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BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 35

(pág. 63)

3
PROPOSTA DE CARACTERIZAÇÃO
DOS PROCEDIMENTOS TÉCNICOS DA TRADUÇÃO

A revisão da literatura efetuada no capítulo anterior (q.v. 2) mostra que os procedimentos


técnicos da tradução são propostos como uma tentativa de responder à pergunta "como
traduzir?". O trabalho pioneiro a enumerar esses procedimentos foi o de Vinay e Darbelnet
(1977), sendo que os trabalhos subsequentes aqui examinados ou se reportam diretamente a esse
trabalho, ou fazem uma reformulação do mesmo.
Constatando que os procedimentos descritos por Vinay e Darbelnet (1977) não eram
suficientes para dar conta de todos os modos de traduzir empregados nas traduções, os autores
examinados (q.v. 2) acrescentaram outros a eles, ou eliminaram alguns que não consideravam
pertinentes.
Existem discrepâncias também no modo como os autores examinados (q.v. 2) descrevem
e recortam os procedimentos técnicos da tradução, sem falar na divergência terminológica entre
eles.
Neste capítulo, apresento uma proposta de caracterização dos procedimentos técnicos da
tradução onde procuro combinar as visões dos autores examinados, acrescentando procedimentos
aos listados por Vinay e Darbelnet (1977) e, ao mesmo tempo, reagrupando e eliminando alguns
dos procedimentos descritos posteriormente, por considerar que estão, na realidade, embutidos
em outros.
Procuro, também, adotar uma terminologia que considero mais adequada, visando a
eliminar algumas das dificuldades ocasionadas por sua variação entre os autores examinados.
(pág. 64) Acredito que, assim, poderá estar facilitada a tarefa do tradutor, que terá à sua
disposição uma série de procedimentos que efetivamente recobrem o que acontece no ato da
tradução.
A clareza terminológica, acredito, poderá também facilitar a tarefa de professores e
alunos de tradução, que não mais se verão diante de uma série de discrepâncias entre diversos
autores.
Espero também que esta recaracterização seja útil em futuros estudos sobre a tradução, já
que os problemas terminológicos podem ter uma influência negativa em alguns trabalhos,
conforme mostro em 4.1.
Além disso, na minha segunda proposta de recategorização dos procedimentos técnicos
da tradução, já utilizo a recaracterização que apresento a seguir, acredito que com resultado
positivo.
Considero, em minha proposta, um total de treze procedimentos, a saber: a tradução
palavra-por-palavra, a tradução literal, a transposição, a modulação, a equivalência, a omissão
vs. a explicitação, a compensação, a reconstrução de períodos, as melhorias, a transferência –
que engloba o estrangeirismo, a transliteração, a aclimatação e a transferência com explicação –
a explicação, o decalque e a adaptação.
Estes procedimentos são descritos abaixo.
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3.1. A TRADUÇÃO PALAVRA-POR-PALAVRA


A tradução palavra-por-palavra corresponde à expectativa que muitos têm a respeito da
tradução.
Enquanto procedimento tradutório, é definida por Catford (1965), Newmark (1988) e
Aubert (1987). É caracterizada aqui segundo a definição de Aubert (1987:15):

a tradução em que determinado segmento textual (palavra, frase, oração)


é expresso na LT mantendo-se as mesmas categorias numa mesma ordem
sintática, utilizando vocábulos cujo semanticismo seja
(aproximativamente) idêntico ao dos vocábulos correspondentes no TLO,
por exemplo:

(pág. 65)
he wrote a letter to the mayor
      
ele escreveu uma carta para o prefeito

sans retard
 
sem demora

Seu uso é restrito, porém, pois é rara uma convergência tão grande entre as línguas. A
esse respeito, comenta Aubert (1987:16): “É relativamente fácil perceber que, encarado como
um todo, a tradução de um texto de certa extensão (dois ou mais períodos compostos) jamais
poderá ser empreendida palavra-por-palavra.”

3.2. A TRADUÇÃO LITERAL


A tradução literal corresponde à ideia mais difundida a respeito da tradução, e é definida
por todos os autores examinados para o presente trabalho (q.v. 2). É caracterizada aqui tomando
por base as definições de Catford (1965), Newmark (1988) e Aubert (1987).
Aubert (1987:15) considera a tradução literal como "aquela em que se mantém uma
fidelidade semântica estrita, adequando porém a morfo-sintaxe às normas gramaticais da LT".
Cita como exemplos os segmentos textuais abaixo, onde é possível observar as alterações
morfo-sintáticas a que foram submetidos, sendo que essas alterações é que distinguem a
tradução palavra-por-palavra da tradução literal (cf. Aubert, 1987:16).

it is a known fact
    
 é  fato conhecido

It est allé en ville


   
(ele) foi à cidade

Muitos autores, notadamente Vazquez-Ayora (1977), parecem repudiar totalmente a


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tradução literal como a fonte de todos os erros na tradução. (pág. 66→). No entanto, como
apontam Aubert (1987) e Newmark (1988), ela pode ser necessária, ou até obrigatória. Pode ser
necessária em um tipo de tradução que tem como objetivo a comparação com o texto original,
como em certas edições bilíngues. Pode ser obrigatória na tradução de certos documentos. Nesse
caso, observa Aubert (1977), a tradução literal – ou mesmo palavra-por-palavra – deixa de ser
meramente um reflexo de uma coincidência estrutural e cultural entre duas línguas, para
tornar-se um procedimento tradutório deliberado. Segundo Newmark (1988), é o procedimento
recomendável sempre que for possível.

3.3 A TRANSPOSIÇÃO
A transposição consiste na mudança de categoria gramatical de elementos que
constituem o segmento a traduzir, como se observa nos exemplos abaixo:

she said apologetically. - advérbio


(ela) disse desculpando-se. - verbo reflexivo
(ela) disse como justificativa. - adjunto adverbial

she said reproachfully. - advérbio


(ela) disse censurando. - verbo
(ela) disse em tom de reprovação. - adjunto adverbial

Observa-se que há mais de uma opção de tradução para cada segmento, o que indica que
a transposição não é um procedimento obrigatório. Muitas vezes será possível também uma
tradução literal (tal como definida aqui, q.v. 3.2) do segmento.
No segundo segmento citado acima, por exemplo, existe no português a possibilidade de
se manter um advérbio na tradução, como se vê abaixo, tornando a tradução literal.

she said reproachfully - advérbio


(ela) disse repreensivamente - advérbio
(ela) disse recriminadoramente - advérbio

(pág. 67) Assim sendo, a transposição pode ser obrigatória, quando é imprescindível para que a
tradução se atenha às normas da LT, ou facultativa, quando é realizada por razões de estilo,
como para se evitar o excesso de advérbios com sufixo mente, na tradução do inglês para o
português, considerado deselegante e que, na minha experiência, constitui uma recomendação
expressa de editores brasileiros.
Este procedimento é definido por Vinay e Darbelnet (1977, q.v. 2.1), Vázquez-Ayora
(1977), Newmark (1988) e Catford (1965).

3.4. A MODULAÇÃO
A modulação consiste em reproduzir a mensagem da TLO no TLT, mas sob um ponto de
vista diverso, o que reflete uma diferença no modo como as línguas interpretam a experiência do
real, como nos exemplos abaixo, na tradução entre o inglês e o português.
like the back of my hand → como a palma da minha mão
keyhole → buraco da fechadura
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Nos casos apresentados acima, a modulação é obrigatória, encontrando-se inclusive


dicionarizado o segundo exemplo (keyhole = buraco da fechadura, cf. Houaiss, 1981:319). Este
procedimento pode também ser facultativo, refletindo então uma diferença de estilo, aspecto
abordado por Vinay e Darbelnet (1977). Vê-se abaixo um exemplo de modulação facultativa:
It is easy to demonstrate.
É fácil demonstrar (tradução literal)
Não é difícil demonstrar (modulação)
Este procedimento é definido por Vinay e Darbelnet (1977, q.v. 2.1, p. 28),
Vázquez-Ayora (1977) e Newmark (1981, 1988).

3.5. A EQUIVALÊNCIA
A equivalência consiste em substituir um segmento de texto da LO por um outro
segmento da LT que não o traduz literalmente, mas que lhe é funcionalmente equivalente.
(pág. 68) Este procedimento é normalmente aplicado a clichés, expressões idiomáticas,
provérbios, ditos populares e outros elementos cristalizados da língua, como nos exemplos
abaixo:

God bless you! Saúde!


Gesundheit! Deus te crie!

It's a piece of cake. sopa.

Truly yours Atenciosamente


Sincerely yours

Este procedimento foi defendido por Vinay e Darbelnet (1977, q.v. 2.1, p. 29),
Vázquez-Ayora (1977:313-322) e Newmark (1988: 90-91).
Newmark (1981, 1988) considera o equivalente cultural, o equivalente funcional e o
equivalente descritivo como procedimentos independentes, mas estes procedimentos estão
englobados aqui sob a equivalência, considerada como um procedimento mais geral.

3.6. A OMISSÃO VS. A EXPLICITAÇÃO


A omissão consiste em omitir elementos do TLO que, do ponto de vista da LT, são
desnecessários ou excessivamente repetitivos.
Na tradução do inglês para o português, este procedimento é usado, por exemplo, em
relação aos pronomes pessoais. Em inglês ocorre aquilo que, em português, seria considerada
uma repetição excessiva deles, já que o português, auxiliado pelas desinências verbais que
deixam claro a que pessoa se refere o verbo, costuma omitir o pronome pessoal na posição de
sujeito, ao contrário do inglês, onde é obrigatória sua presença.
Na tradução do inglês para o português seria usado, para o mesmo caso, o procedimento
inverso, a explicitação do pronome, pois sua presença é obrigatória em inglês.
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Estes dois procedimentos foram definidos por Vázquez-Ayora (1977, q.v. 2.1.4, p. 46).
(pág. 69)
3.7. A COMPENSAÇÃO
A compensação consiste em deslocar um recurso estilístico, ou seja, quando não é
possível reproduzir no mesmo ponto, no TLT, um recurso estilístico usado no TLO, o tradutor
pode usar um outro, de efeito equivalente, em outro ponto do texto.
Os trocadilhos, por exemplo, quando não podem ser efetuados com um mesmo grupo de
palavras, podem ser feitos em outro ponto do texto onde sejam possíveis, para equilibrar o texto
estilisticamente.
É comum dizer-se, ao criticar as traduções, que "empobreceram" o texto. Este
empobrecimento seria a ausência no TLT dos recursos estilísticos empregados pelo autor no
TLO.
Cito abaixo um trecho de Alice in Wonderland (cf. Carrol, s/d: 53), por Fernando de
Mello (cf. Carrol, 1976:89-90) onde podem-se notar perdas e compensações:

THE RABBIT SENDS IN A LITTLE BILL


It was White Rabbit, trotting slowly back again, and looking anxiously about as it went,
as if it had lost something; and she heard it muttering to itself, "The Duchess! The
Duchess! Oh my dear paws! Oh my fur and whiskers! She'll get me executed, as sure as
ferrets are ferrets! Where can I have dropped them, I wonder?" Alice guessed in a
moment that it was looking for the fan and the pair of white kidgloves, and she very
good-naturedly began hunting about for them, but they were nowhere to be seen –
everything seemed to have changed since her swim in the pool; and the great hall with the
glass table and the little door, had vanished completely.

O COELHO MANDA-LHE O LAGARGO PELA CHAMINÉ


Era o Coelho Branco que lá vinha, aos saltos, devagar e às voltas como quem perdeu
alguma coisa; e Alice ouviu-o murmurar: "A Duquesa! A Duquesa! Ai as minhas
patinhas, ai as minhas suíças e os meus bigodes! Vai mandar-me executar, tão certo como
eu me chamar Coelho! Onde é que eu os teria deixado cair?" Alice adivinhou logo que ele
andava à procura do leque e das luvas brancas de pelica e, como era boa por natureza,
começou (pág 70) também a procurá-los, mas sem os ver em nenhum lado – via-se que
tudo tinha mudado depois que ela tinha começado a nadar no lago: o átrio com a mesa de
vidro e a porta pequena, tudo tinha desaparecido por completo.

Este procedimento é examinado por Nida (1964), Vázquez-Ayora (1977, q.v. 2.1.4, p.
47) e Newmark (1981, 1988).

3.8 A RECONSTRUÇÃO DE PERÍODOS


A reconstrução consiste em redividir ou reagrupar os períodos e orações do original ao
passá-los para a LT.
Na tradução do português para o inglês é muitas vezes necessário distribuir as orações
complexas do português em períodos mais curtos em inglês. Na tradução do inglês para o
português ocorre o inverso.
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Observo isso com frequência quando traduzo manuais do usuário do inglês para o
português. De modo geral, meus clientes não aceitam os períodos curtos do inglês, achando que
dão ao texto em português um tom excessivamente infantil.
Um exemplo de reconstrução de períodos realizado por mim pode ser visto abaixo em
3.9.
Este procedimento é descrito por Newmark (1981, q.v. 2.1.5, p. 55).

3.9 AS MELHORIAS
As melhorias consistem em não se repetirem na tradução os erros de fato ou outros tipos
de erro cometidos na TLO.
É este o procedimento que utilizo quando traduzo para o inglês os relatórios de bolsistas
de uma instituição beneficente. Alguns deles, ao escreverem seus relatórios, cometem vários
tipos de erro. Como o relatório visa apenas a informar aos supervisores da entidade nos Estados
Unidos acerca do desenvolvimento dos projetos dos bolsistas – e não a refletir seu idioleto – -
corrijo automaticamente tais erros, como no exemplo abaixo (cj. Farias, 1988):
(pág. 71)
O trabalho será desenvolvido em 04 etapas a 1.° etapa do trabalho consta da
sensibilização dos professores, nesta etapa cada grupo apresenta relize de seus trabalho
que serão discutidos em reunião com todas às diretoras e professores de educação artís-
tica, comunicação e expressão e Estudos Sociais, (sic.)
The work will be developed in four stages. The first is to make teachers aware of the
issues. At this stage each group will present an oral summary of their work to be debated
at meetings with the school principals, and art, language, and social studies teachers.

Este procedimento foi definido por Newmark (1981, q.v. 2.1.5, p. 55, 1988).

3.10 A TRANSFERÊNCIA
A transferência consiste em introduzir material textual da LO no TLT. A denominação
"transferência" para este procedimento é a preferida por Newmark (1988:81-82).
A transferência pode assumir as formas abaixo:
1) estrangeirismo
2) estrangeirismo transliterado (transliteração)
3) estrangeirismo aclimatado (aclimatação)
4) estrangeirismo + uma explicação de seu significado, que pode ser:
a) nota de rodapé
b) diluição do texto.

Esses procedimentos serão descritos a seguir.

3.10.1 O Estrangeirismo
O estrangeirismo consiste em transferir (transcrever ou copiar) para o TLT vocábulos ou
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expressões da LO que se refiram a um conceito, técnica ou objeto mencionado no TLO que seja
desconhecido para os falantes da LT.
(pág. 72) O vocábulo ou expressão aparecerá no TLT entre aspas, em itálico ou
sublinhado marcando o itálico – - isto é, com uma marca gráfica de que se trata de vocábulo
estranho à LT – o que é obrigatório nas normas brasileiras de editoração (cf. Silva, 1984;
Houaiss, 1975).
Este procedimento é definido por Vinay e Darbelnet (1977, q.v. 2.1.1, p. 25). Ao
defini-lo, denominam-no "empréstimo," apropriando à teoria da tradução um termo já utilizado
pela linguística, dando-lhe uma acepção diferente, pois falam de um "empréstimo" tomado no
próprio ato da tradução, e não da utilização de vocábulos já incorporados ao léxico da LT: "o que
interessa ao tradutor são os empréstimos novos e mesmo os empréstimos pessoais" (Vinay e
Darbelnet, 1977:47), observação feita também por Nida (1964:137).
Aquilo que entendem por "empréstimo", portanto, outros autores chamam de
estrangeirismo, como observa Yebra (1984:333). Conceituado pela linguística, o estrangeirismo
vem a ser um empréstimo vocabular não integrado à língua que o toma, conservando da outra os
fonemas, a flexão e a grafia. Com o passar do tempo, sendo o vocábulo da língua estrangeira
amplamente aceito pelos falantes da que o acolheu, tende este a se adaptar à fonologia e à
morfologia desta última, caso em que se transforma em empréstimo (cf. Câmara Júnior,
1977:111), através de um processo denominado aclimatação (cf. Pei, 1966: 3-4).
Exemplos de empréstimos do inglês aclimatados no português são: chulipa, escrete,
nocaute, piquenique, sinuca, time. Suas formas em língua inglesa são: sleeper, scratch, knockout,
pic-nic, snooker e team (cf. Ferreira, s/d, 321, 557, 975, 1091, 1037, 1378).
O empréstimo linguístico, por sua vez, consiste, como foi dito acima, na incorporação de
elementos de uma língua em outra, "tais elementos podendo ser, em princípio, fonemas, afixos
flexionais, afixos derivacionais, vocábulos e tipos frasais"14 (cf. Câmara Júnior, 1977:104).
Embora o termo empregado por Vinay e Darbelnet (1977) não seja estritamente correto,
pelos motivos examinados acima, já adquiriu livre curso entre tradutores, professores e teóricos
da tradução. Ao realizar o presente estudo, senti a necessidade de marcar a distinção entre os
termos "empréstimo" e "estrangeirismo," correntes na (pág. 73) linguística, como foi visto
acima, e o procedimento descrito por Vinay e Darbelnet (1977). Foi encontrada a mesma
preocupação em Newmark (1981:178-179), que sugere o uso dos termos "transcrição,"
"transferência" ou "adoção." Proponho utilizar o termo transferência para o macro-procedimento
que engloba outros que utilizam o elemento lexical do TLO no TLT. Reservei o termo
estrangeirismo para aquilo a que Vinay e Darbelnet (1977) denominam "empréstimo," a fim de
evitar ir de encontro à terminologia tradicional em linguística.

3.10.2 A Transliteração
A transliteração consiste em substituir uma convenção gráfica por outra (cf. Dubois et al.,
1978:601; Pei, 1966:282), como no caso de glasnost, uma transliteração do alfabeto cirílico para
o romano, e que não deve ser confundida com a transcrição fonética (cf. Dubois et al, 1978; Pei,
1966).
Como procedimento de tradução, ocorre em casos de extrema divergência entre duas
línguas, que nem sequer têm um alfabeto comum. Este procedimento é descrito por Catford
(1965:26).
Na tradução entre o inglês e o português normalmente não haverá lugar para este
procedimento, uma vez que as duas línguas utilizam o alfabeto romano. Podem ocorrer, contudo,
elementos já transliterados na LO. Sendo este o caso, é preciso obedecer as normas de
transliteração adequadas para cada língua (cf. Maillot, 1975:147; Associação Brasileira de
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Normas Técnicas, 1961:1).

3.10.3 A Aclimatação
A aclimatação é o processo através do qual os empréstimos são adaptados à língua que os
toma (cf. Pei, 1966:3-4). Este processo pode também ser denominado "decalque" (cf. Pei,
1966:34; Crystal, 1980:51). Através desse processo, um radical estrangeiro se adapta à fonologia
e à estrutura morfológica da língua que o importa (cf. Câmara Júnior, 1977:105).
Enquanto procedimento tradutório, a aclimatação consistiria em o tradutor realizar, ele
mesmo, essas transformações a que o empréstimo estaria sujeito durante o uso pelos falantes da
língua que o adota.
(pág. 74) Seria, portanto, um passo além do estrangeirismo (q.v. 3.10.1) em que a palavra
estrangeira é simplesmente copiada da LO no TLT. Aqui, o vocábulo já estaria sujeito a alguma
transformação, a ser efetuada pelo tradutor.
Observo que, em meu trabalho de tradutora e de professora de tradução, nunca tive a
oportunidade de realizar este procedimento, de modo que concluo que o tradutor raramente o
realiza: normalmente só depois que uma palavra é tomada de empréstimo pelo conjunto de
falantes de uma língua é que passará pelo processo de aclimatação.
Tal como observa Alves (1983), este procedimento só pode ser detectado em uma
tradução através de uma análise diacrônica, para determinar se já havia sido utilizado
anteriormente ou não.

3.10.4. A Transferência com Explicação


A condição necessária para o emprego da transferência na tradução é que o leitor possa
apreender seu significado através do contexto.
Muitas vezes o TLO não permite esta compreensão, sendo necessário acrescentar ao TLT
procedimentos adicionais à transferência para proporcionar ao leitor um entendimento do
significado do mesmo.
Esses procedimentos adicionais, que se dividem em notas de rodapé e explicações
diluídas no texto, foram examinados em detalhe por Nida (1964) e Newmark (1981, 1988).
Newmark (1988) enumera as três formas que podem tomar as notas do tradutor: 1) notas
de rodapé, 2) notas no final do capitulo e 3) notas ou glossário no final do livro.
Além disso, a explicação da transferência pode ser diluída no texto, assim evitando-se o
emprego da nota de rodapé. Nesse caso, a explicação pode aparecer entre vírgulas, entre
travessões, entre aspas ou entre parênteses, como no exemplo abaixo:

SAT, Scholastic Aptitude Test, exame de avaliação a que se submetem


estudantes norte-americanos ao final do segundo grau como requisito
para a entrada nas universidades...

(pág. 75) A explicação pode também tomar a forma de um "equivalente cultural" (cf.
Newmark, 1988:82-83), por exemplo:
Night School, o Supletivo americano,...
ICM, the Brazilian sales tax. ..
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Ou pode tomar a forma de um "equivalente funcional" (cf. Newmark, 1988:83), livre de


conotações culturais, como nos exemplos abaixo:
High School (Escola Secundária). . .
Cambono, an acolyte,...
Surgeon General – Ministro da Saúde – ...
Wall Street, o mercado financeiro de Nova Iorque,. . .

3.11. A EXPLICAÇÃO
Havendo a necessidade de eliminar do TLT os estrangeirismos para facilitar a
compreensão, pode-se substituir o estrangeirismo pela sua explicação. Isso pode acontecer em
uma peça de teatro, por exemplo, em que, por uma questão de ritmo cénico, é preciso que o
espectador tenha uma compreensão imediata da situação.
Este procedimento é descrito por Nida (1964), que o recomenda ao invés do
estrangeirismo, particularmente quando comenta a tradução da Bíblia para leitura em voz alta, a
qual geraria a mesma necessidade de compreensão imediata que o teatro.
Os exemplos oferecidos acima (q.v. 3.10.4) podem ser repetidos aqui, omitindo-se o
estrangeirismo:
... exame de avaliação a que se submetem estudantes norte-americanos ao final do
segundo grau como requisito para a entrada nas universidades. . .
... o Supletivo americano. . .
... the Brazilian sales tax. . .
... Escola Secundária. . .
... acolyte
... Ministro da Saúde. . .
... o mercado financeiro de Nova Iorque. . .

(pág. 76)
3.12. O DECALQUE
O decalque consiste em traduzir literalmente sintagmas ou tipos frasais da LO no TLT,
abandonando a confusão que se criou em torno do termo empregado por Vinay e Darbelnet
(1977, q.v. 2.1.1, p. 27), já que, como foi visto, muitos autores interpretam o decalque como
sendo uma aclimatação do empréstimo linguístico.
Tal como o estrangeirismo e a aclimatação, o decalque só pode ser detectado em uma
tradução existente através de uma análise diacrônica, que determine se já havia sido usado ou
não, como observa Alves (1983).
Newmark (1981, 1988) define dois tipos de decalque. Um deles é o empréstimo de tipos
frasais propriamente dito e o segundo é o decalque empregado na tradução de nomes de
instituições, conforme nos exemplos abaixo:
a)decalque de tipos frasais
task force grupo tarefa
textbook livro texto
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case study estudo de caso


b) decalque de tipos frasais ligados a nomes de instituições
INPS – National Institute for Social Welfare
The People's Republic of China – A República Popular da China

3.13. A ADAPTAÇÃO
A adaptação é o limite extremo da tradução: aplica-se em casos onde a situação toda a
que se refere a TLO não existe na realidade extralinguística dos falantes da LT. Esta situação
pode ser recriada por uma outra equivalente na realidade extralinguística da LT.
Este procedimento foi descrito por Vinay e Darbelnet (1977, q.v. 2.1.1, p. 30) e por
Vázquez-Ayora (1977), além de ser comentado por Newmark (1988).
(pág. 78) Tive a oportunidade de utilizar este procedimento ao traduzir manuais de
treinamento de pessoal americanos para uma firma brasileira. Foi exigência do cliente que os
nomes dos personagens citados nas histórias de caso, das entidades mencionadas (tais como
universidades e firmas), bem como cidades, fossem substituídos por outros bem brasileiros, a fim
de aproximar da realidade dos empregados brasileiros as situações citadas como exemplos, sem,
no entanto, alterar o conteúdo da teoria de trabalho em equipe que desejavam veicular.
O mesmo deu-se em relação a situações tipicamente americanas, tais como horários de
refeições, tipos de alimentos, esportes praticados, que foram substituídos por outros mais comuns
no Brasil.

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