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(pág. 63)
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PROPOSTA DE CARACTERIZAÇÃO
DOS PROCEDIMENTOS TÉCNICOS DA TRADUÇÃO
(pág. 65)
he wrote a letter to the mayor
ele escreveu uma carta para o prefeito
sans retard
sem demora
Seu uso é restrito, porém, pois é rara uma convergência tão grande entre as línguas. A
esse respeito, comenta Aubert (1987:16): “É relativamente fácil perceber que, encarado como
um todo, a tradução de um texto de certa extensão (dois ou mais períodos compostos) jamais
poderá ser empreendida palavra-por-palavra.”
it is a known fact
é fato conhecido
tradução literal como a fonte de todos os erros na tradução. (pág. 66→). No entanto, como
apontam Aubert (1987) e Newmark (1988), ela pode ser necessária, ou até obrigatória. Pode ser
necessária em um tipo de tradução que tem como objetivo a comparação com o texto original,
como em certas edições bilíngues. Pode ser obrigatória na tradução de certos documentos. Nesse
caso, observa Aubert (1977), a tradução literal – ou mesmo palavra-por-palavra – deixa de ser
meramente um reflexo de uma coincidência estrutural e cultural entre duas línguas, para
tornar-se um procedimento tradutório deliberado. Segundo Newmark (1988), é o procedimento
recomendável sempre que for possível.
3.3 A TRANSPOSIÇÃO
A transposição consiste na mudança de categoria gramatical de elementos que
constituem o segmento a traduzir, como se observa nos exemplos abaixo:
Observa-se que há mais de uma opção de tradução para cada segmento, o que indica que
a transposição não é um procedimento obrigatório. Muitas vezes será possível também uma
tradução literal (tal como definida aqui, q.v. 3.2) do segmento.
No segundo segmento citado acima, por exemplo, existe no português a possibilidade de
se manter um advérbio na tradução, como se vê abaixo, tornando a tradução literal.
(pág. 67) Assim sendo, a transposição pode ser obrigatória, quando é imprescindível para que a
tradução se atenha às normas da LT, ou facultativa, quando é realizada por razões de estilo,
como para se evitar o excesso de advérbios com sufixo mente, na tradução do inglês para o
português, considerado deselegante e que, na minha experiência, constitui uma recomendação
expressa de editores brasileiros.
Este procedimento é definido por Vinay e Darbelnet (1977, q.v. 2.1), Vázquez-Ayora
(1977), Newmark (1988) e Catford (1965).
3.4. A MODULAÇÃO
A modulação consiste em reproduzir a mensagem da TLO no TLT, mas sob um ponto de
vista diverso, o que reflete uma diferença no modo como as línguas interpretam a experiência do
real, como nos exemplos abaixo, na tradução entre o inglês e o português.
like the back of my hand → como a palma da minha mão
keyhole → buraco da fechadura
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 38
3.5. A EQUIVALÊNCIA
A equivalência consiste em substituir um segmento de texto da LO por um outro
segmento da LT que não o traduz literalmente, mas que lhe é funcionalmente equivalente.
(pág. 68) Este procedimento é normalmente aplicado a clichés, expressões idiomáticas,
provérbios, ditos populares e outros elementos cristalizados da língua, como nos exemplos
abaixo:
Este procedimento foi defendido por Vinay e Darbelnet (1977, q.v. 2.1, p. 29),
Vázquez-Ayora (1977:313-322) e Newmark (1988: 90-91).
Newmark (1981, 1988) considera o equivalente cultural, o equivalente funcional e o
equivalente descritivo como procedimentos independentes, mas estes procedimentos estão
englobados aqui sob a equivalência, considerada como um procedimento mais geral.
Estes dois procedimentos foram definidos por Vázquez-Ayora (1977, q.v. 2.1.4, p. 46).
(pág. 69)
3.7. A COMPENSAÇÃO
A compensação consiste em deslocar um recurso estilístico, ou seja, quando não é
possível reproduzir no mesmo ponto, no TLT, um recurso estilístico usado no TLO, o tradutor
pode usar um outro, de efeito equivalente, em outro ponto do texto.
Os trocadilhos, por exemplo, quando não podem ser efetuados com um mesmo grupo de
palavras, podem ser feitos em outro ponto do texto onde sejam possíveis, para equilibrar o texto
estilisticamente.
É comum dizer-se, ao criticar as traduções, que "empobreceram" o texto. Este
empobrecimento seria a ausência no TLT dos recursos estilísticos empregados pelo autor no
TLO.
Cito abaixo um trecho de Alice in Wonderland (cf. Carrol, s/d: 53), por Fernando de
Mello (cf. Carrol, 1976:89-90) onde podem-se notar perdas e compensações:
Este procedimento é examinado por Nida (1964), Vázquez-Ayora (1977, q.v. 2.1.4, p.
47) e Newmark (1981, 1988).
Observo isso com frequência quando traduzo manuais do usuário do inglês para o
português. De modo geral, meus clientes não aceitam os períodos curtos do inglês, achando que
dão ao texto em português um tom excessivamente infantil.
Um exemplo de reconstrução de períodos realizado por mim pode ser visto abaixo em
3.9.
Este procedimento é descrito por Newmark (1981, q.v. 2.1.5, p. 55).
3.9 AS MELHORIAS
As melhorias consistem em não se repetirem na tradução os erros de fato ou outros tipos
de erro cometidos na TLO.
É este o procedimento que utilizo quando traduzo para o inglês os relatórios de bolsistas
de uma instituição beneficente. Alguns deles, ao escreverem seus relatórios, cometem vários
tipos de erro. Como o relatório visa apenas a informar aos supervisores da entidade nos Estados
Unidos acerca do desenvolvimento dos projetos dos bolsistas – e não a refletir seu idioleto – -
corrijo automaticamente tais erros, como no exemplo abaixo (cj. Farias, 1988):
(pág. 71)
O trabalho será desenvolvido em 04 etapas a 1.° etapa do trabalho consta da
sensibilização dos professores, nesta etapa cada grupo apresenta relize de seus trabalho
que serão discutidos em reunião com todas às diretoras e professores de educação artís-
tica, comunicação e expressão e Estudos Sociais, (sic.)
The work will be developed in four stages. The first is to make teachers aware of the
issues. At this stage each group will present an oral summary of their work to be debated
at meetings with the school principals, and art, language, and social studies teachers.
Este procedimento foi definido por Newmark (1981, q.v. 2.1.5, p. 55, 1988).
3.10 A TRANSFERÊNCIA
A transferência consiste em introduzir material textual da LO no TLT. A denominação
"transferência" para este procedimento é a preferida por Newmark (1988:81-82).
A transferência pode assumir as formas abaixo:
1) estrangeirismo
2) estrangeirismo transliterado (transliteração)
3) estrangeirismo aclimatado (aclimatação)
4) estrangeirismo + uma explicação de seu significado, que pode ser:
a) nota de rodapé
b) diluição do texto.
3.10.1 O Estrangeirismo
O estrangeirismo consiste em transferir (transcrever ou copiar) para o TLT vocábulos ou
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 41
expressões da LO que se refiram a um conceito, técnica ou objeto mencionado no TLO que seja
desconhecido para os falantes da LT.
(pág. 72) O vocábulo ou expressão aparecerá no TLT entre aspas, em itálico ou
sublinhado marcando o itálico – - isto é, com uma marca gráfica de que se trata de vocábulo
estranho à LT – o que é obrigatório nas normas brasileiras de editoração (cf. Silva, 1984;
Houaiss, 1975).
Este procedimento é definido por Vinay e Darbelnet (1977, q.v. 2.1.1, p. 25). Ao
defini-lo, denominam-no "empréstimo," apropriando à teoria da tradução um termo já utilizado
pela linguística, dando-lhe uma acepção diferente, pois falam de um "empréstimo" tomado no
próprio ato da tradução, e não da utilização de vocábulos já incorporados ao léxico da LT: "o que
interessa ao tradutor são os empréstimos novos e mesmo os empréstimos pessoais" (Vinay e
Darbelnet, 1977:47), observação feita também por Nida (1964:137).
Aquilo que entendem por "empréstimo", portanto, outros autores chamam de
estrangeirismo, como observa Yebra (1984:333). Conceituado pela linguística, o estrangeirismo
vem a ser um empréstimo vocabular não integrado à língua que o toma, conservando da outra os
fonemas, a flexão e a grafia. Com o passar do tempo, sendo o vocábulo da língua estrangeira
amplamente aceito pelos falantes da que o acolheu, tende este a se adaptar à fonologia e à
morfologia desta última, caso em que se transforma em empréstimo (cf. Câmara Júnior,
1977:111), através de um processo denominado aclimatação (cf. Pei, 1966: 3-4).
Exemplos de empréstimos do inglês aclimatados no português são: chulipa, escrete,
nocaute, piquenique, sinuca, time. Suas formas em língua inglesa são: sleeper, scratch, knockout,
pic-nic, snooker e team (cf. Ferreira, s/d, 321, 557, 975, 1091, 1037, 1378).
O empréstimo linguístico, por sua vez, consiste, como foi dito acima, na incorporação de
elementos de uma língua em outra, "tais elementos podendo ser, em princípio, fonemas, afixos
flexionais, afixos derivacionais, vocábulos e tipos frasais"14 (cf. Câmara Júnior, 1977:104).
Embora o termo empregado por Vinay e Darbelnet (1977) não seja estritamente correto,
pelos motivos examinados acima, já adquiriu livre curso entre tradutores, professores e teóricos
da tradução. Ao realizar o presente estudo, senti a necessidade de marcar a distinção entre os
termos "empréstimo" e "estrangeirismo," correntes na (pág. 73) linguística, como foi visto
acima, e o procedimento descrito por Vinay e Darbelnet (1977). Foi encontrada a mesma
preocupação em Newmark (1981:178-179), que sugere o uso dos termos "transcrição,"
"transferência" ou "adoção." Proponho utilizar o termo transferência para o macro-procedimento
que engloba outros que utilizam o elemento lexical do TLO no TLT. Reservei o termo
estrangeirismo para aquilo a que Vinay e Darbelnet (1977) denominam "empréstimo," a fim de
evitar ir de encontro à terminologia tradicional em linguística.
3.10.2 A Transliteração
A transliteração consiste em substituir uma convenção gráfica por outra (cf. Dubois et al.,
1978:601; Pei, 1966:282), como no caso de glasnost, uma transliteração do alfabeto cirílico para
o romano, e que não deve ser confundida com a transcrição fonética (cf. Dubois et al, 1978; Pei,
1966).
Como procedimento de tradução, ocorre em casos de extrema divergência entre duas
línguas, que nem sequer têm um alfabeto comum. Este procedimento é descrito por Catford
(1965:26).
Na tradução entre o inglês e o português normalmente não haverá lugar para este
procedimento, uma vez que as duas línguas utilizam o alfabeto romano. Podem ocorrer, contudo,
elementos já transliterados na LO. Sendo este o caso, é preciso obedecer as normas de
transliteração adequadas para cada língua (cf. Maillot, 1975:147; Associação Brasileira de
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 42
3.10.3 A Aclimatação
A aclimatação é o processo através do qual os empréstimos são adaptados à língua que os
toma (cf. Pei, 1966:3-4). Este processo pode também ser denominado "decalque" (cf. Pei,
1966:34; Crystal, 1980:51). Através desse processo, um radical estrangeiro se adapta à fonologia
e à estrutura morfológica da língua que o importa (cf. Câmara Júnior, 1977:105).
Enquanto procedimento tradutório, a aclimatação consistiria em o tradutor realizar, ele
mesmo, essas transformações a que o empréstimo estaria sujeito durante o uso pelos falantes da
língua que o adota.
(pág. 74) Seria, portanto, um passo além do estrangeirismo (q.v. 3.10.1) em que a palavra
estrangeira é simplesmente copiada da LO no TLT. Aqui, o vocábulo já estaria sujeito a alguma
transformação, a ser efetuada pelo tradutor.
Observo que, em meu trabalho de tradutora e de professora de tradução, nunca tive a
oportunidade de realizar este procedimento, de modo que concluo que o tradutor raramente o
realiza: normalmente só depois que uma palavra é tomada de empréstimo pelo conjunto de
falantes de uma língua é que passará pelo processo de aclimatação.
Tal como observa Alves (1983), este procedimento só pode ser detectado em uma
tradução através de uma análise diacrônica, para determinar se já havia sido utilizado
anteriormente ou não.
(pág. 75) A explicação pode também tomar a forma de um "equivalente cultural" (cf.
Newmark, 1988:82-83), por exemplo:
Night School, o Supletivo americano,...
ICM, the Brazilian sales tax. ..
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 43
3.11. A EXPLICAÇÃO
Havendo a necessidade de eliminar do TLT os estrangeirismos para facilitar a
compreensão, pode-se substituir o estrangeirismo pela sua explicação. Isso pode acontecer em
uma peça de teatro, por exemplo, em que, por uma questão de ritmo cénico, é preciso que o
espectador tenha uma compreensão imediata da situação.
Este procedimento é descrito por Nida (1964), que o recomenda ao invés do
estrangeirismo, particularmente quando comenta a tradução da Bíblia para leitura em voz alta, a
qual geraria a mesma necessidade de compreensão imediata que o teatro.
Os exemplos oferecidos acima (q.v. 3.10.4) podem ser repetidos aqui, omitindo-se o
estrangeirismo:
... exame de avaliação a que se submetem estudantes norte-americanos ao final do
segundo grau como requisito para a entrada nas universidades. . .
... o Supletivo americano. . .
... the Brazilian sales tax. . .
... Escola Secundária. . .
... acolyte
... Ministro da Saúde. . .
... o mercado financeiro de Nova Iorque. . .
(pág. 76)
3.12. O DECALQUE
O decalque consiste em traduzir literalmente sintagmas ou tipos frasais da LO no TLT,
abandonando a confusão que se criou em torno do termo empregado por Vinay e Darbelnet
(1977, q.v. 2.1.1, p. 27), já que, como foi visto, muitos autores interpretam o decalque como
sendo uma aclimatação do empréstimo linguístico.
Tal como o estrangeirismo e a aclimatação, o decalque só pode ser detectado em uma
tradução existente através de uma análise diacrônica, que determine se já havia sido usado ou
não, como observa Alves (1983).
Newmark (1981, 1988) define dois tipos de decalque. Um deles é o empréstimo de tipos
frasais propriamente dito e o segundo é o decalque empregado na tradução de nomes de
instituições, conforme nos exemplos abaixo:
a)decalque de tipos frasais
task force grupo tarefa
textbook livro texto
BARBOSA, Heloísa Gonçalves - Procedimentos Técnicos da Tradução 44
3.13. A ADAPTAÇÃO
A adaptação é o limite extremo da tradução: aplica-se em casos onde a situação toda a
que se refere a TLO não existe na realidade extralinguística dos falantes da LT. Esta situação
pode ser recriada por uma outra equivalente na realidade extralinguística da LT.
Este procedimento foi descrito por Vinay e Darbelnet (1977, q.v. 2.1.1, p. 30) e por
Vázquez-Ayora (1977), além de ser comentado por Newmark (1988).
(pág. 78) Tive a oportunidade de utilizar este procedimento ao traduzir manuais de
treinamento de pessoal americanos para uma firma brasileira. Foi exigência do cliente que os
nomes dos personagens citados nas histórias de caso, das entidades mencionadas (tais como
universidades e firmas), bem como cidades, fossem substituídos por outros bem brasileiros, a fim
de aproximar da realidade dos empregados brasileiros as situações citadas como exemplos, sem,
no entanto, alterar o conteúdo da teoria de trabalho em equipe que desejavam veicular.
O mesmo deu-se em relação a situações tipicamente americanas, tais como horários de
refeições, tipos de alimentos, esportes praticados, que foram substituídos por outros mais comuns
no Brasil.