Você está na página 1de 37

Artigo

Química de Produtos Naturais: Plantas que Testemunham


Histórias
Almeida, M. R.;* Martinez, S. T.;* Pinto, A. C.†
Rev. Virtual Quim., 2017, 9 (3), no prelo. Data de publicação na Web: 22 de junho de 2017
http://rvq.sbq.org.br

Chemistry of Natural Products: Plants that Witness Histories


Abstract: The botanical description of plants, classification and use of some of them as
medicine to treat typical diseases of Brazilian regions may be accompanied by reports
described in historical records and botanical expeditions of adventurers and research
of physicians and pharmacists. These were primarily responsible for discoveries that
are still remembered and rethought for the development of potential drugs from these
plants. This work presents a list of plants and their applications and uses by different
people with the evolution of history.
Keywords: Dyes; Pau-brasil; Cinnamomum; Quinine; Pereirine; Hallucinogens.

Resumo
A descrição botânica das plantas, a classificação e o emprego de algumas delas como
medicamento no tratamento de doenças típicas de regiões brasileiras pode ser
acompanhado por relatos descritos em registros históricos de expedições de
aventureiros e botânicos e nas pesquisas de médicos e farmacêuticos. Estes foram os
principais responsáveis por descobertas que ainda hoje são relembradas e repensadas
para o desenvolvimento de potenciais fármacos a partir destas plantas. Este trabalho
pretende apresentar a relação das plantas e suas aplicações e usos por diferentes
povos com a evolução da história.
Palavras-chave: Corantes; Pau-brasil; Cinnamomum; Quinina; Pereirina; Alucinogenos.

* Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Tecnologia, CEP 27537-000,


Resende-RJ, Brasil.
almeida.marciarosa@gmail.com
Universidade Federal Fluminense, CEP 24020-141, Niterói-RJ, Brasil.
sabrinatmartinez@yahoo.com.br
DOI:

Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |no prelo| 000


Volume 9, Número 3 Maio-Junho 2017

Revista Virtual de Química


ISSN 1984-6835

Química de Produtos Naturais: Plantas que Testemunham


Histórias
Márcia R. Almeida,a,* Sabrina T. Martinez,b,* Angelo C. Pintoc,†
a
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Tecnologia, CEP 27537-000, Resende-
RJ, Brasil.
b
Universidade Federal Fluminense, CEP 24020-141, Niterói-RJ, Brasil.
c
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Química, CEP 21941-909, Rio de Janeiro-
RJ, Brasil.
†I e oria
* almeida.marciarosa@gmail.com; sabrinatmartinez@yahoo.com.br

Recebido em 29 de dezembro de 2016. Aceito para publicação em 22 de junho de 2017

1. Introdução
1.1. O descobrimento do Brasil ou segundo alguns historiadores latino-americanos o
Encontro
2. Corantes naturais e culturas indígenas
3. O pau-brasil e um pouco da história brasileira
4. O país da canela, Francisco Orellana, Francisco Pizarro, Gonçalo Pizarro e a
química de produtos naturais brasileira
5. Quinina e o pó dos jesuítas
6. Pau-pereira: O sucedâneo da quina
7. Plantas brasileiras: Um relicário de sabedoria para o corpo e para a alma
8. Conclusão

1. Introdução É possível imaginar um mundo sem cor?


Essa era a frase do professor Angelo ao iniciar
sua aula sobre a síntese de corantes no
Esse artigo foi idealizado pelo professor Laboratório de Química Orgânica no Instituto
Angelo da Cunha Pinto especialmente para a de Química da Universidade Federal do Rio
RVq com intuito de divulgar e disponibilizar de Janeiro. E, em seguida, uma abordagem
uma leitura para os jovens pesquisadores e histórica fascinante sobre a descoberta e
apreciadores da Química de Produtos utilização de corantes por diferentes
Naturais. civilizações. Sua preocupação em
contextualizar e resgatar as origens históricas

000 Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |XXX|


Almeida, M. R. et al.

são destacadas neste artigo e também seu


legado no perfil e formação de seus alunos
que se interessam e escrevem sobre o 2. Corantes naturais e culturas
assunto. indígenas
As histórias, aqui apresentadas, divulgam
um pouco da importância da Química de
Produtos Naturais e mostram a trajetória de Tingir os cabelos e pintar o corpo são
trabalho e pesquisa do professor Angelo na manifestações culturais muito antigas,
formação de seus alunos e preocupação na comuns a mulheres e homens, que surgiram
divulgação de conhecimento e informação. muito antes de qualquer forma de escrita. A
pele do corpo foi à primeira "tela" usada
pelos homens de Neanderthal3, antes mesmo
1.1. O descobrimento do Brasil ou, de pintarem as paredes das cavernas onde
segundo alguns historiadores latino- viviam. A pintura do corpo tanto podia ser
americanos, o Encontro. feita nas celebrações de fertilidade como nas
cerimônias fúnebres.4
Nas sociedades indígenas, até hoje, a
Comandando uma armada constituída de pintura corporal tem grande importância e
1500 homens, 1200 destes preparados para a seu significado é muito amplo, podendo ir da
guerra, em 13 naus bem equipadas, o fidalgo simples expressão de beleza e erotismo à
Pedro Álvares Cabral saiu de Lisboa no dia 9 indicação de preparação para a guerra, ou,
de março de 1500 e tinha como destino as até mesmo, como uma das formas de aplacar
Índias. No dia 22 de abril de 1500, aos olhos a ira dos demônios. Além de protegerem o
dos navegantes descortinou-se o relevo da corpo dos raios solares e das picadas de
costa. À elevação principal foi dado o nome insetos, a ornamentação corporal é como se
de Monte Pascoal por ser época da páscoa. fosse uma segunda pele" do indivíduo: a
No dia 26 de abril (domingo) armou-se em social em substituição à biológica. O padrão
Coroa Vermelha um altar, em que foi rezado da pintura e sua localização no corpo revelam
a 1ª missa, repetida em terra firme, no dia 1º o "status" de seu detentor naquela sociedade
de maio. (Figura 1).5
Da frota que participou da descoberta do A pintura corporal dos índios brasileiros
Brasil, seis naus chegaram às Índias, cinco logo chamou a atenção do colonizador
perderam-se no caminho e, outra, a de Vasco português. Pero Vaz de Caminha6, o escrivão
de Ataíde, propositadamente, ao que tudo da frota de Cabral, em sua famosa carta ao
indica, na altura das Ilhas Canárias mudou de rei D. Manoel I, já falava de uns pequenos
rota.1 A que havia transportado os ouriços7 que os índios traziam nas mãos e da
mantimentos da esquadra regressou à Lisboa nudeza colorida das índias. Traziam alguns
para dar a notícia da descoberta a El-rei D. deles ouriços verdes, de árvores, que na cor,
Manoel. quase queriam parecer de castanheiros;
Os portugueses encontraram na nova apenas que eram mais e mais pequenos. E os
terra homens que não faziam uso da escrita, mesmos eram cheios de grãos vermelhos,
mas que eram portadores de saberes sobre pequenos, que, esmagados entre os dedos,
as plantas nativas. Os indígenas, como foram faziam tintura muito vermelha, da que eles
chamados, relacionavam as plantas às suas andavam tintos; e quando se mais molhavam
utilizações e faziam uso de uma mais vermelhos ficavam .
nomenclatura toda especial para nomeá-las.2

Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |no prelo| 000


Almeida, M. R. et al.

Figura 1. Índios pintados com desenhos em formas geométricas

"Uma daquelas moças estava toda tinta, frutos da bixácea – Bixa orellana – conhecida
debaixo acima, daquela tintura, a qual, na como urucum, palavra de origem tupi que
verdade, era tão bem feita e tão redonda, e significa vermelho. A tintura dos indígenas
sua vergonha, que ela não tinha, tão era feita com as sementes do fruto desta
graciosa, que a muitas mulheres de nossa planta, cujo principal corante é o nor-
terra, vendo lhes tais feições, faria vergonha, carotenoide bixina (Figura 2), o primeiro cis-
por não terem a sua como ela". polieno a ser reconhecido na natureza.9 O
nome botânico do urucum foi dado em
Trecho da carta de Pero Vaz de Caminha
homenagem a Francisco Orellana,10 lugar-
ao rei D. Manoel I.8
tenente de Francisco Pizarro,11 o primeiro
homem branco a navegar no rio Amazonas.
Esses ouriços nada mais eram do que os

HO2C

COOCH3
Figura 2. Estrutura química da bixina

As cerca de 200 sociedades indígenas Xikrin12 (Figura 3), um subgrupo Kayapó, as


brasileiras, com suas mais de 170 línguas e mulheres pintam-se, umas às outras e as
dialetos, têm na pintura corporal uma de filhas, com mistura de seiva de jenipapo,
suas formas mais características de carvão e água. Às crianças de 10 e 12 anos é
expressão, individual e coletiva. Na tribo permitido pintar às menores. As índias Xikrin
000 Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |XXX|
Almeida, M. R. et al.

gastam horas pintando os filhos com enfeitadas com adornos, indicação de que
desenhos de animais e de formas estão preparadas para o casamento. Os
geométricas. Para elas, o ato de pintar é uma índios do Alto Xingú14 pintam a pele do corpo
demonstração de carinho e interesse. Entre com desenhos de animais, pássaros e peixes.
as Nambiquaras,13 nas comemorações da Estes desenhos, além de servirem para
Festa da Moça, quando as meninas atingem a identificar o grupo social ao qual pertencem,
puberdade, nos momentos que antecedem o são uma maneira de uni-los aos espíritos, aos
fim do período de reclusão na casa de palha, quais creditam sua felicidade.5
as moças são pintadas com urucum e

Figura 3. Índios da tribo Xikrin

A tinta usada por esses índios é preparada confecção de máscaras faciais. Pinturas com
com sementes de urucum (Figura 4), que se urucum são feitas pelos indígenas, desde
colhe nos meses de maio e junho. As tempos muito remotos, que habitavam do
sementes são raladas, passadas por peneiras México até o Paraguai, incluindo América
finas e fervidas em água para formar uma Central e Antilhas. O urucum é usado
pasta. Com esta pasta são feitas bolas que também para colorir manteiga, margarina,
são envolvidas em folhas e guardadas queijos, doces e pescado defumado, e o seu
durante todo o ano para as cerimônias de corante principal – a bixina – em óleos de
tatuagem. A tinta extraída do urucum bronzeamento para a pele e absorção dos
também é usada para tingir os cabelos e na raios ultravioletas.15

Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |no prelo| 000


Almeida, M. R. et al.

Figura 4. Fotos das sementes de urucum

O outro corante muito usado pelos do jenipapo:


indígenas é obtido da seiva do fruto do
jenipapo. As tatuagens de cores pretas
usadas pelos índios que tanto "Numa árvore que os selvagens chamam
impressionaram os colonizadores, feitas com de jenipapo ivá, cresce uma fruta que tem
esta rubiácea, cujo nome botânico é Genipa certa semelhança com a maçã. Os selvagens
americana devem-se ao iridoide conhecido mascam essa fruta e espremem o suco dentro
como genipina. Do fruto maduro e fresco de um vaso. Com ele é que se pintam.
dessa rubiácea foi isolado a genipina (Figura Quando esfregam o suco sobre a pele, no
5) em aproximadamente 1% de rendimento. início parece água. Mas depois de algum
Incolor em si, este iridoide produz cor preta tempo a pele fica tão preta como se fosse
após reagir com as proteínas da pele.16 Hans tinta. Isso perdura até o nono dia. Depois a
Staden,17 o alemão que quase foi cor desaparece, mas não antes desse prazo,
canibalizado pelos índios tupinambás do mesmo quando eles se lavam muitas vezes".18
litoral de São Paulo, assim se refere à árvore

Figura 5. Estrutura química da genipina

Nas sociedades modernas o máscaras de maquiagens das senhoritas


comportamento de mulheres e homens não ocidentais de cabelo acaju, poderia se
é muito diferente do das sociedades perguntar? Esta resposta como para muitas
indígenas. O que haveria por trás das outras perguntas, deve ser procurada no

000 Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |XXX|


Almeida, M. R. et al.

passado. Há pelo menos 3000 anos, as naftoquinona – que reage com a queratina
egípcias tingiam os cabelos e pintavam o dos cabelos (Figura 6).21 Nos países do
rosto. Não são raros os filmes de época Mediterrâneo oriental a hena era usada para
apresentando Cleópatra, a rainha egípcia, pintar as palmas das mãos, as plantas dos
com penteados e cabelos de diferentes pés, as unhas e os lóbulos das orelhas. Sabe-
tonalidades. Preparados à base de hena se que até o profeta Maomé, o fundador do
tornaram famosas as lindas tranças castanho- Islamismo, usava-a para tingir a barba. Do
avermelhadas da rainha egípcia.19 Quando as mesmo modo que a hena, a camomila é
queria em tom dourado, Cleópatra, recorria à muito usada na cosmética. Xampus de
tintura de camomila, como hoje o fazem as camomila podem ser encontrados em
mulheres escandinavas para conservar o drogarias e supermercados em todo o
louro da juventude e manter a beleza dos mundo. São duas as camomilas principais, a
seus cabelos.20 Anthemis nobilis e a Matricaria chamomilla.
Ambas as plantas são da família Asteraceae,
A hena é extraída de Lawsonia inermis L.,
sendo esta última usada na preparação de
uma planta da família Litraceae. Usada desde
xampus. Entre os seus constituintes químicos
o Egito antigo, a hena é o corante natural
principais encontram-se sesquiterpenos
mais usado na cosmética. A substância
derivados do azuleno (Figura 6).22
responsável pelo tom avermelhado dos
cabelos é a lausona – 2-hidroxi-1,4-

Figura 6. Estrutura química da lausona, do azuleno e derivado do azuleno

Nas sociedades modernas, pintar o rosto e rostos e cabelos pintados com as cores de
os cabelos é um ato que cada vez ganha mais seus clubes, num espetáculo de rara beleza.
adeptos, deixando de ser coisa de jovens
A moda surgida espontaneamente é
exóticos. O mercado de cosméticos lança
saudável, mas antes que seus filhos ou você
todos os anos novos corantes de cabelo. Para
pintem os rostos assegure-se se os corantes
se ter uma ideia, em 2011, o setor de higiene
que vão utilizar são permitidos pela legislação
pessoal, perfumaria e cosméticos, no qual
e inofensivos a saúde. 24
estão inseridas as tinturas capilares, faturou
R$ 29,4 bilhões, que corresponde a 1,7% do
PIB brasileiro, segundo a Associação
Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal,
3. O pau-brasil e um pouco da
Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC).23 história brasileira
Esses corantes podem sair com simples
lavagem ou resistirem à água. Na Copa do
A arte da fiação e tecelagem chegou à
Mundo de futebol e em outras competições
Europa vinda da China e da Índia, onde já era
esportivas, as televisões transmitem para
praticada há alguns milênios antes de Cristo.
todo o mundo as imagens de jogadores, e,
Com a arte da tecelagem, começou a se
em alguns casos, até de toda a equipe, com
desenvolver também a tinturaria. Durante o
os cabelos tingidos de cores variadas, e nas
Renascimento, a Europa precisava de
arquibancadas torcedores esfuziantes com

Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |no prelo| 000


Almeida, M. R. et al.

quantidades crescentes de corantes naturais vermelha, que os índios já usavam para


para satisfazer as necessidades de um tingimento de fibras do algodão, que se
comércio local cada vez mais ávido por derivou o nome "Brasil", embora a discussão
roupagens coloridas.25 Sua origem distante e sobre a origem do nome esteja longe do
a preparação artesanal que exigiam, faziam fim.27
com que alguns destes corantes fossem mais
O pau-brasil ocupou o centro da história
valiosos do que o ouro. Foi nessa época que
brasileira durante todo o primeiro século da
os europeus passaram a conhecer o azul de
colonização. Essa árvore, abundante na
índigo, procedente da Índia.26 Com a
época da chegada dos portugueses e hoje
descoberta do Novo Mundo, a Europa viu
quase extinta, é encontrada em jardins
surgir novas fontes de corantes naturais. Foi,
botânicos e em parques nacionais, plantada
pois, de uma árvore conhecida como pau-
vez por outra em cerimônias nacionais.
brasil, de que se extraía uma tintura

Figura 7. Extração do pau-brasil

A disputa pela derrubada desta árvore fez tingimento de tecidos. Este corante foi para
da Mata Atlântica palco de refregas entre os portugueses o que a prata da América do
portugueses e franceses. Caesalpinia Sul e do México foi para os espanhóis.
echinata para os botânicos, nome dado por Conhecido desde o século XI na Europa como
Lamarck, em 1789, em homenagem ao produto do Oriente, pelo nome de bressil na
botânico e médico grego do papa Clemente França e bracili ou brazili na Itália, foi
VIII28, Andrea Cesalpino,29 e Ibirapitanga para introduzido em 1220 na Península Ibérica.30
os índios, que significa árvore ou madeira
Abundante na Mata Atlântica brasileira,
vermelha, a exploração do pau-brasil marca o
foi explorado até sua quase extinção. As
início da destruição da Mata Atlântica (Figura
árvores eram derrubadas e cortadas pelos
7).
índios em toras de aproximadamente 1,5 m
Durante muito tempo, o pau-brasil foi o de comprimento com cerca de 30 Kg cada,
produto local mais precioso para os em troca de quinquilharias. Carregadas para
portugueses que o vendiam na Europa para o as embarcações ou armazenadas em feitorias

000 Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |XXX|


Almeida, M. R. et al.

construídas para esta finalidade, as toras média nas baixadas costeiras, quatro árvores
eram embarcadas para a Europa.31 As que por hectare, cada uma com 50 cm de
chegavam a Lisboa eram levadas para diâmetro, em ponto de cortar, foram varridos
Amsterdã onde eram reduzidas a pó por em 100 anos 6.000 Km2 de Mata Atlântica.32
prisioneiros. Dois homens raspavam em
Muitos químicos importantes se
média 27 Kg de pó por dia de trabalho
debruçaram sobre a matéria corante do
integral. 60 Kg de serragem, o equivalente a 1
lenho do pau-brasil. Um dos pioneiros foi o
quintal custava 2,5 ducados no século XVI.
francês Michel Eugène Chevreul33 (1786-
Cada ducado equivalia a 3,5 g de ouro.
1889), diretor da famosa fábrica de tapetes
Mesmo de qualidade inferior ao pau de tinta
Gobelin, que junto com Gay-Lussac34 e Louis
do Oriente (Caesalpinia sappan L.), o valor do
Nicolas Vauquelin35 fizeram de Paris o centro
pau-brasil era tão alto para o padrão de
da Química do século XVIII. William Henry
comércio da época, que nos primeiros cem
Perkin36 (1838-1907), o químico que acabou
anos de colonização foram derrubadas 2
com o reinado dos corantes naturais
milhões de árvores, isto é cerca de 50 por dia.
desbancando o índigo com a síntese da
Já por volta de 1558, os indígenas tinham de
malveína (Figura 8) e colocando a Inglaterra
se afastar aproximadamente 20 Km da costa
na liderança mundial da produção de
para encontrar a árvore do pau-brasil. Se for
corantes, foi outro que se dedicou ao estudo
imaginado que o pau-brasil era de incidência
do corante do pau-brasil.37

Figura 8: Estruturas de substâncias corantes

Mas, coube a Robert Robinson38, Prêmio responsável pela cor vermelha que provocou
Nobel de Química de 1947, o privilégio de o derramamento de tanto sangue e a
chegar à estrutura química da substância derrubada de milhões de árvores no litoral
responsável pela cor vermelha do pau-brasil. brasileiro.40 Apesar da estrutura da brasilina
Robinson, que foi estudante de Doutorado de ter sido comprovada por Robinson,
Perkin, em Manchester na Inglaterra, Werner41,42 e seu aluno Paul Pfeiffer haviam
investigou esta substância entre 1906 e 1974. proposto a estrutura correta, embora sem
Neste ano, ele publicou o seu último artigo qualquer evidência química bem
sobre a brasilina, nome que deu à substância fundamentada.43 Robinson foi também quem
extraída de C. echinata.39 determinou a estrutura química da
hematoxilina, a substância corante do pau-
Numa época em que não existiam
campeche (Hematoxylon campechianum). O
métodos espectroscópicos, Robinson em sua
trabalho de Robinson sobre a brasilina pode
genialidade definiu passo a passo a estrutura
ser resumido no esquema de síntese
da brasilina e mostrou que o seu produto de
mostrado no esquema 1.44
oxidação, a brasileína, é a substância

Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |no prelo| 000


Almeida, M. R. et al.

H3CO O H3CO O H3CO O


H3CO O H2
O O H4P2O7
O
OCH3 OCH3
OCH3 H3CO OCH3
OCH3

H3CO O AcO O O O
AcO
H H
desmetilação CrO3 / AcOH
H2 H H
acetilação O
OAc
H3CO OCH3 AcO OAc
OAc

AcO O AcO O HO O
OH OH OH
+
Zn / AcOH OH H3O NaBH4
HO

AcO HO HO OH
OAc O
Brasileína Brasilina

Esquema 1. Síntese da brasilina proposta por Robinson

O Brasil deve igualmente ao pau-brasil Mas, ninguém mais do que Tarsila do


uma de suas principais manifestações Amaral48 expressou melhor a Pintura Pau-
artísticas. Oswald de Andrade,45 no que Brasil, redescobrindo com sua arte o passado
denominou Manifesto da Poesia Pau-Brasil, colonial brasileiro (Figura 9). À frente dos
publicado em 18 de março de 1924 no modernistas, Tarsila liderou o movimento
Correio da Manhã do Rio de Janeiro, deu que, em 1928, ficou mundialmente
nova dimensão à arte brasileira, conhecido como Movimento Antropofágico.49
contrastando, sem rejeitar o
Esta nação com a maior biodiversidade do
internacionalismo, o Brasil mulato e tropical
mundo, cujo nome veio de uma árvore, a
com o da indústria moderna.46,47
qual denominou, também, um dos principais
"Temos a base dupla e presente – a manifestos do modernismo brasileiro, foi
floresta e a escola. A raça crédula e dualista e motivo da devastação de um dos mais ricos
a geometria, a álgebra e a química logo ecossistemas do planeta. Para não se deixar
depois da mamadeira e do chá de erva-doce. repetir o que aconteceu no passado, deve-se
Um misto de dorme nenê que o bicho vem fazer cumprir a legislação ambiental, para
pegá e de equações. Uma visão que bata nos que o potencial das florestas brasileiras seja
cilindros dos moinhos, nas turbinas elétricas, explorado racionalmente e, assim, evitar o
nas usinas produtoras, nas questões que ocorreu com a Mata Atlântica.
cambiais, sem perder de vista o Museu
Nacional. Pau-Brasil".46

000 Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |XXX|


Almeida, M. R. et al.

Figura 9. Estrada de ferro Central do Brasil (1924) de Tarsila do Amaral47

4. O país da canela, Francisco irmãos Pizarro devem ter logo imaginado que
poderiam romper o monopólio das
Orellana, Francisco Pizarro, especiarias,53 naquela época sob o domínio
Gonçalo Pizarro e a química de dos portugueses que as traziam das Índias
produtos naturais brasileira Orientais. A canela era a especiaria mais
procurada na Europa e seu comércio era
muito lucrativo. Considerada símbolo da
A história do Novo Mundo esteve sempre sabedoria, a canela havia sido usada na
povoada de lendas e mitos. A ilusão do antiguidade pelos gregos, romanos e hebreus
paraíso, um local onde não havia a sensação para aromatizar o vinho e com fins religiosos
de quente e frio, e a busca da fonte da na Índia e na China.54
juventude, durante muito tempo fez parte do Entre as muitas histórias da canela, conta-
imaginário de muitos dos homens do se que o imperador Nero55 depois de matar
renascimento que se aventuraram ao seu com um pontapé sua esposa Poppea, tomado
encontro por terras distantes e de remorsos ordenou a construção de uma
50
desconhecidas. enorme pira para cremá-la. Nessa pira foi
O "País da Canela", uma terra situada do queimada uma quantidade de canela que
outro lado da muralha dos Andes na selva seria suficiente para o consumo, durante 1
Oriental, foi um dos motivos que reuniu os ano, de toda a cidade de Roma.56
espanhóis Francisco Orellana, na época Conscientes das dificuldades que
governador de Guaiaquil e veterano da encontrariam para vencer terras
guerra do Peru, seu companheiro de armas desconhecidas e hostis para chegar ao País
Gonçalo Pizarro e o irmão deste Dom da Canela, os irmãos Pizarro prepararam uma
Francisco Pizarro, vice-rei do Peru.51,52 poderosa expedição com 5000 homens, entre
Ao ouvirem falar desse país fantástico, índios e espanhóis, 250 cavalos, 4000 lhamas
onde a canela cresceria em profusão, os e 900 cães. Durante todo o mês de fevereiro
Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |no prelo| 000
Almeida, M. R. et al.

de 1541 o exército de Gonçalo Pizarro foi com 80 espanhóis. Após mais dois meses de
deixando a cidade de Quito no Equador rumo sofrimento encontraram algumas árvores de
ao pé dos Andes, e de lá as selvas do Oriente. canela.51,57 Pizarro não sabia que aquelas
Orellana saiu da cidade de Guaiaquil, cidade árvores não eram a do verdadeiro
situada ao nível do mar, com um grupo cinamomo,58 de onde se extrai o aldeído
reduzido de homens para se encontrar com o cinâmico, o constituinte principal do óleo de
exército de Pizarro. Qual não deve ter sido canela e que confere cheiro as suas cascas.59
sua surpresa quando chegou a Quito e não Tratava-se da laurácea Aniba canelilla (Figura
encontrou Gonçalo Pizarro, que já havia 10), um arbusto que cresce em vários pontos
partido em busca do País da Canela. Eles só da região Amazônica. Orellana também não
se encontrariam quase 10 meses depois, sabia que graças à sua incursão rio abaixo,
quando o frio, a fome, as tempestades e os em busca de comida, passaria à história como
ataques dos índios haviam quase dizimado o o primeiro homem branco a descer
exército de seu compatriota. Sem alimentos e navegando o rio Amazonas, e que
com os participantes da expedição já se encontraria uns arbustos com cachos de uma
rebelando, Orellana decidiu descer o grande frutinha peluda chamada pelos índios de
rio a que chamou Rio das Amazonas, com 57 urucum. Em sua homenagem, essa planta da
homens, em busca de comida, e retornar qual os índios brasileiros extraiam o corante
logo que a tivesse encontrado. Gonçalo vermelho, recebeu o nome científico de Bixa
Pizarro apesar da péssima situação de seus orellana.
soldados decidiu avançar a pé, mata adentro,

Figura 10. Foto representativa da espécie Aniba canelilla observado por Orellana em sua
viagem pelo rio Amazonas

Se a incrível história de Pizarro, Orellana e acreditaram que a substância responsável


de muitos outros conquistadores e pelo odor de canela desta Aniba era um ácido
aventureiros vem sendo apagada pela orgânico, devido a sua solubilidade em
borracha do tempo, os químicos de produtos solução aquosa alcalina. Magalhães e
naturais brasileiros se orgulham de Mauro Gottlieb, ainda quando trabalhavam no
Taveira Magalhães e Otto Richard Gottlieb,60 Instituto de Química Agrícola, no Rio de
os responsáveis pela solução do mistério do Janeiro, isolaram e identificaram no óleo
cheiro de canela das cascas de Aniba obtido das cascas desta laurácea o único
canelilla. Durante muitos anos os químicos nitroderivado odorífero que se conhece até
000 Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |XXX|
Almeida, M. R. et al.

hoje. O nitrofeniletano é o responsável pelo cassia) (Figura 12), também chamada de falsa
cheiro de canela das cascas de Aniba canela e conhecida como canela da China,
canelilla. Além do 2-nitrofeniletano, esses têm importância econômica. 62 Esta espécie é
químicos de produtos naturais identificaram uma laurácea arbórea muito cultivada nas
o eugenol e o metileugenol no mesmo óleo.61 províncias do sudoeste da China. As partes
Por ser o componente majoritário, o 2- mais úteis das canelas são o córtex dessecado
nitrofeniletano cristaliza no óleo, o qual é e o óleo. O óleo é obtido das cascas por
obtido por arraste com vapor das cascas da destilação por arraste com vapor e seu valor
árvore (Figura 11). comercial depende da espécie utilizada.63 O
principal constituinte dos óleos de
As canelas são das espécies vegetais mais
Cinnamomum é o aldeído cinâmico, cujo teor
antigas conhecidas pela humanidade. A mais
pode ser superior a 80% no óleo. A principal
conhecida é a Cinnamomum zeylanicum,
diferença entre as essências de canela do
nativa do Ceilão, atual Sri Lanka. A canela foi
Ceilão e da China é o teor de aldeído
uma das especiarias mais valiosas do mundo.
cinâmico, que pode variar de 1,5 a
Na Idade Média, seu valor chegou a ser 15
aproximadamente 10% nas cascas.64
vezes maior que o do ouro. Outras,
entretanto, como a Cassia (Cinnamomum

Figura 11. Estrutura química dos constituintes químicos identificados no óleo das cascas de
Aniba canelilla

Figura 12. Foto representativa da espécie Cinnamomum zeylanicum Ness. conhecida como
canela da China

Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |no prelo| 000


Almeida, M. R. et al.

Os portugueses tiveram, no século XVI, o O uso da papoula, entre os sumérios, data


monopólio do comércio da canela, que de aproximadamente 5.000 a.C. Da papoula,
passou para os holandeses, com a conhecida pelo nome científico de Papaver
Companhia das Índias Orientais, quando somniferum, se extrai o ópio, cujo uso ilícito
esses expulsaram, em 1656, os portugueses foi responsável por uma das guerras da
do Ceilão, e para as mãos dos ingleses, a história da humanidade mais absurda,
partir de 1796, quando estes ocuparam essa travada entre a Inglaterra e a China, e que
ilha.64 ficou conhecida como a guerra do ópio.67 A
propriedade narcótica da morfina foi
Mesmo sem a importância que teve no
demonstrada pelo farmacêutico alemão
passado e não sendo mais motivo de lutas
Friedrich Wilhelm Sertürner (1783-1841).
entre os povos, a canela continua sendo
Considerado o pai da química de alcaloides,
indispensável como tempero na culinária
Setürner isolou a morfina do ópio e a
moderna. Diz-se que a canela proveniente do
experimentou em seu próprio cão. Armand
Sudeste Asiático é superior a todas as outras.
Séquin (1767-1835) havia isolado a morfina
A Cinnamomum zeylanicum cresce bem em
antes de Setürner, entretanto não
solo brasileiro, onde já foi cultivada, tendo
determinou a sua natureza química.68
aqui sido introduzida pelos jesuítas.27
Há muitas definições para alcaloide. A
A canela é mencionada em várias
mais geral é que são substâncias
passagens bíblicas. No Livro dos Provérbios
nitrogenadas, as quais, em muitos casos são
da Sagrada Escritura, atribuído por muitos a
providas de atividades farmacológicas.69 O
Salomão, no versículo "As Seduções da
uso de alcaloides se perde na história do
Adúltera", é feita a seguinte referência à
tempo e atingiu o apogeu na Idade Média na
canela:
forma de venenos e poções mágicas,
Adornei a minha cama com cobertas, utilizados nas práticas de feitiçaria ou para
com colchas bordadas de linho do Egipto. matar inimigos. Não se pode, entretanto,
Perfumei o meu leito com mirra, aloés e deixar de mencionar a importância dos
cinamomo... Vem! Embriaguemo-nos de alcaloides na medicina popular.67
amor até ao amanhecer, Porque o meu
Muitas são as lendas sobre a descoberta e
marido não está em casa; Que o teu coração
o emprego medicinal das cascas da árvore da
não se deixe arrastar pelos caminhos dessa
quina. Uma delas conta que os indígenas
mulher, a sua casa é o caminho para a
começaram a utilizá-la ao observarem
sepultura, que conduz a mansão da morte .65
animais doentes que ficavam curados após
beberem água de uma lagoa, onde haviam
caído cascas da árvore da quina. Já outra
5. Quinina e o pó dos jesuítas lenda, de origem espanhola, apenas troca o
personagem, ao invés de um animal foi um
soldado espanhol que sofrendo de malária no
O isolamento das primeiras substâncias meio da selva, bebeu a água amarronzada de
puras do reino vegetal inicia-se no século XIX. uma pequena lagoa, onde havia cascas da
Este século caracteriza-se pelos trabalhos de quina, notando algum tempo depois que sua
extração, principalmente de ácidos e de febre havia desaparecido. Concluiu que a
bases orgânicas, as quais mais tarde água ingerida era responsável pela cura, e
receberam a denominação de alcaloides, de espalhou a notícia, tornando conhecida,
acordo com as suas características básicas. assim, a poderosa atividade antimalarial da
Data desta época o isolamento dos alcaloides quina.70
morfina (1804), quinina e estriquinina (1820)
(Figura 13).66

000 Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |XXX|


Almeida, M. R. et al.

Figura 13. Alcaloides isolados no século XIX

As propriedades de cura dessa árvore por ser protestante, se recusava a ingerir o


também foram descritas por um jesuíta medicamento católico. Surgiu, então, um
chamado Padre Antonio de La Calaucha, em medicamento protestante feito por Robert
1633, na crônica de Santo Agostinho: Talbot, boticário e médico de Londres, para
curar o rei. O rei Carlos II ficou curado e
condecorou Talbot cavaleiro e médico real.
Uma árvore cresce, que eles chamam de Anos mais tarde, foi descoberto que o
árvore da febre, na região de Loxa, cuja casca medicamento protestante era apenas uma
tem cor de canela. Quando transformada em formulação diferente do pó dos jesuítas.
pó, juntando-se uma quantidade equivalente Talbot também curou o filho de Luis XIV da
ao peso de duas moedas de prata, e oferecida França. O comércio desse medicamento
ao paciente como bebida, ela cura febre e... deixou Talbot rico, mas relatos indicam que
tem curado miraculosamente em Lima 71 seu verdadeiro objetivo era salvar vidas de
pessoas que por questões religiosas não
consumiriam o pó das cascas da quina
Entre 1620 e 1630, os jesuítas preparado pelos jesuítas.72
aprenderam sobre o poder de cura das cascas
da Cinchona com os indígenas das florestas As cascas da quina foram empregadas, ao
da cordilheira dos Andes, pois passavam longo dos três séculos seguintes, no
muito tempo entre esses povos tentando tratamento da malária, e ainda, contra a
catequizá-los. indigestão, perda de cabelo, câncer e muitas
doenças (Figura 14).72
Outros jesuítas no Peru começaram a
utilizar a casca da árvore para prevenir e Em 1638, Francisca Henrique de Rivera, a
tratar malária. Em 1645, o padre Bartolomeu condessa de Chinchón, esposa do vice-rei do
Tafur levou algumas cascas para Roma, onde Peru no período de 1629 a 1639, adoeceu
seu uso espalhou-se entre os clérigos. O devido a febres fortes. Para a cura, recebeu
primeiro conclave papal que não registrou dos indígenas uma poção que consistia em
nenhuma morte causada pela malária foi em um pó branco obtido da árvore chamada
1655, após a chegada das milagrosas cascas a quina-quina . A febre da condessa
Roma. Assim, os jesuítas começaram o desapareceu com o tratamento contínuo. A
comércio lucrativo de um pó feito com as doença que acometeu a condessa foi a
raízes das espécies do gênero Cinchona por malária, cuja palavra tem origem italiana
toda a Europa, fato não apreciado pela mala aria , que significa mau ar .72
protestante Inglaterra. O medicamento Acreditava-se que essa doença era
eclesiástico ficou conhecido como o pó dos transmitida pelo ar contaminado proveniente
jesuítas .71,72 de pântanos e esgotos. Contudo, o
esclarecimento veio em 1880, com a
Em 1654, a casca peruana foi introduzida observação do médico francês Charles Louis
na Inglaterra. E em 1679, o rei da Inglaterra Alphonse Laveran, que mostrou que a
Carlos II foi acometido por uma febre forte, e malária era transmitida por protozoários do
Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |no prelo| 000
Almeida, M. R. et al.

gênero Plasmodium falciparum, através da descoberta foi realizada durante uma


picada das fêmeas de mosquitos do gênero exploração as florestas da América do Sul e
Anopheles.73,74 pelas características da planta, concluiu-se
tratar de uma espécie da família Rubiaceae.
Relatos indicam que o nome da árvore,
Em 1742 o botânico suíço Carl Linnaeus
Cinchona, foi dado em homenagem à
denominou Cinchona, o gênero das árvores
condessa Francisca Henrique de Rivera.
que produziam o princípio ativo da quina-
Contudo, não se sabia de que planta vinha à
quina. Atualmente, existem cerca de 40
casca. Somente em 1735, o botânico francês,
espécies nesse gênero, contudo, a espécie
Joseph de Jussieu, descobriu que a fonte da
Cinchona ledgeriana é a maior produtora do
casca amarga era proveniente de várias
alcaloide quinina.75
espécies de uma árvore de folhas largas de
aproximadamente 15 metros de altura. Essa

Figura 14. Nesta gravura do século XVII, denominada de Presente Precioso, o Peru,
simbolizado por uma criança, oferece um ramo de quina à figura da Ciência devido as
propriedades farmacológicas da espécie75

Até 1820, somente o pó feito com as Toussanit. Ele obteve uma substância
raízes das espécies Cinchona era cristalina que mais tarde descobriu ser um sal
comercializado. Com o isolamento da do ácido quínico. Em 1790, foi à vez do
quinina, o combate à malária se tornou mais químico francês Antoine François de
eficaz. A quinina é um pó branco, inodoro e Fourcroy,76 que isolou uma resina vermelha
de sabor amargo que apresenta propriedades das cascas da quina, mas esta resina
antitérmica, antimalárica e analgésica.72 apresentou-se inativa contra a malária.
Somente em 1820, a quinina foi isolada em
A propriedade antimalarial das cascas da
sua forma pura pelo químico Pierre Joseph
quina incentivou pesquisadores a
Pelletier (1788-1842) e pelo farmacêutico
descobrirem e isolarem o seu princípio ativo.
Joseph Bienaimé Caventou77 (1795–1877),
A primeira tentativa de isolamento da
ambos franceses (Figura 15). Estes cientistas
quinina ocorreu em 1746 pelo conde Claude
receberam dez mil francos do Instituto de

000 Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |XXX|


Almeida, M. R. et al.

Ciências de Paris por esse valioso trabalho. este alcaloide. Sua eficácia no tratamento da
Além da quinina, eles também isolaram malária foi demonstrada pelo médico
outros alcaloides das cascas da quina.73 François Maillot,80 a partir de 1834. Os
estudos de Maillot fizeram com que ainda no
A quinina foi utilizada na forma de sulfato
século XIX a quina (Cinchona officinalis)
para o tratamento das febres perniciosas
(Figura 16) passasse a ser cultivada na Índia e
após os estudos de François Magendie78
em Java por ingleses e holandeses
(1787-1855) e Auguste-François Chomel79
respectivamente, de tal forma que a Espanha
(1788-1858). Os bons resultados constatados
perderia o controle sobre a sua
pelos médicos militares na Guerra da
comercialização.70,72
Espanha (1823) e na expedição à ilha de
Moréia (1828) aumentaram o interesse por

Figura 15. Caventou e Pelletier ao isolarem a quinina em 1820

Figura 16. Foto representativa da espécie Cinchona officinalis utilizada no século XIX no
combate a febre amarela

Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |no prelo| 000


Almeida, M. R. et al.

As espécies do gênero Cinchona foram por muitos anos e comprou sementes de


inicialmente encontradas na Cordilheira dos uma espécie de Cinchona com elevado teor
Andes. Essas espécies cresciam entre mil e de quinina. Sorte dos holandeses que
três mil metros acima do nível do mar e são acabaram comprando 450 g de sementes
nativas do Norte da Bolívia e Peru. dessa espécie por 20 dólares e constataram,
após o cultivo, que as cascas desta espécie
Com as suas propriedades antipiréticas
apresentavam 13% de quinina. A espécie
confirmadas, o interesse pela quina cresceu
ficou conhecida com Cinchona ledgeriana e,
no mundo inteiro e a coleta, que inicialmente
em 1930, tornou a ilha de Java responsável
era feita sem matar a árvore, intensificou-se
por mais de 95% da quinina comercializada
de tal maneira que no final do século XVIII, 25
no mundo.75
mil quinas eram cortadas a cada ano.72
A quinina foi alvo de cobiça de muitos
A busca por árvores da quina era
países durante algumas guerras. Romper o
incansável e as nações desenvolvidas da
monopólio do comércio e cultivo dessa
época exigiam de suas colônias um
substância era o desejo das grandes
fornecimento contínuo de cascas, contudo,
potências, que almejavam lucro e soberania.
muitas delas estavam em regiões onde a
Em 1940, durante a Segunda Guerra Mundial,
malária era endêmica, como Índia, Malásia,
a Alemanha invadiu a Bélgica e a Holanda e
África e Caribe, que eram colônias da
confiscou todo o estoque europeu de quinina
Inglaterra. A mesma exigência era feita por
armazenado no kina bureau em Amsterdã.
holandeses, franceses, espanhóis,
Em 1942, foi à vez dos japoneses
portugueses, alemãs e belgas às suas colônias
conquistarem a ilha de Java e dominarem o
que também apresentavam áreas infestadas
cultivo da Cinchona. A estratégia escolhida
pela malária. O maior lucro com a venda das
pelos Estados Unidos para dominar o
cascas da quina era dos países Equador,
comércio da quinina, já que a rota sintética
Bolívia, Peru e Colômbia, regiões onde a
desse alcaloide estava longe de ser
planta era nativa. Para estender seu lucro e
descoberta, foi enviar botânicos norte-
manter o monopólio sobre o comércio das
americanos sob a direção de Francis
cascas da quina, tais governos proibiram a
Raymond-Fosberg, do Instituto Smithsonian,
exportação de cinchonas vivas ou sementes
para o lado oriental dos Andes, na Colômbia.
da planta. Com intuito de contornar a ação
Nessa região, cresciam quineiras
dos governos, estabeleceu-se a época dos
espontaneamente, mas os americanos não
contrabandos.72
conseguiram encontrar espécies com elevado
O holandês Justus Karl Hasskarl,81 diretor teor de quinina como a Cinchona ledgeriana,
do jardim botânico na ilha de Java, nas Índias embora tenham coletado muitas toneladas
Orientais holandesas, saiu da América do Sul de cascas.72
com um saco de sementes da espécie
Todas essas histórias que envolvem a
Cinchona calisaya, em 1853. As sementes
quinina indicam que a malária era uma
foram cultivadas em Java, mas o teor de
doença que assombrava o Novo Mundo antes
quinina em suas cascas era muito baixo. Os
da chegada dos europeus. Contudo, a
ingleses contrabandearam sementes de
sabedoria dos índios acerca das propriedades
Cinchona pubescens e as plantaram na Índia e
antipiréticas da quina não prova que a
no Ceilão. Também não tiveram sucesso com
malária era nativa das Américas, pois as
o teor de quinina nessa espécie, descrito
febres aqui tratadas antes da chegada dos
como inferior a 3%. Com percentual deste
primeiros exploradores poderiam não ser
alcaloide tão baixo, a extração não era
devido à malária. Médicos pesquisadores e
econômica e tornou-se inviável. Esse fato foi
antropólogos acreditam que a doença foi
decisivo para o governo inglês recusar as
levada da África e da Europa para o Novo
sementes da quina do australiano Charles
Mundo. Em meados do século XVI, a malária
Ledger,82 em 1861. Ledger negociava a quina

000 Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |XXX|


Almeida, M. R. et al.

era frequente na África Ocidental e o tráfico antes do século XVII. Outro ponto importante
de escravos entre esse país e as Américas já é que o número de variedades conhecidas
estava consolidado.83 hoje do gênero Chinchona é extenso e a
classificação e legitimação de seus usos
Na Revolução Industrial, durante o século
medicinais desde sua descoberta tiveram
XIX, muitos países da Europa investiram na
influência direta de fatores e interesses
transformação de lodaçais e brejos em terras
botânicos, comerciais, medicinais e políticos,
produtivas. Essa ação diminuiu a incidência
o que explicaria historicamente a
da malária, devido ao ambiente desfavorável
complexidade taxonômica do gênero.
a reprodução do mosquito transmissor da
doença. Todavia, não reduziu o consumo de
quinina. Com o objetivo de se proteger da
malária, os ingleses desenvolveram o gim- 6. Pau-pereira: O sucedâneo da
tônica, a bebida era uma mistura de gim com quina
quinino. O gim foi acrescentado ao amargoso
remédio para torná-lo palatável.72
Atualmente, o quinino é usado para o O pau-pereira, uma árvore da família
tratamento de câimbras musculares, de Apocinaceae, é comumente encontrada na
distúrbios do coração e como flavorizante da Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de
água tônica, além de combater a malária. A Janeiro. 85 Essa planta foi de início classificada
água tônica é um refrigerante que contém no gênero Tabernaemontana pelo frei José
cerca de 10% de açúcar e até 85 mg.L–1 de Mariano da Conceição Velloso (1742-1811),
quinino. Inicialmente, o quinino era um dos pioneiros da botânica no Brasil. Vello-
adicionado à água tônica devido aos seus so a designou como Tabernaemontana laevis
efeitos benéficos. Atualmente, o gosto (Figura 17)86 Na mesma época, os
amargo desse refrigerante é fundamental na farmacêuticos e botânicos espanhóis Hipólito
aceitação deste produto e o açúcar tem a Ruiz López87 (1752-1816) e José Antonio
função de propiciar corpo à bebida.84 Pavón y Jiménez88 (1754-1840), autores de
Flora peruviana et chilensis, livro publicado
Apesar dos espanhóis terem, em 1530, entre 1798 e 1802, a incluíram no gênero
conquistado o Peru, nenhuma menção sobre Vallesia.89
a utilização das cascas da quina é encontrada

Figura 17. Tabernaemontana laevis Vell. - Descrição inicial de Frei Velloso para o pau-pereira
na Flora Fluminensis86

Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |no prelo| 000


Almeida, M. R. et al.

Essa última classificação foi seguida pelo diferenciadas do vegetal, porém, levaram o
alemão – radicado no Brasil – Ludwig Riedel90 médico e botânico brasileiro Francisco Freire
(1790-1861), autor da parte botânica do Allemão de Cysneiros94 (1797-1874) a criar,
Manual do agricultor brasileiro, lançado pelo em 1845, o gênero Geissospermum para
fazendeiro francês Carlos Augusto Taunay abrigá-la. Em homenagem ao frei Velloso, o
(1791-1867), em 1839, também radicado no primeiro a descrever a planta, Freire Allemão
país.91 Já o alemão Carl Friedrich Philipp von batizou a espécie como Geissospermum
Martius92 (1794-1868), principal autor da vellosii.95 Atualmente, os nomes
Flora brasiliensis, publicada em 15 volumes Tabernaemontana laeve, Geissospermum
entre 1840 e 1906, transferiu essa árvore laeve e Geissospermum vellosii são considera-
para o gênero Picramnia.93 As características dos sinônimos científicos (Figura 18).85

Figura 18. Foto da espécie Geissospermum vellosii – Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Brasil
(Acervo pessoal de M. R. Almeida)

Essa árvore tem diferentes nomes Allemão, porém, a origem é indígena: perei-
populares, dependendo da região onde rana, pereiriba ou pereiora. Esses termos
ocorre: pau-forquilha, pau-de-pente, camará- significam casca preciosa e revelam que os
de-bilro, camará-do-mato, canudo-amargoso, povos ameríndios conheciam bem o valor
paratudo, quinarana, pinguaciba, pereiroá, medicinal da planta.95
pereiro, ubá-açú, tinguaba e chapéu-de-
Os nomes pau-pereira, pau de colher,
sol.85,95 Entre os nomes vulgares, o mais
chapéu de sol e paratudo ainda são usados,
usado é pau-pereira. A origem desse nome
pela população, para designar outras
tem três versões. Para o médico Domingos
plantas.98 O guatambu-branco ou guatambu-
José Freire Júnior96 (1843-1899), que se
oliva (Aspidosperma parvifolium), por
empenhou no estudo da febre amarela, o
exemplo, também é chamado de pau-pereira,
nome foi dado pelos europeus que
o que leva a confusões. Embora as
exploraram o território brasileiro, devido à
constituições químicas das duas espécies
semelhança da árvore com a pereira.97 Outra
sejam diferentes, o guatambu-branco é
versão diz que é uma homenagem ao
usado popularmente para o tratamento das
indivíduo que descobriu a planta. Para Freire

000 Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |XXX|


Almeida, M. R. et al.

mesmas enfermidades que o pau-pereira, e guerra pela primazia da descoberta


por isso é conhecido pelo mesmo nome.99,100 científica do seu princípio ativo.
A casca do pau-pereira, considerado pelo Como a casca da quina, a casca do pau-
farmacêutico brasileiro Gustavo Peckolt pereira era empregada pelos indígenas no
(1861-1923) uma das 10 plantas medicinais tratamento de febres, por ter gosto amargo –
brasileiras mais importantes, é empregada na tal gosto era associado por eles ao poder de
medicina popular para tratar malária, cura das plantas. Essa é a origem da crendice
inapetência, má digestão, tontura, prisão de popular de que, quanto mais amargo o
ventre e febres.101 Sua madeira serve para a remédio, mais rápida e eficiente é a cura. O
construção e para a fabricação de cabos de uso por indígenas despertou o interesse dos
ferramentas.85 No Rio de Janeiro antigo, médicos e farmacêuticos. No século 19,
também eram comuns, nos botequins, médicos brasileiros prescreviam banhos com
garrafas de cachaça com cascas de pau- água obtida a partir do cozimento da casca
pereira. Os boêmios da cidade atribuíam à do pau-pereira e xaropes preparados com
bebida propriedades revigorantes e seu extrato. Na mesma época, os
estimulantes do apetite sexual, já descritas farmacêuticos do país iniciaram pesquisas
pelos indígenas. visando isolar a substância que, nesse
vegetal, tinha propriedades medicinais, para
Os primeiros registros científicos do uso
comercializá-la em suas boticas.95
do pau-pereira em tratamentos médicos
surgiram em teses da Faculdade de Medicina Entre esses farmacêuticos estava o
do Rio de Janeiro e na Revista Médica brasileiro Ezequiel Corrêa dos Santos (1801-
Fluminense. Entre outras citações, aparece a 1864) (Figura 19), segundo presidente (em
primeira prescrição, de banhos com águas 1837) da Seção de Farmácia da Academia
obtidas a partir do cozimento das cascas do Imperial de Medicina criada, em 1835, no
pau-pereira, do médico brasileiro Joaquim período da Regência. Ezequiel Corrêa dos
José da Silva (1791-1857), à escrava de sua Santos foi o primeiro presidente da
irmã, que sofria de febres intermitentes. O Sociedade Farmacêutica Brasileira, fundada
relato menciona que a escrava foi curada no em 1851 pelos profissionais do setor.103 Ele
segundo dia de tratamento, resultado que isolou o princípio ativo do extrato da casca do
estimulou o médico a continuar pres- pau-pereira em 1838, identificou a substância
crevendo tais banhos para pacientes com como um alcaloide e deu-lhe o nome de pe-
febres de outras origens, erisipelas e outras reirina.104
doenças. Após essa observação, o mesmo
Mais tarde, seu filho, também chamado
tratamento começou a ser usado nos
Ezequiel Corrêa dos Santos (1825-1899),
hospitais São Francisco da Penitência e São
continuou os estudos do pai. A monografia
Francisco de Paula e na Santa Casa da Miseri-
que apresentou, em 1848, à Faculdade de
córdia.102 A ampla divulgação da ação
Medicina do Rio de Janeiro tinha o pau-
terapêutica das cascas do pau-pereira não
pereira como tema (Figura 20).104
tardou a repercutir na Europa, iniciando uma

Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |no prelo| 000


Almeida, M. R. et al.

Figura 19. Retrato de Ezequiel Corrêa dos Santos, s/d103

Figura 20. Capa da tese de Ezequiel Corrêa dos Santos apresentada à Faculdade de Medicina
do Rio de Janeiro104

A primazia do isolamento da pereirina, no como os alemães Christoph H. Pfaff (1773-


entanto, foi discutida desde o início, tanto no 1852) e Berend Goos (1815-1885), o francês
Brasil quanto no exterior. Aqui, Jean Louis Pelletier e o italiano Pietro Peretti (1781-
Alexandre Blanc105 (?-1869) e Jean Marie 1864).106
Soullié, dois farmacêuticos franceses
Documentos históricos, entretanto,
radicados no Rio de Janeiro e que também
reforçam a hipótese de que a pereirina foi de
estudaram a ação da pereirina, reivindicaram
fato isolada pela primeira vez por Corrêa dos
a autoria da descoberta. Na Europa, o
Santos. Em artigo na Revista Médica
isolamento é atribuído a diferentes cientistas,

000 Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |XXX|


Almeida, M. R. et al.

Fluminense, em fevereiro de 1838, o médico quinina, obteve os mesmos resultados de


Luiz Francisco Ferreira (?-1857), também Corrêa dos Santos, mas ele próprio registrou
professor da Faculdade de Medicina do Rio ter recebido, apenas em 1840, as cascas de
de Janeiro, já descrevia os efeitos da pau-pereira.108
prescrição da pereirina. Em abril do mesmo
A disputa pela primazia da descoberta da
ano, na mesma publicação, o cirurgião
pereirina mostra a importância das pesquisas
Peregrino José Freire relatava a dosagem que
sobre produtos naturais feitas no século 19,
devia ser receitada: 12 gramas de pereirina
no Brasil.
dissolvidas em ácido sulfúrico diluído e
misturadas a um xarope. Luiz Francisco No século 19 era intensa a procura pela
Ferreira teria recebido a substância do pereirina em muitas boticas brasileiras,
próprio Ezequiel Corrêa dos Santos, devido à sua eficácia contra diversas doenças.
conforme descrição publicada, em março de Como esse composto tinha grande
1838, na mesma revista. Esses textos indicam importância econômica e sabia-se que se
que Corrêa dos Santos isolou a pereirina tratava de uma mistura, diversos
antes das datas citadas.106 pesquisadores retomaram seu estudo,
tentando purificá-lo. Em 1880, Domingos
A maior contestação dessa descoberta, no
Freire Júnior (1843-1899), após análises,
Brasil, partiu de Blanc, que estudou e isolou o
propôs C7H21AzO10 ( Az , ou azoto, é o antigo
princípio ativo do pau-pereira na mesma
nome do nitrogênio) como a fórmula
época. O fato de o farmacêutico brasileiro ter
molecular da pereirina.97 Em estudos na
fornecido a pereirina a Ferreira para que este
mesma época, o químico alemão Oswald
a testasse clinicamente, enquanto Blanc
Hesse (1835-1917) propôs outra fórmula
ainda trabalhava no processo de extração
molecular para a pereirina (C19H24N2O) e
desse princípio – segundo artigo do médico
descobriu, em 1877, outro alcaloide na casca
italiano, radicado no Brasil, Luís Vicente de
do pau-pereira, com a fórmula C19H24N2O2,
Simoni (1792-1881) também publicado na
que denominou geissospermina.109
Revista Médica Fluminense em abril de 1838,
reforça a proposta de que Corrêa dos Santos A possibilidade de isolar substâncias
foi o primeiro. Além disso, a pereirina obtida naturais e o surgimento de novas técnicas
por Blanc apresentava características que permitiam a identificação dessas
químicas distintas da obtida por Ezequiel.106 substâncias, como a espectroscopia de
infravermelho (IV) e a ressonância magnética
Já os estudos europeus que também
nuclear de hidrogênio (RMN 1H), estimulou
teriam resultado no isolamento da pereirina
pesquisadores do século 20 a continuarem as
foram, segundo registros históricos,
pesquisas com o pau-pereira. O principal foi o
realizados após 1838. Os estudos de Pietro
norte-americano Henry Rapoport (1918-
Peretti, professor da Universidade La
2002), que isolou, com colaboradores, outros
Sapienza, de Roma (Itália), e também
alcaloides do extrato da casca dessa árvore:
apontado como descobridor da pereirina,
flavopereirina (1958), geissosquizina,
ocorreram em 1839 e só foram publicados
apogeissosquizina e geissosquizolina (1960),
em 1845, no Journal de Chimie Médicale de
velosimina, velosiminol e geissolosimina
Pharmacie et de Toxicologie.107 Já Pelletier, o
(1962), e geissovelina (1973) (Figura 21).110-115
famoso químico francês, primeiro a isolar a

Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |no prelo| 000


Almeida, M. R. et al.

N
H
H H
N H
H H H
CH3OOC
O H
H N
N
H H N+
N H
N
N -
HO
CO2CH3
Flavopereirina
Geissospermina Geissosquizina

N NCH3 N
N O
CH3O H
N
CH3O N H
CO2CH3 H
H O
1 H
Apogeissosquizina Geissovelina
N
N
H H
H
N CHO Geissolosimina

N
N
N H H
H H
H CH2OH
Geissosquizolina Velosimina

Figura 21. Alcaloides de Geissospermum vellosii ( A estereoquímica do alcaloide


apogeissosquizina ainda não foi determinada)

Ainda hoje o pau-pereira é vendido pela de Janeiro já eram realizados estudos


internet, por alto preço, e indicado para a químicos de produtos naturais.
prevenção e o tratamento de cânceres e de
doenças virais como Aids, herpes e hepatite
C.116 7. Plantas brasileiras: Um relicário
A substância isolada por Ezequiel Corrêa de sabedoria para o corpo e para a
dos Santos, considerada por ele apenas um alma
alcaloide, era na verdade uma mistura
complexa de alcaloides. Alguns
pesquisadores acreditam que a geis- No Brasil, algumas plantas psicoativas,
sosquizolina e a pereirina são a mesma ricas em alcaloides derivados da N,N-
substância, devido à semelhança com a dimetiltriptamina (DMT) são consumidas por
fórmula proposta por Hesse para a pereirina. comunidades indígenas em rituais religiosos
Hoje se sabe também que a geissospermina é como vinho, chá ou rapés.119 Pode-se chegar
o alcaloide majoritário do extrato da casca do a dizer que o consumo destas plantas deu
pau-pereira.117,118 origem a cultos e religiões.
No caso do alcaloide denominado de As cascas e as raízes da árvore de Mimosa
pereirina por Ezequiel Correa dos Santos, tenuiflora, chamada de jurema-preta, são
mais importante do que estabelecer quem foi utilizadas para a preparação do vinho de
o primeiro a isolá-lo é a constatação de que, Jurema. Esta espécie rica em DMT pertence à
em meados do século 19, nas boticas do Rio família Leguminosae. O consumo da Jurema

000 Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |XXX|


Almeida, M. R. et al.

pode ser tanto através da ingestão da bebida pajé entrar em contato com seus espíritos
como do ato de fumar o cachimbo. A bebida ancestrais. Na Umbanda, Jurema é dona das
é preparada pelos indígenas a partir da ervas mágicas. Estudos recentes mostram
maceração das raízes em água, e o cachimbo que o preparo da Jurema em casas de culto
é feito com as raízes e folhas secas da espécie de São Paulo e da Bahia difere do preparo
vegetal. indígena. Em uma casa de culto de Umbanda,
em São Paulo, a bebida é preparada a partir
Em diversas obras literárias envolvendo
das folhas, casca do caule e das raízes,
personagens indígenas o uso de Jurema é
adicionando-se mel, guaraná e cachaça. Em
descrito, como na obra Iracema do escritor
seguida, é guardada por uns dias até ser
José de Alencar (1829-1877):120
consumida. Em uma casa de culto de
candomblé de caboclo de São Paulo, a bebida
Guerreiro branco, Iracema é filha do Pajé é preparada a partir das folhas e cascas do
e guarda o segredo da Jurema. O guerreiro caule adicionando-se mel, água e vinho
que possuísse a virgem de Tupã morreria . licoroso. Nos candomblés da Bahia, a Jurema
é obtida a partir das cascas do caule e das
A virgem de Tupã guarda os sonhos da raízes adicionando-se mel, vinho tinto e
Jurema que são doces e saborosos! . 120 dandá (aditivo psicoativo representado por
espécies do gênero Cyperus spp.). As cascas
são maceradas e colocadas em infusão numa
Nesta obra, a virgem é detentora do vasilha com água. Em seguida mistura-se o
segredo de Jurema, planta do saber secreto mel, vinho tinto e sangue do animal
xamânico e servida como libação onírica aos sacrificado no ritual da matança.124,125
guerreiros tabajaras.
Outro relato do uso popular de Jurema é o
Ao se apaixonar pelo guerreiro português Reino Encantado , criado em Pedra Bonita,
Martim, Iracema trai o segredo de Jurema em 1836, no sertão de Pernambuco, por João
entregando para um branco o licor de Tupã Antônio. Após ter visões do rei português D.
e a flor de seu corpo . A índia foge para uma Sebastião, morto na África, na luta contra os
aldeia rival junto com seu amado durante mouros em 1578, e achar dois diamantes,
uma cerimônia de Jurema em sua tribo, na João Antônio fundou o Reino Encantado ou
qual é responsável, junto com o pajé, seu pai, Reino das Pedras . Muitos adeptos o
pela distribuição da bebida sagrada. Ao final seguiram. Seu reinado era de paz e vivia com
de sua trajetória Iracema vê sua tribo a promessa de que não existiria mais pobres
dizimada pela tribo aliada dos portugueses, até seu sucessor João Ferreira assumir o
mas segue seu esposo e gera um mestiço em trono . Em certos dias, João Ferreira
seu ventre.121 distribuía uma bebida para seus súditos, o
O uso de Jurema sofreu muitas vinho encantado, uma mistura de Jurema e
modificações e diminuiu gradativamente com manacá. Após o consumo do vinho
o passar do tempo. Este ritual é encantado era iniciada uma orgia. O manacá
exclusivamente brasileiro, especificamente é uma solanácea, Brunfelsia hopeana,
pernambucano, sendo realizado pela conhecida também por jeratacá, cangambá,
comunidade indígena Atikum-Umã que vive caágambá, managá, mercúrio vegetal e
na serra de Uma no interior do estado.122 erataca. Da Brunfelsia hopeana foram
isolados os alcaloides hopeanina126 (Figura
A Jurema também é usada em rituais afro-
22), brunfelsina e manacina. Sendo
brasileiros, no catimbó e pajelanças
desconhecida a estrutura dos alcaloides
juntamente com o fumo e o maracá,123 para
brunfelsina e manacina.127
abençoar, aconselhar e curar. Este fato deve-
se ao contato entre negros e índios. As Nas pregações dominicais, João Ferreira
cerimônias e a preparação da bebida são insistia para o povo regar com sangue as
secretas. A ingestão da Jurema permite ao pedras encantadas, pois somente desta

Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |no prelo| 000


Almeida, M. R. et al.

maneira ressuscitariam o reino de D. agente psicoativo capaz de produzir


Sebastião, e todos tornariam-se ricos. Os alterações de sensopercepção, e por este
negros tornariam-se brancos e os velhos motivo essa bebida é utilizada em rituais
tornariam-se jovens novamente. Certo dia, religiosos por vários grupos por proporcionar
após a ingestão do vinho de Jurema, João experiências místicas e visões extáticas.
Ferreira teve visões de D. Sebastião e
Outras plantas da Amazônia, ricas em
informou a seus seguidores que o rei estava
DMT, utilizadas como psicoativos são o cipó
triste com a falta de sacrifícios do povo para a
Banisteriopsis caapi e as sementes moídas
restauração de seu reino. Tal fato culminou
das espécies Anadenanthera peregrina
com o autosacrifício do grupo em 1838.12
(Piptadenia peregrina) e de Anadenanthera
A ingestão da Jurema provoca diversos colubrina.
efeitos, entre eles: alterações de humor com
O cipó Banisteriopsis caapi que contém os
euforia e depressão, ansiedade, distorção de
alcaloides -carbolínicos: harmalina, harmina
percepção de tempo, espaço, forma e cores,
e tetra-hidroharmina e as folhas de Psichotria
alucinações visuais, algumas vezes bastante
viridis que contém DMT são utilizados para o
elaboradas e do tipo onírico, ideias delirantes
preparo de uma bebida chamada ayahuasca
de grandeza ou perseguição,
(Figura 22).
despersonalização, midríase, hipertemia e
aumento da pressão arterial.129 Os efeitos
causados devem-se a presença da DMT, um

Figura 22. Estruturas da DMT, da hopeanina, dos alcaloides presentes no cipó Banisteriopsis
caapi e da bufotenina

Ayahuasca é uma palavra de origem traduzida do quíchua130 como cipó dos


indígena (aya = pessoa morta, alma, espírito mortos, cipó dos espíritos, corda dos mortos,
e waska = corda, liana, cipó ou vinho) que é corda dos espíritos, liana das almas ou vinho

000 Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |XXX|


Almeida, M. R. et al.

dos mortos. Esta bebida é utilizada por, pelo utilizam dezenas de combinações de espécies
menos, 72 grupos indígenas que habitam a vegetais contendo alcaloides -carbolínicos
Amazônia Ocidental com o objetivo que nos com o cipó da Banisteriopsis caapi.133
remete a uma de suas significações: ser
Algumas obras descrevem as visões
instrumento de reencontro com os
provocadas pela ingestão da ayahuasca. Na
antepassados.121,131-133 Empregada na
obra de Bruce Lamb, O feiticeiro do alto
profecia, na adivinhação, na bruxaria e na
Amazonas, de 1913, o peruano Manuel
medicina, a ayahuasca está profundamente
Córdova-Rios é capturado aos 15 anos de
relacionada com a filosofia e a mitologia
idade pelos índios Huni Kui, na Amazônia,
nativa.134
sendo submetido a um treinamento intensivo
Os métodos de preparação desta bebida com o uso da ayahuasca (também chamada
sagrada variam conforme a tradição de cada de nixi honi xuma que significa cipó das
local e a ocasião em que se dá o seu visões).136 O relato da sua 1ª experiência é
consumo, sendo sempre um processo longo descrito a seguir:
que leva um dia de preparo. Normalmente,
se raspa a casca dos pedaços recém cortados
do talo. Em algumas regiões, as cascas devem Um lamento alto e pulsante começou
ser fervidas por várias horas, e o líquido suavemente em meus ouvidos, aumentando
amargo e denso resultante é consumido em em intensidade até que um violento choque
pequenas doses. Em outras regiões são atravessou todo meu sistema nervoso. Uma
consumidas doses maiores de ayahuasca, forte sensação de náusea tomou conta de
pois o preparo consiste em amassar as cascas mim, seguida de rápidas sensações de intensa
pulverizadas com água fria, tornando-se uma estimulação erótica e, depois, de total
preparação menos concentrada.134 confusão das percepções sensoriais. Visões
caóticas de luzes de várias cores e formas
Os efeitos da bebida variam conforme o
dominavam meu sentido visual... Muitos
método de preparação, o contexto na qual a
outros elementos confusos entraram nas
bebida é consumida, a quantidade ingerida, o
visões depois das cores puras e das formas
número e o tipo de misturas. Alucinações
abstratas. Estas incluíam animais da floresta
visuais, diarreia e vômito podem ser
e formas naturais... .136
observados com uso regular da ayahuasca e
taquicardia e morte em casos de intoxicação.
A ayahuasca tornou-se notável devido aos O efeito produzido pelo consumo da
seus alegados poderes telepáticos, muito ayahuasca são visões que variam segundo a
embora a telepatia não seja reconhecida pela atitude dos apreciadores desta bebida.
ciência. Tal fato foi levado em consideração Quando as visões são complexas e existe um
quando o primeiro alcaloide da Banisteriopsis alto grau de envolvimento dos consumidores
foi isolado, sendo denominado pelo da ayahuasca, estes podem colocar-se
colombiano Fischer, em 1923, de telepatina. ativamente em interação com suas visões e
Este alcaloide que logo depois foi desempenhar atos associados a elas. Eles
comprovado já ter sido isolado, em 1841, é podem passar para dentro da cena da visão,
chamado hoje de harmalina.134 percorrê-la e/ou agir e interagir com objetos
e criaturas que encontram. Para obter
No organismo, a DMT, um dos
respostas após a ingestão da ayahuasca é
constituintes da ayahuasca, é inativada pela
necessário um treinamento e após várias
enzima monoamino oxidase 135 (MAO),
sessões, o controle da progressão das visões
entretanto, os alcaloides harmina e seus
é obtido. Também se encontram relatos de
derivados são inibidores desta enzima,
visões relativas à solução de crimes, voos da
promovendo ação alucinógena esperada pela
alma e experiências de clarividência.137
DMT. Esta sinergia bioquímica foi descoberta
por grupos indígenas amazônicos que Os índios tucanos realizam cerimônias de

Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |no prelo| 000


Almeida, M. R. et al.

consumo da ayahuasca para que os índios cantam e praticam a dança yuruparí,


participantes entrem em contato com os como pode ser observado na Figura 23.
espíritos dos mortos. Nesta cerimônia, os

Figura 23. Dança yuruparí e consumo da ayahuasca pelos índios Tucanos

Do consumo ritual da ayahuasca nasceram Barquinha, fundada no Acre, em 1940, por


diferentes cultos/religiões: o Santo Daime, a Daniel Pereira de Mattos (1888-1958). Depois
Barquinha e a União do Vegetal (UDV). O de uma experiência com a ayahuasca, mestre
Santo Daime foi fundado por Raimundo Daniel recebeu instruções, durante uma
Irineu Serra (1892-1971) em 1930 nas regiões visão, para criar sua própria doutrina, e com
fronteiriças do Acre e de Rondônia com a apoio de mestre Irineu fundou a Barquinha.
Bolívia. Este culto nasceu após a ingestão da
A Barquinha recebeu muitas influências da
ayahuasca por Raimundo Irineu que teve
Umbanda. Durante os rituais da Barquinha há
uma visão de uma mulher que dizia ser a
a incorporação de entidades e são cantados
virgem da Conceição e que transmitiria seus
salmos ou pontos, considerados mensagens
ensinamentos para que ele criasse uma
recebidas de entidades divinas.
doutrina. A partir deste acontecimento,
Mestre Irineu, como ficou conhecido, criou o Acredita-se que o nome dado a esta
Centro de Regeneração da Fé (CRF) em religião é devido à relação de mestre Daniel
Brasiléia no Acre. Alguns anos depois, ao se com as Forças Armadas. Quando foi para o
mudar para Rio Branco no Acre, fundou o Acre em 1940, mestre Daniel estava a serviço
Centro de Iluminação Cristã Universal. O da marinha como 2º sargento, e relatos
nome dado à religião vem dos pedidos de indicam que a Barca representa a missão
Irineu ao pai celestial: Dai-me senhor a deixada por mestre Daniel. Seus seguidores
força, Dai-me senhor a luz, Dai-me senhor... são considerados marinheiros do mar
originando o Santo Daime.138 Numa igreja em sagrado.137
Amsterdã, onde se cultua o Santo Daime, se A União do Vegetal foi criada na década
investiga a possibilidade do uso da ayahuasca de 60 pelo baiano José Gabriel da Costa
como remédio para o tratamento de viciados. (1922-1971), que migrou para o Norte do
As combinações de plantas que contém os Brasil para trabalhar como seringueiro. Em
mesmos princípios da ayahuasca são 1959, através de amigos seringueiros, José
chamadas de análogos de ayahuasca ou Gabriel teve o primeiro contato com a
anahuasca, e os princípios ativos isolados ou ayahuasca. Depois disso começou a recordar
sintetizados são denominados de vidas passadas. Após dois anos, consciente
121
farmahuasca. de sua missão como mestre, Gabriel
Outra vertente ayahuasqueira foi a começou a atuar como mensageiro e difundir

000 Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |XXX|


Almeida, M. R. et al.

sua doutrina. Em 1961, criou o Centro Y (Figura 24A) denominado tabaco e


Espírita Beneficente União do Vegetal.137 preparado a partir de Anadenanthera
Atualmente, a sede da UDV localiza-se em peregrina, Nicotiana tabacum e outras
Brasília, tendo filiais em todo território plantas. Em 1881, foi estabelecida a diferença
nacional e até no exterior.138 É a doutrina entre tabaco e cohoba pelo químico cubano
ayahuasqueira mais numerosa do país e Alvaro Reynoso e publicado em Agricultura
propaga alguns dos princípios do espiritismo de los indígenas de Cuba y Haiti.121 Os rapés
codificado por Allan Kardec.137 ingeridos diariamente atuam como
estimulantes e normalmente são utilizados
No Santo Daime, na Barquinha e na União
pelos pajés ou xamãs para fazerem profecias
do Vegetal os fiéis são convocados para
e adivinhações e, assim, protegerem a tribo
reuniões periódicas, nas quais bebem
de desgraças, como epidemias, enfermidades
ayahuasca e cantam canções religiosas. Esses
dos caçadores e também para tornar seu
cultos disseminaram-se em muitas regiões do
povo mais ágil e alerta.134
Brasil, ganhando adeptos em muitos centros
urbanos. Muitos encontram nestes cultos um Os rapés preparados com DMT são
novo sentido para a vida e a salvação para a utilizados por diversos grupos indígenas
alma.121,134 O chá é um instrumento poderoso amazônicos e do Orinoco140. Como são
que proporciona autoconhecimento e inativos por via oral é necessário que sejam
regeneração espiritual. aspirados ou às vezes soprados por um
parceiro através de um longo tubo para
Outras espécies utilizadas como
dento das narinas (Figura 24B). O paricá
alucinógenos naturais eram as sementes
também é usado em clisteres anais. Antes de
moídas das espécies Anadenanthera
inalar o paricá, o povo se reúne e canta para
peregrina (Piptadenia peregrina) e
invocar os espíritos, com os quais se
Anadenanthera columbrina (que possuem
comunicarão durante a cerimônia. Durante o
bufotenina) ou a casca pulverizada de Virola
uso do paricá pode-se notar, inicialmente,
(que possui DMT). A partir destas plantas
um tremor dos músculos do braço e
eram obtidos preparados chamados de
expressões do rosto contorcidas. Passada
paricá. O termo paricá é usado com sentido
esta fase, os xamãs começam a gritar
genérico de rapé.
agressivamente invocando os espíritos. Essa
A bufotenina, alucinógeno extraído da agitação dura em média de 30 minutos a 1
pele do sapo, possui propriedades hora. Em seguida, os xamãs caem deitados
alucinógenas muito semelhantes à DMT. A em transe e neste momento são
diferença entre estes alucinógenos é a contemplados com visões que trarão
presença de uma hidroxila na estrutura da sabedoria para seu povo.
bufotenina (Figura 22). Esta substância é
Diversas comunidades indígenas com
produzida por espécies vegetais do gênero
características culturais e linguísticas distintas
Anadenanthera e encontrada na pele de
utilizam o paricá para o mesmo fim, contudo
sapos do gênero Bufo.
com interpretações diferentes. Para os índios
Os marinheiros de Cristóvão Colombo139 tarianas141 do rio Uaupés, o paricá provocava
(1451-1506) foram os primeiros a registrar o sonhos indicadores do futuro e nestes a mãe
uso de um rapé. Esse era chamado de cohoba do sonho Kerpimanha orientava suas vidas e
e aspirado por um instrumento em forma de também ensinava as relações sexuais.121,133

Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |no prelo| 000


Almeida, M. R. et al.

A B
Figura 24. Índio mura (A) 121 e índios da tribo waiká (B) aspirando paricá

Enquanto na Europa as plantas 8. Conclusão


alucinógenas foram usadas para práticas de
feitiçaria e adivinhações, no Brasil o consumo
de espécies alucinógenas usadas em rituais
A história do Brasil e da humanidade, em
indígenas, deu origem ao desenvolvimento geral, está diretamente ligada ao uso de
de diversos cultos e religiões.
plantas na medicina popular e ao comércio
Embora plantas alucinógenas continuem de produtos naturais, como as especiarias e
sendo usadas em todo o mundo, inclusive em os corantes vegetais. Este artigo mostrou a
cultos religiosos, o uso de plantas vem dando descoberta de plantas que marcaram nossa
lugar aos alcaloides sintéticos. Muitas drogas história e que serviram de modelo para o
sintéticas, atualmente, são utilizadas em desenvolvimento da química de produtos
festas por jovens como fuga da realidade e naturais brasileira.
até mesmo para induzir alucinações como
fonte de divertimento. É o caso do ecstasy
(N-metil-3,4-metilenedioxianfetamina) que se Referências Bibliográficas
popularizou na década de 1980 junto com a
música eletrônica e as festas raves .142 1
Outras substâncias como a escopolamina, os Pinto, A. C. O Brasil dos Viajantes e dos
subprodutos da dimetiltriptamina, a Exploradores e a Química de Produtos
cetamina, o flunitrazepam, o gama- Naturais Brasileira. Química Nova 1995, 18,
hidroxibutirato (GHB) e alguns anti- 608. [Link]
histamínicos são usados ilicitamente em 2
Marques, V. R. B.; Natureza em boiões,
festas. A mistura de uma dessas drogas, a médicos e boticários no Brasil setecentista,
escopolamina, com álcool é conhecida como Ed. Unicamp: Campinas, 1999.
Boa Noite Cinderela , droga de estupro 3
utilizada para dopar vítimas de assalto ou O homem-de-neadertal é uma espécie
abuso sexual. extinta, fóssil, do gênero Homo que habitou a
Europa e partes do oeste da Ásia, de cerca de
300.000 anos atrás até aproximadamente
29.000 anos atrás.
4
Burdett, B. C. The Colour Index: The Past,
Present and Future of Colorant Classification.
Journal of the Society of Dyers and Colourists

000 Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |XXX|


Almeida, M. R. et al.

1982, 28, 114. aventureiro mercenário alemão que por duas


5 vezes passou pela América Portuguesa e na
Grupione, L. D. B.; Vertecchia, B.; Viagem ao
Capitania de São Vicente, contra corsários
Mundo Indígena, Coleção Pawana, vol.1,
franceses e seus aliados indígenas.
1999.
18
6 Duas Viagens ao Brasil. Hans Staden,
Pero Vaz de Caminha (1450 – 1500) foi um
séc.16; tradução de Guiomar de Carvalho
escritor português que se notabilizou nas
Franco; transcrito em alemão moderno por
funções de escrivão da armada de Pedro
Carlos Fouquet, prefácio de Mario Guimarães
Álvares Cabral.
Ferri, introdução e notas de Francisco de
7
Ouriços pertencem ao gênero de mamíferos Assis Carvalho Franco, Ed.Itatiaia,/Ed. da
insectívoros da família dos ericnacídeos com Universidade de São Paulo: São Paulo, 1974
o corpo coberto de espinhos no dorso. São (Coleção Reconquista do Brasil, 17).
animais abrícolas que vivem na copa de 19
Marmion, D. M.; Handbook of U.S.
arvores, ocultos em emaranhados de cipós e
Colorants for Foods, Drugs, and Cosmetics.
copas densas. O mesmo que ouriço-cacheiro.
John Wiley & Sons: New York, 1979.
8
Arroyo, L.; A carta de Pero Vaz de Caminha, 20
Teske, M.; Trentini, A.M. Herbarium
2a. ed. Edições Melhoramentos: INC-MEC,
compêndio de fitoterapia. 3. ed. Curitiba –
1976.
editado por Herbarium Laboratório Botânico;
9
Barber, M. S.; Hardisson, A.; Jackman, L. M.; 1994, p.51-53.
Weedon, B. C.; Studies in nuclear magnetic 21
Toedt, J.; Koza, D.; Cleef-Toedt, K. V.;
resonance. Part IV. Stereochemistry of the
Chemical Composition of Everyday Products,
bixins. Journal of the Chemical Society 1961,
Greenwood Publising Group: United States of
1625. CrossRef
America, 2005.
10
Francisco de Orellana (1490 – 1550) foi um 22
Singh, O.; Khanam, Z.; Misra, N.; Srivastava,
aventureiro e explorador espanhol.
M. K.; Chamomile (Matricaria chamomilla L.):
11
Francisco Pizarro González (1476 – 1541) An overview. Pharmacognosy Review 2011, 5,
foi um conquistador e explorador espanhol. 82. CrossRef PubMed
23
Entrou para a história com o conquistador Associação Brasileira da Indústria de
do Peru , tendo subjugado ao Império Inca. Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos.
12
Xikrin é um grupo indígena de língua Anuário, 3a. ed., Public Projeto editoriais: São
Kayapó, vivem nas Terras Indígenas Catete e Paulo, 2012. [Link]
24
Trincheira Bacajá no Estado do Pará, Brasil. BRASIL. Ministério da Saúde. Agência
Nacional de Vigilância Sanitária. Lista de
13
Os nambiquaras compõem o povo indígena substâncias corantes permitidas para os
brasileiro localizado no oeste do Mato Grosso produtos de higiene pessoal, cosméticos e
e em Rondônia. perfumes. RDC N0 44, 9 de agosto de 2012.
14
Alto Xingú é o território da cidadania Sul do [Link]
Pará, Brasil, composto por 15 municípios. 25
Pezzolo, D. B.; Tecidos: história, tramas,
15
Oliveira, L. C.; Bloise, M. I.; Extratos e óleos tipos e usos, Ed. SENAC: São Paulo, 2007.
naturais vegetais funcionais. Cosmetics & 26
Blainey, G.; Uma Breve História do Mundo,
Toiletries 1995, 7, 30. Ed. Fundamento: São Paulo, 2004.
16
Djerassi, C.; Nakano, T.; James, A. N.; 27
Nepomuceno, R.; O Brasil na rota das
Zalkow, L. H.; Eisenbraun, E. J.; Shoolery, J. N. especiarias: O leva-e-traz de cheiros, as
Terpenoids. XLVII. The Structure of Genipin. surpresas da nova terra. José Olympio: Rio de
Journal of Organic Chemistry 1961, 26, 1192. Janeiro, 2005.
CrossRef 28
Foi Papa (1536 – 1605) de 30 de janeiro de
17
Hans Staden (1525 – 1579) foi um 1592 até à data da sua morte. Firmou a paz

Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |no prelo| 000


Almeida, M. R. et al.

40
entre a França e a Espanha em razão dos Morsingh, F.; Robinson, R. The syntheses of
conflitos entre católicos e huguenotes. brazilin and haematoxylin. Tetrahedron 1970,
29
Andrea Cesalpino (1519 – 1603) foi 26, 281. CrossRef
41
médico, filósofo e botânico italiano. Em suas Alfred Werner (1866 – 1919) foi um
obras classificou as plantas segundo seus químico suíço, Prêmio Nobel de química de
frutos e sementes em lugar de colocá-las em 1913 por suas contribuições ao
ordem alfabética ou propriedades desenvolvimento da estereoquímica.
medicinais. 42
Toma, H. E. Um século depois do Neure
30
Rizzini, C. T.; Mors, W. B.; Botânica Anschauungen . Química Nova 2005, 28,
econômica Brasileira. EPU/EDUSP: São Paulo, 1134. CrossRef
1976. 43
Robinson, R.; Brazilin and haematoxylin.
31
Warren, D.; A Ferro e Fogo: A História e a Rodd's Chemistry of Carbon Compounds 2a.
Devastação da Mata Atlântica Brasileira, ed., Elsevier: New York, 1964, 4, 427.
Companhia das Letras: São Paulo, 1996. 44
Livingstone, R. Anthocyanins, brazilin and
32
Bueno, E.; Náufragos, Traficantes e related compounds. Natural Product Reports
Degredados: As Primeiras Expedições ao 1987, 4, 25. CrossRef
Brasil, Objetiva: Rio de Janeiro, Coleção Terra 45
José Oswald de Sousa de Andrade (1890 –
Brasilis, Vol II, 1998.
1954) foi um escritor, ensaísta e dramaturgo.
33
Michel Eugéne Chevreul (1786 – 1889) era Um dos grandes nomes do modernismo
químico e ficou conhecido por seu trabalho literário brasileiro.
com os ácidos graxos e por sua contribuição à 46
Oswald, A. Manifesto da Poesia Pau-Brasil,
teoria das cores, através do seu livro De la Loi
Correio da Manhã, 18 de janeiro de 1924.
du Contrast Simultané des Coulers.
47
34 Ades, D.; Arte na América Latina, Cosac &
Joseph Louis Gay-Lussac (1778 – 1850),
Naify Edições: São Paulo, 1997.
físico e químico alemão conhecido na
48
atualidade por sua contribuição às leis dos Tarsila do Amaral (1886 – 1973) foi pintora
gases. e desenhista. Uma das figuras centrais da
35 pintura brasileira e da primeira fase do
Farmacêutico e químico francês, Louis
movimento modernista brasileiro.
Nicolas Vauquelin (1763-1829), seus estudos
49
culminaram na descoberta do cromo, berílio Amaral, A.; Tarsila do Amaral, Fundação
e do aminoácido aspargina. Finambrás: Buenos Aires, 1998.
36
William Henry Perkin (1838 – 1907) foi um 50
Beluzo, A. M. M.; O Brasil dos Viajantes,
químico britânico que ficou conhecido pelo Metalivros: São Paulo, Fundação Odebrecht,
desenvolvimento dos primeiros corantes vol. 1, Imaginário do Novo Mundo, 1994.
sintéticos e pioneiro na indústria química. 51
Smith, A.; Os conquistadores do Amazonas:
37
Meth-Cohn, O.; Travis, A. S.; The mauveine quatro séculos de exploração e aventura no
mystery. Chemistry in Britain 1995, 31, 547. maior rio do mundo. Tradução de Maria
38 Therezinha M. Cavallari. São Paulo: Editora
Sir Robert Robinson (1886 – 1975), foi um
Best Seller, 1990.
químico britânico ganhador do Prêmio Nobel
52
de Química de 1947. Souza, M.; Breve historia da Amazônia. Ed.
39 Marco Zero: São Paulo, 2a. ed., 1994.
Chatferjea, J. N.; Robinson, R.; Tomlinson,
53
M. L.; Syntheses in the Brazilin group by way O termo especiaria, a partir dos séculos XIV
of indeno-coumarins. Tetrahedron 1974, 30, e XV na Europa, designa diversos produtos de
507. CrossRef origem vegetal (flor, fruto, semente, casca,
caule, raiz), de aroma e ou sabor acentuado.

000 Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |XXX|


Almeida, M. R. et al.

54 66
Vega S. A.; Voluntad, N. G. L. Especias, Pinto, A. C.; Silva, D. H. S.; Bolzani, V. S.;
Historia, Usos, Cultivos y Sus Mejores Lopes, N. P.; Epifânio, R. A. Produtos
Recetas, Panamericana: Bogotá, 2003. Naturais: Atualidades, desafios e
55 perspectivas. Química Nova 2002, 25, Supl. 1,
Nero Cláudio César Augusto Germânico
45. [Link]
(37-68) foi um imperador romano que
67
governou de 13 de outubro de 54 até a sua Hostettman, K., Queiroz, E. F., Vieira, P. C.;
morte. Princípios ativos de plantas superiores,
56 EdUFSCar: São Carlos, 2003.
Rollin, C.; The history of the arts and
68
sciences of the ancients. V.3; Blackie, Walker, A. The pain and pleasure principle.
Fullarton, & Co. Glasgow: London, 1829. Chemistry in Britain 2002, 38, 24.
57 69
Vázquez-Figueroa, A.; La Ruta de Orellana: Pelletier, S. W.; Alkaloids chemical and
Seis Mil Kilometros de Selva. 1a. ed., Editorial biological perspectives. Wiley: New York,
Juventud: Barcelona, 1970. 1983-1988, v.1-6.
58 70
Nome dado às plantas pertencentes ao Arango, J. J. A critical review of the basic
gênero Cinnamomum ou ainda nome popular facts in the history of cinchona. Journal of the
a espécies de Melia azedarach. Linnaean Society 1949, 53, 272. CrossRef
59 71
Gottlieb, O. R.; Mors, W. B. Interciencia Dormandy, T.; The worst of evils: The fight
1978, 3, 252. against pain. Edmundsbury Press Ltd.:
60
Otto Richard Gottlieb (1920-2011) cientista Inglaterra, 2006.
72
e químico de produtos naturais, naturalizado Le Couter, P.; Burreson, J.; Os Botões de
brasileiro. Foi indicado para o Nobel de Napoleão: As 17 moléculas que mudaram a
Química em 1999. história; trad. Borges, M.L.X. de A., Jorge
61
Gottlieb, O. R; Magalhães, M. T. Zahar ed.: Rio de Janeiro, 2006.
73
Communications occurrence of 1-nitro-2- Kaufman, T. S.; Rfflveda, E. A. The Quest for
phenylethane in octea pretiosa and Aniba Quinine: Those who won the battles and
canelilla. The Journal of Organic Chemistry those who won the war. Angewandte Chemie
1959, 24, 2070. CrossRef International Edition 2005, 44, 854.
62
Ferrão, J. E. M.; A Aventura das Plantas e CrossRef PubMed
74
os Descobrimentos Portugueses. 1a. ed, Oliveira, A. R. M.; Szczerbowski, D. Quinina:
Instituto de Investigação Científica Tropical, 470 anos de história, controvérsias e
Comissão Nacional para as Comemorações desenvolvimento. Química Nova 2009, 32,
dos Descobrimentos Portugueses e Fundação 1971. CrossRef
75
Berardo: Lisboa, 1992. Laws, B.; 50 plantas que mudaram o rumo
da história. Tradução de Ivo Korytowski.
63
Food and Agriculture Organization of the Sextante: Rio de Janeiro, 2013.
United Nations (FAO). Flavors and Fragrances 76
Antoine François Fourcroy (1755-1809):
of Plant Origin: Non-Wood Forest Products. Estudou medicina com o anatomista Felix
Chapter 2. Cinnamomum Oils (including Vicq Aziz (1748-1794) e, em 1780, obteve seu
Cinnamon and Cassia). Disponível em: doutorado. Tornou-se professor de química
http://www.fao.org/docrep/v5350e/v5350e no Jardin du Roi em 1784.
77
04.htm. Acesso em: 28 dezembro 2016. Joseph Bienaimé Caventou (1795–1877):
64
Ravindran, P. N.; Nirmal-Babu, K.; Shylaja, Foi professor da École de Pharmacie em Paris
M.; Cinnamon and cassia: The Genus e o pioneiro no uso de solventes leves para o
Cinnamon, Medicinal and aromatic plants – isolamento de princípios ativos de plantas,
Industrial profiles, CRC Press: Florida, 2003. principalmente alcaloides.
78
65
François Magendie (1787-1855): foi um
Bíblia Sagrada. Velho Testamento, médico neurologista e fisiologista
Provérbios 7: 17. experimental francês que estudou a absorção

Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |no prelo| 000


Almeida, M. R. et al.

88
e introduziu a estricnina, o iodeto, o brometo José Antonio Pavón y Jiménez (1754-1840):
e o ópio na medicina,estudou a ação da Botânico e explorador espanhol, ficou
morfina e estricnina, estudou o nitrogênio conhecido por seus estudos com a flora do
para a vida e que distinguiu as funções Peru e do Chile.
sensoriais e motoras dos nervos espinais. 89
Lopes, H. R., Pavon, J.; Flora Peruviana et
79
Auguste-François Chomel (1788-1858): foi Chilensis sive Descriptions, et ícones
um patologista francês que nasceu em Paris. plantarum peruvianarum et chilensium, 1799,
Era professor do Hôpital de la Charité, em tomo II.
Paris, e em 1827 ministrava a cadeira de 90
Ludwig Riedel (1790-1861): Botânico
medicina clínica na Faculdade de Paris.
alemão que chegou ao Brasil em 1811 e após
80
François Clément Maillot (1804-1894): foi radicar-se no Rio de Janeiro foi diretor do
um médico militar francês. Em 1834, tratou Jardim do Passeio Público e da seção de
os soldados da áfrica contra a malária botânica do Museu Nacional do Rio de
empregando o sulfato de quinina. Janeiro.
81 91
Justus Carl Hasskarl (1811-1894): Foi um Riedel, L., Taunay, C. A.; Manual do
explorador e botânico holandês. Pesquisou agricultor brazileiro. Typographia Imperial
durante muitos anos, a flora da Indonésia e Constitucional de J. Villeneuve e comp.: Rio
desenvolveu estudos em história natural, de Janeiro, 1839.
preparando-se para expedições botânicas. 92
Carl Friedrich Philipp von Martius (1794-
Em 1836, viajou para Java.
1868): Médico, botânico e antropólogo
82 82
Charles Ledger (1818-1905): Era alemão que estudou no Brasil a região
fazendeiro e comercializava tecidos de lã de amazônica. Entre as principais obras destaca-
alpaca. Ficou conhecido por exportar se a Flora brasiliensis publicada em 1829.
sementes de Cinchona. 93
Martius, C. F. P. Flora Brasiliensis, 1845, VI,
83
Butler, D. Briefing malaria. Nature 1997, part I., 87-90.
386, 535. CrossRef PubMed 94
Francisco Freire Allemão de Cysneiros
84
Minim, V. P. R.; Ribeiro, M. M.; Vidigal, M. (1797-1874): Médico e botânico brasileiro.
C. T. R.;, Santos, M. M.; Gonçalves, M. M. Foi diretor do Museu Nacional e presidente e
Água tônica: aceitação e análise tempo- chefe da seção botânica científica de
intensidade do gosto amargo. Ciência e exploração denominada Comissão das
Tecnologia de Alimentos 2009, 29, 567. Borboletas (1859-1861). Essa comissão
CrossRef percorreu os estados do Ceará, Piauí,
85 Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte.
Pio Corrêa, M.; Dicionário das plantas úteis
No Ceará foram colhidas 20 000 amostras de
do Brasil e das exóticas cultivadas; Instituto
plantas, e muitas destas, assim como
Brasileiro de Desenvolvimento Florestal:
instrumentos e outros materiais, foram
Brasília, 1984.
incorporadas ao acervo do então Museu
86
Velloso, J. M. C.; Flora Fluminensis, Imperial e Nacional.
Tipografia Nacional: Rio de Janeiro, 1825, 95
Nina, A. P.; Tese de doutorado. Faculdade
105; 1827, 3, tab.18.
87 de Medicina do Rio de Janeiro, 1883.
Hipólito Ruiz López (1752-1816):
96
Farmacêutico e botânico espanhol se Domingos José Freire Júnior (1843-1899):
destacou por sua participação no projeto Médico brasileiro que se teve
expedicionário espanhol à flora do Peru e reconhecimento nacional e internacional com
Chile, da qual resultou a identificação e seu trabalho de bacteriologista,
classificação de numerosas novas espécies principalmente por ter reivindicado a
vegetais. descoberta da febre amarela e por ter
desenvolvido a vacina que inoculava a
000 Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |XXX|
Almeida, M. R. et al.

109
doença. Também foi diretor do Museu Hesse, O. Zur Kenntniss der Pereiro-Rinde.
Nacional. Berichte der Deutschen Chemischen
97
Freire, D. J.; Recueil de travaux chimiques. Gessellschaft 1877, 10, 2162. CrossRef
110
Molarinho & Mount Avore: Rio de Janeiro, Rapoport, H.; Onak, T. P.; Hughes, N. A.;
1880. Reinecke, M. G. Alkaloids of Geissospermum
98
Ferreirinha, J.; Tese de doutorado, vellosii. Journal of the American Chemical
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Society 1958, 80, 1601. CrossRef
111
1884. Hughes, N. A.; Rapoport, H.
99
Jácome R. L. R. P., Souza, R. A., Oliveira, A. Flavopereirine, an Alkaloid from
B. Comparação cromatográfica entre o Geissospermum vellosii. Journal of the
extrato de Aspidosperma parvifolium e o American Chemical Society 1958, 80, 1604.
fitoterápico Pau-pereira . Revista Brasileira CrossRef
112
de Farmacognosia 2003, 13, 39. CrossRef Rapoport, H.; Windgassen, R. J.; Hughes,
100
Jácome, R. L. R. P., Oliveira A. B., Raslan, D. N. A.; Onak, T. P. The structure of
S., Wagner, H. Estudo químico e perfil geissoschizine. Journal of the American
cromatográfico das cascas de Aspidosperma Chemical Society 1959, 81, 3166. CrossRef
113
parvifolium A. DC. ( Pau-pereira ). Química Rapoport, H.; Windgassen, R. J.; Hughes,
Nova 2004, 27, 897. CrossRef N. A.; Onak, T. P. Alkaloids of Geissospermum
101
Peckolt, G. As dez árvores genuinamente vellosii. Further studies on geissospermine
brasileiras mais úteis na medicina. Revista and the structures of the indolic cleavage
Flora Medicinal 1942, 9, 453. products, geissoschizine and
apogeissoschizine. Journal of the American
102
Silva, J. J.; A Elephantiasis dos gregos. Chemical Society 1960, 82, 4404. [CrossRef]
These Inaugural. Faculdade de Medicina do 114
Rapoport, H.; Moore, R. E. Alkaloids of
Rio de Janeiro, 1847. Geissospermum vellosii. Isolation and
103
Santos, N. P. Passando da doutrina à structure determinations of vellosimine,
prática: Ezequiel Corrêa dos Santos e a velalosiminol and geissolosimine. Journal of
farmácia imperial. Química Nova 2007, 30, Organic Chemistry 1962, 27, 2981.
1038. CrossRef 115
Moore, R. E.; Rapoport, H. Geissovelline, a
104
Santos, E. C.; These Inaugural, Faculdade new alkaloid from Geissospermum vellosii,
de Medicina do Rio de Janeiro, 1848. Journal of Organic Chemistry 1973, 38, 215.
105
[CrossRef]
Jean Louis Alexandre Blanc (?-1869): 116
farmacêutico francês radicado no Rio de Natural Source International Ltd. 2014.
Janeiro que estudou e isolou o princípio ativo Disponível em: http://www.natural-
das cascas de pau-pereira na mesma época source.us/index.php/pao-
que Ezequiel Corrêa dos Santos. v.html#.UzB9Z2dOVdg. Acesso em: 28
106
dezembro 2016.
Revista Medica Fluminense. Academia
117
Imperial de Medicina do Rio de Janeiro: Rio Almeida, M. R., Lima, J. A., Santos, N. P.,
de Janeiro, 1838, v. IV, 14-34, 1840, v. VI, p. Pinto, A. C. Pereirina: O primeiro alcaloide
45-46; 500-501. isolado no Brasil? Revista Brasileira de
107
Farmacognosia 2009, 19, 942. [CrossRef]
Peretti, P. Analyse de la véritable écorce
118
de Pereira, employée au Brésil contre les Almeida, M. R.; Dissertação de Mestrado,
fièvres intermittentes. Journal de Chimie Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2007.
Médicale de Pharmacie et de Toxicologie [Link]
1845, 3ª série,1, 304. 119
Rapé é o tabaco, fumo ou partes de
108
Pelletier, J. Sur la écorce de pereira. plantas em pó para cheirar.
Journal de Pharmacie et des Sciences 120
Alencar, J.; Iracema, Revista dos Tribunais:
Acessoires 1840, 26, 162. Rio de Janeiro, 1965.

Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |no prelo| 000


Almeida, M. R. et al.

121
Carneiro, H.; Pequena Enciclopédia da abordagem toxicológica do uso ritualístico.
História das Drogas e Bebidas, Campus: Rio Revista de Psiquiatria Clínica 2005, 32, 310.
de Janeiro, 2005. CrossRef
122
Neto, C. C. A., Jurema. Disponível em: 132
Pereira, E. Ayahuasca: expansão de usos
http://www.moisesneto.com.br/jurema.
rituais e de formas de apreensão científica.
Acesso em: 12 fevereiro 2014.
Revista Brasileira de Ciências Sociais 2003,
123
O maracá é um chocalho indígena, 18, 203. CrossRef
utilizado em festas, cerimônias religiosas e 133
Carneiro, H. S. O sonho e o pesadelo.
guerreiras, que consiste em uma cabaça seca,
Nossa História 2003, 33, 15.
desprovida de miolo, na qual se metem 134
Schultes, R. E.; Hofmann, A.; Ralsch, C.;
pedras ou caroços. Também chamado de
Plantas de Los Dioses: Las fuerzas mágicas de
bapo, maracaxá e xuatê.
las plantas alucinógenas, Fondo de Cultura
124
Camargo, M. T. L. A.; Conferência do X Económica: San Pedro de Los Pinos, 2000.
Simpósio Latino-americano e VII Simpósio 135
A monoamino oxidase (MAO) é uma
Argentino de Farmacobotânica, Comodoro
enzima que degrada uma série de aminas
Rivadavia, Argentina, 2001.
biogênicas, entre elas a serotonina, a
125
Camargo, M. T. L. A. Os poderes das adrenalina, a noradrenalina e a dopamina.
plantas sagradas numa abordagem 136
Lamb, F. B.; O feiticeiro do alto Amazonas:
etnofarmacobotânica. Rev. do Museu de
A história de Manuel Córdova, Rocco: Rio de
Arqueologia e Etnologia 2005, 15, 395. [Link]
126 Janeiro, 1985.
Iyer, R. P.; Dissertation Abstract 137
Shanon, B. Os conteúdos das visões da
International B, University Pacific Stockton,
ayahuasca. Mana 2003, 9, 109. CrossRef
1978. 138
127 Andrade, A. P.; Dissertação de mestrado,
Buckingham, J.; Macdonald, F.M.; Bradley,
Instituto Metodista de Ensino Superior, 1995.
H. M.; Cai, Y.; Munasinghe, V. R. N.;
[Link]
Pattenden, C. F.; Rhodes, P. H.; Roberts, A. D.;
139
Chan, W. C.; Newlands, S.; Williams, C.; Labate, B. C. A.; reinvenção do uso da
Wilson, J. Dictionary of Natural Products, 1a. ayahuasca nos centros urbanos, Mercado de
ed. Chapman & Hall: London, 1994. Letras: São Paulo, 2004.
128
Olímpio, M., Pedra do Reino Encantado. 140
Sítio da União do Vegetal. Disponível em:
Disponível em:
http://www.uniaodovegetal.org.br. Acesso
http://www.serratalhada.net/cultura/mostr
12 fevereiro 2014.
a.asp?noticia=noticia9.asp. Acesso em: 28
141
dezembro 2016. Cristóvão Colombo (1451-1506): Foi o
129 navegador e explorador europeu responsável
Zanini, A. C.; Olga, S.; Farmacologia por liderar a frota que alcançou a América
Aplicada, Atheneu: São Paulo, 1979. em 12 de outubro de 1492 sob as ordens dos
130
Quíchua (qhichwa simi ou runa simi) é reis católicos da Espanha. Empreendeu a sua
também chamado de quechua ou quéchua, é viagem através do Oceano Atlântico com o
uma importante língua indígena da América objectivo de atingir a Índia, tendo na
do Sul, ainda hoje falada por cerca de dez realidade descoberto as ilhas das Caraíbas
milhões de pessoas de diversos grupos (Antilhas) e, mais tarde, a costa do Golfo do
étnicos da Argentina, Bolivia, Chile, Colômbia, México na América Central.
Equador e Peru ao longo dos Andes. Possui 142
Orinoco é um dos principais rios da
vários dialetos inteligíveis entre si. É uma das América do Sul, e tem a terceira maior bacia
línguas oficiais de Bolívia, Peru e Equador. hidrográfica neste continente, cobrindo uma
131
Costa, M. C. M.; Figueiredo, M. C.; área de 880 000 km². É o principal rio da
Cazenave, S. O. S. Ayahuasca: Uma Venezuela, abrangendo quatro quintos do

000 Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |XXX|


Almeida, M. R. et al.

144
território do país, que percorre sinuosamente Rave é um tipo de festa que acontece em
por 2.740 km. Além da Venezuela, a bacia do sítios (longe dos centros urbanos), galpões ou
Orinoco abrange um quarto do território da ambientes ao ar livre, com música eletrônica.
Colômbia. É um evento de longa duração, normalmente
143
Tarianas são um grupo indígena que acima de 12 horas, onde DJs e artistas
habita o Noroeste do estado brasileiro do plásticos, visuais e performáticos apresentam
Amazonas, mais precisamente nas áreas seus trabalhos, interagindo, dessa forma,
indígenas Alto Rio Negro, Médio Rio Negro I, com o público.
Médio Rio Negro II, Taracuá e Yauareté I,
além da Colômbia.

Rev. Virtual Quim. |Vol 9| |No. 3| |no prelo| 000

Você também pode gostar