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Rio de Janeiro
2019
TC Inf LUIZ EDUARDO SANTOS CERÁVOLO
Rio de Janeiro
2019
C411r Cerávolo, Luiz Eduardo Santos
Bibliografia: f. 91 - 102.
Agradeço aos meus pais, Paulo Henrique e Neuza, que foram fundamentais na
minha vida, plantando e cultivando as primeiras sementes de educação que recebi,
sendo fundamentais na formação e modelagem do meu caráter. Além dessa silente
tarefa e em meio as inúmeras dificuldades enfrentadas, merece destaque os exemplos
que obtive dos mesmos em todos os momentos que estivemos juntos.
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Índice de Desenvolvimento Humano – América do Sul .......................... 52
Gráfico 2 - IDH – Brasil, Colômbia, Guiana e Venezuela.......................................... 53
Gráfico 3 - Relação exportação / refúgio .................................................................. 54
Gráfico 4 - Solicitações de Refúgio no Brasil ............................................................ 62
Gráfico 5 - Histórico dos imigrantes recebidos, solicitantes de refúgio, abrigados e
interiorizados ............................................................................................................ 73
Gráfico 6 - Histórico da somatória dos imigrantes recebidos, vagas em abrigos e
abrigos ...................................................................................................................... 75
Gráfico 7 - Interiorização em números – quantitativo ............................................... 82
Gráfico 8 - Interiorização em números – qualitativo.................................................. 83
Gráfico 9 - Solicitações de refúgio (Venezuelanos) – por ano .................................. 84
Gráfico 10 - Solicitações de refúgio, residência e agendamentos em RR ................ 84
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Securitização da imigração X segurança societal................................... 26
Quadro 2 - Princípios estabelecidos na Assembleia Geral da ONU (resolução nº 8,
de 12 de fevereiro de 1946) ...................................................................................... 31
Quadro 3 - Programas do Plano de Ação México..................................................... 36
Quadro 4 - Aspectos atrativos e repulsivos da imigração venezuelana.................... 61
Quadro 5 - Impactos dos venezuelanos no Sistema de Saúde Regional ................. 62
Quadro 6 - Organograma da 1ª Brigada de Infantaria de Selva ............................... 64
Quadro 7 - Organização por tarefas das tropas da Operação Controle ................... 65
Quadro 8 - Conceitos e definições............................................................................ 67
Quadro 9 - Organização da Força-Tarefa Logística Humanitária ............................. 68
Quadro 10 - Distribuição geográfica da Força-Tarefa Logística Humanitária ........... 69
Quadro 11 - Quadro estrutural da Operação Acolhida / Pacaraima ......................... 70
Quadro 12 - Quadro estrutural da Operação Acolhida / Boa Vista ........................... 71
Quadro 13 - Soluções duráveis ................................................................................ 79
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 13
PROBLEMA ...................................................................................................... 20
OBJETIVOS ...................................................................................................... 20
Objetivo Geral ................................................................................................ 20
Objetivos Específicos ..................................................................................... 20
4. ASPECTOS DA INTERIORIZAÇÃO................................................................. 77
5. CONCLUSÃO ................................................................................................... 87
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 91
FONTES PRIMÁRIAS ....................................................................................... 91
FONTES SECUNDÁRIAS ................................................................................. 94
INTRODUÇÃO
Pessoas decidem, individualmente, imigrarem por razões
heterogêneas, variando desde oportunidade econômica, passando por
pressões ambiental e busca pela liberdade política e religiosa (BUZAN
et al., 1998, p. 121).
O Brasil, do final do século XIX e início do XX, experimentou ondas
migratórias, com a proeminência de grupos italianos, portugueses, espanhóis,
alemães, japoneses e libaneses, majoritariamente para regiões sudeste e sul.
Azevedo, relata que esse movimento foi pensado pela elite brasileira para
promover o clareamento da população (DE AZEVEDO, 1987).
Ainda no século XX, diversos conflitos, dentre os quais as duas grandes
guerras mundiais, forçaram o deslocamento involuntário de milhares de pessoas.
Esse fenômeno impactou a política migratória brasileira que começou a receber
migrantes por meio da Organização Internacional de refúgio.
13
Refúgio é o processo imigração involuntária de pessoas que estão fora
de seu país de origem devido a fundados temores de perseguição
relacionados a questões de raça, religião, nacionalidade,
pertencimento a um determinado grupo social ou opinião política, como
também devido à grave e generaliza da violação de direitos humanos
e conflitos armados (ONU, 1951).
As teorias migratórias são variadas e se diferem, fundamentalmente,
quanto às suposições, foco e nível de análise. A complexidade dessas teorias
se fundamenta na diversidade motivadora dos movimentos, que englobam
causas econômicas, sociais, culturais e políticas. Uma classificação
tradicionalmente trabalhada é a dos migrantes forçados e migrantes voluntários
(CASTLES; DE HAAS; MILLER, 2013; KING; SKELDON, 2010; SASAKI; DE
OLIVEIRA ASSIS, 2016; SKELDON, 2014).
14
considerado um fenômeno complexo que pode produzir efeitos sobre as regiões
relacionadas ao movimento, sobretudo nos planos psicossocial (educação,
saúde, cultura, trabalho, demografia), político (diplomacia, soberania, fronteiras),
econômico (comércio, investimento, integração econômica, renda e mercado de
trabalho) e militar (articulação, organização e logística) (ARAGÓN, 2009).
A migração em massa1 provoca, nas regiões atrativas, disparidades
entre o desenvolvimento urbano e a geração de empregos e oferta de serviços,
produzindo consequências momentâneos e diretas, além de transformações
presumíveis de curto, médio e longo prazos.
A América do Sul, um subcontinente de que comporta cerca de 12% da
superfície terrestre e 6% da população mundial, vem se tornando palco de
imigrantes internacionais e internos ao continente, sendo, atualmente, o fluxo
mais expressivo o de venezuelanos (VEBLEN; YOUNG; ORME, 2015).
A Venezuela, país com uma das maiores reservas de petróleo do mundo,
se caracterizou como recebedor de imigrantes nas décadas de 1950, 1970 e
1990 (RODRIGUES, 2006). No pós Guerra Fria, emergiu na Venezuela a figura
de Hugo Chaves, eleito Presidente no final da década de 1990. Seu sucessor,
Nicolas Maduro, herdou uma crise econômica que derivou para uma crise
política e humanitária, resultando na maior diáspora da história venezuelana.
As dificuldades de abastecimento e outros motivos, tem agravado a crise
venezuelana e provocado a migração de seus cidadãos para diversos países do
continente, em especial para a América do Sul.
1
Deslocamento improvisado de um elevado número de pessoas (MIGRAÇÕES, 2009).
2
Embora seja cada vez mais difícil estabelecer a diferenciação entre refugiados e migrantes econômicos, é
importante apresentar o conceito clássico. Entende-se por migrante econômico o indivíduo que deixou seu
lugar de residência habitual para se reassentar em outro lugar diferente de seu país de origem com o intuito
de melhorar sua condição de vida. Refugiados, por sua vez, são definidos como indivíduos que tiveram de
deixar seus países de origem forçadamente em função de perseguição política, étnica e/ou religiosa, sendo,
portanto, passíveis de proteção jurídica internacional (PAIVA; LEITE, 2014, p. 10).
15
de entrada dos refugiados é o Estado de Roraima. Tal movimento é facilitado
pela presença da ligação rodoviária que liga Caracas à Manaus, no Amazonas,
que é formada pela BR-174, principal estrutura rodoviária do Estado de Roraima
que o conecta ao Estado do Amazonas, e pela Rota-10, autoestrada estruturada
no sentido Norte-Sul que corta vários estados venezuelanos, desde o Mar do
Caribe até alcançar a fronteira brasileira em Pacaraima, no estado de Roraima.
O estado possui algumas características peculiares tais como: possuir
grande parte do território demarcado como Terra Indígena ou Unidade de
Conservação; o afastamento do centro político-econômico do País; a
desconexão da rede elétrica nacional (recebe energia proveniente da
Hidrelétrica de Guri na Venezuela); além de apresentar problemas de ilícitos
fronteiriços e ambientais na faixa de fronteira, o que influencia no carente
desenvolvimento Estadual e na consequente baixa capacidade de absorção
migratória.
16
Criado no final dos anos 1970, o conceito de faixa de fronteira, espaço que
compreende as terras, contadas a partir do limite territorial internacional, até 150
km de largura. É considerada área indispensável à Segurança Nacional
apresentando especificidades no gerenciamento conforme descrito na Lei nº
6.634, de 2 de maio de 1979, que dispõe sobre a Faixa de Fronteira. Estende-
se de norte a sul do País, totalizando cerca de 27% do território brasileiro, onde
vivem cerca de 10 milhões de pessoas (MACHADO, 2005; TORRECILHA,
2013).
As três esferas do poder executivo nacional têm responsabilidade na
segurança dessa fronteira o que facilita a integração que é estabelecida
sobretudo em razão da responsabilidade compartilhada. As Forças Armadas
tiveram sua integração nessa gestão regulamentada, da década de 1990, por
meio da Lei Complementar (LC) nº 97, alterada pela LC nº 136, de 2010, que
atribuiu responsabilidade às Forças Armadas na faixa de fronteira atuando de
maneira preventiva e repressiva contra crimes transfronteriços e ambientais.
Art 16-A - Cabe às Forças Armadas, além de outras ações pertinentes,
também como atribuições subsidiárias, preservadas as competências
exclusivas das polícias judiciárias, atuar, por meio de ações
preventivas e repressivas, na faixa de fronteira terrestre, no mar e
nas águas interiores, independentemente da posse, da propriedade,
da finalidade ou de qualquer gravame que sobre ela recaia, contra
delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente ou em
coordenação com outros órgãos do Poder Executivo (BRASIL,
2010).
17
Figura 2- Faixa de Fronteira do Estado de Roraima
18
dependência de empregos do setor público (84,5%), seguido do setor industrial
com 11,2% e setor agropecuário com 3,8% (CASTRO et al., 2016).
Com recursos, postos de emprego e leitos no sistema da saúde
planejados para atender a população de cerca de quinhentos mil habitantes o
estado tem limitações que o tornam vulnerável à mudanças abruptas no número
e perfil populacional. O aumento exponencial do fluxo de venezuelanos, a partir
de 2016, afetou o Estado de Roraima principalmente nas questões ocupacional
e sanitária em virtude do escasso mercado de trabalho e da rede hospitalar
planejada para atender uma população menor (FRANCHI, 2019).
Segundo (FASSIN, 2011, p. 213), a imigração é uma questão crucial nas
sociedades contemporâneas, bem como um dos principais objetivos da
governabilidade moderna.
Em um primeiro momento o trabalho de atenção e abrigamento aos
venezuelanos foi conduzido de forma local, limitado e em abrigos improvisados
o que resultou na solicitação de suporte Federal. Inicialmente, o Exército, por
meio da 1ª Brigada de Infantaria de Selva, prestou ajuda na limpeza e
manutenção de alguns abrigos. Organizações da sociedade civil e instituições
ligadas à diferentes correntes religiosas se envolveram tanto em campanhas de
arrecadações de doações, quanto na administração direta de abrigos. Mas a
situação alimentar e sanitária ainda era precária.
Durante o ano de 2017 a situação de desabastecimento na Venezuela
se agravou e o volume de entrada de venezuelanos no Brasil aumentou. Fruto
disto, o Governo Brasileiro respondeu organizando a Operação Acolhida para
lidar com o fluxo migratório em Roraima (FRANCHI, 2019).
Assim, este trabalho, desenvolvido com o objetivo de discutir a resposta
apresentada pelo Estado Brasileiro a fim de lidar com a crise migratória
venezuelana, foi estruturado em cinco partes. A primeira discute a concepção
teórico-metodológica abordando a teoria da securitização e a metodologia de
process-tracing. Na sequência, discute a progresso da legislação de proteção de
deslocados. Na terceira parte, apresenta o histórico da crise venezuelana
recente e a reação do Estado brasileiro. Na quarta, aborda aspectos da
interiorização e, por último, tece as considerações finais.
19
PROBLEMA
O problema de pesquisa é enunciado por meio do seguinte questionamento:
Quais as respostas governamentais adotadas pelo Estado brasileiro em
face do aumento do fluxo migratório na fronteira com a Venezuela?
OBJETIVOS
Objetivo Geral
Objetivos Específicos
20
1. BALIZAS TEÓRICO METODOLÓGICAS
21
1.2 Concepção Teórico-metodológica
22
Figura 3 - Mapa mental process tracing do sistema de gestão migratório
Conexões causais da crise migratória Método aplicado para buscar dirimir essa questão
Critérios fundamentais
Operação humanitária,
expansão da oposição popular Crise Política conjunta e interagências Coibir os delitos fronteiriços
Operação
- Dependencia do petróleo Força-Tarefa Roraima
- Descontrole inflacionário Controle
- Racionamento elétrico Medição quantitativa Organização do fluxo migratório
- Corrupção
Crise Economica Consequências
- Descontrole nos gastos Estabelecimento de estrutura
públicos física e humana eficaz
Desequilíbrios entre o planejamento Ordenamento da fronteira
- Obstrução da liberdade de politicas públicas (saúde,
Endurecimento do moradia, educação, saneamento, Atividades:
de imprensa Recepção, identificação,
Regime etc) e demanda real
- Prisões indiscriminadas triagem e imunização
Participação de ONG
23
Do ponto de vista teórico, a teoria escolhida para fundamentar o estudo
foi a da securitização desenhada por Barry Buzan e outros autores da Escola de
Copenhague. A Escola de Copenhague (Copenhagen Peace Research
Institute), organização que congregou de um grupo de intelectuais que realizou
debates nesse período, objetivava promover estudos para a paz, sendo
considerada, até os dias atuais, referência na área de segurança internacional.
Sob o impacto do colapso da União Soviética, os estudos de segurança
precisaram enfrentar novos desafios impostos pelo fim do conflito
bipolar. Os estudos desse período foram marcados pelo fim da
bipolaridade, tanto material quanto ideologicamente, o que impôs
questionamentos sobre a própria natureza dos estudos de segurança
sendo feitos até o momento, basicamente focados na rivalidade das
superpotências e na ameaça de guerra nuclear entre elas (BUZAN;
HANSEN, 2012)
24
Assim, dentre os temas que passaram a ser analisados a partir dessa
perspectiva de segurança, ganhou destaque as migrações internacionais em
razão da conjuntura mundial onde existiam mais de 65 milhões de deslocados
em diversas partes do mundo (UNHCR, 2016). Este é um problema que chega
a ameaçar a estabilidade de alguns Estados nacionais.
Atualmente, as migrações em massa podem ser comparadas a
eventos como as I e II Guerras Mundiais e a Grande Depressão, em
virtude de afetarem todos os cantos da Terra, logicamente que com
intensidade diferenciada (BUZAN et al., 1998, p. 85).
25
como assunto político por excelência. No entanto, se alinha com a Escola de
Copenhague quanto ao conceito de “segurança societal” por defender a
necessidade de homogeneidade cultural para a sobrevivência de um
determinado modelo político, considera as migrações internacionais como uma
ameaça à segurança.
Uma continuada imigração substancial provavelmente produzirá
países divididos em comunidades cristã e muçulmana. Esse resultado
pode ser evitado caso governos e povos europeus estiverem dispostos
a arcar com o preço de se restringir esse tipo de imigração (Huntington,
1997, pp. 255-256).
26
A conexão entre migrações internacionais e segurança tem
desempenhado um papel cada vez mais importante na vida política e social de
diversos países no mundo, o que pode ser atestado pela presença frequente
desse tema nas políticas de governo que buscam integrar a população.
O ataque terrorista à Torres Gêmeas ocorrido em 11 de setembro de 2001
pode ser considerado um divisor de águas para a temática migratória por
favorecer o ressurgimento das discussões migratórias, fortalecendo o viés
securitário e enfraquecendo o humanitarista.
Os Estados preferem critérios restritivos a fim de manter o fluxo
migratório pequeno. As leis de asilo e de refúgio, pela subjetividade e
por requererem fundado temor, deixam margem à interpretações
individuais (WEINER, 1992, p. 28).
27
No tocante a segurança societal, o Governo Federal identificou contrastes
aos padrões tradicionais brasileiros no Estado de Roraima, o que resultou na
sistematização de medidas de assistência emergencial para acolhimento a
pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório
provocado por crise humanitária (BRASIL, 2018).
Com isso, verifica-se que o Brasil vem adotando fundamentos
preconizados pela Escola de Copenhague para buscar soluções consistentes ao
acolhimento de refugiados venezuelanos.
28
2. O DESENVOLVIMENTO DA LEGISLAÇÃO DE PROTEÇÃO AOS
DESLOCADOS NO SÉCULO XX E XXI
O tema refúgio não é algo novo, pelo menos no sentido literal da palavra,
ou seja, de alguém que forçadamente deixa sua terra natal em busca de
melhores condições de vida ou por qualquer outra razão pela qual o indivíduo
não seja responsável, seja ela perseguição, desordem pública, guerra civil, fome,
desastres naturais ou degradação ambiental (PACÍFICO, 2018).
Desde suas origens, o Direito Internacional dos Refugiados está vinculado
aos conflitos armados. No início do século XX, fruto de importantes fatos
históricos dentre os quais se destacam a Primeira Grande Guerra, a Revolução
Russa e a Guerra Civil Espanhola, a humanidade experimentou movimentos
significativos de pessoas. Já no período de 1939 a 1945, resultado da Segunda
Grande Guerra, o fluxo de refugiados se acentuou.
Estima-se que, no período de 1939 a 1974, 53.536.000 pessoas foram
deslocadas das suas cidades e países de origem, além de
aproximadamente um milhão de pessoas que decidiram não retornar,
os chamados last million, o milhão restante, que era composto por
cerca de 275.000 poloneses, 200.000 judeus, 200.000 espanhóis,
190.000 lituanos, latislavos e estonianos, 150.000 iugoslavos – sérvios
e croatas, e 100.000 ucranianos (DE ANDRADE, 2005, p. 3).
29
Atualmente, os conflitos existentes em diferentes regiões continuam
obrigando numerosos grupos de pessoas a abandonarem seus lares, não tanto
em decorrência de perseguições individualizadas, mas de situações de violência
generalizada que ameaçam desestabilizar a paz e a segurança internacionais.
Fruto de eventos históricos como os acima descritos e da atual conjuntura
mundial, o tema refúgio ganhou força levando ao desenvolvimento de
legislações internacionais, regionais e nacionais sobre o assunto.
30
Aprofundando mais nesse assunto, a Assembleia Geral das Nações
Unidas estabeleceu, em 1946, alguns conceitos característicos da condição de
refugiado:
31
A cada ano a temática de refugiados se intensificava e a ONU se
adaptava. Com isso, em dezembro de 1950, as Nações Unidas estabeleceram
o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR)
cuja tarefa fundamental estabelecida era de conceder proteção jurídica
internacional aos refugiados.
Um ano após sua criação, em 1951, a fim de atender recomendação da
Comissão dos Direitos Humanos da ONU e implementar regras mundiais
definindo o Estatuto do Refugiado, o ACNUR concebeu a Convenção Relativa
para o Estatuto dos Refugiados, ordinariamente intitulada Convenção de 1951.
Além da concepção do Estatuto do Refugiado, a Convenção é
considerada precursora do Direito Internacional dos Refugiados. Ela definiu a
condição de refugiado a partir dos eventos ocorridos na Europa antes de 1 de
janeiro de 1951, resultado de fundado temor de perseguição em função de raça,
religião, nacionalidade, opinião politica e grupo social, às pessoas que
estivessem fora se seu pais de origem (ONU, 1951, p. 14).
Uma característica do Estatuto, resultante do momento histórico de sua
promulgação (fim da 2ª Guerra Mundial), foi a restrição de espaço e tempo,
denominada reserva geográfica e temporal. Essas reservas condicionavam, o
enquadramento da condição de refugiado aos eventos ocorridos na Europa
antes de 1º de janeiro de 1951.
O Brasil, como Nação aliada, teve participação na elaboração e
aprovação da Convenção de 1951. Nessa oportunidade, foi favorável à reserva
geográfica, no entanto ressalvou os artigos 15 e 17 que tratavam da associação
e profissão assalariada do refugiado.
Um novo fluxo de refugiados ocorreu na década de 1960, resultante de
instabilidades decorrentes do processo de descolonização nos continentes
Africano e Asiático. Como a Convenção de 1951 restringia o refúgio no tempo e
no espaço, esse novo cenário demandou um novo instrumento internacional.
Com isso, foi formulado o Protocolo Adicional de 1967 que estendeu a
definição e a assistência aos refugiados. A partir desse Protocolo, qualquer
indivíduo estaria amparado legalmente de usufruir do instrumento do refúgio,
independentemente da data de 1º de janeiro de 1951.
Esse protocolo foi convocado pela Resolução 1186, de 1966, do
Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC) e pela
32
Resolução 2198, da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 1966. O
secretário-geral da ONU dirigiu-se aos 141 países signatários da
Convenção de 1951 pedindo que aderissem ao protocolo, como um
instrumento internacional específico que daria caráter universal e
atemporal à Convenção de 1951 (BARRETO, 2010b, p. 15).
33
2.2 Histórico da legislação regional
3
Reconheceu a universalidade da Convenção de 1951 para a temática dos refugiados, bem como
estabeleceu em seu artigo primeiro a definição “ampliada” de refugiado (MORÊZ, 2009).
34
virtude de ameaça a vida, segurança ou liberdade resultado de violência
generalizada, agressão estrangeira, conflitos internos, violação maciça dos
direitos humanos ou outras circunstâncias que perturbassem gravemente a
ordem pública (CARTAGENA, 1984, p. 3).
Esse documento, identificado como dispositivo regional mais significativo,
estruturou a política de refúgio na região e foi absorvida nas legislações
nacionais de diversos Estados.
Não sendo um instrumento regional vinculativo, a Declaração agiu como
elemento de persuasão, resultando na admissão e/ou observância dos conceitos
de refugiados por diversos Estados, seja de forma normativa, seja em processos
ordinários.
Em 1994, passados dez anos da Declaração de Cartagena, foi realizado
em San José, Costa Rica, um Colóquio Internacional sobre Refugiados.
Participaram do encontro delegados de 20 Países (Argentina, Bahamas, Belize,
Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, EUA,
Guatemala, Haiti, Honduras, Nicarágua, Panamá, Peru, República Dominicana
e Uruguai), oportunidade em que foi reavaliada a Declaração de Cartagena e
elaborada a Declaração de San José sobre Refugiados e Deslocados Internos.
A Declaração de San José aprofundou as relações entre o Direito
Internacional dos Refugiados e os Direitos Humanos, enfatizando, de forma
inovadora, as questões centrais da atualidade (TRINDADE, 2001, p. 5).
Em 2004, comemorando os vinte anos da Declaração de Cartagena, foi
concebida a Declaração e o Plano de Ação do México (PAM). Idealizado por
agências como o ACNUR, o Conselho Norueguês para os Refugiados, a
Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a Corte Interamericana de
Direitos Humanos, o Instituto Interamericano de Direitos Humanos e por países
como o Brasil, a Costa Rica e o México, o PAM contou com a participação de
governos de vinte países da América Latina e especialistas de diferentes setores
da sociedade civil.
O PAM foi concebido em resposta à grave crise humanitária colombiana,
considerada como uma das piores da época, em função da expansão do fluxo
migratório da Colômbia para as zonas de fronteira com o Equador, Panamá e
Venezuela. Essa situação motivou a proposição de soluções duráveis quando
da formulação do PAM (BARICHELLO, 2012, p. 46).
35
Esse plano se destacou por propor medidas perenes implementadas por
meio de três programas: Cidades Solidárias, Fronteiras Solidárias e
Reassentamento Solidário. A primeira objetivava o estabelecimento de
condições a fim de aprimorar a integração urbana de refugiados e deslocados.
A segunda medida pretendia desenvolver, nas áreas lindeiras, estrutura de
atendimento humanitário capaz de prover os serviços essenciais. A terceira
visava a aprimorar os critérios para seleção dos reassentados e aperfeiçoar o
translado de refugiados do local de acolhida até o destino.
36
Proteção de Refugiados e Apátridas no Continente Americano (DE BRASÍLIA,
2010). Um desafio enfrentado nesse período são os chamados movimentos
migratórios mistos, onde se mesclam grupos enquadrados na situação de refúgio
com migrantes tradicionais. Participaram dessa declaração representantes de
diversos países latino-americanos dentre os quais se destacam a Argentina, o
Brasil, a Colômbia, o México e a República Bolivariana da Venezuela.
Ainda no âmbito regional, em 2012, em Fortaleza, foi formalizada a
Declaração de Princípios do Mercosul sobre Proteção Internacional dos
Refugiados na qual os partícipes comprometeram-se a adotar políticas comuns
de proteção a solicitantes de refúgio e refugiados, tais como:
• adotar políticas migratórias não restritivas;
• identificar situações de refúgio em fluxos migratórios mistos;
• dar atenção especial às questões de gênero e idade
(particularmente em casos de crianças desacompanhadas ou
separadas de sua família); e
• não devolver refugiados e solicitantes de refúgio aos seus países de
origem onde suas vidas corram perigo (MERCOSUL, 2012).
Além dos países integrantes do Mercosul, participaram dessa declaração
a Bolívia e o Chile.
37
2.3 Histórico da legislação nacional
38
governo de Juscelino Kubitscheck. Ressalta-se que o ACNUR só marcou
presença na América Latina na década de 1970, optando por ações na América
Central (SALLES; GONÇALVES, 2016).
Nos anos 60, despontaram-se grandes debates a respeito da manutenção
ou não das reservas geográficas e temporais do Protocolo de 1951. O Brasil,
inicialmente, foi contrário à retirada alegando impactos socioeconômicos e
demográficos. No entanto, aprofundando mais o discussão, mudou seu parecer
ao verificar o posicionamento favorável de grande parte dos membros do
ACNUR. O Protocolo suspendendo as reservas foi publicado em 1967, tendo o
Brasil promulgado somente em 1972 (MOREIRA, 2012).
Ainda nos anos 60, os governos militares apresentaram mudanças
significativas na política brasileira para refugiados. Considerando a segurança
nacional como condição fundamental para o desenvolvimento, o imigrante
passou a ser visto como potencial risco à Nação. A política migratória brasileira,
de acordo com diretrizes emanadas pelo Conselho de Segurança Nacional, se
tornou mais restritiva, passando a utilizar parâmetros técnicos tanto nas
imigrações tradicionais como para o refúgio.
O Brasil passou a não receber ou reconhecer formalmente refugiados,
aceitando suas presenças somente em situação de trânsito para
reassentamento em outros países, acabando, no entanto a autorizar a
permanência desses refugiados, como se turistas fossem, temporariamente até
serem redirecionados a outros países (APOLINÁRIO; JUBILUT, 2009).
A América Latina atravessou, na década de 1970, um período
instabilidade econômica e política, gerando um contingente de refugiados na
região. O ACNUR, em 1977, com o propósito de buscar solução para a crise de
refugiados na região, assina um acordo estabelecendo um escritório ad hoc no
Rio de Janeiro (SALLES; GONÇALVES, 2016). Essa disposição beneficiou o
governo brasileiro pois abrandou as críticas recebidas em razão da perspectiva
de segurança nacional desenvolvida pelo Governo brasileiro nesse período.
Embora a vertente de Segurança Nacional fosse evidente nesse período,
o Brasil continuou recebendo, de forma irregular, pessoas perseguidas oriundas
de países vizinhos.
39
Nesse período, sob o regime militar, o Brasil tornou-se um dos
principais destinos de pessoas perseguidas de países vizinhos, por
meio de uma “atuação quase clandestina” do ACNUR. Além dessa
Agência, a Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro e a de São Paulo,
desde 1975, ajudou argentinos, chilenos e uruguaios que procuravam
acolhida no Brasil, mesmo com o risco de, se fossem descobertos,
serem entregues ao governo do País de origem (JUBILUT, 2007, p.
172).
Com o fim do período militar e o consequente alargamento do
entendimento do conceito de segurança nacional, o Brasil passou a receber
refugiados provenientes de diversos lugares, dentre os quais destacaram-se os
angolanos fugindo de guerra civil interna.
Em 19 de agosto de 1980, foi aprovada a Lei 6.815 que definiu a situação
jurídica do estrangeiro no Brasil e criou o Conselho Nacional de Imigração. Essa
Lei não modificou a situação do refugiado, mas introduziu o instituto do asilo,
possibilidade não existente no País até então (BRASIL, 1980).
O Brasil, em virtude da intensificação do inter-relacionamento com o
ACNUR, a reconheceu oficialmente, no início dos anos 1980, abrindo
formalmente o escritório no Rio de Janeiro.
Nessa época, como Estado brasileiro ainda priorizava a Política de
Segurança Nacional, o governo mantinha a reserva geográfica prescrita na
Convenção de 1951. No entanto, a aproximação com o ACNUR possibilitou um
diálogo construtivo com vistas a embargar essa reserva.
A primeira tentativa de levantamento dessa reserva ocorreu em 1986.
O Brasil recebeu 50 famílias de refugiados iranianos que professavam
a fé Bahá’í e por essa razão sofriam limitação de seus direitos naquele
país. Era o primeiro grupo de refugiados não-europeus, recebido de
forma ilimitada no Brasil, numa forte demonstração de que a reserva
geográfica não poderia continuar vigente. (BARRETO, 2010a, p. 18)
Em 1987, o Conselho Nacional de Imigração editou a Resolução nº 17
que normatizou a entrada no Brasil de refugiados como se estrangeiros
temporários fossem. Com isso, cidadãos vítimas de perseguição em seus países
como Paraguai, Chile e Argentina, foram recepcionados no Brasil.
Em 1988 foi promulgada a nova Constituição da República, também
conhecida como Constituição Cidadã, que estabeleceu como preceitos
orientadores a prevalência dos direitos humanos. Assim, ela trouxe avanços
significativos para a proteção de asilados e refugiados, o que pode ser verificado
logo no Título I – Dos Princípios Fundamentais, especificamente no Artigo 4º
inciso X - “concessão de asilo político” e Artigo 5º, parágrafo 2º - “Os direitos e
40
garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do
regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que
a República Federativa do Brasil seja parte” (BRASIL, 1988).
O ano de 1989 foi marcante em virtude da concretização de diversos
avanços como a transferência da agência do ACNUR para Brasília; a
promulgação do decreto 98.602, de 19 de dezembro de 1989, removendo a
reserva geográfica da jurisprudência brasileira; a adesão ao protocolo de 1967;
e a concordância com a Declaração de Cartagena. Toda legislação supracitada
foi incorporada à legislação brasileira (BARRETO, 2010b).
Por meio do decreto 98.602, o Brasil incorporou a definição ampliada de
refugiado, fruto do conceito imposto pela Declaração de Cartagena. Porém,
assim como Peru, Colômbia e Paraguai, o Brasil incluiu no texto a necessidade
de comprovar coerção, coação ou obrigação em fugir para a concessão de
refúgio o que, pela dificuldade de mensuração, resultou em mais exclusão do
que inclusão.
Até os anos 1990, o papel do Estado Brasileiro limitava-se apenas ao
fornecimento de documentos para os refugiados, não tendo grandes
preocupações com o futuro dos indivíduos após a concessão de
refúgio. Esse quadro passou a mudar com a chegada em grande
escala de refugiados egressos de zonas de conflito como Angola,
República Democrática do Congo e Libéria por trazerem consigo
muitos problemas de saúde e traumas psíquicos causados ou
agravados pela guerra (SALLES; GONÇALVES, 2016, p. 1).
No início da década de 1990, o Ministério da Justiça expede a Portaria
Interministerial n° 394, publicada no dia 29 de julho de 1991, que estabelece a
dinâmica procedimental para nortear o processo de solicitação e concessão de
refúgio no Brasil. Nesse novo modelo o ACNUR foi inserido no processo, tendo
como atribuição precípua realizar entrevista com o solicitante de refúgio e
elaborar uma apreciação recomendando ou não a concessão do refúgio. No
entanto, como o julgamento do ACNUR era subjetivo, a decisão final foi mantida
com o governo brasileiro.
A implantação dessa portaria, por concepção, buscava a integração de
diversos setores governamentais e não-governamentais, a fim de se buscar uma
solução mais abrangente e duradoura ao problema. Envolveram-se, como atores
estatais relevantes, os Ministérios do Trabalho, da Saúde, da Educação e das
Relações Exteriores; e como instituições não governamentais, a Cáritas
Arquidiocesana de São Paulo e do Rio de Janeiro. Esse grupo buscou
41
aperfeiçoar: os processos de inserção de refugiados ao mercado de trabalho;
reconhecer diplomas estrangeiros; e disponibilizar tratamento da saúde física e
mental para indivíduos em situação de vulnerabilidade.
Nesse contexto, em 1996, no mandato de Fernando Henrique Cardoso,
coerente com as prescrições propostas na Declaração e Programa de Ação de
Viena de 1993, o Governo criou o Programa Nacional de Direitos Humanos
(PNDH I) que realçava os direitos humanos como prerrogativa de todos e dever
dos Estados, o que impactaria nas futuras tratativas sobre o termo refúgio.
Dessa forma, analisando a conjuntura internacional, legislação vigente e
a complexidade crescente das migrações mundiais, o Estado brasileiro
identificou a necessidade da discutir lei específica para tratar do tema.
Assim, foi publicada a Lei nº 9.474, em 22 de julho de 1997, que definiu
os mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951.
Considerada, pela ONU, como uma das mais avançadas, amplas e humanitárias
do mundo (MILESI; ANDRADE, 2017), a Lei incorpora os dispositivos de
proteção internacional dos refugiados existentes e cria o CONARE, um órgão
central com atribuições de legislar sobre a temática e julgar solicitações de
refúgio (BRASIL, 1997).
Esse instrumento jurídico adotou oficialmente uma definição mais
ampla de refugiado, acolhendo indivíduos que fogem de graves e
generalizadas violações dos direitos humanos, integrando o Brasil
formalmente ao grupo de Estados que efetivam o Direito Internacional
dos Direitos Humanos no que tange ao Direito Internacional dos
Refugiados (JUBILUT, 2007, p. 176)
A Lei brasileira apresentou princípios objetivos e inovadores como a
garantia do direito de reunião familiar e do direito de trabalhar no País, ambos
possíveis ainda na condição de solicitante de refúgio. Ela ainda incorporou, em
seu texto, as chamadas soluções duráveis para os refugiados, além de estipular
a gratuidade e urgência no processo de pedido de refúgio.
Por outro lado, a legislação brasileira apresentou diferenças como a não
incorporação da concessão de direitos políticos aos refugiados (diferentemente
da Argentina e Uruguai), a subjetividade na apreciação das solicitações e a falta
de política de reinserção social.
No tocante ao CONARE, a singularidade é ser misto (público-privado) e
tripartite (governo, sociedade civil e Nações Unidas). Participam desse órgão,
42
além do governo, a ONU, por meio do ACNUR, e a sociedade civil, por meio da
Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro e de São Paulo (JUBILUT, 2007).
Em 2017, a Lei nº 13.445, denominada Lei de Migração dispôs sobre os
direitos e os deveres do migrante e do visitante, regulando a sua entrada e
estada no País e estabelecendo princípios e diretrizes para as políticas públicas
para o emigrante, não prejudicando a aplicação de normas internas e
internacionais específicas sobre refugiados.
43
de 1980, conhecida como Estatuto do Estrangeiro, que ressaltava a
preocupação de segurança nacional, e a publicação da Lei nº 13.445, de 24 de
maio de 2017, que evidencia o viés humanitário, ressaltando o dilema migratório
de segurança versus humanitarismo.
44
Figura 7 - Quadro comparativo das legislação sobre refugiados nos âmbitos internacional, regional e nacional
45
Em síntese, a legislação brasileira sobre o refúgio foi regulamentada a
partir da década de 1970 e evoluiu de forma ordenada mantendo o alinhamento
regional e internacional, tendo por base as normativas internacionais propostas
a partir da década de 1950 e as normas regionais recomendadas a partir dos
anos 1970.
Os principais conceitos que nortearam a elaboração dos dispositivos
legais brasileiros sobre refúgio, sobretudo a Lei 6.815, a CF/88 e o Decreto
98.602, estão alinhados com os preceitos descritos na Convenção Relativa para
o Estatuto dos Refugiados de 1950, com o Protocolo Adicional de 1967 e com a
Declaração de Cartagena.
Apesar de uma legislação reconhecidamente avançada, é preciso
progredir em políticas e estratégias de planejamento para receber os
solicitantes de refugio e refugiados que chegam ao país. Além disto, é
necessário criar condições para que a integração local seja uma
solução duradoura efetiva (ONU, 2014, p. 9).
46
3. A CRISE VENEZUELANA E OS REFLEXOS NA FRONTEIRA BRASIL -
VENEZUELA
743 km
2.219 Km
2.199 Km
47
No início do século XX, a Venezuela passou por um período de governos
autoritários culminando, na década de 1950, com a ditadura de Marcos Perez
Jimenez. Findo esse período de instabilidade, foi assinado, em 1958, o Pacto de
Punto Fijo que objetivava garantir a democracia por meio da alternância de
poder. Foi considerado um Pacto de Governança, embora a esquerda tivesse
sido alijada do processo. Além desse Pacto, a Doutrina Betancourt, que
restringiu relações venezuelanas com os governos ditatoriais, favoreceu a
estabilidade democrática venezuelana que durou cerca de três décadas
(LANGUE, 2005).
Na década de 1970, a Venezuela atravessou um período de
transformações, colocando em marcha práticas políticas que objetivavam
recrutar imigrantes profissionais e trabalhadores especializados sendo
considerado, à época, um país recebedor de imigrantes (COSTA E SILVA,
2018).
Em 4 de dezembro de 1988, Carlos Andrés Perez foi eleito, pela segunda
vez, presidente da República, personalizando a prosperidade petroleira da
década anterior, o crescimento econômico, altos níveis de emprego e melhoria
constante no padrão de vida da população.
No entanto, a situação, do ponto de vista das contas públicas, era
preocupante fruto da queda acentuada dos preços internacionais do petróleo,
ocorrida nos anos anteriores. As reservas do Banco Central despencaram de
US$ 13,75 bilhões em 1985 para US$ 6,67 bilhões em 1988. A inflação
alcançava a 40,3% ao ano, o desemprego alcançava dois dígitos e o salário real
havia despencado. Uma fuga de capitais completava o quadro (MARINGONI;
DA COSTA, 2009).
Em 1989, irrompeu no país a revolta denominada “Caracazo” como
consequência do repúdio popular às medidas econômicas impostas pelo
governo Carlos Andrés Péres, levando a opinião pública deixar de apoiar o Pacto
Punto Fijo (LANGUE, 2005). Três anos depois, em 1992, o Movimento
Revolucionário Bolivariano 200 (MBR-200) organizou uma tentativa de golpe
militar, a denominada Operação Zamora. Essa operação, que contou com a
participação do então Tenente Coronel Hugo Chávez Frias, foi considerada um
fracasso, sendo os revoltosos rendidos e presos em menos de 48 horas (COSTA
E SILVA, 2018). A exposição pública da prisão de Hugo Chávez, fruto da
48
oportunidade que lhe foi dada de discursar em cadeia nacional onde declarou a
célebre frase “Por ora, me retiro”, pode ser considerada o início de sua carreira
política. Em 1994, após cumprir dois anos de prisão, o anistiado Hugo Chávez
abandonou a vida militar e passou a se dedicar à política.
Em 1997, Chávez fundou o Movimiento V República (MVR) e, no ano
seguinte, foi eleito presidente, pelo MVR, com 56% dos votos (BARROS, 2006,
p. 223). Chávez assumiu a presidência em 1999 e, após referendo favorável,
convocou uma Assembleia Constituinte que foi composta por 131
representantes, dos quais 120 eram ligados ao chavismo.
Essa Assembleia propôs a redução da neutralidade política e ideológica
das Forças Armadas Venezuelanas o que foi ratificado com o Promulgação, em
15 de dezembro de 1999, pelo então presidente Hugo Chávez, da vigésima-
sexta Lei Suprema Venezuelana (VENEZUELA, 1999). Essa Constituição
determinou que a instituição deixasse de ser apolítica e passasse a vigorar como
uma instância “sem militância política”, além de inseri-la no contexto do
desenvolvimento nacional. Dessa forma, o governo passou a exigir efetiva
participação dos militares em seus programas sociais, bem como sua
participação política e a adequação à ideologia bolivariana (SCARTEZINI, 2011).
Artículo 328. La Fuerza Armada Nacional constituye una institución
esencialmente profesional, sin militancia política, organizada por el
Estado para garantizar la independencia y soberanía de la Nación y
asegurar la integridad del espacio geográfico, mediante la defensa
militar, la cooperación en el mantenimiento del orden interno y la
participación activa en el desarrollo nacional, de acuerdo con esta
Constitución y la ley. En el cumplimiento de sus funciones, está al
servicio exclusivo de la Nación y en ningún caso al de persona o
parcialidad política alguna (VENEZUELA, 1999).
49
Um ponto importante é a exclusividade presidencial para as promoções
de oficiais para os postos de coronel e capitão de navio, e de generais
e almirantes. Bem como, a utilização de militares para cargos
administrativos civis. O que possibilita o aumento de prestígio tanto
dentro da instituição castrense como no meio civil, fazendo com que
os nomeados se sintam com mais vínculos com quem os nomeou, e
aqueles que pretendem ser nomeados tendem a um comportamento
que demonstre fidelidade para com quem possivelmente os nomeará
(FRANKLIN, 2017, p. 4).
50
da Empresa, de atuar como protagonista na indicação da pauta política petroleira
para o futuro, afastando o Estado dessa agenda (MAYA, 2005)
Chávez, apesar dos prognósticos desfavoráveis, conseguiu superar o
paro petroleiro graças a alianças políticas firmadas e ao apoio de setores
populares mobilizados, de parcela das Forças Armadas, de funcionários que
permaneceram em seus postos e de aposentados incorporados. O Governo,
para intervir na crise, reorganizou as Forças Armadas que passaram a atuar de
forma mais pontual, a agir de maneira mais coesa no propósito de defender a
indústria petroleira e a considerar a PDVSA parte intrínseca da soberania
nacional. Essas estratégias fortaleceram o papel exercido pela instituição militar
(MAYA, 2005).
Na luta hegemônica no interior da Venezuela, mais uma vez, o chavismo
saiu fortalecido, pois usou o paro petroleiro para afastar a direção da PDVSA,
atrelando-a ao chavismo (ARAÚJO, 2013).
O panorama econômico ampliou a crise política e social. A queda do
preço do petróleo no mercado internacional, aliado a problemas de
gestão e a diminuição das receitas para a manutenção dos programas
governamentais, comprometeram a capacidade de investimento na
ampliação e na modernização das atividades de extração, refino e
comercialização de petróleo e derivados, base da economia
venezuelana o que resultou no desabastecimento interno e no
processo inflacionário, este a faceta mais visível do desequilíbrio
econômico (VAZ, 2017, p. 3).
51
Essa política resultou, a custo de dívidas públicas, em avanços sociais
como a melhora Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)4, crescimento do
Produto Interno Bruto (PIB) e diminuição dos índices de pobreza.
Após a morte de Chávez, em 2013, Nicolas Maduro, o indicado de Hugo
Chávez, assume o governo, herdando uma crise do petróleo e um declínio
socioeconômico gerado pela dívida do assistencialismo bolivariano (COSTA E
SILVA, 2018).
4
Desde 1990, O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP) vem
publicando uma série de relatórios anuais sobre desenvolvimento Humano (HDRs) onde o
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de cada país é publicado.
52
Gráfico 2 - IDH – Brasil, Colômbia, Guiana e Venezuela
5
Ano de referência – 2017 (VAZ, 2017).
53
Presidente (por não ter transcorrido metade do mandato presidencial) se viu
compelido a recorrer a medidas excepcionais como a decretação, em maio de
2016, de estado de exceção e de emergência econômica o que tornou ainda
mais conturbado o panorama político.
Maduro, porém, conseguiu contornar a autoridade do legislativo
mantendo seu poder total por meio da Suprema Corte (cerca de 33 juízes
indicados pelos dois últimos presidentes) e do Conselho Nacional Eleitoral,
contando também com apoio dos militares e de setores da sociedade civil
(COSTA E SILVA, 2018).
A recessão observada a partir de 2013, fruto do desequilíbrio inflacionário,
da crise humanitária, da obstrução da liberdade de imprensa, da degradação do
sistema de saúde, do racionamento elétrico, da expansão oposicionista, resultou
no declínio da exportação e no aumento significativo de refugiados (Grafico 3).
500
400
300
200
100
0
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
54
A “Guinada à Direita” empeça em meados de 2016 quando governos de
direita e centro-direita começaram a resgatar o poder nos países latino-
americanos favorecidos pela crise causada por pressões monetárias europeias
e americanas, redução do preço do petróleo, redução da demanda e dos preços
das matérias-primas e reações diplomáticas (VISENTINI, 2015).
Presenciamos o avanço de uma maré de direita, que é uma nova
releitura do liberalismo e do conservadorismo latino-americanos,
mesclando elementos de individualismo/empreendedorismo, discurso
religioso, pretensa gestão técnica, antiestatismo e nacionalismo
(CRUZ; KAYSEL; CODAS, 2015).
6
A Unasul foi criada em 2008, em um contexto de mudanças de modelos de integração regional
na América do Sul, onde o livre-comércio deu lugar a atividades de cooperação nas áreas de
infraestrutura e políticas sociais (HOFFMANN, 2016).
55
Essa eleição foi caracterizada pela baixa presença popular, resultando em 50%
de abstenção.
Nicolás Maduro, como presidente venezuelano, tem tido um governo
agitado. Em menos de um ano, viu faltar produtos básicos nas prateleiras do
país, a inflação disparar, a economia desacelerar, e a moeda, já em espiral
descendente, se desvalorizar ainda mais. Neste cenário, estudos do Fundo
Monetário Internacional (FMI) indicam a previsão, para 2019, de retração de 25%
no produto interno bruto (PIB) (VASCONCELOS; ZAPHIRO, 2017).
A crise econômica venezuelana tem como fatores primordiais a doença
holandesa7 (dependência do petróleo), o controle dos preços e de câmbio (gera
a fuga de capitais, desestimulo e corrupção) e descontrole nos gastos públicos.
Além da crise econômica, a Venezuela apresenta crise de segurança
pública e de governabilidade, que pode ser explicada, segundo alguns autores,
em função da erosão das instituições democráticas, da penetração do crime
organizado em instituições estatais; do aumento do crime organizado; do
aumento da violência entre atores estatais e não estatais; e de acusações
internacionais generalizadas de comportamento criminoso (BALDWIN, 2017;
CORONEL, 2017; ESPINOZA, 2002; INSIGHT CRIME, 2018; UNHCR, 2018b).
Na ausência de soluções a curto prazo para a crise venezuelana, a
população, parcela mais vulnerável, tende a buscar melhores
condições de vida em países vizinhos na América do Sul (PAIVA;
LEITE; MONFREDO, 2019, p. 111).
7
Doença holandesa se caracteriza pela desindustrialização da economia de um país que ocorre
quando a descoberta de recursos naturais eleva o valor da moeda desse país, fazendo com que
os produtos industrializados fiquem menos competitivos, aumentando as importações, e
diminuindo as exportações (ADZOSII, 2009).
56
emigrantes aumentou expressivamente em virtude do clima de pressão popular
e de deterioração política e econômica.
57
que suportam Nicolas Maduro, a influenciar esse espaço geopolítico estratégico
historicamente vinculado aos Estados Unidos.
Os esforços de Caracas para diminuir a sua dependência econômica
em relação aos Estados Unidos e a tendência à diminuição das
importações petroleiras pelos Estados Unidos, em razão da
estabilização do Iraque, procuram-se atores não tradicionais como a
Rússia e a China. Estes vêm construindo parcerias comerciais
significativas não só com a Venezuela, mas em toda a região. Até
mesmo com a venda de materiais de defesa, o que vem sendo
acompanhado pela superpotência (FRANKLIN, 2012, p. 186).
58
Outro aspecto que merece destaque nessa aproximação da Venezuela
com a China e Rússia, é a possibilidade de aquisição de armamentos e
equipamentos militares, gerando desconfiança nos países do entorno,
principalmente na vizinha Guiana, que possui com a Venezuela um litígio pela
região do Essequibo.
No plano da segurança regional até o momento, a participação chinesa
está restrita ao fornecimento de radares de vigilância, aviões de
treinamento e de combate leve, e a construção e o lançamento do
primeiro satélite de comunicações exclusivo da Venezuela
(FRANKLIN, 2017, p. 3).
59
políticas ou atos de abusos aos direitos humanos. Fruto desse decreto,
atualmente existem sanções para diversos venezuelanos, dentre os quais
Nicolas Maduro, sua esposa, diretores da PDVSA, além de políticos e militares
(SULLIVAN, 2019).
Nos anos seguintes, as ordens executivas nº 13.808 e 13.835 ampliaram
as pressões sobre as transações financeiras internacionais venezuelanas. Em
2019, a ordem nº 13.850 estendeu as sanções ao Banco Comercial Conjunto
Russo–Venezuelano (Evrofinance Mosnarbank), acusado de burlar as sanções
impostas que afetavam o setor petroleiro, base da economia Chavista
(SULLIVAN, 2019).
O endurecimento dessas sanções, como parte do cerco internacional,
caracterizando a emprego de sanções econômicas em substituição às
intervenções militares, vem impactando a economia venezuelana por gerar
dificuldades para a negociação da dívida publica, aumentar a inflação e elevar a
taxa de juros, exacerbaram a crise humanitária marcada pela escassez de
alimentos e de medicamentos, resultando numa diáspora volumosa de
venezuelanos.
Fugindo de todos os efeitos gerados por uma hiperinflação, da fome,
da escassez de alimentos e do desemprego se tornaram imigrantes
deslocando-se, majoritariamente, para os países vizinhos da América
do Sul (PAIVA; LEITE; MONFREDO, 2019, p. 113).
60
Fruto do exposto acima, pode-se verificar que o percurso histórico
venezuelana resultou na atual crise política e econômica. A diáspora
venezuelana vem sendo direcionada a diversos países, dentre os quais o Brasil
em virtude de fatores geográficos, culturais, econômicos e sociais.
O governo brasileiro vem tentando equacionar as pressões de ordem
securitária com as responsabilidade de acolhimento da população
vulnerável que vem atravessando a fronteira na região de Pacaraima.
Por um lado, visualiza-se a necessidade do país em manter sua
reputação e honrar com os acordos internacionais. De outro, a
dificuldade em exercer o controle em faixas de fronteira seca tão
extensas e complexas (PAIVA; LEITE; MONFREDO, 2019, p. 113).
61
Gráfico 4 - Solicitações de Refúgio no Brasil
20000
17.865
15000
10000
5000
822 3.375
0 4 4 1 43 201
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
8
A MP nº 820 (fevereiro de 2018), foi convertida para a Lei nº 13.684 (junho de 2018). Sobressaiu nessa
substituição a maior abrangência e a integração, tanto governamental como não governamental.
62
9.285 que reconheceu a situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo
migratório provocado por crise humanitária na República Bolivariana da
Venezuela e o Decreto Presidencial nº 9.286 que definiu a composição, as
competências e as normas de funcionamento do Comitê Federal de Assistência
Emergencial9 para acolhimento a pessoas em situação de vulnerabilidade
decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária. Esse Comitê,
que conta com representantes de diversos órgãos governamentais e ministérios,
é coordenado por um Oficial General do Exército Brasileiro.
Fruto dos supracitados decretos, o Ministério da Defesa publicou as
Diretrizes Ministeriais nº 03 e 04 de 2018, estabelecendo como parâmetros para
a execução das Operações Acolhida e Controle, respectivamente, o acolhimento
humanitário de imigrantes venezuelanos no estado de Roraima e a intensificação
da vigilância da linha de fronteira Brasil-Venezuela.
9
Atribui-se à Casa Civil a função de presidência do Comitê, enquanto coube ao Ministério da Defesa a
secretaria-executiva. Cabe ressaltar que o Comitê é de caráter Interministerial envolvendo, portanto, 12
ministérios (PAIVA; LEITE; MONFREDO, 2019).
63
ações militares preventivas e repressivas, particularmente na região dos
pelotões especiais de fronteira de Pacaraima e de Bonfim e, em profundidade,
nos eixos rodoviários oriundos da Venezuela e da Guiana.
A 1ª Brigada de Infantaria de Selva, que possui um efetivo de cerca de
3.200 militares, constitui-se em uma Grande Unidade composta por
organizações militares de combate, apoio ao combate e apoio logístico,
conforme verifica-se a seguir:
C Fron RR / 7º Batalhão
de Infantaria de Selva
64
Como produto do Planejamento Conceitual visualizou-se como possível
solução ao problema:
• o estabelecimento de controle na fronteira e em profundidade;
• utilização de tropa a pé e meios tecnológicos nos trechos
permeáveis, sobretudo nas trilhas;
• aumento da integração entre os órgãos de segurança pública e
agências de fiscalização que atuam na fronteira e nas rodovias
federais, especialmente para as Operações de Inteligência;
• busca constante do apoio da população para facilitar as Operações;
• primar as Operações pelos aspectos da visibilidade e da legalidade.
Com base na abordagem do planejamento conceitual, a 1ª Brigada de
Infantaria de Selva visualizou, em seu planejamento detalhado, a necessidade
de conceber uma Força-Tarefa10 fruto da complexidade das atividades e da
quantidade de tropas recebidas em reforço (tropas de polícia do exército,
engenharia, comunicações, operações psicológicas e inteligência).
A Força-Tarefa Roraima foi organizada em destacamentos com tarefas
específicas, conforme a tabela a seguir:
Quadro 7 - Organização por tarefas das tropas da Operação Controle
Destacamento Tropas Componentes Tarefas Recebidas
1º e do 7º Batalhões de - Estabelecimento de postos de bloqueio
Infantaria de Selva, do 7º e controle próximos à linha de fronteira de
Batalhão de Polícia do Pacaraima e de Bonfim; e
FRONTEIRA
Exército e do 12º Esquadrão - Patrulhamento a pé e motorizado na
de Cavalaria Mecanizado linha de fronteira das regiões de
(grupo de exploradores) Pacaraima e Bonfim.
10º Grupo de Artilharia de Estabelecimento de postos de bloqueio e
Campanha de Selva e do 12º controle em profundidade, na BR-174 e
BLOQUEIO
Esquadrão de Cavalaria na BR-401 (eixos rodoviários oriundos da
Mecanizado Venezuela e da Guiana)
6º Batalhão de Engenharia Realização de obras de construção para
ENGENHARIA
de Construção acomodação da tropa
COMANDO E 1º Batalhão e do 1º Pelotão Instalação, exploração e manutenção do
CONTROLE de Comunicações de Selva sistema de comunicações na área
4ª Companhia de Inteligência
Levantamento e análise de informações
INFORMAÇÃO e do Grupo de Inteligência
de inteligência na área de operações
da 1ª Brigada
Tropas do 1º Batalhão Apoio logístico às tropas desdobradas nas
LOGÍSTICO
Logístico de Selva regiões de Pacaraima e Bonfim
Elementos especialistas em Divulgação institucional da Operação
DIVULGAÇÃO
Comunicação Social Controle
Destacamento oriundo do 1º Campanhas com a adoção de três
OPERAÇÕES
Batalhão de Operações públicos-alvo prioritários: nossas tropas,
PSICOLÓGICAS
Psicológicas população de Boa Vista e imigrantes
Fonte – (DE OLIVEIRA, 2018)
10
Grupamento temporário de forças, de valor unidade ou subunidade, sob um comando único, formado
com o propósito de executar uma operação ou missão específica, que exija a utilização de uma forma
peculiar de combate em proporções adequadas.
65
Uma das intenções do Comandante da Força-Tarefa Roraima, a fim de
apoiar as ações de controle migratório, foi a de realizar a medição da quantidade
de venezuelanos que passam pelo posto de bloqueio e controle da BR-174.
Nesse sentido, observou-se que, em média, dos 373 (trezentos e setenta e três)
venezuelanos que passam diariamente pelo Posto de Bloqueio da BR-174, cerca
de 126 (cento e vinte e seis) retornam, resultando no saldo de aproximadamente
247 (duzentos e quarenta e sete) que permanecem no Brasil.11
Essa medição, em conjunto com as medições realizadas no Posto de
Recepção e Identificação da Força-Tarefa Logística Humanitária (média de 548
entradas, 138 saídas, perfazendo um saldo diário de 410 que permanecem no
Brasil), permite o acompanhamento do fluxo migratório venezuelano.12
Na vertente da repressão aos delitos transfronteiriços, como dados
relevantes destaca-se a detenção de 32 (trinta e dois) venezuelanos que
tentavam ingressar no Brasil de forma irregular. Nesse ponto, deve-se registrar
que muitos deles são usados como “mulas”, recebendo cerca de quatro dólares
para ingressar no Brasil, ilegalmente, transportando produtos relacionados ao
contrabando e ao descaminho (DE OLIVEIRA, 2018).
Assim, verifica-se que o Estado Brasileiro, fruto da fragilidade e da
inaptidão do Estado de Roraima em absorver e gerir, isoladamente, as
demandas geradas pelo fluxo imigratório, interveio por meio do estabelecimento
do controle migratório e da segurança da fronteira. Por ser uma medida de
intervenção Federal a um Ente Federado do Estado-Nação, entendemos que o
Estado Brasileiro securitizou o tema.
11
Médias calculadas de abril a outubro de 2018
12
Médias calculadas de julho a outubro de 2018
66
A Operação Acolhida, que foi concebida conforme a doutrina militar vigente
e pode ser classificada como operação humanitária, conjunta e interagências,
que objetiva o acolhimento humanitário (recepcionar, identificar, triar, imunizar,
acolher e realocar) de imigrantes venezuelanos no estado de Roraima,
consequente do fluxo migratório fomentado pela crise humanitária.
Para melhor entendimento, algumas definições se fazem necessárias:
67
Quadro 9 - Organização da Força-Tarefa Logística Humanitária
13
Situação política ou militar a ser alcançada ao final das operações e que indica se o efeito desejado foi
alcançado (BRASIL, 2015).
68
Figura 9 - Planejamento detalhado da Operação Acolhida
Sendo Pacaraima e Boa Vista as duas cidades mais afetadas pelo aumento
do fluxo migratório venezuelano, por serem as duas primeiras e principais
localidades estabelecidas no eixo de deslocamento sentido rota 10 - BR-174, a
Força-Tarefa estabeleceu uma base em cada uma dessas cidades e organizou
suas forças da seguinte forma:
69
A Operação foi estruturada baseada no estabelecimento de 5 (cinco) instalações conforme descrito abaixo:
Quadro 11 - Quadro estrutural da Operação Acolhida / Pacaraima
Instalação Local Finalidade Mobiliado Atividade Executada
- FA;
- recepção e orientação.
1. Posto de Identificar motivo de ingresso - PF;
- Identificação e controle de entrada (PF).
Recepção e (turismo, residência temporária - ANVISA;
- Verificação da situação de vacinas.
Identificação ou refúgio) - ACNUR e
- Oferecimento de alimentação
- OIM.
- cadastramento dos imigrantes com
- FA;
biometria solicitantes de residência
- PF;
temporária e refúgio.
- RF;
- inspeção das bagagens.
- ACNUR;
Realizar o cadastramento, - regularização migratória
2. Posto de - OIM;
inspeção de bagagens, - confecção dos documentos.
Triagem - MS;
confecção de documentos. - Inspeção fitossanitária e imunização.
Pacaraima - MDS;
- Atendimento social
- MDH
- Proteção e defesa de direitos
- UNFPA;
- Atividades com crianças
- UNICEF.
- Oferecimento de outra refeição.
3. Posto de - Forças Armadas Brasileiras - estrutura
Atendimento médico
Atendimento médica de campanha, que conta com - Triagem sanitária.
emergencial de baixa e média
Avançado médicos, dentistas, farmacêuticos e - 20 leitos para internação.
complexidade
(PAA) enfermeiros militares.
4. 3º Pelotão - Executar, coordenar e controlar - FA;
- Patrulhamento
Especial de as ações táticas referentes ao - PF;
- Postos de Bloqueio e controle de estradas
Fronteira (3º ordenamento da fronteira. - PM;
- Suporte estrutural à Operação Acolhida
PEF) - Suporte estrutural Op Acolhida - Agencias.
Efetivos
Instalação Local Finalidade
Capacidade Abrigados
5. Abrigos em Janakoida Abrigar refugiados de origem indígena – famílias (abrigo transitório) 224 449
Pacaraima BV-8 Abrigar refugiados não indígenas – abrigo para regularização migratória 500 238
TOTAL 724 687 (Nov 18)
Fonte: (CIVIL, 2018a). Adaptado pelo autor.
70
Quadro 12 - Quadro estrutural da Operação Acolhida / Boa Vista
Instalação Local Finalidade Mobiliado Atividade Executada
- Supervisão, coordenação e controle da Operação - Supervisão, coordenação e
Controle. controle do ordenamento da
1. 1ª Brigada de
- Suporte à Operação Acolhida - Exército fronteira por meios da Operação
Infantaria de
- Apoio logístico à Operação Acolhida. - Agências Controle.
Selva Boa Vista
- Centro de Comando e Controle das Operações - Suporte logístico e administrativo
Acolhida e Controle à Operação Acolhida
- Força Aérea - Apoio logístico de alimentação e
2. ALA 7 - Apoio logístico à Operação Acolhida
- Agências preparação de material
Efetivos (UNHCR, 2018c)
Instalação Local Finalidade
Capacidade Abrigados
Pintolândia Abrigar refugiados de origem indígena – famílias 448 690
Tancredo Neves Abrigar refugiados não indígenas adultos 232 306
Jardim Floresta 594 525
São Vicente 378 361
Abrigar refugiados não indígenas – famílias
Nova Canãa 390 380
Abrigos em Boa Rondon I 726 752
Vista Hélio Campos 250 253
Palácio Latife Salomão 300 431
Abrigar refugiados não indígenas – famílias e adultos
Santa Tereza 514 511
Rondon III 1086 346
Rondon II Abrigar refugiados não indígenas – abrigo de trânsito para a 640 415
interiorização
TOTAL 5.558 4.970 (Nov 18)
- Os abrigos seguem o padrão previsto nas publicações do ACNUR.
- Os militares da Operação Acolhida oferecem todo o apoio logístico necessário ao funcionamento dos abrigos, tais como obras e reparos de engenharia,
segurança externa e interna, atenção médica e alimentação.
- No tocante ao apoio de alimentação, a FT Log Hum fornece refeições quentes para os abrigos ocupados não indígenas e gêneros secos para os indígenas.
- Atividades desenvolvidas nos abrigos: três refeições por dia; distribuição de alimentos em abrigos indígenas; distribuição de kits de higiene pessoal e
limpeza, fraldas; limpeza diária, aulas de português; atividades com crianças; atividades culturais, lúdicas e recreativas; fornecimento de matéria-prima para
artesanato indígena Warao; provisão telefônica para comunicação com parentes na Venezuela; proteção e defesa de direitos e segurança 24h.
Fonte: (CIVIL, 2018a). Adaptado pelo autor.
71
O planejamento de abrigos na área urbana de Boa Vista é fruto de estudos
como o realizado pelo ACNUR que calcula que cerca de 60% dos refugiados e
de 80% dos deslocados no mundo vivem em áreas urbanas. Muitos evitam
campos estabelecidos fora da área urbana, em virtude da falta de oportunidades
de trabalho (PARK, 2016). Assim, a Força-Tarefa Logística Humanitária decidiu
pelo estabelecimento de campos na área urbana de Boa Vista baseada no
pressuposto de que seriam interiorizados 500 venezuelanos por mês (DE
OLIVEIRA, 2018).
A Operação Acolhida vem contabilizando resultados relevantes que podem
ser quantificados por meio dos imigrantes recebidos, das solicitações de refúgio,
dos abrigados, dos interiorizados, além da quantidade de vagas disponibilizadas
em abrigos, conforme os dados apresentados a seguir:
72
Gráfico 5 - Histórico dos imigrantes recebidos, solicitantes de refúgio, abrigados e interiorizados
12000
8000 7914
7651
7398
6792
6477
6093 6235
6000
5553 5723
5395 5242 5292
5133 4963 5046
4938
4939
4239 4154
4000 3980 3980
3800
3471
3256
2855
2179 2332
2000
1348
1097
820
527
265
0 0
mar/18 abr/18 mai/18 jun/18 jul/18 ago/18 set/18 out/18 nov/18
Imigrantes recebidos 5395 5553 6093 6792 9326 10017 6477 7651 10002
Solicitação de Refúgio 3471 5242 5133 4963 7914 7398 4938 6235 5046
Abrigados 1348 2179 3800 3980 3980 4239 4939 5292 5723
Interiorizados 0 265 527 820 1097 2332 2855 3256 4154
73
Da análise do recorte temporal do gráfico 5, verifica-se que cerca de 75%
dos imigrantes recebidos solicitaram refúgio. Observa-se ainda que a foram
abrigados cerca de 12% e interiorizados aproximadamente 8% dos solicitantes
de refúgio, conforme destacado na figura 10.
74
Gráfico 6 - Histórico da somatória dos imigrantes recebidos, vagas em abrigos e abrigos
120000
100000 98710
91059
84582
80000
74565
65239
60000
58447
52354
46801
40000 41406
20000
75
Nesse gráfico, observa-se também o relativo distanciamento entre o total
de imigrantes recebido e a capacidade de abrigamento o que reforça a
necessidade de intensificar a interiorização afim de liberar vagas em abrigos,
favorecendo assim o ciclo virtuoso da Operação Acolhida que se caracteriza pelo
ordenamento (recepção e identificação), abrigamento e interiorização.
Assim, verifica-se que a resposta do Governo Brasileiro frente a crise
venezuelana, por meio do estabelecimento da Operação Acolhida, vem
respondendo às demandas nacionais, regionais e internacionais. A estratégia
adotada vem sendo um modelo de sucesso no tocante ao respeito aos direitos
humanos, atendendo também a teoria da securitização por buscar o afastamento
da população imigrante da área fragilizada da fronteira mais setentrional do
Brasil.
76
4. ASPECTOS DA INTERIORIZAÇÃO
A interiorização é um dos três pilares que balizaram o estabelecimento dos
parâmetros da Operação Acolhida. Dentre esses três pilares (ordenamento da
fronteira, abrigamento e interiorização), a interiorização se distingue por afastar
o refugiado da fronteira frágil do Estado de Roraima, dando respostas práticas à
teoria da securitização e sendo fator fundamental para o sucesso da Operação.
Este capítulo tem por finalidade apresentar a política empreendida pelo
governo brasileiro a fim de promover assistência aos deslocados venezuelanos
interiorizados no Brasil. Para tal, será utilizado o método de process tracing para
identificar as conexões causais entre a situação migratória evidenciada na
Região Norte do Brasil e o método aplicado para buscar dirimir essa questão.
A Convenção de 1951, instrumento considerado não impositivo pelo direito
internacional dos refugiados, pode ser apontado como gênese do processo de
interiorização por tratar, em seu preâmbulo, da necessidade do estabelecimento
de parcerias igualitárias entre os Estados de primeiro refúgio e os de destino final
(TISSIER-RAFFIN, 2018, p. 4). Seguindo essa linha, a Lei brasileira nº 9474 de
1997, que definiu os mecanismos para a implementação da Convenção de 1951,
incorporou as chamadas soluções duráveis à legislação Nacional incluindo a
responsabilidade coletiva dos Estados. No contexto regional, o Plano de Ação
México de 2004 estabeleceu três programas, dentre os quais o reassentamento
solidário, programa esse proposto pelo Estado Brasileiro.
No Brasil, a porta de entrada dos refugiados venezuelanos vem sendo o
Estado de Roraima, região que apresenta singularidades relacionadas à
localização geográfica, abastecimento elétrico, ordenamento territorial, além de
outras características inerentes à região mais setentrional do Brasil.
Associado às características regionais acima descritas, a falta de estrutura
do Estado de Roraima, o colapso do sistema de saúde regional, a dificuldade no
oferecimento de serviços essenciais, a insegurança e a escassez de emprego
influenciaram a resposta brasileira. É importante salientar que as
particularidades das conexões causais acima descritas não serão aprofundadas
nesse trabalho. No entanto, respeitados autores como (ESPINOZA, 2002),
(BALDWIN, 2017), (DE OLIVEIRA, 2018), (VAZ, 2017) e (VILLA, 2005)
aprofundados essa temática.
77
Figura 11 - Mapa mental – Processo de interiorização
Conexões causais da situação migratória do Estado de Roraima Método aplicado para buscar dirimir essa questão
Custeio Estatal
78
Em função das fragilidades acima descritas, o Estado brasileiro, como
entidade federal competente, reconhece a responsabilidade diante da magnitude
migratória venezuelana e assegura seu compromisso diante da questão.
A solução pretendida teve como premissas fundamentais o amparo jurídico
e o suporte internacional, a redução da pressão na fronteira, a coesão e
segurança regional, a redução da xenofobia, a participação interagência e a
redução da dependência estatal dos refugiados.
No desenvolvimento do processo de formulação de solução, alinhado com a
política migratória internacional, foram visualizados três métodos considerados
duráveis: o repatriamento voluntário, a integração no local e a reinstalação ou
interiorização.
14
Barry Buzan e Olav Weaver, referencias da Escola de Copenhague, desenvolveram uma
corrente de Estudos de Segurança Internacional que afastou o modelo estadocêntrico anterior, ao
entender a ideia de segurança das coletividades humanas e dos Estados de forma conjunta. Assim,
dentre os novos temas que passaram a ser analisados a partir dessa perspectiva de segurança, ganharam
destaque as migrações internacionais.
79
desenhada por Barry Buzan e Olav Weaver, priorizou a interiorização à
integração local em função das características regionais e econômicas do
Estado de Roraima, da possibilidade da crise venezuelana perdurar e,
sobretudo, da facilidade do Brasil absorver, em outras unidades da federação, o
fluxo de imigrantes em razão da dimensão territorial do País.
A política de interiorização é um processo idealizado para compartilhar
refugiados para outras regiões a fim de desconcentrar e reduzir a pressão sobre
os países/locais de entrada. O Brasil, em razão de sua dimensão, entendeu e se
apropriou dessa proposta a fim de buscar uma solução durável a questão dos
refugiados venezuelanos.
A interiorização, também denominada reassentamento, implica na seleção
e transferência voluntária do refugiado do Estado de acolhimento para outro
Estado que aceite o reassentamento em seu território, acolhendo com status de
residente permanente. Nessa condição, o refugiado recebe proteção jurídica e
incorpora os mesmos direitos dos cidadãos nacionais podendo, posteriormente,
requerer naturalização.
Um obstáculo desse processo é a disparidade entre o número de solicitantes
e a quantidade de vagas disponibilizadas, o que cresce de importância o
estabelecimento de prioridades e critérios a fim de regulamentar essa
sistemática. Exemplo de critério, considerado básico nessa metodologia, seria o
reconhecimento formal da situação de refugiado.
No Brasil, essa estratégia objetiva oferecer maiores oportunidades de
inserção socioeconômica aos imigrantes venezuelanos e diminuir a pressão
sobre os serviços públicos do Estado de Roraima. Ela é coordenada pelo
Subcomitê Federal para Interiorização, com apoio do ACNUR, da Organização
Internacional para Migração (OIM) e do Fundo de População das Nações Unidas
(UNFPA). Ressalta-se que a responsabilidade pela operacionalização da
interiorização, a partir de Memorando de Entendimento assinado junto à Agência
Brasileira de Cooperação/ MRE, é da OIM.
Dentre as vantagens da interiorização estipulou-se a melhoria no acesso a
meios fundamentais como saúde, educação e bem-estar, a desconcentração e
redução da pressão sobre os programas de ajuda na fronteira, o controle
migratório, a coesão regional, a redução à dependência estatal dos refugiados;
e o aumento da taxa de profissionalização.
80
Historicamente as ONG e as organizações internacionais participam
efetivamente desse processo, sobretudo na identificação do refugiado, na
preparação para o embarque e na integração após a interiorização.
No Brasil, o processo de interiorização tem inicio na fronteira e conta com
a participação de diversas instituições / agencias como as Forças Armadas
Brasileiras, a Polícia Federal (PF), a Receita Federal (RF), a Agência de
Vigilância Sanitária (ANVISA), o ACNUR, a OIM, além de Organizações não
Governamentais nacionais e internacionais e entidades. No Posto de Recepção
e Identificação, localizado em Pacaraima, o imigrante: é orientado e
recepcionado em área de espera com conforto adequado (água, lanche e
instalações sanitárias), identificado pela PF e, por fim, manifesta o motivo do
ingresso no País. Caso requisite refúgio ou residência temporária, o cidadão
recebe, inicialmente, orientações sanitárias e procedimentais sendo
encaminhado, na sequência, ao Posto de Triagem onde é processado o
cadastramento para futura alocação espacial. Ainda na triagem, são cadastros,
passam por inspeções clínica e de imunização, recebem orientações específicas
a fim de regularizar a situação migratória e recebem documentos necessários à
atividade laboral como carteira de trabalho e o cadastro de pessoa física (CPF).
Caso esse procedimento ultrapasse as 18:00 horas, o cidadão é encaminhado
ao alojamento existente na área de recepção onde recebe a atenção necessária.
Após esses procedimentos, o refugiado é encaminhado ao abrigo
designado e, caso atenda os critérios estabelecidos para a interiorização
(regularização migratória, imunização, avaliação clínica de saúde e assinatura
do termo de voluntariedade), prossegue no processo, sendo interiorizado pela
Operação Acolhida, usualmente, por meio aéreo da Força Aérea Brasileira ou
empresas privadas. Existem ainda interiorizados por iniciativa da sociedade civil,
abordagem que não foi priorizada nesse trabalho.
81
Figura 12 - Fluxograma para entrada no País
82
Dentre as diversas modalidades de abrigos propostos nos locais de
destino, destacam-se os ofertados pelo Governo Federal, pelos Estados, pelos
Municípios, pela Sociedade Civil, além das Moradias Religiosas. Das regiões
brasileiras, as que absorveram mais de 50% dos interiorizados foram as Sul e
Sudeste, com 38,3% e 22,8%, respectivamente.
83
Gráfico 9 - Solicitações de refúgio (Venezuelanos) – por ano
60000
50000
40000
30000
20000
10000
0
2013 2014 2015 2016 2017 2018
Quantidade 56 209 830 3385 17943 56261
120000
100000
80000
60000
40000
20000
0
Mar Abr Mai Jun Ago Out Nov
Quantidade 38576 43022 48646 56740 75560 85000 96094
84
Observa-se que dentre os venezuelanos que entram no Brasil diariamente,
cerca de 50% retornam para Venezuela, sendo considerados migrantes
pendulares15, o que não gera reflexo para a interiorização.
Dos outros 50%, parcela segue destino por meios próprios para outros
estados ou países e parcela evidencia vulnerabilidades demandando cuidados
especiais e abrigamento, sendo esse grupo candidato à interiorização.
Outro fator significativo, fruto da análise do perfil etário do imigrante
constante do relatório da Polícia Federal de 2018 (Figura 12), é a indicação da
permanência fundamentalmente de indivíduo em idade laboral.
Os venezuelanos em Roraima que solicitaram refúgio são divididos em
58,28% homens e 41,72% mulheres. No caso dos indígenas, essa
porcentagem é de 54,55% de homens e 45,45% de mulheres. Com
relação à idade, o número de jovens e adultos é maioria, o que
classifica essa migração como uma migração de trabalho e de
oportunidades (DA FROTA SIMÕES; CAVALCANTI; DE OLIVEIRA,
2018).
15
A migração pendular é um fenômeno que não se trata propriamente de uma migração, pois é uma
transferência momentânea, diária.
85
2017 quando o Estado Brasileiro adota medidas mais contundentes a fim de
amenizar o problema como as Operações Acolhida e Controle.
A política de interiorização é um processo idealizado para compartilhar
refugiados para outras regiões a fim de desconcentrar e reduzir a pressão sobre
os países de entrada. O Brasil, em razão de sua dimensão, entendeu e se
apropriou dessa proposta a fim de buscar uma solução durável a questão dos
refugiados venezuelanos.
A meta inicial de interiorização proposta foi de cerca de 500 venezuelanos
por mês. Podemos concluir que essa meta foi parcialmente atingida no ano de
2018 (média de 462 interiorizados por mês). No entanto, essa meta não
acompanhou proporcionalmente o aumento do fluxo de entrada de refugiados.
O histórico crescente, identificado em 2018, indica a propensão que esses
números se intensifiquem futuramente.
A solução adotada em estabelecer a política de interiorização foi essencial
para a manutenção da estabilidade regional, preservação da coesão regional,
redução da pressão sobre a fronteira, além de atender adequadamente os
preceitos internacionais.
Em síntese, o processo de interiorização vem atendendo satisfatoriamente
as demandas correntes, sendo considerado um modelo de destaque que vem
projetando o Brasil internacionalmente.
Os números apresentados pela Operação Acolhida, sobretudo de
interiorização, somados aos da recepção, cadastramento e abrigamento, vem
demonstrando que o planejamento e a integração de esforços (trabalho
interagência) favorecem a solução de problemas nacionais.
Por fim, verifica-se que a decisão de interiorizar foi uma decisão sensata e
equilibrada em razão da situação apresentada, das possibilidades e limitações
do Estado de Roraima e da dimensão continental do Brasil. O Brasil vem
seguindo o prescrito nas normas internacionais no tocante ao tratamento
facultado ao refugiado, integrando-o à sociedade brasileira, buscando melhorar
a qualidade de vida e oferecendo oportunidades para que ele busque
estabelecer uma vida digna no Brasil.
86
5. CONCLUSÃO
87
refugiado, como seu principal arcabouço. A legislação nacional foi instituída na
2ª metade do Século XX, tendo como dispositivos fundamentais a CF/88, base
da normativa brasileira, e o Decreto 98.602 que removeu as reservas e alinhou
os preceitos nacionais com a Declaração de Cartagena e o Protocolo de 1967.
Na sequência, foi examinada a crise venezuelana que remonta da
segunda metade do século XX, sendo agravada, mais recentemente, na primeira
metade do século XXI, por decisões políticas e econômicas. A partir de 2015,
essa crise resultou na diáspora venezuelana para diversos países, dentre eles o
Brasil onde o fluxo vem se dirigindo à fronteira norte, especificamente no Estado
de Roraima que não se encontrava preparado para recepcionar, de forma digna,
esses refugiados. Diante dessa situação de vulnerabilidade do Estado de
Roraima, da narrativa construída ao redor do tema e como consequência do
vasto fluxo de refugiados venezuelanos dirigido à fronteira norte do Brasil, o
Estado brasileiro reconheceu a situação de vulnerabilidade do Estado de
Roraima (DP nº 9.285) e criou um Comitê Federal de Assistência Emergencial
(DP nº 9.286) com a finalidade de coordenar as ações de cunho humanitário.
Fruto dos supracitados decretos, o Ministério da Defesa publicou as Diretrizes
Ministeriais nº 03 e 04 de 2018, estabelecendo parâmetros e responsabilidades
para a execução das Operações Acolhida e Controle.
As Operações Acolhida e Controle foram concebidas baseadas em 3 (três)
pilares: o ordenamento da fronteira, o abrigamento e a interiorização. A
construção do primeiro pilar vem sendo efetivado por ambas Operações,
enquanto os outros dois estão sendo concretizados pela Operação Acolhida.
88
A Operação Controle foi desencadeada com a finalidade de coibir os delitos
fronteiriços, além de apoiar as ações de controle migratório, sob
responsabilidade da Polícia Federal, tendo como área de operações o Estado
de Roraima. Na vertente da repressão aos delitos transfronteiriços, como dado
relevante destaca-se a detenção de 32 (trinta e dois) venezuelanos que
tentavam ingressar no Brasil de forma irregular. Na vertente controle migratório,
a medição da quantidade de venezuelanos que passam pelo posto de bloqueio
e controle da BR-174 vem sendo essencial para permitir, juntamente com as
aferições realizadas no Posto de Recepção e Identificação da Força-Tarefa
Logística Humanitária, o acompanhamento do fluxo migratório venezuelano
A Operação Acolhida objetiva o acolhimento humanitário de imigrantes
venezuelanos no estado de Roraima, consequente do fluxo migratório
fomentado pela crise humanitária. Essa Operação vem contabilizando
resultados positivos sobretudo pelo estratégia adotada de recepção,
acolhimento e interiorização, estratégia essa dotada de certa flexibilidade em
razão do fluxo inconstante de refugiados que se modifica de acordo com a
mudança da situação política e econômica venezuelanas. Dentre os refugiados
identificados na fronteira, cerca de metade permanece no Brasil, sendo
atendidos na escopo da Operação Acolhida.
A interiorização foi um processo idealizado para compartilhar refugiados
para outras regiões a fim de desconcentrar e reduzir a pressão sobre os
países/locais de entrada. O Brasil, em razão de sua dimensão, entendeu e se
apropriou dessa proposta a fim de buscar uma solução durável à questão dos
refugiados venezuelanos, o que vem trazendo reflexos positivos, sobretudo na
desconcentração e redução da pressão sobre os programas de ajuda na
fronteira, no controle migratório e na coesão regional. A meta inicial desse
processo, de cerca de 500 interiorizados por mês, foi parcialmente atendida no
ano de 2018 (média de 462 interiorizados por mês).
A execução da gestão da crise migratória embora tenha lançado mão
do componente militar e securitário não se omitiu do caráter
humanitário de forma a promover também a segurança humana além
da segurança do Estado (PAIVA; LEITE; MONFREDO, 2019, p. 129).
89
do risco de instabilidade ao Estado de Roraima. A resposta brasileira se fez por
uma complexa operação interministerial, interagências, com participação
integrada de organismos não-governamentais e entidades da sociedade, o que
pode ser o embrião de uma Agência Nacional de Imigração, hoje inexistente no
Brasil. A forma oportuna e eficiente como a problemática da imigração
venezuelana vem sendo tratada até o momento, vem sendo considerada pela
Organização das Nações Unidas como um solução exitosa.
Por fim, atualizando e aprofundando os dados para além da delimitação
temporal do trabalho (2015 a 2018), por meio de informações de junho de 2019
da Operação Acolhida, com dados relativos a 31 de maio de 2019, observa-se a
redistribuição geográfica dos interiorizados. Se compararmos com os dados dos
interiorizados até final de 2018 com os atualizados em maio de 2019, observa-
se o aumento de 7% para Região Norte (12% para 19%) e de 2% no centro-
oeste (14% para 16%); diminuição de 6% na região Sul (38% para 32%) e de
2% na região nordeste (13% para 11%); e manutenção dos índices da região
sudeste (22%). Ainda, analisando os interiorizados segundo esse relatório,
observa-se o aumento de 462 interiorizados/mês (dezembro de 2018) para 560
interiorizados/mês, alcançando a meta proposta de 500 mês. No entanto, essa
meta não vem acompanhando proporcionalmente o aumento do fluxo de entrada
de refugiados, merecendo ser revista.
De qualquer forma, nosso País cumpre, de maneira exemplar, os ditames
de Convenções e Leis internacionais, no sentido de bem receber nossos irmãos
venezuelanos, privados de um dos mais elementares direitos humanos, a
dignidade.
90
REFERÊNCIAS
FONTES PRIMÁRIAS
91
CIVIL, C. Relatório trimestral Comitê Federal de Assistência Emergencial,
2018a.
92
OEC - Venezuela (VEN) Exports, Imports, and Trade Partners. Disponível em:
<https://atlas.media.mit.edu/en/profile/country/ven/>. Acesso em: 6 abr.
2019.
93
FONTES SECUNDÁRIAS
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BEACH, Derek; PEDERSEN, Rasmus Brun. Process-tracing methods:
Foundations and guidelines. University of Michigan Press, 2019.
BUZAN, Barry et al. Security: a new framework for analysis. Lynne Rienner
Publishers, 1998.
CASTLES, Stephen. Why migration policies fail. Ethnic and racial studies, v.
27, n. 2, p. 205-227, 2004.
95
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