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O Eco Dos Alto-Falantes
O Eco Dos Alto-Falantes
TERESINA-PIAUÍ
2006
11
INTRODUÇÃO
1
A primeira delas, a Rádio Difusora de Teresina, só viria a funcionar quatro anos mais tarde.
2
Das 179.143 unidades prediais e domiciliárias piauienses de 1940, apenas 878 possuíam aparelhos de rádio
receptores. Cf. IBGE. Recenseamento Geral do Brasil (1º de setembro de 1940) – Série Regional, Parte V –
Piauí. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1952.
3
A utilização de alto-falantes em logradouros públicos para propaganda e divulgação de músicas em Teresina,
no entanto, vem ainda do final da década de 30 do século passado. Cf. NASCIMENTO, Francisco Alcides do.
História e Memória da Rádio Pioneira de Teresina. Teresina: Alínea Publicações Editora, 2004.
4
MENDES, Felipe. Economia e Desenvolvimento do Piauí. Teresina: Fundação Monsenhor Chaves, 2003.
12
5
Como são popularmente conhecidos os CDs copiados sem o pagamento de impostos e direitos autorais.
6
MEIO Norte, Teresina, 9 jun 2005, nº 3.806, p. B/2.
7
PERUZZO, Cicília. Participação nas Rádios Comunitárias no Brasil. Artigo apresentado no GT Cultura e
Comunicação Popular, XXI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Recife-PE, 9 a 14 de setembro
de 1998. (Disponível em www.bocc.ubi.pt). Último acesso em março de 2004.
8
Utiliza-se, neste trabalho, o termo “rádio amplificadora”, pelo fato dos primeiros serviços de alto-falantes de
Teresina assim se auto-denominarem, como veremos no primeiro capítulo desta dissertação.
13
9
CERTEAU, Michel de. Práticas de espaço. In: A invenção do cotidiano – artes do fazer. Petrópolis, RJ: Vozes,
1994, p.167-217.
10
Id. Ibid.
14
Teresina e qual a relação desta lei com a disputa por anúncios com a Rádio Difusora? Que
interesses materiais ou de outra natureza estiveram implicados na aprovação da lei? Como os
serviços de alto-falantes passaram a se comportar na periferia? Que memórias restam destas
experiências?
Para se realizar esta pesquisa, a partir do uso da metodologia/técnica da História
Oral, foi feita uma “visita” à memória de sujeitos que trabalhavam nas amplificadoras e na
Rádio Difusora nas décadas de 40, 50 e 60, em Teresina. Foram também visitadas as
lembranças de pessoas que poderiam ser chamadas de público receptor das amplificadoras,
seja no centro, seja na periferia.
Para embasar o trabalho de análise das fontes orais e memórias, recorreu-se a
autores como Michel Pollak11. Para ele, tais fontes devem ser vistas com a mesma crítica que
se emprega ao analisar documentos escritos já que a memória é socialmente construída, assim
como todas as outras formas de documentação:
[...] não há diferença fundamental entre fonte escrita e fonte oral. A crítica da
fonte, tal como todo historiador aprende a fazer, deve [...] ser aplicada a
fontes de tudo quanto é tipo. Desse ponto de vista, a fonte oral é exatamente
comparável à fonte escrita. Nem a fonte escrita pode ser tomada tal e qual
ela se apresenta.12
11
POLLAK, Michel. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992. p.
207.
12
Id. Ibid.
13
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo, Vértice, Editora Revista dos Tribunais, 1990.
14
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembrança de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
15
THOMPSON, John B. A Mídia e a Modernidade. Uma teoria social da mídia. Petrópolis, Vozes, 1998.
15
e obras literárias, de autores locais. Alguns sites (Senado Federal, Museu da Imagem e do
Som – MIS-RJ...) também forneceram informações importantes para este trabalho.
Apesar da importância das amplificadoras, desde os antecedentes da radiofonia no
Piauí até recentemente, poucas informações existem de forma documentada sobre como se
dava o funcionamento dessas “rádios” no centro e na periferia de Teresina, sobretudo dos
serviços de alto-falantes que funcionaram até a década de 60. No entanto, há diversas fontes
“não oficiais” que podem ser visitadas para construir como se deu essa forma de
comunicação.
No que se refere à periferia, o eco das “rádios populares” por sistema de alto-
falantes ainda permeia o imaginário das comunidades e de ex-moradores do centro de
Teresina, mesmo após vários anos de fechamento das amplificadoras em diversos bairros de
Teresina.
Além dos moradores da periferia, outras fontes orais indispensáveis para se tentar
construir a história e memória dos alto-falantes como meio de comunicação popular são as
pessoas encarregadas de colocarem a amplificadora “no ar”, como locutores, colaboradores, e
representantes de organizações comunitárias responsáveis pela manutenção dos equipamentos
e da programação.
Na construção desta narrativa, foram ouvidas diferentes “vozes” que informaram
sobre o processo de afastamento das amplificadoras do centro de Teresina. O discurso sobre o
silêncio para o sossego público e a narrativa em torno da disputa por anunciantes entre as
amplificadoras e a primeira emissora de rádio de Teresina se contrapõem. Há também outra
idéia em torno da superação dos serviços de alto-falantes e consolidação da radiofonia, como
parte do desenvolvimento e modernização de Teresina.
Especular sobre a utilização política das amplificadoras e da única emissora de
rádio existente em Teresina naquele período também é preocupação deste trabalho. Em meio
a disputa por anúncios entre os serviços de alto-falantes e a Difusora, diferentes grupos sociais
e políticos se articulavam para instalar novas emissoras de rádio. O que aconteceu para que
tais projetos de instalação de novas rádios fracassassem é outro ponto abordado nesta
dissertação.
Como resultado do trabalho de pesquisa, a dissertação foi organizada em três
capítulos.
O primeiro deles, Pelo rádio, o barulho da modernidade, trata desde o início da
radiodifusão no Brasil e do uso de sistemas de alto-falantes, até a concretização do “sonho” da
capital piauiense em ter sua primeira emissora de rádio. Mostra-se como o processo de
16
TERESINA-PIAUÍ
2006
2
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________
Prof. Dr. Francisco Alcides do Nascimento – UFPI (orientador)
_________________________________________
Prof. Dr. Edwar de Alencar Castelo Branco - UFPI
_______________________________________
Prof. Dr. Newton Dangelo - UFU
4
DEDICATÓRIA
Às vozes dos locutores de amplificadoras que vagueiam no éter e às que permanecem vivas na
memória dos ouvintes dos alto-falantes do centro e da periferia de Teresina.
5
AGRADECIMENTOS
danielsolon@hotmail.com
RESUMO
danielsolon@hotmail.com
ABSTRACT
The "amplifiers" (loudspeaker System) of Teresina and its effects in sociability is the main
subject of this study. The researching work shows the period prior to Radio System in the
State of Piaui (and of 30 decade) and emphasizes the age when the Loudspeaker System was
taken away from downtown in Teresina (1952) up to the beginning of the 60 decade, when
Radio became the main mean of communication of our people. To find out where the
loudspeakers were the loudspeakers were located as well as to perceive how they were
accepted for the population are also some of the main purposes of this work. To bring out the
memory of our people, their quarrels for legitimate interests as to the removal of the
loudspeakers from downtown to the suburbs, the consolidation of the use of Radio in the State
are some other tasks of this study. This research still shows the different usages of the
loudspeakers emphasizing the propagation of ideas, ideologies, advertising, electioneering,
social integration and even professional formation of men and women who used to work and
still work on local radiophony.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Fotos
Figuras
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................11
CAPÍTULO I
PELO RÁDIO, O BARULHO DA MODERNIDADE ...............................................17
Pioneirismo e clandestinidade em Parnaíba ...............................................................23
Novos sons se espalham pelo ar da cidade ...................................................................26
No ar... um sonho frustrado ..........................................................................................40
Rádios de papel: outros projetos de emissoras não consolidados ................................45
A primeira rádio de Teresina “nasceu” em Parnaíba ...................................................52
CAPÍTULO II
O CEN(TEN)ÁRIO DE TERESINA E O SILÊNCIO DOS ALTO-FALANTES.......57
Rádio e amplificadora: uma breve coexistência no centro de Teresina .......................62
Sociabilidades noturnas na Praça Pedro II ...................................................................65
Um “anjo” anuncia a noite pelo alto-falante ................................................................72
A Miranda Prorsus e o surgimento da Rádio Pioneira .................................................75
Outras práticas na praça, outros usos dos alto-falantes ................................................84
Tensões no ar: as disputas por anúncios comerciais ....................................................88
A regulação dos espaços e dos corpos .......................................................................101
O rádio na imprensa local ...........................................................................................106
Fechando as cortinas sob um céu estrelado ................................................................109
CAPÍTULO III
OS SONS SE ESPALHAM PELO SUBÚRBIO .......................................................112
À sombra dos Cajueiros .............................................................................................127
A saga de uma retirante ..............................................................................................131
A Legião da Decência e o beijo da Filomena .............................................................135
CAPÍTULO I
Não era somente o início oficial do rádio brasileiro. De certa forma, iniciou-se
também a utilização dos sistemas de alto-falantes como meio de comunicação no Brasil, bem
como deu-se início a polêmica quanto às vantagens e incômodos no que se refere ao seu uso.
A fala de Roquette Pinto, o “pai do rádio brasileiro”, além de dar suas impressões sobre a
experiência da radiodifusão no centenário da independência, antecipa as discussões sobre os
serviços de alto-falantes que surgiriam mais tarde em todo o Brasil e que no Piauí também
ficaram conhecidos por amplificadoras:
1
Antes disso, em 1919, já havia sido fundada a Rádio Clube de Recife, de Oscar Moreira Pinto, que só passou a
funcionar com maior regularidade a partir de 1924. cf ORTRIWANO, Gisela Swetlana. A informação no rádio –
os grupos de poder e a determinação dos conteúdos. São Paulo: Summus, 1985, p 13.
2
CASTRO, Ruy. Roquette Pinto: o homem multidão. Meio digital. Artigo disponível em
http://www.radiomec.com.br/roquettepinto/ohomemmultidao.asp. Os aspectos inerentes à modernização do país
e a derrubada do Morro do Castelo citada acima e que culminou na demolição de 400 casas populares e a
expulsão de cinco mil pessoas, são discutidos em MOTTA, Marly Silva da. A nação faz cem anos: o centenário
da independência no Rio de Janeiro: CPDOC, 1992. 18f.
18
Mas o rádio nascia como meio de elite, não de massa, e se dirigia a quem
tivesse poder aquisitivo para mandar buscar no exterior os aparelhos
receptores, então muito caros [...] Nasceu como empreendimentos de
intelectuais e cientistas e suas finalidades eram basicamente culturais,
educativas e altruísticas. 4
3
In: http://www.radiomec.com.br/80anosradio/80anos1.asp. Último acesso em 22 out 2005.
4
ORTRIWANO, op. cit, p. 13-14.
5
PESSOA, Epitácio. Mensagem apresentada ao Congresso Nacional na abertura da segunda sessão da décima
primeira legislatura. Rio de Janeiro, 1922. Disponível em: http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1314/000001.html
6
MOTTA, op. cit, p.4.
19
7
ROSATO, Hamleto. Há 66 anos ‘A Tribuna’ inaugurava a era dos alto-falantes no Brasil. Disponível em:
<http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0088.htm>. Acesso em: 03 ago. 2005.
8
Ibid.
9
CALABRE, Lia. Políticas públicas culturais de 1924 a 1945: o rádio em destaque. CPDOC/FGV. Estudos
Históricos, Mídia, n. 31, 2003/1, p. 2.
20
10
CALABRE,, op. cit, p.2.
11
COSTA, Osmanir. Rádio e Política. A aventura eleitoral dos radialistas do século XX. Londrina, Eduel, 2005,
p. 87.
12
CALABRE, Lia. A participação do rádio no cotidiano da sociedade brasileira (1923-1960). Disponível em:
http://www.casaruibarbosa.gov.br/lia_calabre/main_participacao.html. Último acesso em 22/07/2005.
21
13
FERRARETO, Luiz Artur. Rádio: o veículo, a história e a técnica. Porto Alegre: Editora Sagra Luzzatto,
2000, p 107.
14
ORTRIWANO, op. cit, p. 17
15
VARGAS, Getúlio Dorneles. Mensagem apresentada ao Poder Legislativo em 3 de maio de 1936. Rio de
Janeiro, Imprensa Nacional, 1936, p. 24. Disponível em http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1276/000024.html. Último
acesso em 3 ago 2005.
22
letrados e analfabetos, estes últimos, uma assustadora imensidão no país16. E mais: os serviços
de alto-falantes foram vistos com interesse para propagação das mensagens do governo, sendo
incentivados em diversas localidades onde o rádio – símbolo de progresso e modernidade –
ainda não havia chegado.
Ainda na mensagem presidencial de 3 de maio de 1936, ou seja, mais de um ano
antes do golpe que inaugurou o Estado Novo, Vargas relatou ao Congresso que o
Departamento de Propaganda e Difusão Cultural possuía um serviço de rádio
16
Em 1940, censo do IBGE mostrou que 50,01% da população com 15 anos ou mais não sabia ler, Cf.
http://www.inep.gov.br/download/cibec/2000/rbep/rbep199_010.pdf
17
VARGAS, 1936, op. cit, p.28.
18
Ibid, id.
19
VARGAS, 1936, op. cit, p.29
23
Tanto no interior quanto nas cidades, o "rádio oficial" deveria ser ouvido por
todos. O Decreto-Lei nº 1.949, de 30 de dezembro de 1939, obrigava todos
os comerciantes a possuírem aparelhos receptores de rádio em seus
estabelecimentos e os serviços de alto-falantes, a transmitirem o programa
oficial do DIP.20
20
CALABRE, op. cit, 2003/1, p.11.
21
“No final da década de 50 o país ainda possuía um índice de 53,16% de sua população analfabeta, sendo que
61,98% dos que não sabiam ler se encontrava entre a população rural”, cf. CALABRE, 2005, op.cit.
22
CHAVES, Niltonci Batista. “A saia verde está na ponta da escada!”: as representações discursivas do Diário
dos Campos a respeito do integralismo em Ponta Grossa. Revista de História Regional, Vol. 4, nº 1 Verão 1999.
Disponível em http://www.rhr.uepg.br/v4n1/niltonci.htm#23; Última visita em 16 de maio de 2005.
23
RÁDIO Educadora de Parnaíba. Almanaque da Parnaíba (Fundado em 1924). Décima Nona Edição –
Ininterrupta – 1942, p. 85.
24
24
NASCIMENTO, Alcides do. História e Memória da Rádio Pioneira de Teresina. Teresina, Alínea
Publicações Editora, 2004, p. 20.
25
Ibid, id.
26
IBGE. Recenseamento Geral do Brasil (1º de setembro de 1940). Série regional, parte V – Piauí. Rio de
Janeiro, Serviço Gráfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1952, p. 165-166.
27
LOPES, Antônio de Pádua Carvalho. Luz, Progresso e Expansão Intelectual: a elite comercial exportadora de
Parnaíba e o lugar da educação no desenvolvimento do Piauí. IN: CASTELO BRANCO, Edwar de Alencar;
25
Até o início da década de 40, a produção de cera de carnaúba era uma das
principais fontes de riquezas no Piauí28. O produto saía do Estado e voltava manufaturado em
diversas formas. Parte da cera de carnaúba piauiense se transformava nos discos de 78
rotações por minutos produzidos pela indústria fonográfica nacional do sul/sudeste do país29.
Eram esses mesmos discos que eram “tocados” nos fonógrafos das rádios e serviços de alto-
falantes espalhados pelo país. Outra parte era utilizada pela indústria bélica, na fabricação de
pólvora, utilizada inclusive na II Guerra Mundial.30
Por conta da existência de um comércio forte e interessado num meio de
divulgação eficiente para seus produtos, o processo de legalização da rádio Três Cocos teve o
apoio político e financeiro que precisava. A montagem da primeira emissora teria se dado no
estilo “Frankstein”, com a junção de peças de diferentes marcas e “no momento em que se fez
necessário melhorar as instalações, o comércio ajudou com a quantia de 3 contos de réis,
através de uma coleta”.31
Há quem diga, como o radialista Carlos Said, que os equipamentos seriam sucata
de uma estação de rádio militar norte-americana instalada no litoral piauiense, onde hoje seria
Luís Correia. Para Said, “os americanos deixaram os equipamentos que foram adquiridos por
compra pela família Correia, família tradicional de Parnaíba”.32
É importante ressaltar que não existe nenhuma outra fonte além da entrevista de
Carlos Said que mencione tal forma de aquisição dos equipamentos. Porém, de fato, a família
Correia teve importante participação no processo de instalação da Rádio Educadora de
Parnaíba como denota a composição da primeira diretoria da emissora. A presidência da
estação ficou a cargo de José Moraes Correia. O vice-presidente era Francisco Fontenele de
Araújo. E enquanto Alcenor Neves Madeira ficou com o cargo de superintendente da rádio, o
rádio-técnico Euvaldo Carvalho não figurava nas diretorias mais importantes33.
A legalização da rádio parnaibana veio com o decreto 5.118, de 13 de janeiro de
1940, assinado pelo presidente Getúlio Vargas:
NASCIMENTO, Francisco Alcides do; e PINHEIRO, Áurea da Paz (orgs). História: cultura, sociedade, cidade.
Recife: Bagaço, 2005, p. 64.
28
MENDES, Felipe. Economia e Desenvolvimento do Piauí. Teresina: Fundação Monsenhor Chaves, 2003.
29
O discos só tinham uma faixa e funcionavam somente de um lado.
30
TAJRA, J.E & TAJRA FILHO, J.E. O comércio e a indústria no Piauí. Apud ARAÙJO, José Luís Lopes. O
Rastro da carnaúba no Piauí. Almanaque da Parnaíba, 1985. In SANTANA, R.N (Org). Piauí, Formação,
Desenvolvimento e Perspectivas. Teresina, Halley, 1995.
31
NASCIMENTO, op. cit, p.22.
32
SAID, Carlos. Entrevista cedida a Daniel Solon em 04 de janeiro de 2005.
33
RÁDIO Educadora de Parnaíba. Almanaque da Parnaíba (Fundado em 1924). Décima Nona Edição –
Ininterrupta – 1942, p. 87
26
Até meados da década de 30, Teresina crescia em passos lentos e silenciosos. Era
uma capital calma, muito pequena, herdeira de hábitos provincianos. As linhas e entrelinhas
dos jornais e das leis aprovadas na Câmara de Vereadores pareciam dizer que o
34
DECRETO 5.118, de 13 de janeiro de 1940. Coleção de Leis do Brasil de 31/12/1940. Disponível em:
http://www6.senado.gov.br/sicon/ExecutaPesquisaLegislacao.action. Último acesso em 4 de agosto de 2005.
35
RÁDIO Educadora de Parnaíba, 1942, op. cit, p. 89.
36
PIAUÌ. Decreto Lei nº 264, de 14 de maio de 1940. Livro de Resumos de Leis da Assembléia Legislativa de
1940.
27
desenvolvimento da cidade – ou sua modernização – deveria vir sem alarde, sem incômodos e
desconfortos comuns das metrópoles do sul do país, onde as nuvens eram ameaçadas por
arranha-céus.
Já em 1935, anúncios de produtos nos jornais de Teresina, no entanto, davam a
entender que a calmaria estava ameaçada pelo barulho do processo de modernização:
37
O reclame alertava que problemas no sono resultavam em perda de fosfato. “Em casos como esse, “recomenda-
se injeções de Tonosfofan, que levanta o estado geral reforçando o systema nervoso”, cf. O RUÍDO nas cidades -
descuidos insuportáveis. Diário Oficial, Ano V, nº 21, Teresina, 26 jan 1935, p. 10.
38
TERESINA. Lei nº 22, de 4 de julho de 1936. Livro de Leis de 1936. Procuradoria do Município.
39
TERESINA, Lei nº 76, de 23 de setembro de 1937. Livro de Leis de 1937. Procuradoria do Município.
28
1 Mercado Central
3 2 Praça da Bandeira
1 3 Praça Rio Branco
4 Praça Pedro II
2 5 Praça Saraiva
41
IBGE. Recenseamento Geral do Brasil (1º de setembro de 1940) – Série Regional, Parte V – Piauí. Rio de
Janeiro: Serviço Gráfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1952, p. 171.
42
Ibid, id.
43
LEMOS, Carlos A. C. A república ensina e morar (melhor). São Paulo: Hucitec, 1999.
44
TERESINA. Decreto Lei 54, de 3 de abril de 1939 – Novo Código de Posturas do Município. Livro de Leis de
1939. Procuradoria do Município, p. 115.
45
Ibid. id.
46
TERESINA, 1939, p. 115.
30
[...]Na rua Barroso, onde é hoje quase defronte ao Banespa, ali existia a casa
do Sr. Isaías Almeida e ali ele alugou uma sala para que os jovens que
começavam a trabalhar em amplificadoras [...] Naquela sala alugada havia
um estúdio, onde se montou a mesa de som, outra mesa com microfones para
os locutores e também uma divisória onde havia o escritório para manter a
publicidade e a produção. E uma saletazinha para diretor e outra para
47
Teresina, 1939, p.115.
48
NASCIMENTO, 2004, op. cit.
31
recepção. Tudo acanhado no que tange ao espaço. Mas bem produzido, bem
dividido. E uma discoteca. Naquele tempo, o disco era de cera, de 78
rotações. O Piauí vivia seu momento épico, a cera de carnaúba era a maior
economia do Estado, superava o babaçu. Então ali havia a discoteca, os
grandes lançamentos musicais do momento [...]49
Said rememora que a praça Pedro II, à noite, passava a ser ponto de encontro da
juventude teresinense, de todas as classes sociais. Atendendo a pedidos, o locutor da
amplificadora que ali funcionava mandava mensagens românticas às moçoilas, às quais eram
oferecidas músicas, mediante pagamento. Sobre a programação da amplificadora em que ele
trabalhava, havia espaço para comentários sobre música, cinema, teatro, esporte, noticiário e
prestação de serviços, com avisos diversos para a população.
Por difundir a música, cinema e teatro num período em que a radiodifusão não
havia se instalado em Teresina, é possível arriscar que os serviços de alto-falantes
desenvolveram um papel importante para vender produtos e valores da embrionária indústria
cultural50 – incluindo aí os famosos cantores e cantoras da Rádio – antes da instalação de uma
emissora na capital piauiense. Era comum, por exemplo, que artistas famosos revelados pela
Rádio Nacional do Rio de Janeiro, dessem entrevistas nas amplificadoras de Teresina, por
ocasião de suas apresentações na cidade.
49
SAID, op. cit.
50
ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira. São Paulo. Brasiliense, 1988.
51
SAID, op. cit.
32
52
FREITAS, Antônio de Pádua Carvalho. Entrevista cedida a Daniel Solon em 28 dez 2004.
33
53
RÁDIO Amplificadora Teresinense. Diário Oficial, Teresina, p. 1. 10 jul. 1939.
54
RÁDIO Propaganda Sonora Rianil. Diário Oficial, Teresina, p.1, 13 abr. 1939.
55
O rádio, assim como a TV, utiliza ondas eletromagnéticas conhecidas também por ondas hertzianas, em
homenagem ao físico alemão Heinrich Hertz (1857-1894), um de seus maiores estudiosos, cf. BRIGGS, ASA &
BURKE, Peter. Uma história social da mídia – de Gutenberg à Internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004,
p. 158-9.
56
DIÁRIO OFICIAL. Teresina, p.1, 13 abr. 1939.
34
57
RÁDIO Amplificadora Teresinense. Op. cit., p.1.
58
Para NASCIMENTO, 2004, op. cit, p. 17, o termo Pioneira pode indicar que a Rianil foi a primeira
amplificadora de Teresina, tendo sido inaugurada em abril de 1939. No entanto, como já vimos, desde 1937
havia legislação taxando publicidade por meio de microfones e alto-falantes.
59
DIÁRIO OFICIAL, Teresina, p.2, 19 jul. 1939.
60
DIÁRIO OFICIAL, Teresina, p.12, 13 jul. 1940.
61
PINHEIRO FILHO, Celso. História da Imprensa no Piauí. 3 ed. Teresina, Zodíaco Editora, 1997, p.179.
35
A gente ouvia A Voz do Brasil porque ali saía muita notícia favorável ao
trabalhador, a classe política aqui do Piauí, onde funcionavam o PSD, UDN
e PTB. Havia ainda o PCB, até o Luis Carlos Prestes entrou na Constituição
de 46 e depois que houve outra derrocada, né? E a gente ouvia A Voz do
Brasil pra fazer o nosso noticiário nacional, tinha o rádio-escuta. Hoje não,
você vai à Internet e já vem tudo mastigado. Naquele tempo você tinha um
rádio-escuta, como teve a rádio Difusora, a rádio Clube, a rádio Pioneira. Por
exemplo, em 62 eu fui diretor do Departamento de Radiojornalismo da
Pioneira e nós tínhamos dois rádio-escuta, o Dídimo de Castro e o Raimundo
Lima. Então nós tínhamos reportagens fantásticas como a do assassinato do
presidente Kennedy e a morte do Papa João XXIII. Então a gente fazia
vigília permanente. E então no tempo das amplificadoras havia o rádio
escuta [...] Então a gente ouvia a Voz do Brasil pra fazer o nosso noticiário.
Por que a Voz do Brasil ainda hoje eu acredito que deva ter uma secção
internacional65.
62
TAVARES, Reynaldo C. Histórias que o rádio não contou.: do galena ao digital, desvendando a radiodifusão
no Brasil e no mundo. 2 ed. São Paulo: Harbra, 1999, p.132.
63
GARCIA, José Ribamar. Imagens da Cidade Verde, 2. ed. Rio de Janeiro: Litteris, 2000, p. 59.
64
DIÁRIO OFICIAL, Teresina, p. 2, 16 jan. 1939.
65
SAID, op. cit.
36
66
PINHEIRO FILHO, op. cit. p.180.
67
CARVALHO, Afonso Ligório Pires de. Outros tempos. Brasília: Thesaurus, 2002, p. 75
68
CARVALHO, 2002, op cit, p. 76.
69
Id.
37
A (amplificadora) Rianil era tudo em torno das lojas Rianil pra competir
com as lojas Pernambucanas, daquela família holandesa de Recife,
Lundgren, ou alguma coisa assim. Então a Rianil tinha a boca pra chamar os
fregueses. ‘Olha aqui padrão, mescla, cetim, morim, sapato, não sei o que’,
as lojas vendiam de tudo. 70
Ainda na área comercial de Teresina havia outra amplificadora, com menor potência e
menos organizada do que a Comercial Teresinense e a Cruzeiro do Sul. Era o serviço de alto-
falantes Record, nome de outra grande rádio de São Paulo, de grande sucesso na década de
40.
70
SAID, op. cit. N.A: Os Lundgren vieram da suíça e se instalaram inicialmente no Brasil em 1855, em São
Paulo, sendo que a instalação da primeira loja Pernambucanas aconteceu em 1908. Ver: História das
Pernambucanas in: http://www.pernambucanas.com.br/historia.aspx. Último acesso em 22 ago 2005.
71
PINHEIRO FILHO, op. cit, p. 179.
72
MARINHO, José Leonílio Guedes (Bismarck Augusto). Entrevista cedida a Daniel Solon. Teresina, 28 dez.
2004.
38
Ali se jogava futebol e daquele lado da rua Rui Barbosa, ali da praça
Saraiva, ali onde é o Barão de Gurguéia até chegar ao antigo seminário, que
hoje é a Casa da Cultura e o Zezinho Marchão, que ali era um grotão para
subir para a Estrada Nova, que ali é um posto de gasolina e tem um colégio,
parece que é o Certo. Aí você sobe a ladeira, ali era mais agências de
transporte local e intermunicipal. As primeiras agências de viagens foram a
agência Saraiva, agência Santos, agência Volante. Então ele (dono da
amplificadora) dedicou essa Cruzeiro do Sul74 mais para o popular, para o
estivador, para o motorista de caminhão, para o caminhoneiro, para quem
vendia ali pequis, picolezeiro, etc e etc. E ali também ele (o dono da
73
FREITAS, op. cit.
74
É importante ressaltar que o entrevistado lembra dos locais onde os serviços de alto-falantes funcionavam mas
confunde o nome das amplificadoras, atribuindo o nome da Cruzeiro do Sul a que funcionava na Praça Saraiva,
sendo que ela funcionava na Praça Pedro II.
39
amplificadora) montou ali, deixe-me ver, era bem na esquina da rua São
José, que hoje é Félix Pacheco, com rua Barroso.75
75
SAID, op. cit.
76
SOARES, Raimundo José Airemoraes. Entrevista cedida a Daniel Solon. Teresina 22 jun. 2005.
40
Em 1940, como vimos, o Piauí já contava com uma emissora de rádio, a qual teve
auxílio financeiro dos cofres públicos para se instalar. Porém, ter influência no conteúdo
informativo veiculado na Rádio Educadora de Parnaíba não era o bastante para saciar a fome
de propaganda do governo do Estado, então sob comando do interventor Leônidas Melo.
Se para a emissora parnaibana os cofres estaduais foram generosos, a intenção do
governador era a de praticamente montar uma estação de rádio na capital piauiense com o
dinheiro público. Porém, a rádio deveria ser uma empresa de natureza privada, dirigida por
empresários locais pertencentes a grupos familiares com forte influência política.
Um mês depois de publicar o decreto que dava 20:000$000 de auxílio para as
instalações da Educadora de Parnaíba, o governo chamou uma reunião para mobilizar setores
políticos, empresariais, intelectuais, clericais, imprensa e até mesmo proprietários dos maiores
serviços de alto-falantes da capital até então – Rádio Amplificadora Teresinense e Rádio
Propaganda Sonora Rianil – no sentido de instalar uma estação em Teresina77.
Na referida reunião, divulgada inclusive pelas amplificadoras, foram realizados os
primeiros acertos entre os participantes, dentre eles a escolha do nome da emissora, “Rádio
Clube do Piauí”. Neste encontro, Leônidas Melo teria dito que o empreendimento “só
corresponderia aos anseios dos piauienses se possuísse um raio de ação necessário a se fazer
ouvir por todo o território nacional”.78
Foi eleita uma diretoria provisória e elaborada uma proposta de como seria a rádio
em termos estruturais, além de procurarem orçamentos cujos cálculos deveriam incluir
77
GRANDE reunião em prol da radiodifusão no Estado: A futura estação de Teresina. Diário Oficial, Teresina,
p. 2. 27 jun. 1940.
78
ESTAÇÃO emissora do Piauí. Diário Oficial, Teresina, p. 1. 5 jul 1940.
41
Segundo Nilsângela Cardoso Lima 83, a campanha foi aplaudida por quase todos os
municípios piauienses, bem como outros Estados, dentre eles Rio de Janeiro e Maranhão, que
prestavam homenagem e apoio à iniciativa do governo de Leônidas por meio de telegramas.
79
RÁDIO Clube do Piauí. Diário Oficial, Teresina, p.2. 13 jul 1940.
80
RÁDIO Clube do Piauí. Diário Oficial, Teresina, p. 2. 12 jul 1940.
81
RÀDIO Clube do Piauí. Diário Oficial, Teresina, p.1. 10 jul 1940.
82
RÁDIO Clube do Piauí. Diário Oficial, Teresina, p. 2. 12 jul 1940.
83
LIMA, Nilsângela Cardoso. ZQY-3: No ar, a primeira rádio teresinense. 2002. 70 f. Trabalho de Conclusão de
Curso. (Graduação em Licenciatura Plena Em História) - Universidade Federal do Piauí.
42
economia piauiense. Além disso, a nota alegava ainda que uma determinação do Ministério da
Viação – à época responsável pelo setor radiofônico – suspendia novas concessões até que
fosse apresentado ao presidente Vargas um anteprojeto do Código Brasileiro de Radiodifusão.
Para Nascimento, possivelmente o interventor Leônidas Melo se sentisse
incomodado em não ter, na capital do Estado, uma emissora para utilizar no reforço de seus
ideais políticos e para divulgação dos atos da administração. Porém
88
NASCIMENTO, 2002, op. cit. p.55.
89
RÁDIO Clube do Piauí – aviso em geral. Diário Oficial, Teresina, P. 59. 29 nov 1940.
90
SERVIÇO de Estatística da Educação e Saúde. Anuário estatístico do Brasil 1941/1945. Rio de Janeiro:
IBGE, v. 6, 1946.
44
91
ORTRIWANO, op. cit, p.18.
92
MIRANDA, Orlando. A era do rádio. In: Nosso Século, Abril Cultural, nº 17, p. 72, Apud ORTRIWANO, op.
cit, p. 18.
93
COSTA, op. cit. p.37.
94
SERVIÇO de Estatística da Educação e Saúde. Anuário estatístico do Brasil 1949. Rio de Janeiro: IBGE,
v.10, 1950. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/seculoxx/arquivos/cultura.xls. Último acesso em 4 ago 2005.
45
Ainda com toda a disposição de Dutra em assinar mais concessões de rádio para
todo os cantos do Brasil, Teresina só assistiu à primeira inauguração de uma emissora em
1948, quando passou a funcionar a Rádio Difusora de Teresina, como veremos mais adiante.
Até aquele ano, as amplificadoras de Teresina dominaram os ares da capital.
O fracasso do primeiro plano de instalação de uma emissora de Teresina parecia
estar previsto na programação de 13 de abril de 1939 da Rádio Propaganda Sonora Rianil.
Dentro do “ruidoso sucesso” que foi a apresentação do conjunto “Os três do ritmo”, foram
tocadas músicas de diversos estilos como samba, fox e valsa, como a canção “Tenho medo de
sonhar”.95.
95
RÁDIO Propaganda Sonora Rianil. Diário Oficial, Teresina, P. 2. 13 abr 1939.
96
José Cândido ficou bastante conhecido no Piauí na década de 40 após ser acusado, sem comprovação, de que
seria responsável pelos incêndios que aterrorizaram moradores de casas de palha em Teresina. A partir deste
fato, projetou-se na política, cf. NASCIMENTO, Alcides do. A cidade sob o fogo: modernização e violência
policial em Teresina (1937-1945). Teresina, Fundação Monsenhor Chaves, 2002.
97
A VOZ de Teresina. O Dia, Teresina, p. 1. 14 set. 1952.
46
[...] Muita gente vê, com certa reserva, a existência de duas estações
radiofônicas em Teresina, entendendo que nossa capital tem margem para
sustentar, financeiramente, uma estação. [...] Ao nosso ver, a existência de
mais uma estação emissora irá contribuir, sem dúvida, para que ambas
procurem esmerar-se o máximo possível, nas programações. Com isso
lucrarão os ouvintes. Também não acreditamos na concorrência desleal entre
as emissoras teresinenses, que estarão obrigadas, por um dever de ética, a
manter, a todo custo, um nível de cordialidade e entendimentos perfeitos,
compatível com as normas da boa educação e da conduta superior que deve
orientar os profissionais do mesmo ramo. É isso que, como ouvintes assíduos
de rádio, desejamos ver brevemente em Teresina [...]98
98
RÁDIO. O Dia, Teresina, p. 2. 14 dez. 1952.
47
A sua posição (de José Cândido Ferraz) junto ao governo federal é invejável
e estamos certos de que, somente com sua interferência podemos obter os
recursos que necessitamos para nossa libertação econômica. A prova do que
afirmo está na recente aquisição de um prefixo de Rádio para Teresina, com
uma potência inicial, nos transmissores, de 10 kwats, cobrindo todo o
território brasileiro, de dia e de noite, anunciando eficientemente e
permitindo ao nosso povo um nível geral de divertimento muito melhor e
através daquele microfone o povo piauiense levará para os céus do Brasil os
seus princípios e as suas reivindicações, na expansão de uma obra majestosa
e não mais “silenciosa”, creditada no concerto nacional. Após isto, haverá
entre o deputado José Cândido Ferraz e os piauienses uma confiança
recíproca baseada em condições adequadas para que o povo, em geral, tenha
sua disponibilidade à grandeza da Terra. A “voz do Piauí”, em todos os
receptores do Brasil, trará, incontestavelmente, o crescimento de uma
comunidade e este será o melhor ponto de libertação econômica, que se irá
fortalecendo, dia a dia, graças aos homens de ação e iniciativa como o
patrono desta obra de tão grande utilidade.
Sei, como radialista que sou, o quanto é difícil conseguir-se um canal para
uma Emissora no Brasil[...] Entretanto, o Senhor José Cândido Ferraz levará
para o Piauí um prefixo privilegiado pelas suas várias modalidades de
transmissão, levando-se por conseguinte, com esta aquisição, sobre sua
própria personalidade de homem decidido que é sobre a história das grandes
aquisições para o Piauí, avançado ainda pelos caminhos do valôr moral,
numa conjuntura excepcional, ajudando a organizar comodamente e orientar
o Estado, social e economicamente sem que, assim, sacrifique a ação do
povo com subscrições.99
O título do comentário cujo trecho foi transcrito acima trazia uma profecia: “José
Cândido Ferraz será o futuro líder absoluto no Piauí”. Além do exagerado culto a
personalidade, não se via um discurso tão apaixonado em favor da instalação de uma emissora
de rádio desde que fracassou a primeira tentativa de se criar a primeira estação teresinense,
ainda no início da década de 40, cujo projeto levava também o nome de “Rádio Clube do
Piauí”.
99
CURY, Karam. Notas e comentários. O Dia, Teresina, p. 3. 21 set 1952.
48
De fato, Ferraz não escondia de ninguém que pretendia utilizar toda sua estrutura
de comunicação que viesse a instalar para utilizá-la no campo das disputas políticas. Em
entrevista a jornal de Teresina, falou da intenção de montar um Jornal e uma emissora de
Rádio, para se fortalecer politicamente:
100
FALA aos piauienses o deputado José Cândido Ferraz. O Dia, Teresina, p. 1. 7 dez 1952.
101
JORNAL DO PIAUÍ, Teresina, p. 3. 11 ago 1954
102
JORNAL DO PIAUÍ, Teresina, P.2. 25 set 1954.
49
A utilização do rádio para proveito político próprio não era exclusividade de José
Lopes dos Santos. Em outras cidades do país, vários candidatos radialistas usaram as
emissoras onde trabalhavam como “atalho para as urnas”103, utilizando seus programas e
prestígio enquanto comunicadores para formar o chamado “capital eleitoral”104. No entanto,
nem sempre deter espaço nos microfones de estação de rádios quer dizer eleição garantida.
Santos, por exemplo, não conseguiu se eleger, mesmo estando à frente do programa de maior
sucesso do rádio do Piauí naquele momento: O Grande Jornal Q-3. O fracasso do radialista
não virou regra. Em outros pleitos, vários profissionais do rádio conseguiram chegar a cargos
eletivos, utilizando espaços nas emissoras em seu favor.
No momento em que o rádio se expandia e aos poucos se consolidava no Piauí,
era indiscutível a importância de uma máquina de propaganda como uma emissora para
possibilitar que o discurso e ideologia partidárias chegassem mais longe, formando opiniões,
conquistando eleitores. Em desvantagem por não ter uma emissora exclusivamente a seu
favor, era necessário ao cacique da UDN também ter a mesma arma eleitoral.
A concessão de rádio em ondas médias foi garantida a José Cândido Ferraz
através do decreto nº 30.196, de 21 de novembro de 1951105, assinado por Getúlio Vargas,
pelo prazo de três anos, com a potência de 10 kw. No mesmo dia, com a assinatura do decreto
n. 30.197106, Vargas também outorgou concessão para que a emissora atuasse também em
freqüência tropical, com a potência de 1 kw.
Com os decretos na mão e com a autorização de Getúlio, José Cândido encontrou
praticamente abertos os cofres do Banco do Brasil, para conseguir o empréstimo de Cr$ 17
milhões, apresentando pouquíssima garantia patrimonial, como um imóvel de Cr$ 1,3 milhão
e a loja de tecidos da família, a Ferraz e Cia, com capital integralizado de Cr$ 1,5 milhões107.
Ou seja, tratava-se de um negócio de altíssimo risco para a empresa de crédito estatal.
O projeto de José Cândido para o rádio era tido como “grandioso”. Ainda segundo
o comentário de Karam Cury108, a Rádio Clube irradiaria em ondas curtas, longas, tropical e
mais tarde também em freqüência modulada. O auditório teria capacidade para 600 pessoas –
o da Difusora não comportava 200 – e também seriam instaladas emissoras em Parnaíba,
103
COSTA, op. cit, p. 140.
104
Id, p. 211.
105
DECRETO nº 30.196, de 21 de novembro de 1951. Disponível em
http://www6.senado.gov.br/sicon/ExecutaPesquisaLegislacao.action. Último acesso em 15 ago 2005.
106
DECRETO n. 30.197, de 21 de novembro de 1951. Disponível em
http://www6.senado.gov.br/sicon/ExecutaPesquisaLegislacao.action. Último acesso em 15 ago 2005.
107
IRREGULAR a situação de Zecândido. Jornal do Piauí, Teresina, p. 1 e p.4 . 16 set 1954.
108
CURY, op. cit. p.4.
50
Floriano, Campo Maior e Picos, formando a cadeia Rádio Clube do Piauí. Elas teriam
programação própria, mas também retransmitiriam determinada programação vinda da matriz.
No entanto, o fantasma do fracasso parecia seguir quem ousasse utilizar o nome
“Rádio Clube do Piauí”. O prazo inicial para funcionamento da rádio em 60 dias, ou seja, em
dezembro de 1952, não foi cumprido. Outra previsão, que marcava o início da irradiação para
janeiro de 1953, também não se concretizou. Com tanta demora, algo parecia estar dando
errado com a rádio de José Cândido Ferraz.
Em 1953, o Banco do Brasil passou a cobrar as parcelas do empréstimo concedido
ao deputado, mas sem sucesso. O relatório109 sobre as maiores dívidas de empresas de
comunicação no país, emitido em 26 de fevereiro daquele ano, mostrava que o grupo José
Cândido Ferraz, entre outras grandes corporações como Grupo Antenor Mayrink Veiga,
Grupo Assis Chateubriand.
O pagamento das parcelas do empréstimo de José Cândido não estavam sendo
realizados, mas mesmo assim o banco liberava os valores prometidos. Não demorou muito, o
caso foi associado ao escândalo que envolveu o presidente Vargas e o jornalista Samuel
Wainer, que também foi financiado pelo Banco do Brasil para montar o jornal Última Hora
(UH). O periódico inovou quanto ao conteúdo e apresentação gráfica, abrindo uma nova fase
na imprensa brasileira, obtendo grande sucesso nos anos iniciais, até estourarem denúncias,
em 1954, sobre facilidades de empréstimos do Banco do Brasil a Wainer, por influência de
Vargas.110
Como o caso de José Cândido era muito parecido com o de Samuel Wainer, o
parlamentar piauiense também foi citado no relatório final da Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) instalada para investigar irregularidades na liberação de empréstimos do
Banco do Brasil111.
Em 1954, com a morte de Getúlio Vargas, o novo governo deu ordens para que
fosse revista a questão dos empréstimos do Banco de Brasil, para empresas do ramo da
comunicação. Era o que faltava para que o projeto de instalação da Rádio Clube do Piauí não
vingasse.
109
ARQUIVO Fundação Getúlio Vargas. Pasta 1953/GV. Disponível em www.fgv.br. Último acesso em 20 de
agosto de 2005.
110
BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica. 4 ed. Editora Ática, São Paulo, 1990, p. 74.
111
ZÉ CÂNDIDO gastou 17 milhões do Banco do Brasil. Jornal do Piauí, Teresina, p. 1. 23 mar 1954.
51
112
EXECUTADAS as empresas de Rádio e Jornal. O Dia, Teresina, p. 4. 10 out 1954.
52
Além do empreendimento de José Cândido Ferraz, outra emissora que não saiu do
papel foi a Rádio Cultura, que tinha como principal articulador o radialista Karam Jorge Cury,
o mesmo radialista cujo comentário favorável a Rádio Clube do Piauí foi transcrito há pouco.
O decreto nº 40.642, de 27 de dezembro 1956113, assinado pelo presidente Juscelino
Kubitschek outorgou concessão à Rádio Cultura do Piauí Limitada para instalar uma estação
radiodifusora de ondas médias.
Apesar de ter bons contatos nas esferas de poder municipal, estadual e no
judiciário, além de contar com o apoio de vários jornais locais, Karam Cury não teve a mesma
sorte de José Cândido em conseguir empréstimos para a compra dos equipamentos e
instalação de estúdios. Também “faltou apoio” dos governantes, que não quiseram se associar
ao radialista para concretização da rádio114.
113
DECRETO nº 40.642, de 27 de dezembro 1956. Disponível em Disponível em
http://www6.senado.gov.br/sicon/ExecutaPesquisaLegislacao.action. Último acesso em 15 ago 2005.
114
CURY, Karam Jorge. Conversa informal com o pesquisador Daniel Vasconcelos Solon, em outubro de 2005.
115
RÁDIO Clube do Piauí. Diário Oficial, Teresina, p. 2. 12 jul 1940.
116
SANTOS, José Lopes dos. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento. Teresina, 2004.
117
A entrevista de José Lopes dos Santos faz parte do acervo do Núcleo de História Oral da Ufpi, integrante do
projeto História do Rádio.
53
Para criar a Difusora teresinense, presume-se que Alcenor Madeira tenha seguido
um caminho diferente do escolhido pela comissão que fracassou ao tentar criar a Rádio Clube
do Piauí, em 1940. Ele constituiu legalmente a empresa em 1946, logo requerendo a
concessão do governo federal, ao mesmo tempo em que articulava políticos e comerciantes de
118
SANTANA, R.N Monteiro. Evolução Histórica da Economia Piauiense. Teresina, Ed. Academia Piauiense
de Letras, 2001, p.117.
119
MENDES, Felipe. Economia e Desenvolvimento do Piauí. Teresina: Fundação Monsenhor Chaves, 2003.
120
TAJRA, J.E & TAJRA FILHO. O comércio e a indústria no Piauí. In SANTANA, R.N (Org). Piauí,
Formação, Desenvolvimento e Perspectivas. Teresina, Halley, 1995, p.146.
121
O PIAUÍ, Teresina, p. 1, 23 out 1947.
54
[...] Parece não haver dúvidas de que entre 1949 e 1970, o rádio foi o
principal meio de comunicação de massa do Piauí, e que modificou de forma
significativa as formas de sentir, refletir e ver o mundo. O cotidiano das
pessoas foi transformado irreversivelmente[...]123
primeira estação piauiense também foi beneficiada por subvenção anual do governo, porém,
com um incentivo menor. A Lei nº 69, aprovada também no dia 17 de janeiro de 1948,
obrigou a emissora parnaibana a dedicar “diariamente um quarto de hora de seu programa
para o serviço de divulgação do Estado, dos atos oficiais e do expediente das repartições
públicas existentes em Parnaíba”.125
O artigo 3º da Lei que beneficiou a Difusora deixava clara a preferência do
governo estadual pela emissora teresinense: “Logo que as condições financeiras do Estado
permitam, a subvenção de que trata esta lei será elevada para Cr$ 120.000.00 (cento e vinte
mil cruzeiros)”. Enquanto isso, a legislação que garantiu a subvenção da Educadora ressaltava
que os Cr$ 48 mil anuais seriam pagos em 12 parcelas de Cr$ 4 mil. Antes da estação de
Teresina funcionar, o Estado tinha a opção de propagar seus atos através das amplificadoras.
Os que há muito ansiavam por uma emissora em Teresina, ressaltavam as
vantagens do rádio sobre outros meios de comunicação e ao mesmo tempo reconheciam a
importância de Alcenor Madeira na concretização do projeto de rádio para a capital e o
pioneirismo ao qual esteve à frente:
[...]O rádio, todos nós sabemos, é uma inovação do homem moderno, que
nos trouxe grandes benefícios e que oferece o meio de comunicação mais
rápido, pela extraordinária facilidade de transmitir a voz humana,
atravessando mares e oceanos, serras e montanhas, numa velocidade idêntica
ou superior ao relâmpago, sem a utilização de fios e equivalentes mas
elevado apenas pelas ondas hartezianas (sic) descobertas pelo grande
Marconi.
[...] No Piauí merece ser ressaltada a boa vontade, a destemida coragem, a
dedicação e o entusiasmo de Alcenor Madeira, que é incontestavelmente o
pioneiro da radi-fusão (sic) em nosso Estado, uma vez que foi ele que
instalou em Parnaíba a nossa primeira emissora e por último, aqui em
Teresina, fundou, montou e dirige, como seu superintendente, a Rádio
Difusora de Teresina, instalada com todos os requisitos modernos [...]126
125
DIÁRIO Oficial. Teresina, p.2. 31 jan 1948.
126
21 DE SETEMBRO: Dia do Rádio. Jornal do Comércio, Teresina, p. 3. 24 set 1949.
127
Sobre a discussão entre o novo e o velho Cf LE GOFF, Jacques. História e Memória. 3. ed. Campinas.
UNICAMP, 1994.
128
REZENDE, Antônio Paulo. Desencantos modernos: histórias da cidade do Recife na década de XX. Recife:
Fundarpe, 1997, p. 117.
56
129
REZENDE, op. cit, p. 117.
57
CAPÍTULO II
Mandar fazer uma esposa sob medida talvez seja a solução para resolver o
problema matrimonial.
Da (mesma) forma, o jeito mais seguro de conseguir perfeitos empregados,
amigos, filhos, quaisquer outros indivíduos, é mandar fabricá-los de acordo
com o nosso gosto.
Segundo cientistas de comprovada capacidade, não está longe o dia em que
poderemos fazer isso.
1
TOFLER, Alvin. A terceira onda. 18.ed. Rio de Janeiro: Record, 1992.
2
CASTELO BRANCO, Edwar de Alencar. Todos os dias de Paupéria – Torquato Neto e a invenção da
Tropicália. São Paulo: Annablume, 2005, p 68.
3
DEFLEUR & ROKEACH op. cit, p. 348.
58
4
NETO, Al. A Era dos Autômatos. O Piauí, Teresina, p.3. 22 jul 1951.
59
5
“O que é mídia? Foneticamente é o aportuguesamento do inglês media. O latim possuía a palavra médium, cujo
plural era media; seu significado era ‘meio’, ‘espaço intermediário’. Além disso, dizia também ‘lugar para onde
tudo converge’; logo, ‘praça pública’”. Cf POLISTCHUK, Ilana & TRINTA, Aluízio Ramos. Teorias da
Comunicação – o pensamento e a prática da comunicação social. Rio de Janeiro, Campus, 2003, p. 78.
6
THOMPSON, John B. A Mídia e a Modernidade. Uma teoria social da mídia. Petrópolis, Vozes, 1998, p. 25.
7
Ibid, p. 26.
8
“Apropriar-se de uma mensagem é apoderar-se de um conteúdo significativo e torná-lo próprio”, cf
THOMPSON, op. cit, p.45
9
THOMPSON, op. cit., p. 26.
10
Id. Ibid.
60
Thompson observa que “um segundo atributo dos meios técnicos é o que permite
um certo grau de reprodução” uma vez que “a reprodutibilidade das formas simbólicas é uma
das características que estão na base da exploração comercial dos meios de comunicação”.11
Como vimos no capítulo anterior, as amplificadoras que funcionavam no centro
da cidade nas décadas de 40 e 50 necessitavam de registro e sofriam fiscalização da
prefeitura, sendo que durante o Estado Novo os alto-falantes estavam sujeitos à legislação que
regulava o funcionamento das emissoras de rádio propriamente ditas. A administração
municipal agia com a intenção de arrecadar tributos justamente sobre a “reprodutibilidade”
dos serviços de alto-falantes, cujo faturamento estava atrelado à execução de discos, sob
pedidos do público, além da veiculação de anúncios de casas comerciais.
[...]Olhe, teve um tempo que a gente tinha que tirar um alvará. Depois ficou
à vontade e pronto. Tinha que pagar um negócio de Direitos Autorais, mas
também a gente pagava e não pagava, e ficava por isso mesmo. Não tinha
condição de pagar Direito Autoral porque era um preço monstro. Era até o
capitão Elizeu que era quem cobrava o Direito Autoral. Ele ficava em cima
da gente. A gente pagava num mês, no outro a gente não pagava. E ficava
assim até quando ele largou de mão[...]12
[...]As ruas têm suas vozes familiares: os pregões. Este comércio feito à
porta de casa não tem apenas o seu encanto particular, mas torna a vida mais
fácil e dá um colorido especial às ruas. É todo um mundo que vem até aqui:
os meninos carvoeiros, a quem o suor desmancha o carvão numa pasta de
que só escapam os olhos, tocando suas cargas de carvão [...]. Quase sempre a
mercadoria é transportada em jacás, cargas levadas por jumentos pequenos.
Lenha de unha de gato. Frutas: abacate, abacaxi, laranja, tangerina, limão-
doce, melão, melancia, bacuri, bacopari, banana, aves e peixes. E tantas
outras coisas vendidas em taboleiros: “cocadas” de buriti e de coco, arroz
doce, filhós, bolo frito. As vozes se misturam ao rumor dos carros, criando
os ruídos característicos da cidade. Buzinas, caminhões, jipes. Ônibus
repetindo o seu pobre itinerário[...]13
11
THOMPSON. Op. cit, p. 27.
12
FREITAS, op. cit.
13
DOBAL, H. Roteiro sentimental e pitoresco de Teresina. In: H. Dobal – Obra completa. Teresina, Corisco,
1999, p. 13.
61
o indivíduo que recebe um produto de mídia deve, até certo ponto, prestar
atenção (ler, olhar, escutar, etc.); e ao fazer isso, ele se ocupa inteiramente
numa atividade de entendimento do conteúdo simbólico transmitido pelo
14
DEFLEUR, M.L & BALL-ROKEACH, Sandra. Teorias da comunicação de massa. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 1993, p. 215.
15
Id. Ibid.
16
A teoria hipodérmica estaria mais ligada ao conceito de manipulação da “massa”, objetivo este desejado pelas
máquinas de propaganda de grandes potências na primeira metade do século XX, sobretudo da Alemanha
nazista, que influenciou diretamente o estadonovismo, numa época que ficou conhecida como a “Era do Rádio”.
A teoria hipodérmica “punha em extrema vantagem a fonte emissora, relegando o receptor a uma condição de
integral passividade. Pensa-se em uma ‘massa’, na qual os indivíduos não possuem rosto e na qual as
individualidades se diluem[...] Esse modelo de entendimento considerava a mídia uma ‘seringa’, injetando
informações, inoculando idéias, minando resistências e submetendo vontades à vontade. Cá embaixo, multidões
de indivíduos inermes e sugestionáveis. A mídia podia exercer o seu poder sobre esse público, ainda pouco
definível como tal, mas que se deixava impressionar e se mostrava receptivo a toda sorte de manipulação
ideológica”, cf POLISTCHUK & TRINTA, op. cit., p. 84.
17
THOMPSON, op. cit, p. 42.
18
Ibid, p. 44.
62
[...]Eu sou da pré-história do rádio, isso nos anos 40, porque Teresina ainda
era uma cidade provinciana[...] Em 48 eu tinha 16, 16 pra 17 anos. E eu
comecei nas amplificadoras, isso com a idade de 12, pra 13, 14 anos,
aproximadamente. Na rua Barroso, onde é hoje quase defronte ao Banespa,
ali existia a casa do Sr. Isaías Almeida e ali ele alugou uma sala para que os
jovens que começavam a trabalhar em amplificadoras, evidentemente se
especializando em saber falar e saber transmitir e depois nós fomos
aproveitados na Rádio Difusora, já com alguma experiência no trato com
microfone. Ali foi criada a Amplificadora Teresinense.[...] E ali
pontificavam o Rodrigues Filho já falecido, o Luciano, o Guimarães, que era
dublê de controlista e cantor [...]Era um trabalho mais artesanal do que
propriamente técnico-profissional. Era o que a gente chamava de
aprendizado. Por exemplo, eu sou jornalista de batente, significa dizer que
não sou jornalista de universidade. Eu aprendi dentro da sala, da redação, das
oficinas. Isso por volta de 43, 1944. Então a Amplificadora Teresinense
exatamente era o aprendizado que a gente iria ter e teve de fato e de direito
para se projetar na Rádio Difusora.[...]20
19
THOMPSON, op. cit. p. 44.
20
SAID, op. cit.
63
Pelo menos oficialmente, até o início de 1947, eram pouco mais de 220 aparelhos
de rádio existentes em Teresina, de acordo com edital publicado em fevereiro daquele ano,
pelo chefe dos Serviços Econômicos dos Correios, Cícero Soares21. O edital convocava
nominalmente os proprietários de rádio de Teresina para que renovassem os devidos registros,
pagando taxa de Cr$ 5,00, como obrigava uma lei vigente desde o Estado Novo22.
Vale a pena mostrar a reação popular contra o pagamento da taxa de registro de
aparelhos receptores, resumida em nota de jornal publicada à época, que denunciava – com
certo exagero - as precárias condições da cidade no que se refere ao serviço de energia
elétrica:
21
EDITAL de intimação com dez dias de prazo. Diário Oficial, Teresina, p. 4, 5 fev 1947.
22
O Decreto Lei 2979, de 23 de janeiro de 1941, reforçava o teor do Decreto nº 21.111, de 1º de março de 1932,
que estabeleceu o registro de aparelhos receptores de radiodifusão, obrigando o comércio a enviar ao órgão
competente, listas de compradores de rádio. Caso contrário, havia imposição de multas.
23
REGISTRO de Rádio. O Piauí, Teresina, p. 1, 8 fev 1947.
24
DIÁRIO OFICIAL. Teresina, p. 8, 7 ago 1948.
64
A medida teria sido justificada pelo fato de que um pedido de redução de 50% do
volume do som, realizado dias antes pela Delegacia, não foi atendido pelos proprietários das
amplificadoras. Segundo a portaria, o nível de ruído produzido pelos alto-falantes estaria
causando “balbúrdia e perturbando o sossêgo público”, prejudicando assim o atendimento à
população nos órgãos públicos que funcionavam nas proximidades da praça Rio Branco.
Outro fator que teria impulsionado a portaria foi “uma petição firmada por casas
comerciais e pessoas residentes nas imediações daquela praça solicitando a suspensão das
aludidas programações”.25 Ou seja, as reações indicam/sinalizam para uma fiscalização mais
atenta ao funcionamento dos alto-falantes.
No entanto, a tentativa policial de restringir o horário das amplificadoras na praça
Rio Branco parece não ter obtido sucesso. Pelo contrário. A utilização de serviços de som na
área comercial tornou-se uma verdadeira epidemia26 entre os lojistas do centro,
principalmente no horário comercial. Na periferia, aqui e ali também surgia uma
amplificadora, como a do bairro Vermelha, zona sul da capital.
[...]A praça Rio Branco era o centro nevrálgico de Teresina durante o dia e à
tarde, porque o comércio se encontrava ali e ali estava o apogeu comercial.
O Banco do Brasil ficava na rua Senador Pacheco onde é hoje a CSM. E
havia o embrião do Banco do Estado do Piauí chamado Banco Agrícola do
Piauí, onde tinha o José Patrício Franco e outros nomes que não me vêm à
memória agora. Então o Banco Agrícola era ali na rua Barroso, ali onde é
28
FREITAS, op. cit.
29
Motoristas de táxi, à época chamados de chauffeurs, constantemente eram ameaçados de saírem da Praça Rio
Branco, o que provocou revolta da categoria e ameaça de greve. Posteriormente, o local foi disputado também
por uma empresa que organizava uma Feira de Amostras que fazia parte do calendário do centenário da cidade.
A maioria da população se voltou contra a idéia da utilização da Rio Branco para o evento, que foi transferido
para a Praça João Luís Ferreira. Ver: SILVA, Cunha e. A atitude dos chauffeurs. O Dia, Teresina, , p.2, 18 maio
1952.
66
A praça Pedro II, com seu conjunto de atrativos e ritos à noite, pode ser
caracterizada não apenas como lugar de encontro, diversão e interação social. Pode ser vista
ainda como um “lugar de memória” proposto por Pierre Nora, “lugares salvos de uma
memória na qual não mais habitamos, semi-oficiais e institucionais, semi-afetivos e
sentimentais”.32 Da mesma forma, a presença marcante das amplificadoras nas lembranças
dos que freqüentavam a Praça Pedro II no final da tarde e à noite na década de 40 e início dos
30
SAID, op. cit.
31
BORGES, Valdeci Rezende. Em busca do mundo exterior: sociabilidade no Rio de Machado de Assis.
Estudos Históricos, Rio de Janeiro, nº 28, 2001, p. 65-6.
32
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. In: Projeto História, São Paulo, n. 10,
dezembro de 1993, p. 14.
67
anos 50 são parte da “memória coletiva”33, num palco onde foram tecidas múltiplas
sociabilidades.
Testemunhos como o de Miridan Britto Knox ilustram bem os lugares de memória
sentimentais e revelam também as lembranças que fazem parte da memória coletiva dos que
viveram momentos da juventude em Teresina, tendo a praça Pedro II como espaço de
diversão, com o fundo sonoro da amplificadora a embalar romances e flertes:
[...] Piauí. Terra dos meus ancestrais paternos onde vivi fases encantadoras
de minha meninice, tomando banho no Rio Parnaíba, tomando banho de
chuva no quintal da casa de minha avó YaYazinha, na Campos Sales, 1119,
comendo doce de buriti nas visitas que, por isso mesmo, gostava de fazer ao
meu tio Pedro Britto. Mocinha, dançando pela 1ª vez no carnaval no Clube
dos Diários em Teresina, flertando no footing na Praça Pedro II onde o auto-
falante anunciava as músicas oferecidas de “fulano” para “fulana”. As
recordações brotam num borbulhão de saudade e nostalgia [...]34
33
“A memória coletiva [...] envolve memórias individuais, mas não se confunde com elas”, e a memória
individual “não está inteiramente isolada e fechada. Um homem, para evocar seu próprio passado, tem
freqüentemente necessidade de fazer apelo às lembranças dos outros. Ele se reporta a pontos de referência que
existem fora dele e que são fixados pela sociedade. Mais ainda, o funcionamento da memória individual não é
possível sem esses instrumentos que são as palavras e as idéias, que o indivíduo não inventou e que emprestou
de seu meio[...], Cf. HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo, Vértice, Editora Revista dos
Tribunais, 1990, p. 53-54.
34
KNOX, Miridan Britto. Teresina... rabiscos histórico-sentimentais. In: Cadernos de Teresina, Ano II, nº 6,
dezembro de 1988, p. 22.
35
Como se chamavam os passeios na praça, naquela época.
36
CORREIA, Maria Genoveva de Aguiar Morais. (Genu Moraes) Entrevista cedida a Daniel Solon em 22 de
fevereiro de 2005.
37
COSTA, Cornélio Evangelista. Entrevista cedida a Daniel Solon em 21 fev 2005.
68
Foi numa das noites de luar da Pedro II que Cornélio conheceu Adélia, a mulher
com quem se casou,38 assim como pode ter ocorrido com vários outros jovens que respiravam
esta aura um tanto quanto romântica, mesmo com os efeitos da II Guerra Mundial, da ditadura
Vargas, do impacto provocado pelo surgimento de novas tecnologias, da Guerra Fria...
Uma cena de romantismo vivida no final dos anos 40 e início dos anos 50 nas
sonoras ruas de Teresina foi descrita na obra-prima de O. G. Rego de Carvalho, Ulisses, entre
o amor e a morte, mostra exatamente esta aura romântica: “Do poste um alto-falante se pôs a
irradiar música – pobres canções de amor, que nesse momento tocaram meu coração: eu me
sentia enamorado e era a primeira vez que isso acontecia”.39
A primeira edição de “Ulisses, entre o amor e a morte” data de 1953. No entanto,
a sonoridade da praça Pedro II continuou ecoando nas recordações de O.G. Rego, por décadas
e décadas, como se o apaixonado Ulisses da ficção prendesse o romancista no passado, tal
qual uma obra autobiográfica. No dia 16 de dezembro de 1994, em discurso na Câmara
Municipal de Teresina, quando recebeu o título de Cidadão Teresinense,40 escavou as ruínas
da memória para reconstruir uma cidade de lembranças:
38
PINHEIRO, Cristiane & MORAES, Sana. O homem do pão de queijo. In: SAID, Gustavo (org). Entre Rios –
perfis e cenários de Teresina. Teresina: Edufpi, 2003, p. 28.
39
CARVALHO, O. G Rego. Ulisses, entre o amor e a morte. 13 ed, Teresina, Corisco/IDB, 2003, p. 96.
40
O. G Rego de Carvalho nasceu em Oeiras, primeira capital do Piauí, e mudou-se para Teresina na juventude,
tal qual o protagonista de “Ulisses, entre o amor e a morte”.
41
CARVALHO, O. G. Rego de. A cidade eleita. Revista da Academia Piauiense de Letras; nº 52, ano LXXVII,
Teresina, 1994, p. 203-204.
42
CERTEAU, Michel de. Práticas de espaço. In: A invenção do cotidiano – artes do fazer. Petrópolis, RJ: Vozes,
1994, p. 202
69
[...] A Praça Pedro II era originalmente formada por duas partes que se
separavam transversalmente por uma rua. A parte que ficava para o oeste era
chamada de Praça de Baixo e a parte que ficava para o leste, Praça de Cima.
A Praça de Baixo, além de dois canteiros gramados, possuía um círculo com
um globo no centro, que à noite se tornava luminoso e ficava aparentando
uma bola de cristal onde seus freqüentadores poderiam imaginosamente
prever o futuro. Era como se estivessem ofuscadas pelo globo luminoso que
as jovens da época começavam a rodear esse círculo a partir das 19:00 às
21:00, quando então se retiravam ao ouvirem o som de uma corneta do
Quartel Geral da Polícia Militar, que ficava situado no lado sul da Praça de
Cima.
A Praça de Cima era mais freqüentada pelas empregadas domésticas e
pessoas do seu mesmo nível social porque, embora utópico, existia na época
um apartheid que promovia ostensivamente a separação de classes sociais,
tendo em vista que Teresina ainda era uma cidade completamente
provinciana.
[...] Em frente ao lado norte [...] havia também instalados [...] dois alto-
falantes pertencentes às amplificadoras Cruzeiro do Sul e Comercial
Teresinense, as quais operavam em horários pré-estabelecidos, transmitindo
músicas e fazendo propagandas comerciais [...]43
43
MARINHO, Odoaldo da Rocha. O espetáculo da Praça Pedro II. Cadernos de Teresina. Revista Informativa e
Cultural da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, nº 22, Ano X, 1996, p. 55-56.
44
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembrança de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 445.
45
MARINHO, 1996, p. 55-6.
46
BRESCIANI, Maria Stella. Cidade e História. In: OLIVEIRA, Lúcia Lippi de. Cidade, História e Desafios.
Rio de Janeiro: FGV, 2002, p. 29.
47
GUATARI Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis: Vozes, 1996.
48
GARCIA, José Ribamar. Imagens da Cidade Verde. 2ª ed. Rio de Janeiro: Litteris, 2000, p. 53.
70
Os diferentes espaços ocupados na Praça Pedro II acabam por remeter tal cenário
às categorias que Pierre Bourdieu utiliza para discutir a sociedade. Bourdieu caracteriza que
os atores sociais estão localizados espacialmente em determinados campos, tendo em vista “a
posse de grandezas de certos capitais (cultural, social, econômico, político, artístico, esportivo
etc.) e o habitus de cada ator social condiciona seu posicionamento espacial e, na luta social,
identifica-se com sua classe social”.50
No mesmo sentido, segundo Claudia Barcellos Rezende, “padrões de
sociabilidade tendem a ser diferenciados por gênero, idade, classe social etc”51. No entanto,
ressalta, “embora a sociabilidade implique uma associação prazerosa em si mesma, isto não
anula a possibilidade de que, mesmo dentro de certos estilos de sociabilidade, se afirmem
diferenças ou até surjam conflitos entre as pessoas”.52
Carlos Said descreve o conjunto de atrativos da Praça Pedro II, nas décadas de 40
e 50, os múltiplos lugares de diversão e entretenimento, praticamente em um mesmo espaço.
Se enquanto a luz do sol raiava, o ponto nevrálgico da cidade era a Rio Branco,
[...]à noite era a Praça Pedro II, exatamente porque a praça Pedro II servia à
noite de quê? De anfiteatro social. Quer dizer, tudo aquilo ali era sociedade.
Dois cinemas, bares, restaurantes, o famoso Chico Doca com a sua sinuca.
Não é? Muita gente ia pra lá. Se não queria a praça, ia jogar sinuca, ia jogar
gamão, ia jogar xadrez ali nas calçadas. Nada metia medo. Não havia
violência, nem gatunagem. O que havia era medo de cachorro doido, só isso.
Então não havia violência, ninguém se preocupava com nada. A não ser
respirar os ares noturnos da sociedade[...]53
Said também enumerou, na mesma área, o Clube dos Diários, freqüentado pela
elite local. Com relação aos cinemas, o narrador se referiu ao Cine Rex e ao Teatro 4 de
Setembro, este último também palco de shows com artistas do rádio, de renome, contratados
pela Difusora de Teresina. No que se refere à segurança pública, no final dos anos 40, os
jornais mostravam uma mudança de realidade, uma cidade que já sofria com o aumento da
criminalidade.
49
DOBAL, H. Entrevista cedida a Douglas Machado em 2002. In: H. Dobal – um homem particular.
Documentário, 70min, Teresina, Trinca/filmes, 2002.
50
AZEVEDO, Mário Luiz Neves de. Espaço Social, Campo Social, Habitus e Conceito de Classe Social em
Pierre Bourdieu. Revista Espaço Acadêmico – Ano III – Nº 24, Maio de 2003. Disponível em meio digital:
http://www.espacoacademico.com.br/024/24cneves.htm#_ftnref2. Último acesso: 16 ago 2005.
51
REZENDE, Claudia Barcellos. Os limites da sociabilidade: “cariocas” e “nordestinos” na Feira de São
Cristóvão. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 28, 2001, p.168.
52
REZENDE, 2001, op. cit, p. 168.
53
SAID, op. cit.
71
Na época, o problema da iluminação pública precária também fazia das ruas mais
escuras de Teresina o local onde os casais mais avançados pudessem namorar livremente,
longe da vigilância da praça Pedro II, como era o espaço chamado de Beco dos Amores. Os
que se sentiam incomodados com as cenas de paixão recorriam às linhas dos jornais para
denunciar as “imoralidades” ali presenciadas.
Dentre os rapazes, havia ainda os que procuravam outros prazeres nos cabarés que
funcionavam ali mesmo no centro, na rua Paissandu, após o toque da corneta que esvaziava a
praça Pedro II.
54
A AÇÃO dos gatunos forasteiros em Teresina – Não respeitam nem os Templos Sagrados. Jornal do
Comércio, Teresina, p. 2, 28 jan 1949.
55
BÊCO dos Amôres. O Pirralho, Teresina, p. 2, 7 dez 1947 .
72
Tal prática de tocar a Ave Maria no início da noite revelava a força que a Igreja
Católica exercia sobre a população teresinense naquele período59. O ritual do Angelus diz
respeito à passagem bíblica da Anunciação do Anjo Gabriel à Virgem Maria, cuja oração
incorporou-se ao culto católico como eixo meditativo do início, meio e final de um dia,
regulando a disciplina dos corpos e das mentes conforme afirmam Cida Golin e Bárbara
Salvatti:
56
BOSI. op. cit, 445.
57
Ibid, p. 447.
58
SAID, op. cit.
59
A supremacia da Igreja no Piauí foi constatada no censo de 1950, quando 99,22% dos habitantes se declararam
católicos romanos, enquanto 0,5% se disseram protestantes e 0,05% responderam que eram espíritas, cf. IBGE.
Censo demográfico(1º de julho de 1950) – Estado do Piauí. Rio de Janeiro. Gráfica do IBGE, 1952, p.vii.
73
XX, quando era hábito uma prece ou o canto no crepúsculo, seja nas
pequenas emissoras, nos alto-falantes das cidades do interior ou mesmo nas
capitais.60
[...] quando tinha festa de igreja, por exemplo, a festa de Nossa Senhora do
Amparo, aí tinha o serviço de alto-falante, aí a pessoa mandava tocar uma
música para a “linda senhorinha”. Naquela época era tudo diferente, as
moças eram virgens, era tudo diferente de hoje, ninguém “ficava”, então era
tudo diferente. Então faziam muito isso, né? Uma música especial de seu
admirador, ninguém chamava fã, era admirador, fulano de tal, manda tocar
para graciosa – os termos eram outros – senhorinha. Então era desse jeito.61
Não a procureis nos lugares mundanos, nos cinemas e nos salões de baile.
Não a procureis entre as moças decotadas que se acham sempre nas ruas
como para por-se à venda e lograr algum estúpido.
Procurais a vossa esposa entre as jovens laboriosas, virtuosas, retiradas que
têm bom senso e, sobretudo, que têm religião, porque a religião é a base da
felicidade nesta e noutra vida.62
Para a Igreja, o footing era espaço de mercantilização feminina, uma vitrine onde
as jovens pareciam “pôr-se à venda”. Paradoxalmente, a posição desta instituição religiosa
quase sempre associada à imagem da “tradição” do “conservadorismo” era compartilhada até
mesmo por quem foi conhecida por ter posturas avançadas, como Simone de Beauvoir,
feminista e figura intelectual associada ao “novo”.
60
GOLIN, Cida & SALVATTI, Bárbara. Rádio e sino: a hora do angelus. In: II Encontro Nacional da Rede
Alfredo de Carvalho. Florianópolis, de 15 a 17 de abril de 2004. Disponível em:
www.jornalismo.ufsc.br/.../historia%20da%20midia%20sonora/Golin.doc. Último acesso em 15 ago 2005.
61
MORAIS, op. cit.
62
JOVENS que procurais uma noiva... O Dominical, Teresina, p. 3, 10 dez 1950.
74
A “nova ordem” era vista como ameaça real à instituição da família, aos bons
costumes, à tradição. A Igreja, por sinal, chamava de “pombinhos” os casais que se jogavam
nos prazeres das carícias vistas nas praças, ruas e becos escuros, como o “Bêco dos Amôres”.
Tais liberdades deveriam ser combatidas firmemente e o clero não se cansava de pregar que
os pais eram “responsáveis perante Deus pelo descuido de suas filhas”.
63
SIMONE citou mercado de mulheres. Folha de São Paulo – caderno Folha Ribeirão. Ribeirão Preto, 3 set
2000.
64
LIMITAÇÃO criminosa. O Dominical, Teresina, p.2, 17 out 1948.
75
Em fevereiro de 1931, a Igreja Católica – tida como uma das instituições mais
conservadoras do ocidente – rende-se à era do rádio, colocando no ar uma emissora cujo
projeto e montagem ficaram a cargo de Guilherme Marconi, tido para muitos como o inventor
da radiotransmissão.65 Apenas 31 anos depois de Pio XI fazer a primeira radiomensagem de
um pontífice ao povo católico na história e inaugurar a Rádio Vaticano, o clero piauiense
passa a ter uma emissora, a Rádio Pioneira de Teresina, a terceira estação da cidade.
Neste interstício, a Igreja Católica no Piauí experimentou diferentes formas de
comunicação com os fiéis. Ainda na década de 30, em Teresina, o clero fez circular o
semanário “O Dominical” e na década de 40, instalou um serviço de alto-falantes denominado
Amplificadora Cultural.
A instalação do serviço de alto-falantes foi destacada como um dos grandes feitos
de D. Severino de Melo, ex-líder da Igreja no Piauí, em artigo do Desembargador Simplício
Mendes publicado no jornal O Dominical.
65
RÁDIO VATICANO. Disponível em: http://www.aminharadio.com/radio_rvaticano.html. Último acesso em
18 abr 2005.
66
MENDES, Simplício. D. Severino de Melo – o seu apostolado no Piauí. O Dominical, Teresina, p.7, 25 nov
1948.
67
SILVA, José Raimundo Teixeira e. Apud, NASCIMENTO, 2005, op. cit, p. 11
76
marxista, vista como propagadora do ateísmo. A guerra também se dava contra a indústria do
cinema e as emissoras de rádio não católicas, que veiculavam produtos considerados nocivos
à moral e à fé cristãs. E se havia guerra, era necessário usar “armas modernas” para combater
o inimigo:
68
BENVINDO, Frei Destêfani. Armas modernas!... O Dominical, Teresina, p.1, 18 jul 1948.
69
BERMAN, Marshall. Tudo o que é sólido se desmancha no ar. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
70
CARTA Casti Connubii (1930), in: http://www.intratext.com/IXT/ESL0326/. Último acesso em 18 abri 2005.
71
VIGILANTI CURA (1936). Ver em http://www.vatican.va/holy_father/pius_xi/encyclicals/documents/hf_p-
xi_enc_29061936_vigilanti-cura_po.html Último acesso em 18 abr 2005.
77
72
VIGILANTI CURA, op. cit, p.1
73
Id.
74
A inauguração da primeira emissora de televisão no país, a TV Tupi, de Assis Chateubriand, aconteceu em
setembro de 1950. Ver: GONTIJO, Silvana. O livro de ouro da comunicação. Rio de Janeiro, Ediouro, 2004.
78
Entre os anúncios de jornais sobre filmes em exibição nos cinemas da cidade, era
possível encontrar a propaganda de lojas especializadas em produtos de beleza, prometendo
verdadeiros milagres estéticos para as consumidoras, como faz crer a nota “De Hollywoody
para você...”:
Senhorita:
Quer ser bela como as estrelas do cinema?
Então não vacile... Deixe de usar esses cosméticos que não lhe recomendam
bem. Aproveite a experiência das artistas da tela.
Os produtos de beleza da “MAX FACTOR”, mundialmente famosos,
acabam de ser recebidos diretamente de Hollywood, Califórnia, pela campeã
das novidades, a Casa Edilberto Martins, à rua Senador Pacheco, nº 733,
nesta cidade. [...]75
[...] Faça, sem demora, uma visita à Casa Edilberto Martins, onde encontrará
todos os produtos de MAX FACTOR, o mago da “maquillage” perfeita das
estrelas de Hollywoody, que faz desfilar pela tela as mulheres mais
encantadoras do mundo.
Seja uma delas!...
Agora não há mais dificuldades. Vá hoje mesmo à Casa Edilberto Martins e
faça seu “make-up” perfeito.
Os produtos “MAX FACTOR” serão o “Abre-te Sésamo” de sua felicidade e
encanto pessoal!76
75
DE HOLLYWOODY pra você. Diário do Piauí, Teresina, p. 3, 23 jul 1946.
76
Ibid, id.
77
Em 1941, surge no Brasil a companhia de cinema Atlântida, que impulsiona a produção cinematográfica local.
Muitos filmes eram estrelados por artistas consagrados no rádio, como o média-metragem Astros em Revista,
que contava com apresentação musical de Emilinha Borba, Luís Gonzaga, dentre outros. Ver. GONTIJO, op. cit,
p. 394.
79
programação dos cinemas, sendo que um deles tinha até quadro de resenhas de obras
cinematográficas. 78
O gosto popular pelo cinema preocupava seriamente os que faziam a Igreja
Católica em Teresina, naquela época. O jornal “O Dominical”, semanário oficial do clero, era
o instrumento de contra-propaganda das idéias veiculadas na maioria das películas que
passavam pela cidade, o qual combatia também a moda que se disseminava através das atrizes
hollywoodianas.
A igreja não só se preocupava com o conteúdo/mensagem veiculado no cinema.
As próprias salas de exibição eram praticamente satanizadas, por conta do escurinho
característico que possibilitava à juventude transgredir, temporariamente, a ordem e costumes
impostos à época. O ambiente do cinema, propício para troca de carícias entre casais, era tido
como mundano pelos clérigos.
Preocupava a igreja o conglomerado de jovens – homens e mulheres
entusiasmados sob uma mesma penumbra – bem como a realidade do cinema se tornar parte
do cotidiano das pessoas, disputando espaços com outros monumentos da cidade.
Da mesma forma, às mulheres era repudiada a prática de passear nas ruas e nas
praças – justamente os espaços onde funcionavam os serviços de alto-falante – assim como
não eram recomendadas as festas noturnas em clubes. Para a igreja, definitivamente, tais
lugares eram impróprios para os rapagões católicos encontrarem as futuras esposas.
[...]Estas nossas observações são tanto mais graves por falar uma
representação de cinema não a pessoas separadas, e sim a grandes reuniões,
e isto em condições de lugar e tempo que podem levar a um entusiasmo
depravado, como também a um ardor ótimo; entusiasmo que pode chegar a
uma louca e geral concitação, que pela experiência tão bem conhecemos.
[...] As figuras cinematográficas são mostradas a pessoas sentadas em meia-
escuridão e cujas faculdades mentais, e mesmo forças espirituais, estão
freqüentemente descontroladas. Não é necessário ir longe para encontrar
essas salas; estão em geral ao lado das casas, das igrejas e dos grupos
escolares, levando assim o cinema ao meio da vida a sua influência suma e
suma importância.[...]79
78
SAID, op. cit.
79
VIGILANTI CURA, op. cit.
80
clero, os casais que se comportavam como “pombinhos” nas salas de projeções contribuíam
para o desprestígio e perda da pureza da mulher.
80
BRANDÃO, Ascânio. É pecado namorar? O Dominical, Teresina, p.3, 19 nov 1950.
81
O DOMINICAL, Teresina, p. 4, 24 set 1950.
81
momento: “um aparelho de rádio Philco, de 5 válvulas, ondas curtas e longas, no valor de Cr$
3.800,00.”82
A aparente insistência em se tratar de cinema, nas páginas anteriores deste
trabalho, teve o propósito de ressaltar a mudança que se deu nos anos seguintes, sobretudo na
segunda metade da década de 50, no que se refere ao pensamento da igreja sobre a
necessidade de se investir com mais profundidade no rádio. Isso não quer dizer que, até o
início da década em questão, o clero piauiense desprezasse oportunidades para ocupar espaços
na única emissora local, competindo assim com marchas de carnaval e músicas de duplo
sentido, tão condenadas pela Igreja. O meio radiofônico era visto ao mesmo tempo como algo
profano e sagrado, pelo Vaticano.
Segundo Lima:
[...] o rádio só era visto pela igreja como “sagrado” quando levava ao ar
programas de cunho católico. Quanto aos programas ditos não católicos,
eram vistos como uma ameaça à moral cristã e aos bons costumes da
sociedade, sendo considerados como instrumentos que desvirtuam a
sociedade por serem pouco educativos e culturais.83
82
O DOMINICAL, Teresina, p.4, 16 abr 1950.
83
LIMA, op. cit, p. 60.
84
O DOMINICAL, Teresina, p.11, 22 abri 1951.
85
id. Ibid.
86
GONTIJO, op. cit., p. 415.
82
também com o avanço do protestantismo, que também utilizava espaço na Difusora. Tal
programa era proibido aos católicos87
Com o decorrer dos anos, percebendo não só a grande importância do cinema
como meio de comunicação, o Vaticano passou a discutir com mais profundidade sobre a
necessidade de utilização de rádio e da televisão, assim como a tarefa urgente de tentar
controlar o conteúdo de tais mídias.
Como reflexo dos debates internos da Igreja em âmbito internacional, em outubro
de 1956 foi realizada em Teresina a Conferência dos Bispos da Província Eclesiástica do
Piauí, já sob o comando do arcebispo Dom Avelar Brandão Vilela. Dentre os temas debatidos
no evento, constava a “Formação da opinião pública através dos agentes de publicidade –
Imprensa, Cinema, Rádio, Teatro e Televisão”.88 É curioso destacar que os sinais de televisão
no Piauí só chegaram com qualidade a partir da década de 70, mas mesmo assim tal meio de
comunicação foi discutido.
Pode-se imaginar que a pauta da Conferência no Piauí era a mesma estabelecida
para o resto do Brasil ou em outras países. O resultado das discussões, presume-se, ajudou o
Vaticano a elaborar a encíclica Miranda Prorsus, divulgada no ano seguinte por Pio XII,
dando uma nova orientação para os católicos no que se refere aos principais meios de
comunicação na ordem de importância para a Igreja até aquele momento: o cinema, o rádio e
a televisão.
A Miranda Prorsus era bem enfática para mostrar o grau de interesse da Igreja em
ter nas próprias mãos os meios de comunicação de massa, para propagação de sua doutrina. O
Vaticano não achava apenas que tinha o direito de obter concessões na radiodifusão. O
discurso, na verdade, era de que o poder público tinha a obrigação de liberar os canais que
fossem necessários para a Igreja Católica, como se ressuscitasse a teoria do direito divino:
87
O DOMINICAL, Teresina, p.1, 7 set 1952.
88
O DIA. Teresina, p.3, 14 out 1956.
89
MIRANDA Prorsus. Disponível em: http://www.vatican.va/holy_father/pius_xii/encyclicals/documents/hf_p-
xii_enc_08091957_miranda-prorsus_po.html . Último acesso em 23 abri 2006.
83
A preocupação com a educação das massas por parte da Igreja e a utilização dos
meios de comunicação para tal fim refletiam as mudanças que estavam sendo geradas no
interior da Igreja, retomando a chamada preferência pelos pobres, culminando em ações
práticas em prol dos menos favorecidos, sobretudo a partir da realização do Concílio Vaticano
II, “aberto pelo papa João XXIII em 1962 e encerrado em 1965”.91
De acordo com José Maria Vieira de Andrade,
90
MIRANDA Prorsus, op. cit.
91
NASCIMENTO, 2004, op. cit, p. 47.
92
ANDRADE, José Maria Vieira de. Pelas ondas da Rádio Pioneira de Teresina: história, sociedade e cultura
em sintonia. Monografia (Licenciatura Plena em História), Teresina, UFPI, 2005, p.45.
84
o MEB, fundado por meio de uma parceria entre a Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB), sua mentora e organizadora, e o Governo Federal,
na condição de financiador.93
A criação da Rádio Pioneira de Teresina não fez com que a igreja rompesse
contato com outros meios de comunicação, inclusive com as amplificadoras. No interior do
Estado, os alto-falantes continuaram funcionando do alto dos templos católicos, assim como
em Teresina. Aliás, ainda é possível, em dias atuais, ouvir os sons dos alto-falantes na
periferia da capital, irradiados por amplificadora, como é o caso da Igreja de Nossa Senhora
da Paz, na Zona Sul da cidade.
espaços sonoros nos quais as pessoas convivem e mantém relações sociais, provocando
lembranças dos lugares onde funcionavam os alto-falantes do final da década de 30 ao início
dos anos 50 em Teresina.
[...] Nas ruas das grandes cidades, as cantigas populares correm de boca em
boca, reproduzida outrora pelos realejos, hoje pelos megafones. As
melopéias dos comerciantes ambulantes, as canções que acompanham as
danças enchem o ar de sons e de acordes[...]94
a música da banda da Polícia Militar disputava o espaço sonoro juntamente com os alto-
falantes: “Hoje em dia, vez por outra, ainda há retretas, mas já não podem ser ouvidas como
dantes, com tanto enlevo – o barulho ensurdecedor dos auto-falantes (sic) não nos permite
mais esse prazer”.96
A noite da Praça Pedro II, no entanto, não era de exclusividade de uma prática
romântica da juventude. Ali também foi espaço de conflitos, de comícios dos políticos, da
rebeldia dos estudantes. De acordo com notícia publicada como manchete de primeira página
do jornal udenista O Piauí, então dirigido por Helvécio Coelho Rodrigues, colegiais que não
se sujeitaram a aceitar a ordem do silêncio nas festas juninas, utilizaram o microfone da
amplificadora para protestar contra a repressão policial.
Enquanto o protesto ganhava ares e lares pelos alto-falantes, um grupo de
estudantes estourava bombas e traques na praça – desafiando o efetivo do Quartel da Polícia
Militar.
[...] Mais de um milhar de pessoas mobilizou-se e promoveu a um
sistemático e eficiente “bombardeio”. Algumas dezenas de milhares de
foguetinhos, bombas e traques foram estourados impiedosamente durante
algumas horas, e seu efeito ensurdecedor provocou o fechamento dos
cinemas, cafés e botequins ali situados. Enquanto isso ocorria, alguns
oradores, pelo serviço de auto-falantes (sic), explicavam a razão de ser das
ruidosas manifestações que estavam sendo levadas a efeito e acentuavam o
protesto da classe estudantal contra o fato de haver sido detido pela polícia,
na noite anterior, um estudante [...]97
Como pode ser visto acima, os alto-falantes não eram utilizados apenas para fazer
propagandas, ofertar músicas para a jovem amada, realizar ritos patrióticos e espirituais como
executar o hino nacional e a Ave-Maria. As amplificadoras eram apropriadas de diferentes
formas por quem consumisse98 o espaço conflituoso e de luta ao qual se dá o nome de
cidade.99
A realização de eventos esportivos também se dava ao redor da Praça Pedro II.
Foi na praça que às 17h do dia 11 de dezembro de 1949, os melhores corredores de provas de
longa distância do Piauí participaram da largada da II pré-liminar local da São Silvestre,
famosa corrida realizada anualmente desde 1925, em São Paulo. A prova foi narrada pela
96
SILVA, Joseman da. Flagrantes da Semana. A Cidade, Teresina, p.2, 1º fev 1952.
97
PROTESTAM estudantes e populares contra arbitrariedades do Delegado de Segurança. O Piauí, Teresina,
p.1, 30 jun 1951.
98
CERTEAU, Michel de. Práticas de espaço. In: A invenção do cotidiano – artes do fazer. Petrópolis, RJ: Vozes,
1994, p.167-217.
99
A cidade com espaço político e de conflitos é discutido em ROLNIK, Raquel. O que é cidade. São Paulo,
Brasiliense, 1995.
86
amplificadora de Francisco Nasser & Irmãos100 para as praças Pedro II e Rio Branco. Era uma
típica reportagem “externa” no centro da capital, uma inovação em Teresina que nem mesmo
a Rádio Difusora ousou fazer.
Foi assim que o Jornal do Comércio registrou a última volta da corrida:
100
A publicidade da eliminatória da corrida de São Silvestre no Piauí foi realizada por vários jornais, pela Rádio
Difusora e pelas amplificadoras Cruzeiro do Sul e Amplificadora Comercial. A reportagem sobre como foi a
corrida apenas citou que a amplificadora que narrou o evento esportivo era de Francisco Nasser & Irmãos.
Trabalha-se aqui com a hipótese de que esta amplificadora seja a Comercial, que teve vários donos. Além disso,
a Cruzeiro do Sul era bastante conhecida como a amplificadora de Getúlio Pontes.
101
OBTEVE grande sucesso a II Prova Preliminar da Corrida de São Silvestre. Jornal do Comércio, Teresina,
p.4, 16 dez 1949.
102
JORNAL do Comércio, Teresina, p.1, 30 nov 1951.
87
Teresina: Regional Q-3 (conjunto musical da emissora), os cantores Edir Carvalho, Clemilton
Silva e Anita Rosa, além de Panfílio Abreu “com seu violão mágico”, Ângelo Campelo, João
de Deus, Mister Polvo e sua gaita. O encerramento da festa foi realizado por Dennis Clark,
um dos mais conhecidos radialistas da época, e Getúlio Pontes, dono da Amplificadora
Cruzeiro do Sul.103
Sobre Getúlio Pontes é importante destacar que além de ser proprietário da
Amplificadora Cruzeiro do Sul, ele também tinha programa semanal na Rádio Difusora,
conforme a lista104 de programas fixos da emissora para o ano de 1951. Ele fazia o “Programa
Getúlio Pontes”, aos sábados, das 15h05min às 15h50min.
A lista mostrava uma grande limitação da emissora no que se refere a variedades
de programas e também quanto ao tempo diário de irradiações. Por toda a manhã e boa parte
da tarde, os que sintonizavam a ZYQ-3 simplesmente não tinham nenhuma programação. De
segunda à sexta-feira a Difusora funcionava das 16h às 23h. Aos sábados, a programação
começava às 15h e terminava também às 23h. Já aos domingos, o início da irradiação se dava
às 14h45min e o desfecho às 22h.
No que se refere à regularidade dos programas, apenas o Repórter Q-3 e Crônica
do Dia eram diários. Com duração de apenas cinco minutos, o Repórter Q-3 começava às 20h,
logo depois da Agência Nacional (Hora do Brasil), que entrava no ar sempre às 19h30, de
segunda a sábado.
Já a Crônica do Dia, também com duração de cinco minutos, era iniciado às
20h55min. Havia ainda o Diário da Metrópole (possivelmente um espaço pago pela prefeitura
de Teresina), das 20h05min às 20h10min, de segunda à sábado. Também de segunda à sábado
era irradiado ainda o programa Notícias Eleitorais, das 21h30min às 21h45min.
A grande maioria do tempo de irradiação da Difusora em 1951, segundo a lista de
programação, era dedicada à execução de gravações, ou seja, a reprodução de músicas, assim
como as amplificadoras de Teresina à época. Enquanto as grandes emissoras do Sul/Sudeste
do país transmitiam diariamente várias rádios-novelas, a primeira emissora de Teresina só
oferecia uma e, mesmo assim, apenas às segundas e sextas-feiras, das 21h15 às 21h45. E aos
domingos, das 15 às 16h era apresentado o Tribunal de Calouros. No mesmo dia, entrava no
ar o Teatro em Miniatura, programa que começava às 19h30 e terminava às 20h.
O trabalho em conjunto realizado entre a Cruzeiro do Sul e a Difusora na
transmissão da prova classificatória para a Corrida de São Silvestre foi um dos raros
103
JORNAL do Comércio, Teresina, p.1, 30 nov 1951
104
JORNAL do Comércio, Teresina, p.3, 31 dez 1950.
88
105
BRIGGS, ASA & BURKE, Peter. Uma história social da mídia – de Gutenberg à Internet. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 2004, p. 270.
106
JORNAL DO COMÈRCIO, Teresina, p.4, 20 jan 1950.
89
Quem quiser abalar os nervos, passar o dia de mau humor, brigar com a
mulher, se for casado, afogar as desventuras no álcool, se for solteiro, sente-
se ao pé do rádio e procure ouvir a transmissora de Teresina. Ali só se salva
o jornal redigido pelo nosso confrade José Lopes dos Santos.
Programas péssimos, anúncios mal redigidos, linguagem estropiada – tudo
faz crer que a Rádio Difusora trocou a cabeça que fica acima do pescoço
pela cabeça que fica na ponta do dedão do pé. Uma voz feminina, de taboca
rachada, completa a tragédia. Meia hora de anúncios, lidos um após o outro,
dá sono. Isto tudo sem falar da língua e da pronúncia dos vocábulos.
Rádio, cá em nosso entendimento, é veículo de cultura e diversão sadia.
Instrumento de imbecilidade e paulificância é que não pode ser. Estamos
certos de que a direção da Rádio Difusora procurará corrigir os seus imensos
defeitos, honrando a cultura piauiense aqui e lá fora, com a apresentação de
programas condizentes com nosso progresso e com a tranqüilidade dos
ouvidos do nosso povo. 107
107
O PIRRALHO, Teresina, p.5, 12 jan 1952.
108
OLIVEIRA, João Rocha de. Protesto. O Piauí, Teresina, p.3, 24 nov 1951.
90
rádio.109 O protesto do ouvinte ainda ilustrava que a Difusora arrendava parte de sua
programação para os ouvintes. Esta prática, de certa forma, assemelhava, novamente, a
atuação da Difusora com o funcionamento das amplificadoras como a Olinda,110 instalada em
1948, no bairro Vermelha, na zona Sul da cidade.
Em 1951, já se passavam mais de três anos do início do funcionamento da Rádio
Difusora, que se esforçava para agradar seus ouvintes e se consolidar enquanto emissora de
comunicação de massa. Nesse mesmo período, além das amplificadoras Comercial
Teresinense, Cruzeiro do Sul e Record – as maiores e sem vínculo exclusivo com lojas do
comércio – surgiram alto-falantes em vários pontos comerciais da cidade, comandados pelos
próprios lojistas.111
De acordo com uma matéria do, à época, recém criado jornal O Dia, carregada de
adjetivos contra os serviços de alto-falantes, havia “mais de 10 amplificadoras na zona urbana
da cidade, sem incluir a do Mafuá, rua da Palmeirinha, Porenquanto, Vermelha, Matadouro,
Piçarra etc [...]”.112
O referido jornal deu grande destaque ao assunto do funcionamento das
amplificadoras no centro de Teresina, repetindo, em edições seguintes, mais notas contrárias
aos alto-falantes, devido aos incômodos que os aparelhos estariam causando à população:
109
Uma nota de jornal publicada no ano seguinte reclamava da Difusora, que teria apenas “um kilowatt na
antena, potência relativamente fraca para cobrir a vastidão do território piauiense e difícil de ser ouvida além de
nossas fronteiras”, Cf. PELAS ondas hertizianas. Jornal do Piauí, Teresina, p.5, 20 jul 1952.
110
Conforme citação no primeiro capítulo deste trabalho.
111
Lembra-se que, no entanto, os serviços de alto-falantes no centro da cidade começaram com as Lojas Rianil e
Rádio Amplificadora Teresinense, no final da década de 30, contando com a realização de programas de
calouros, apresentações musicais, noticiário, além, é claro, de propaganda dos produtos ali vendidos. Em 1952,
os alto-falantes em expansão das casas comerciais tinham caráter comercial, porém, intercalando músicas.
112
ALTO Falantes. O Dia, Teresina, p.4, 11 de fev 1951.
113
ALTO Falantes, op. cit. p.4.
91
Demos já, duas notas em torno do abuso dos alto-falantes que infestam de
modo irritante e absurdo, os principais pontos de Teresina numa zoada mais
do que infernal que atinge o estado nervoso de toda a gente. Vamos chamar a
atenção das autoridades às quais compete a repressão do abuso, para o caso
do microfone da Casa Bringel, à rua Senador Teodoro Pacheco, entre a Rui
Barbosa e Simplício Mendes. Os moradores e comerciantes daquelas
imediações já pediram particularmente ao Sr. Bringel que ao menos baixasse
o volume do seu aparelho tronitoante, no que não foram atendidos. O Sr.
Agripino Maranhão, industrial naquela zona, em seu nome e no de todo
comércio dali, pediu até por piedade ao Sr. Bringel que obedecesse a
horários e não funcionasse o seu aparelho nas horas de maior trânsito do
cruzamento daquelas três ruas. A resposta que lhe deram foi a seguinte: o
nosso aparelho está pago e funciona das 7 da manhã às 5 da tarde[...] 114
Como se vê, a “febre” dos alto-falantes contribuiu ainda mais com o aumento da
poluição sonora no centro da cidade, acabando por atrair o descontentamento de parcela da
população que residia na área central, e gerando conflitos entre donos de casas comerciais que
não usavam aquela tecnologia para ajudar nas vendas.
Outra parte da nota chama a atenção pelo modo contundente como foi escrita,
quase que conclamando a população a tomar uma atitude violenta, caso as autoridades não
silenciassem a Casa Bringel: [...] Se não houver uma medida para fazer cessar tamanho abuso,
o povo fica autorizado a tomar suas próprias providências contra aquele absurdo... e as
reações do povo todos nós sabemos como são![...]115
É importante salientar que parte dos jornalistas que atuavam no meio impresso
também trabalhava na Rádio Difusora, o que poderia justificar as insistentes investidas contra
os alto-falantes, principais concorrentes da emissora no que se refere a anúncios publicitários
do comércio. Além do mais, os próprios jornais também estavam na concorrência para
veiculação de propagandas.
A proliferação das amplificadoras na cidade, no entanto, foi descrita de maneira
menos rancorosa e agressiva nas linhas iniciais da obra de H. Dobal, Roteiro Sentimental e
Pitoresco de Teresina: “[...] Há praças para os namorados, a quem a polícia não permite
muitas expansões, cinemas, a missa dos domingos, os bailes, a cerveja e em qualquer lugar há
sempre a música de um alto-falante[...]”116
O incômodo do barulho das amplificadoras no centro de Teresina, porém, era
reconhecido até mesmo por quem nelas trabalhou. O técnico Luís Gonzaga Fernandes
Carvalho, hoje com 72 anos e tendo no currículo a montagem de seis estações AM no Piauí,
114
ALTO-FALANTES. O Dia, Teresina, p.3, 4 mar 1951.
115
Id. Ibid.
116
DOBAL Op. cit. 12
92
dentre elas a Rádio Pioneira de Teresina, começou a tomar gosto pela profissão trabalhando
na Amplificadora Comercial Teresinense, por volta de 1950, como controlador da
aparelhagem e montador dos equipamentos.
117
CARVALHO, Luís Gonzaga Fernandes. Entrevista cedida a Daniel Solon em 27 dez de 2004.
93
Tão logo nasceram os anos 50, Teresina se preparava para comemorar o primeiro
119
centenário. A cidade queria crescer, mas os discursos presentes nas páginas de jornais
revelavam o desejo de que o processo de modernização120 avançasse silencioso e calmo, sem
traumas, sem ruídos. Durante o horário comercial, no entanto, as ruas do centro, ofereciam os
sons estridentes que advinham no mesmo ritmo do “progresso”.
O barulho do trânsito de carros, caminhões, ônibus, ciclistas, motociclistas... O
grito dos vendedores ambulantes, o zunzunzum das rodas de conversa sobre a política e a
expectativa em torno da festa de aniversário da capital... As várias bocas de alto-falantes
utilizadas por casas comerciais para propaganda, além das amplificadoras maiores que
funcionavam como “estações de rádio” improvisadas desde o final da década de 30... Tudo
isso fazia parte da “paisagem sonora”121 da cidade, no nascimento dos anos 50.
Era necessário que tudo parecesse perfeito na festa do centenário, em 1952. Os
bares, cafés, hotéis, pensões e prostíbulos deveriam ter o asseio impecável para receber os
visitantes, alguns deles ilustres figuras do cenário político nacional, intelectuais e artistas
consagrados do rádio nacional que iriam animar as festividades.
118
ALTO-FALANTES. O Dia, Teresina, p.1, 25 fev 1951.
119
Para se estudar a memória, também é necessário visualizar o espaço onde ela – ou parte dela – foi construída.
Por isso também analisamos um possível cenário do centenário de Teresina. “[...]Não há memória coletiva que
não se desenvolva num quadro espacial. [...] É sobre o espaço, o nosso espaço – aqueles que ocupamos, ao qual
sempre temos acesso, e que em todo o caso, nossa imaginação ou nosso pensamento é a cada momento capaz de
reconstruir – que devemos voltar nossa atenção; é sobre ele que nosso pensamento deve se fixar, para que
reapareça esta ou aquela categoria de lembranças”, Cf. HALBWACHS, 1990, Op. Cit.
120
Para Nascimento, “é possível afirmar que existia um processo de modernização em Teresina desde a primeira
década do século XX”. Em seus estudos sobre o período do Estado Novo, concluiu que o incêndio de casas de
palha em Teresina serviram para empurrar a população pobre da capital para a periferia, contribuindo com o
poder público no projeto de “embelezamento urbano”. Ver: NASCIMENTO, Francisco Alcides do. A cidade sob
o fogo: modernização e violência policial em Teresina (1937-1945). Teresina, Fundação Monsenhor Chaves,
2002. Trabalha-se aqui com a hipótese de que o processo de modernização da capital piauiense tenha avançado
com a implantação da primeira estação de rádio, advento de novas tecnologias, com o fortalecimento do
comércio e com o discurso (e efetivação) de mudanças de comportamento da população. Outros autores sugerem
que o processo se consolida com a melhoria de serviços como iluminação pública (com a inauguração da Usina
de Boa Esperança), com programas de integração e desenvolvimento promovidos pelo governo federal, dentre
outros, a partir do final da década de 60, Cf. BRANDÂO, Wilson de Andrade. Formação Social. In:
SANTANA, R. N. Monteiro (org). Piauí: Formação, Desenvolvimento, Perspectivas. Teresina, Halley, 1995.
121
BOSI, Ecléa, 1994, p. 445
94
As ruas e praças deveriam estar limpas e arrumadas, sem buracos, sem lixo
amontoado. As fachadas dos prédios comerciais e das residências precisavam passar por
reformas. As pessoas deveriam se trajar de maneira elegante, e demonstrar asseio.
Era urgente “limpar” as ruas da desagradável presença dos mendigos que se
multiplicavam e denunciavam, a cada pedido de esmolas, uma outra cidade em que viviam:
sem brilho, sem verde, sem luz, sem água, sem transporte, sem calçamento, sem emprego,
sem escola, na periferia.122 E mais. Os ruídos que faziam parte do cotidiano do centro da
cidade haveria de ser, de alguma forma, abafados. Teresina deveria perder o título de “cidade
do barulho”.
O motivo da escolha foi estampado como matéria principal da primeira página do Jornal do
Comércio:
Não se pode dizer quais os reais motivos que levaram à campanha contra
Chateubriand nas folhas de O Pirralho. O certo é que o homenageado tinha mesmo uma fama
125
ASSIS Chateubriand será convidado para patrono do centenário. Jornal do Comércio, Teresina, p.1, 16 fev
1952.
126
O PIRRALHO, Teresina, p.6, 19 abr 1952.
96
de espertalhão e de grande gozador, que tirava vantagem de tudo em que se metia. Ao receber
a confirmação do convite para ser patrono do centenário, o empresário teria sorrido e
perguntado ao prefeito de Teresina: “Quanto isso vai me custar?”.127
A compra da Rádio Difusora, por 20 parcelas de 15 mil cruzeiros, dentre outras
transações que Chatô realizava pelo país, foi concretizada sem que os donos tivessem a
certeza de que o dinheiro realmente viria. Ao se tornar uma associada, a emissora teve sua
trajetória mudada de forma importante, com a substituição de parte de sua diretoria.128
O peso simbólico da festa de 100 anos da capital a ser comemorada em 1952 e o
discurso dominante da consolidação de uma sociedade “civilizada e progressista” exigiam
mudança de comportamento dos teresinenses e uma reorganização espacial da cidade. A
Comissão Pró-festividades do Centenário viu na imprensa uma aliada para a tarefa de
convencimento da população, através de um discurso uníssono em prol da festa e dos valores
que deveriam surgir e permanecer a partir daquele momento.
Grande parte das notas, crônicas e artigos publicados nos jornais teresinenses
durante os meses que antecederam o aniversário de 100 anos da capital trazia um chamado à
população para se integrar ao projeto de transformarem a cidade – ou pelo menos a área
central de Teresina, durante as festividades – em um verdadeiro paraíso, ordenado, coeso,
limpo, saudável, silencioso e dentro da ordem.
A campanha na imprensa pelo envolvimento dos moradores no clima de festa e
cooperação foi realizada em todos os jornais da cidade. Os discursos, no entanto, e a própria
campanha, não eram aleatórios, não foram feitos isoladamente, nem nasceram na visão
espontânea de cada editor de jornal.129
A Comissão Pró-festividades do Centenário de Teresina, reunida no dia 30 de
janeiro de 52, aprovou, por unanimidade, a criação de um prêmio de Cr$ 5.000,00, proposto
pelo então advogado Walter Alencar, “para o jornal que mais se destacar em publicidade pró-
centenário”.130 O pagamento do prêmio seria entregue no dia 1º de agosto daquele mesmo
ano.
A partir daquele momento, os donos de jornais tiveram mais um incentivo para
assimilarem o pensamento regulador da cidade, ditado pelo poder público. Além disso, a
127
MOLEQUE. O Pirralho, Teresina, p.6, 15 jun 1952.
128
NASCIMENTO, Alcides do. História e Memória da Rádio Pioneira de Teresina. Teresina, Alínea
Publicações Editora, 2004, p. 27.
129
“Em toda a sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e
redistribuída por certo número de procedimentos que tem por função conjurar seus poderes e perigos, dominar
seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada, temível materialidade”, Cf. FOUCAULT, Michel. A ordem do
discurso. São Paulo, Edições Loyola, 1996, p. 9.
130
COMISSÃO Pró-festividades do Centenário de Teresina. Diário Oficial, Teresina, p.8, 5 fev 1952.
97
imprensa passou a fazer parte de Comandos Sanitários,131 uma espécie de força-tarefa para
fiscalizar e até mesmo sugerir punições aos estabelecimentos que não se enquadrassem em
níveis de higiene exigidos pelo Departamento de Saúde.
Em fevereiro daquele ano, o jornal A Cidade anuncia em nota intitulada A
imprensa e o primeiro centenário de Teresina que a fiscalização dos estabelecimentos
comerciais como bares, cafés, hotéis, dentre outros, seriam intensificados, com a criação dos
Comandos Sanitários.
Na edição seguinte do mesmo periódico, não se sabe ao certo se por pressão dos
ditos “Comandos Sanitários” ou por adesão voluntária à campanha de limpeza colocada na
agenda da cidade, anuncia-se que vários lojistas trataram de dar melhor aparência aos pontos
comerciais, realizando reformas nas instalações.
131
O jornal O Pirralho foi quem lançou a idéia da constituição de Comandos Sanitários para a campanha de
higienização. O periódico criticava a ineficiência da comissão do centenário, que não resolvia os problemas do
centro da cidade. Ver: O PIRRALHO, Teresina, p.5, 12 jan 1952.
132
A IMPRENSA e o primeiro centenário de Teresina. A Cidade, Teresina, p.1, 12 fev 1952.
133
NOVENTA por cento. O Pirralho, Teresina, p.5, 17 mai 1952.
134
RESTAURANTE Acadêmico. Jornal do Comércio, Teresina, p.2, 15 mai 1952.
98
Porém, quem organizava a cidade queria muito mais que um teresinense com
roupa nova andando por uma cidade limpa e organizada em sua fachada. Era importante
135
É VERDADE ... Jornal do Comércio, Teresina, p.1, 18 mai 1952.
136
CENTENÁRIO de Teresina. O Pirralho, Teresina, p.5, 24 fev 1952.
137
A CIDADE, Teresina, p.3, 6 jul 1952.
99
também que fossem novos os costumes, que fossem abolidos o uso de tecnologias não mais
adequadas a um pretenso novo tempo que começava com o centenário. O discurso de
intervenção no espaço urbano proposto pela imprensa local remete à idéia da primeira “porta”
da cidade, constituída pelos saberes médicos e da engenharia, ou seja, ao sanitarismo,
conforme descreve Maria Stella Bresciani:
138
BRESCIANI, Maria Stella. As sete portas da cidade. Espaço e Debates, n. 34, NERU, 1991, p. 11.
139
RESENDE, 1997, p.16.
140
ERA atômica, O Piauí, Teresina, p.3, 14 nov 1951.
141
DISCOS voadores – 2. O Piauí, Teresina, p.3, 1 jun 1952.
142
ERA dos autômatos. O Piauí, Teresina, p.3, 22 julho 1951.
143
JORNAL DO PIAUÍ, Teresina, p.1, 4 set 1952.
144
CENTENÁRIO de Teresina. A Cidade, Teresina, p.1, 3 mai 1952.
145
PRIMEIRO centenário de Teresina - autoridades que precisam de ação. A Cidade, Teresina, p.4, 28 mai 1952.
100
[...] Tem uma história muito engraçada que contavam aqui em Teresina,
você sabe que aqui é perto do Palácio do Governo, né? Então meu pai
gostava de controlar o prestígio do governador, através da roda. Todo dia,
quando dava cinco horas da tarde, mandavam colocar as cadeiras lá na porta
do Palácio, para as pessoas se sentarem, porque aqui em Teresina se usava
muito a pessoa se sentar nas portas das casas. Então eles faziam isso,
colocavam na porta do palácio. Então quando a roda tava grande, o
governador estava muito prestigiado. Ou então, quando estava diminuindo, é
porque não ia mais ninguém né? [...]148
O poeta João Ferry, que lançou o livro Chapada do Corisco dentro do calendário
de comemorações do aniversário da cidade, mostrou no poema que deu nome à obra
exatamente as mudanças pelas quais Teresina estava passando. Os versos soam como um
lamento, como uma saudade de um lugar que parecia mais romântico, calmo, acalentador,
silencioso e de hábitos que estavam sendo questionados:
146
HALBWACHS, Op. Cit, p. 136.
147
id, Ibid p.159.
148
MORAES, op. cit.
149
FERRY, João. Chapada do Corisco. Teresina, Imprensa Oficial do Estado, 1952, p.26.
101
150
CENTENÁRIO de Teresina. A Cidade, Teresina, p.1, 3 mai 1952.
151
TERESINA. Lei Municipal nº 240, de 27 mar 1952.
152
O PIAUÍ. Ano LXII, nº 774, 6 de abril de 1952, p.3.
153
Id.
102
154
CERTO. O Pirralho, ano XVI, nº 94, 5 abr 1952, p.4
155
O PIRRALHO, Teresina, p.3, 19 jul 1952.
103
campanha eleitoral. Os donos de amplificadoras, por sinal, sempre eram contratados para
garantir a estrutura de som e até mesmo animar comícios:
[...] Comício era conosco mesmo. Montávamos tanto para o PSD, como para
a UDN, como para o PTB, nós estávamos lá. Eles só queriam a gente,
porque sabiam que a gente sabia movimentar e nós falávamos em cima do
palanque. Antes a gente ficava vibrando, fazendo o povo vibrar.156
Nós tivemos uma época aqui em Teresina que nós não tínhamos nem luz...
Era uma Maria Fumaça [...] um motor velho que tinha na usina
(termelétrica). O doutor Alberto Silva, a pedido de meu pai, vinha de
Parnaíba, chegava e mexia nos parafusos e botava isso pra funcionar. Então
essa época é que eu convivi aqui em Teresina. Agora sobre essas rádios,
sobre esses serviços (de alto-falantes) eu conheci e me lembro dos políticos.
Eles tinham aquelas rádios na rua, aqueles serviços de alto-falante, na rua,
fazendo propaganda. Agora era tudo muito precário. Além disso tinha o da
Rianil, duma casa, uma loja de tecido, a Rianil, ali na praça Rio Branco.
Quem trabalhava na Rianil era o senhor Aragão, pai do Afonso Aragão, da
Coca-Cola. Então essa firma Rianil era uma firma que vinha do Maranhão, e
então eles tinham lá um serviço de rádio lá na loja Rianil, anunciando e tudo.
Mas nós tivemos uma época aqui no Piauí que nem luz nós tínhamos. Então
como que nós podíamos ter um serviço de divulgação assim tão bom?
Agora, além disso, nós tínhamos os serviços nos partidos. A UDN, por
exemplo, ficava ali na rua Coelho Rodrigues. Lá na porta da UDN tinha um
serviço de alto-falante, era considerada assim uma coisa assim
extraordinária, ouviu? Era um serviço de alto-falante que funcionava ali.158
156
FREITAS, op. cit.
157
Note-se que Genu Morais teve um forte envolvimento com a política. Talvez por isso, por conta do lugar
social que ela ocupa, e pela chamada memória seletiva, ela lembrasse mais das amplificadoras dos partidos do
que os serviços de alto-falantes que funcionavam na praça Pedro II, perto, aliás, do casarão de Eurípedes Aguiar.
158
CORREIA, op. cit.
104
159
BERMAN, Marshall. Tudo o que é sólido se desmancha no ar. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p.13.
105
160
JORNAL O PIAUÍ, Teresina, p.1, 5 jan 1952.
161
A cidade maranhense do ouro lado do rio já se chamava Timon quando H. Dobal escreveu seu Roteiro
Sentimental e Pitoresco de Teresina. Mesmo assim, continuava chamando aquele município de Flores por
considerar Timon um nome muito “antipático”, cf DOBAL, op. cit, p.50.
162
Id. ibid.
163
IGREJA, Marcos. Correspondência, a Daniel Solon, de apontamentos colhidos junto a moradores antigos de
Timon, em agosto de 2005, p.1.
164
JORNAL DO COMÉRCIO, Teresina, p.1, 14 jan 1950.
106
Dennis Clark é o pseudônimo de José Feitosa Pires, que foi uma das figuras mais
conhecidas do rádio no Piauí na década de 50, quando atuou na rádio Difusora de Teresina.
Ele desenvolveu diversas atividades na emissora, desde quando entrou na emissora, em 1948,
como locutor, produtor e rádio ator.167
165
DOBAL, op. cit, p. 50.
166
IGREJA, op. cit., p. 2
167
LIMA, op. cit, p.71
168
MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem.(Understanding media) 13. ed.
São Paulo: Cultrix, 2003, p 344.
107
169
PINHEIRO FILHO, op. cit, p. 181.
170
RÁDIO. O Dia, Teresina, p.4, 11 mai 1952.
171
A ORGANIZAÇÃO dos Diários Associados. O Dia, Teresina, p.1, 4 mai 1952.
108
Quase que não me lembro mais! Hoje parece que não há mais luta entre as
emissoras, né?172
Em junho daquele mesmo ano, foi aprovada a Lei Municipal 254173, que ampliava
a zona comercial de Teresina. A nova área (Figura 05) não abarcava ainda a Praça Pedro II,
mas chegava a uma de suas laterais, ou seja, a rua 13 de Maio. No entanto, a legislação que
cessou o funcionamento dos alto-falantes falava de “zona central”, e não de “zona comercial”
da cidade. Portanto, a proibição das amplificadoras extrapolava a área considerada para
funcionamento do comércio, rompendo os limites do novo mapa.
172
Ao falar da concorrência, Santos inverte o lugar de quem se sentia prejudicado pela disputa por anúncios
comerciais, colocando que as amplificadoras não gostavam da concorrência com a Difusora. É necessário
informar alguns detalhes sobre a entrevista de SANTOS, José Lopes dos, cedida a Daniel Solon em 13 jan 2005,
para se compreender o discurso de que o “rádio venceu”. Ao ser indagado sobre os possíveis conflitos entre a
Difusora e as amplificadoras, ele respondeu que “não, não, não teve”, seguido de um longo silêncio. Os silêncios
e não-ditos são estudados por POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. In: Estudos Históricos, Rio
de Janeiro, vol. 2, n 3, p. 3-15, 1989. Para o autor, “as dificuldades e bloqueios que, eventualmente, surgiram ao
longo de uma entrevista só raramente resultavam de brancos da memória ou de esquecimentos, mas de uma
reflexão sobre a própria utilidade de falar e transmitir seu passado”.
173
TERESINA. Lei Municipal nº 254, de 20 jun 1952.
109
1 Praça Pedro II
174
SIQUEIRA, José de Ribamar. Entrevista cedida a Daniel Solon, Teresina 17 ago 2005.
110
A Rádio Difusora aproveitou o momento para se fazer presente nos locais onde
houvesse atividades em torno do centenário da cidade, abrindo os microfones da emissora
para os artistas contratados. As transmissões externas chamavam a atenção dos teresinenses,
aguçando principalmente a curiosidade da criançada, em especial de um garoto que depois
passaria a ser conhecido como Anjo Torto:
175
LOPES, op.cit.
176
SINAIS luminosos. A Luta, Teresina, p.1, 23 ago 1952.
111
falantes no centro da cidade. Porém, outras memórias e histórias estão sendo construídas e
contadas para ver/ouvir como os alto-falantes, “vencidos” dentro da área central de Teresina,
conquistaram espaços e se fizeram vivos nas lembranças de moradores da periferia de
Teresina após cerradas as cortinas das festas do centenário. É isso o que vamos ver no terceiro
capítulo.
112
CAPÍTULO III
1
MAGNANI, José Guilherme Cantor. Festa no pedaço: cultura popular e lazer na cidade. 2. ed. São Paulo.
Hucitec/Unesp, 1998, p. 19.
2
NENHUMA casa dispõe de fossa ou esgoto – Precárias as condições de vida das famílias operárias de
Teresina. Jornal do Comércio, Teresina, p.6, 24 maio 1953. (Transcrita de O Correio da Semana)
113
de indústria gráfica e de alimentação”3 e que também tivessem recebido salários entre Cr$
500,00 e Cr$ 1.099,00 no mês de julho de 1952. Das 73 famílias teresinenses dentro deste
padrão, foram pesquisadas 39.
O dados obtidos mostraram a Teresina suja e desdentada que os idealizadores da
festa do centenário da capital piauiense tentaram esconder. Das casas pesquisadas, nenhuma
possuía esgoto ou fossa séptica, apenas duas contavam com água encanada e 74,36% não
tinham energia elétrica. Filtros e geladeiras também não foram encontrados nas residências
visitadas, sendo que 58,97% eram de taipa, 25,64% de alvenaria e as restantes eram feitas
com outros materiais. Como a realidade revelada dizia respeito à fatia dos teresinenses
empregados nos setores de gráfica e alimentação, é possível deduzir que a qualidade de vida
da população desempregada ou subempregada era ainda muito pior na periferia.
Os dados do censo do IBGE de 1950 mostravam que no Piauí havia um altíssimo
nível de desempregados, um número muito pequeno de mulheres no mercado de trabalho
formal e, confirmando a situação de população preponderantemente rural, revelou que a
maioria das pessoas do Estado sobrevivia da agricultura.
3
JORNAL DO COMÉRCIO, Teresina, p.6, 24 maio 1953.
4
IBGE, 1952, op. cit, p.vii.
114
Naquela época não existia televisão (em Teresina) e quem tinha rádio era
considerado rico, quem tinha um radiozinho para ouvir. E meu pai tinha um
rádio grande que ele comprou e a gente se reunia na casa dele para ouvir,
jogo do Flamengo... Ouvia pelo rádio, era aqueles rádios Philco, aqueles
antigos. No tempo do Jorge Cury, locutor da Radio Nacional de Brasília, um
dos locutores mais antigos que transmitia o jogo. No tempo que o Flamengo
formava com Garcia, Tamires e Pavão, Jadir, Dequinha e Jordão, Joel,
Rubens, Índio, Evaristo e Zagalo. Era esse time que foi tricampeão pelo
Flamengo. Porque antes era desse jeito que escalavam os técnicos, hoje em
dia o sistema é diferente, mas antes era assim [...] um goleiro, dois zagueiros,
os três intermediários e cinco na linha [...]. a gente ficava assistindo o jogo,
Vasco e Flamengo sempre foram os dois grandes rivais, a gente ficava
assistindo.5
O pai do narrador acima, longe de ser da elite teresinense, era o pintor Euclides
José da Silva, também ex-jogador de futebol e dono de bloco de carnaval, mas com muito
esforço conseguiu comprar um aparelho receptor. Assim como outros trabalhadores mais
simples, pelo fato de possuir um Philco na Matinha, gozava de prestígio social na
comunidade.
Ainda no que se refere à pesquisa sobre Padrão de Vida da população da periferia,
o governo Vargas tinha consciência de que os números registrados relatavam um forte
indicador de pobreza e desigualdade regional. A mensagem do Poder Executivo enviada ao
Congresso Nacional em março de 1954 avaliou os resultados da primeira Pesquisa de Padrão
de Vida, frisando o contraste revelado pelos dados obtidos nos estados do Norte e Nordeste:
5
TILITO, Luís Carlos da Silva. Entrevista concedida a Daniel Solon em 17 de agosto de 2005.
6
VARGAS, Getúlio Dorneles. Mensagem apresentada ao Poder Legislativo em 1954. Disponível em
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1328/000305.html .Último acesso em 20 set 2005.
115
7
entretenimento e contribuíam para formar determinado “pedaço”, onde pessoas se
aglutinavam para conversar com os amigos, iniciarem romances ou simplesmente passar o
tempo, após um dia cansativo de trabalho.
Geralmente, as amplificadoras eram propriedades de donos de bares e mercearias,
onde havia um pequeno espaço – ou cabina – para que os locutores trabalhassem, dando
recados, enviando mensagens, e soltando no ar as “gravações”, como eram chamados os
sucessos dos discos na época. Na Matinha (bairro da zona norte separado do centro de
Teresina, na época, por um grotão), na década de 50, havia a amplificadora São José, que
funcionava em bar do mesmo nome. O trabalho do locutor obedecia também ao que
determinava o precário sistema de fornecimento de energia elétrica da capital, cujo “apagão”
era precedido do soar de uma sirene.
[...] eu já rapaz em 1954, existia um serviço de alto-falante Bar São José, era
esse o nome. Funcionava ali, “xis” com o cemitério São José, onde tinha
dois irmãos que eram os proprietários, eram Antonio Dias e José Dias. Seis
horas eles botavam o hino, de início, e entravam no ar os serviços. Os
moradores iam lá e colocavam gravação, pagavam a taxa que eles cobravam
pela gravação, ofereciam a seus amigos e assim funcionava. Quando dava
nove horas, encerrava. Quando a usina dava aqueles três apitos, antes
quando dava nove horas aqui em Teresina, a usina onde é a Cepisa apitava,
dava três apitos, aí então os serviços de alto-falante todos paravam. No
[bairro]Porenquanto [zona norte] tinha outra amplificadora, todas as
amplificadoras paravam, no [bairro] Cajueiro [zona sul] tinha outra.8
Ouvir o som das amplificadoras fazia parte da rotina noturna dos moradores,
estivessem eles na porta de casa, nas calçadas, ou nas imediações dos estabelecimentos que
possuíam alto-falantes. Alguns dos moradores eram tão acostumados com a programação das
amplificadoras, que se queixavam quando havia atraso no início das transmissões, como
rememora o funcionário público aposentado Luís Carlos da Silva Tilito:
Nessa época, o finado Coló, que era o meu sogro, que é um dos moradores
mais antigos da Matinha, ele sentava na porta e ficava aguardando aquelas
músicas antigas que a amplificadora botava. Quando acontecia dos locutores
chegarem atrasados ele já ficava sentindo falta. Ele dizia, lembro muito da
expressão dele: “essa gojoba hoje não toca”. Ele aguardando [risos], ele
chamava gojoba. “Essa gojoba hoje não toca, né?” [risos]. Eu dizia: mas é
porque ainda não começou rapaz, peraê. Ele era agoniado. Todo mundo
gostava, oferecia uma gravação, aí tinha aquele negócio... essa gravação é
7
Pedaço é aqui conceituado como espaço de sociabilidade e lazer, entre vizinhos e amigos, na periferia. Ver
MAGNANI, op. cit.
8
TILITO, op. cit.
116
que alguém das iniciais tal, oferece para alguém das iniciais, bastante
apaixonado... 9
9
TILITO, op. cit.
10
HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
11
THOMPSON, E.P. A formação da classe operária inglesa. 3 volumes. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
12
TILITO, op. cit.
117
vez que os “ouvintes” se recolhiam em suas casas e as ruas dos bairros, geralmente sem
calçamento e enlameadas, ficavam desertas.
No mês de junho, no final do período de chuva em Teresina, as amplificadoras
animavam as festas juninas que ocorriam no bairro Mafuá, cujas “gravações” e recados lidos
pelo locutor chegavam a outros bairros vizinhos com a ajuda do vento. Adelaide Ribeiro
Rocha, uma antiga moradora da região, rememora o tempo em que costumava ouvir a
programação do serviço de alto-falante, e ainda dá pistas sobre as transformações urbanas do
local onde vivia.
13
ROCHA, Adelaide Ribeiro. Entrevista cedida a Daniel Solon, em 16 de abril de 2006.
14
BOSI, op. cit, p.444.
15
id, ibid.
118
Percebendo que o serviço de som era uma atividade rentável para o Bar do Gordo,
inclusive aumentando a venda de produtos, não demorou muito para que Zacarias tivesse a
idéia de trabalhar por conta própria, utilizando uma amplificadora como meio de comunicação
popular para garantir a própria sobrevivência, também no bairro Piçarra. Ou seja, a
amplificadora era a principal fonte de renda de muitos que investiram neste meio de
comunicação.
Depois do Bar do Gordo eu tive uma (amplificadora) minha mesmo. Era Rio
Branco o nome dela. Era localizada na rua José dos Santos e Silva Cruzando
com a Miguel Rosa. Que nesse tempo não tinha aquelas casas ali, só tinha
mesmo a escola São Paulo. Ela tinha quatro bocas pros quatro lados da
cidade. Muito alta, muito potente... Aí passou a ser melhor do que a do
Gordo, porque o serviço social da minha aumentou mais do que na do
próprio Gordo mesmo. Funcionava das 18h às 22h, e domingo de 4h às 6h e
de 7h30 às 22h novamente. Era muito bom, fazia shows, fazia tudo. Eu
contratava artistas, e nesse tempo só tinha a Difusora. Eu contratava aquele
16
DIAS, Zacarias da Silva. Entrevista concedida a Daniel Solon, em 22 de junho de 2005.
119
pessoal que fazia show lá, para fazer aqui também. Fazia rifa, bingo... Tinha
um estúdio bem montadinho. Todo no acústico. Era numa casa. 17
Todos estes atrativos fizeram com que o espaço em frente à sede da amplificadora
Rio Branco se tornasse um ponto de encontro para a juventude da periferia, sobretudo para
aqueles que moravam nas proximidades do centro e zona Sul. Lá, as pessoas
[...] namoravam, encostavam num poste, um pra colá e outro pra colá.
Iluminada bem a área, todo mundo gostava. Tinha umas moças que vinham
vender bolo frito, mingau de milho, farofa... aquelas coisas. Terminava, era
um ponto de encontro. Tinha dia que eu oferecia de 40 a 50 músicas. Eu não
lembro qual era a moeda, eu só sei que era baratinho. Era como se fosse 1
real hoje. Um namorado que oferecia para a namorada... Aquele dinheiro ali,
já era para reformar o estúdio, comprar material, comprar discos. Naquela
época os discos eram daqueles de cera. 19
17
DIAS, op. cit.
18
A LUTA, Teresina, p.1, 27 jul 1952.
19
DIAS, op. cit.
120
[...] tinham uma programação de ‘x’ horas, por exemplo, pela manhã, era de
8h às 11h e a tarde era de 15h às 17h, 17h30, aí fazia o comercial, botava
música, a gente oferecia música no aniversario de um amigo, de uma amiga,
pai, mãe e aí tocava...(risos). Tem até uma piada aí do negócio do O. X, você
já sabe? A dona ofereceu: ‘atenção O X, escute essa música que alguém lhe
oferece com muito amor’. Aí o locutor ficou muito encabulado e perguntou:
‘fulana quem é esse O. X?’. (Ela respondeu:) ‘É o Ontoin Xofé’ (risos).20
Você sabia?
Que – certas amplificadoras ora em funcionamento nos subúrbios de nossa
capital estão causando grande antipatia às famílias ali residentes, devido o
grande barulho que provocam dia e noite?
20
SIQUEIRA, op. cit
121
(Figura 06), publicado várias vezes no mês em que Teresina completou 100 anos, e pouco
tempo depois da lei que proibiu os alto-falantes no centro, é um indicador do grau de
organização de parte das amplificadoras que continuaram atuando na periferia da cidade:
22
IBGE. Censos demográficos e econômicos – Série Regional, volume XIII. Rio de Janeiro. Gráfica do IBGE,
1956.
123
em 1955, ou seja, dez anos depois do fim do conflito mundial: “O diretor da Imprensa Oficial
avisa que o ‘Diário Oficial’ deixará de circular por alguns dias, por falta de papel”.23
O empresário José Alves, de 73 anos, lembra de quando trabalhava como
comerciário de uma loja de tecidos no final da década de 40, e ressalta a importância do
serviço de alto-falante para as casas comerciais do centro de Teresina:
23
DIÁRIO Oficial. Diário Oficial. Teresina, p.8, 5 fev 1955.
24
ALVES, José. Entrevista cedida a Daniel Solon em 03 de março de 2005.
25
ALVES, op. cit.
124
26
PEREIRA, José Eduardo. Entrevista concedida a Francisco Alcides do Nascimento. 1990
27
MICROFONES nos subúrbios. O Piauí, Teresina, p.4, 30 nov 1953.
125
Quando chegou a Rádio Difusora, não era todo mundo que tinha rádio,
cansei de ver botar o rádio na sala e chegar um monte de vizinho pra assistir.
Me recordo que eu tinha um colega que trabalhava lá na Samaritana e ele
comprou um rádio grande, Philco. Nós morávamos perto da praça Pedro II,
na rua Teodoro Pacheco, 1263, ainda hoje sei o número decorado, ele botava
o rádio todo dia à noite no corredor da entrada do hotelzinho, da pensão, pro
pessoal passar na rua e ver. Ficava o pessoal passando na rua e ficava a fila
do pessoal da rua olhando, ouvindo o rádio.29
28
O PIRRALHO, Teresina, p.1 e p.6, 12 jul 1952.
29
ALVES, op. cit.
126
O apelo dos anúncios era forte. Quem tinha rádio, ao mesmo tempo tinha lazer,
estava conectado ao mundo através da informação e ainda garantia um certo status social.
Através do aparelho, visto também como uma extensão do próprio corpo, o mundo torna-se
uma aldeia.30 Apesar da tendência de progressivo barateamento dos aparelhos, a partir do
desenvolvimento de pesquisas em novas tecnologias, os preços afastavam a grande maioria da
população daquele sonho de consumo da família.
Em 1952, ato do governo federal estabeleceu o valor de Cr$ 1.200,00 para o
salário mínimo na região Sul.31 O rádio Philco mais barato em um anúncio de jornal ainda de
1948 custava Cr$ 1.250,00 e o mais caro, Cr$ 3.200,00. É importante ressaltar que o salário
30
MCLUHAN, op. cit.
31
Naquela época, vigorava uma tabela regional para o salário mínimo. Até o momento da conclusão desta
pesquisa não havia sido possível especificar o valor no Piauí. No entanto, um servente da Câmara Municipal de
Teresina ganhava Cr$ 900,00 em 1955, cf. RESOLUÇÃO nº 20, de 25 de outubro de 1954. Livro de Leis da
Procuradoria Municipal de Teresina.
127
mínimo no Sul do país só chegou à casa dos Cr$ 1.200,00 no final de 1951, ano em que
Teresina passava por uma crise de abastecimento de alimentos e a prefeitura foi obrigada a
baixar ato tabelando o preço máximo do quilo de carne verde em Cr$ 10,00, para frear a
“ganância insuportável [...] dos magarefes”.32
32
DECRETO municipal 1/51. Teresina, 16 de novembro de 1951. Livro de Leis da Procuradoria Municipal de
Teresina.
33
MARINHO, op. cit.
128
Dar a hora certa, transmitir recados entre amigos e namorados, dar avisos sobre
perda de documentos, ler notícias, fazer anúncios de casas comerciais e veicular músicas era a
rotina da amplificadora Imparcial, que segundo Marinho ajudou a formar alguns nomes do
rádio piauiense:
Então ter um serviço de som naquela época era uma coisa difícil. [...] Então
eu vivi nessa área minha mocidade toda. Eu fui locutor de comício da UDN,
do PSD, lá da praça Pedro II, a gente instalava serviço de alto-falante, nesse
tempo não tinha esse sistema de som (caixas de som), era boca. Você
34
MARINHO, op. cit.
35
B. Assis, locutor da Rádio Pioneira de Teresina, fez muito sucesso com um programa matinal. Quando do seu
falecimento a cidade parou para acompanhar o sepultamento.
36
MARINHO, op. cit.
37
FREITAS, op. cit.
129
conhece a boca, aquele funil? Então era aquele funil, a turma me chamava
até de Boca de Flande , o Homem da Boca de Flande, que é aquela coisona
cumprida. Então eu instalava naqueles pés de carnaúba ali da praça Pedro II
e fazia comício ali, fazia show ali. Artistas vinham de fora e faziam show, e
nesse tempo nós éramos preferidos porque nós tínhamos o melhor serviço de
som de Teresina. Tinha cinco, seis, sete, oito, dez bocas, que você que
quisesse nós tínhamos. Tinha um aparelho de 500 watts de saída que dava
pra tudo. Montava tudo. Era difícil porque você tinha que subir naqueles pés
de carnaúba para instalar o som, mas aquilo ali numa tarde a gente montava
e aí na noite mesmo a gente desmontava pra levar pra casa. Nesse tempo eu
trabalhava com quem eu lhe falei, o Marinho. O Marinho que era dono da
Imparcial, que era essa amplificadora bem grande. [...] Era a maior que tinha
em Teresina era a dele. Quando queriam qualquer coisa na universidade,
chamavam ele. Uma palestra de fulano de tal, era ele. Comício com Petrônio
Portela com aquele povo todo, era ele. Então tudo era com... e nós tínhamos
as bocas pra fazer os comícios na rua e aquelas coisas tudo. Então o serviço
de alto-faltante foi de grande utilidade naquele tempo passado. 38
38
FREITAS, op. cit.
130
Marinho, por sua vez, lembra de ter atuado sempre de forma harmoniosa com a
comunidade, limitando inclusive o funcionamento do alto-falante localizado nas proximidades
de algum morador enfermo.
Bastava você mandar uma criancinha pequena chegar e dizia: Seu Bismarck,
lá na rua Barroso [...] tem uma pessoa morta ou uma pessoa doente. O
senhor pode parar o alto-falante?. Então daqui eu controlava e dizia: atenção
ouvintes, em virtude de um dos nossos ouvintes da Rua Barroso ter falecido
ou ter passado mal, nós vamos desligar o alto-falante desta região aí. Eu
tinha uma mesa de controle que era só apertar um botão, aí eu me despedia
dos ouvintes da Barroso e pah! puxava a chave e desligava automaticamente,
e ficava com os outros funcionando.40
39
SIMPLES advertência. O Piauí, Teresina, p.6, 7 fev 1954.
40
MARINHO, op. cit.
41
MARINHO, op. cit.
131
42
Quando foi dado o golpe de 1964, o governador do Piauí era Petrônio Portella Nunes, que depois de alguns
dias escondido foi mantido no cargo, até o final do mandato.
43
MARINHO, op. cit.
44
FREITAS, op. cit.
132
Depois de morar na Vila Operária até 1960, Freitas mudou-se para a zona Sul da
cidade. “A Nordestina” passaria a não somente divulgar os produtos das grandes casas
comerciais de Teresina, mas também fazia a propaganda dos produtos do comércio que ele
montou, dentro de casa, tais como o arroz, a farinha, pão e leite condensado. O local descrito
ficava muito próximo aos alto-falantes da amplificadora Imparcial que, segundo o narrador,
chegou a veicular até mesmo novela, com artistas locais e com a participação dele próprio.
45
FREITAS, op. cit.
133
privada, que era aquelas privadas de buraco, colocaram a lanterna pra ver se
eu não tinha colocado por dentro, rasgado algum papel e jogado por dentro.
Mas não encontraram nada. Aí o outro disse: “Não, isso foi informação
errada”. Aí foram embora, e me deixaram de mão. Mas mesmo assim eu fiz
uma carta de punho, para o comandante, que tinha havido aquilo, que eu tava
querendo, que ele podia procurar, até procurasse na vizinhança, que eu
estava com oito anos que morava ali, e eu podia ser informado pela
vizinhança que eu não era...46
Depois do susto em ter o cano de uma arma encostado no próprio corpo e ver a
casa toda revirada por militares que procuravam por material “subversivo”, a amplificadora
“A Nordestina” passou a funcionar com cuidados redobrados, sofrendo, inclusive, censura:
Olha, a gente ficou... nossa!, tudo que você ia fazer tinha que ter... qualquer
coisa que você fosse fazer independente daquilo que você fazia, propaganda
comercial, ou qualquer pessoa que fosse usar o nosso (microfone) teria que ir
para o quartel para eles liberarem.47
Dois anos antes, em 1962, havia ocorrido outro fato marcante na vida daquele
comunicador popular. O bairro todo havia sido informado da morte do presidente norte
americano através da amplificadora, pela voz de seu Freitas, que captou a informação de rádio
do Sul do país, segundo ele, antes mesmo da notícia ser divulgada nas estações teresinenses:
“Eu disse mais ou menos assim: ‘atenção ouvintes, neste momento nós temos uma notícia
importante para toda a comunidade. Neste momento, na cidade de Dallas, foi assassinado o
presidente John Kennedy, dos Estados Unidos’”.48
Como uma verdadeira retirante, “A Nordestina” mudou novamente de endereço
no final da década de 60. A amplificadora passou a funcionar em 1969 no recém-inaugurado
Parque Piauí, conjunto habitacional popular, à época, mais ao Sul de Teresina.
Freitas mandava o filho mais velho, Marco Aurélio, pegar a bicicleta e se deslocar para até o
centro, onde visitava as lojas anunciantes. Ele não se lembra como eram os “contratos”, mas
recorda que
[...]era bem rentável. Dava pra você quebrar o galho em cima disso. Eu digo
assim, porque a minha renda comercial de propaganda e de coisa, dava pra eu
pagar o colégio particular do filho, dava pra pagar o aluguel da casa, dava pra
um bocado de coisinha, pagava uma luz, uma coisa assim. E todos os meses já
sabia, chegava lá tava o valezim, e era meu filho o Marco Antônio, o mais
velho, que ia na bicicletazinha buscar o dinheiro, todo final de mês tava lá.50
50
FREITAS, op. cit
51
id. ibid.
135
A mensagem chegava longe, através do vento que ajudava a espalhar os sons dos
três alto-falantes do Parque Piauí, um na entrada do bairro, outro na Praça da Mangueira (que
fica nas proximidades do mercado) e outra boca numa praça que “cedeu” lugar para a
construção de uma escola. A comunidade tinha na amplificadora de seu Freitas um espaço de
diversão, informação e ao mesmo tempo de reivindicação de soluções para os vários
problemas enfrentados no novo bairro, onde de dia faltava água, e à noite, faltava luz. A
utilização dos alto-falantes de A Nordestina faziam parte das estratégias e resistências criadas
no cotidiano dos moradores52 que protagonizaram no final dos anos 70 e início dos anos 80
um forte movimento popular contra a carestia e, conseqüentemente, contra o regime militar.
Um dos moradores do bairro escreveu crônica em jornal onde lembrava dos 37
anos de existência do Parque Piauí. Ele rememorou problemas enfrentados pelos moradores, a
luta para conseguirem dias melhores e também de figuras e locais que marcaram a história de
quem cresceu no bairro, dentre eles o serviço de alto-falantes “A Nordestina”.
Trata-se de uma comunidade que, desde seu início, sofreu com a lata d'água na
cabeça, com a precária iluminação pública, sem transporte público, mas que
com muita determinação conseguiu superar esses e outros obstáculos[...] Quem
nunca quis morar aqui; quem não se lembra da taberna da Paz; da primeira
delegacia de polícia na quadra 16; da amplificadora do seu Freitas...53
52
MATOS, Maria Izilda dos Santos de. Cotidiano e cultura: história, cidade e trabalho. Bauru, SP: EDUSC,
2002, p. 25.
53
EUGÊNIO, Arnaldo. Parque Piauí, meu amor. Meio Norte, Teresina, 29 de março de 2005. Ano X, nº 3735,
p.2.
136
Com o passar dos anos, a “Legião da Decência”, como uma “cruzada santa”
passou a vigiar outros meios de comunicação, sendo instaladas nos mais variados países, sob
o aplauso do Vaticano. O objetivo da instalação da Legião da Decência no Piauí era combater
tudo o que pudesse “conduzir, direta ou indiretamente, à dissolução da família, à corrupção da
mocidade”.55
Depois de instalada solenemente na cidade, não faltou quem defendesse uma ação
imediata da Legião da Decência contra as amplificadoras que jogavam, aos quatro ventos,
músicas dos mais variados estilos, dentre elas, sambas com letras de duplo sentido.
Foi com real simpatia que noticiamos [...] a criação, em nossa terra, de uma
sociedade, cuja finalidade se prendia, diretamente, à moralização dos
costumes. Numa das últimas reuniões realizadas na "Legião da Decência",
[...] programaram-se várias atividades em torno do complexo assunto,
especialmente no que se refere a filmes impróprios e músicas
inconvenientes. Sobre os filmes nada temos a dizer, pois são poucos os que
fogem à moral. Todavia apelamos à "Legião" dedique especial atenção aos
discos, em número crescido, que certas amplificadoras locais irradiam
diretamente aos principais logradouros públicos da capital.56
54
VIGILANTI Cura, op. cit.
55
JORNAL DO COMÈRCIO, Teresina, p.1, 5 jan 1950.
56
JORNAL O PIAUHY. Teresina, p.4, 21 mar 1950.
137
Contendo mensagem de duplo sentido, a letra transcrita acima não deixava de ser
provocadora para a época. Além de mexer com a esfera do corpo, com o verbo “dar” no
sentido mais libidinoso do termo, a música ao mesmo tempo citava o nome de Deus, talvez
‘em vão’, na opinião dos mais conservadores. Além disso, outro ‘pecado’ seria o nome do
grupo: “Anjos do Inferno”. Juntando todos estes ingredientes, é possível que a música
57
ANJOS do Inferno. Filomena, cadê o meu, RCA Victor, 1950.
138
A música da Filomena era uma das que mais tocava na amplificadora. Dava
aquela confusão cantar a música em frente a uma pessoa que se chamasse
Filomena. No Buriti havia uma moça com esse nome e muita gente brincava
com ela, cantarolando “Filomena, cadê o meu, Filomena, cadê o meu,
Aquele beijo gostoso que você me prometeu, Você deu a todo mundo, só a
mim você não deu...” A música já tinha um sentido maldoso (risos).59
Talvez visto com mais inocência pela criançada da época em que a música foi
lançada, o beijo da Filomena cantado pelo alto-falante é o elo que desencadeia variadas
lembranças da infância e juventude do advogado e cronista José Ribamar Garcia, de 50 anos,
que mudou-se para a cidade do Rio de Janeiro em 1961.
58
JORNAL O PIAUHY. Teresina, p.4, 21 mar 1950.
59
VIEIRA, Osvaldina Rocha. Entrevista cedida a Daniel Vasconcelos Solon em 13 de abril de 2006.
60
GARCIA, op. cit, p. 39.
139
A partir do que informa Garcia, tanto pelo fato de andar de velocípedes e também
por se lembrar da amplificadora funcionando no centro – o que pela lei só pode ter ocorrido
até o primeiro semestre de 1952, a lembrança do beijo não dado de Filomena deve perseguir o
cronista desde os seis anos de idade.
Garcia foi crescendo em meio a uma memória coletiva sobre os incêndios que
destruiu casas de palha na periferia de Teresina, numa época em que ele não tinha nem
mesmo nascido. Porém, os moradores da periferia ainda sentiam o cheiro de fumaça quando
aquele menino veio ao mundo, em 1946.
61
GARCIA, op. cit, p. 39.
62
GARCIA, op. cit., p.19.
63
FERREIRA, Amauri Carlos; GROSSI, Yonne de Souza. A narrativa na trama da subjetividade: perspectivas e
desafios. In: Revista Brasileira de História Oral, nº 7, jun.2004. São Paulo: Associação Brasileira de História
Oral, v.7, p. 42.
64
Id, ibid.
140
como chegaram até ali. Em alguns casos, o pequeno morador já sabia um pouco do passado
dos condenados, ouvindo os julgamentos transmitidos pela Rádio Difusora.
A julgar pelo comentário acima, a Difusora não apenas narrou o julgamento, mas
também deve ter se comportado como o braço da própria justiça, emitindo comentários
favoráveis a condenação do acusado. Já naquela época, o público se interessava em
acompanhar casos de polícia pelo rádio. Um dos primeiros programas específicos sobre o
assunto na Rádio Difusora foi “Acontecimentos Policiais”.
O programa era produzido e apresentado por Bismarck Augusto (Marinho), o
mesmo que fazia funcionar a amplificadora Imparcial, no bairro Cajueiros, que depois ainda
chegou a trabalhar na Rádio Clube, mas apenas fazendo leituras de anúncios em determinados
programas.
65
GARCIA, op. cit, p.20.
66
O PIAUÍ, Teresina, p.1, 2 maio 1954..
141
Mais era aquelas músicas antigas, hoje sai umas músicas aí que eu nem sei o
que é, faz é adoecer meu ouvido, eu não sou muito fã do rádio hoje em dia
por causa disso, tem música aí que eu não entendo nada. Na minha época
não, era Augusto Calheiro, Vicente Celestino, Orlando Silva, Ângela Maria,
Nora Ney... Hoje eu não entendo essas músicas, aí eu me desligo.[...]68
67
MARINHO, op. cit.
68
SIQUEIRA, op. cit.
69
SIQUEIRA, op. cit.
142
CONSIDERAÇÕES FINAIS
de forma mais nítida a existência de conflitos entre o novo e o velho impostos pela
modernidade, que não se resumiam apenas quanto à utilização ou não das amplificadoras.
Tendo como música de fundo os sons dos alto-falantes, foram capturados e postos
frente a frente projetos dissonantes de ordenação e de controle dos espaços da cidade onde,
em nome do progresso, fazia-se necessário impor novos comportamentos e,
contraditoriamente, ao mesmo tempo, consolidar velhos padrões de moralidade.
Viu-se ainda como era importante o funcionamento dos alto-falantes para o centro
comercial, num momento em que possuir um aparelho de rádio receptor em casa era sinônimo
de status social. Percebeu-se como se deu o processo de adesão da Igreja Católica à era do
rádio, bem como foi mostrada a influência da religiosidade na programação dos alto-falantes.
Mostrou-se como os grupos políticos se utilizavam dos alto-falantes para
disseminarem ideologias, conquistarem votos, e acirrarem conflitos com as legendas
adversárias. Ao mesmo tempo, ao serem analisados projetos fracassados de instalação de
estações de rádios, revelou-se como as elites políticas viam a importância da radiodifusão
para se manterem ou conquistarem o poder.
A expulsão das amplificadoras do centro da cidade, através de lei aprovada às
vésperas do aniversário de 100 anos da capital, deslocou olhar da pesquisa para a periferia da
cidade, possibilitando assim reconstruir aspectos do cotidiano dos moradores.
Assim, foram percebidas também mudanças espaciais da cidade e formas de lazer
e sociabilidade das pessoas, no subúrbio. Lá, os alto-falantes deixaram de existir apenas como
instrumentos que garantiam diversão e informação à comunidade. Eram instrumentos
utilizados para troca de afetividades, para consolidação de convivências e amizades entre
vizinhos de um mesmo bairro, mas também motivo de discórdias, conflitos, reclamações.
Para os que viviam a realidade da periferia, onde até mesmo nomes de ruas e
números de casas eram algo a ser concretizado, as amplificadoras tornaram-se pontos de
referência, locais de convivência, onde as reivindicações dos moradores poderiam ser
bradadas aos quatro ventos.
Este trabalho, portanto, configura numa pequena contribuição para os estudos
iniciados nos últimos anos em âmbito acadêmico sobre a história e memória do rádio no
Piauí. Não foi intenção desta pesquisa teorizar sobre memória e sociabilidade, até mesmo pela
certa imaturidade do autor no contato com tais assuntos. No entanto, memórias e
sociabilidades provocadas pelos alto-falantes estão presentes nesta pesquisa, para preencher
uma lacuna dos livros de história que insistem em silenciar os sons da periferia.
145
Talvez, a pesquisa realizada aqui tenha sua relevância por iniciar, com mais
profundidade, um estudo sobre os usos de um meio de comunicação que nasceu junto com o
rádio, bem como seus impactos no cotidiano de uma comunidade, em dado período. Talvez
ainda dê elementos sobre como a cidade foi atravessada tardiamente pela modernidade, tendo
o rádio como um de seus símbolos.
Este trabalho pode contribuir ainda com aqueles que ainda têm um grande
caminho a percorrer nas pesquisas sobre meios de comunicação alternativos, dentre eles as
rádios comunitárias que surgiram a partir da década de 80 e vistas aqui como continuidades
dos antigos serviços de alto-falantes.
146
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Solon em 17 de agosto de 2005.