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Boa Vista - RR
2019
MIGUEL ALVARENGA DE MACEDO DOS SANTOS
Boa Vista - RR
2019
Dados Internacionais de Catalogação na publicação (CIP)
Biblioteca Central da Universidade Federal de Roraima
S237a Santos, Miguel Alvarenga de Macedo dos.
A atuação das organizações internacionais em Roraima no
acolhimento aos migrantes refugiados LGBTI da Venezuela / Miguel
Alvarenga de Macedo dos Santos. – Boa Vista, 2019.
68 f. : il.
CDU - 325.11(811.4)
Ficha Catalográfica elaborada pela Bibliotecária/Documentalista: Maria de
Fátima Andrade Costa - CRB-11/453-AM
MIGUEL ALVARENGA DE MACEDO DOS SANTOS
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Gostaria de agradecer primeiramente a Deus por minha vida e por abrir várias
portas que a mudaram para melhor. Por presentear-me com encontros de um repertório
simbólico indescritível e que nunca cogitei ter contato e também por proteger-me em
todos os momentos.
Agradeço à minha família por sempre se importar com minha educação e bem-
estar, independentemente de qualquer situação. Agradecimentos especiais à minha avó
Manoelina, à minha tia Édna, e principalmente à minha mãe Eliana. Obrigado por ser
minha mãe, por todos os dias que passávamos juntos, por todos seus ensinamentos, lições,
carisma, inteligência, por seu amor e por ser minha fonte de inspiração todos os dias. Te
amarei por toda a eternidade.
Agradeço à Universidade Federal de Roraima por brindar-me um ensino de
qualidade e todos os meios necessários para que eu pudesse alcançar meu sonho, a
exemplo dos auxílios e bolsas estudantis, assim como uma mobilidade internacional.
Também por apresentar-me meus amigos, os quais deram muito mais alegria e significado
aos meus dias de estudo, assim como suporte para lidar com as situações adversas, sempre
tendo eu uma mão a qual recorrer. Por colocar-me em um ambiente com professores
indescritíveis e que sem sombra de dúvidas definiram meu futuro e gosto pela área de
Relações Internacionais.
Agradeço meu professor João Carlos Jarochinski por suas aulas que me
transportavam aos lugares e épocas mais extraordinários da história. Atuou como
coordenador em todos os meus anos de graduação, sempre solícito e preocupado com
seus alunos e com o curso.
Agradeço à professora Marcelle Silva, por ensinar-me a não ter medo nem
vergonha de correr atrás de meus sonhos e a como ser um profissional qualificado.
Agradeço ao meu professor e orientador Gustavo Simões por todos os
ensinamentos na área de migração e refúgio, área que levarei comigo sempre e que talvez
trabalharei o resto da vida. Obrigado também por aceitar meu pedido de orientação e pela
paciência e compreensão.
Agradecimento especial à professora Júlia Camargo, a qual considero uma mãe
em muitos sentidos. Obrigado por apresentar-me o mundo do voluntariado e abrir portas
em minha vida como poucos fizeram. Não há palavras ou atos que demonstrem meu
sentimento de gratidão. Você mudou minha vida para sempre.
Agradeço a outros professores e professoras que marcaram minha trajetória e me
inspiraram profundamente como Felipe Kern, um dos homens mais inteligentes que tive
a honra de conhecer e escutar, assim como Anahí Barbosa, uma das pessoas mais
sensíveis e belas e que me ensinou que eu sou a fonte para tudo.
Agradeço a Roraima, terra que me proporcionou todas essas experiências e
oportunidades que não teria em nenhum outro lugar. Essa água do Rio Branco tem alguma
coisa.
Por fim, mas não menos importante, agradeço a mim mesmo por nunca desistir, e
sempre acreditar que dias melhores virão. Quase sempre eu fui o único a quem podia
recorrer e me amparar. Reconheço meus esforços e qualidades e trabalho para que eu seja
mais gentil e amoroso comigo mesmo. No final do dia, somos nós e só nós.
“Do I contradict myself? Very well, then, I
contradict myself; I am large -- I contain
multitudes.”
(Walt Whitman)
RESUMO
The present study investigates the reception of LGBTI people in the Venezuelan
immigration in Roraima. The aim is to analyze these initiatives linked to the protection
and integration of these LGBTI migrants and refugees by international organizations in
partnership with other actors working in the humanitarian emergency in Roraima. The
investigation of the transborder flow in which LGBTIs are inserted, resulting from the
deterioration of the internal situation of Venezuela, its international protection based on
human rights and the analysis of the local reception took place from an exploratory,
descriptive and explanatory approach, characterizing a qualitative research, based on the
historical-deductive method. Thus, a study was constructed from two of the main actors
identified in the area of reception of LGBTI migrants and refugees where it is concluded
that the actions of a specific nature do not fully meet the specificities and demands of
these people, resulting in a perpetration of the invisibility and social vulnerability
imposed on the group, together with the scarcity of scientific works in the area that would
corroborate with possible solutions.
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Preço médio anual pela OPEP do petróleo bruto de 2010 a 2018. .............. 19
Gráfico 2 - Taxa de inflação da Venezuela, preços médios ao consumidor (variação
anual em porcentagem). .................................................................................................. 20
Gráfico 3 - Crescimento das solicitações de refúgio (2014-2018). ................................ 27
LISTA DE ABREVIATURAS
AD Acción Democrática
ACNUR Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados
ACNUDH Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos
ANC Assembleia Nacional Constituinte
CRAS Centros de Referência de Assistência Social
CREAS Centros de Referência Especializados de Assistência Social
CNIg Conselho Nacional de Imigração
COPEI Comité de Organización Política y Electoral Independiente
DTM Displacement Tracking Matrix
DUDH Declaração Universal dos Direitos Humanos
GGB Grupo Gay da Bahia
MERCOSUL Mercado Comum do Sul
MDS Ministério do Desenvolvimento Social
MUD Mesa de Unidad Democrática
OVV Observatório Venezuelano de Violência
OEA Organização dos Estados Americanos
OIM Organização Internacional para as Migrações
ONU Organização das Nações Unidas
PDVSA Petróleos de Venezuela
PEP Permiso Especial de Permanência
PIDESC Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais
PIDCP Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos
RI Relações Internacionais
TSJ Tribunal Supremo de Justicia
UNASUL União de Nações Sul-Americanas
UNFPA Fundo de População das Nações Unidas
UFRR Universidade Federal de Roraima
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 14
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 60
14
1 INTRODUÇÃO
O fluxo migratório venezuelano, resultado de uma crise política, econômica e social que
assola o país nos últimos cinco anos, trouxe milhares de pessoas ao Brasil, principalmente pelo
estado de Roraima que é porta de entrada dos refugiados e migrantes venezuelanos. Dentre esse
grupo, encontra-se um recorte ainda mais vulnerável do que os que migram forçosamente: os
refugiados e migrantes LGBTI1. Uma força-tarefa logística e humanitária vem lidando com o
fluxo oficialmente desde 2018 e inclui inúmeros atores de diferentes esferas que estão
envolvidos no acolhimento, proteção e integração dos venezuelanos LGBTIs.
Existe uma intrínseca relação entre uma sociedade e um Estado, onde ambos legitimam
e encorajam a regulação de corpos, sexualidades e identidades de indivíduos dentro de padrões
dimórficos2 e heteronormativos3. Relações e indivíduos heterossexuais são privilegiados e
valorizados, assim como impostos como o ideal, enquanto pessoas que não se encontram nesses
padrões estabelecidos são submetidas a uma constante marginalização. Sabe-se que a condição
de migração e refúgio já impõe uma série de vulnerabilidade4s às pessoas. Quando pertencentes
ao grupo LGBTI, elas se tornam duplamente fragilizadas, necessitando um tipo de resposta
mais específica e pensada nesse recorte. Levando em conta o contexto migratório em Roraima,
indaga-se: quais ações e iniciativas sendo realizadas com os migrantes e refugiados
venezuelanos LGBTI que visam o acolhimento, proteção e integração e como elas são
realizadas?
A hipótese central é de que poucas ações são realizadas e de modo não prioritário, não
diminuindo a vulnerabilidade estrutural na qual esses indivíduos se encontram. Considera-se
também, que as poucas iniciativas realizadas alcançam um número limitado de LGBTIs em
situação de migração e refúgio, reforçando sua condição de invisíveis na sociedade patriarcal,
heteronormativa e cisgênera.
1
Utiliza-se o acrônimo utilizado pelas Nações Unidas, e em momento algum é desconsiderada a relevância
de outras siglas.
2
O dimorfismo refere-se às diferenças entre homens e mulheres que não envolvem os órgãos sexuais, e que
leva a crença que limita os sexos entre essas duas categorias.
3
Heteronormatividade descreve a crença de que a heterossexualidade seria a única e natural expressão da
sexualidade de um indivíduo, marginalizando e excluindo sexualidades que diferem.
4
Para um aprofundamento sobre o termo vulnerabilidade, que envolve sobreposição de vulnerabilidades,
justiça social e responsabilidade estatal, ver Dodds, Rogers e Mackenzie (2014). Disponível em: <
http://eltalondeaquiles.pucp.edu.pe/wp-content/uploads/2016/09/Studies-in-Feminist-Philosophy-Catriona-
Mackenzie-Wendy-Rogers-Susan-Dodds-Vulnerability_-New-Essays-in-Ethics-and-Feminist-Philosophy-
Oxford-University-Press-2013.pdf#page=14>.
15
se como ocorreu a migração para este país, que envolve migrantes e refugiados de diferentes
grupos, entre eles os LGBTI.
Pensando nisso, o segundo capítulo investiga a criminalização de orientações sexuais e
identidades de gênero em diversos países e apresenta dados sobre este tema. É analisado depois
o histórico da proteção internacional dada a indivíduos LGBTI e qual a fundamentação dessa
proteção por meio de levantamento de dados, diretrizes e instrumentos jurídicos internacionais
principalmente da Organização das Nações Unidas (ONU) ou relativo a ela.
Finalmente, o terceiro capítulo analisa o estado de Roraima e a migração que aqui ocorre
relativa à ações de acolhimento, proteção e integração de migrantes e refugiados LGBTI, assim
como os desafios advindos dessa temática. É apurada brevemente a divulgação de ações e
iniciativas voltadas a migrantes e refugiados LGBTI por parte das organizações internacionais
e órgãos públicos atuantes na resposta emergencial no estado de Roraima.
17
Chávez foi reeleito para seu quarto mandato consecutivo em 2012, governando até
março de 2013, quando faleceu devido a um câncer o qual já vinha lutando por anos. Seu
sucessor, Nicolás Maduro, assumiu o mandato para o período de 2013-2019, dando
continuidade ao emparelhamento do Estado.
A crise política na Venezuela se intensificou em 2015, ano em que ocorreram as eleições
parlamentares que deram vitória na Assembleia Nacional - AN aos partidos de oposição, que
conquistaram a maioria dos lugares, contra o governo de Nicolás Maduro e seus simpatizantes.
Com controle de 67% da AN, a heterogênea oposição que havia se reunido em 2008, formando
a coligação Mesa de Unidad Democrática - MUD, viu no horizonte uma oportunidade de
contrabalancear o poder do Governo Maduro e promover uma mudança no regime (GAMBOA,
2016).
Apesar de obter a maioria dos lugares na AN, a esperança da MUD de frear o Governo
não teve o resultado esperado. Para López Maya (2018), após as eleições parlamentares de
2015, o governo venezuelano passou a implementar medidas antidemocráticas, tais como
utilizar o Tribunal Supremo de Justicia - TSJ para a destituição sem fundamentos ou provas de
quatro deputados sob alegação de corrupção, fato que fez a oposição perder a superioridade de
assentos.
Não obstante, o TSJ no dia 29 de março de 2017, por meio da sentença 156 despojou a
AN de seus poderes, alegando desacato, e passou a controlar o poder legislativo do país, ação
que provocou protestos massivos pelo país e condenação por parte de vários organismos
internacionais, o que fez o TSJ recuar e voltar atrás com sua decisão. No meio a essa tensão
institucional, Nicolás Maduro chamou eleições para uma Assembleia Nacional Constituinte -
ANC, visando reescrever a Constituição do país, concentrando ainda mais o poder na mão do
Executivo, em detrimento do Legislativo e Judiciário (KOECHLIN; VEGA; SOLÓRZANO,
2019).
Esta ação culminou na suspensão da Venezuela do Mercosul (2017), que invocou a
ruptura da ordem democrática, baseado no Protocolo de Ushuaia5, assim como o não
reconhecimento da validez da Assembleia Nacional Constituinte - ANC por parte oposição
venezuelana, da Organização dos Estados Americanos – OEA (2017), da União Europeia
(EUROPEAN UNION EXTERNAL ACTION, 2017), do Grupo de Lima6 (BRASIL, 2017),
5
Foi assinado no dia 24 de julho de 1998 na cidade argentina de Ushuaia pelos Estados-membros do Mercosul
e dois países associados (Chile e Bolívia). É um dos tratados base do Mercosul e condição para adesão ao
grupo. Reafirma o compromisso democrático dos países, que, se rompido, pode acarretar na suspensão do
bloco, cerre de fronteiras, sanções econômicas, entre outras medidas.
6
Grupo formado por Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Honduras, México,
Panamá, Paraguai e Peru, que, reunidos na cidade de Lima, em 8 de agosto de 2017 para tratar da situação
19
entre outros países. Apesar da pressão doméstica e internacional, a ANC organizou eleições
presidenciais antecipadas, realizadas no dia 20 de maio de 2018, que deram vitória a Maduro
para um mandato de mais seis anos (LÓPEZ MAYA, 2018).
A divergência política profundamente bipolarizada, as ações de controle estatal cada vez
maiores e um isolacionismo internacional, somaram-se a outro cenário dramático em que se
encontra a Venezuela: a crise econômica. Para compreender a crise econômica venezuelana, é
crucial o entendimento da política fiscal do país. Conforme visto, desde a subida de Chávez ao
poder, o governo investiu altas receitas em programas sociais, grande parte destes financiados
com recursos advindos da empresa estatal Petróleos de Venezuela - PDVSA (ROSALES,
2018).
Nesse contexto, é relevante o fato de que desde o começo da década de 2000, o país
manteve um elevado gasto e realizava impressão inorgânica de dinheiro, ao mesmo tempo em
que elevou o endividamento externo, causando déficit fiscal. Não obstante, o país recebeu
baixas avaliações das agências de risco, teve os empréstimos com a China interrompidos por
falta de pagamento, piorando ainda mais a situação com as sanções impostas pelos Estados
Unidos em agosto de 2017 (ROSALES, 2018). Cabe ressaltar que o petróleo, elemento chave
para a economia venezuelana, desvalorizou-se a partir de 2014:
Gráfico 1 - Preço médio anual pela OPEP do petróleo bruto de 2010 a 2018.
120 107,46 109,45 105,87
96,29
100
77,45
80 69,78
60 49,49 52,43
40,76
40
20
0
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
crítica na Venezuela, emitiram a Declaração de Lima, que condenava a ruptura da ordem democrática na
Venezuela.
20
Somado a este imbróglio, a Venezuela passa hoje por uma hiperinflação (a maior do
mundo). No ano de 2018, o país registrou inflação de 1,370,000% e encolhimento do PIB
em 18%, e a previsão para o ano de 2019 é de 10,000,000% de inflação e encolhimento do
PIB em 5%, de acordo com o FMI (2018).
1600000
1400000 1370000
1200000
1000000
800000
600000
400000
200000
43,5 57,3 111,8 254,4 1087,5
0
2013 2014 2015 2016 2017 2018
Fonte: Elaboração Própria, baseado FMI (2018).
Vê-se, no gráfico 2 que não é exagero dizer que essa realidade não mudará no curto
prazo. Pelo contrário, cada vez mais há uma perda na qualidade de vida das pessoas, reflexo
direto da crise política e econômica, que por usa vez, alimentam a dramática crise social.
Conforme mencionado, os dois últimos governos foram marcados por altos investimentos em
políticas sociais como moradia, saúde, educação, assistência social e outras, e estas, que
amenizavam o quadro de declínio social, enfrentam grave deterioro (VAZ, 2017).
O desabastecimento de produtos básicos alimentícios, de higiene, remédios e material
hospitalar, colocou a Venezuela no quadro de países com maiores índices de pobreza e de
pobreza extrema. De acordo com uma pesquisa sobre qualidade de vida, realizada por várias
universidades venezuelanas intitulada Encuesta sobre Condiciones de Vida en Venezuela –
ENCOVI (2017) 87% da população estava abaixo da linha da pobreza e 64% havia perdido
uma média de 11kg (ESPAÑA; PONCE, 2018). A escassez de alimentos básicos superava 80%
21
Devido à grave e generalizada crise pela qual passa Venezuela nos últimos anos, um
fluxo expressivo de pessoas passou a migrar para outros países, sobretudo em busca de
melhores condições de vida. Nesse sentido, ganha importância descrever brevemente o perfil
dessa população migrante, qual o destino dessas pessoas e como essa emergência humanitária
vem sendo coordenada e gerida.
A Venezuela foi, historicamente, um país receptor de migrantes atraídos pela busca por
melhores condições de vida. No século XX o país passou, resumidamente, por duas ondas
migratórias: de europeus que fugiam dos conflitos bélicos e crises políticas, econômicas e
sociais entre os anos 1950-1960 e de latino-americanos durante as décadas de 1960, 1970 e
princípios de 1980, principalmente colombianos devido a seu conflito interno. No entanto, a
partir de 1983 o país atravessou uma época de crise que foi decisiva para a mudança de perfil
de país receptor para país emissor de migrantes. Esse quadro se manteve nas décadas seguintes
e hoje experimenta seu ápice (RIBAS, 2018).
Embora venezuelanos migrem há vários anos, esse movimento aumentou a partir de
2017 e acelerou-se ainda mais em 2018, de acordo com a ONU News (2018), chegando a 3
milhões o número de pessoas vivendo fora de seu país. Mais além, as projeções são de que até
o fim de 2019, 5,3 milhões de pessoas terão deixado o país, de acordo com cifras do “Plano
22
A partir del año 2016 y como parte de un proceso que se viene gestando por la
desatención al tema migratorio y un aumento gradual de la crisis interna, comienzan
a cambiar de forma evidente las características de los que toman la decisión de
emigrar. El objetivo sigue siendo el mismo, mejorar la calidad de vida, pero ahora no
está relacionado solo con el hecho de una mayor seguridad personal y/o jurídica,
mejorar el poder adquisitivo, tener un empleo o evadir la polarización política; los
nuevos emigrantes venezolanos buscan condiciones mínimas de vida: acceso a la
alimentación y atención médica completa, que no encuentran en Venezuela por la
escasez de estos rubros o el alto costo de los mismos, pues se han vuelto inaccesibles
para el común, especialmente para sectores de la población con menor capacidad
económica (RIBAS, 2018, p. 111).
Estimativas, via Freitez (2018) mostram que no geral, o grupo etário que emigra é cada
vez mais jovem, com idades entre 15-59 anos, demonstrando a perda da população
economicamente ativa venezuelana. A imigração venezuelana recente ao Brasil, corrobora com
7
Também chamado de “fuga de cérebros”.
8
O ano exato de agravamento diverge entre os autores, como por exemplo Ribas (2018), que considera que
este se deu a partir de 2016.
23
essas estimativas, sendo esta majoritariamente composta por jovens (72% do total entre 20 e 39
anos) de alta escolaridade (SIMÕES et al., 2017).
A mudança também ocorreu nos destinos dessas pessoas, que, levando em conta a
proximidade e facilidade de transportes terrestres e marítimos, passaram a migrar a localidades
como as ilhas do Caribe9, a países fronteiriços como Brasil e Colômbia e a outros países sul-
americanos. As restrições de entrada de imigrantes em países do Norte e as dificuldades
econômicas em obter passagens aéreas também são fatores impeditivos para migrar para países
mais longínquos (CRIES y Stanley Foundation, 2018).
A Colômbia é hoje o país com o maior número de migrantes venezuelanos e continua
sendo o principal destino por razões como a fronteira compartilhada, histórico de migração
colombiana na Venezuela (muitos são retornados ou possuem familiares na Colômbia) e o
idioma. Até o fim de 2018 o total de venezuelanos no país era de 1 milhão 174 mil, de acordo
com a Migração Colombiana (2019). Além da Colômbia, há um fluxo intenso de migrantes e
refugiados venezuelanos a países como Peru, Estados Unidos, Espanha, Equador, Chile,
Argentina, Brasil, entre outros (OIM, 2018).
9
As determinadas Ilhas do Caribe são: Aruba, Curaçao, Bonaire, Trinidad y Tobago e República Dominicana.
24
O fluxo venezuelano é caracterizado pela OIM (2009) como um fluxo misto, em que os
movimentos migratórios incluem refugiados, requerentes de asilo, migrantes econômicos e
outros migrantes. Também é, em grande parte, uma migração de sobrevivência. Portanto, há
venezuelanos que claramente se enquadram na definição de refugiado, fugindo por razões de
perseguição política, conforme disposto na Convenção de Genebra de 1951 e Protocolo de
1967, enquanto outros se enquadrariam na interpretação alargada da Declaração de Cartagena
de 1984 – grave e generalizada violação de direitos humanos –, somando-se ainda os que seriam
classificados como migrantes econômicos (CAMILLERI; HAMPSON, 2018).
Outa hipótese que corrobora com a celeuma sobre a regularização mais adequada aos
venezuelanos é levarmos em conta o conceito de migração forçada, assim como definido por
Betts (2013), onde pessoas são obrigadas a deixar seu país devido a violações de direitos
humanos, o que respaldaria a aplicação da Declaração de Cartagena:
Refere-se a pessoas que estão fora de seu país de origem por causa de uma ameaça
existencial para a qual elas não têm acesso a um recurso ou resolução interna. [...] Os
refugiados são um tipo de migrante de sobrevivência, mas muitas pessoas que não são
reconhecidas como refugiadas também se enquadram na categoria. [...] As pessoas
que fogem das privações fundamentais dos direitos humanos resultantes da fragilidade
do Estado, das mudanças ambientais e da insegurança alimentar no seu próprio país
têm o direito reconhecido de receber proteção internacional (BETTS, 2013, p. 4-5,
grifos nosso).
Americanas - UNASUL. Outros países como México, Panamá e Guatemala possuem políticas
restritivas como exigência de visto e fechamento das fronteiras (RIBAS, 2018).
Apesar de os países criarem formas alternativas de regularização, muitos se veem
obrigados a utilizar vias irregulares de entrada no território, o que aumenta o risco de tráfico de
pessoas (RIBAS, 2018), trabalho análogo à escravidão e outros crimes que põem em risco a
vida de muitos imigrantes. Isso também pode levar a um aumento da xenofobia, tema este que
foi utilizado como estratégica política em muitos países, gerando polarização através de
discursos de ódio contra imigrantes, culpabilizando-os. Cabe apontar que levar a questão muito
mais para o lado securitário não parece adequado, pois a realidade explicita um quadro bem
distinto, com pessoas extremamente vulneráveis e que necessitam de acolhimento.
Fica evidente diante desse quadro que a “crise venezuelana” não é uma questão
exclusiva da Venezuela, mas sim regional. Atores chave dentro da região têm responsabilidade
de buscar soluções produtivas e ativas à crise. O Brasil, que em outras ocasiões teve
protagonismo e liderança internacional na busca por soluções de outras crises na América
Latina, por enquanto não o demonstra, sendo este um dos países que têm recebido um grande
fluxo migratório.
70000
61649
60000
50000
40000
30000
20000
17802
10000
722 3008
191
0
2014 2015 2016 2017 2018
Federal, Defensoria Pública da União, Conselho Tutelar, agências das Nações Unidas
(ACNUR, OIM, UNFPA, UNICEF, ONU Mulheres e PNUD), Fraternidade - Federação
Humanitária Internacional, Médicos Sem Fronteiras, Comitê Internacional da Cruz Vermelha e
Cruz Vermelha Brasileira, Cáritas e diversas outras instituições. A atuação dessas instituições
se dá em diversas áreas como logística, ordenamento, acolhimento, coordenação e integração.
Aliado a isso, foi criado o processo de interiorização, que visa transferir venezuelanos
que queiram voluntariamente ir para outros estados da federação que possuem maior capacidade
de integração e oportunidades laborais, tendo em mente os problemas estruturais e sobrecarga
em Roraima.
Até o fim de 2018, 3,9 mil pessoas haviam sido interiorizadas (UNHCR, 2019). Essa,
porém, é uma tarefa desafiadora e necessita crescer, visto que as previsões são de que a
migração aumente, segundo dados das Nações Unidas (UNHCR, 2018). São aspectos
fundamentais o trabalho contínuo contra a xenofobia e fomento da integração, alianças e
acordos entre as diversas organizações e empresas para que sejam geradas oportunidades
laborais, melhoria dos serviços disponíveis à população migrante e brasileira e coordenação
conjunta com outros países da região. No contexto local há ganhos em razão da migração e para
Jarochinski Silva (2018, p. 739):
10
África: Argélia, Botsuana, Burundi, Camarões, Chade, Comores, Eritreia, Essuatíni, Etiópia, Gâmbia, Gana,
Guiné, Quênia, Libéria, Líbia, Malaui, Mauritânia, Maurício, Marrocos, Namíbia, Nigéria, Senegal, Serra
Leoa, Somália, Sudão do Sul, Sudão, Tanzânia, Togo, Tunísia, Uganda, Zâmbia, Zimbábue; América Latina e
Caribe: Antígua e Barbuda, Barbados, Dominica, Granada, Guiana, Jamaica, St. Kitts e Nevis, Santa Lúcia,
São Vicente e Granadinas; Ásia: Afeganistão, Bangladesh, Butão, Brunei Darussalam, Irã, Kuwait, Líbano,
Malásia, Maldivas, Myanmar, Omã, Paquistão, Qatar, Arábia Saudita, Singapura, Sri Lanka, Síria,
Turcomenistão, Emirados Árabes Unidos, Uzbequistão, Iêmen; Oceania: Kiribati, Papua Nova Guiné, Samoa,
Ilhas Salomão, Tonga, Tuvalu. Além desses 68 países, somam-se países não-membros da ONU como a
Palestina (Gaza) e algumas províncias da Indonésia.
11
De facto significa que esses países não possuem leis específicas de criminalização de relações homossexuais,
porém utilizam premissas legais e interpretações jurídicas para punir e perseguir pessoas por tais relações.
32
Árabes Unidos, Catar, Paquistão e Afeganistão (ILGA, 2019). Vale ressaltar que indivíduos
LGBTI sofrem hostilidades e preconceitos por razões sociais, políticas, jurídicas e religiosas,
independentemente de o Estado criminalizar ou não suas relações ou expressões identitárias.
No contexto desses países, com sua orientação sexual e/ou identidade de gênero
constantemente confrontadas e reprimidas, essas pessoas veem a migração internacional como
uma das alternativas possíveis. Para Theodoro e Cogo (2018), a exemplo de outros marcadores
sociais como etnia e classe, a orientação sexual e o gênero aparecem como variáveis
importantes dentro do contexto migratório. É importante frisar que a migração não é homogênea
e apresenta várias realidades em si mesma: um indivíduo que já se encontra vulnerabilizado
devido ao processo migratório, vê-se duplamente vulnerável quando parte do grupo de LGBTIs.
O imaginário de indivíduos LGBTI e a migração estão fortemente ligados, como
exposto por Bell e Binnie (2004 apud VIEIRA, 2011), que trazem o debate da mobilidade como
um elemento constitutivo da identidade dessas pessoas, que tendem a distanciar-se do lugar em
que nasceram e buscar lugares mais acolhedores e tolerantes como grandes metrópoles onde
possam se expressar e ser quem são. As mobilidades humanas motivadas por orientação sexual
têm sido denominadas de “sexílio” para sociólogos como Manuel Guzmán (1997), no qual
baseou-se La Fountain-Stokes (2008, p. 296, tradução nossa), que explica:
Vê-se, pois, que a realidade do sexilío é complexa e envolve inúmeras razões e causas
para que a migração ocorra. Um indivíduo pode migrar por livre e espontânea vontade,
buscando mais tolerância e liberdade em torno de sua sexualidade e gênero, ou mesmo por
motivos laborais e econômicos, podendo também aliar todos esses motivos (REZENDE, 2018).
No entanto, um grande número de pessoas não possui opções e são literalmente expulsas de
seus países, não sendo este tipo de migração caracterizada como voluntária e sim um
deslocamento forçado. Essa circunstância é regulamentada para uma categoria específica de
proteção internacional: o refúgio (THEODORO; COGO, 2018).
O instituto do refúgio é um direito assegurado por meio do Direito Internacional dos
Refugiados, no qual LGBTIs estão incluídos e podem emaná-lo em situações aplicáveis. No
entanto a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 não mencionam explicitamente que
33
perseguição por razão da orientação sexual e/ou identidade de gênero se aplicam para a
concessão do refúgio (NASCIMENTO, 2015). Sem embargo, a categorização de que pessoas
LGBTI que fogem de perseguições e outras violações de direitos qualificam-se para a
solicitação de refúgio se deu principalmente pelo critério “grupo social”, um dos cinco motivos
nos quais baseiam-se os documentos supracitados.
Por sua ampla interpretação, alguns Estados passaram a incorporar e compreender que
o critério “grupo social” incluía situações como mulheres que sofrem violência baseada em
gênero e, posteriormente, LGBTIs (THEODORO; COGO, 2018). O primeiro caso de
reconhecimento e concessão de pedido de refúgio em razão de orientação sexual foi na Holanda,
em 1981 (SPIJKERBOER, 2013). A tendência posterior foi de reconhecimento por parte de
outros países, entre eles o Brasil. O ACNUR estima que 42 Estados reconheceram como
refugiados indivíduos cujo fundado temor de perseguição se relacionava à orientação sexual
e/ou identidade de gênero (ONU LIVRES E IGUAIS, 2018)
No entanto, a análise dos pedidos de refúgio baseados em orientação sexual e/ou
identidade de gênero fica totalmente condicionada aos países de destino, com suas concepções
culturais e estereótipos que recaem sobre os solicitantes. Há casos emblemáticos como o da
República Tcheca, que aplicou técnicas de “falometria”12 para a análise do pedido de refúgio
(UNHCR, 2011), e inúmeras outras13 análises polêmicas que levam em conta vestimenta, gostos
musicais e tudo que é considerado como sendo do “mundo LGBTI” como critério para a
concessão de refúgio (SPIJKERBOER, 2013).
Autoridades de imigração e outras, além dos profissionais que trabalham com o tema
do refúgio, com frequência não possuem o conhecimento adequado ou estão
conscientizados sobre pessoas refugiadas que fogem de perseguição com esses
fundamentos. A credibilidade do depoimento de uma pessoa às vezes é avaliada com
base em suposições estereotipadas, e alguns solicitantes de refúgio são até mesmo
obrigados a “provar” sua orientação sexual ou identidade de gênero por meios que por
si sós podem caracterizar uma violação de direitos humanos (como requerer evidência
de atos íntimos, ou testes de reação a imagens explícitas). Em alguns casos, esses
solicitantes de refúgio são mesmo devolvidos (as) ao seu país de origem, com
instruções de “ir para casa e ser discreto (a)”, em violação a normas fundamentais de
direitos humanos (ONU LIVRES E IGUAIS, 2018).
Há ainda a questão de que muitas pessoas não sabem que possuem o direito de solicitar
refúgio por fundado temor de perseguição por motivos de orientação sexual, identidade de
gênero, expressão de gênero ou características sexuais (ONU LIVRES & IGUAIS, 2018).
12
Teste falométrico que mede o fluxo sanguíneo no pênis dos imigrantes quando submetidos a conteúdo
pornográfico heterossexual. Os indivíduos que ficam excitados, tem o pedido de refúgio negado.
13
Para um aprofundamento na questão de estereótipos usados na análise de pedidos de refúgio, ver Spijkerboer
(2013), disponível em: <https://bit.ly/1zWlaRQ>.
34
Outras não tem mesmo noção de sua sexualidade ou outras identidades e talvez nem saibam o
que significa os termos lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais ou intersexo, ainda que
sejam utilizados pelas autoridades do país de destino (ONU LIVRES & IGUAIS, 2018).
Por fim, é importante ressaltar que o desenvolvimento jurídico dos direitos de
solicitantes de refúgio e refugiados LGBTI deu-se por uma crescente interpretação de que
direitos LGBTI são, sobretudo, direitos humanos (VIEIRA, 2011),
Nas décadas seguintes à aprovação dos três documentos, enquanto vários outros tratados
de proteção a outros grupos minoritários vulneráveis eram criados (LELIS; GALIL, 2018), até
o início dos anos 2000, a temática da orientação sexual e identidade de gênero era invisibilizada
ou mesmo ausente nas discussões dos organismos e fóruns internacionais. O primeiro debate
acerca dos direitos de pessoas LGBTI e sua proteção aconteceu em 2003, por iniciativa do
Brasil, que propôs uma resolução específica proibindo a discriminação baseada na orientação
sexual à então Comissão de Direitos Humanos da ONU (OLIVEIRA, 2017). A resolução
“Direitos Humanos e Orientação Sexual” contou com o apoio de vários países e ONGs que
lutavam pela causa, mas também gerou controvérsia e pressão por parte de países como Estados
Unidos e Vaticano e foi abandonada em 2005 sem decisões ou resultados concretos
(ETTELBRICK; ZERÁN, 2010).
Apesar de não ter sido aprovada, a resolução proposta pelo Brasil pavimentou o caminho
e trouxe visibilidade à causa, ganhando apoio de vários ativistas, que em 2004 em um fórum de
diálogo em Genebra, se encontraram com a então alta-comissária da ONU para os direitos
humanos (ETTELBRICK; ZERÁN, 2010). O objetivo do fórum era trazer o tema orientação
sexual e identidade de gênero para o escopo de trabalho das Nações Unidas, e gerou ao final,
um pedido da alta-comissária para que um grupo de especialistas se articulassem e definissem
o status do direito internacional em relação a esses dois temas. Um grupo de ONGs que
defendiam os interesses de LGBTIs delegou ao Serviço Internacional para Direitos Humanos e
à Comissão Internacional de Juristas para que coordenassem e selecionassem uma comissão de
especialistas de todo o mundo para que averiguassem a questão da orientação sexual e
identidade de gênero sob a égide do direito internacional dos direitos humanos (ETTELBRICK;
ZERÁN, 2010).
Reunidos em Yogyakarta, na Indonésia, em novembro de 2006, um grupo renomado de
experts juristas, de ONGs e afiliados à ONU, deram origem a um marco, sendo este o
documento mais consistente já produzido no que diz respeito aos direitos LGBTI no âmbito
internacional: os Princípios de Yogyakarta. O guia firmado por especialistas de 29 países, gerou
29 princípios que têm como alicerce direitos humanos universalmente conhecidos, mas que na
prática, por diversas razões, constantemente são renegados a indivíduos LGBTI (OLIVEIRA,
2017). Pode-se dizer que os princípios foram criados visando dois propósitos principais:
Primeiro, para oferecer uma avaliação justa do estado atual da lei de direitos humanos
aplicada às minorias sexuais, em particular, lésbicas, gays, bissexuais e transexuais
(LGBT). No centro dos PY, estão as normas de direitos humanos de universalidade e
não-discriminação. Que nenhum ser humano ou grupo de seres humanos é
considerado fora da linguagem clara e direta dos tratados internacionais que são a
36
fundação do direito internacional dos direitos humanos. Que indivíduos LGBT não
são uma exceção a esse entendimento básico da aplicação da lei de direitos humanos.
Em segundo lugar, os PY, detalhando as obrigações de ação do Estado com cada um
dos 29 princípios, pretendem aumentar a capacidade de ativistas e defensores LGBT
de desafiar com sucesso algumas das mais persistentes violações de direitos humanos
enfrentadas pela comunidade (ETTELBRICK; ZERÁN, 2010, p. 4, grifos nosso).
primeira das Nações Unidas sobre direitos humanos, orientação sexual e identidade de gênero.
Nessa, recorda-se a DUDH, assim como o PIDESC e o PIDCP, que evocam os princípios de
universalidade, interdependência, indivisibilidade e inter-relação, e que todos os indivíduos
nascem livres e iguais em dignidade e direitos, independentemente de qualquer status (raça,
cor, língua, religião, etc,) (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2011, p.1). Ademais,
expressou “grave preocupação com atos de violência e discriminação, em todas as regiões do
mundo, cometidos contra indivíduos por causa de sua orientação sexual e identidade de
gênero”, por fim, encomendando um relatório a ser feito pelo Alto Comissariado das Nações
Unidas para os Direitos Humanos - ACNUDH sobre esse tema e como o direito internacional
dos direitos humanos poderia ser usado contra a existência de leis discriminatórias contra
LGBTIs (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2011, p.1).
O relatório solicitado fora produzido no final de 2011, apresentado por meio da
resolução A/HCR/19/41 e foi intitulado “Leis Discriminatórias, Práticas e Atos de Violência
contra Indivíduos em Razão de sua Orientação Sexual e Identidade de Gênero”, sendo
publicado em 2012 o documento “Nascidos livres e iguais: orientação sexual e identidade de
gênero no Direito Internacional dos Direitos Humanos”14, um guia para Estados entenderem
suas obrigações e quais passos devem tomar para alcançar a proteção de LGBTIs. O documento,
em conformidade com o relatório produzido, argumenta que “A proteção de pessoas baseada
na orientação sexual e identidade de gênero não requer a criação de novas leis ou direitos
especiais para pessoas LGBT”, e sim requer que seja garantida a não discriminação no gozo de
todos os direitos (PILLAY, 2013, p. 11).
Já no ano de 2014, o Conselho de Direitos Humanos adotou a resolução
A/HRC/RES/27/32, que obteve desta vez 25 votos a favor, 14 contrários e 7 abstenções,
mostrando um maior engajamento dos Estados. Essa foi a segunda resolução do Conselho a
reconhecer os direitos LGBTI como direitos humanos. A resolução brinda os mesmos
princípios básicos da primeira, saúda avanços obtidos a nível internacional, regional e nacional
sobre o tema, contempla o relatório feito pelo ACNUDH e solicita um novo relatório atualizado,
com maior atenção a mostrar ações específicas e maneiras de superar a violência e
discriminação (ONU, 2014).
Ainda no tocante ao Conselho, adotou-se a resolução A/HRC/RES/32/2 (a mais recente
até o momento), a qual considerou-se um marco histórico no tocante à proteção e no
14
Disponível em:
<https://www.ohchr.org/Documents/Publications/BornFreeAndEqualLowRes_Portuguese.pdf>.
38
Da mesma forma que a ONU edita Declarações, que são afirmações de um direito
consuetudinário, a Resolução nada mais é do que uma “chamada de atenção” a algo
que não é novo no mundo jurídico. A Resolução ganha ou perde força de acordo com
a força da votação, impacto mundial etc. Sem dúvida, a Resolução do Conselho de
Direitos Humanos da ONU, que pela primeira vez considerou os direitos LGBT como
Direitos Humanos, teve um impacto fortíssimo no âmbito internacional, ainda mais
em um momento político e jurídico em que vivemos, com vários países reconhecendo
diversos direitos civis, como o casamento homoafetivo, a adoção por homossexuais
etc (GORISCH, 2013, p. 31).
15
Pode-se afirmar que na sua moderna acepção ela compreende todas aquelas regras cujo valor normativo é menos
constringente que o das normas jurídicas tradicionais, seja porque os instrumentos que as abrigam não detêm o status
de "normas jurídicas", seja porque os seus dispositivos, ainda que insertos no quadro de instrumentos vinculantes,
não criam obrigações de direito positivo aos Estados (MAZZUOLI, 2015, p. 184-185).
39
16
Relatório sobre o ano de 2014, porém, produzido apenas em 2016.
42
Tendo em conta o contexto de violência a LGBTIs em Roraima, estado que passa por
grande fluxo migratório forçado, consequentemente estes migrantes e solicitantes de refúgio
seriam afetados. Fato que chamou atenção à causa e gerou protestos de entidades e associações
roraimenses ligadas à causa LGBTI e de migrantes, foi o assassinato da travesti venezuelana
Sthephany Tablante, de 27 anos em outubro de 2017, morta com oito facadas profundas nas
costas e outros 12 cortes no corpo, sendo o crime perpetrado por um brasileiro (G1, 2017). O
suspeito alegou legítima defesa à uma suposta tentativa de roubo, no entanto, uma testemunha
do crime informou que o desentendimento se deu pela recusa do suspeito de pagar por um
programa sexual negociado com Sthephany (G1, 2017). O acontecimento fatal chama a atenção
para invisibilidade no contexto migratório de pessoas LGBTI, que comumente são alvos de
violência psicológica, física e verbal (LIVRES E IGUAIS, 2018).
Não há estimativas recentes e específicas do número de migrantes e solicitantes de
refúgio pertencentes ao grupo LGBTI na migração venezuelana no Brasil até o momento. E, se
analisadas três pesquisas17 relevantes no campo que analisam o perfil de venezuelanos no
Brasil, pouco, ou praticamente nada é abordado sobre indivíduos LGBTI. Uma plataforma no
âmbito da análise das solicitações de refúgio relacionadas à orientação sexual e à identidade de
gênero foi lançada em 2018 pelo Ministério da Justiça e o ACNUR, sendo o Brasil o quarto
país no mundo a tornar estes dados públicos, juntamente com Inglaterra, Noruega e Bélgica
(ACNUR, 2018).
Há de se louvar este pioneirismo a nível regional e global. No entanto, conforme afirma
a própria plataforma, existem limitações metodológicas de mapeamento e a maioria das pessoas
não revela sua identidade de gênero e/ou orientação sexual. No tocante à Venezuela, 8 pessoas
de 2010 a julho de 2018 tinham como fundamento para a solicitação de refúgio sua identidade
de gênero e/ou orientação sexual, e desses 8 pedidos, apenas 2 foram reconhecidos e 6 ainda se
encontram pendentes (ACNUR, 2018). Esse número é minúsculo se comparado à quantidade
de migrantes e solicitantes de refúgio que entraram no Brasil até hoje, onde a maioria deste
último grupo não teve suas solicitações analisada.
17
1) REACH - Information Needs Assesment. Venezuelan Migration in Northern Brazil, disponível em:
<https://bit.ly/2DC1g6q>. 2) OIM - DTM Brasil – N°1 Monitoramento do Fluxo Migratório Venezuelano,
disponível em: <https://bit.ly/2FKMRqu>. 3) Perfil Sociodemográfico e Laboral da imigração venezuelana no
Brasil, disponível em: <https://bit.ly/320QX7a>.
43
Nigéria
52 Gana
Camarões
7
8 121 Serra Leoa
11 Togo
18 Angola
18
Rep. Dem. do Congo
Senegal
21 Venezuela
25 45 Colômbia
43 Outros
A falta de informações com o recorte de pessoas LGBTI possui inúmeras causas, entre
as quais nem todas desejam revelar sua orientação sexual e/ou identidade de gênero por medo,
vergonha ou traumas, outros não se identificam ou nem mesmo têm conhecimento do que
significa ser LGBTI (LIVRES & IGUAIS, 2018). Mas há de reconhecer também o impacto das
autoridades e organismos que trabalham com migração, que, a partir do momento que não têm
o grupo LGBTI como prioridade, ajudam na invisibilidade imposta, conforme corroborado por
Fernandes (2019).
Apesar da invisibilidade, se levarmos em conta os 168 mil venezuelanos que chegaram
ao Brasil até junho de 2019 (PLATAFORMA DE COORDINACIÓN PARA REFUGIADOS
E MIGRANTES DE VENEZUELA, 2019) e nos basearmos no cálculo de que pelo menos
10%18 da população brasileira é LGBTI, teríamos então aproximadamente 17 mil pessoas
pertencentes a este grupo no país. Além desse dado, corrobora para este tema uma pesquisa
feita no âmbito do estudo da população LGBTI migrante e refugiada em Roraima, com destaque
para travestis e trans. O trabalho foi de realização de Beth Fernandes, presidente da Associação
de Travestis e Transexuais de Goiás, a ASTRAL. Entre os LGBTI mais vulneráveis, figuram
os em situação de prostituição, onde em Boa Vista foram contabilizadas 87 travestis, 50
18
Cálculo baseado na pesquisa de Beth Fernandes (2019) que considera 10% da população como LGBTI e
no relatório do Grupo Gay da Bahia (2018), que calcula como 16,5% esta mesma população LGBTI.
44
Enquanto nos Estados Unidos, com 330 milhões, mataram-se no ano passado 28
transexuais, no Brasil, com 208 milhões de habitantes registraram-se 164 mortes: o
risco de uma trans brasileira ser assassinada é 9 vezes maior do que as americanas.
[...] Esse total de 164 mortes, se referidas a 1 milhão de pessoas trans existentes em
nosso país, estimativa referendada pelas próprias associações da categoria, indicam
que o risco de uma pessoa trans ser assassinada é 17 vezes maior do que um gay
(GRUPO GAY DA BAHIA, 2018, p. 1-2).
Violência física não houve, mas verbal, todo dia, do país de origem e do país de
destino. Uma perturbação torturante, a violência física acontece no território
brasileiro”. Fala da Francis. [...] Migrar e peregrinar nas fronteiras pode transgredir as
convenções estabelecidas e sendo pessoas trans incorpora o simbolismo de
vagabundear, ou seja, trans migrando é sinônimo de vagabundagem. O preconceito é
muito maior. [...] O estigma que impera no país confunde os estereótipos que todas
trans seja (sic) prostitutas. E não foi diferente com a Francis (FERNANDES, 2019, p.
18-20).
Teve (sic) uma situação muito feia que eu passei lá em Roraima. Lá tinha muito
preconceito. Em duas ocasiões, que eu saí na rua e encontrei dois travestis, eles (sic)
bateram na minha cara, na minha perna, nos meus braços porque elas pensavam que
eu também vivia na rua me prostituindo e vendendo meu corpo. Mas isso não era
verdade” [...] (G1, 2018).
19
Atual Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
46
gestantes, lactantes, jovens, mães com crianças, indígenas, pessoas com HIV, pessoas LGBTI
e outras com necessidades específicas (UNFPA, 2019). O público LGBTI é uma das prioridades
do UNFPA no estado, trabalhando a agência com o fornecimento de informações como direitos
LGBTI e empoderamento, ações de conscientização sobre violência no Brasil e saúde sexual,
além de criar espaços seguros nos Postos de Triagem para atender e acolher essa população,
tendo atendido 2.909 pessoas desde dezembro de 2018 (UNFPA, 2019).
trabalho sexual fez parte de sua realidade, mesmo não sendo o que a jovem queria
(AMAZÔNIA, 2018).
Pessoas que sofrem violência de gênero muitas vezes não têm capacidade de controle
sobre as ações dos agressores e acabam sem ter meios de fugir ou se defender. Pensando nessa
problemática, a Universidade Federal de Roraima, o UNFPA, o ACNUR, o UNICEF e a Cáritas
e o Instituto Migrações e Direitos Humanos criaram o projeto “Respeito à diversidade: Defesa
Pessoal e Rodas de Conversa”, com o objetivo de “fortalecer psíquica, física e coletivamente
as mulheres e a população LGBTI em situação de migração e refúgio” (UNFPA, 2018). O
projeto, voltado para os participantes e seus filhos e filhas, conta com profissionais de diferentes
áreas como saúde, direito e artes marciais, e tem o intuito de defesa pessoal e para enfrentar o
sexismo, machismo e outras desigualdades sociais, segundo a professora Eliane Costa,
coordenadora geral do projeto (UNFPA, 2018).
Um passo importante na luta por assegurar proteção a pessoas LGBTI, mas também de
outros grupos vulneráveis, foi a criação do Centro de Convivência e Atendimento Psicossocial,
uma parceria do UNFPA com o ACNUR e a instituição de caridade Exército da Salvação,
financiado pela União Europeia. Inaugurado em janeiro de 2019, o Centro oferece diferentes
serviços para brasileiros, refugiados e migrantes como atendimentos de serviço social, apoio
psicológico, orientação jurídica, oficinas terapêuticas e atividades socioeducativas para pessoas
que sofreram violência baseada em gênero e outras violações de direitos (ONU BRASIL, 2019).
49
É importante lidar com esse público, para diminuir, por meio de ações educativas, as
contaminações por infecções sexualmente transmissíveis e também mostrar a eles os
insumos, camisinhas masculinas e femininas, falar sobre os benefícios da prevenção
combinada e a importância de respeitar a comunidade LGBT(UNFPA, 2019).
Figura 6 - Aviso de segurança para pessoas LGBTI na língua indígena warao, com
tradução “você está seguro aqui”
Em 2019, o ACNUR lançou uma série de consultas para identificar formas de garantir
que refugiados e solicitantes de refúgio LGBTI possam buscar apoio caso sofram discriminação
ou algum tipo de violência. A primeira rodada aconteceu em maio em Genebra, e nas palavras
do Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Filippo Grandi, “É vital criarmos
espaços seguros para os solicitantes de refúgio e refugiados LGBTI, para que eles não se sintam
compelidos a esconder sua orientação sexual ou identidade de gênero em um esforço para se
proteger”, salientando também que nos últimos anos o ACNUR investiu no treinamento em
torno da proteção de LGBTIs para seu staff e parceiros (ACNUR, 2019). Essas diretrizes e
abordagens refletem no dia a dia do trabalho da agência em Roraima.
Figura 7 - Pins que demonstram segurança para pessoas LGBTI utilizados pelo staff do
ACNUR e parceiros na missão em Roraima.
Abrigos em Boa Vista como o Rondon 3, Latife Salomão e Santa Tereza possuem
população LGBTI organizada. Também existem casas seguras dentro dos abrigos e uma casa
segura em segredo na cidade, não sendo divulgada sua localização. Em termos de abrigamento,
o ACNUR garante a utilização do nome social nas carteirinhas de identificação dos abrigos para
todas as pessoas que assim o desejam. Também são feitos diagnósticos periódicos com a
população LGBTI, buscando entender suas demandas.
Falando em termos de integração, o ACNUR faz parceria com instituições públicas
como o Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR), que por meio da Vara da Justiça Itinerante e
com a participação de cartórios da cidade, realizaram de forma gratuita o casamento de 101
casais venezuelanos do abrigo Rondon I em Boa Vista, entre eles casais LGBTI20 (G1, 2019).
A intenção é que mais projetos como esse aconteçam e mais pessoas sejam beneficiadas, tanto
migrantes e refugiados quanto nacionais. Umas das beneficiadas pelo projeto foram Yordenis
Marin e Marielianna Sosa, casal lésbico que se conheceu em Maturín, na Venezuela e está junto
há quatro anos. Elas relatam suas experiências e como foi casar-se no Brasil:
20
A reportagem não contabilizou o número de casais LGBTI.
52
Estamos tratando de mudar o pensamento das pessoas por meio de nossa arte. Estamos
conscientizando as pessoas sobre a comunidade LGBTI, sobre a necessidade de não
ter preconceito e homofobia. Os venezuelanos nos falam palavras pejorativas.
Tentamos mudar e fazê-los perceber que somos todos iguais (UNFPA, 2019).
Uma das ações do UNFPA são rodas de conversa para sensibilizar a população abrigada
e fomentar a integração e a não-discriminação. Também apóiam o projeto DiverTsarte para
aumentar a resiliência comunitária e criar uma rede de proteção:
Nós fazemos vários encontros com eles para falar sobre violência e saúde sexual e
reprodutiva, para que eles sejam multiplicadores dentro dos abrigos, entendendo que
a arte e a cultura vão promover a resiliência comunitária e, por meio disso, os direitos
humanos, de uma maneira lúdica e divertida. A população LGBTI é uma população
que costuma sofrer muito. Eles estão conseguindo identificar casos de proteção e
ampliando a atenção do UNFPA dentro desses espaços em que fazem parte (UNFPA,
2019).
54
Figura 9 - Casal idealizador do DiverTsarte e que usa a arte como elemento de luta
contra a discriminação
21
Dados usados apenas para estimativas e que contabilizam entradas e saídas e que não condizem exatamente com o
real número de pessoas residindo em território brasileiro
55
utilização da Lei Maria da Penha por mulheres lésbicas, travestis e transexuais, em que há pouca
procura por parte destas nas delegacias por desconhecerem o processo e mesmo que têm esse
direito garantido como qualquer outra mulher, somado ao despreparo de muitos agentes da rede
que desconhecem o pleno funcionamento dessa lei (FERNANDES, 2019). Profissionais de
saúde utilizam o nome de nascimento em vez do nome social22, constrangendo pessoas trans,
além de as colocarem em recintos que não conformam com sua identidade de gênero
(FERNANDES, 2019).
Os problemas de saúde são agravados pela falta de acesso à educação. No ramo laboral,
é necessária maior conscientização de empresas e empregadores em relação a essa população.
Ações de inserção laboral como a de Manaus, vista no subtópico anterior, são rodeadas por
esteriótipos:
22
Garantido por lei e que poucas trans têm conhecimento e buscaram retificação civil, além do despreparo dos
agentes em não perguntar como a pessoa prefere ser chamada.
57
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
coletivo que incluiu pessoas LGBTI, e considera-se necessário que o tema ganhe mais
visibilidade na Operação Acolhida.
Conclui-se que é necessário mais pesquisas e investigação no campo da migração
LGBTI em Roraima e no Brasil como um todo, uma vez que as principais instituições que
trabalham no campo não têm esse recorte como prioritário. Não existem muitos materiais que
debatem e analisam o tema, o que corrobora para a noção de invisibilidade, perpetrando a
sociedade influenciada pela heteronormatividade que exclui orientações sexuais e identidades
de gênero consideradas diferentes e/ou indesejáveis.
Neste contexto, não são garantidos muitos direitos básicos a essas pessoas, assim como
direitos LGBTI, ocasionando uma violação constante de direitos humanos. O desenvolvimento
científico no tema serve como base para políticas públicas e recomendações ao Estado e às
organizações atuantes na emergência humanitária. Ressaltamos o caráter inicial desta pesquisa,
que tem por intuito ser uma introdução sobre o tema, assim como gerar conclusões parciais,
existindo a necessidade de mais estudos com metodologia de entrevista a serem aplicados,
alcançando principalmente a população que é objeto deste presente trabalho: migrantes e
refugiados LGBTI.
60
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