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Efeitos Biofísicos Indiretos da Pressão

Doença Descompressiva sob uma ótica moderna


de modelos bifásicos

Oswaldo “Wado/Salmão” Monteiro Del Cima

Universidade Federal de Viçosa


Departamento de Física

Instrutor NAUI #48926

1
Um mergulho na Física do Mergulho: das bolhas de
gás à doença descompressiva
Oswaldo Monteiro Del Cima
Instrutor NAUI #48926

I Encontro Sul Brasileiro de Médicos e Líderes de Mergulho


2019

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À memória de Márcio Monteiro...

Márcio Monteiro
NAUI
DAN Brasil
3
Jacques-Yves Cousteau (1910-1997)
Carta aos Mergulhadores
Como todos os seres humanos, nascemos no coração da mãe Terra. Temos braços e pernas, respiramos
oxigênio que entra em pequenos pulmões. Passamos grande parte da nossa vida na posição vertical, que
nos dá uma maior autonomia e conforto na Terra. Vistos superficialmente, somos iguais a todos os seres
humanos.

Mas, analisando um pouco mais fundo, alguma coisa nos faz diferentes. Nascemos com os olhos
acostumados ao azul das águas. Temos um corpo que anseia pelo braço do mar e um pulmão que aceita
grandes privações de ar, apenas para prolongar a nossa vida no mundo azul.

Somos homens e mulheres de espírito inquieto. Buscamos, na nossa vida, mais do que nos foi dado.
Passamos por grandes provas para nos aproximar dos peixes. Transformamos nossos pés em grandes
nadadeiras, seguramos o calor do nosso corpo com peles falsas e chegamos até a levar um novo pulmão em
nossas costas. E tudo isto para quê? Para podermos satisfazer uma paixão, um sonho. Porque nós, algum
dia, de alguma forma, fomos apresentados a um mundo novo. Um mundo de silêncio, calma, mistério,
respeito e amizade. E esta calma e este silêncio nos fizeram esquecer da bagunça e da agitação do
nosso mundo natal. O mistério envolveu nosso coração sedento de aventura.

O respeito que aprendemos a ter pelos verdadeiros habitantes deste mundo, respeito esse que, só
depois de ter sentido a inocência de um peixe, a inteligência de um golfinho, a majestade de uma
baleia ou mesmo a força de um tubarão, podemos compreender.

E a amizade. Quando vamos até o fundo do mar, descobrimos que ali jamais poderíamos viver sozinhos.
Então, levamos mais alguém. E esta pessoa, chamada de dupla, companheiro ou simplesmente amigo, passa
a ser importante para nós. Porque, além de poder salvar nossa vida, passa a compartilhar tudo que
vimos e sentimos. E em duplas, passamos a ter equipes, e estas passam a ser cada vez maiores e mais
unidas. E assim entendemos que somos todos velhos amigos mesmo que não nos conheçamos. E este elo que
nos une é maior do que todos os outros que já encontramos.

E isso faz com que nós, mais do que amigos, sejamos irmãos. Faz de nós, mergulhadores.

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Viçosa – Zona da Mata – Minas Gerais

5
Universidade Federal de Viçosa – UFV

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Universidade Federal de Viçosa – UFV

7
… eis o melhor da UFV??? Não, do universo!!!

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Scientific Diving Unit – DPF-UFV

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Scientific Diving Unit – DPF-UFV

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Mergulho

recreativo comercial militar

científico
segurança pública científico

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A Física...

Experimental
Fenomenologia
Teórica

Computacional

REH = 1,92 x 1010 Km = 128,34


AU
M = 1,29 x 1040 Kg = 6,5 x 109 M⊙
1AU = 1,496 x 108 Km (distância média Terra-
Sol)
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… do menos complexo, o átomo de hidrogênio...

13
… ainda no menos complexo, o átomo de hidrogênio...

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… continuamos no menos complexo, o buraco negro...
Messier 87 (Virgo A, NGC 4486 ou M87): galáxia elíptica
Constelação: Virgo
Distância: 53,5 ± 1,63 Mly (1ly = 9,461 x 1012 Km)
Raio: 490 Kly (Via Láctea: 330 Kly)
Charles Messier (1781)

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… ao mais complexo, o corpo humano... uai sô, mais
complexo por quê?

Corpo humano: sistema físico altamente complexo

➣ matéria mole

➣ matéria biologicamente ativa

➣ matéria viva

➣ matéria humana... Que trem é este?


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… da água (micro)...

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… à água (macro)...

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... e a água (meso)?

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Vamos mergulhar… na Física!!!

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Mas antes, meus amigos médicos, é melhor tomar
Alka-Seltzer na Terra ou na Estação Espacial
Internacional?

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A Física no mergulho
Princípio de Arquimedes → mergulho; navegação;
coletes equilibradores (BCs), cilindros; roupas; lastro...
Fisiologia: parâmetros biométricos (densidade corporal, volume pulmonar...)...

Imersão (E<P) → flutuabilidade negativa


Cota fixa (E=P) → flutuabilidade neutra (imponderabilidade)
Emersão (E>P) → flutuabilidade positiva

Mecânica do continuum → SCUBA (BCs+cilindros+reguladores); nadadeiras; roupas;


modelos descompressivos, dinâmica de bolhas, tabelas e computadores de mergulho... Fisiologia:
barotraumas (orelha, facial, dental, abdominal, pulmonar, ocular...), hiperdistensão pulmonar, embolia
arterial gasosa, narcose, doença descompressiva...

Leis de Newton e leis de conservação; deformação; ondas sonoras;


efeito Doppler; Fluidostática; Pascal {p(z)=patm+ρgz};

Barométrica {p(z)=p0exp(-Mgz/(kT))}; Tensão interfacial;

Laplace {pint=pext+2σ/R}; Viscosidade; Fluidodinâmica;

Força de arraste (f=-αv); Bernoulli; Navier-Stokes;


Poiseuille...

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A Física no mergulho
Termodinâmica → misturas gasosas (ar, nitrox, heliox, trimix...); reguladores; roupas;
modelos descompressivos, dinâmica de bolhas, tabelas e computadores de mergulho... Fisiologia:
barotraumas (orelha, facial, dental, abdominal, pulmonar, ocular...), hiperdistensão pulmonar, embolia
arterial gasosa, narcose, doença descompressiva...

Leis da termodinâmica; Boyle {P~1/V}; Charles {V~T};

Gay-Lussac {P~T}; Avogadro {V~n}; Gases ideais {PV=nRT};

Gases reais {PV=Z(n,P,V,T)nRT}; Graham {r~1/M 1/2};

Dalton {P=Σpi}; Henry {p~c};

Fick-Onsager {J=-D∇c e dc/dt=D∇2c};

Fourier {Q=-k∇T}; Darcy {v=-(κ/μ)∇p}; Einstein {D~T}...

Óptica: → mascáras; máquinas, lentes e flashes para fotosub; lanternas... Fisiologia:


alterações oftálmicas em ambiente hiperbárico...

Reflexão; Refração; Difração; Interferência; Absorção...

Eletromagnetismo: → bússola, sensores de gases...

Campo magnético; Campo elétrico...

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A dinâmica do mergulhador

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O mergulho como atividade:

Meio – Mergulho Científico
➣ Arqueologia Subaquática
➣ Oceanografia
➣ Biologia
➣ Geomorfologia
➣ História
➣ Geologia


Fim – Física do Mergulho

➣ Física (biomecânica, hidrodinâmica...)


➣ Fisiologia (hiperbárica, hipobárica...)
➣ Dinâmica de bolhas
➣ Teoria de descompressão (modelos teóricos (RGBM...) e empíricos)
➣ Equipamentos (reguladores, nadadeiras, BC's, computadores,
sensores de gás, rebreathers...)

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The Bubble Group

Docentes: ✗
Discentes:
➣ Oswaldo M. Del Cima ➣ Paulo C. de Oliveira
➣ Alvaro V. N. C. Teixeira ➣ Leonardo B. Caumo
➣ Hallan S. Silva
➣ Leandro G. Rizzi

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… e as bolhas de gás em nosso corpo?

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Mecanismos de formação de bolhas – macro

Cavitação: processo (~ isotérmico) de “ruptura” da
fase líquida por redução da pressão do líquido.


Ebulição: processo (~ isobárico) de “ruptura” da fase
líquida por aumento da temperatura do líquido.

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Mecanismos de formação de bolhas – micro

Nucleação: processo de natureza estocástica
(flutuações microscópicas) que inicia a formação de
nova fase ou estrutura.

Heterogênea: em interfaces (líquido-sólido, gás-
líquido e gás-sólido)


Homogênea: no corpo da fase (gasosa, líquida ou
sólida)

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Mecanismos de formação de bolhas – micro

Tribonucleação: processo de formação de micro bolhas
de gás devido ao movimento relativo entre o líquido,
contendo gás dissolvido, e uma superfície sólida.

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Mecanismos de evolução de bolhas

Descompressão (compressão): redução (aumento) da
pressão do meio.


Coalescência: fusão de duas ou mais bolhas.

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Mecanismos de evolução de bolhas

Difusão: fluxo de substância (moléculas ou átomos) de
regiões de maior concentração para as de menor
concentração.

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Mecanismos de evolução de bolhas

Contradifusão isobárica:
➣ Difusão de diferentes gases para dentro e para fora
dos tecidos enquanto sob pressão ambiente constante.
➣ Troca isobárica de mistura gasosa: o componente
inerte da mistura inicialmente respirada pelo
mergulhador começa a ser eliminada (off-gassing)
pelos tecidos, enquanto o componente inerte da
segunda mistura começa a ser absorvida (in-gassing)
pelos tecidos.

Não há variação de pressão e os gases movem-se em
sentidos opostos, isto chama-se “contradifusão
isobárica” (Lambertsen and Idicula, 1975; Lambertsen,
1978; Wienke, 2001).
C.J. Lambertsen and J. Idicula, 1975, “A new gas lesion syndrome in man, induced by “isobaric gas
counterdiffusion”, J. Appl. Physiol. 39, 434.

C.J. Lambertsen, 1978, “Advantages and hazards of gas switching: Relation ofdecompression
sickness therapy to deep and superficial isobaric counterdiffusion”, Proceedings of the Symposium
on Decompression Sickness and Its Therapy.


B.R. Wienke, 2001, “Technical Diving in Depth”, Best Publishing Company, Flagstaff
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Mecanismos de evolução de bolhas

Amadurecimento de Ostwald: pequenos cristais
(pequenas partículas) em solução (em suspensão) se
dissolvem e se redepositam sobre cristais maiores
(partículas maiores) – Wilhelm Ostwald (1896).

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Formação e evolução de bolhas de gás


Formação:
➣ Nucleação ⟹ homogênea ou heterogênea
➣ Tribonucleação
Modelos de descompressão


Evolução:
➣ Descompressão (compressão)
➣ Difusão
➣ Contradifusão isobárica
➣ Regeneração
➣ Amadurecimento de Ostwald ?
➣ Coalescência

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… escutando as bolhas dentro de nós???


Ultrasonografia Doppler 1: embolia arterial gasosa#1


Ultrasonografia Doppler 1: embolia arterial gasosa#2


Ultrasonografia Doppler 1: embolia arterial gasosa#3

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Amadurecimento de Ostwald – bolhas de gás

Amadurecimento de Ostwald: transferência de gás de
bolhas menores para bolhas maiores!!!
A “pedra fundamental” do grupo

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As doenças do mergulho e de ambientes
pressurizados


Barotraumas

Embolia traumática gasosa

Doenças descompressivas (I e II)

Narcose pelo nitrogênio

Hipotermia

Hipertermia
✗ Intoxicação por gases (N2, O2, He, CO2, CO...)

Síndrome neurológica das altas pressões

Osteonecrose

Apagamento

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Doença descompressiva

Ambiente hiperbárico ✗
Ambiente hipobárico

Tenho alguns sonhos...


eis dois!!!

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Doença descompressiva: lesões por bolhas

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Doença descompressiva


Tipo I: “the bends” (menor gravidade)
Manifestações dolorosas articulares associadas à impotência
funcional ou manifestações dermatológicas como prurido (coceira),
eritema (vermelhidão da pele) e outros.


Tipo II: “spinal cord” (maior gravidade)
Manifestações cárdio-pulmonares como tosse intensa, dispnéia,
arritmias cardíacas, infarto agudo do miocárdio e parada cárdio-
respiratória; ou manifestações neurológicas, periféricas ou centrais,
que podem ir de distúrbios de comportamento e sonolência à
hemiparesia, hemiplegia, paraplegia, incontinência urinária e fecal, e
ao coma superficial ou profundo.

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Amadurecimento de Ostwald

Bolhas menores podem “alimentar” bolhas maiores!!!

2σ 2σ 1 1
P1= + P amb P2 = + Pamb C r∼ C B : líquido C R∼
r R r R

t
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O experimento


Sistema de bolhas de ar em um fluido com alguns parâmetros reológicos
do sangue humano:
➣ density r
➣ surface tension s
➣ viscosity h


Descrição estatística (evolução temporal):
➣ Radio médio R(t)
➣ Número de bolhas N(t)
➣ Distribuição de raios (frequência) f(R,t)
➣ Distribuição normalizada de raios (probabilidade) p(R,t)

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O experimento

Sangue humano*:

1,00 ≤ ρ ≤ 1,15 (g/cm3)

15 ≤ s ≤ 80 (mN/m)

1,00 ≤ η ≤ 4,00 (mPa.s)
* B.R. Wienke, 2009, “Diving decompression models and bubble metrics: Modern computer syntheses”,
Comp. Biol. Med. 39, 309.

✗ Solução líquida (v/v): 75% glicerol + 25% H2O (deionizada)



r = (1,17 ± 0,01) g/cm3

s = (65,3 ± 0,01) mN/m

h = (34,530 ± 0,002) mPa.s

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O experimento

Câmera conectada
ao PC

Microscópio
óptico
Lente 10x

Câmara de
Mesa de bolhas
deslocamento

Bolhas produzidas (por cavitação) usando-se um


“mixer”

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O experimento: distribuição de raios

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O experimento: distribuição de raios

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O experimento: distribuição de raios

48
O experimento: distribuição de raios

49
O experimento: distribuição de raios

50
O experimento: raio médio R(t)

R (0)=18,42μ m

experiment χ=0,1956 ; K =2,0×10


7

Lifshitz-Slyozov-Wagner

3
K =6,1×10

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O experimento: número de bolhas N(t)

Lifshitz-Slyozov-Wagner

experiment K =6,1×103

χ=0,1956 ; K=2,0×107 ; λ=0,48

R (0)=18,42μ m

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Amadurecimento de Ostwald: uma bolha

raio crítico
RGBM: raio de excitação

R c =10μ m

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Amadurecimento de Ostwald: três bolhas

54
Amadurecimento de Ostwald: cinco bolhas

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Ostwald: 20 bolhas (sem tecido)

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Ostwald: 20 bolhas (tecido off-gassing)

57
Ostwald: 50 bolhas (tecido “lento” off-gassing)

58
Ostwald: 50 bolhas (tecido “rápido” off-gassing)

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Ostwald: 50 bolhas off-gassing “lento” e “rápido”

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“Gedankenexperiment”

Início: 0:00h Fim: 13:00h

tempo do mergulhador ~ 1/8 tempo do experimento


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Bolhas de N2 e o amadurecimento de Ostwald

Objetivos:
✗ Estudar o amadurecimento de Ostwald em bolhas de N2 no sangue e tecidos;

Implementar o mecanismo de Ostwald ao Reduced Gradient Bubble Model
(RGBM)* – em andamento;
* B.R. Wienke, 1989, “N2 transfer and critical pressures in tissue compartments”, Mathl. Comput.
Modelling. 12, 1;

* B.R. Wienke, 1990, “Reduced Gradient Bubble Model”, Int. J. Biomed. Comput. 26, 237;

* B.R. Wienke and T.R. O'Leary, “Reduced Gradient Bubble Model with coupled phase and material
dynamics”, RGBM Technical Series 8, NAUI Technical Diving Operations.


Testar e provar se o amadurecimento de Ostwald contribui para o risco de
doença descompressiva;

Desenvolver tabelas de mergulho e um protótipo de computador.

Desafios:

Complexidade do sangue (fluido não-newtoniano, biologicamente ativo,
particulado, heterogêneo…) e tecidos;

Pesquisar por mecanismos que possam suprimir ou incrementar o mecanismo
de Ostwald.
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Mergulho com CCR (Closed Circuit Rebreather) a
128m (420ft) usando mistura gasosa Heliox 21/79
(21% O2 e 79% He) com tempo de fundo de 15min.

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Tudo vale a pena se a alma não é pequenaValeu a pena? Tudo Pessoa)
(Fernando vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Fernando Pessoa

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