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ASPECTOS GERAIS DO ETHOS E SUAS MANIFESTAÇÕES NA MÚSICA

COMPORTAMENTO GERAL, DE GONZAGUINHA

O discurso constrói uma imagem de seu enunciador nas mentes dos demais
interlocutores, e o interlocutor que tem contato com este discurso molda essa imagem a
partir de sua própria concepção prévia do orador(1) junto ao que este está a dizer(2). A
essa imagem chamamos de Ethos, classificando-o em (1)Ethos prévio e (2)Ethos
discursivo. No último caso, ainda entende-se uma nova subdivisão em Ethos dito e
Ethos mostrado, onde o primeiro diz respeito ao que está sendo dito de forma literal,
enquanto que o mostrado diz respeito aos discursos presentes nas entrelinhas, àquilo que
não é dito de forma direta pelo orador.
Em 1972, poucos anos após a instauração do AI5, responsável pela fase mais
dura da ditatura, Gonzaguinha lançou a música Comportamento geral, que julgo, dentre
(possivelmente) todas as músicas existentes, ótima para pensar a questão do Ethos.
Gonzaguinha é filho de Luiz Gonzaga do Nascimento, o Rei do Baião, o que leva um
ouvinte de suas músicas a criar a imagem de alguém que teve contato com a música
durante toda a vida. Essa perspectiva preambular em um ouvinte ilustra o Ethos prévio
(que pode ou não condizer com a realidade). Se o ouvinte souber/soubesse, no entanto,
que a relação entre Gonzaga pai e Gonzaga filho era turbulenta, inclusive no que diz
respeito a ideologias políticas, o Ethos prévio já é/seria afetado. Ainda no Ethos prévio,
podemos considerar, para analisar mais detalhadamente a música em questão, que
Gonzaguinha era membro do MAU (Movimento Artístico Universitário) desde antes de
lançar a música, época em que fazia críticas à ditadura. À época, esse fato levou o
Departamento de Ordem Política e Social (o odiável DOPS) a lhe dar atenção,
censurando uma grande quantidade de suas composições. Dentre elas, o objeto dessa
minha breve análise.
A construção do Ethos dito e mostrado, por outro lado, se dá com os versos de
suas canções. No caso de Comportamento geral, estes ethos corroboram com a
construção da imagem de um sujeito revoltado. Em todo o início da música até a
primeira aparição do refrão, o eu lírico dita uma série de deveres aos interlocutores,
ouvintes. Não são, no entanto, palavras do próprio eu lírico, são regras estabelecidas
previamente por terceiros. Tal elemento evidencia a existência de polifonia em sua
canção. É usando das palavras de outros em determinados momentos que diz o que ele
tem a dizer.
Os elementos dêiticos também têm muito a contribuir na construção desse Ethos.
O eu lírico não se inclui na doutrinação que alega estar estabelecida, diz você deve, não
nós devemos. Cria uma distância entre ele e os demais interlocutores na medida em que
descreve o hábito dos demais de receber desgraça e agradecer por isso, estabelecendo
distinção entre ele e os ouvintes.
A chegada do refrão traz acusação. Gonzaguinha aponta que as tragédias, as
desventuras, são culpa dos interlocutores, que assistem a tudo e continuam a insistir que
não há nada errado. Após o refrão, aponta novamente a culpa, evidenciando que ela
reside na omissão em prol de premiações pífias.
REFERÊNCIAS E ANEXOS

SCOVILLE, Eduardo H. M. L. de. Amigo é para essas coisas: o MAU e a Televisão. Associação
Nacional de História – ANPUH XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – 2007. Disponível em
https://anpuh.org.br/uploads/anais-simposios/pdf/2019-01/1548210413_e3ff0d87cad5dee820d4df8fe3deaf49.pdf
(acessado em 13.04.2021)

ECHEVERRIA, Regina. Gonzaguinha e Gonzagão: uma história brasileira. Leya, 2006.

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