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Ivan Ducatti
Doutor em História Contemporânea pela USP/SP
Prof. História Contemporânea (UFF)
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Este artigo é um resumo de outro artigo, já publicado, do mesmo autor. Ver “Referências”.
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Para os apologetas do capital – aí incluídos os eugenistas – deve-se perseguir o sempre a
manutenção da ordem burguesa. Nesse sentido, tais apologetas (acadêmicos, juristas, jornalistas,
médicos, etc) envidam todo o esforço para que a “questão social” seja naturalizada. Para os
apologetas do capital, as saídas possíveis para o enfrentamento da pauperização passam, única e
exclusivamente, pela reforma moral do ser humano e da sociedade. A eugenia seria esse suporte
moralista reacionário, travestido de um falso rigor científico ao responsabilizar a classe
trabalhadora, cada vez mais empobrecida, pela sua própria pobreza. Com isso, escamoteia-se, pela
moralização, a relação capital/trabalho, determinada pela exploração da burguesia sobre a classe
trabalhadora, que no modo de produção capitalista leva, continuamente, à miséria, se esta mesma
classe não consegue reagir aos ataques diversificados do capital para a manutenção da exploração.
Em resumo, a pobreza de cada trabalhador passa a ser um problema e responsabilidade individuais e
não do modo de produção capitalista, cuja dinâmica é a valorização do valor, em detrimento das
condições materiais de vida do proletariado.
A eugenia teve duas vertentes principais: a radical (ou “negativa”), que ia da aplicação da
esterilização (birth control – Inglaterra, Estados Unidos e Canadá) à prática nazista do extermínio
(Alemanha), e a latina (e, por contraste de medidas, conhecida como “positiva”), que visava
controlar e proibir casamentos, administrar partos e puerpérios, etc.
Os eugenistas nazistas propunham uma prática que tivesse como base o programa de
aplicação de cruzamento seletivo para agricultura e pecuária; como um movimento político
reacionário, a eugenia serviu às várias formas de fascismo (para além do nazismo), cujo apoio
esmagador provinha de membros da classe média e da burguesia, que pressionavam os governos
para a implantação de programas de ações que visassem o controle sobre a classe trabalhadora.
O surgimento da eugenia latina deve-se ao fato de o desenvolvimento dessas ideias ter
ocorrido em países de origem latina, Europa e América Latina, onde a Igreja Católica, apesar de ter
mantido forte apoio político aos governos fascistas, colocou-se como opositora política às propostas
de esterilização e extermínio, conforme ordenamento expresso na Carta Encíclica Casti Connubii
(LA SANTA SEDE, 1930), sobre o casamento cristão.
O objetivo da eugenia seria o de buscar o maior número de influências classificadas pelos
seus defensores como “positivas” que pudessem ser empregadas em indivíduos. Segundo os
eugenistas, para atingir essa meta, seriam necessários algumas ações (em nível estatal): (1)
disseminar o conhecimento de leis de hereditariedade, a fim de serem devidamente conhecidas; (2)
fazer investigação histórica das taxas com as quais os vários estratos sociais contribuíram para a sua
população ao longo do tempo; (3) realizar um inventário sistemático dos fatos que mostrassem as
circunstâncias sob as quais originaram as famílias grandes e prósperas; (4) entender as influências
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negativas que afetariam o casamento; (5) persistir em implementar a importância nacional da
eugenia, para que as questões familiares se tornassem matéria acadêmica: a aceitação da eugenia
como matéria acadêmica deve ser assegurada como um estudo esperançoso e muito importante.
Para o marxismo, a análise da eugenia deve partir da análise das concepções irracionalistas
filosóficas do pensamento Ocidental, que surge após a Primeira Guerra Mundial (PGM). O
pensamento científico do final do século XIX e início do XX correspondia à busca da legitimação
do totalitarismo econômico dado pelo imperialismo neocolonial, que teve como expoente o
nazifascismo nas décadas de 1930 e 1940. O irracionalismo, cujas fontes teóricas remontam do
século XIX, jamais alcançou tamanha dimensão como no século XX, pois tratava-se de uma luta
acirrada do grande capital contra a organização dos trabalhadores que ganhavam terreno a partir das
revoluções socialistas. O irracionalismo abarcava teses racistas e discriminatórias (entre elas, a
eugenia), em que vigorava a supremacia do ser humano ariano, a busca do super-homem, segundo o
pensador Georg Lukács.
O ponto culminante da crise da filosofia burguesa se dá com o fascismo, que se ampara na
escola filosófica de Nietzsche. A filosofia da burguesia, imperialista, só pode ser compreendida à
luz das leis capitalistas, pois é “evidente que a influência da estrutura econômica manifesta-se
igualmente no domínio da filosofia” (Lukács, 1967, p. 26). A filosofia burguesa não se propõe
refletir sobre como ocorre “a reprodução ininterrupta e incessantemente cambiante de relações
humanas” (Lukács, 1967, p. 29). A maioria dos intelectuais encontra-se muito distante do processo
do trabalho determinante da estrutura da sociedade capitalista, embora a maioria seja constituída por
trabalhadores assalariados. Em suma, há uma grande distância entre a realidade e o pensamento da
filosofia imperialista.
O elemento importante para a construção do irracionalismo foi a ideia do vitalismo, produto
do pós-Primeira Guerra Mundial, influenciando todo o pensamento das ciências sociais e arte. Essa
influência se deveu à situação social e ideológica da Alemanha imperialista, que era uma tentativa
filosófica de resolver, do ponto de vista da burguesia imperialista alemã, as questões levantadas pela
evolução social, pela classe trabalhadora em ascensão e pelas novas formas da luta. O
irracionalismo sempre se revestiu de um discurso de crise cultural e moral, permitindo desviar a
atenção dos problemas econômicos reais da burguesia, facilmente capturando sua intelectualidade.
Por intermédio do irracionalismo, engendrava-se a crença na eternidade do crescimento capitalista,
rejeitando questões universais, mesmo quando a ameaça concreta dos movimentos dos
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trabalhadores revolucionários colocavam em xeque o progresso do capital, que já havia empreitado
uma guerra de dimensão mundial.
O irracionalismo eugênico permitia aos eugenistas acreditarem na influência do meio físico
na formação e constituição geral dos seres humanos, e os eugenistas afirmavam que, quando uma
pessoa se encontrava em baixa “escala social”, esta já se encontrava em meio ambiente de pouca
salubridade, de alta circulação de pessoas, alterando negativamente a constituição hereditária;
consequentemente isso levaria o indivíduo à incapacidade de se ajustar a uma determinada
sociedade. Ainda que tenham surgido vozes de eugenistas menos refratários à construção do Estado
de Bem-Estar Social (Welfare State) no pós-Segunda Guerra Mundial, os quais poderiam concordar
com o fato de que a melhoria da renda significaria a melhoria da vida da classe trabalhadora, a
culpabilização do indivíduo pela sua miséria não deixou de ser o traço central do pensamento
eugênico.
Concluindo…
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A eugenia, latina ou radical, expressava a necessidade de o grande capital, por intermédio do
fascismo (sua expressão política mais abrupta e violenta), controlar a classe trabalhadora, que se
agitava contra as contradições cada vez mais crescentes desse modo de produção. Considerando,
sinteticamente, que (1) cada modo de produção organiza a vida societal e econômica de povos e
sociedades, e (2) essa organização se expressa na economia política, administrada pelo Estado da
classe dominante, há uma ausência de estudos, que elaborem a eugenia conjugada à economia, que
é elemento básico e estruturante da produção e reprodução da vida social.
Referências
BOARINI, Maria Lúcia e YAMAMOTO, Oswaldo. Higienismo e eugenia: discursos que não
envelhecem. Psicologia Revista, vol. 13, n.1. São Paulo: Educ, p. 59-72. 2004.
DUCATTI, Ivan. A eugenia no Brasil: uma pseudociência como suporte no trato da “questão
social”. Temporalis, 15(30), 2006, 259–280. https://periodicos.ufes.br/temporalis/article/view/10959
GALTON, Francis. Essays in Eugenics. Londres: The Eugenics Education Society, 1909.
HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios: 1875-1914. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.
LA SANTA SEDE. Lettera Enciclica Casti Connubii ai Venerabili Fratelli Patriarchi Primati
Arcivescovi, Vescovi e agli Ordinari Aventi com l´Apostolica Sede Pace e Comunione: sul
Matrimonio Cristiano. Estado do Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 1930.
STEPAN, Nancy Leys. “The hour of eugenics”: race, gender, and nation in Latin America. Ithaca
(EUA), Cornell University Press, 1991.