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Introdução

à Álgebra
Abstrata
Prof. Me. Rivaldo do
Nascimento Júnior

Terça: 18:50 às 20:30.


Quarta: 20:40 às 22:20.
ÁLGEBRA NA HISTÓRIA*
Por muito tempo a palavra álgebra designava aquela parte da
matemática que se ocupava de estudar as operações entre números e,
principalmente, da resolução de equações. Nesse sentido, pode-se dizer que
esta ciência é tão antiga quanto a própria humanidade.
Desde os seus primórdios, a álgebra se preocupou sempre com a procura
de métodos gerais e rigorosos.
No século XIX o conceito de operação foi largamente ampliado. Alguns
autores da época não mais se restringiam a estudar as operações clássicas
entre números, mas deram ao termo um significado bem mais amplo e
estudaram operações entre elementos, sem se preocupar com a natureza
destes, interessando-se apenas com as propriedades que estas operações
verificam.
A passagem da álgebra clássica para a assim chamada álgebra abstrata
foi um processo sumamente interessante. Represente não somente um progresso
quanto aos conteúdos técnico-científicos da disciplina como amplia
consideravelmente o seu campo de aplicação e , o que é mais importante,
implica – num certo sentido – uma mudança na própria concepção do que a
matemática é, da compreensão de sua condição de ciência independente e
da evolução dos métodos de trabalho.
J. Dieudonné disse, em [1, Capítulo III] que “... Em matemática, os grandes
progressos estiveram sempre ligados a progressos na capacidade de elevar-se
um pouco mais no campo da abstração”.

(*) Texto adaptado da obra “Breve História da Álgebra Abstrata”, escrito por
César Polcino Milies, IME/USP.
EVARISTE GALOIS
Durante a madrugada inteira de 30 de maio de 1832, o
matemático francês Evariste Galois escreveu, escreveu e escreveu.
Nas margens do caderno, como símbolo de seu desespero, anotou:
“Não tenho tempo, não tenho tempo”. Ele sabia que estaria morto
antes de o Sol nascer, provavelmente com um tiro na testa. Tinha
apenas 20 anos, mas muita coisa a dizer. Especialmente sobre os
números que vinha rabiscando de maneira confusa desde os 16.

Doze anos depois, os rascunhos – e as anotações insanas


daquela noite – foram finalmente examinados. O rapazote Galois
era um gênio! Sua complexa teoria de grupos abria todo um novo
campo para a álgebra. Algo que no século seguinte seria
fundamental para o desenvolvimento dos computadores, por
exemplo.
Em março de 1832, Galois deu seu último passo torto. Apaixonou-se pela filha de
um médico, Stéphanie-Félicie du Motel, que não correspondia ao seu sentimento –
e tinha outro pretendente bom de gatilho.
Poucos detalhes sobraram dessa tragédia francesa. O próprio Galois tentou
fazer parecer que se tratou de um conluio político para eliminá-lo. Mas também deu
a entender que a discussão com o desafiante para um duelo pode ter girado em
torno de Stéphanie. Em seus rabiscos aflitos, Evariste a chamava de prostituta e
deplora a trágica estupidez de ter se envolvido num combate de vida ou morte.
O que se sabe é que na manhã daquela quarta-feira, 30 de maio de 1832,
Galois foi defender sua honra. Escolheu uma das pistolas, deu 25 passos, virou-se e ...
Tomou o esperado balaço. Agonizou no hospital até o dia seguinte e morreu sem
saber que, deixando um legado de apenas 60 páginas de garranchos, viria a ser
considerado não só um dos mais criativos pensadores que a ciência já teve, mas
uma das pedras fundamentais na evolução da Matemática.
RELAÇÕES

Definição: Sejam A e B conjuntos não vazios. Definimos o produto cartesiano


de A por B ao conjunto denotado por A x B (lê-se A cartesiano B) e formado
por todos os pares (x,y), tais que x  A e y  B.

Exemplo: Considere os conjuntos A = {a,d,e} e B = {x,y}. O produto cartesiano


de A por B é o seguinte conjunto: A x B = {(a,x),(a,y),(d,x),(d,y),(e,x),(e,y)}

Obs: Sendo (x,y) e (z,w) dois elementos do produto cartesiano de A por B, é


natural que (x,y) = (z,w) se, e somente se, x = z e y = w.

Simbolicamente, A x B = {(x,y); x  A e y  B}

Sendo A x B o produto cartesiano de A por B e R um subconjunto de A x B,


dizemos que A é o conjunto de partida e que B é o conjunto de chegada da
relação R.
É comum em matemática, lidarmos com relações entre elementos de um
mesmo conjunto A ou entre elementos de conjuntos distintos A e B.

Por exemplo, se A representa os membros de uma família, então são


relações entre os elementos de A:
i. “a é irmão de b”;
ii. “a é pai de b”.

Exemplo: Sendo A = B = ℝ. São relações entre os elementos de ℝ:


i. “x = y”;
ii. “x ≠ y”;
iii. “x ≤ y” (x é menor do quê ou igual a);
iv. “𝑥 2 + 𝑥 − 6 = 0”.
Sendo assim, é natural a ideia de quê uma relação R é constituída por:
1. Um conjunto de partida A;
2. Um conjunto de chegada B;
3. Uma sentença aberta p(x,y) na qual x é uma variável em A e y uma variável
em B, de modo que para todo par (a,b)  A x B, a proposição p(a,b) é
verdadeira ou falsa.

Quando p(a,b) é verdadeira, diremos que “a está relacionado com b,


segundo R”, e escrevemos:
aRb
Caso contrário, diremos que “a não está relacionado com b, segundo R”, e
escrevemos:
aRb
Definição: Chamamos de Relação Binária de A em B a qualquer subconjunto R
de A x B. Sendo assim,
R é uma relação binária de A em B se, e somente se R  A x B.

Exemplo: Sendo A = {1,5,7} e B = {2,3}, temos que R = {(1,2),(5,2),(7,2)} é uma


relação binária de A em B.

Exemplo: Se A = {0,1,2,3} e B = {4,5,6}, então:


A x B = {(0,4), (0,5), (0,6), (1,4), (1,5), (1,6), (2,4), (2,5), (2,6), (3,4), (3,5), (3,6)}.
Qualquer subconjunto de A x B é uma relação de A em B. Por exemplo:
𝑅1 = ∅ , 𝑅2 = { 0,4 , 0,5 , 0,6 } , 𝑅3 = { 0,4 , 1,4 , 1,5 , 2,6 } , 𝑅4 = { 2,5 , 3,6 }

Exemplo: Sendo A = B = ℝ, temos que A x B é o conjunto formado por todos os


pares ordenados de números reais, também chamado de plano cartesiano e
representado por ℝ x ℝ = ℝ2 . Um exemplo de relação de ℝ em ℝ é:
R = {(x,y)  ℝ x ℝ; x ≥ 0 e y ≥ 0}
Sendo R uma relação de A em B, definimos:

Definição: Chama-se domínio da relação R o subconjunto de A, formado pelos


elementos x, para os quais existe algum y em B tal que x R y.
D(R) = {x  A;  y  B : x R y}
Definição: Chama-se imagem da relação R o subconjunto de B, formado pelos
elementos y, para os quais existe algum x em A tal que x R y.
Im(R) = {y  B;  x  A : x R y}

Podemos representar uma relação através de um gráfico cartesiano ou por


um esquema de flechas.

Definição: Seja R uma relação de A em B. Definimos a relação inversa de R, e


denotamos por 𝑅−1 , a seguinte relação de B em A:
𝑅 −1 = {(y,x)  B x A; (x,y)  R}.
Definição: Quando A = B e R é uma relação de A em B, diz-se que R é uma
relação sobre A ou, ainda, R é uma relação em A.

As relações sobre A vão merecer maior atenção. No que segue, veremos


algumas propriedades que as relações sobre A podem apresentar. Por fim,
vamos estudar um tipo de relação que é de fundamental importância, a
saber: As relações de equivalência.

Segue abaixo as principais propriedades que uma relação R sobre A


pode verificar:

Definição: Dizemos que R é reflexiva quando todo elemento de A se


relaciona consigo mesmo. Isto é, quando para todo x  A, vale x R x.
Definição: Dizemos que R é simétrica se vale y R x sempre que x R y. Isto é, se x R y,
então y R x.

Definição: Dizemos que R é transitiva se vale x R z sempre que vale x R y e y R z.


Isto é, se x R y e y R z, então x R z.

Definição: Dizemos que R é anti-simétrica se x = y, sempre que x R y e y R x. Isto é,


se x R y e y R x, então x = y.

Exemplo: Seja R a relação em A = {1, 2, 3, 4, 5} tal que x R y se, e somente se, x – y


é múltiplo de 2.
a) Quais são os elementos de R?
b) Faça o diagrama de flechas para R.
c) R é reflexiva? R é simétrica? R é transitiva? R é anti-simétrica?
Solução:

a) Os elementos do produto cartesiano de A por A são:


A x A = { (1,1), (1,2), (1,3), (1,4), (1,5), (2,1), (2,2), (2,3), (2,4), (2,5), (3,1), (3,2), (3,3),
(3,4), (3,5), (4,1), (4,2), (4,3), (4,4), (4,5), (5,1), (5,2), (5,3), (5,4), (5,5) }
Os elementos da Relação R são:
R = { (1,1), (1,3), (1,5), (2,2), (2,4), (3,1), (3,3), (3,5), (4,2), (4,4), (5,1), (5,3), (5,5) }

b) Observe o diagrama: c) R é reflexiva; R é simétrica; R é


transitiva; R não é anti-simétrica.

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Exemplo: O Conjunto A = { a, b, c, d, e } é formado pelos cinco filhos de um
mesmo casal. Seja R a relação sobre A assim definida:
x R y se, e somente se, x é irmão de y.
Que propriedades R apresenta?

Solução:
Elementos da relação:
R = { (a,b), (a,c), (a,d), (a,e), (b,a), (b,c), (b,d), (b,e), (c,a), (c,b), (c,d), (c,e),
(d,a), (d,b), (d,c), (d,e), (e,a), (e,b), (e,c), (e,d) }

R é apenas simétrica.

Exemplo: Esboce o gráfico cartesiano das seguintes relações sobre ℝ.


𝑅1 = 𝜘, 𝑦 ; 𝑥 2 + 𝑦 2 ≤ 4 e 𝑅2 = 𝑥, 𝑦 ; 𝑥 2 + 4𝑦 2 ≤ 4
Definição: Sejam A um conjunto não vazio e R uma relação sobre A. Dizemos
que R é uma relação de equivalência sobre A se, e somente se, R é reflexiva,
simétrica e transitiva. Em outras palavras, R deve cumprir as seguintes
propriedades:
i. Se x  A, então x R x;
ii. Se x, y  A e x R y, então y R x;
iii. Se x, y, z  A e x R y e y R z, então x R z.

Exemplo: A relação R = { (a,a), (b,b), (c,c), (a,b), (b,a) } é uma relação de


equivalência sobre A = { a, b, c }.

Exemplo: A relação de igualdade sobre ℝ é de equivalência, pois:


1. x = x,  x  ℝ.
2. Se x = y, então y = x,  x, y  ℝ.
3. Se x = y e y = z, então x = z,  x, y, z  ℝ.
Definição: Seja 𝑅 uma relação de equivalência sobre 𝐴. Dado 𝑎𝐴, definimos
classe de equivalência determinada por 𝑎, módulo 𝑅, o subconjunto 𝑎ത de 𝐴,
formado pelos elementos 𝑥𝐴 tais que 𝑥 𝑅 𝑎. Simbolicamente, temos:
𝑎ത = { 𝑥 ∈ 𝐴 ; 𝑥 𝑅 𝑎}.

Definição: O conjunto das classes de equivalência módulo 𝑅 será indicado por


𝐴Τ𝑅 e chamado conjunto-quociente de 𝐴 por 𝑅.

Exemplo: Seja 𝐴 = { 𝑥 ∈ ℤ ; −5 ≤ 𝑥 ≤ 5 } e seja 𝑅 a relação sobre 𝐴 definida por


𝑥 𝑅 𝑦 se, e somente se 𝑥 2 + 2𝑥 = 𝑦 2 + 2𝑦
a) Mostre que 𝑅 é uma relação de equivalência.
b) Descreva as classes de equivalência 0,
ത −2 e 4ത .
Solução:
a)
i. Qualquer que seja 𝑥 ℤ, temos que 𝑥 𝑅 𝑥, pois 𝑥 2 + 2𝑥 = 𝑥 2 + 2𝑥.

ii. Se 𝑥 𝑅 𝑦, então 𝑥 2 + 2𝑥 = 𝑦 2 + 2𝑦. Daí, pela simetria da igualdade, temos: 𝑦 2 +


2𝑦 = 𝑥 2 + 2𝑥. Logo, 𝑦 𝑅 𝑥.

iii. Se 𝑥 𝑅 𝑦 e 𝑦 𝑅 𝑧 , então 𝑥 2 + 2𝑥 = 𝑦 2 + 2𝑦 e 𝑦 2 + 2𝑦 = 𝑧 2 + 2𝑧 . Daí, pela


transitividade da igualdade, temos 𝑥 2 + 2𝑥 = 𝑧 2 + 2𝑧. Dessa forma, 𝑥 𝑅 𝑧.
Portanto, 𝑅 é uma relação de equivalência.
b)
Note que 𝐴 = { −5, −4, −3, −2, −1, 0, 1, 2, 3, 4, 5 }
Supondo 𝑥 ≠ 𝑦, temos:
𝑥 2 + 2𝑥 = 𝑦 2 + 2𝑦 ⇔ 𝑥 2 − 𝑦 2 = 2𝑦 − 2𝑥 ⇔ 𝑥 + 𝑦 𝑥 − 𝑦 = −2 𝑥 − 𝑦 ⇔ 𝑥 + 𝑦 = −2

0ത = { 0, −2 }; −2 = { −2, 0 }; 4ത = { 4, −6 }.
CONGRUÊNCIAS

A noção de Congruência foi introduzida pelo matemático Alemão Karl


Friedrich Gauss (1777-1855) em sua obra Disquisitiones arithmeticae (1801).
Como motivação para o conceito a ser apresentado em seguida,
analisemos o problema: Se hoje é quarta-feira, que dia da semana será daqui a
2436 dias?

Definição: Sejam a, b números inteiros quaisquer e m um inteiro estritamente


positivo. Diz-se que a é côngruo a b, módulo m, se m | (a – b), ou seja, se a – b =
mq, para um conveniente inteiro q.
Para indicar que a é côngruo a b, módulo m, utilizaremos a seguinte
notação:
a  b (mod m)
A relação definida anteriormente sobre o conjunto ℤ chama-se congruência
módulo m. No problema de motivação, quaisquer dois elementos de uma
mesma coluna são côngruos módulo 7.
Para indicar que a – b não é divisível por m, ou seja, que a não é côngruo a
b módulo m, escreve-se
a  b (mod m)

PROPRIEDADES BÁSICAS DA CONGRUÊNCIA DE NÚMEROS INTEIROS

i. a  a (mod m) (reflexiva)
ii. Se a  b (mod m), então b  a (mod m) (simétrica)
iii. Se a  b (mod m) e b  c (mod m), então a  c (mod m) (transitiva)
iv. Se a  b (mod m) e 0 ≤ b ≤ m, então b é o resto da divisão euclidiana de a
por m. Reciprocamente, se r é o resto da divisão de a por m, então a  r
(mod m)
v. a  b (mod m) se, e somente se, a e b dão o mesmo resto na divisão
euclidiana por m.
vi. a  b (mod m) se, e somente se, a ± c  b ± c (mod m)
vii. a  b (mod m) e c  d (mod m), então a + c  b + d (mod m)
viii. Se a  b (mod m), então ac  bc (mod m)
ix. Se a  b (mod m) e c  d (mod m), então ac  bd (mod m)
x. Se ca  cb (mod m) e mdc(c,m) = d > 0, então a  b (mod m/d)

A relação de congruência em ℤ é uma relação de equivalência.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

[1] E. W. Beth, G. Choquet, J Dieudonné, C. Gattegno, A. Lichenrowicz e G.


Piaget, L’Enseignement des Mathématiques, Delacheaux & Niestlé, Paris.
[2] Gelson Iezzi e Hygino H. Domingues. Álgebra Moderna. 4ª ed. São Paulo:
Atual, 2003.

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