido com o aumento dos impostos e com a reduçã o de gastos com a educaçã o,
saú de e salá rios dos funcioná rios pú blicos.
• Modernizaçã o do país, através da política de obras pú blicas.
• Estabilidade forçada com a criaçã o de meios de controlo da sociedade: Censura Polícia política (PVDE,
mais tarde PIDE) Mocidade Portuguesa, Propaganda Nacional
· Aliança com a Igreja (instrumento capaz de persuadir e manipular as populaçõ es), assente na visã o de
Salazar como o salvador da moralidade cristã e da pá tria.

O espaço da cidade. Deambulaçã o geográ fica e viagem literária


A cidade de Lisboa (palco da açã o) É descrita como um labirinto, monó tona, pobre, sombria, silenciosa,
chuvosa, de á guas turvas. Metá foras que remetem para as circunstâ ncias políticas e histó ricas vividas em
Portugal, em 1936: estado de estagnaçã o, miséria e conformismo em que o povo estava mergulhado, clima de
ameaça e perseguiçã o e restriçã o da liberdade de expressã o exercidos pelo regime
No seu regresso à pá tria, apó s dezasseis anos de exílio no Brasil, Ricardo Reis constata que pouco mudou em
Portugal – sinal de estagnaçã o do país. No entanto, o espaço exterior conduz a outro tipo de deambulaçõ es,
estas de natureza literá ria, por parte de Ricardo Reis (e do pró prio narrador). Assim, a cada passo da
personagem pelas ruas de Lisboa, assistimos a referências a vá rios autores e textos da literatura portuguesa e
mundial.
Assim, a cada passo da personagem pelas ruas de Lisboa, assistimos a referê ncias a vá rios autores e textos da
literatura portuguesa e mundial.

Os textos evocados, muitas vezes, nã o sã o fié is ao original, surgindo sob a forma de alusõ es, pará frases ou
imitaçõ es criativas/paró dias. Visita a locais como a rua do Comé rcio, o Terreiro do Paço, a rua do Crucifixo, o
Chiado, a Praça da Figueira, a rua do Alecrim, ou o Bairro Alto. Evocaçã o de textos, entre os quais a Bíblia, e
de autores como Fernando Pessoa, Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Á lvaro de Campos, Camõ es, Eça de Queiró s,
Cesá rio Verde, Almeida Garrett, Jorge Luís Borges, Dante, Cervantes ou Virgílio.

Paró dia do verso de Os Lusíadas “Onde a terra se acaba e o mar começa” no início e no fecho da obra.
Citaçã o de versos de Os Lusíadas como “esta apagada e vil tristeza”, com vista a ridicularizar determinadas
situaçõ es.
Presença constante da está tua de Camõ es e do Adamastor, como forma de destacar a produçã o camoniana
como um marco de fundamental importâ ncia
na literatura portuguesa (“todos os caminhos portugueses vã o dar a Camõ es”). Denú ncia da subversã o e do
aproveitamento das palavras e da figura de Camõ es por parte do regime.

Configuraçã o do espaço da cidade de Lisboa como uma realidade confinadora e destrutiva (“Ricardo Reis
atravessou o Bairro Alto, descendo pela Rua do Norte chegou ao Camõ es, era como se estivesse dentro de um
labirinto que o conduzisse sempre ao mesmo lugar”).

Página 89 de
Comiseraçã o e identificaçã o do narrador com certas figuras do povo observadas. Remissã o para a evocaçã o de
um passado glorioso contrastante com a estagnaçã o de um presente moribundo.
Visualismo de pendor impressionista e convergência dos sentidos.

Construçã o da personagem Ricardo Reis à luz das características físicas, psicoló gicas e literá rias fixadas pelo
seu criador, patentes, por exemplo, nas conversas entre o heteró nimo e o ortó nimo.

A personagem principal: Ricardo Reis


A imagem traçada por Saramago coincide com a projetada por Fernando Pessoa na criaçã o deste heteró nimo:
“homem grisalho” (uma vez nascido em 1887, em 1936 teria 49 anos) “seco de carnes” (na carta a Adolfo
Casais Monteiro, Fernando Pessoa afirma que ele é um homem forte, mas seco) Esteve emigrado no Brasil
(Saramago parte deste pressuposto e coloca Reis de regresso à pá tria, ao fim de 16 anos).

É poeta e mé dico. Tem:


-dificuldade em tomar decisõ es ou avançar explicaçõ es, dado acreditar no peso do destino;
-enorme autodisciplina, evitando as paixõ es e a inquietude da alma;
-rigor, enquanto poeta, nas formas estró ficas e métricas.
Permanecem também alguns traços da filosofia de vida e do credo poético do heteró nimo.
Representaçõ es do amor Marcenda e Lídia

Retrato físico | Retrato psicoló gico


Marcenda - Jovem com cerca de 20 anos, delgada, de pescoço esguio, queixo fino e de contornos pouco
definidos. Sofre de paralisia na mã o esquerda, o que condiciona muito a sua postura. Mulher virgem e
inexperiente, passiva, sem grandes convicçõ es e sem vontade pró pria (está disposta a ir a Fá tima
simplesmente para agradar ao pai), que anula os projetos futuros (desiste de ser feliz, recusando o pedido de
casamento de Ricardo Reis). Representa a inércia, a apatia, a desistência de Ricardo Reis. Representa a
possibilidade de Ricardo Reis vingar sem o seu criador, transformando-se num agente ativo e nã o num mero
espetador do mundo. Etimologicamente, o seu nome significa “aquela que murcha”, que nã o é eterna –
contrasta com as musas das odes.

Lídia - Tem cerca de 30 anos, é bonita, morena, relativamente baixa e de formas bem feitas. Mulher
emancipada, perspicaz e questionadora. Apesar de ser simples, humilde e pouco letrada, é uma pessoa
informada e preocupada com o mundo que a rodeia, revelando ter espírito crítico. É ainda uma mulher ativa,
trabalhadora e lutadora. Contrasta com a Lídia das odes, caracterizada pela serenidade, pureza, passividade e
nã o envolvência em paixõ es ou problemas.

Estrutura da obra:
Externa 19 capítulos Estrutura circular:
uso paró dico do verso de Camõ es “Onde a terra se acaba e o mar começa”; viagem de Reis para Lisboa e,
depois, em direçã o ao cemitério dos Prazeres.

Página 90 de
Linguagem e estilo
Tom oralizante.
Marcas de coloquialidade. Diá logo entre o narrador e o narratá rio. Comentá rios do narrador. Estruturas
morfossintá ticas simples. Provérbios e expressõ es populares com ou sem variaçõ es. Mistura de vá rios modos
de relato do discurso. Coexistência de segmentos narrativos e descritivos sem delimitaçã o
clara. Ausência de pontuaçã o convencional: uso exclusivo do ponto final e da vírgula, que funciona como o
sinal de maior relevâ ncia, já que marca as intervençõ es das personagens, o ritmo e as pausas. (É o contexto
que ajuda o leitor a perceber quando se trata de uma declaraçã o, de uma exclamaçã o ou de uma
interrogaçã o). Uso de maiú scula no interior da frase.

Página 91 de

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