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SECULO XVI - PRODUÇÃO PORTUGUESA

Quando e em que circunst â ncias se iniciou em Portugal a fabricação de


.}.Q<..Oro..tl.n ?
azulejosf Eis o primeiro e o mais importante dos problemas que t~m preocupado

os historiadores da cerâmica nacional sem que, at~ ao presente, se haja enCOQ

trado solução cabal.

Admitindo que nos inícios do século XVI se tenham feito tentativas para

produzir ladrilhos vidrados destinados à ornamentação pavimentar ou parietal,

seriam em todo o caso, experiências es p orádicas de algum oleiro mais industri~

so, esperançado em concorrer com a azulejaria que se importava de Sevilhao

Assim poderemos explicar o aparecimento dos pri meiros azulejos lisos, esmal•
I -
tados com verde de cobre, para as composiçoes enxa quetadas que ~os ap~recem
.r> <J"'-< j 41 r-c~ "" ~
em obras das ~pocas manuelinas e joaninas como, por exemplo, as iR capela mor
~

da Igreja de S. João Batista de Tomar, e& ã~ Convento do Espinheiro de !vora,

os do corochéu da Sé do Funchal ou os do Palácio Real de Sintra •


.:, c... ~., ~·...-..c.--.
Tais azulejos - aos quais nos geJ h 'lliii li' e ·~ ao estudar a s comp2_

sições enxaquetadas - não podem servir-nos para alicerçar um~ produção de ín-

dole artística e de concorrência com a estrangeira, já q ue técnicamente eles

se valem dos processos ~udimentares da derâmica vidrada mais vulgaro

Temos como certo que durante a primeira metade do século XVI apenas se
tJ..e_f/_ ~~....,_.,

utiliz a ram em Portugal azule~portados do pais ~izinho, e até prova em

contrário/ não aceitamos a hipót e se de se terem feito em Portugal a zulejos do


/'

tipo mudejar, ~·

( ) A região de Coimbra foi, como vimos, particularmente favorecida com a


aplicação de azulejos ornamentais desà.e tipo sevilhano. No entanto, ap~
sar de ter sido, depois de Lisboa, o mai s i mportante cent r o de c era mi st a s
de louç a bra nca - ma l eguei ros - não se encont~ara m prov as de ali s e te-
rem produzido azulejos. Teixeira de Carvalho, no seu i mpo r t a nte e bem
documentado trabalho - Cerâmica Coimbrã no S~culo XVI - é peremptório
quando a f irma "Pode-se pois afirmar ••• que em Coimbra se não fabricou az~
lejos até ao fim do século XVII" (pp. 154)o

Apesar dos es f orços pesquizadores dos grandes desbravadores de arquivos

- Joaquim de Vasconcellos, Sousa Viterbo, Teixeira de Carvalho, Virgílio Cor-

reia e tantos outros - não se encontrou qualquer referência documental a fa-

bricação de azulejos antes dos meados de quinhentos. Nas fontes literárias e


llf

estatísticas que revelam a existência de fornos "de cozer azulejos" ou que

aqui e al~m, deixam entrever a presença em Lisboa de "oficina s de azulejo",


f_ O.J TQ. r-c ó ,__ e;_
tais notícias são sempre d-e pe-3.:-s -d..e 1550.

Quanto a azulejos datados, os ma is antigos de que temos conhecimento

e aos quais poderemos atrib~r origem portuguesa, são os que se encontram em

uma dependência do antigo Palácio dos Castras, senhores e alcaides de Alfaia-


tes, em ~vara (-! ) ~. . ./
( I )
Actualmente Quartel da Gua rda Fiscal

Trata-se de azulejos de superfície plana, esmaltados com verde de cobre,

dispostos em composições enxaquetadas, ornamentando molluras de arcos e jane-

las. Nos a zulejos gra varam-se a buril certos ornatos, nomeadamente escudetes
rr1.1.
com as treze arnelas deste ramo dos Castras, um . medalhão com uma figura barb~

da, um leão e uma folha de figueira. ~ aqui que, sobre uma porta se pode ler

a inscrição, rasgada nos azulejos: a 29 de mayo 1551, sendo esta, provàvelme~

te, a data da conclusão da obra de decoração. ro~o


Este cronograma pode confirmar a actividade em ~vora de azulejeiros, já

que ali se favoreceu particularmente este tipo decorativo, como veremos ao

tratar da azulejaria enxaquetada.

A próxima data inscrita em azulejo é de 1558 nos revestimentos flamen-

gos do Paço Ducal de Vila Viçosa, obra estrangeira, como já vimos.

Das fontes literárias, aquela que mais frequentemente tem sido glosa•

da para tentar explicar o aparecimento em Portugal da fabricação de cerâmica

"fina" - a faiança - e, por extensão, dos azulejos de t~cnica a fim, é a que

se lê nas Noticias de Portugal, de Manuel Severim de Faria, cuja primeira

edição tem a data de 1655( .~ ) Ali se 1@: "Poucos annos ha que um oleiro, que

( ) João Ldcio de Azevedo~ nos Elementos para a História Económica de Por-


tugal (Ed. do Gabinete de Investigações Económicas, Lisboa 1966, PP• 174)
esclarece que, ainda que a publicação seja de 1655, o texto já estava
completo em 1624.

veio de Talaveira a Lisboa, vendo a bondade do barro da terra, começou a la-

vrar louça vidrada branca, não s6 oomo a de Talaveira, mas como a da China ••• "

No entanto já no Livro do Regimento dos officiais mechanicos da mui excellen-


1/t

te e Sempre Leal Cidade de Lisboa, de Duarte Nunes de Leão, de 1572, se faz

distinção entre "loiça vermelha, loiça verde e"loiça branca de Talaveira",

pressupondo que por essa época já o fabrico da cerâmica estanífera estava re-

gulamentado em Lisboa.

Por outro lado são conhecidos regimentos e posturas camarárias de Caim-

bra, de 1566, 1569, 1571, 1573 e 1576, onde são c~àras as referências á acti-
vidade de "malegueiros~ ( 'J )

T ) J. M. Teixei~a de Carvalho, Cerâmica Coimbrã no século XVI (Coimbra 1921).


Este autor julga ser de 1556 o primeiro regimento de "malegueiros" de
Coimbra.

Quanto ao •oleiro que veio de Talaveira", anos antes de Severim de Faria

escrever as Notícias de Portugal, nada de concreto se apurou, nem quanto á

sua identidade nem quanto a quaisquer obras com semelhanças técnicas ou morf~

lÓgicas codduzindo á produção talaverana dessa época.

De mais é conhecida a passagem de João Batista Lavanha ao descrever a

entrada em Lisboa de Filipe II, em 1582, quando menciona o arco levantado pe-

los "oleiros" da cida de, onde em letreiros hipervólicos avantajam a excelência

da loiça lisboeta que, segundo eles, concorria com a que vinha da China.

Foi sem ddvida no meado do século XVI que se instalaram em Lisboa os

primeiros "fornos de Veneza", também chamados "fornos de Pisa", capazes de c.2,

zer a louça vidrada com esmalte opaco branco, diferentes diDs fornos ''mouros",

de chama directa, que se usavam - e se usam ainda - para a louça vermelha.

Observa-se também que nessa épocn a distribuição geográfica dos dois tipos de

fornos acusa um propósito diferenciação: no velho bairro "das Olarias", a nol:

te do morro do Castelo de S. Jorge, estavam os oleiros "de vermelho", ao pas-

so que os fornos "de Veneza" se situavam para as bandas do Mocambo (hoje Ma-

dragoa), Lapa e Pampulha. No Livro do Lançamento e Serviço que a Cidade de

Lisboa fez a El-Rei Nosso Senhor •.• no anno de 1565 estão relacionados todos

os oleiros de uma e outra banda, ainda que ali se não se mencionem azulejei-

ros, mas simplesmente alguns "maleg ueiros".

Entre estes há um Johão de Gois, flamengo, "mestre de malega branca",

vivendo em casa de Is abel Gomes, na Rna da s Esperahça. Eram seus vizinhos ou-

tros artifiaes flamengos, como um Jacome Johão, ima ginário, um Roberto Jácome
J(.-1-

também malegueiro e um Felipe de Gois , c uja profissão s~ não espe cifica mas

que sabemos ter sido também "mestre de male ga de flandres". t precisamente e]_

te últi mo que deterá a noss a atenção.

Foi Virgílio Correia quem revelou um precioso documento que permi te a li

cerçar alguma s conjecturas sobre a p ossível interfer~ncia de "mal egueiros fl§

mengos" na introdução em Portugal dos pro cessos de fabricação de azulejos pla

nos~ ) Trata-se de uma denúncia feita á Inquisição de Lisboa, em Abril de

( )Vergilio Correia, Azulejos (Lisboa 1956) capítulo intitulado 11


As Primeira~
Faianças e Azulejos Lisos em Li s boa" (pp. 1~4 e segs.)
\
1575, por Marçal de Hatos, o qual delata "F'il i pe de Goes, de 35 anos, flamen-
go, homem de boa estatura e barba loura, mestre de lou~a vidrada, morando en-

tão na Praia da Boa Vista, onde estão as Casas caídas, no forno onde se coze

a louça vidrada. Nesse forno estava Març al de Matos pintando um arco para a

capella de Nossa Senhora da Conceição, quando lhe ouviu certas afirmações que

considerou heréticas e de que o acusou perante a inquisição".

Vergilio Correia baseia-se neste documento para concluir "que desde a

21 metade do século XVI, possivelmente desde o segundo decénio dessa metade,

se faziam f a ianças e se coziam azulejos lisos em Lisboa~( )

op. cit. pp. 118

Não levou o ilustre Mestre mais longe a exploração daquela noticia nem

parece ter ligado os nomes de Marçal de Matos e de Filipe de Gois a quai squer

obras de azulejo. Desconhece-se qual o despacho que teve a denuncia de Marçal

de Matos; no Arquivo da Torre io Tombo apenas consta a denúncia, não parecendo

ter sido instaurado qualquer processo. De resto da léitura das inquirições a

que o Santo Ofício procedeu, nada se apurou de "her~tico" contra Filipe de


Gois. ( 'f )

( )Dendncias á Inquisição de Lisboa, Maço 1, Auto 1, A.N.T.To, Habilitações


do Santo Ofício, Maço 2, Dilis. 71

Este Marçal de Matos, personagem que se torna pouco simpática como de-

nunciante que foi, pintava "hum arco para a capela de Nossa Senhora da Concei

ção no forno das Casas Caídas", isto em 1575, dez anos depois de termos encon
trado Filipe de Gois vivendo, ou trabalhando, no Mocambo.
/I 'C

Qual capela de Nossa Senhora da Conceição fosse a quela não o sabemos:

já por essa época se popularizava a devoção á Concei ção da Virgem e, infeliz-

mente, foram Raldados os esforços para encontrar, em Lisboa, uma capela onde
( v.)
pudesse estar um arco azulejado.

Podemos ap e na s conjecturar que Filipe de Gois - e provàvelmente também

outros "malegueiros flamengos" - se exercitavam na fabricação de azulejos ~


J.-'0
moda da sua terra desde, pelo menos 1565. Quant o a Març a l de Matos não volta-

mos a encontrá ~ lo se não indirectamente~ ~ v~,

Os notabilíssimos e bem conhecidos azulejos da capela de São Roque, da

i greja da me s ma invoc a ção de Lisboa, estão marca dos com o nome de Francisco

de Mattos, e têm a data de 158~o Na busca de elementos ident i ficadores deste

pintor de azulejos, deparámos com um processo de habilitação a familiar do

Santo Ofício cB um Franci s co de Mattos~ )

( ) A.N.T.T. - Habilitações do Sa nto Ofício, Maço 2, Dilig. 71

Aí consta que Francisc o de Mattos se habilitou em 29 de Julho de 1614,

sendo então morador na Rua da s Flo r es, a São Cristovão. Uma das testemunhas d~

clara que uma a v6 de Francisco de Matos ainda vivia e era viúva de Marça1 de

Matos, pintor~ )Infeliz mente nada mais encontramos nas inúmeras buscas a que

( ) Um assento de ca samento da freguesia de Sant'Ana (Pena), de 24 de Novem•


bro de 1610, regista o matrim6nio 1 de um Francisco de Mattos, f i lho de Gas
par de Mattos e de sua mulher Domingas Ribeira, com Ana de Mattos, filha-
de André Gonçalves, defunto, e de Inêz Monteira. (A.N.T.T., Re gistos Pa-
roquiais, Fre g uesia de Sant' Ana, LO 1 de cas amentos, flso 56v.)

pro c edemos mas, em princí pi o, admitimos que Març a 1 de Matos, o denunciador de

Filipe de Gois em 1575 possa ter sido ava de Francis c o de Mattos que assina os

azule j os de São Roque em 158~


I a partir de s tas hip6teses que procuraremos compreender o processo da

introdução de azulejos em Lisboa_, ,--c... c.er~ tUn /'-'h~Ln .v~·~ ~


~ ~ k-un-rn ~·e-. .tl- dA ~ ~~..--r~ ~'

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/1~

AZEITÃO - Quinta da Bacalhoa III: t novamente nas casas de Afonso de Albuque~


pdõ.no ..s:
que que tentaremos encontrar os primeiros exemplares de azulejos ~~an~, pro-

vàvel mente feitos em Lisbo a .

Vimos atraz (pp. ) que Afonso de Albuquerque assinalou com a data

154 o fim ' das obras do Palácio. No entanto, e s ta datação d eve referir-se à

re~onstrução na parte arquitec t ónica já q ue, como veremos, ele p r óprio deve
!~
ter continuado ocupado no aformose a mento dos j ardins, e naturalmente com a d~
1
co r a Ção. Observamos igualmente que a azulejaria de tipo mudéjar sevilhana

corres ponde a modelos especiais deno tando um propósito de "novidade".

O que teria levado Afonso de Albuquerque a empreg ar azulejos de super-

ficie plana, pre ferindo-os aos de aresta, se não o desejo de dar à sua casa

esse carácter moderno tão caracterí s tico do ''renasci mento"? t que os azulejos

releva d os de Sevilha, ainda que ado p tando ornamentação d~ g ramática italiana


~a_~ ~
do "quatrocento" continuavam pel a t& ·&a
geométrica e brilho dos esmaltes a

sug erir o ''mudejar" ou "mo urisco" pertencentes a uma linguagem ultrapassada.

O novo azulejo era esse ladrilho p lano, mais simples, de colorações mais
q v . 'i"' ,,
suaves, adaptando-se melhor à arquitectura das ~·. Os mensag eiros desse
' ao ·
1
novo gosto decorativo para Espanha e para Portugal, haveriam de dar o golpe

de misericórdia na azule j ari a da tradição mourisca. Poderia Afonso de Albuque~

que ter importado esses novos azulejos directamente da Flandres ou mesmo de

Sevilha, onde já se fabricavam( )mas julgamos que preferiu tentar o recurso

( ) Santos Simões, Frontales de Altar de azule · o en la Mez de


Cordoba (in "Archito Espaffol de Arte", no 125, Madrid

aos "malegueiro s flamengos" de Lisboa. De facto, a análise dos a zulejos "pis~

nos" d a Bacalhoa, revela características técnicas e artesanais qu e os afastam

dos tipos conhecidos da queles centros cerâmi c os, dando mostra d e originalidad~

bem diferenciadaS ,

Na complexidade da azulejaria presente na Quinta de Azeitão - resto aliaz

de maior quantia - há que di s ting uir mais de um tipo de azulejo, uma vez que
1
são patentes diferenças de qualidadeo( )

( / t) Já Reynaldo dos Santos (op. cit. pp. 57) observava que nesta classe de
azulejos da Bacalhoa se notava a intervenção de mais de um artífice, prQ
pondo mesmo a sub-divisão dos exemplares em dois grupos, caracterizados
pelos primores de execução.
Uma primeira distinção se deve lazer entre os azulejos destinados à d~
coração abstracta - tapetes de padronagem de repetição - e aqueles formando

"quadros" ou paineis historiados. Assim mesmo, em cada uma dessas classes,

ainda há que distinguir os que parecem poder atribuir-se a um bom artista pill

tor e os que lhes são manifestamente inferiores em qualidade. Auxiliar-nos-

-emos de uma planta esquemática do Palácio e J a rdim para melhor localizar os

vários exemplares.

A • Azulejaria de padronagem ("tapetes")

1) Neste grupo devemos considerar alguns azulejos encontrados durante as

obras de 1937 quando se procedia ao desaterro das "lojas" do corpo no~

te do edifício. Foi aqui que se exumaram os azulejos de tipo ''levaoti-

no" e alguns, dispersos, de tipo ''pisano", com os quais foi possível

reconstituir os respectivos padrões: ~. tS T. X X '·


~
Estes azulejos correspondem a tipos comuns de fabricação flamenga (An-

tuérpia) e foram levados para a Holanda (Middelburgo) e para Sevilha~ )

sofrendo com o andar dos tempos algumas variantes.

Os esquemas ornamentais são de inspiração ita l iana e o padrão completa-


-se com 4 azulejos iguais, dispostos radialmente. No livro Altholl~ndis­
che Fliesen (Eelco M. Vis e Commer de Gens, Leipzig 1926, Vol. I), vem a
reprodução de um azulejo (tafel lOa) correspondendo exactamente ao da
Fig.

O ndmero restrito dos a zulejos encontrados não autoriza a concluir


;~""~"''h··r~
que Afonso de Albuquerque os tenha ele gido para .e decorações~-

de dar-se o caso de se tratar apenas de "amos tras'', sem consequªncias.

Tais azulejos, produzidos em Antuérpia ou em Middelburgo, faziam parte


I
do repertório dos azulejos flamen gos que, a partir do meado do século

XVI se espa lharam pela Europa. E natural que os "male gueiros flamengos"

estabelecidos em Lisboa tenham produzido estes azulejos encontra dos na

Bacalhoa, o u os tenham mandado vir, a título de modelos.

2) Para o g uarnecimento parietal dos três compartimentos menores da "Casa

do Lago" (ou "Casa do Prazer") e, bem assim, para a chamada "Casa da


I

India", elegeram-se~padrõe s diferentes (-J.i!.ig~- --1!~--), todos de esque-

mas radiais e apresentando as mesmas tonalidades: azul, amarelo claro,

verde de cobre e roxo ou ocres de manganés.


I Lf

3) Para a Galeria ou "loggiA!' voltada ao poente, para a pequena sala uti


lizada como biblioteca e para um b a nco do jardim, escolheram-se dois

padrões Fig.
• { 1:....
) de desenhos fitomórficos estilizados, com maior

densidade de brancos.

4) Dispersos, encontraram-se outros azulejos que parece poderem ter ser-

vida para frisos ou c ercaduras (·F4g;. ) e tarjas rectang ulares que

g ua r necem o exterior dos p6rticos da "Casa do Lago" ( ) ou da bi-


{ Pi~.. '""1 .u:-~íi L/ 1)
blioteca ~~#A. ' Y. / ó.., v- 1 <:-

Ainda que pouco distanciada em anos, julgamos que a azulejari a de padrão

de pode separar cronolo gicamente em duas encomendas: uma primeira, cerca de

1560-65 para a azulejaria da Casa do Lago e da Casa da India (Grupo 2) e ou-


tra um pouco mais tardia (1570?) para os padrões da galeria e biblioteca (Gr~

po 3). Tal diferenciação ~ acusada pelo tipo de pintura e espírito decorativo,

mais livre no segundo grupo, ().,.. :'fALa. 'f........., kc.Vl i .:~ ~ "' ~~-

Devemos ainda chamar a atenção para o guarnecimento do paredão que limi

ta o tanque pelo poente. Aqui é manifesto que se começou por eleger azulejos

de "aresta" - provàvelmente uma última encomenda de Sevilha - de um padrão

que se afasta da gramática usual. Ou porque não chegassem para completar a d~


I
coração ou porque se tenha resolvido reproduzir em azulejo "pisano" o mesmo
.~
desenho, são de s ta técnica alguns "remendos", acusando incipi~ncias técnicas

patentes na má fixação das côres. Teriam sido verdadeiros ensaios e daí, as

primeiras tentativas de pintar com cores de Pisa? O esquema ornamental é s en•


·i'';( •'- yi:..
J- ~ ,_,
sivelmente o mesmo que encontramos~ agora perfeito nos contornos e na ~'Iaiaa-

no primeiro compartimento da "C a sa do Lago" o que pressupõe que o artista re.!

ponsável por estes já tinha adquirido maior segurança no emprego das cores e

no doseamento do fogo.
I li
Em todos os casos de decoração por tapetes com os padrões do primeiro

grupo (Fig. ) se adoptou a aplicação dos azulejos segundo diagonais, Á~


~ it~r~ u.n.."""""', ~ a.J~ " !J..o- ~Ta ·
Para os do segundo grupo (Fig. ) já os azulejos estão dispostos normalmen-

te, o. f!Ue reforça a hipótese de uma escalonagem no tempe 1....,. ~ v r't-dj........_ ,;... 'j-<>Jfo .

B) Azulejaria em Paineis historiados


Completando a decoração atapetada, encomendou Afonso de Albuquerque ve~
dadeiros ''quadros" cerâmicos - paineis - com figurações mitol6gicas ou bí-

blicas e, mais uma vez, se escalonaram as encomendas.

l) Os mais notáveis seriam os que enriqueciam os compartimentos da "Casa do

Lago" e dos quais apenas um se conserva íntegro. No compartimento central

(Planta esquemática, 4) foram colocados três quadros ou paineis de iguais

dimensões - 8xl4 - representando respectivamente a cena do ~~.pto de Hipo-


, ---?>
~a, uma 'l&!:~mt-~" re presentando o .,Rio Te,io e a cena de .Susana surpreen-

dida pelos. velhos, este ostentando o crono grama 1565.

Apenas ó ~ltimo se apresenta completo, tendo os outros dois sido van-


- r .-. ~ 1
dalizados com a perda de muitas peças. Os tres quadros t~m . a . limita-los um

friso ou tarja de sabor clássico, pintada a azulo

O artista pintor responsável por estes quadros, teve á sua disposição

estampas que repuoduziu com extrema fidelidade. Assim, o .,.Rapto de Hipóde-

mia -
.- - que ~e julgaram ser o Rapto da s Sabinas - é feito sobre uma es-

tampa de Aeneas Vico, datada de 1542( ,)modelo que foi utilizado por cera-

1mi J tas flamengos e italianos~ )

Mrso Scoville encontrou a e s t a mpa na cole c ção da National Ga l lery de Wa s-


hington.

( ) Um prato de majÓli ca atribuído á s ofi c~ nas dos Fontana, de Urbino, mos-


tra exa ctamente o Ra pto de Hipod~mia, agora com a ins c r~çao Cent auros e
Lapitas (in "Connoisseur", nO de Março de 1946, pp. 50o

___ Quanto á cena de Suzana e os velhos, é também feito segundo uma estampa de

Aenneas Vico, reproduzindo o célebre quadro de Ian Metzijs que se guarda

no Museu de Bruxelas(o )

( ) Também esta estampa foi utilizada por artistas esmaltadores de Limoges:


um prato datado de 1558 do esmaltador Pierre Courteys, hoje no Bayershes
Museu de Munique é exacta réplica da gravura (in J. J. Marquet de Vasse-
lot, Histoire de l'Art - dirigida por Albert Michel - Vol. V, ppo 459,
fig. 282).

Notaremos que as gravuras de Aeneas Vico foram um verdadeiro manancial . de


f"-"'
inspiração para os ceramistas flamengos e los ~ltimos majolicários italia-

nos, sendo notável o grande quadro cerâmico representando a Conversão de

São Paulo, que se guarda na "Vieille Boucherie" de Antuérpia, atribuído a

Ian van Boghaert e datado de 1547~ )


12 3

( I ) J. M. dos Santos Sim5e s - Os a zulejos do Paço de Vila Viçosa, Lisboa


1946, PP. 42.

Quanto á ale goria a o ,Rio Tejo - infel i zmente com grandes la c unas- ela pr~

v em de gravuras flamengas muito usadas como ornatos em mapas ou vistas da

cidade. São conhecidas algumas destas Potetmaquias, como por exe mplo, as

das v i stas de Vi s ser, ornamentadas por Ian Floris de Antuérpia.

Os compartimentos maiores de "Casa do Lago" (es q uema 2 e 4) estão re-

vestidos de azulejos de aresta. Nas parede s f undeiras por~m, houve paineis

cerâmicoss os do compartimento 2 desapareceram totalmente, ficando apenas

o alv~olo; o do compartimento 4 ostenta hoje uma composição heráldic a com


t\ III J'f....._..:~
as armas dos Albuquerques~ Trata-se, no entanto, de painel feito no s~cu­
J·J..f....~
lo XIX, procurando iE., outro original, cujo paradeiro se desconhece,
~
mas de que se encontra• algumas peç a s na pr6pria Quinta da Bacalhoa.

As portas de acesso aos compartimentos maiores eram sobrepujadas por

nichos onde, provàvelmente, teria havido estatuetas de terra cota. Sob os

nichos foram coloc a dos azulejos planos com os letrei r os: IVSTIÇA, PRVDEMCIA,

TEMPERANÇA e FORTALEZA, acusando no tipo de pintura e no material a mesma

procedência da azulejaria de padrãoo

Mais notáveis, por~m, são as g uarniç5es dos rodap~s dos compartimentos

1 e 5. Formadas por placas rectangulares (13x26 cm.) ostentando, o primei


ro, uma teoria de "groteschi", com Sereias e Grifos. Faltam, infelizmente,

os azulejos da parte central da parede maior, um dos quais ainda em 1897

A. Blanc reproduziu, e no qual se liam as te@s últimas letras do que se



tem suposto t er sido o nome do pintor respons á vel pela obra ••• TOS.
( f.., fJ )

No compartimento 5 o rod a p~ está íntegro e mostra os "groteschi" ten-

do como tema libélulas e macacos. Na "Casa da India" - onde estiveram te-

las representando as vit6ri~s do "grande" Afonso de Albuquerque na India -

o rodap~ desapareceu. Eram pr9vávelmente da qui os azulejos rectâng ulares

com meninos brincando dos quais alguns exemplares foram encontra dos na

Quinta e recolhidos por Mrs. Scoville. Eram deste rodap~, sem dÚvida, os

que e s tiveram expostos na Exposição Temp orária de Azulejos no Museu de Ar


te Antiga, em 194t , ~hoje na posse de coleccionador particular, e outros
( ;· ) Catálogo da 6• Exposição Temporária - Azulejos - ng 54 a), estampa V

dois que entretanto foram adquiridos no mercado e se conservam no "Museu

do Azulejo". Em todos estes exemplos ~ patente a influência flamenga, já

pela temática ornamental, já pelas fontes de inspiração e mesmo pela t~-

c nica. ( fo OS )
C) Azulejos ornamentais (r..t~~ ..._.) 1 ~~"'
,A)
. No pequeno páteo que dá entrada para a"Casa de .!~uarnecendo as f,!!

ces dos alegretes, estão pequenos grupos de azulejos de tipo ornamental com

variada figuração de "groteschi" do mais puro gosto flamengo. Pertencem, sem

d~vida, ao mesmo autor dos rodapés atraz mencionados tendo, sem d~vida, feito

parte de uma mesma encomenda. (


( <?.h..Át ~~1v.L....~~l, S')
I

D) Na grande "loggia" voltada ao jard"'inr/estão incluídos no tapete cerâmico

cinco paineis com outras tantas alegorias de Rios, ostentando os nomes: DOVRO,

MONDEGUO, WILO (Nilo), EVPHRATES e 1fANVBIO, de 7xl3 azulejos, cadao Nem todos

estes paineis terão sido pintados pelo mesmo artistao Há uma nítida diferença

de qualidade entre eles, acusando o labor de dois artífices - um melhor e mais

seguro, outros de menores recursos artliticoso Esta constatação leva a concluir

que se tratava de uma oficina empregando um "mestre" e, pelo menos um "ajuda._n

te ou aprendiz". (

Ao grupo dos de menores recursos artísticos pertence a decoração de um


(; -" '
ale grete ou canteiro tendo no espaldar uih "Rapto da Europa" e, na parte infe-

rior, uma composição ornamental formada por máscaras e ornatos arquitecturais.

Poderemos concluir que, tal como vimos no caso dos azulejos ''de padrão"..-

também houve um escalonamento em tempo para a azulejaria de paineis figurados:

1 = Os paineis e rodapés da Casa do Lago, assina[ados pelo cronograma 1565,


e bem assim o rodapé desapa recido da Ca sa da India e as 0 uarnições das

~foreiras do páteo.
2 • Os paineis dos Rios, da galeria, e os azulejos do a leg rete do ~Rapto de

Europa".

Prevalece, misteriosamente, a inte r pretação das letras que, presumível

mente, terminavam o nome do pintor do rodap~ da "Casa do Lago"- • • • TOS. ~

natural que, conhe cendo- se o nome de Franc isco de Matos, assi nando os paineis
de S . Roque, em 158~, tivesse ocorrido que o ••• TOS da Bacalhoa, ligado ao

crono grama 156 5, fosse~uma e • mesma pessoa~ / )

Apelidos portugueses terminados em TOS ap enas ocorrem em Matos , Bastos e


Santos.

No entanto, não só a diferença cronológica - 19 anos - como, principal

me nte, a disparidade morfoló g ica e técnica, par e cem opor-se a uma i de ntifica-

ção entre os a utores das duas obras.

Algumas têm sido as argumentações apresentadas para e xp lic a r a ligaçã o

entr e Francisco de Ma tos e os azulejos da Bacalhoa e de São Roque, mas nenhuma

teve, até agora, força convincente(~ )

'l1 eixeira de Carval ho sopunha· que Francis c o de Matos "tivesse feito a sua
educação em Talavera e que seria o tal "oleiro" de que fala Severi m de
Faria.
Vergilio Correia opinava que Francisco de Ma tos "tivesse sido educado
artísticamente em Itália ou na And a luzia, por ventura na escola de Cris-
tlàbal de Augusta".
Finalmente Reynaldo dos Sa ntos, era de parecer que Francisco de Matos
tivesse sido formado em Sevilha, e apenas lhe atribui os azulejos mais
perfeitos da Bacalhoa - os dos rodapés.

A descoberta de um pintor de azulejos com o mesmo apelido - Marçal de

Matos - provàvelmente a v() de Francisco,- dado como "pintor", e ainda as ínti-

mas ligações deste com "malegueiros flamengos", preci s amente em 1575, parecem

trazer mais uma achega para o esclarecimento da azulejaria da Bacalhoa e aos

inícios da fabricação de azulejos em Portugal. Se tais ligações são pertinen-

tes, poder-se-~ a concluir que a azulejaria "pisana" da Bacalhoa se deve ligar

à actividade desse s ceramistas !lamengos, e que com eles terá colaborado 1como

"pintor'/ o Marçal de !11atos.

Continua a ser prudente não aceitar esta hi pótese como ~ma=eel~. No

entanto, no estado actual dos nossos conhecimentos, e até prova em contrário,

é ela a que mais logicamente explicaria o surto da fabricação azulejar no no~

so país, pedra angular de todo o edifício que, a partir dos princípios do sf

culo XVII, já ass~nta em bases sólidas e concretas.


AZEITÃO - Quinta das Torres II - PrÓximo da Bacalhoa, mais junto a Vila No-

gueira de Azeitgo, fica a Quinta das Torres, da qual já trat,mos a propósito

dos grandes paineis historiados de majolica italiana. (Pág. ).

Se a marcha da construção das "Torres" não es t á tão bem documentada C..Q.

mo a da "Bacalhoa", não há dÚvida de que ambos os palácios são fruto das pre..Q.

cupações de homens de apurada cultura, instruidos no esp!rito renovador do re

nascentismo.

No caso da Quinta das TorresI foi D. Diogo de Eça, de que as cr6nicas fa

lam como vfs'/1\roe humanista, o responsável pela construção desse palácio t..Q.

talmente italianizado na sua arquitectura pré-clássica. A! vamos enc ontrar

- além dos paineis incontestàvelmente italianos - um revestimento de azulejos

do maior interesse para o estudo de sta arte naépoca quinhentista.

Na "galeria"~antiga loggia aberta sobre o lago e que foi transformada

em "salão" no século XVIII,- forlll!ando a parte inferior das paredes antigas,

e s tá um silhar de 4 azulejos na altura, o qual contorna toda a sala. Uma aná-

lise cuidadosa revela no entanto que este silhar apenas guarnecia primitiva-

mente - no século XVI - as paredes do sul, do nascente e do poente: na parede

do norte os azulejos foram colocados quando se fechou a galeria e apresentam

caract~res que os d~m do século XVIIIo

A azulejaria primitiva divide-se em paineis perfeitamente limitados por

cercad ura de óvulos, tendo como motivos cenas mitológicas e venat6rias. Reco-
1
nhecem-se, por exemplo, representações das Metarmofoses de Ovídio - Marte e

Venus, Achteó~ surpreendendo Diana no Banho, Cúpido forjando as setas, caçadas

ao veado e ao javali. ' ~ manifesto que alguns azulejos não são originais e que

no século XVIII houve que fazer remendos ou restauros, os quais, no entanto,

não prejudicam a harmonia do ' conjunto! A policromia- de verdes, azuis, amar~

los e acres - têm grande beleza e suavidade e o desenho é cuidadoso e preciso.

Sabemos que a Quinta das Torres foi mandada construir por D. Diogo de

Eça, o qual nela faleceu "fazendo vida de filósofo antigo" em 1594. Deduzimos
também que o mesmo fidalgo, ausente de Portugal por razões políticas, ~á es-

taria de regresso cerca de 1570 e que~ nesses anos, o palácio tomava forma~ )
( ) J. M. dos Sant~s Simões - Panneaux de Majoligue au Portuga1,.in "Faenza"
Anno XXXII, 1946, PPo 76 e s egso)

Recordemos que, a doi s passos, Afonso de Albuquerque t erminava a BacaM

l hoa e ali dava g uarida a azulejos "novos" e revoluvionários, culminando em

1565 com os belos paineis historiados. Souve ou não emulação, mas é inegável

que as d ua s Quintas vizinhas, rivalizavam em "novidade s" • ••

Os azulejo s dos silhares da Quinta das Torres, mais calmos do que os da

Bacalhoa, parecem ajustar-se melhor à cultura mais sólida e porventura mais

"erudita" do fidalgo-filósofo do que à exuberância demons t rada por Afonso de

Albuquerque.

Além dos azulejos que se conservam na gal eria, foram encontrados na

quinta, em 1961 , al g uns outros que deveriam ter feito parte de um painel ilu~

trando a "Adoração dos I1agos". I gnoramos onde estes a zulejos poderiam ter es-

tado, presumindo que tenham pertencido a alguma desaparecida capela da mesma

quinta . Entre os azulejos que no século XVIII serviram para remendar faltas

ou danos no silhar da '' galeria" vêm-se peças que deviam ter pertencido ao pa,i

nel "A do ração dos Magos" o q ue par e ce comprovar - que este já tinha sido desmem

brado por então. O O

Os que se sal varam, e com os quais , infelizmente, não é possível formar

um quadro inteli g ível, mostram a mesma qualida de e dimensões - 125 m/m de 1~

do - e revelam a excelência da pintura e perfeição técnica. Essa análise le-

va-nos a aproximá-los dos azulejos da Bacalhoa e não temos dúvida de que h~

perfeita comunidade de perfeitura com os das paineis de "Suzana e os Velhos".

Também no caso dos azulejos da Qui nta das Torres, os pintores se servi-

ram de estampas de origem flamenga, nomeadamente as das c a çadas, muito próxi-

mas das diversas versões das "Venatória" de Jan van der Straat .

Concluiremos - ainda que com r e servas - que os azulejos pri mitivos do

silhar da Galeria das "Torre s" são coevos ou ligeiramente posteriores aos me-

lhores da Bacalhoa - 1565/1575 - e, como aqu e les, provenientes de alguma ofici

na de Lisboa onde não era estranho o trabalho ou a inf l uência directa dos "m~

legueiros flamengos"o
LISBOA - Colevção Coelho da Cunha: A primeira grande colecção p articular de

azulejos de Po r tugal foi a inici a da pelo g rande esc r itor e jornalista Alfr edo

da Cunha, continuada e notàvelmente ampliada por seu filho o Senho r Dr. Jos~

Coelho da Cunha.

No belo palácio do Larg o de S. Vicent e - out r ora Casa Nobre dos Noronhas -

em Lisboa, juntaram-se e expoem-se com requintes de bom g osto e critério di-

dáctico, algumas centenas de exemplares de todas as épocas e d a s melhores qu~

lidades.

Entre os de aqwsição mais anti g a está um magnifico silhar g uarnecendo

a biblioteca, o qual provem de uma edificação desap arecida, junto à ant iga

Igreja das Me:ec~s, de Lisboa, esta mesma há muito transformada em esquadra de

policia o

Os azulejos fora m adquiridos po~ Alfredo da ~unha quando da d e molição e

carinhosamente transferidos para a sua residência. Quando os vi - em 1950 -


logo me c hamaram a atenção não s6 pela sua beleza como pelas semelhanças com

alguns dos azule j os da Bacalhoa. Trata-se de um silhar com 7 azulejo s de alt~

ra, incluindo os do rodapé. Repetem-se g randes más c aras entre "cartouches" de

ferronerie, em tudo iguais ás do canteiro ou alegrete do "Rapto de Europa" da

Bacalhoa. Neste caso, porém o conjunto parece mais cui dadoso, enriquecido com

o molduramento de g reg as.

A igreja das Merc~s datava, na sua Última forma, dos meados do século

XVII, mas assentava no local onde já existia uma casa-nobre que s e rviu, tam-

bém de recolhimento(. ) Estes azulejos são ce r tamente de época pr6xima de 1570


e podem ser da dos à mesma oficina que forneceu os Últimos azulejos a Afonso

de Albuquerque.

t )Padre Carvalho da Costa - Corogra f ia Portuguesa, Vol. III, Lisboa 1712

LISBOA - Igreja de Nossa Senhora da Graça: A i g reja do g i g antesco convento do s

Agostinhos foi das que mais sofreu com o terramoto de 1755. Antes, admirava-

-se o templo de três amplas naves e capelas laterai s , obra que se impunha á

admiração de nacionais e estrangeiros. Tal edifício - substituindo um velho

templo românic o • foi iniciado em 1556 e já estava de todo terminado em 1565~ · )


( "_ )Padre Carvalho da Costa, op. cito, vol. III, PP• 356 e segso

Representava então o que de mais arrojado e rico se fazia em Lisboa, tanto no

respeitante à arquitectura como à decoração. Diz a Corografia Portuguesa que

a nave era toda a z ulejada:"e fazem campear o azulejo dourado, de que esta cu-

berta toda de alto a bayxoo E do frizo mais vizinho à sua abobada até o ulti-

mo pavimento".

A descrição do Padre Carv~lho da Costa foi publicada em 1712 e é provável

que os azulejos a que se refere fossem de tipo de ' tapete ~ já do século XVIIo
~Tt-
Porém, do século XVI é seguramente o azulejamento da a ntiga -s a cristia, hoje

passagem entre o cruzeiro da igreja e a nova e impone nte sacristiao Não é po~
"-9......Qd.
sivel fazer ideia do que seria ~ quadra, uma vez que ela f oi sub stancial-

mente alterada no decorrer do século XVII e, posteriormente, na segunda metade

do século XVIII.

Temos apenas o teste munho dos a zulejos que foram escapando, suficientes

no entanto para poder admi rar uma da s mais originais criações da azulejaria

portuguesao São composições de "brutescos", a l arga ndo-se em pooporções pouco


~ t.?. "-J.J.&; , <4 ~"
vulgares, cobr i ndo inteiramente as pa~ vãos de portas e de a rcos,
co m grande prof us~ o
de motiv:os ornamentais, má scaras, ani m~is e plantas, a..-júl..n1
. ~r~ r-o~ i"""' .,__,. c..~ .k ., Jr<-:;•. -. ·• •
... c.a.-l~c-._.~ ;;...,~-o JL.:~ 0 o
A pintura de todos estes ornatos é de grande r iqueza cromática, - com

azuis, verdes e ocres - mas o que surpreende é a sábia compo si ção obtida com

folhagens e entrelaças pré-anunciando essas tapeç a rias orname ntais que vã o ca

r ac terizar certo ti po de azulejaria do princípio do século XVIIa

A aceitar que esta decoração é co eva da época em que terminavam as obras

quinhentistas da Graça, poderemos colocá-la em ano pr6ximo de 1565-70 o que ,

a l iaz, conco rda com o seu tipo tecnológico e com a gra mát i ca ornamental de
sabor flamengo. ~/L r~ I~ ~ -~, .vt r .:.....r4-~af·U -~~
~l...c,r ay-·-~~·"'- ~ {3a.c a. ff.....,,;_ .J2. " ~ ~ 1~ ~· L. ;'j..-rp .Jr ~
Gl.e:J.,~--..._ L,-;6,,<4 J..... ~ ~ N~ J~c.........._ .k v~ -~,k~·" J-t}~
~,~ Lr'.s 6c-e... t~ ~r:..r~ ~D(..,_ ~ ~c:..t r----.:.-t...r~~r«-r-...ç- . ._.__,
-~~ J-,z. ~ ,_ ~... o c:.,-.:.-. Ji ""'-' 1~ ,_ r~ ~ + ·:c. J.J._

~~ ~ Jc--~,;....... ~ •
IJ. o

COIMBRA - Sé Velha - Foi durante o bispado de D. Afonso de Castelo Branco,


.J...
entre 1593 e 1598, que se construiu a nova sacristia da catedral de Coimbra 1 ~ se
colocaram os azulejos que a guarnecem. Passara a mod~do{J azulejo de lavores, de
técnica mudejar, mas afirmara -se , entretanto, o gosto pelo azulejo COJ?O elemento
decorativo. Ainda que em Coimbra J(P ossivelment~ e prod~ssem )azulejos pa-
ra composições enxaquetadas, houve aqui a preocupação de enriquecer a quadra
com outros valores cromáticos.
Cobrindo as paredes do corredor de acesso e a própria sacristia, encontra-se
um tapete formado por'fpadrão polícromo, de superfície plana e esquema fitomórfi-
co, constituido pela repetiç~o de 4 azulejos iguais. É este, quanto a nós, o primei-
ro padrão produzido em série para o efeito/ seguindo um esquema também usado
na azulejaria flamenga. Este mesmo padrão encontrámo-lo na antiga capela do
convento de Santa Clara do Funchal, aplicado no pavimento, ( )e, bem assim foram
recolhidos no Museu do Azulejo outras peças de proveniência desconhecida.
( )Azulejaria Portuguesa nos Açores e na Madeira , pp. 170, padrão 1

Deste padrão derivam os esquemas de uma família que vai r roliferar nos prin-
cípios do século XVII mas, os exemplares mais antigos, distinguem-se dos seus de-
1
rivados não só pela mais fina execução do desenho como pela nitidez das cores,
acusando a próxima parentela com a técnica das 1Jcores de Pisa'! Não podemos acer-
tar com exactidão o ano de fabrico destes azulejos mas ele não deverá afastar-se
f
de 15,0, data em que começa a diferenciar-se a fabricação portuguesa deste tipo.
N esta sacristia da Sé Velha de Coimbra encontramos já perfeitamente definida a
intenção decorativa com tapetes de padronagem polícroma, limitados por cercadura
própria, interb cionalmente feita para equilibrar a decoração e integrá-la na arqui-
tectura.
.'
) I
IJ I

LISBOA - Museu do Azulejo : Paine l da "Senhora da Vida"


A antiga igreja paroquial de Santo André , arruinada quando do Terramoto de
f.r-e.C...:o~~~~
1755, era famosa por conter, entre outras ~ , um famoso painel de azulejos
que desde sempre, despertou a atenção de curiosos e eruditos. Guarnecia uma das
1
paredes da capela dedicada a Nossa Senhora da Vida, fundada por Bartolomeu Vaz
de Lemos em ano próximo de 1580. A esses azulejos se referem Frei Agostinho de
Santa Maria no SaRetuário Mariano e o Pao:dPe Carvalho da Costa na Corografia
Portuguesa: escreve o primeiro "está esta capella azulejada de um azulejo antigo ,
mas excellente ... ", consignando o segundo: " é azulejada de um tal azulejo que tem
nome de ser singular ... ". Tais palavras demonstram o apreço em que nos princí-
pios do século XVIII eram tidos estes azulejos, isto em época XJNNR tão parca de
apreciações laudatórias na matéria.
É extensa a bibliografia sobre estes azulejos os quais , aliaz, deixaram pràti-

camente de ser vistos pelo público desde 1861. Deve -se a Ribeiro Guimarães, no
{ } co'>hec.(.,...."f o tJ
Sumário de V•ária História ' a revelação moderna destes azulejos e a sua atribu-
lada história.

) Ribeiro Guimarães, Summário de Vária Histó~ vol. II, pp. 100. e segs . , Lis-
I
boa 1872. Outras referências: Joacp im··'de Vasconcellos , Cerâmica Portuguesa,
vol. II, pp. 12 e segs.; José Queiroz , Cerâmica Portuguesa , pp. 249; Libera to
Teles, Pavimentos, pp. 24; Matos Sequeira, Depois do Te r ramoto, vol. IV , pp.
57.; Nuno Catarino Cardoso, Azulejos, fase. 7; Guia de Portugal, vol. I, pp.
227: Reynaldo dos Santos, A. Arte do azulejo em Portugal, pp. 61.

Quando em 1845 foi decidido demolir o que restava da velha igreja de Santo An-
dré, houve o louvável cuidado de salvar os azulejos que se mantinham cuja beleza
e raridade eram já tradicionais. Foi José Valentim, lídimo e incansável defensor
das antiqualhas lisboetas , quem pugnou pela conservação daqueles azulejos chaman-
do para eles a atenção do q\rquitecto camarário Malaquias Ferreira Leal. o qual ,
por sua vez, fez interferir o Professor da Academia de Belas Artes Francisco de
Assis. Foi assim possível que o Ministério das Obras Públicas mandasse arrancar
cuidadosamente os azulejos os quais, devidamente numerados e embalados , ficaram
depositados ao cuidado da CJDfiX~ Intendência das Obras Públicas.
Em 14 de Março de 1861 o Conservador-ajudante da Biblioteca Nacional, Fran-
cisco Martins de Andrade , dirigia um ofício ao Bibliotecário Mor dando parte da
existência dos azulejos "salvos da f"" uria do escopro e da picadeira pelo zelo tão
mal apreciado do nosso benemérito desenhador o Senhor José Valentim de Freitas
e de outras mais pessoas ... ". Ao descrever os azulejos diz:" Reputam-se obra
do XVI século; devem ser conservados pela sua antiguidade pela qualidade da sua
construção, pela relativa p erfeição da sua pintura e pelo que pode m servir á

hist6ria da Arteo Trata-se de os vender a um ingl~s e V. Ex 1 • avali a d e certo

melhor do q ue eu se os ing l e ses s e dão ao incómodo de virem expressamente a

Portug al, co mo dizem que este veio, comprar-nos al g umas pedras de calçada ••• "

Este ofício despertou a atenção do Director Geral d a Instrução PÚblica

o qual, final mente, ms mandou colocar os azulejos à disp o sição da Biblioteca~ )

( · )Biblioteca Nacional de Lisboa, secção de reservados, Caixa 219-54o

Foi port a nto em 1861 o g rande paine l da anti g a capela da Senhora da Vida
colocado em um dos corredores da Biblioteca Nacional, no antigo edifÍcio do

Convento de S. Francisco, de Lisboa. Dadas as suas extraordinár ias dimensões,

h ouve g rande dificulda de em encontra r local apropri a do e, depois de muita es-

c olha, f oi r e solvido a p roveit a r um vão de ja nela q ue se tapou, recon s tr uind o-

-se uma parede c om dime nsões suficient e s. Assim mesmo houve que encurvar a pa~

te superior do painel para o encaixar no espa9o di s ponível. Aproveitou-se a

ocasião par a fazer al g un s restauros e repinturas, colmatand o faltas de azule-

jos ou f racturas ocasi o nada s na re moção. Nes s e local, s e co nservou o paine l da

Senhora d a Vida, visto a p e nas pór meia dÚzia de curiosos e e s tudio sos a quem,

com dificuldade, se aut orizava a visita a esse corre dor. Assim me s mo, a fama

d os a zulejo s s e perpetuou chegand o a os nossos diaso

Em 1961, vrecisamente 100 anos depoi s da instalação da Biblioteca NaciQ


nal e avizinhando-se a transfer~ncia deste Instituto para a nova edific a ção,

pediu o Museu Naciona ~ de Ar te Anti g a para q ue o s a zule j os foss em devi da mente

salvag uar da dos e, p o ssivel mente, c e didos ao mes mo Museu q ue os faria ins talar

na sua dependência da Madr~ de Deus, futuro Museu do Azule jo . A petição teve

despacho favorável e em Fevereiro de 1969, foram os azulejos cuidados a mente


levantados e transferidos para o Mus eu do Azulejo on de ag ua r dam cond i g na apr~

~ sentaç ãoo

O g rand e painel tem 1.384 azulejos, com 4,60 mo na base e, senslvel mente,

a mesma altura. Ocupava uma das parede s l a t e r a is da Cap e la onde s e abr i a uma

janela e os azule jadores tivera m o cuida do de compor o quadro por forma a coA

s e rvar a aberturao Quando da tra n sfer~nci a para a Bibliot e ca Nacional, a provei

t a u-se aquele vão para colocar um painel de 5x7 azulejos - enquadrado por az~
lejos marmore ados cor de rosa- onde se es c reveu a legenda: "Este azulejo era

da capella/ de Nossa Senhora da Vida,/ erecta na egreja paroc~ al de Sto

André, d'esta Ci•/dade de Lisboa, por B~r-/tholomeu Vas ~e Lem~em 15!30./

Demolida a egreja em 1845/se lhe tirou este azulejo,/ gue foi requesitado para /

esta Bibliotheca pelo Con•/ servador F. Martins de/ Andrade, e neste logar/

collocado e restaurado/ em 1865"~ )

( ) Este letreiro era o original e estava pintado com os azulejos. Ou porque


a redacç~o não a gradasse ou porque o tipo cali gr,fico fosse menos fi gno,
cobriu-se esta le genda com betume e, sobre este, pintou-se, a 6leo, nova
legenda a gora com 'tletra de imprensa": "ES~E PAINEL PERTENCEU 1../ CAPELLA
DE No SENHORA DA VIDA/ ERECTA NO SECULO XVI POR/ BARTHOL0!1EU VAZ DE 1EI110S/
NA PAROCHIAL DE S.ANDR~/DESTA CIDADEo DEMOLIDA A EGREJA/ EM 1845, O REQUI=
SITOU AO GOVERNO/ O CONS ERVADOR DiESTA BIB LIOTHECA/ FoMo DE ANDRADE,/ E
AQUI FOI POSTO E RESTAURADO/ EN 1865.
Quando, em 1969, se procedia ao levantamento do painel, verificou-se que
este se g undo letreiro tapava o anterior, pelo que se removeuo

As características da pintura e o próprio estilo do desenho e composição,

acusando nitidamente a preocupação classicista pré-barroca, coloca~ esta obra

na época vizinha de 1580. Reconhecem-se traços comuns com a azulejaria fi g urâ

da da Bacalhoa e da Quinta das Torres, particularmente no tratamento das car-

na ções e emprego de verdes malaquita. No entanto ~ arriscado concluir por uma

identidade de autoria.

O painel foi descrito por Reynaldo dos Santos( ~ )o qual se faz éco da

descrição de Ribeiro Gu i marães, aceitando como boa a data de 1580 (que s e lia

não em azulejo, como escreve, mas numa lápide na pare de fronteira à que o pai

ne l ocupava) pa ra a feitura dos azulejos, admitindo a sua ori gem portug ue sa e

acrescentando tratar-se de "estilo diferente do da arte sevilhana da Bacalhoa".


(~ ~)
O Azulejo em Portugal, pp. 62, figs. 41, 42, 43o
JJ)

LISBOA -São Roque: No local onde se ergue a igreja de São Roque, hoje ligada
á ~nta- Casa dla Misericórdia de Lisboa , existia desde 1506 uma ermida com a
mesma invocação pertenç·a de uma irmandade ou confraria de clérigos , conhecidos
por Padres ou Irmãos de São Roque. Quando a Companhia de Jesus procurou em
Lisboa local para uma casa professa , obteve autorização de D. João III para s e
acomodar com os padres de São Roque e, depois de algumas diligências , foi re-
solvido construir no local uma nova igreja , com a condição de se cons e rvar o mes-
mo título. Em 1553 tomaram os jesuitas posse da ermida e onze anos depois dava-se
início á nova obra que em 1577 já atingia condições para nela se proc e ssar a vida
r e ligiosa.
De acordo com o convénio, ficou a Irmandade de São Roque com sua capela
privativa , - a capela de S. Roque - na qual se esmeraram para que se ressalvay se
a dignidade dos confrades e a gratidão dos padres da Companhia. É nesta capela
que se encontram os azulejos mais belos e mais important e s de quantos até então-
coloc A. .-~
e mesmo depois-se fi!!: tU lUn em Portugal.
Para o vevestimento das paredes laterais encomendaram-se os azulejos que
se autenticam com a assinatura de Francisco de Matos e . ~.a data de 1584. Primiti-
vamente o paramento certtmico revestia igualmente as duas paredes , fronteiras uma
á outra 1 desde o. pavimento até á sanca numa altura de azulejos. No princípio do
século XVIII, ao reformar-se o retábulo , foi colocado um grabde quadro com sua
moldura de talha, na parede do lado do evangelho 1para o que se removeu a parte su -
perior do revestimento de azulejos.
Da--saparecidas com o Terramoto de 1755 as muitas igrejas e conventos onde
sabemos terem existido decorações azulejares de muita importância, tais como
as do claustro do convento de S. Francisco, as do claustro e portaria da Graça , as
do Convento da Trindade ou as da Casa do Despacho da Ordem Terceir a do Carmo,
pode considerar#-se milagroso o ter escapado São Roque a tão espanto ffi cat~strofe .,.
..,. ~JI..o r frr ; ~ s iJ~
Os azulejos da capela desta igreja são os 1Íni eos qlie'v:fíOs testemunham o que iBà.
"""""' .....u:;~ ,;.....'c.&J 4.n <1-.o
a produção portuguesa de azulejo artístico em Lisboa, -G~tr:a:meníL!t&àa: século XVI.
O problmrna dos azulejos de São Roque foi,- e é ainda;-. quiç~ o mais importante
e intrincado da história do azulejo em Portugal. Sobre ele se têm pronunciado todos
os ceramógrafos, cada um procurando entender a sua linguagem , aventando hipóte-
~rAA<Áo ~
SeSYqUanto á personalidade artística do misterioso Francisco de Matos . ~. quanto à
excepcional qualidade técnica de que são prova. O cronograma - 1584 - assegura a
época da sua laboração mas não é suficiente para a colocar no "tempo técnico "por-
tuguês. Na verdade, a obra aparece -nos singularmente isolada nos processos que
""
por esta época se utilizavam na cerâmica lisboeta: 4ão apenas a segurança e cor-
recção do desenho , já de si notáveis , mas sobretudo a qualidade cerâmica do colo-
I) ' I

rido , dominado pelo amarelo f}álido do fundc .J e pelas dosagens em meia tintas dos
azuis e dos roxos de · ~manganés . Igualmente singulariza esta obra a sábia composi-
ção ornamental perfeitamente equilibrada com o conjunto arquitectónico, pressupon-
do da parte do artista o mais requintado gosto e perfeito conhecimento das tendências
estéticas da época.
A verdade é que tal qualidade técnica e artística nos aparecem tão isoladas no
conjunto da cerâmica decorativa portuguesa)como, d€-eeFto-ffi.eàe, sHn': , podemos
dizer, na cerâmica decorativa de qualquer país nesta mesma época. Ao tentarmos
encontrar a génese de tal obra, procedemos por exclusão de partes, compa r ando-a
com o que se produzia na Europa d~ntão, r re levados a afastar uma a uma as
várias hipóteses de comunhão com outros centros cerâmicos. Nem em Talavera de
la Reina nem em SevilhaTmuitos menos em Valência-Se nos depara produção equiva-
lente em qualidade. Qualquer daqueles centros , ainda que dando provas de v italidade ,
estava em face decadente. Fora de Espanha seria impossível encontrar um centro
produtor capaz de tal obra: a Itália é então dominada pela cerâmica veneziana e li-
gura , interessada principalmente na imitação das porcelanas or ientais; de Flandres
haviam dese ; tado os Últimos ceramistas da maj6Üca e, para nenhim dos países on-
de se dirigiram, levaram até tão tarde , as excelênciast técnicas que observamos e m
S." Roque. Em França , - em Ruão, Lille ou Lyon - os ceramistas recozem uma cerâ-
mica tornada tradicional: Na ~""v;• Holanda a arte do azulejo atrofia -se na repetição
de modelos seriados, d e _c_,-o f o p_,._.ji a..< ·
Francisco de Matos, de cuja nacionalidade por tuguesa nunca ninguém duvidou ,
aparece-nos assim como um caso isolado. Já Reynaldo dos Santos estab e l e c e ra um
paralelo problemático com o "Nuno Gonçalves" dos paineis de São Vicente de Fora
e , em ambos os casos , temos uma obra "isolada" , sem nada que a explique antes
nem mesmo imediatamente depois .••
A hipótese de uma ligação entre Francisco de Matos e Marçal de Matos pode
servir como esperança para uma e x plicação, mas, assim mesmo , aceitando Marçal
o
de Matos como pintor• .responsável pelos melhores azulejos da Bacalhoa ,( eventual-
mente também pelo grande painel da Senhora da Vida) e sqündo-o avô de Francisco
de Matos; a diferença de qualidade entre todas estas obras é tão grande que se torna
~j.;_ c..Ve
~ossive1 ide ntificá-las;como resultado ime diato e lógico de uma evolução4/tú . . ...e.
Pre valece portanto o problema dos azulejos de S . Roque como uma incóghita.
- ,fl.c-,
Ac e itemo~ oe !MW:la~ , tal como eles nos são oferecidos, o que se nos afigura se r,
de facto1 o mais importante.
O pintor distribuiu piela parede a decorar uma ornamentação de folhag e ns se-
guindo a sintaxe ornamental flamenga. Urnas alongadas , máscaras femininas, rama-
gens desenvolvendo-se em largas curvas , cachos de frutas característic~ts , tudo con-
duzindo a um motivo central constituido por medalhão eliptíco dentro do qual se pin-
n-

tou a figuração de um passo do agiológio de S, Roque: a cura do enfermo por apo-


sição dos dedos do taumaturgo. ( )
1
( )Esta cena é exactamente a mesma que vemos numa tela , hoje guardada na sa-
cristia da igreja de São Roque. Para esta semelhança - diremos igualdade -
chamou a atenção o Padre J , àa Costa Lima, num esclarecedor artigo publica-
do na revista "Bratéria' ' .

Neste medalhão se reconhece o virtuosismo técnico do pintor que parece não


ter dificuldades em utilizar uma paleta extraordiamente rica não só no coloridos co-
mo nas dosagens das meias tintas. As carnações são de grande suavidade , como se
se tratasse de pintura a fresco. Os panejamentos desdobram-se naturalmente em
gradações~de ocres, de roxos e de verdes e , se é certo que tal técnica já era paten-
"""' ,.. r«-<~ .h .
te na azulejaria da Bacalhoa, E. Quinta das Torres ou.._ Senhora da Vida , ela apa-
rece aqui levada a um expoente de<Sconhecido a-aquelas.
Mas é sobretudo notável o sentido de monumentalidade que Francisco de Matos
sobe dar á sua obra , enchendo toda a parede livre com ornatos que se casam com
os vãos arquitectónicos. Estava dado o primeiro grande passo para a independência
e caracterização do que viria a ser a azulejaria portuguesa dos séculos XVII e XVIII~

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