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A EUGENIA COMO BIOPOLÍTICA: REFLEXÕES SOBRE O EUGENISMO E
SEUS IMPACTOS NO BRASIL NO INÍCIO DO SÉCULO XX.

Marcella Brito dos Santos345

Resumo: O presente ensaio visa discorrer acerca do atravessamento da eugenia no


Brasil no início do século XX sob a perspectiva historiográfica de autores pós 1990.
Refletiremos acerca do processo de implementação, institucionalização, as
controvérsias e desmembramentos sócio-políticos desta que
impactou não somente o constructo intelectual, como os processos sociais e de
saúde pública brasileira até os dias atuais.

Palavras-chave: Ensaio, Eugenia no Brasil, Biopolítica.

INTRODUÇÃO

A história da raça ou das raças está diretamente ligada ao processo de


constituição política e econômica das sociedades, cujos contornos e conceitos
estão atrelados aos recortes temporais em que é utilizado.
No início do século XIX a reflexão acerca da diversidade humana passa a
adquirir um status científico ao invés de meramente filosófico. Deste modo os
esforços se concentram em encontrar respostas tangíveis e irrefutáveis para essa
questão.

A biologia e a física serviram como modelos explicativos da diversidade


humana: nasce a ideia de que características biológicas determinismo
biológico ou condições climáticas e/ou ambientais determinismo
geográfico seriam capazes de explicar as diferenças morais, psicológicas
e intelectuais entre as diferentes raças. Desse modo, a pele não branca e
o clima tropical favoreceriam o surgimento de comportamentos imorais,
lascivos e violentos, além de indicarem pouca inteligência (ALMEIDA,
2019, p. 20-21)

Nessa direção, surge a teoria desenvolvida pelo cientista britânico Francis


Galton (1822-1911) que pretendia em linhas gerais, o aprimoramento genético da
raça humana (MACIEL,
amparado na lei da hereditariedade de Mendel.
Coadunando com a eugenia, temos o conceito de Darwinismo social, que
consiste na aplicação das leis de seleção natural no que tange a vida e a
sociedade (BOLSANELLO, 1996) bem como o racismo científico para embasar a
ideia de classificação de indivíduos segundo uma espécie de de

Dentro dessa sistematização rácica, existiam os


(arianos, brancos) e os de (índios, negros), sendo estes últimos
considerados (BOLSANELLO, 1996, p.155) a se reproduzirem.
Após a difusão do eugenismo fora do eixo anglo-saxão, podemos observar novos

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Psicanalista e pesquisadora. Pós graduanda em teoria psicanalítica na Faculdade Venda Nova do
Imigrante FAVENI. Pesquisa as áreas de sabjetividades, questões raciais e de gênero e trauma
precoce. marcellabrito.psic@gmail.com.

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recortes e contornos nas políticas e dinâmicas sociais, em especial no Brasil. A
partir dos anos 1980 a interlocução entre ciência, política e sociedade no que
tange os estudos sobre a eugenia entrou na agenda da história das ciências
(SOUZA; WEGNER, 2018, p.332) ampliando um vasto campo para este objeto de
pesquisa, inclusive na area da saúde.
Com o lançamento do livro The Wellborn science: eugenics in Germany,
France, Brazil and Russia escrito por Mark Adams e colaboradores (dentre eles
Nancy Stepan) no início da década de 1990, novas concepções e perspectivas
acerca da historiografia do eugenismo começam a ser pensadas.
Nesse sentido, o filósofo Michael Foucault (1926-1984) nos traz o conceito
biopolítica para engendrar o processo de governabilidade sobre os corpos
utilizando a biologia e a medicina, enquanto instrumento político de dominação e
poderio sobreos processos sociais.
Num primeiro momento é necessário contextualizarmos o cenário
brasileiro no início do período republicano para empreendermos acerca dessa
janela temporal. Na primeira década do século XIX, a ideia de aprimoramento da
raça ganha um grande número de simpatizantes, uma vez que no senso comum
havia a atribuição das mazelas sociais, problemas de saúde pública e o retrocesso
do país à população negra e mestiça. Nessa direção, a teoria eugênica se mostra
como uma espécie de salvação nacional (MACIEL, 1999), sendo absorvida
rapidamente pela medicina, intelectuais e posteriormente pela política como
abordaremos mais adiante.
A prova desse pensamento é o surgimento em 1918 da primeira sociedade
eugenista da América Latina em solo brasileiro: a Sociedade Eugênica de São
Paulo, organizada e presidida pelo médico Renato Kehl (SOUZA, 2016).
A seguir abordaremos a década de 1920. Após a institucionalização do
projeto biológico de regeneração racial, o eugenismo adquiria também um status

desse decenário surgem as primeiras controvérsias dentre o ativismo composto


em sua maioria por médicos, jornalistas e escritores acerca de assuntos como a
imigração e a miscigenação. A questão racial sempre na cerne das discussões da
sociedade brasileira, havia uma grande necessidade de se delimitar uma
identidade nacional para que de fato o expansionismo se consolidasse.
Por último, versaremos sobre os anos 1930, década definida pelo início da
Era Vargas e a instauração de uma governança populista no Brasil. Em
consonância com os ideais ultranacionalistas do Varguismo, um modelo mais
radical de eugenia é introduzido nos dispositivos sociais, psiquiátricos e nas
políticas públicas de diversos setores. Podemos perceber o ápice dos ideais
eugênicos arraigados no aparelho do Estado nas constituintes de 1934 e 1937, o
que influenciou os processos sociais, intelectuais e de saúde no Brasil até a
atualidade.
Nesse sentido podemos dimensionar que a questão racial no Brasil pode ser
refletida para além de uma questão político-ideológica-insituicional, mas também

são apenas a materialização de uma estrutura social ou de um modo de

(ALMEIDA, 2019, p.31).

Eugenia: a panaceia para todos os males no Brasil dos anos 1910.

O início do século XX foi marcado por uma grave crise que transpassava a

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esfera política, econômica, social e sanitária. O fim da escravização no final do
século XIX representou um duro golpe num país que tinha como principal pilar
econômico, a mão-de-obra escravizada. A velha república (1889-1930) enfrentou
grandes e profundos desafios para se estabelecer: decadência econômica, atraso
no modelo de meios de produção, epidemias de malária, cólera, varíola e febre
amarela, além de uma grande população ex-escrava vivendo em condições
insalubres.
Após o trabalho e pioneirismo de cientistas como Oswaldo Cruz (1872-1917),
Carlos Chagas (1879-1934), Adolfo Lutz (1855-1940) no enfrentamento das
chamadas doenças tropicais que assolavam as camadas mais pobres do país; a
ciência e a medicina passaram a ser vista
nacional de modernização (SOUZA; WEGNER, 2018).

branca hegemônica e no meio médico-acadêmico um pensar sob a perspectiva


étnico-racial as mazelas sociais do país; pois para alguns, as epidemias eram
trazidas pelos negros vindos da África; lugar que para estes, era o verdadeiro
berço da degeneração (SCHWARCZ, 1996). Recolocando a questão racial no
centro da insatisfação das elites:

Diante dos crescentes níveis de criminalidade, corrupção, doenças e da


emergência de um proletariado urbano de ex-escravos e imigrantes, as
elites sociais e intelectuais tornaram-se ainda mais pessimistas frente ao
problema racial. (FACCHINETTI, 2012, p. 46)

Segundo Nancy Stepan (2004) o Brasil apresenta uma especificidade face


eugênico anglo-saxão: a disgenia na base da pirâmide populacional;
uma vez que sua composição social era majoritariamente mestiça e não
alfabetizada (STEPAN, 2004). SCHWARCZS (1993) cita que para os europeus, o
povo brasileiro era um exemplo de país degenerado, multirracial e repleto de
doentes (SCHWARCZ, 1993) o que colocava o país em disformia aos ensejos do
Galtonismo.
Podemos pensar o processo de imigração europeia como a primeira grande
medida eugênica no Brasil em meados do séc.XIX, numa tentativa de
demográfico e consequentemente de regeneração social.
Nessa via podemos considerar o cientifismo como um instrumento civilizador, de
controle populacional e de poder, visto que conhecimento científico se restringia à
elite branca:

A ciência tem o poder de produzir um discurso de autoridade, que poucas


pessoas têm a condição de contestar, salvo aquelas inseridas nas
instituições em que a ciência é produzida. Isso menos por uma questão de
capacidade, e mais por uma questão de autoridade. É da natureza da
ciência produzir um discurso autorizado sobre a verdade. (ALMEIDA,
2019, p.45)

Sendo assim imigrante


(MACIEL, 1999, p.127) da nação, deste modo, a necessidade de uma sociedade
encontro aos ideais do movimento eugênico
sendo bem aceito não somente pela
comunidade médica e acadêmica, como por intelectuais e educadores na década
de 1910.
O Brasil foi o primeiro país da América Latina a não somente ter mais
adeptos -científ

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como foi o que obteve maior sucesso em sua institucionalização, tendo sua
primeira sociedade fundada em 1918, a Sociedade Eugênica de São Paulo
(SOUZA, 2016).

A institucionalização da eugenia.

Embora a historiografia aponte a primeira referência a este conceito em


1914 na tese de Alexandre Tepedino na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro
com o título
eugenia
O criador da Sociedade Eugênica de São Paulo, do Boletim da Eugenia
(1929-1933) e autor de diversos livros buscava conceituar, disseminar e popularizar
as propostas do projeto de regeneração nacional, dentre as sugestões de medidas
estava: reformar e ampliar políticas sanitárias, educacionais, o controle matrimonial,
pré natal e de puericultura, além de uma maciça orientação higiênica a população.
O pós primeira guerra despertou um forte sentimento nacionalista (SOUZA, 2006)
e evolucionista na sociedade brasileira, deste modo o caráter de bem-estar
social e progressista atribuído à teoria eugênica se consolidou como uma solução
imprescindível para se assegurar e
A essa altura o tom higienista-progressista do movimento orientado por uma visão
neolamarckista (que inscrevia as condições do meio também como fator
influenciador na genética da hereditariedade) legitimava a intervenção do Estado e
da medicina sobre os corpos (biopolítica) com o objetivo de melhoria social com
uma conotação de a (SOUZA; WEGNER, 2018, p.337), essa
perspectiva conquistara adeptos como o antropólogo Roquette-Pinto especialista
emetnologia brasileira.
As reuniões da sociedade visavam refletir e debater problemáticas sociais e a
realidade brasileira. Para Souza (2006) essa preocupação se confirmava através
das agendas levantas nos encontros:

Saneamento, higiene, educação física, hereditariedade,


degeneração racial, imigração, discussões sobre os males
causados por doenças sífilis, a
tuberculose e o alcoolismo, controle matrimonial e o exame
médico pré-nupcial. (SOUZA, 2006, p. 40)

O que despertou grande interesse da psiquiatria da época, figuras como os


alienistas Juliano Moreira, Henrique Roxo se mostraram favoráveis às medidas
indicadas pela sociedade, especialmente no tocante ao controle natalício dos
doentes mentais. Após a extinção da Sociedade Eugênica de São Paulo em 1919,
Renato Kehl vai para o Rio de Janeiro, a então capital do país, e encontra um novo
refúgio institucional à suas ideologias: a Liga Brasileira de Higiene Mental
criadaem 1923.
Em 1926 a LBHM incorpora medidas segregacionistas na assistência e cuidados
aos doentes, sua direção pressiona o governo a implementar ações como a
solicitação de esterilização dos doentes mentais, além de exigir a proibição de
indivíduos não-brancos em solo nacional, pois relacionavam a decadência moral e
mental dos negros ao alcoolismo e a sífilis (BOLSANELLO, 1996).
Numa tentativa de desenvolver um e da
dos crime, delinquência e prostituição surge com o psiquiatra
Ernani Lopes em 1929 uma nova disciplina psiquiátrica: a Eufrenia. À esta,

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designava intervir no aprimoramento eugênico na mente em indivíduos que

vícios (STEPAN, 2004).


Podemos perceber nitidamente o estilo de eugenia em curso durante a
campanha antialcoólica nos anos 1920; nela, médicos como Afrânio Peixoto
associavam o abuso de álcool à criminalidade, doenças mentais e anomalias em
descendentes dos alcoolistas (STEPAN, 2004).
No fim da década de 1920 havia uma ampla defesa de medidas mais austeras no
combate a esta
sobre bebidas e asilamento especial para alcóolotras crônicos.
Todavia, após o 1º Congresso Brasileiro de Eugenia em 1929, presidido pelo
antropólogo Roquette-Pinto, que teve a participação de vários setores da elite da
sociedade como jornalistas, antropólogos, médicos e deputados do Brasil e
América Latina; as controvérsias entre os participantes do movimento eugênico
começaram a se acentuar. Nesse contexto podemos destacar um dos temas mais
polêmicos da reunião: a questão da imigração.
De um lado tínhamos os defensores da miscigenação como uma estratégia de
Para
eles esse estratagema biológico colocaria fim ao atavismo negro; de outro,

capaz de corromper a população a longo prazo (MACIEL, 1999).


Nesse cenário polarizado surgem duas figuras emblemáticas no que se diz sobre
a história da eugenia no Brasil: Renato Kehl e Roquette-Pinto. Embora
compartilhassem o desejo de modernizar e a da população
brasileira através da ciência, o contraste ideológico entre os dois, no que tange a
operacionalização da teoria, os colocava em lados opostos dentro do
movimento; um adotava uma visão mendeliana (Roquette-Pinto), o outro (Kehl)
uma perspectiva neolamackiana.
Podemos pensar a cerne desses embates a questão racial e o controle
demográfico dos eugenicamente não aptos. Renato Kehl defendia esse controle
através da esterilização de doentes, segregação racial, controle de matrimônios
inter-raciais (pauta esta que fora rejeitada pela igreja católica) e em alguns casos a
de com o
modelo alemão de eugenizar, compõem o que chamamos de
A fundamentalmente anti-racista, representada por Roquette-

2016, p.97), pois ele acreditava que condições do meio

central desta vertente eugênica seria assegurar reproduções conscientes, para se


gerasse independente da raça (SOUZA, 2016), o nascimento
de homens -de-
expansionista brasileiro.
A congruência entre sanear e eugenizar (muito apregoado na década de 1920), a
influência católica nas pautas do Estado e a relação instrucional sanitarista e de
higiene na saúde pública se mostram caraterísticas marcantes no processo que a
historiadora Nancy Stepan (2004) chama de de cunho mais
-sul americano.
Contudo, o episódio brasileiro mostra se um à nessa contextualização
historiográfica, uma vez que percebemos os dois modelos eugênicos atuando em
sinergia nos setores da sociedade. No arranjo brasileiro, nota se um diálogo
intelectual entre Roquette-Pinto e Kehl.
Mesmo em posições antagônicas, em comum havia o entendimento de que a

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instrumentalizou medidas segregacionistas em diversos segmentos da sociedade
brasiliense.
O discurso racista de Kehl pulverizou se nas políticas públicas das décadas

sanitaristas dos anos 1920. Inserindo o Brasil numa posição no mínimo peculiar
frente à proposição de por Stepan.
Ou seja, no caso brasileiro, a eugenia adiquiria uma característica mais
sociológica que biológica, por perder sua essência puramente cientificista, ligada a
ordem genética e de seleção de indivíduos.
O movimento eugênico aqui foi rapidamente absorvido por diversas frentes como a
saúde, especialmente a mental, a educação, direito, educação sexual e a esfera

e ambientais como imprescindíveis para o aperfeiçoamento da hereditariedade

A eugenia na administração pública: a biopolítica da Era Vargas.

Com a ascensão do Varguismo através da revolução de 1930, as relações


sociais e de poder foram restruturadas, assumindo um contorno autoritário. Dentro
desta conjuntura, a eugenia em sua versão mais radical operacionalizava a
xenofobia travestida de nacionalismo, segundo Souza (2012) tinha o objetivo de
desenvolver a formação da identidade nacional brasileira.
Uma das primeiras medidas de Getúlio Vargas foi a nomeação do sanitarista
Belisário Penna (membro do movimento eugênico desde os anos 1910) para
ocupar a direção do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), dando
liberalidade para a implementação de práticas eugênicas nas políticas públicas de
saúde. Nesse interín, Renato Kehl realizava uma intensa articulação de ideias
com diversos setores sociais através do Boletim da Eugenia (1929-1933), a fim de
disseminar a teoria aos leigos e conquistar a opinião pública das elites. De acordo
com Souza (2012, p.18; 19):

A questão racial e as discussões sobre a identidade nacional juntaram-se


aos discursos sobre gênero, higiene, sexualidade, educação eugênica,
alcoolismo e doenças venéreas, entre outros, formando uma agenda
reformista aceita para boa parte da elite brasileira (SOUZA, 2012, p.18-
19).

A era Vargas foi marcada por intensas reformas na saúde e educação, entre
elas a criação do Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública em 1930;
além de iniciativas visando proteger a maternidade e a criança, além da
regulamentação das questões trabalhistas (DA SILVA, 2019) o que assegurava ao
Getulismo um caráter populista.
Embora houvesse avanços no que tange a cidadania através de uma
legislação social que assegurava direitos, havia pouca participação popular no
aparelho político, sendo este um terreno fértil para a sedimentação da eugenia na
coisa pública brasileira.
O ápice desse atravessamento se deu nas constituições de 1934 e 1937,
talvez a legislação mais emblemática nesse sentido esteja na constituinte de 1934
em seu artigo 138. A carta magma brasileira institui a educação eugênica e o
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nacionais, numa referência ao alcoolismo e as doenças que assolavam as ditas

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Contudo, o discurso dos representantes da eugenia negativa representados
por Renato Kehl, que incluíam à esterilização dos
higienização racial, a proibição dos casamentos inter-raciais e consanguíneos e
controle através de exames pré-nupciais foi perdendo força e credibilidade durante
a década de 1930, principalmente por se familiarizar com os ideais nazistas; nesse
tempo, as políticas de extermínio alemãs impactaram o mundo (SOUZA, 2012)
sendo consideradas anti-populares.
Portanto, desvincular a eugenia em sua versão mais radical do discurso
nacionalista, bem como o seu avanço passou a ser uma necessidade
1930. Todavia, o espectro
eugênico continuou permeando as camadas populares através da educação,
saúde e esportes.
Segundo Rocha (2011) o objetivo da permanência de medidas eugênicas
nessas pastas seria o cidadão brasileiro segundo os moldes desenvolvidos
em países europeus, tendo como proposta para o desenvolvimento físico, a
contribuição efetiva para a formação moral e disciplinar do
2011, p.171) viabilizando seu corpo e mão-de-obra para as necessidades do
Estado.

Desta forma, mudanças foram intensificadas em prol do progresso,


visando criar uma sociedade predominantemente branca e alfabetizada,
inspirada nos moldes sociais europeus. Os cuidados em relação à
educação e saúde reforçam-se; inicialmente preocupava-se com as
doenças transmissíveis, principalmente as que possuíam risco de
epidemia, uma vez que atingindo grande número populacional acabaria
afetando a economia (DA SILVA, 2019, p.204).

O governo Vargas ficou popularmente conhecido como defensor dos direitos


trabalhistas, além de criar e implementar políticas públicas importantes para o
desenvolvimento do país. Contudo, grande parte de sua governança mantinha
características politica e econmicamente centralizadas, tratanto com censura os
considerados adversários e controlando as massas.
Ao atender antigos anseios dos trabalhadores, Vargas se legitima através do
populismo, e os ideais eugenistas introjetados no aparelho do Estado travestidos
de políticas publicas se pulverizam entre as camadas populares, e
conseqentemente, atingem todo o estrato social brasileiro.
Ademais, o estilo populista de governo (que perdura aos dias atuais), em
geral, recorre a dispositivos científicos como estratégia para o exercício da
biopolítica enquanto mecanismo que oportuniza a manutenção de poder e
manutenção das disparidades socioeconômicas, que não raramente, implicam
recortes de cor e gênero.
A biopolítca se consitui uma das formas mais sofisticadas de dominação das
massas. Com o avanço industrial e das relações econômicas durante o século XX,
as dinâmicas coloniais ganharam outros contornos; deste modo as técnicas de

genia, restando então a esse sujeito um processo de


desumanização, ou mais além, de transformação em estatítica [ou algorítimo].
Percebemos o legado do eugenismo na biopolítca mais ainda no
contemporâneo, ela se materializa nas estatísitcas da área da saúde e segurança
pública. O Brasil é o 3º no ranking mundial dos países que mais esterelizam
mulheres no mundo, Yamamoto (2011) cita que em 2006 cerca de 29,1% das
brasileiras (predominantemente pobres e negras) se submeteram a laqueadura

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(YAMAMOTO, 2011).
População esta, que em sua maioria, é atravessada pela violência obstétrica
e falta de assistência pós-parto. Leal et al (2017) cita que ao analisarem os
dados de uma pesquisa com 6.689 mulheres, concluiu se que as mulheres negras
recebem menos anestesia na hora do parto em comparação às mulheres brancas.
Podemos pensar que a biopolítica com viés eugenista, se evidencia também
durante a pandemia da Covid19 com a desproporcionalidade de acesso a
equipamentos, tratamento adequado e vacinas. O aparelho eugênico se
reorganiza e [re]articula diante de novas demandas sociais e subjetividades, visto
que as periferias e subúrbios permanecem desprivilegiados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A complexidade do caso brasileiro tem despertado o interesse de


historiadores no campo da história das ciências, em especial da saúde, nas
últimas décadas. A especificidade deste país continental no tocante aos impactos
e desmembramentos da eugenia na sociedade, serve de escopo para pesquisas
multidisciplinares, visto que podemos perceber seus resquícios no cotidiano
brasiliense.

no Brasil; refletido nos processos sociais, nos dispositivos públicos e no flerte com
o totalitarismo aportado em biopolíticas de segregação, silenciamento e
negligenciamento do portador de necessidades especiais, negros e/ou em
sofrimento mental.
A contemporânea pode ser vista através da necropolítica
institucionalizada, direcionada a população negra, periférica e menos abastada, ou
seja, os ensejos das classes dominantes.
Países com sistemas políticos totalitários lideram o ranking mundial de
mortes pelo Sars-cov2. Em geral, estes se valem de um discurso negacionista,
negligenciando a promoção de saúde e assistência aos vulneráveis,
empreendendo um recorte social que perpassa questões de cor, idade e gênero,
característico do Darwinismo social enquanto um dos tentáculos do eugenismo
vigente no séc. XX.
Para fins de conclusão, compreende se que cabe a academia [re]pensar a

história já produzida; inserindo-a num cenário multidisciplinar, uma vez que sua
abrangência perpassa pelos campos da ciência, política e saúde.
Em consonância com Assunção et al (2020, p.8) compactuamos que a
historiografia visa cooptar também registros de um tempo em suas nuances,
especificidades e recortes et al, 2020, p.8)
interligando experiências pregressas ao tempo presente, afim de evitarmos que
retrocessos se repitam.
incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do
(Mark Bloch)

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