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Pontifícia Universidade Católica de Goiás

Escola de Ciências Sociais e da Saúde

Curso de Psicologia

Análise da Obra “Os Anjos de Zabine”: Perspectivas

Fenomenológicas na Prática em Psicologia

Érica Cristina Vendruscolo

Karen Alcantara Reis

Professora Ms. Mara Rúbia Venâncio Vieira

Goiânia, 2022
1. Os Anjos de Zabine: Autoria e Obra.

Tendo sua 1ª Edição publicada em 2007, a obra “Os Anjos de Zabine” foi escrita

por Giuliana Gnatos Lima Bilbao, doutora em Psicologia com experiência na

Abordagem Fenomenológica. Através desta abordagem, a autora elabora seu ensaio

psicoterapêutico a partir de um Acompanhamento Terapêutico entre a personagem

Ângela e sua paciente Zabine, uma jovem de 35 anos, no ambiente de Trieste, Itália.

Neste acompanhamento, a relação entre terapeuta e cliente sobressai sobre o

papel cotidiano de “encontros semanais” que envolvem a “compreensão e intervenção”,

contando na verdade com a tarefa de ajudar a paciente no seu existir de todo dia,

auxiliando na busca da reconstrução da integridade de ser (Bilbao, 2007).

Então, a obra como um todo apresenta uma forma diferenciada de como se dá

um processo terapêutico no âmbito da Fenomenologia, mostrando uma maneira de

buscar compreender e dar sentido à sua própria existência – o que nessa obra se dá de

um jeito impactante, ou se não, inesperado, considerando como o “Acompanhamento

Terapêutico” é concluído ao final da história.

Quanto às protagonistas, ou até mesmo “a” protagonista, temos por um lado

Ângela, uma psicóloga que até então tinha experiências somente com a área clínica, mas

ao ir para Trieste, para se tornar a acompanhante terapêutica de Zabine, ganha uma

possibilidade de experiência diferente do que já havia feito antes. Zabine, por outro

lado, seria uma jovem de 35 anos, quais as características incluem: estatura média,

cabelos compridos, branca, de origem eslovena, solteira e muito fechada.

Mais adiante, descobrimos que Ângela e Zabine tratam-se da mesma pessoa. No

qual seu lado “preservado”, de saúde, seria a imagem de Ângela, o anjo mais importante

de Zabine, que por conseguinte era o lado doente, da “loucura”.


A partir desta descoberta, temos por objetivo analisar como seria a experiência

de Ângela/Zabine como ser-no-mundo, usando como base a abordagem

fenomenológica.

2. Análise sob perspectiva fenomenológica:

Para se fazer uma análise fenomenológica, é preciso compreender o Dasein e a

Ontologia. Portanto, com base em Pompeia (2021), Dasein é o ser-aí, o modo de

atuação do homem no mundo, é uma clareira do ser onde o tempo pode se apresentar

juntando o presente com o passado e o futuro. Dessa forma, para entender a ontologia e

as questões do ser, Heidegger é obrigado a explicitar o lugar onde o ser se torna

manifesto e a realidade das coisas aparece. Na história do livro, sobretudo, o Dasein

sofre uma dissociação devido a separação da personagem em dois seres, um é o ser-

saudável (Ângela) e outro é o ser-doente (Zabine) – seres esses que só vão se

reencontrar no final da trama; “doía demais saber quem eu era”.

Ângela, sendo o anjo que preservava seu outro lado (Zabine) – não ficando claro

qual das duas seria a “alucinação” – é a que caminha em direção a vida, cuidava de sua

existência e ainda tentava cuidar de sua “segunda existência”, por isso se referiu a ela

mesma como sendo o anjo que tentava proteger Zabine do abismo, cumprindo assim,

uma das tarefas do ser-no-mundo, que seria este cuidado para consigo mesma (Sales,

2008).

Ambas criaram e vivem em um mundo diferente, existindo formas diversas de

serem um ser-aí, um ser-no-mundo, considerando que cada uma se encontra em um

espaço diferente, tanto que seus mundos se desencontram, mesmo sendo um só corpo.

Uma forma desta vivência é o ser-doente, que se priva e não consegue se afinar no

mundo. Zabine seria o lado que apresenta esta vivência, no qual a característica

ontológica existencial que se refere ao espaço está perturbada, e acaba interferindo nas
demais, por isso ela possui a dificuldade de se encontrar com Ângela em um mesmo

espaço, mesmo corpo e mesmo mundo (Cardinalli, 2012).

Desse modo, por englobar o sentido de duas existências em si, Ângela se vê num

impasse de afinação quando toma a responsabilidade de ajudar Zabine e ao mesmo

tempo esgota suas tentativas – “o que mais eu poderia fazer por Zabine?”, “lembrava-

me de que eu era a única acompanhante que tinha chegado mais longe”. De acordo com

o conceito de afinação, que é como o ser se organiza diante do mundo, de suas facetas e

dos outros, Ângela acaba ficando “desafinada” ontologicamente justamente por estar no

meio do paradoxo de não saber como melhorar a situação de Zabine e ao mesmo tempo

de achar que evoluiu bastante sua relação (Cardinalli, 2015).

Por ter estudado Psicologia e autores como Husserl e Heidegger, Ângela ainda

se vê como terapeuta, tanto que neste caso estaria sendo acompanhante terapêutica da

paciente Zabine, indo até Trieste para exercer sua profissão. Já Zabine, também

psicóloga, por mais que até então não se recordasse de tal fato, agia como uma pessoa

solitária, junto de seus anjos e seu gato, quase não saindo de casa. De novo, retorna à

existência de mundos diferentes, por mais que ainda sejam ser-no-mundo (Feijoó,

2011). Além de que ela deu significados diferentes para suas experiências, tanto que

mesmo quando as duas faces se encontram, ela não reconhece o seu eu, sendo

desassociada de si mesma e de sua corporeidade, com cada face possuindo uma

“história em curso” (Pompeia, 2021).

Ângela/Zabine já passou por outros acompanhantes terapêuticos que desistiram

de continuar com o acompanhamento, rotulando-a com características que não convém

com a realidade dela, como: “depressão grave com embotamento afetivo severo”,

“possibilidade de vínculo impossível” e “possibilidade de contato inexistente”. Neste

caso, Zabine estaria mais próxima de um problema como esquizofrenia, tendo até
mesmo ilusões da realidade. Então, talvez estes terapeutas que passaram por ela não

tenham praticado a epoché (suspensão de pré-concepções), fazendo interpretações e/ou

julgamentos dela, antes mesmo de se encontrar com o fenômeno real (Feijoó, 2011).

Diante disso, Zabine se vê perdida em muitos momentos da trama, tanto que

suas características normalmente são dadas como as de uma pessoa solitária, fechada,

tosca, inalcançável e até mesmo ensimesmada. Ela sequer se percebia como alguém que

precisava de ajuda, estava confortável em seu mundo estranho e individual, vivendo

apenas com seus anjos. Portanto, ela estava tão imersa nessa realidade particular que

não se via como uma incompletude ontológica (caráter de poder-ser); ela não fazia ideia

de seu caráter “eksistente”. Ângela, por sua vez, tem essa função de justamente mostrar

uma outra realidade para Zabine, afirmando que ela é capaz de ser para fora, ser para o

mundo e ser-no-mundo, saindo desse limbo da indiferença cotidiana do existir à que

Zabine estava tão acostumada (Feijoó, 2011).

Por fim, como já dizia Cardinalli (2012), a própria doença e o ser-doente

também são modos de ser-no-mundo, apenas estão desafinados e com uma compreensão

limitada de sua existência, precisando de ajuda. Assim sendo, quando Zabine se abre

mais para a intervenção de Ângela, a mesma se sente mais confiante quanto ao

acompanhamento terapêutico – “eu a abracei e senti a dor que fazia seu corpo tremer”,

“descobri que ela estava viva e podia mudar a sua vida”.

Com isso, a cada momento da aproximação do desfecho do livro, a personagem

Ângela/Zabine vai descobrindo sua dualidade existencial e entende quem ela realmente

é. Portanto, é só a partir daí que essa protagonista visualiza a beleza de todo seu ser em

meio a uma súbita vontade de viver – “A vida era possível”. Nesse momento, ela se abre

para o mundo e para seus diversos significados, enxerga a imensidão do mar, tem

vontade de abraçar tudo e entende que existir é ter que se apropriar de si. Logo, sente a
necessidade de encontrar uma nova forma de olhar para tudo, quer ter a abertura do ser

para estar apta a receber certas experiências, ser livre a partir delas e cuidar de si, das

coisas e dos outros como um ser-no-mundo completo e saudável (Feijoó, 2011).

3. Referências Bibliográficas:

Bilbao, G. G. L. (2007). Os Anjos de Zabine. 1ª Edição, Campinas: Editora Alínea.

Cardinalli, I. (2012). Daseinsanalyse e Esquizofrenia. São Paulo: Editora Escuta. Cap.


3.

Cardinalli, I. (2015). Heidegger: o estudo dos fenômenos humanos - na existência


humana (Dasein). Psicologia USP, 26, 249-258.

Feijoó, A. M. L. C. (2011). A existência para além do sujeito: A crise da subjetividade


moderna e suas repercussões para a possibilidade de uma clínica psicológica
com fundamentos fenomenológico-existenciais. Rio de Janeiro: Via Vérita, 35-
55.

Pompeia, J. A. (2021). Conferências: Ontologia e Terapia Daseinsanalítica. ABD –


Associação Brasileira de Daseinsanalyse. São Paulo: São Paulo.

Sales, C. A. (2008). O Ser-No-Mundo e o Cuidado Humano: Concepções


Heideggerianas. Revisão Enfermagem, 16(4), 563-568.

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