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© Imprensa Nacional-Casa da Moeda


e Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa

título
Meteorológicos
Volume II — Tomo IV
autor
Aristóteles

design da coleção
www.whitestudio.pt
revisão, paginação e conceção da capa
incm
impressão e acabamento
incm

1.a edição
Agosto de 2017
isbn 978-972-27-2422-7
depósito legal n.º 403 924/16
edição n.º 1020487
o b r as c o m p l e tas
de aristóteles

coordenação de
a n t ó n i o p e d r o m e s q u i ta

meteorológicos
volume ii
tomo iv
Projeto promovido e coordenado pelo Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa
em colaboração com o Centro de Estudos Clássicos da Universidade de Lisboa, o Instituto
David Lopes de Estudos Árabes e Islâmicos, o Instituto de Filosofia da Linguagem da
Universidade Nova de Lisboa e os Centros de Linguagem, Interpretação e Filosofia e de
Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra.
Este projeto foi subsidiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
biblioteca de autores clássicos

meteorológicos

aristóteles

t r a d u ç ão, i n t r o d u ç ão e n o tas
c l áu d i o w i l l ia m v e l o s o
com a colaboração de
h i t e s h k u m a r pa r m a r
(universidade de lisboa)

revisão científica
a n t ó n i o p e d r o m e s q u i ta
(universidade de lisboa)

centro de filosofia da universidade de lisboa


imprensa nacional
lisboa 2017
introdução

títul o da obra e objeto de estud o

Meteorológicos é o aportuguesamento de (Peri ton) meteorologikon,


título fornecido por uma boa parte dos códices medievais da obra em
quatro livros atribuída a Aristóteles que aqui traduzimos 1. A tradição
manuscrita e as listas antigas das suas obras atestam também outros,
em particular Meteoros 2. Nenhum deles é devido a Aristóteles, embora
este empregue várias vezes, ao longo do tratado, vocábulos dessa raiz 3.
Para designar o tipo de investigação em questão, Aristóteles usa, uma
única vez, meteorologia, justamente nessa espécie de introdução que é o
capítulo 1 do Livro I (338a26), cuja autenticidade, contestada no passado,
é hoje comummente aceite. Embora essa denominação seja aí fornecida
como tradicional, no restante tratado ela acaba por assumir, de facto,
um significado mais específico. Com efeito, enquanto os predecessores
designavam com o termo meteorologia a consideração das coisas celes-
tes em geral (que, às vezes, está mesmo associada à consideração do
que está «debaixo da terra») 4, nos Meteorológicos estas limitam-se, de
facto, às que se dão numa zona mais restrita, aquela que se situa entre
a terra e o lugar da translação dos astros, e que se caracterizam, sim,

1. Esse título é muito 2. Os catálogos de heterois: ver PA ii 1, 646a15;


antigo, pois é assim que se Hesíquio de Mileto 2, 649a33; GA ii 6, 743a6;
refere aos Meteorológicos o (n. 150) e de Ptolomeu v 4, 784b8.
seu primeiro comentador, Al­‑Garib (n. 43) fornecem,
Alexandre de Afrodísias, respetivamente: Peri 4. Ver, por exemplo, Tales
In Mete. 1.5 Hayduck, bem meteoron e meteoroskopika DK A 2 (= Suda, s. v.);
como Galeno, De nat. e Peri meteoron, ambos em Anaxágoras, DK A 15, 10­‑13
facult. iii 7, 167. Todavia, quatro livros. É oportuno (= Platão, Phdr. 269e);
não é preciso atribuir esse lembrar que, na origem, um Diógenes de Apolónia,
título a Andrónico de «livro» nada mais é senão DK A 4 (= Simplício, In
Rodes, como faz Besnier um rolo de papiro. Ph. 151.20 Diels); Corpus
2003: 315, pois a existência Hipp. Vet. Med. 1, 2 e
da sua edição das obras 3. Mas meteorologikos jamais AAL 2, 3; Eurípide fr. 913
de Aristóteles, ou pelo é usado por Aristóteles, Nauck; Aristófanes, Nub.
menos a sua importância, mesmo fora do presente 228 (cf. 201; 360; Av. 692);
é contestada hoje em dia: tratado. As passagens de Platão, Ap. 18b; cf. 19b;
ver Barnes 1997; Natali outras obras do corpus que Prt. 315c. Sobre a história
2002: 43-45; Rashed 2005, verosimilmente remetem dessa família de vocábulos,
p. cxcvi e seg. para os Meteorológicos ver Capelle 1912a-b e 1913;
(todas para o Livro IV) Besnier 2003: 315.
dizem apenas «alhures», en


meteorológicos

por uma natureza (logo, por uma ordem), mas mais desordenada, em
relação à ingerabilidade e indestrutibilidade dos astros e à regularidade
do seu movimento. O autor da obra não está necessariamente consciente
desse deslocamento semântico, que se consolidou, de facto, mais tarde.
O autor parece, antes, entender pelo termo o estudo das coisas elevadas
ou suspensas sobre a terra, mas acreditando que os seus antecessores as
teriam abordado, erroneamente, de um ponto de vista mais adequado
ao estudo dos factos da região inferior, por não terem distinguido os
quatro elementos dessa região e o elemento próprio à região superior.
Este último, o éter, seria o elemento de que são constituídos os corpos
que se movem em círculo, enquanto aqueles quatro, a saber, terra, água,
ar e fogo, seriam os elementos de que são constituídos os corpos que
se movem a partir do centro, isto é, da terra (ascendente), ou em sua
direção (descendente). Na verdade, contrariamente ao que pretende a
vulgata do pensamento aristotélico, as regiões tradicionalmente chamadas
«supralunar» e «sublunar», embora distintas, não estão separadas — o que
constitui, aliás, a mais importante contribuição dos Meteorológicos para a
sua cosmologia, juntamente com a descrição detalhada da região sublunar
que estes oferecem5. Como Aristóteles deixa claro logo de saída (i 2),
não somente há continuidade entre mundo sublunar e mundo supralu-
nar, mas as rotações celestes são a causa motriz e principal dos factos
meteorológicos, enquanto os quatro corpos elementares (fogo, ar, água,
terra) são causa apenas como matéria 6.

lugar no corpus

Implicitamente já dissemos, pois, o lugar dos Meteorológicos no


corpus aristotélico, o que também está indicado no prólogo (i 1), que,
além de expor a matéria tratada na obra, tanto recapitula o caminho já
percorrido até esta quanto anuncia o caminho a percorrer depois dela.

5. Mas, contrariamente ao plenamente coerente: ver a primeiro motor imóvel de


que acredita Groisard nota 64 ao Livro I. Ph. viii.
2008: 8-9 (a quem devo
tal formulação), isso não 6. Entretanto, não se faz
significa que Aristóteles seja referência alguma ao

10
aristóteles

Os Meteorológicos inserem-se no grande grupo dos tratados de física, isto


é, de filosofia (ou ciência) natural, mais precisamente eles situam-se entre,
de um lado, a Física, o Sobre o céu e o Sobre a geração e a corrupção e,
do outro, os tratados biológicos (de facto, zoológicos, dado que não che-
gou até nós nenhum tratado de botânica de Aristóteles) 7. Nesse sentido,
assim como os meteoros no cosmo, os Meteorológicos ocupam no corpus
físico aristotélico uma posição mediana. E tal posição mediana teórica
tem correspondência concreta na tradição manuscrita 8. O autor considera
como já tratado: as causas primeiras da natureza e o movimento natural
(Física), a translação dos astros e os elementos corpóreos (Sobre o céu), a
transformação desses elementos uns nos outros, bem como a geração e a
destruição (ou corrupção) em geral (Sobre a geração e a corrupção). Em
compensação, o final do prólogo apresenta a investigação meteorológica
como uma transição para o estudo das plantas e dos animais que vivem
na região intermédia. É como se, antes de tratar dos seres vivos terráqueos,
fosse necessário abordar o seu meio ambiente 9, que é, sim, constituído
pelos mesmos elementos que os constituem, mas se caracteriza, como se
disse, por uma certa desordem, e isso não apenas em comparação com
a ingerabilidade e indestrutibilidade dos astros e a regularidade do seu
movimento, mas igualmente em comparação com a finalidade que rege
a constituição dos seres vivos daqui 10.

7. O tratado sobre as 8. Como observa Louis


plantas que os manuscritos 1982: i xx­‑xxi.
atribuem a Aristóteles
seria, na verdade, de um 9. Thillet 2008 fala de
peripatético da época do biosfera (p. 9) e de biótopo
imperador romano Augusto (p. 50). A dependência do
(século i a. C.), Nicolau de ambiente por parte dos
Damasco: ver Drossaart seres vivos, nomeadamente
Lulofs­‑Poortman humanos, é particularmente
1989. Não obstante, esse evidente no surpreendente
tratado remete para os capítulo 14 do Livro I, que
Meteorológicos, sob o trata dos ciclos de inversão
título de peri meteoron entre mares e terras secas;
([Aristóteles], Pl. ii ver Groisard 2008: 19­‑28.
2, 822b33­‑34). Um Mas é preciso lembrar que
tratado sobre as plantas para Aristóteles a vida não
é mencionado nas listas é apenas sublunar: os astros
antigas das obras de (Cael. ii 12) e o próprio
Aristóteles, mas nem por primeiro motor imóvel
isso podemos estar certos (Metaph. xii 7) são seres
da sua existência. vivos, eles também.

10. Ver PA i.

11
meteorológicos

pl ano da obra

A investigação meteorológica atravessa, então, o que há entre a lua


(ou melhor, entre a sua trajetória) e a terra (incluindo certos factos
subterrâneos) e fá-lo grosso modo em ordem descendente. Aqui está um
breve relato dessa descida rumo à terra.
Depois da introdução já evocada (i 1), retomam-se princípios esta-
belecidos nos trabalhos de filosofia natural anteriores, nomeadamente a
distinção entre o éter e os quatro elementos sublunares (fogo, ar, água,
terra), assim como a disposição destes últimos, segundo o lugar natural
(aquele para o qual são naturalmente capazes de se mover) de cada
um: acima de todos (contíguo ao éter), o fogo; abaixo de todos, a terra;
logo abaixo do fogo, o ar; logo acima da terra, a água (i 2-3). Essas quatro
camadas estruturam a exposição meteorológica, mas elas não são puras,
nem estáticas 11. Com efeito, desde o início da exposição meteorológica
propriamente dita (i 4), intervém um princípio explicativo fundamental em
toda essa investigação: a dupla exalação. Sob a ação do calor provocado
pelo sol 12, a partir da terra elevar-se-iam duas exalações diferentes, mas,
pelo menos até uma certa altitude, misturadas: uma vaporosa, que, mais
precisamente, provém da água situada dentro ou na superfície da terra;
outra seca, que provém da própria terra e que é quente, de modo que
a sua natureza é próxima da do fogo. Como princípio material comum
a todos os factos meteorológicos, a dupla exalação também estrutura a
sua exposição, ainda que de maneira secundária. Assim, inicialmente
são examinados os factos que se verificam na zona do fogo e nos quais
está implicada a exalação seca. São eles: «chamas ardentes», estrelas ca-
dentes, «archotes» e «cabras» (i 4); factos noturnos devidos ao reflexo,
tais como «fendas», «fossas» e «cores sanguíneas» (i 5); cometas (i 6-7);
via láctea (i 8).
Em seguida, de maneira bem assinalada, passa-se à camada logo
abaixo, que, na verdade, não cabe exclusivamente ao ar, mas é comum

11. E nem todas são 12. Não dizemos quente, o que constitui uma
perfeitamente esféricas, simplesmente «calor do dificuldade para as suas
pois há que considerar os sol», pois, para Aristóteles, teses: ver Mete. i 4.
relevos da terra; ver i 3, sendo de éter como todos
340b33­‑341a3. os astros, o sol não é

12
aristóteles

a este e à água (i 9). Com efeito, mais do que uma camada, cada um
desses dois elementos constitui como que um grande fluxo que atravessa
uma única camada: um ascendente, o do ar, outro descendente, o da
água. Abre-se, aqui, a secção mais comprida da exposição meteoroló-
gica, na qual podemos identificar três grandes partes, de que as duas
primeiras se deixam, por sua vez, subdividir por grupos de eventos
diferentes. A primeira parte dessa longa secção sobre a zona comum
ao ar e à água concerne a factos devidos (prevalentemente) à exalação
húmida, enquanto a segunda concerne a factos devidos (prevalentemente)
à exalação seca. Na primeira, são examinados, num primeiro momento,
os eventos devidos à condensação: chuvas (i 9), orvalho e geada (i 10);
neve e granizo (i 11-12); e, num segundo momento, os rios (i 13) e os
mares, de cuja formação a exalação seca participa de modo acessório
(i 14-ii 3). Na segunda, são examinados, num primeiro momento, os
ventos (ii 4-6) e os sismos, que daqueles dependeriam (ii 7-8); e, num
segundo momento, as «tempestades», as quais, de maneira secundária,
envolvem também a exalação húmida: trovões e relâmpagos (ii 9); fu-
racões, tufões, turbilhões e raios (iii 1). A terceira grande parte dessa
longa secção ocupa-se de fenómenos que são, sim, devidos ao reflexo,
mas nos quais a exalação húmida está implicada, mais uma vez. Pri-
meiro, são abordados de maneira geral (iii 2), em seguida de maneira
específica: o halo (iii 3), o arco-íris (iii 4-5), o parélio e o «traço de
luz» (iii 6).
A descida em direção à camada da terra é um tanto brusca: dos fo-
tometeoros salta-se para os minerais. Com efeito, a parte final do último
capítulo do Livro III constitui uma breve introdução de uma exposição
de mineralogia (iii 6). Retomando explicitamente o princípio da dupla
exalação, o autor declara pretender falar do que esta realiza quando fica
retida dentro da própria terra e distingue de saída dois tipos de seres,
correspondentes aos dois tipos de exalação: os minérios, orukta, derivados
da exalação seca, e os metais, metalleuta, derivados da exalação húmida.
No término dessa breve introdução, o autor promete uma abordagem de
cada espécie desses dois géneros minerais, mas, pelo menos à primeira
vista, a promessa não é mantida no Livro IV, apesar de este último tratar
essencialmente da mistura ou interação entre a água e a terra. O objetivo
principal desse livro é a explicação da formação, natural ou artificial, do

13
meteorológicos

corpo «delimitado» (iv 1) 13 — coisa que a dupla exalação propriamente


não é —, e isso claramente em vista do estudo da constituição das plantas
e dos animais que vivem sobre a terra.
Com efeito, em grandes linhas, o Livro IV apresenta-se do seguinte
modo: distinção entre qualidades ativas e passivas (iv 1); operações das
qualidades ativas (iv 2-3); propriedades dos corpos delimitados devidas
às qualidades passivas (iv 4); solidificação, secação e liquefação (iv 5-7);
classificação dos corpos delimitados segundo propriedades «secundárias»
(iv 8-9); distinção entre corpos homeómeros e anomeómeros e abordagem
dos primeiros (iv 10-11); homeómeros e anomeómeros na constituição
dos seres vivos (iv 12). Com o Livro IV não se sai, pois, da grande região
cósmica em que se dão os factos meteorológicos, mas apenas se restringe
ulteriormente esse âmbito. No entanto, a mudança de perspetiva é bem
clara: ao abordar o corpo «delimitado», passa-se progressivamente do
meio ambiente (natural e artificial) dos seres vivos terráqueos à própria
constituição desses seres.

au t e n t i c i d a d e

Pelo que nos consta, os Meteorológicos jamais foram objeto de suspeita


explícita de inautenticidade no seu conjunto, apesar de aí encontrarmos
uma grande quantidade de vocábulos que não aparecem em nenhuma
outra obra do corpus aristotélico 14. No entanto, partes dos Meteorológicos
tal como chegaram até nós foram consideradas inautênticas por alguns
intérpretes 15. E isso já na Antiguidade.

13. Ver também iv 4, 382 descreve justamente uma 15. Segundo Ideler 1834:


2­‑4 e 5, 382a22­‑23, com «cozinha natural». O Livro vii, Patrizi 1581: 36 sq.
Pepe 2002: 28 e Groisard IV também é considerado atribui os Meteorológicos
2008: 51 e segs. Os corpos um tratado de «química» ou a um autor posterior
delimitados são concebidos de «físico­‑química». a Aristóteles, mas
como «massas». Nesse provavelmente Patrizi
sentido, é significativa a 14. Ver Thillet 2008: 30 tinha em mente apenas o
recuperação da metáfora e 408­‑415. A explicação Livro IV, segundo Thillet
de Empédocles da «farinha pode ser a de que isso 2008: 24. Nascido na
colada com água» para se deve ao facto de os ilha de Cres (Cherso, em
ilustrar o corpo delimitado Meteorológicos tratarem italiano), Francesco Patrizi
(Mete. iv 4, 382a1). Aliás, de muitos assuntos que (1529­‑1597) era dálmata:
um modelo culinário não são absolutamente o seu nome verdadeiro era
caracteriza o Livro IV, que abordados noutros sítios. Frane Petrič.

14
aristóteles

A afirmação da autenticidade do Livro IV que encontramos em


Alexandre de Afrodísias 16 pode sugerir que havia quem, ao contrário, o
julgasse inautêntico 17, mas ficamos sem saber a sua identidade e os seus
motivos. Olimpiodoro 18 relata que «alguns» duvidavam da autenticidade
do conjunto do Livro I 19 e fornece os motivos. Eram quatro: um estilístico
(a sua clareza, em contraste com a costumeira obscuridade de Aristóteles)
e três doutrinais. Entre os doutrinais, dois estavam baseados na identifi-
cação de teses em contradição com outras sustentadas alhures pelo autor:
(1) a teoria dos raios que partem dos olhos 20 e (2) a explicação do calor
do ar pelo atrito dos raios luminosos solares 21. O terceiro estava baseado
na evidência da falsidade da tese segundo a qual a via láctea seria uma
afeção (pathos) do ar, logo, podemos dizer, um facto meteorológico (no
sentido restrito «pós-aristotélico» do termo) e não astronómico 22. Que este
último motivo corresponda ou não à realidade do texto, ele não tem valor
algum, pois nada impede que Aristóteles defenda uma tese claramente
falsa 23. O segundo motivo doutrinal, como já foi notado por outros,
deve estar mal apresentado por Olimpiodoro, que provavelmente funde
num só argumento duas teses aristotélicas diferentes: a incorporeidade
da luz 24 e a heterogeneidade existente entre os corpos sublunares e o
éter. De qualquer forma, tratar-se-ia, antes, de dificuldades inerentes à
filosofia de Aristóteles, de modo que não constituem um bom motivo.
Não é o caso, porém, do primeiro motivo doutrinal. Na verdade, Mete. i
não pressupõe a existência de «raios visuais», mas essa teoria, que Aris-
tóteles condena noutros sítios, é explicitamente formulada em iii 2-6,
como veremos adiante. Ora, isso deveria ter levado quem duvidava da

16. Alexandre de 21. Ver Mete. i 3­‑4.


Afrodísias, In Mete.
179.3­‑11 Hayduck. 22. Mete. i 8.

17. Ver Viano 2006: 87. 23. De resto, seria o caso da


tese contraintuitiva segundo
18. Olimpiodoro, In Mete. a qual os raios solares não
4.16­‑5.24 Stüve. Ver também são quentes; ver, acima, a
Viano 2006: 49­‑50. nota 12.

19. Ver Olimpiodoro, In 24. Cf. De an. ii 7,


Mete. 4.16­‑5.24 Stüve com 418b3­‑20.
Viano 2006: 49­‑50.

20. Pensa­‑se em Mete. i 8,
345b11; cf. 6, 343a3.

15
meteorológicos

autenticidade do Livro I a duvidar, com mais razão ainda, da do Livro III


ou da de ambos. (Voltarei mais tarde a essa questão.) Aliás, poder-se-ia
dizer algo de semelhante acerca do motivo estilístico da clareza 25. Seja
como for, a tese da inautenticidade do conjunto do Livro I não foi mais
retomada, ao que parece.
Em tempos mais recentes, foi disputado, como antecipámos, o capítulo 1
do Livro I, bem como uma parte (mais ou menos extensa, conforme o
exegeta em questão) do Livro III e, sobretudo, a totalidade do Livro IV.
A autenticidade do capítulo 1 do Livro I foi questionada, na Renascença,
por F. Vimercati 26 e, no final do século xix, (parcialmente) contestada
por E. Martini 27 e F. Susemihl 28, mas defendida, no início do século xx,
por W. Capelle 29, graças a quem, hoje em dia, ela é comummente aceite,
como já dissemos 30. No entanto, a questão da cronologia relativa dessa
introdução (em relação ao resto do tratado) permanece aberta, bem como
a da sua natureza exata: essa introdução exprime uma reflexão inteiramente
retrospetiva que finge anunciar o futuro da pesquisa (ou que anuncia o
que é futuro apenas para o seu público) ou, então, exprime uma reflexão
feita realmente no meio do caminho e que, assim, ignora o que teria sido
concretamente realizado depois?
Que exprima uma reflexão inteiramente retrospetiva ou feita no meio
do caminho, ou até mesmo que seja autêntico ou inautêntico, esse texto
programático atesta uma versão ou um estado dos Meteorológicos. Ora, o
tratado de meteorologia a que se refere seria composto, de facto, apenas
pela totalidade dos Livros I e II e pelo capítulo 1 do Livro III dos Me-
teorológicos tal como chegaram até nós 31. Bem entendido, por si só isso
não implica a inautenticidade das outras partes.

25. Por tudo isso, Viano 26. Vicomercati 1556 apud


2006: 87 acredita que deve Ideler 1834: 317­‑318.
ter havido discussões na
Antiguidade acerca da 27. Martini 1896 e 1897.
autenticidade do tratado
inteiro. Mas uma coisa é 28. Susemihl 1897 e 1898.
certa: quem conhecia as
29. Capelle 1912c.
demonstrações geométricas
do Livro III tal como 30. Sobre esse debate,
chegaram até nós jamais ver Besnier 2003: 316 e
teria invocado a clareza Thillet 2008: 24­‑26.
como argumento contra a
autenticidade do tratado 31. Ver a nota 20 ao Livro I.
inteiro.

16
aristóteles

No que concerne ao Livro IV, o primeiro (de que temos notícias


mais precisas) a questionar a sua autenticidade teria sido F. Patrizi, no
século xvi 32, mas foi no início do século xx que a recusa ganhou força 33.
Não obstante, na segunda metade desse século, graças ao trabalho de
I. Düring 34, acabou por vingar a crença na sua autenticidade e, hoje em dia,
os intérpretes preocupam-se mais com o caráter de transição (da meteoro-
logia para a biologia) desse livro 35, que justamente tem despertado muito
interesse por parte dos estudiosos nas últimas décadas. Por isso contentar­
‑nos­‑emos com uma alusão a esse debate. Os comentadores modernos que
contestaram a autenticidade do Livro IV alegaram, entre outras coisas, a
ausência da causa final (bem característica do pensamento de Aristóteles)
e a presença de uma «teoria dos poros» (que se supõe em contradição
com GC i 9). (Alguns deles atribuem a autoria a Estratão de Lâmpsaco
ou a um discípulo de Teofrasto que teria trabalhado a partir de cursos de
Aristóteles 36.) Ora, esses argumentos são, na verdade, inconsistentes: nas
notas esclarecemos as passagens que deram origem a tal desconfiança,
sem necessidade de as tratar aqui 37. Quanto a nós, diremos que, ainda
que fosse de outrem, o Livro IV está de acordo com as conceções físicas
gerais que Aristóteles expõe noutras obras e que não subsistem outros
elementos sérios que deponham contra a sua autenticidade.
Uma questão diferente é a de saber se o Livro IV pertence ou não aos
Meteorológicos e outra ainda, caso não pertença, se está ou não bem colo-
cado no corpus de filosofia natural 38. Elas já se punham na Antiguidade,
pois, embora o julgasse autêntico, Alexandre de Afrodísias considerava
que o Livro IV não pertencia ao tratado meteorológico e constituía, antes,
um complemento do Sobre a geração e a corrupção 39. Em princípio, tal

32. Ver, acima, a nota 15. quem os capítulos 8­‑9 (onde 39. Alexandre de


são mencionados os poros) Afrodísias, In Mete.
33. Para uma reconstituição seriam, porém, do próprio 179.3­‑11 Hayduck.
desse debate, ver Louis Teofrasto. Olimpiodoro, In Mete.
1982: i x­‑xviii; Besnier 5.24­‑6.30; 273.21­‑274.1
2003: 318­‑319; Viano 2006: 37. Ver respetivamente as Stüve não concordava com
106­‑109; Thillet 2008: notas 244 e 150 ao Livro IV. Alexandre e, segundo o que
25­‑32. Ver também Pepe 1978 se lê em Olimpiodoro, In
e 2002 e Besnier 2003: Mete. 6.19­‑30, tão­‑pouco
34. Düring 1944.
318­‑319. Amónio. Quanto a João
35. Ver Furley 1983. Filópono, ver, adiante, a
38. Para uma reconstituição nota 46.
36. Respetivamente, desse outro debate, desde
Hammer­‑Jensen 1915 e a Antiguidade, ver Viano
Gottschalk 1961, para 2006: 79­‑109.

17
meteorológicos

colocação não é de todo descabida 40, mas o objeto principal do Livro IV,


o corpo (naturalmente ou artificialmente) «delimitado» 41, constitui uma
novidade em relação tanto a GC (i-ii) quanto a Mete. i-iii (à parte, talvez,
o final de iii 6, de que tratarei logo), de modo que a colocação atual
parece mais feliz 42. Ademais, o prólogo do Livro I dos Meteorológicos
não faz alusão ao Sobre a geração e a corrupção como se este englobasse
o assunto do Livro IV. E se a razão desse silêncio reside no facto de o
Livro IV ter sido composto apenas num segundo momento e depois da
composição, ou pelo menos da conceção, dos três primeiros livros dos
Meteorológicos, a colocação após estes últimos parece mais apropriada,
se fosse preciso inseri-lo numa única sequência. Mesmo para um editor
posterior que se encontrasse diante dos três textos, essa ordem (GC i­‑ii,
Mete. i-iii, Mete. iv) seria a melhor escolha, ainda que não existisse o
prólogo. De qualquer forma, há que reconhecer 43 que, por tratar da
interação da terra e da água, o Livro IV também está muito bem onde
está, ou seja, depois de Meteorológicos i-iii e antes dos tratados bioló-
gicos. Aliás, ainda que o Livro IV fosse inautêntico, tal colocação no
corpus seria uma boa escolha. No entanto, contrariamente ao que alguns
exegetas recentes parecem crer, o reconhecimento da oportunidade dessa
sua colocação, mesmo associado à aceitação da sua autenticidade, não
implica a sua inclusão na meteorologia 44, pelo menos não segundo o
plano inicial, que justamente não parece conter referência alguma a esse
estudo. O plano inicial prevê, sim, um estudo sobre os seres vivos, mas
não uma introdução geral sobre o corpo «delimitado». Nesse sentido, a
nossa opinião é a seguinte: o Livro IV pode ocupar com legitimidade o

40. De resto, Diógenes 41. Para além das duas e natureza, como é dito
Laércio v 23 menciona questões levantadas, em Mete. iv 3, 381a9­‑12;
um Sobre os elementos em Thillet 2008: 34­‑37, 381b3­‑7.
três livros, que poderia ser como outros exegetas,
o nosso Sobre a geração e a insiste também no caráter 42. Ver Viano 2006: 92­‑100,
corrupção com o acréscimo tecnológico ou técnico a propósito do comentário
do nosso Mete. iv. Mas o do Livro IV. Ora, isso de Olimpiodoro.
termo «elemento» também excluí­‑lo­‑ia não apenas da
pode ter um sentido investigação meteorológica, 43. Com Groisard 2008:
lógico ou dialético. Outros mas da inteira investigação 11.
conceberam o Livro IV física, já que esta é
44. Para uma posição
não como a prolongação teorética, como diz
próxima da nossa, ver
do Sobre a geração e a explicitamente Metaph. vi
Viano 2006: 7­‑20; 109­‑113.
corrupção, mas como uma 1. Na verdade, quanto ao
formulação precoce desse processo produtivo, não
tratado. há diferença entre técnica

18
aristóteles

lugar que lhe é atribuído no corpus, mas não faz parte da investigação
meteorológica propriamente dita e constitui, assim, uma obra autónoma,
embora introdutória 45.
Muito menos discutida é a questão da autenticidade do Livro III,
apesar de este pôr ao exegeta dificuldades muito sérias, deixando de
lado o capítulo 1, que se encontra em plena continuidade com o Livro II.
Comecemos pelo fim, isto é, pelo final do capítulo 6.
A exposição mineralógica de iii 6 não contém doutrinas que estejam
nitidamente em contraste com as conceções físicas de Aristóteles, embora
o texto seja muito curto para uma verdadeira apreciação. Ademais, essa
exposição une-se bem à exposição meteorológica anterior — para dizer a
verdade, principalmente ao capítulo 1 do Livro III. Por conseguinte, em
princípio, não há razão para duvidar da paternidade aristotélica. Todavia,
o estudo que o final de iii 6 empreende, por um lado, não está realmen-
te anunciado no texto programático do início dos Meteorológicos (i 1)
e, por outro, apresenta uma conexão problemática com a continuação.
Com efeito, embora sejam mencionados minerais no Livro IV (ver 10,
388a13-15), é difícil, como se viu, identificar o estudo anunciado no final
de iii 6 (cada espécie de «minério» e de «metal») com o do Livro IV
(a formação dos corpos «delimitados») 46, apesar de este último parecer
remeter para o final de iii 6, a propósito da exalação 47. Embora se possa
dizer que a doutrina da dupla exalação subjaza à exposição do Livro IV,
ela não desempenha aí um papel de organizador e a distinção entre
«minérios» e «metais» não tem aí nenhuma importância particular 48.
O corpus aristotélico que possuímos não contém nenhuma obra sobre os

45. Essa já era, pelo que 2003: 317, tal afirmação, por si só essa remissão
entendemos, a posição que se encontra no seu indica, no máximo, que
de Baffioni 1981: em comentário do início do o autor do Livro IV é o
particular, 30. prólogo de i 1, é uma mesmo que o do final de
antecipação do conteúdo iii 6.
46. Contrariamente a dos livros seguintes, de que
Alexandre de Afrodísias, não nos chegou nenhum 48. Ver Besnier 2003: 317.
In Mete. 178.12­‑15 Hayduck, comentário seu, se é que o
e Olimpiodoro, In Mete. escreveu. Por conseguinte,
266.33­‑36 Stüve, João não há que supor que João
Filópono, In Mete. 3.14­‑19; Filópono conhecesse um
8, 37­‑9.1 Hayduck (cf. In Ph. outro Livro IV.
1, 22­‑2, 2 Vitelli), acredita
que o Livro IV trate dos 47. Ver iv 8, 384b34, que
«minérios» e dos «metais», parece remeter para iii 6,
mas, como observa Besnier 378a15­‑b6. Bem entendido,

19
meteorológicos

minerais, mas são atribuídas obras sobre o assunto a Teofrasto 49. Logo,


seria possível que o final do Livro III se referisse a trabalhos de Teofrasto
ou de outros membros do Liceu; de resto, também já houve quem tenha
pensado que o Livro IV é de algum outro peripatético e que constitui,
talvez, uma reelaboração de cursos de Aristóteles. Por outro lado, não
é necessário supor que, no momento da redação do final de iii 6, tais
trabalhos já estivessem realizados, de modo que tão-pouco é necessário
assumir que esse texto seja inautêntico 50. Por conseguinte, não se pode
excluir que o final de iii 6 seja um acréscimo posterior, ainda que devido
a Aristóteles, que anuncia um estudo mineralógico que foi muito cedo
perdido ou que foi em seguida abandonado, por razões contingentes e/ou
teóricas. Provavelmente, um estudo aprofundado sobre os minerais não
era uma prioridade investigativa, como o não era um estudo aprofundado
sobre as plantas. Seja como for, o Livro IV constituiria para um estudo
mineralógico mais uma introdução (exatamente como para os estudos
botânico e zoológico) do que uma prolongação.
No que concerne ao núcleo do Livro III, a situação é bem diferente.
O texto do capítulo 5, que fornece uma explicação geométrica da for-
ma-tamanho do arco-íris, está claramente corrompido. Embora já exista
consenso entre os intérpretes mais recentes acerca do caráter interpolado
desse capítulo, a determinação da extensão exata das interpolações varia
conforme cada intérprete, e um mesmo intérprete pode até levantar
hipó­teses diferentes. E mais. A grande interpolação central no capítulo 5
parece ter sofrido, por sua vez, interpolações ulteriores. O estado atual do
capítulo 5 seria, pois, o resultado de uma concatenação de várias anotações
marginais que foram progressivamente integradas no corpo do texto 51.
Mas o Livro III põe ao exegeta um problema ainda mais sério: toda
a abordagem dos fotometeoros devidos ao reflexo nas nuvens dos capí-
tulos 2-6. Esta é problemática por duas razões principais.
A primeira é a posição de iii 2-6: a abordagem desses fotometeoros não
se encaixa bem no plano da obra, acima exposto. Com efeito, na medida

49. Sobre as tentativas, por Teofrasto temos um Sobre 50. Como observa Besnier


parte da tradição medieval, as pedras (De lapidibus, 2003: 318.
de preencher essa lacuna, editado por Eichholz
ver ainda Besnier 2003: 1965). 51. Ver Vitrac 2002: 266.
317­‑318. Atribuído a

20
aristóteles

em que os fotometeoros aí examinados se relacionam com a exalação


húmida, essa abordagem deveria encontrar-se não numa terceira grande
parte da longa secção sobre a região comum ao ar e à água, mas na sua
primeira grande parte 52. É verdade que, segundo os Segundos Analíticos 53,
o arco-íris é objeto de confluência das ciências física, óptica e geométrica
e que, nesse sentido, o seu exame extrapola a investigação meteorológica
propriamente dita, o que poderia justificar um tratamento à parte. No
entanto, os fotometeoros devidos ao reflexo que se dão na camada do
fogo são examinados juntamente com os outros factos que se verificam
nessa região (i 5). De qualquer forma, contrariamente ao exame destes
últimos, um «apêndice» da investigação meteorológica como seria iii 2-6
não está anunciado no plano inicial (i 1).
A segunda razão (mas primeira por ordem de importância) é o facto
de a abordagem de iii 2-6 estar baseada na noção de opsis, «vista», en-
tendida como «raio visual» ou «vista externa», mencionada a partir do
final do capítulo 2 (372a29) 54. Com efeito, o reflexo que seria a causa
dos fenómenos que aí serão examinados não concerne propriamente à
luz externa 55, mas sim aos «raios» que, supõe-se, saem do olho, permi-
tindo a visão. Isso poderia constituir uma particularidade suplementar e
justificar um tratamento à parte de tais fenómenos, mas o problema é
que tal teoria, para além do espanto que pode suscitar, é rejeitada com
firmeza por Aristóteles nos textos em que expõe a sua teoria da visão.
Essa dificuldade levou W. R. Knorr 56 a suspeitar da autenticidade de toda
a parte central do Livro III. A ideia da inautenticidade (quase global)
do Livro III foi rejeitada por B. Vitrac 57, mas os seus argumentos não
são probantes. É inegável que o reflexo aparece em vários momentos
anteriores dos Meteorológicos 58, mas, antes de iii 2-6, jamais Aristóteles
deixa entender que concebe ele mesmo o reflexo como um reflexo da

52. Ainda que em termos 55. De resto, o autor ignora 344b1­‑18; 8, 345b9­‑31; 12,
diferentes, esse facto é a refração ou, pelo menos, 348a14­‑20; ii 9, 370a10­‑21.
notado por Louis 1982: não a distingue claramente
xxviii­‑xxix, que fala do reflexo.
de «parte suplementar»,
mas sem suspeitar da sua 56. Knorr 1986: 102­‑108.
autenticidade.
57. Vitrac 2002: 243­‑244.
53. APo. i 13, 79a10­‑13.
58. Mete. i 3, 340a24­‑32; 5,
54. Ver Merker 2002: 342b1­‑14; 6, 342b35­‑343a20;
183­‑238. 343a26­‑30; 343b4­‑7; 7,

21
meteorológicos

«vista externa», contrariamente ao que acreditavam também aqueles


exegetas antigos que duvidavam da autenticidade do Livro I em virtude
da presença dessa teoria 59.
De facto, há uma contradição claríssima entre Meteorológicos iii 2-6 e
a teoria da visão exposta no Sobre a alma 60 e principalmente no Sobre os
sentidos e os sensíveis 61, onde Aristóteles critica duramente a teoria dos
«raios visuais» exposta por Platão no Timeu 62, teoria que Aristóteles parece
atribuir também a Empédocles, assim como, nos próprios Meteorológicos,
ao matemático Hipócrates de Quios 63. Poder-se-ia, na linha dos comen-
tadores antigos, tentar evitar ou neutralizar a contradição entendendo
por «vista» o lugar geométrico da visão, representado por uma linha nos
tratados de óptica 64. No entanto, a «vista» de que se fala na continuação
tem uma realidade física que não é apenas a de um corpo intermediário
totalmente externo ao observador, apesar de a sua natureza exata perma-
necer indeterminada. Aristóteles teria, pois, mudado de opinião?
Não podemos excluir tal possibilidade, mas é difícil dizer em que
direção a mudança de opinião teria ocorrido. Nem a menção de ob-
servações astronómicas nos Meteorológicos 65 nem a possível remissão
para o Sobre os sentidos e os sensíveis que será feita logo em seguida 66
permite estabelecer com certeza que a abordagem de iii 2-6 é poste-
rior 67. Se houve mudança de opinião, é mais provável que se tenha dado
no outro sentido, pois uma aceitação, ainda que parcial, da teoria dos
«raios visuais» deveria ter determinado uma modificação nos outros dois
tratados 68. Com efeito, isso representaria uma mudança radical na teoria
da visão e da sensação em geral, enquanto o contrário não teria maiores
consequências para a explicação dos fenómenos meteorológicos devidos
ao reflexo, não fazendo, por exemplo, diferença se os «raios» viessem
dos objetos vistos 69. Além disso, dado que a abordagem de iii 2-6 não

59. Olimpiodoro, In Mete. 64. Como sugere Groisard 66. Mete. iii 2, 372b9­‑11.


4.16­‑5.24 Stüve. 2008: 268­‑269, n. 2, Ver também a nossa nota a
seguindo Alexandre essa passagem.
60. De an. ii 7; cf. iii 12, de Afrodísias, In Mete.
435a4­‑10. 67. Contrariamente ao que
141.3­‑20 Hayduck e
pretende Merker 2002:
61. Sens. 2, 437a10 e seg. Olimpiodoro, In Mete.
184, n. 3.
4.27­‑5.10 Stüve.
62. Ti. 45b­‑e. 68. Ver também APo. i 13,
65. Ver Mete. i 6, 343b30; 7, 79a10­‑13.
63. Mete. i 6, 342b35­‑343a20 345a1­‑5; iii 2, 372a28­‑29,
e 8, 345b9­‑12. com as nossas notas. 69. Ver Sens. 2, 438a4­‑5.

22
aristóteles

só não está anunciada no início da obra como se encaixa mal no plano


efetivamente seguido, dever-se-ia supor que esse bloco constitui não um
apêndice, mas material velho. Mas como explicar que esse material velho,
que, aos olhos do Aristóteles do Sobre a alma e do Sobre os sentidos, está
baseado numa verdadeira idiotice, tenha acabado por ser anexado à obra
final sem ser atualizado ou substituído por uma nova versão realmente
integrada na obra? Ou será que nos Meteorológicos não houve realmente
mudança de opinião, mas apenas uma adoção ad hoc da teoria da «vista
externa», como sustenta A. Merker 70?
Para Merker 71, a «teoria normal» de Aristóteles acerca da visão seria
menos apta a dar conta das imagens especulares, e, por conseguinte,
dos fenómenos devidos ao reflexo, do que uma teoria baseada na «vista
externa», na medida em que a segunda não obriga a supor a «realidade»
da imagem especular. Merker acredita até que já no Sobre os sentidos
Aristóteles reconhecia o valor da teoria da «vista externa» na explicação
das imagens especulares, no interior da sua crítica a Demócrito. Embora
a tese de Merker tenha conquistado a adesão do mais recente tradutor
francês dos Meteorológicos 72, ela não é irresistível.
Em primeiro lugar, não se compreende onde reside a vantagem da
teoria da «vista externa» para a explicação da imagem especular e, por
conseguinte, dos fenómenos meteorológicos devidos ao reflexo, nem em
que sentido essa teoria faria a imagem especular «volatilizar-se» (como
diz Merker), se é verdade que a «vista externa» tem uma realidade física.
De facto, Merker sobrepõe duas noções distintas: «vista externa» e re-
flexo. A independência destas é ilustrada pelo próprio Platão: apesar de
aceitar a «vista externa», ele não explica a imagem especular pelo reflexo,
mas sim pelo encontro, no espelho, da «vista externa» e de um outro
fluxo, proveniente dos objetos 73. Não obstante, é possível que alguém
tenha empregado ambas as noções. Quanto a Aristóteles, a sua «teoria
normal» apresenta, sem dúvida, lacunas e dificuldades, nomeadamente
no que tange ao papel do «diáfano», mas, como reconhece Merker, essa
teoria está longe de excluir a noção de reflexo. Ela exclui que a imagem

70. Merker 2002: 184­‑191; 72. Thillet 2008: 37­‑39.


195­‑201.
73. Ti. 46a­‑c.
71. Merker 2002: 196.

23
meteorológicos

especular seja produzida pelo reflexo de uma suposta «vista externa», o


que significa que o reflexo é implicitamente atribuído à luz, a qual seria
«o ato do diáfano enquanto diáfano». Assim, o que divide Aristóteles e
os defensores da teoria da «vista externa» não é nem necessariamente o
reflexo nem propriamente a realidade da imagem especular.
Em segundo lugar, não se compreende porque é que Aristóteles não
poderia ter aplicado aos fenómenos meteorológicos uma teoria da imagem
especular que pressupusesse a sua «realidade». Em Mete. i 7, 344b6-8, a
propósito da diferença entre cometa e halo, ele distingue, sim, «refletir-se»
e «aparecer sobre», mas o reflexo não é apresentado como algo desprovido
de realidade, ou como uma «propriedade solta», o que seria inconcebível
na ontologia aristotélica; em todo o caso, isso não constituiria um objeto
de estudo da filosofia natural 74.
Em terceiro lugar, mesmo admitindo que a teoria da «vista externa»
apresentasse realmente uma vantagem para a explicação desses fenó-
menos, nada, afora Mete. iii, nos obriga a crer que Aristóteles tenha
reconhecido essa vantagem. Merker pura e simplesmente compreende
mal a crítica dirigida a Demócrito no Sobre os sentidos. Demócrito afir-
maria que a visão é a imagem (emphasis) que se produz no olho, ao que
Aristóteles responde que a visão não está aí, mas naquele que vê e que
esse fenómeno é um reflexo. Ora, contrariamente ao que crê Merker 75,
Aristóteles não quer dizer que a visão está naquele que vê o olho em
que se reflete a imagem (e que desse modo funciona como um espelho),
mas sim que está no ser que, graças à sua «alma», é capaz de ver por
meio do olho, mero sensório periférico. Por isso, Aristóteles observa que
é estranho que Demócrito não se tenha perguntado porque é que apenas
o olho vê e não as outras coisas em que aparecem tais imagens (eidola).
Por conseguinte, mesmo de um ponto de vista aristotélico, a teoria da
«vista externa» não é indispensável para a explicação dos fotometeoros

74. Ver a nossa nota 27 ao mas também produz algo diferenças, enquanto a


Livro III. O único outro (ou ‘age de algum modo’) questão do contexto em
lugar do corpus em que e move­‑o, como também que está inserida é, antes, a
se parece defender a ideia as coisas brilhantes». Mas permanência das sensações.
de «vista externa» é De toda essa passagem, que Ver também Preus 1968 e
insomn. 2, 459b24­‑460a33, também fala de espelhos, Sprague 1985.
em particular 460a1­‑2 (cf. é suspeitada de ser uma
459b27): «a vista não apenas interpolação, pois ela trata 75. Merker 2002: 190­‑191;
padece algo por efeito do ar, da sensação de pequenas cf. 197.

24
aristóteles

em questão. Mas admitamos ainda que Aristóteles tenha reconhecido a


alegada vantagem da teoria da «vista externa»: porque é que tal reconhe-
cimento não o levou, então, a abandonar a sua própria teoria da visão?
Ou seja, porquê atribuir-lhe essa espécie de oportunismo teórico? Bem
entendido, seria inútil invocar a diferença de objetos de estudo entre o
presente texto (certos fenómenos luminosos) e os outros dois (a visão),
pois o oportunismo permaneceria.
A tese de Merker deve, pois, ser rejeitada.
Mas resta-nos uma saída: considerar que a abordagem dos fenómenos
devidos ao reflexo, pelo menos a partir de 2, 372a29, não é de Aristóteles,
o que, aliás, poderia explicar a sua colocação nesse local.
Uma razão suplementar, relativa à história da exegese, vai nessa di-
reção. Como se viu, segundo Olimpiodoro, alguns exegetas duvidavam
da autenticidade do Livro I em virtude da suposta presença da «vista
externa». Como também observámos, apesar de não ser verdade, isso
deveria tê-los levado a duvidar a fortiori da autenticidade do Livro III.
Ora, se não o fizeram, não seria porque não conheciam iii 2-6? Ou será
que Olimpiodoro se engana e que eles duvidavam da autenticidade do
Livro III ou também da do Livro III?
Dado que o texto lido pelo primeiro comentador dos Meteorológicos,
Alexandre de Afrodísias (séculos ii-iii d. C.), contém a abordagem de
iii 2-6, a sua integração no corpus deve ter ocorrido muito cedo. Ade-
mais, a teoria da «vista externa» parece presente nos pseudoaristotélicos
Problemas, onde se sugere que o arco-íris é uma «afeção da vista que
se reflete» 76. Por conseguinte, é provável que o autor seja um membro
do Liceu — contemporâneo e/ou pouco posterior a Aristóteles — que
justamente aceitava a teoria da «vista externa». Obviamente, é impossí-
vel identificar esse autor, mas é legítimo pensar em Eudemo de Rodes,
que se ocupou de matemática 77. Com efeito, a teoria da «vista externa»
parece ter sido unânime entre os matemáticos gregos antigos. E, se efeti-
vamente Aristóteles não é o autor da abordagem dos fenómenos devidos

76. [Aristóteles], Pr. xii 63, 19 Diels; Proclo, In (Teorema XXII), XLIV


3, 906b6. Eucl. El. i, Proposições (Problema XII).
XXIII (Problema IX); XXVI
77. Ver Simplício, In Phys. (Teorema XVII); XXXII
9, 55, 23; 60, 22; 27; 29;

25
meteorológicos

ao reflexo da «vista externa» de iii 2-6, os Meteorológicos ensinam, não,


como pretende Merker 78, que «na época de Aristóteles, um filósofo que
não compõe, ele mesmo, um tratado completo de óptica geométrica pode
confiar nos tratados que tem à sua disposição», mas sim que, apesar da
existência de uma certa divisão do trabalho intelectual 79, um «filósofo»
pode não confiar cegamente nos estudos especializados de outrem e
questioná-los, pelo menos quando estes defendem teses que extrapolam
a sua especialidade e que lhe parecem aberrantes 80.
Se os capítulos 2-6 não são de Aristóteles, eles ensinam também,
juntamente com o capítulo 5, algo sobre o próprio corpus, em particu-
lar sobre as obras ditas acroamáticas: tratar-se-ia de material didático
constantemente enriquecido 81. O Livro III testemunharia, assim, o seu
caráter, por assim dizer, vivo, ou seja, de contínuo uso e apropriação, já
observado por J. Irigoin 82, que compara o corpus aristotélico aos tratados
técnicos antigos.

d ata ç ã o

As datações já propostas para os Meteorológicos podem variar sen-


sivelmente e divergir para os Livros I-III e o Livro IV 83. Na verdade,
elas dependem, em larga medida, da prévia interpretação geral de cada
intérprete. Uma base mais segura seria o uso das menções de factos
históricos ou de observações astronómicas na obra, mas tão-pouco estas
permitem estabelecer uma data de composição precisa. A data identifi-
cável mais recente seria a de uma observação astronómica pessoal, que
teria ocorrido na noite de 5 de dezembro de 337 a. C. 84 Ora, esse dado

78. Merker 2002: 187. constituiria o único texto de 82. Irigoin 1997: 188­‑189.


óptica geométrica anterior
79. Sobre a «divisão do à Óptica e à Catóptrica 83. Para ter uma ideia, veja­
trabalho» no interior do atribuídas a Euclides que ‑se, por exemplo, o quadro
Liceu, em particular em chegou até nós. de Mesquita 2005: 577,
relação às matemáticas, ver que não é completo.
Besnier 1996: 26. 81. O caráter didático dos
Meteorológicos é atestado, 84. É o que estabelecem
80. De qualquer forma, a aliás, pelas várias referências Cohen e Burke 1990, a
explicação geométrica da a desenhos mostrados aos partir da observação da
forma do halo e do arco­‑íris ouvintes: ver Mete. i 8, conjunção de Júpiter e de
que é fornecida no Livro III 346a2; ii 5, 362a35; iii 3, uma estrela da constelação
e que justamente se baseia 373a18; 5, 375b18, com as de Gémeos, mencionada em
na teoria dos «raios visuais» nossas notas ad locum. Mete. i 6, 343b30.

26
aristóteles

autoriza afirmar simplesmente que até essa data o trabalho ainda não
estava totalmente acabado, mas nada nos diz sobre quando a sua redação
foi iniciada ou concluída. Com efeito, os Meteorológicos, mesmo limitados
aos Livros I-III 1, podem ter sido compostos ao longo de muitos anos e
ter sofrido várias revisões, como as outras obras do corpus 85.

manuscritos

O texto grego dos Meteorológicos chegou até nós, parcial ou integral-


mente, em cerca de sessenta manuscritos (sem contar o que se pode extrair
dos comentários gregos antigos), nos quais raramente se encontra sozinho
e dos quais alguns possuem o conjunto das obras de filosofia natural de
Aristóteles. Os dois códices mais importantes — enquanto independentes
um do outro, apesar de descenderem de um ancestral comum — são
ambos pergaminháceos e de origem constantinopolitana: o Vindobonensis
philologicus et philosophicus graecus 100 (por volta de 850) 86, também
designado pela sigla J, e o Parisinus graecus 1853 (século x) 87, também
designado pela sigla E. Destes dois dependem todos os outros, que assim
se dividem em duas famílias 88.

p osteridade d o texto

Os Meteorológicos tiveram uma posteridade notável, como mostra


inclusive o número de manuscritos gregos de que dispomos. A Teofrasto,
sucessor imediato de Aristóteles na direção do Liceu, a tradição atribui duas

85. Thillet 2008: 47 87. Os Meteorológicos


acredita que a obra não foi ocupam os fólios 129
escrita antes de 335 e que reto­‑175 verso.
o Livro IV foi composto
numa data não muito 88. Para a lista dos
distante. Isso significa manuscritos com uma
que ela foi composta breve descrição de cada
provavelmente após a volta um, assim como sobre
de Aristóteles a Atenas. essas famílias, ver Fobes
1918: xxv­‑xlii; Louis 1982:
86. Os Meteorológicos xli­‑xlviii; Thillet 2008:
ocupam os fólios 102 416­‑418, e Rashed 2005:
verso­‑134 reto. clxxxvi­‑cxci.

27
meteorológicos

obras sobre o mesmo assunto 89. Mais tarde, os Meteorológicos tiveram três


comentários gregos. Além de Alexandre de Afrodísias, professor de filosofia
aristotélica (provavelmente) da escola de Atenas entre o final do século ii e
o início do século iii d. C. 90, também comentaram esse tratado, no século vi,
os neoplatónicos alexandrinos Olimpio­doro (495/505-após 565 d. C.), pagão,
e João Filópono (490/495-após 568 d. C.) 91, cristão. Passagens de autores
antigos gregos e latinos atestam conhecimento da obra 92.
Enorme foi o sucesso deste tratado na Idade Média.
No mundo bizantino, além de terem sido recopiados, os Meteoro-
lógicos foram resumidos por Nicéforo Blemmydes (1197-1272) 93. Jorge
Pachymeres (1242-1310 ca) também se interessou pelos Meteorológicos 94.
Comentaram-no Teodoro Metochites (1260-1332) 95 e o seu discípulo
Nicéforo Gregoras (1290/91-1359/60) 96.
A fortuna dos Meteorológicos foi particularmente grande no mundo
semítico. Temos notícia de três versões árabes medievais desse tratado,
que, porém, não correspondem ao texto grego que possuímos 97. A pri-
meira, que contém de forma parafraseada apenas os três primeiros livros,

89. Um Peri tes serenitatis, editado por 94. Ver Ruelle 1873 e


metarsioleskhias, em Sider­‑Brunschön 2007). Baffioni 1981: 414.
um livro, e um Peri
ton metarsiologikon: ver 90. Ver Alexandre de 95. O comentário foi editado
Diógenes Laércio v Afrodísias, De fato e traduzido por Hult 2002.
43­‑44. O texto grego 164.3­‑165.5, com Natali Existe uma tradução latina
desses trabalhos perdeu­‑se, 2002: 35­‑38. feita por Genciano Hervet
mas houve uma tradução (1499­‑1584): ver Hervet
siríaca, de que possuímos 91. Dele chegou, porém, 1992 (1559).
apenas um fragmento, apenas uma (boa) parte do
editado e traduzido por comentário ao Livro I. 96. Ver Thillet 2008: 15
Daiber 1992. Essa versão e 452, n. 22. Para outros
siríaca deu origem a duas 92. Ver, por exemplo, nomes, ver ainda Lackner
traduções árabes: de Bar [Aristóteles], Pl. ii 2, 1974 e Baffioni 1981:
Balhul (século x) e de Ibn 822b33­‑34; [Aristóteles], 414­‑415.
Suwār al­‑Hammār (943­‑ca Mu. passim; Galeno,
1030), ambas também De nat. Facult. i 3 e 97. Para uma síntese sobre
editadas por Daiber 1992. iii 7; Eratóstenes em a tradição siríaca, árabe e
É possível que os pequenos Proclo, In Plat. Ti. (37d) latina, ver Schoonheim
tratados de Teofrasto Sobre i 121; Estrabão iv 1, 7; 2003. Em árabe, há também
os ventos (De ventis, editado Lucrécio vi 422 e segs.; um comentário atribuído
por Coutant­‑Eichenlaub Séneca, Quaest. nat. i 1; ii a Olimpiodoro que não
1975) e Sobre o fogo (De 12; 55; vi 13; vii 5. Outras corresponde ao grego que
igne, editado por Coutant passagens são mencionadas possuímos; o texto árabe
1971), de que temos nas nossas notas à tradução. foi editado por Badawi
também apenas fragmentos, 1986. Baffioni 1980: 53­‑59
93. Esse trabalho existe tentou mostrar que ele
fizessem parte de um todo.
apenas nos manuscritos: provém realmente do texto
Atribui­‑se a Teofrasto
ver Baffioni 1981: 414; grego que conhecemos.
ainda um Sobre os sinais do
Thillet 2008: 452, n. 20. Lettinck 1999: 47
tempo (De signis pluviarum,
ventorum, tempestatis, continua a falar de um
Pseudo­‑Olimpiodoro.

28
aristóteles

é de Yahyā Ibn al-Bitrīq, feita no início do século ix 98, talvez a partir de


uma tradução siríaca 99. Essa versão parece ter sido usada por Abū Ya’qūb
al-Kindi († após 870) nos seus estudos meteorológicos 100. A segunda ver-
são, abreviada, dos Meteorológicos (de facto, um compêndio) foi realizada,
na segunda metade do século ix, por Hunayn Ibn Ishāq († 873), talvez
a partir da sua própria versão siríaca 101. A terceira versão (parcial) foi
feita, a partir de uma tradução siríaca, por Abū Ibn Suwār al-Hammār
(943-1020). Essa versão teria constituído a segunda parte de uma obra
contendo três: um Tratado sobre os fenómenos imaginários na atmosfera,
a versão (provavelmente apenas de uma pequena parte) da obra de Aris-
tóteles e um comentário desta, mas as duas últimas foram perdidas 102.
A influência dos Meteorológicos seria visível no Shifā de Avicena-Ibn Sīnā
(980-1037) 103, bem como na Enciclopédia dos Irmãos da Pureza (Ihwān
al-Safā), obra coletiva realizada entre 970 e 1030 104. No que concerne à
área árabe-espanhola, Avempace-Ibn Bājja († 1139) redigiu um comen-
tário (de facto, uma longa paráfrase) 105, enquanto Averróis-Ibn Rušd
(1126-1198) compôs uma paráfrase e um comentário «médio», ambos
traduzidos para o latim 106.
A partir da versão árabe de Ibn al-Bitrīq foi realizada, por volta de 1150,
a versão latina de Gerardo de Cremona (1114-1187) dos três primeiros
livros 107, chamada translatio vetus, bem como a versão hebraica de Samuel
Ibn Tibbon (ca 1160-1230), concluída em 1210 108. Mas antes teria havido
uma tradução latina do Livro IV, feita por Henrique Aristipo († 1162),

98. Editada por 100. Ver Lettinck 1999: 105. Editado por Lettinck


Schoonheim 2000. 111; 234. 1999: 383­‑481.

99. De Sérgio de Reš'ainā, 101. Editada por Daiber 106. A paráfrase foi editada
segundo Petraitis 1967: 1975. por Abu Wafia­‑Abd Ar­
54. Para Lettinck 1999: ‑Raziq 1994 e o comentário
viii; 7­‑8, a tradução siríaca 102. O tratado foi editado médio por Alawī 1994.
teria sido feita não a partir e traduzido em inglês por Já na Renascença, essas
do texto grego tal como Lettinck 1999: 313­‑379; traduções latinas foram
o conhecemos, mas sim cf. 10. publicadas com a obra
de uma versão helenística. completa de Aristóteles: ver
Apesar da presença de 103. Ver Hasnawi 2002. a bibliografia.
vestígios de uma versão Sobre a influência dos
siríaca no Candelabrum Meteorológicos na alquimia 107. Editada por
Sanctuarii de Barhebreus e a sua presença na Schoonheim 2000.
(1225­‑1286), não seria tradição hermética, ver,
necessário assumir a respetivamente, Carusi 108. Editada e traduzida por
existência desta, segundo 2002 e Travaglia 2002. Fontaine 1995.
Schoonheim 2000: xv;
104. Ver Baffioni 2002.
2003: 324­‑325.

29
meteorológicos

diretamente do grego 109. Esta e a versão árabe-latina de Gerardo foram


comentadas, por volta de 1200, por Alfredo de Sareshel, que acrescentou
três capítulos provenientes não de Aristóteles, mas de Avicena: trata-se
da parte de seu Shifā dedicada aos minerais, traduzida em latim 110. E o
trabalho de Alfredo foi usado por Rogério Bacon (1214-1294) 111. A versão
árabe-latina de Gerardo foi usada também por Alberto Magno (1220-1264),
que expôs e criticou teses de Aristóteles nos seus Meteora 112, e igualmente
por Vicente de Beauvais (ca 1190-ca 1264) no seu Espelho da Natureza
(Speculum Naturale), parte da obra enciclopédica coletiva Grande Espelho
(Speculum majus) 113. Do conjunto da obra e diretamente do grego foi feita
uma tradução por Guilherme de Moerbeke (ca 1215-1286) 114 — chamada
translatio nova —, que também traduziu o comentário de Alexandre 115.
Tomás de Aquino (1227-1274) comentou essa versão até certo ponto do
Livro II (por volta de 1260) 116, e o trabalho foi prosseguido pelo seu
discípulo Pedro de Auvérnia († ca 1305) 117.
A partir do latim, os Meteorológicos foram traduzidos também em língua
«vulgar». Já no século xiii, houve uma tradução em francês medieval,
feita por Mateus dito «le Vilain» 118. No século xiv, houve uma tradução
em florentino, devida a um anónimo 119.
A Renascença vê aparecerem várias edições do texto grego, de que
a primeira, a editio princeps, é publicada em Veneza, pelo editor Aldo
Manuzio, em 1497, no quadro das obras de Aristóteles 120. Multiplicam-se
também traduções latinas, bem como comentários em latim, a começar
pelo de Gaetano di Thiene (1387-1465), composto entre 1461 e 1465

109. Ver Minio­‑Paluello 113. Ver Schoonheim 2000: 118. Editada por Edgren


1947; Otte: 11­‑13; 18, xviii. 1945. Ver também Ducos
Uma tradução do Livro IV 1998.
feita do árabe acompanha, 114. Editada por Vuillemin­
nos manuscritos latinos, ‑Diem 2008. 119. Editada por Librandi
o Comentário Médio de 1995.
115. Editada por Smet 1968.
Averróis e ela seria devida 120. Thillet 2008: 397
provavelmente a Miguel 116. Editado por Spiazzi fornece uma lista: ver a
Escoto († 1235), segundo 1952. nossa bibliografia.
Minio­‑Paluello 1947: 208.
117. Editado por Spiazzi
110. O trabalho de Alfredo, 1952. Para outras
dito também «O Inglês», foi informações sobre a
editado por Otte 1988. presença dos Meteorológicos
na Idade Média latina,
111. Ver Pelzer 1964 ver Baffonii 1981: 56­‑60;
(1919). 415­‑430.
112. Editados por Hossfeld
2003.

30
aristóteles

e publicado em Pádua, em 1476 121. Além do já mencionado Frances-


co Vimercati (1512-1571) 122, comentou-o também Jacopo Zabarella
(1532­‑1589) 123. Dos Meteorológicos, em particular do Livro IV, serviu-se
ainda o anti­aristotélico Bernardino Telesio (1509-1588) no seu De rerum
natura para a formulação de sua própria conceção da natureza 124.
O nosso quadro está longe de ser exaustivo, mas permite compreender
que, além de recopiados, os Meteorológicos foram não apenas resumidos,
traduzidos e comentados, mas efetivamente usados na constituição do
saber científico. Todavia, a partir do século xvii, com o advento da
ciência moderna, acabou por vir, talvez, o tempo do esquecimento 125,
pelo menos para o texto grego, que, ao que nos consta, teve de esperar
a filologia alemã da primeira metade do século xix para ter uma nova
edição, a de I. Bekker 126. Os Meteoros de Descartes, que acompanham o
seu Discurso do método (1637), não parecem ter conservado quase nada
de Aristóteles 127.
Hoje em dia, os Meteorológicos apresentam-se como uma das obras
mais caducas de Aristóteles, cadáver decrépito no cemitério da história
da ciência. Embora a descrição de certos factos meteorológicos possa, às
vezes, impressionar o leitor moderno pela sua precisão «fenomenológica»,
a descrição das circunstâncias que os acompanhariam não passam, em
geral, de um «catálogo de coincidências», como observa J. Groisard 128.
Assim, Aristóteles teria acabado por ter mais ou menos o mesmo destino
que tiveram, aos seus olhos, os seus predecessores. Embora os mencione

121. Outros são dado que neles há 128. Ver Groisard 2008:


mencionados por Thillet referências explícitas a 39­‑40. Um exemplo
2008: 16; 403­‑404 e 447 experiências, embora muito eloquente é o exame dos
e Viano 2006: 378: ver a simples: ver Mete. ii 3 e assismos (ii 8). Aristóteles
nossa bibliografia. nossas notas 145 e 151 ao descreve bem as réplicas
Livro II. (367b32­‑368a1) e sugere
122. Vicomercati 1556. uma distinção pertinente
126. Bekker 1831. para as sacudidas, laterais
123. Zabarella 1597. e verticais (368b22­‑26),
127. Nada, segundo Thillet mas, em seguida, perde­‑se
124. Devemos essa 2008: 397. Na verdade, numa longa enumeração de
observação a Pepe 2003 há pelo menos algo de supostas circunstâncias.
(1982): v e 2002: 21. comum (além do título),
mas não sabemos se
125. Mas justamente os Descartes depende ou não
Meteorológicos convidam a de Aristóteles nesse ponto,
não estabelecer uma rutura que concerne ao que é hoje
total entre ciência moderna chamado «efeito Mpemba»:
(«experimental») e ciência ver a nota 299 ao Livro I.
antiga («contemplativa»),

31
meteorológicos

com frequência nos Meteorológicos (que para nós constituem, de facto,


uma fonte doxográfica importante a respeito dos chamados «filósofos
pré-socráticos») 129, Aristóteles pode ser (injustamente) muito duro com
os seus predecessores, tanto com os que se ocuparam de «teologia» como
com os que se ocuparam de «saber humano», segundo a distinção do
início de ii 1 130. Mas se não quisermos ser vítimas, um dia, da mesma
arrogância, devemos entender que Aristóteles estava, contudo, nalguma
medida consciente do limite dos dados à sua disposição. Decerto, os
factos que a sua meteorologia considera estão bem mais próximos de
nós do que os factos celestes, mas não tão próximos como os factos da
vida sobre a terra, dos quais se ocupa a maior parte do corpus físico
aristotélico. Assim, vale, aqui também, o que Aristóteles diz no Sobre o
céu, antes de expressar a sua (para muitos de nós) surpreendente ideia de
que os astros são seres vivos: «Acerca dessas [coisas], fica bem decerto
buscar mesmo a compreensão mais ampla, mesmo tendo pequenas bases
e estando a tamanha distância afastados das circunstâncias acerca deles
[i. e. dos astros].» (Cael. ii 12, 292a14-22) 131.

a presente tradução

Para a nossa tradução — que, pelo que nos consta, é a primeira


em português —, usámos como base o texto grego estabelecido por
F. H. Fobes 132, mas divergimos nalguns lugares, assinalados nas notas,
salvo erro da nossa parte. Além de outras edições, principalmente a de
P. Louis 133, consultámos também, em linha, o códice Parisinus graecus
1853 (E) 134. Nas notas, os editores e/ou tradutores, bem como os comen-
tadores antigos dos Meteorológicos, estão citados apenas pelo apelido: o

129. Ver Viano 2006: 23­‑29. 3, 339b19­‑30, a propósito 134. Ele foi disponibilizado


Sobre a relação com Platão do éter, e 9, 347a6­‑8, a pela biblioteca onde se
(cujo nome jamais aparece propósito de Oceano. encontra, a Biblioteca
nos Meteorológicos), em Nacional de França, na
particular com o Timeu, ver 131. Cf. 291b24­‑28; ii 3, seguinte página web:
Viano 2006: 29­‑34. 286a3­‑7. Ver também PA i gallica.bnf.fr/ark:/12148/
5, 644b25­‑31. btv1b84192492/.
130. Na verdade, a relação
de Aristóteles com a 132. Fobes 1918.
tradição anterior é ambígua:
ver, por exemplo, Mete. i 133. Louis 1982.

32
aristóteles

leitor encontrará sem dificuldade as referências na bibliografia. Como


de costume, a numeração que acompanha o texto refere-se à edição de
I. Bekker. Nenhuma divisão do texto pode ser atribuída a Aristóteles: nem
a divisão em «livros», embora antiga, nem a divisão em capítulos, que é
medieval. A identificação de certos «subcapítulos», bem como a inserção
de títulos de capítulos e subcapítulos, é devida a uma escolha nossa, cujo
objetivo é apenas ajudar o leitor.
É provavelmente inútil observar que procurámos ser o mais fiéis possível
ao texto, mas talvez o seja um pouco menos dizer que não procurámos
esconder o estado precário do texto e da escrita. Na medida do possí-
vel, procurámos traduzir uma mesma palavra sempre do mesmo modo,
mas os Meteorológicos põem a uma dura prova esse princípio, sem falar
das numerosas dificuldades lexicais postas pelos processos e qualidades
mencionados no Livro IV135. Procurámos também evitar termos científicos
consagrados para não atribuir à língua de Aristóteles uma tecnicidade
que ela não tem necessariamente. Toda a integração que nos pareceu
necessária ou oportuna está entre parênteses retos no texto, enquanto os
angulares identificam passagens incertas.
Embora tenhamos uma longa frequentação do corpus aristotélico, a
presente tradução não se insere no quadro de qualquer pesquisa pessoal,
de modo que nos apoiámos muito nos comentários dos nossos prede-
cessores, em particular nos de duas traduções recentes, ambas francesas:
a de J. Groisard, muito esclarecedores, e a de P. Thillet, muito eruditos.
Para concluir, fazemos questão de dizer que lamentamos não ter podido
contar com a colaboração de estudiosos dos factos naturais abordados por
Aristóteles nos Meteorológicos: teria sido certamente proveitoso.

Cláudio William Veloso


Caen (França), janeiro de 2013.

135. A esse propósito, ver


Candel 1996: 237.

33
meteorológicos
livro i
1. introdução1

Falámos, pois, anteriormente sobre as causas 2 primeiras da natureza 338a20

e sobre todo o movimento natural  , assim como da disposição ordenada


3

dos astros segundo o [seu] deslocamento de cima 4 e os elementos cor-


póreos (quantos e quais são esses elementos) 5 e ainda sobre a transfor-
mação 6 desses elementos uns nos outros, bem como sobre a geração e
a corrupção em geral 7. Resta examinar uma parte desta investigação 8, a
que todos os [nossos] antecessores chamavam «meteorologia» 9: são elas 10
todas as coisas que acontecem segundo a natureza — mas uma natureza b20

mais desordenada do que a do primeiro elemento dos corpos  — no lugar 11 

mais vizinho do deslocamento dos astros 12, por exemplo, a via láctea 13, os


cometas 14 e as aparições que se inflamam e se movem 15, bem como todos

1. A data de composição e 3. Na Física. 13. Tratada no Livro I,


a cronologia relativa deste capítulo 8.
prólogo — que apresenta 4. Isto é, a translação.
um plano completo de 14. Tratados no Livro I,
abordagem da filosofia (ou 5. No Sobre o céu. capítulos 6­‑7. Na tradução,
ciência) natural e insere em geral empregámos
6. O termo grego é metabole os termos técnicos
o presente tratado numa
(338a23­‑24). consagrados, mas os
ordem precisa de exposição
(mas não necessariamente equivalentes gregos ainda
7. No Sobre a geração e a
de redação), assinalando correspondem a usos
corrupção. Onde se lê «em
os estudos já efetuados e figurados de termos
geral», ter­‑se­‑ia literalmente
os por efetuar — foram bem concretos. Com
«comuns [sc. a todas as
objeto de discussões. Até efeito, kometes, «cometa»,
coisas]».
mesmo a sua autenticidade significa simplesmente
já foi contestada: ver 8. Em grego, methodos «(astro) cabeludo» (e kome,
«Introdução», p. 9. Que (338a25). Trata­‑se da «cauda», é justamente
exprima uma reflexão investigação física em geral. a sua «cabeleira»); gala,
inteiramente retrospetiva «via láctea», significa
ou feita no meio do 9. Ver Anaxágoras, DK literalmente «leite»; planes,
caminho, que seja autêntico 59 A 15, 10­‑13 (= Platão, «planeta», significa «(astro)
ou inautêntico, este texto Fedro 269e), e Diógenes errante», enquanto oposto
programático atesta uma de Apolónia, DK 64 A 4 a fixo, que é a estrela; e
versão ou um estado da (= Simplício, Comentário à asteres diatheontes, «estrelas
obra. De facto, o tratado Física, 151.20). cadentes», são «astros que
de meteorologia a que correm».
se refere seria composto 10. Isto é, os meteora.
apenas pelos Livros I e II e 15. Isto é, as estrelas
pelo capítulo 1 do Livro III 11. Isto é, o éter, elemento cadentes, que serão tratadas
dos Meteorológicos tal como que, segundo Aristóteles, no Livro I, capítulo 4. Pode
chegaram até nós: ver, constitui os astros e as visar também o capítulo 5
abaixo, a nota 20 ao Livro I. esferas celestes: ver Sobre do Livro I.
o céu i 3, 270b1 e seg. e 9,
2. Aqui, «causa» traduz 278b8 e seg.
aitia, mas assim traduzimos
também aition, que talvez 12. Isto é, imediatamente
fosse mais bem traduzido abaixo da translação dos
por «responsável». astros.

39
meteorológicos

os fenómenos 16 que estabelecermos serem comuns ao ar e à água 17, e ain-


da, da terra, todas as [suas] partes, formas 18 e propriedades 19 das partes 20,
a partir do quê poderemos examinar também as causas tanto dos sopros
quanto dos abalos [de terra] 21 e todas as coisas que acontecem conforme os
339a movimentos destes — [fenómenos] nos quais há aspetos que nos embaraçam,
outros que de algum modo captamos em parte —, e ainda a queda de raios,
os furacões, os furacões de fogo 22 e os demais fenómenos periódicos que
ocorrem, todos, devido à solidificação desses mesmos corpos 23.
Uma vez expostas estas coisas, examinaremos se, do modo seguido
[até aqui], podemos dar alguma explicação acerca dos animais e das
plantas 24, tanto em geral como em separado: quando tivermos acabado de
falar deles, teremos mais ou menos chegado ao fim de todo o intento 25
que começámos no início.
10 Tendo começado assim, falemos, pois, primeiro dessas coisas.

16. Em grego, pathe 20. Os exegetas entendem capítulos 4­‑6 e 7­‑8. Às


(338b24). por «terra» o elemento assim vezes, ao longo do tratado,
chamado (ver, adiante, a pneuma designa o vento,
17. Os fenómenos que nota 28 ao Livro I) e não mas na maior parte dos
acontecem numa zona mais o globo terrestre. Assim, casos parece designar
próxima da terra, comum acreditam que se trate algo mais geral, de que
ao ar e à água, tais como não de uma referência às os sismos constituem um
a chuva e a neve, que são descrições da Terra presentes tipo particular, e, por isso,
tratados a partir do capítulo nos capítulos 13 e 14 do preferimos traduzi­‑lo por
9 do Livro I. Indo da parte Livro I e no capítulo 5 «sopro».
mais alta à parte mais baixa do Livro II, mas sim de
da atmosfera, a ordem uma alusão ao Livro IV. 22. Livro II, capítulo 9, a
de tratamento é, pois, Na verdade, a passagem Livro III, capítulo 1.
descendente. Para Düring poderia visar também a
1976: 400­‑401, n. 41, com teoria da dupla exalação, 23. Provavelmente o
a expressão koina pathe exposta no capítulo 4 do orvalho, a geada e o
Aristóteles não entende «os Livro I. De qualquer forma, granizo, tratados no Livro I,
fenómenos que são comuns a continuação do texto, que capítulos 10­‑12.
ao ar e à água», mas sim se refere ao Livro II, torna
os fenómenos «gerais» do 24. Aqui, o autor parece
impossível uma alusão ao
ar (como os ventos) e da anunciar os tratados
Livro IV (a não ser que a
água (como a chuva). O biológicos (cf. Livro IV,
frase concernente à terra seja
capítulo 9 do Livro I, em capítulo 12), que assim
um acréscimo posterior),
particular o início (346b16), como observa Besnier pertencem ao grande grupo
não corrobora a sua das obras de filosofia (ou
2003: 316. E não é somente
interpretação. ciência) natural. Todavia,
sobre este último que o
não chegou até nós nenhum
prólogo seria mudo: nele
18. Ou espécies, eide tratado de botânica da
não há nenhuma alusão
(338b25). autoria de Aristóteles: ver a
aos fenómenos devidos ao
nota 7, p. 11.
reflexo que são tratados nos
19. Em grego, pathe capítulos 2­‑6 do Livro III: 25. Em grego, proairesis
(338b25). Mas o termo ver a nota 28 ao Livro III. (339a9).
pathos pode equivaler
também a «o que acontece», 21. Ambos os fenómenos
«facto», «fenómeno», como são tratados no Livro II,
na ocorrência anterior. respetivamente nos

40
aristóteles

2. al guns pressup ostos da investigação

Como foram por nós anteriormente distinguidos, de um lado, um


princípio único dos corpos, do qual 26 se forma a natureza daqueles
corpos que se deslocam em círculo 27 e, de outro, quatro outros corpos
que se formam através dos quatro princípios 28, cujo movimento dizemos
ser duplo, um a partir do centro e outro em direção ao centro — sendo
esses quatro corpos o fogo, o ar, a água e a terra: aquele que se encon-
tra na superfície de todos eles é o fogo, aquele que se encontra abaixo
[de todos], a terra e [os outros] dois têm entre si a mesma relação que
estes, já que o ar fica mais próximo que os outros do fogo e a água, da
terra —, e a totalidade do mundo ao redor da terra 29 é constituída a

26. A saber, o éter. Em por vezes, embora outras intensidade, mas a questão
339a12, lê­‑se na edição vezes também por é mais complicada: por
de Fobes, segundo os «líquido».) Entre as duas exemplo, a água quente
manuscritos, um plural, qualidades que caracterizam seria menos quente do
hon, e, nesse caso, o relativo cada corpo elementar, que o ar frio? Ademais, há
referir­‑se­‑ia a «corpos». há, contudo, uma que o uma homonímia constante
Nós seguimos a correção caracteriza mais: o seco, entre essas qualidades e os
adotada por Louis (e a terra; o frio, a água; o corpos que as possuem, de
proposta por Vimercati: húmido, o ar; o quente, o modo que muitas vezes não
ver aparato crítico), hes, fogo. Além disso, os corpos sabemos ao certo se, por
feminino singular, que, elementares não devem exemplo, thermon, «quente»,
assim, se refere a arkhe, ser confundidos com as designa o calor ou aquilo
«princípio», feminino em entidades homónimas que que é quente (pense­‑se
grego. normalmente encontramos, no português «frio»); por
as quais seriam, na isso, às vezes, preferimos
27. Isto é, as esferas celestes. realidade, sempre misturas. traduzi­‑lo por «(o) quente».
28. Os quatro princípios Por exemplo, o fogo que De qualquer forma, há
são as qualidades que usamos é semelhante ao uma diferença no grau
caracterizam os corpos fogo elementar, isto é, tem de pureza intrínseca aos
elementares, a saber, o o mesmo aspeto que ele, corpos elementares: o fogo
par de contrários quente e mas não é fogo, pois este é, e a terra, que ocupam os
frio e o par de contrários antes, um excesso de calor. lugares extremos do mundo
seco e húmido. O número Nesse sentido, há uma certa sublunar (respetivamente
de corpos elementares homonímia entre os corpos o alto e o baixo, ou, mais
é determinado pela elementares e as outras precisamente, o centro)
combinação de duas dessas entidades homónimas, são mais puros que os dois
quatro qualidades, excluindo mas não porque estes que ocupam os lugares
a combinação de qualidades sejam simulacros daqueles intermédios, o ar e a água,
contrárias: a terra é fria (ver, adiante, o Livro IV, sendo que o primeiro
e seca; o ar, quente e capítulo 12), senão em naturalmente se desloca
húmido; a água, húmida e virtude de uma metonímia, para cima, como o fogo, e o
fria; o fogo, quente e seco. na medida em que os segundo, para baixo, como
(«Húmido» é a tradução elementares estão contidos a terra. Sobre tudo isso, ver
consagrada de hugron, mas nos misturados. Quanto GC i 3 e ii 3.
é preciso entender, antes, às quatro qualidades
algo como «fluido»; e, de primárias, em princípio, a 29. O mundo sublunar.
facto, assim o traduzimos diferença seria apenas de

41
meteorológicos

20 partir desses corpos, dizemos que é preciso compreender os fenómenos


que acontecem aí.
Este 30 é por necessidade contínuo com os deslocamentos de cima31,
de modo que toda a sua potência é governada a partir daí. Com efeito,
daí todas as coisas tiram o princípio do movimento; essa deve ser con-
siderada a causa primeira 32. Além do mais, enquanto o [princípio] do
movimento local é eterno e sem fim (mas [está] sempre no fim) 33, todos
aqueles corpos 34 se diferenciam uns dos outros, em relação a lugares
delimitados. Por conseguinte, é preciso considerar que, do que acon­
tece nele 35, o fogo, a terra e os seus congéneres 36 são causas enquanto
matéria das coisas que se geram (pois designamos desse modo 37 o que
30 subjaz e padece), enquanto, como causa da qual provém o princípio do
movimento, é preciso considerar o poder dos [corpos] que se movem
eternamente 38.

3 . o s q u at r o e l e m e n t o s

Retomando, pois, o que foi estabelecido desde o início e as distinções


anteriormente mencionadas 39, falemos tanto da aparência da via láctea
quanto dos cometas, bem como de todas as outras coisas que porven-

30. Isto é, o mundo ao redor 35. Isto é, no mundo contexto. Nesta distinção


da terra. ao redor da terra, ou entre «causa enquanto
«sublunar». matéria» e «causa da qual
31. Isto é, as translações dos provém o princípio do
astros. 36. Isto é, a água e o ar. movimento» está implicada
a chamada doutrina
32. Na verdade, há uma 37. Isto é, por «matéria». das quatro causas, que
causa superior, o primeiro a tradição crismou do
motor imóvel: ver Ph. 38. O uso do termo hule,
seguinte modo: causa
viii e Metaph. xii. Mas «matéria», não deve
material, causa formal,
aqui Aristóteles limita­‑se surpreender: trata­‑se de
causa eficiente e causa final,
ao movimento dos astros, uma noção funcional
ver, por exemplo, Metaph.
porque, provavelmente, o que se aplica a tudo o
v 2. As duas aqui referidas
quadro «meteorológico» não que for indeterminado.
são a primeira e a terceira.
a requer. «Que subjaz» traduz
to hupokeimenon, «que 39. Em GC ii 4.
33. Ou seja, é circular. Mas padece», paskhon,
é provável que com o termo «princípio», arkhe e
telos, «fim», o autor queira «poder», dunamis. Este
sugerir que esse movimento último termo será traduzido
também é perfeito. também por «potência»
(como acima, em 339a24)
34. Os quatro elementos. e «capacidade», segundo o

42
aristóteles

tura lhes forem congéneres. Dizemos que o fogo, o ar, a água e a terra
se geram uns a partir doutros e que cada um está presente noutro em
potência, como [acontece] com as restantes coisas a que subjaz algo de 339b

uno e idêntico, em que se decompõem no final.


Em primeiro lugar, poderíamos ficar em dificuldade relativamente
ao chamado «ar»: qual a natureza que lhe devemos atribuir no mundo
que rodeia a terra 40 e como está situado em relação aos outros a que
chamamos «elementos dos corpos»? Com efeito, não se desconhece
o tamanho da massa da terra em confronto com as grandezas que
a rodeiam: já vimos, através dos estudos astronómicos, que é muito
mais pequena do que alguns astros 41. Quanto à natureza da água, não 10

[a] vemos constituída de maneira isolada, nem é possível que esteja


separada do corpo situado à volta da terra, como, por exemplo, entre
as [águas] visíveis, dos mares e dos rios ou [de] alguma não manifesta
para nós que houver nas profundezas. Já o intermediário entre a terra e
os últi­mos astros 42, é preciso considerar se é algum único corpo quanto
à natureza ou mais do que um; e se mais do que um, quantos e como
se delimitam nesses lugares.
Dissemos antes, acerca do primeiro elemento 43, o que [ele] é quanto
à [sua] capacidade, e porque é que todo o mundo onde se efetuam os
deslocamentos de cima 44 está pleno desse corpo. E essa opinião não so-
mos só nós que por acaso temos, mas ela parece [ser] alguma conceção 45
antiga, dos homens de outrora. Com efeito, o chamado «éter» recebeu 20

essa denominação [no tempo] antigo, [denominação] que Anaxágoras,


parece-me, acreditava significar o mesmo que «fogo» 46, pois [acreditava
que] as [regiões] de cima estivessem plenas de fogo e ele 47 costumava
chamar «éter» à potência de lá, o que está corretamente considerado 48.

40. Isto é, na região contígua «último». Com efeito, não 47. Em Fobes, kakeinos,
à terra que, segundo alguns está claro se se trata dos segundo os manuscritos, mas
Antigos, constituía o lugar astros mais longínquos ou Louis e outros intérpretes
original e a posição natural dos mais próximos. acolhem a conjetura de
do ar. Thurot, kakeinous. Nesse
43. Isto é, o éter. Ver Cael. i caso, trata­‑se dos Antigos e
41. Sobre o tamanho, assim 2­‑3. não de Anaxágoras. A frase
como sobre a esfericidade ficaria, pois, assim: «[…]
da Terra, ver Cael. ii 14, em 44. Isto é, as translações. ele considerava que aqueles
particular 297b30­‑32. chamavam ‘éter’ à potência
45. Em grego, hupolepsis. de lá […]»
42. Há uma discussão
entre os intérpretes sobre 46. Ver Cael. iii 3, 302a28­
‑b5 (= DK 59 A 43). 48. Cf. Cael. i 3, 270b24­‑25.
o sentido exato do termo

43
meteorológicos

Com efeito, [os Antigos] parecem ter julgado que o corpo que sempre
corre é também ao mesmo tempo algo de divino por natureza 49 e decidi-
ram chamar «éter» a tal [corpo], achando que não é idêntico a nenhum
dos [corpos que existem] entre nós. De facto, há que dizer que não é
uma vez, nem duas, nem poucas, mas ilimitadas vezes 50, que retornam
as mesmas opiniões surgidas entre os homens.
30 Os que dizem que são fogo puro, não apenas os corpos que se des-
locam 51, como ainda o que [os] circunda, e que o intermediário entre a
terra e os astros é ar, se considerassem o que está hoje suficientemente
demonstrado através das matemáticas, provavelmente abandonariam essa
opinião infantil. Com efeito, é demasiado simplista considerar que cada
um dos [astros] que se deslocam é de tamanho pequeno porque assim
nos aparece, a nós que observamos daqui 52. Já falámos sobre isto antes,
nos estudos sobre o lugar de cima 53. Mas demos a mesma explicação
agora também.
340a Se os intervalos [entre os astros] estivessem plenos de fogo e os
corpos também fossem constituídos de fogo, há muito que cada um
dos outros elementos estaria destruído. Todavia, tão-pouco podem estar
preenchidos pelo ar somente, pois [o ar] excederia em muito a igualdade
de proporção comum aos corpos da mesma ordem 54; [e isso,] mesmo
se o lugar intermédio entre a terra e o céu estivesse pleno de dois ele-
mentos 55. Com efeito, a massa da terra, na qual está incluída toda a
quantidade de água 56, é uma parte, por assim dizer, inexistente perante

49. Há uma alusão à (falsa) 52. Possível alusão a o desaparecimento de


etimologia do termo aither, Heraclito (DK 22 A 1, 7 algum deles — é um
«o que sempre corre»: ver = Diógenes Laércio ix pressuposto do argumento
Cael. i 3, 270b20­‑24; cf. 1­‑17; DK 22 B 3 = Aécio de Aristóteles. Um
Platão, Cra. 410b. Mas ii 21,4) e a Anaxágoras outro pressuposto é a
há também um jogo de (DK 59 A 1, 8 = Diógenes impossibilidade de um
palavras entre theon, «que Laércio ii 8). «lugar vazio»: ver Ph. iv
corre», e theion, «divino». 6­‑9. O facto, enfim, de o
53. Possível referência a fogo destruir os outros
50. Cf. Sobre o céu i 3, Cael. ii 7. elementos também é um
270b19­‑20. Esta ideia de pressuposto, mas não
uma recorrência de opiniões 54. Ou seja, os outros específico de Aristóteles.
idênticas na história da elementos.
humanidade aparece outras 56. Ou então «na qual
vezes em Aristóteles: ver 55. Ou seja, ar e fogo. está incluído tudo [i. e.,
Metaph. xii 8, 1074b10­‑12; Bem entendido, a ideia toda a terra], inclusive a
Pol. vii 10, 1329b25 e seg. da necessidade de um quantidade de água».
equilíbrio na quantidade
51. Isto é, que estão em dos diferentes elementos
translação. — que justamente evitaria

44
aristóteles

o tamanho do que a circunda 57. E vemos que a diferença de massas não


se produz com tal magnitude, quando, ao ser separado, se gera ar a partir 10

de água, ou fogo a partir de ar. Mas é necessário que a mesma relação


que existe entre tal pouca quantidade de água e o ar que dela se gera
exista também entre todo o [ar] e toda a água. E em nada difere, se se
disser que esses [elementos] não se geram uns a partir dos outros, mas
que são iguais quanto à potência. Com efeito, segundo esse modo [de
pensar], é necessário que a igualdade de potência pertença à grandeza
deles, como pertenceria mesmo se [esses elementos] se gerassem uns a
partir dos outros 58.
Que nem o ar nem o fogo preenchem, por si sós, o lugar intermédio 59,
é, pois, evidente. Mas resta dizer, depois de examinar as dificuldades,
como os dois, quero dizer, o ar e o fogo, estão situados relativamente à 20

posição do primeiro corpo  e por que causa o calor se gera nos lugares
60

à volta da terra a partir dos astros de cima 61.


Falemos, pois, primeiro do ar, como estabelecêramos 62, voltando desse
modo a falar também acerca destes [pontos]. Se se gera água a partir de
ar e ar a partir de água, por que razão não se formam [por condensação]
nuvens no lugar de cima 63? Com efeito, seria adequado [que tal aconte-
cesse], ainda mais porque o lugar é mais distante da terra e mais frio, já
que não está tão próximo dos astros, que são quentes, nem dos raios de
sol que se refletem a partir da terra, os quais impedem que se formem
[nuvens] perto da terra, ao dispersarem as condensações com o calor. 30

Com efeito, as concentrações de nuvens formam-se onde já cessam os


raios, por se cindirem na imensidão. Assim, ou não se gera naturalmente

57. Dada essa pequenez das respetivas quantidades, Acontece, porém, que para
do tamanho da terra (que pelo que o pressuposto Aristóteles os astros, sendo
contém toda a água), da proporcionalidade dos constituídos de éter, não são
os outros elementos, elementos prevalece. por sua natureza quentes:
ar e fogo, também não ver, adiante, ainda no
podem constituir massas 59. Entre o céu e a terra, capítulo 3, 341a16.
muito maiores, devido espaço esse que também
à desproporção que tal não pode ser composto 62. Ver acima, no início do
significaria. Cf. GC ii 6, a por apenas um ou dois dos capítulo 3 (339b2­‑6).
propósito de Empédocles. elementos, como a seguir se
provará. 63. Ou seja, na região
58. Quer dizer, mesmo que imediatamente abaixo do
os elementos não se gerem 60. Isto é, o éter. movimento dos astros.
entre si, mas sejam iguais
em potência, essa igualdade 61. À primeira vista, não se
de potência decorre também vê onde está o problema.

45
meteorológicos

água a partir do ar todo, ou então, se se gera do mesmo modo a partir


de todo [o ar], aquele que rodeia a terra não é apenas ar, mas como
que vapor e, por isso, condensa-se de novo em água. No entanto, se o
ar todo, que é um tão grande volume, fosse vapor, a natureza do ar e da
água pareceria exceder em muito [os outros elementos], se de facto os
340b intervalos entre os [corpos] de cima estão plenos de algum corpo — e é
impossível que seja de fogo porque [então] todos os outros [elementos]
ficariam secos. Resta que seja de ar e da água que rodeia a terra toda, já
que o vapor é uma secreção de água. Fiquem, pois, expostas desse modo
as dificuldades sobre esses [pontos].
Mas falemos nós mesmos, dando simultaneamente explicações tanto
em relação ao que vai ser dito como ao que acaba de ser dito.
Dizemos que aquele que está no [lugar] de cima e até à lua 64 é um
corpo diferente do fogo e do ar, ainda que, nele, uma parte seja mais
pura e a outra [seja] menos nítida e apresente diferenças 65, sobretudo
10 onde faz fronteira com o ar, isto é 66, com o mundo em redor da terra.
E como o primeiro elemento, assim como os corpos [que se encontram]
nele 67, se desloca em círculo, a [parte] do mundo (isto é 68, do corpo)
inferior [que lhe é] sempre contígua inflama-se, ao ser decomposta pelo
movimento, e produz o calor 69.
Devemos pensar o mesmo, ainda que partamos do seguinte ponto.
O corpo que fica abaixo da rotação de cima, como que uma certa matéria
que é em potência tanto quente como fria, tanto seca como húmida e
[que tem] todas as outras propriedades 70 que destas se seguem, torna-se

64. Há uma discussão usados são katharoteron e 67. Isto é, os astros.


entre os intérpretes sobre eilikrines, respetivamente)
a localização exata (e a embaraça os comentadores, 68. Mais uma vez
consequente identificação) dada a natureza divina e entendemos kai como
do corpo em questão: trata­ incorruptível do primeiro explicativo (340b12).
‑se da região que começa elemento, isto é, do éter:
acima dos lugares dos quatro ver Sobre o céu i 3. Parece 69. Cf. Cael. ii 7, 289a19­‑23.
elementos e que se estende difícil sustentar, como Deste modo, Aristóteles
até à lua (logo do éter), ou propõe Alexandre de responde à dificuldade
de uma região que começa Afrodísias (12.33­‑13.3), que relativa à geração de calor
ainda no interior do âmbito tal diferença não implica nos lugares à volta da
dos quatro elementos, nenhuma mistura com Terra a partir dos astros
nomeadamente a partir do outros corpos. superiores: ver acima, no
lugar do ar? Propendemos capítulo 3 (340a21­‑22).
para a primeira hipótese: ver 66. Entendemos o kai, «e»,
a nota seguinte. da linha 340b10 como 70. Em grego, pathe. Essas
explicativo, o que ajuda propriedades são tratadas
65. Essa diferença interna de a resolver a dificuldade no Livro IV.
pureza ou nitidez (os termos indicada na nota anterior.

46
aristóteles

e é tal devido a um movimento e a uma ausência de movimento cujas


causa e princípio enunciámos anteriormente 71. No centro e à volta do
centro está, pois, separado, o mais pesado e o mais frio: terra e água. 20

À volta destes e contíguos a estes, ar e aquilo a que por hábito chamamos


«fogo», mas que não é fogo 72, pois o fogo é um excesso de calor e como
que uma fervura 73.
Mas é preciso pensar que, do que é por nós chamado «ar», a parte
ao redor da terra é como que húmida e quente, por [ela] evaporar e
conter uma exalação da terra, enquanto a parte acima desta já é quente
e seca. Com efeito, a natureza do vapor é algo de húmido e frio 74, en-
quanto a da exalação é algo de quente e seco. E o vapor é em potência
como que água, enquanto a exalação [é] em potência como que fogo.
Para o facto de não se formarem nuvens no lugar de cima, deve, pois, 30

considerar-se que a causa é esta: porque aí não está presente apenas ar,
mas, antes, [algo] como fogo. E nada impede que a formação de nuvens
no lugar mais acima seja impedida também por causa do deslocamen-
to em círculo 75, pois necessariamente flui todo o ar circular, aquele
que não está englobado dentro da circunferência que torna regular [a
terra], em consequência da qual a terra é toda esférica 76. Com efeito,

71. Ver acima, no capítulo 2 das duas passagens, a qual, De facto, o vapor é um


(339a21­‑24). aliás, pode apoiar­‑se na corpo misto (ver, acima,
afirmação segundo a qual a nota 28 ao Livro I) — e
72. Ver adiante, no «o ar é como um vapor» provavelmente também um
capítulo 4 (341b13­‑21). (GC ii 3, 330b4). Thillet problema para a teoria
argumenta em favor de dos quatro elementos de
73. Ver GC ii 3, 330b25­‑30. «quente», observando que, Aristóteles, baseada apenas
se o vapor fosse húmido em duas contrariedades.
74. Em 340b27, Fobes tem e frio, ele não seria água
thermon, «quente», lição do apenas em potência, como 75. Isto é, da translação dos
códice J, mas nós adotamos é dito logo em seguida, astros.
o texto da primeira mão do mas água tout court. Ora,
códice E, psukhron, seguido se o vapor fosse realmente 76. O ar constitui duas
também por Louis, entre húmido e quente, ele seria regiões. A primeira,
outros. Com efeito, a lição ar tout court. E o mesmo superior, encontra­‑se
de E é coerente com o que vale para a exalação: sendo sempre em movimento
se diz adiante, no Livro II, seca e quente, ela seria fogo, pelo facto de estar contígua
capítulo 3 (358a35­‑b1) e como reconhece o próprio à translação dos astros.
capítulo 4 (360a22­‑26); ver Thillet. Alegar, como faz A segunda, inferior,
também Livro IV, capítulo 7 Thillet, que a resposta a essa situa­‑se entre a água que
(384a9­‑11). A lição de J dificuldade está implicada existe sobre a terra e os
pode ser devida a uma no que é dito acima, ou cumes das montanhas mais
mera repetição da expressão seja, que consiste no facto elevadas. É esse conjunto
semelhante que se encontra de o fogo em potência não constituído por terra, água
da linha 25, ou então, como ser «um excesso de calor e ar inferior que forma um
sugere Groisard, a uma e como que uma fervura», corpo esférico e não a terra
tentativa de harmonização não é um argumento. propriamente dita.

47
meteorológicos

desde já 77 é manifesto que a geração dos ventos [acontece] nos luga-
341a res estagnantes 78 da terra e que os sopros não ultrapassam os montes
mais altos. Mas [o ar acima dos montes] flui em círculo pelo facto de
ser arrastado com a rotação do universo. Com efeito, o fogo [está em
conti­nuidade] com o elemento de cima 79, enquanto o ar com o fogo.
Por conseguinte, também por causa do movimento, [o ar] é impedido de
se condensar em água; mas qualquer parte sua que se torne pesada, pelo
facto de o quente ser empurrado para o lugar de cima, move-se sempre
para baixo, enquanto outras [partes] são levadas aos poucos para cima,
juntamente com o fogo que exala, e, deste modo, continuamente, uma
[parte] 80 fica cheia de ar e a outra de fogo e cada uma delas 81 torna-se
sempre outra e outra 82.
10 Acerca do facto de não se formarem nuvens [no lugar de cima] nem
condensação em água e de como é preciso compreender o lugar inter-
médio entre os astros e a terra e de que corpo está pleno, seja, pois,
suficiente quanto dito.
Acerca do calor que se forma — que o sol proporciona —, convém
tratar, antes, por ele mesmo e de maneira mais precisa, nos [estudos]
sobre a sensação 83, pois o quente é uma certa afeção 84 da sensação.
Mas é preciso dizer, desde já, por que causa [o calor] se gera, uma vez
que aqueles 85 não são, quanto à [sua] natureza, assim 86. Vemos decerto
que o movimento é capaz de dissolver e de inflamar o ar, a um ponto
tal que inclusive os [corpos] que se deslocam muitas vezes fundem-se
20 de modo manifesto 87. Ora, só o deslocamento do sol é suficiente para

77. Com efeito, os ventos seja a dupla de elementos 83. O autor não parece visar
serão tratados apenas no acima mencionada, ar e a obra que temos sob o
Livro II, capítulos 4­‑6. fogo. nome de Sobre os sentidos
e os sensíveis. A sensação
78. Ou seja, as regiões 82. Noutras palavras, essa tátil é tratada em De an. ii
baixas. metade superior do mundo 11, mas tão­‑pouco aí há
sublunar (ver as notas 80 uma abordagem especial
79. Isto é, o éter.
e 81 ao Livro I) está, sim, do calor.
80. Da metade superior do cheia de ar e fogo, mas não
mundo sublunar, que é dividida em duas camadas 84. Em grego, pathos.
constituída por ar e fogo e estáticas. Não só há uma
85. Isto é, os astros.
está situada entre a metade troca constante entre elas,
inferior do mundo sublunar, mas em cada uma há 86. Isto é, quentes.
constituída por terra e movimentos horizontais: na
água, e o céu, constituído camada inferior os ventos
e na superior o movimento 87. Ver Cael. ii 7, 289a19­‑28.
por éter.
circular provocado pela
81. Ou então, «cada um rotação do universo.
deles», caso o antecedente

48
aristóteles

fazer que se produza o ardor, isto é, o calor, pois [o deslocamento]


tem de ser rápido e não distante [da terra]. O dos astros é, sim, rápi-
do, mas distante, enquanto o da lua é, sim, baixo 88, mas lento. Mas o
do sol possui suficientemente ambas [características]. E que o calor se
forme mais junto com o próprio sol, é lógico 89, se considerarmos o que
é semelhante nas coisas que acontecem junto a nós: também cá, o ar
que fica próximo dos [corpos] que se deslocam por violência 90 torna-se
particularmente quente. E isso acontece com lógica: o movimento do
[corpo] sólido dissolve-o sobretudo a ele 91. O calor chega, pois, até a
este lugar 92 por essa causa, bem como pelo facto de o fogo que rodeia o 30

ar ser muitas vezes dissipado pelo movimento [dos astros] e se deslocar,


por violência, para baixo.
Um sinal suficiente de que o lugar de cima 93 não é quente nem infla­
mado pelo fogo são também as estrelas cadentes. Com efeito, não se
formam lá [em cima], mas em baixo 94, embora os [corpos] que mais e
mais rapidamente se movem, mais rapidamente se inflamam. Além disso,
o sol, que é tido por ser maximamente quente, é manifestamente branco
e não [da cor] de fogo.

4 . f e n ó m e n o s at m o s f é r i c o s l u m i n o s o s

Feitas essas distinções, digamos por que causa aparecem no céu as 341b

chamas ardentes, bem como as estrelas cadentes e os [fenómenos] por


alguns chamados «archotes» e «cabras». Com efeito, esses [fenómenos]
são todos o mesmo e [aparecem] devido à mesma causa, mas diferem
pelo mais e pelo menos.

88. Isto é, próximo da terra. «conforme à natureza» 93. Constituído pelo éter.


(kata phusin); trata­‑se
89. Em grego, eulogon. da doutrina aristotélica 94. Naquela parte do mundo
O autor está ciente de do movimento natural e sublunar que é constituída
que a sua tese, segundo do movimento forçado, pelo fogo.
a qual o sol não é solidária da doutrina dos
quente, é extremamente lugares naturais, ver Ph. iv
contraintuitiva. 8, 215a1­‑4; v 6, 230a29­‑31.
90. Em grego, bia(i). 91. Isto é, o ar.
Ou seja, «contranatura»
(para phusin), oposto a 92. Isto é, à terra.

49
meteorológicos

O princípio tanto deles como de muitos outros é este. Quando a terra


é aquecida pelo sol, é necessário que se produza a exalação, não simples,
como acreditam alguns 95, mas sim dupla: uma que tem mais o aspeto
de vapor e outra que tem mais o de sopro; uma é um vapor do húmido
que se encontra dentro da terra e sobre a terra e a outra tem o aspeto de
fumo da própria terra, que é seca; e [é necessário] que, destas, a que tem
10 aspeto de sopro se eleve, devido ao calor, enquanto a que é mais húmida
fique sempre abaixo, devido ao peso 96. E também por isso o que rodeia
[a terra] organiza-se deste modo. Em primeiro lugar, abaixo do desloca-
mento circular 97 está o quente e seco, o chamado «fogo» (com efeito, é
desprovido de nome o que há de comum a toda a desgregação fumosa;
no entanto, pelo facto de, entre os corpos, o desse género ser por natureza
particularmente apto a queimar, há que usar assim os nomes) 98, e abaixo
dessa natureza 99, o ar. É preciso pensar que, qual um combustível, isso
que acabámos de denominar «fogo» estende-se pela esfera em redor da
20 terra, na sua extremidade, de modo que, em encontrando um pequeno
movimento, queima muitas vezes, como o fumo. Com efeito, a chama
é uma fervura de um sopro seco 100. Assim, onde estiver em condições
particularmente oportunas, a constituição deste tipo queima, quando for
movida de algum modo pela rotação [do universo].
Mas já há diferença segundo a posição e a quantidade do combustível  101.
Com efeito, caso o combustível possua largura e comprimento 102, vemos
muitas vezes uma chama arder 103, como quando se queima o restolho num
campo cultivado; mas, caso [se estenda] só em comprimento, [vemos] os
[fenómenos] chamados «archotes», «cabras» e «estrelas cadentes». Caso o

95. Há quem sustente que atribuição pode ser devida, 100. Ver adiante, no
o autor aluda a Platão, antes, a uma influência do Livro III, o capítulo 1
Timeu 56d, mas há também aristotelismo na transmissão (371a33­‑b1) e, no Livro IV,
quem pense em Heraclito das teses heraclitianas. o capítulo 9 (388a2). Ver
(DK 22 B 1, 9 = Diógenes também GC ii 4, 331b25­‑26.
Laércio ix 9). 97. Isto é, da translação dos
astros. 101. Isto é, do elemento
96. Trata­‑se da primeira inflamável.
formulação explícita da 98. Sobre a denominação
teoria da dupla exalação, dos corpos elementares, ver, 102. Isto é, caso a largura
que subjaz a todo o acima, a nota 28 ao Livro I. e o comprimento sejam
tratado. A sua paternidade consideráveis.
é, porém, controvertida. 99. Aqui, como noutras
Segundo uma certa tradição, passagens, phusis designa 103. Isto é, uma chama
cabe a Heraclito, mas tal simplesmente o corpo. ardente.

50
aristóteles

combustível [se estenda] mais em comprimento do que em largura, quando


lança como que centelhas ao mesmo tempo que queima (e isso acontece 30

por inflamar-se paralelamente, em partes pequenas, sim, mas em direção ao


princípio 104), chama-se «cabra»; e quando [ocorre] sem esse fenómeno 105,
«archote». Caso os bocados da exalação se espalhem tanto em pequenas
partes como em muitos lugares, quer em largura quer em profundidade,
produzem-se os astros que parecem atirar-se 106. Em suma, às vezes, a exala-
ção gera aquelas coisas, ao queimar sob a ação do movimento [dos astros];
outras vezes, o quente é empurrado e excretado pelo ar que é condensado 342a

devido ao arrefecimento 107 e, por isso, o movimento delas 108 parece-se,


antes, com uma projeção 109 e não com uma combustão.
Poder-se-ia ficar em dúvida se [isso acontece] do mesmo modo que
a exalação situada debaixo das lucernas acende a que lhe está por baixo,
a partir da chama da de cima (a rapidez disso também é surpreendente
e semelhante a uma projeção, mas não como um fogo que se produz a
partir de outro), ou se as [suas] carreiras são projeções de algum mesmo
corpo 110. Ora, é plausível [que seja] devido a ambas [as coisas]. Com efeito,
[as estrelas cadentes] tanto se geram desse modo, como a chama a partir da
lucerna, quanto, nalguns [casos], projetam-se por serem empurradas, como 10

os caroços entre os dedos, de modo que [as] observamos caírem tanto para
a terra como para o mar, quer à noite quer de dia, e quando o céu está
limpo. E são projetadas para baixo pelo facto de a densificação que [as]
rechaça tender para baixo. Por isso também os raios caem para baixo 111.
Com efeito, a geração de todos esses [fenómenos] é não uma combustão,
mas uma expulsão pela ação do empurrão, uma vez que todo o quente
é naturalmente constituído para deslocar-se, por natureza, para cima 112.

104. Ou seja, por se princípio de correlação de 111. Neste ponto, Fobes


inflamarem, ao lado da movimentos inversos é o inseriu, entre parênteses
chama principal, algumas mesmo. angulares, uma frase tirada
partes pequenas, mas em do comentário de João
direção àquela. 108. Isto é, das estrelas Filópono: «ainda que, por
cadentes. natureza, o fogo se desloque
105. Em grego, pathos. para cima». Todavia, o que
109. Isto é, ao movimento será dito logo em seguida
106. Isto é, as estrelas de um projétil. torna supérflua esta frase,
cadentes. de modo que ela não
110. A alternativa parece parece pertencer ao texto de
107. Aqui, o calor é expulso ser entre uma projeção Aristóteles.
para baixo, contrariamente aparente (na realidade, uma
ao que acontecia no transmissão de chama entre 112. Trata­‑se, mais uma vez,
fenómeno descrito no dois focos) e uma projeção das teorias do lugar e do
capítulo 3 (341a5­‑6). Mas o real. movimento natural.

51
meteorológicos

Os [fenómenos] que se formam sobretudo no lugar mais alto ocorrem


quando a exalação [seca] queima, enquanto os que [se formam] mais
abaixo, quando [a exalação seca] é expulsa pelo facto de a exalação mais
20 húmida se reunir e arrefecer. Reunindo-se e tendendo para baixo, esta
[última] rechaça, ao densificar-se, o quente e projeta[-o] para baixo. Mas,
dependendo da posição da exalação 113, [isto é,] conforme calhar que jaza
em largura ou em profundidade 114, [o quente 115] desloca-se do seguinte
modo: ou para cima, ou para baixo, ou para o lado. A maior parte das
vezes, [desloca-se] para o lado, por se deslocar em dois deslocamentos
[diferentes]: para baixo, por violência, e para cima, por natureza. Todos
os [corpos] desse tipo deslocam-se na diagonal. Por isso, também a maior
parte do deslocamento das estrelas cadentes faz-se oblíquo 116.
De todos esses [fenómenos], é causa, como matéria, a exalação 117,   

enquanto, como aquilo que move, umas vezes, o deslocamento de cima 118,


30 outras vezes, a solidificação do ar que se contrai 119. E todos estes [fe-
nómenos] produzem-se abaixo da lua. Um sinal disso é a sua rapidez
aparente, que é semelhante à [rapidez d]os [corpos] por nós projetados 120,
os quais, por estarem perto de nós, parecem superar muito em rapidez
os astros, o sol e a lua.

5. fenómenos luminosos noturnos no céu

Às vezes, à noite, quando o tempo está bom, vemos formarem-se no


céu muitas aparições 121, como que fendas, fossas e cores sanguíneas 122.

113. O autor não precisa que o princípio acima 119. Ver, supra, a nota 38 ao
se se trata da seca ou da invocado jamais é aplicado Livro I.
húmida. ao movimento circular, isto
é, em volta do centro, que, 120. Isto é, lançados.
114. Ou seja, que esteja para Aristóteles, é simples,
em posição horizontal ou exatamente como o retilíneo 121. Em grego, phasmata.
vertical. para cima ou para baixo,
isto é, respetivamente, para 122. A identificação desses
115. Ou então, pode fenómenos luminosos é
subentender­‑se a exalação o centro e a partir do centro
(Cael. i 2, 268b17­‑24). controvertida. Segundo
seca. alguns, o autor refere­‑se à
117. Trata­‑se sem dúvida da aurora boreal, mas outros
116. Poder­‑se­‑ia perguntar
exalação seca. sustentam que se refere a
se Aristóteles conhecia
variações cromáticas das
a lei de composição das
118. Isto é, dos astros. nuvens. É possível que se
forças, mas há que precisar
trate de ambas as coisas.

52
aristóteles

E para estas a causa é a mesma 123. Com efeito, já que é manifesto que o 342b

ar de cima se condensa ao ponto de se inflamar — e a sua combustão


produz-se de maneira tal que, às vezes, uma chama parece arder e, outras,
como que archotes e astros [parecem] deslocar-se —, não é absurdo que
esse mesmo ar, ao condensar-se, se colore com colorações de todos os
tipos. Com efeito, a luz 124, transparecendo menos através de um [meio]
mais denso, e o ar, recebendo um reflexo 125, produzirão cores de todos
os tipos, mas principalmente o vermelho e o púrpura, pelo facto de
serem estas principalmente que aparecem a partir do ígneo e do branco,
quando misturados em sobreposições — tal como os astros, ao nascerem 10

e ao porem-se, aparecem vermelhos, caso esteja imenso calor, ou [sejam


vistos] através de fumo 126. [A luz e o ar] produzirão isso também pelo
reflexo, quando o espelho 127 é tal que recebe não a figura, mas a cor 128.
Do facto de esses [fenómenos] não durarem muito tempo é causa a
condensação, que é rápida.
Quanto às fendas, pelo facto de a luz romper a partir de [um fundo]
azul-escuro ou negro, [esta] faz que pareçam ter alguma profundidade.
E muitas vezes, a partir delas, caem também os archotes, quando [o ar]
está mais condensado; porém, quando ainda está a reunir-se, parece uma
fenda. De modo geral, o branco sobre o negro produz muitas variações,
como a chama sobre o fumo. Mas, durante o dia, o sol impede 129, enquanto 20

de noite, à exceção do vermelho, as outras cores não aparecem devido a


uma semelhança de coloração 130.
Acerca das estrelas cadentes, das combustões e ainda das demais apa-
rições 131 desse género, que produzem as aparições 132 rápidas, é preciso,
pois, assumir essas causas.

123. Trata­‑se ainda da 129. Impede a aparição de


exalação seca. todas essas cores.

124. Da combustão. 130. Ou seja, por não haver


suficiente contraste com o
125. Cf. Livro III, capítulo 6 fundo escuro.
(377b11­‑12).
131. O termo grego é
126. Cf. Livro III, capítulo 4 phasma.
(374a3­‑4).
132. O termo grego é
127. Isto é, o meio refletor. phantasia.
128. Cf. Livro III, capítulo 2
(372a34­‑b6).

53
meteorológicos

6 . o s c o m e ta s ( e x p o s i ç ã o e c r í t i c a
da opinião d os predecessores)

Falemos sobre os cometas 133 e sobre a chamada «via láctea» 134, discu-


tindo primeiro o que foi dito pelos outros.
Anaxágoras 135 e Demócrito 136 dizem que os cometas são uma aparição
conjunta 137 dos planetas 138 quando estes, por andarem próximos, parecem
tocar-se uns nos outros.
30 Já de entre os Itálicos a que chamamos «pitagóricos» 139, alguns dizem
que ele 140 é um dos planetas, mas a sua aparição acontece de muito em
muito tempo e ultrapassa pouco o horizonte, o que sucede também ao
astro de Hermes 141, pois, pelo facto de se elevar pouco [acima do hori-
zonte], deixa de ter muitas aparições 142, de modo que [só] se torna visível
a[o fim de] um intervalo de muito tempo.
Os que [seguem] Hipócrates de Quios 143 e o seu discípulo Ésquilo
343a pronunciaram-se de modo muito próximo, exceto que, dizem eles, [esse
planeta] tem uma cauda 144 [que] não [é] sua, senão que, quando erra 145
pelo lugar 146, toma[-a] às vezes, porque a nossa vista 147 reflete-se, desde
a humidade por ele arrastada 148, em direção ao sol. E pelo facto de, com
o tempo, ser deixado para trás 149 — sendo lentíssimo —, [esse planeta]
aparece a um intervalo de tempo superior a[o d]os outros astros, como

133. Literalmente, «(astros) 141. Isto é, Mercúrio. 148. Ou atraída,


cabeludos». verosimilmente, pelo
142. Em grego, phaseis. cometa.
134. Literalmente, «leite». Ou seja, deixa de aparecer
muitas vezes. 149. Em grego,
135. DK 59 A 81. Cf. hupoleipesthai. Esse verbo
Diógenes Laércio ii 9. 143. DK 42, 5. Trata­‑se de designa a retrogradação
um matemático do século dos planetas em relação
136. Cf. DK 68 A 92 v a. C. e não do médico
(= Alexandre de aos astros fixos, isto é, às
Hipócrates de Cós. estrelas; sobre o seu uso em
Afrodísias, In Mete. 26.11
Hayduck). 144. Literalmente, astronomia, ver também
«cabeleira». Gémino, Introdução aos
137. A expressão «aparição fenómenos xii 14. Bem
conjunta» traduz uma 145. Lembramos que, para entendido, para Aristóteles,
só palavra em grego: os gregos antigos, um os astros fixos não possuem
sumphasis. Alguns planeta é literalmente um deslocamento próprio, mas
traduzem­‑na por «aparição astro errante. apenas o deslocamento
simultânea», enquanto da esfera em que estão
outros por «conjunção 146. Isto é, pelo espaço. fixados (Sobre o céu ii 8,
(aparente)». 289b32­‑33).
147. Trata­‑se da vista
138. Literalmente, «astros entendida como «raio
errantes» (planetes asteres). luminoso que sai do olho»:
ver a nota 28 ao Livro III.
139. DK 42, 5.
140. Isto é, o cometa.

54
aristóteles

quando aparece no mesmo [lugar], depois de todo o [seu] círculo ter


sido deixado para trás 150. [Dizem ainda] que é deixado para trás [indo]
quer para o norte quer para o sul 151. Mas, no lugar entre as [linhas] do
solstício 152, não arrasta a água para junto de si, porque [esta] fica quei-
mada sob a ação do deslocamento do sol. Já quando se desloca para o 10

sul, tem uma abundância de humidade  153


desse tipo, mas, pelo facto de
ser pequena a secção do seu círculo sobre a terra e a [que está] abaixo
[ser] muitas vezes maior, a vista dos homens não é capaz de se deslocar
até ao sol 154 — nem quando [este] se aproxima do lugar do solstício 155
nem quando o sol está no solstício de verão —, quebrando-se. Por isso
mesmo, nesses lugares ele 156 não se torna cometa 157. Mas quando calha
que é deixado para trás [indo] para o norte, toma uma cauda 158, por
ser grande a [sua] circunferência acima do horizonte e pequena a parte
de baixo da circunferência. Com efeito, [dizem] que a vista dos homens 20

chega, então, facilmente até ao sol.


Acontece, porém, que todos eles dizem coisas impossíveis, algumas
em comum, outras em separado.
Em primeiro lugar, aqueles que dizem que o cometa é um dos pla-
netas. Com efeito, todos os planetas são deixados para trás no círculo
do zodíaco 159, enquanto muitos cometas são vistos fora desse círculo.
Em segundo lugar, muitas vezes também surge, ao mesmo tempo, mais
do que um [cometa]. Além disso, se possuem a cauda devido ao reflexo,
como dizem Ésquilo e Hipócrates, esse astro deveria, às vezes, aparecer

150. As esferas dos astros 153. Em grego, notidos. 158. Literalmente,


fixos deram duas voltas «cabeleira».
completas enquanto o 154. Trata­‑se, mais uma vez,
planeta deu apenas uma. da vista entendida como 159. Em grego, ento(i)
É assim que, apesar de «raio luminoso que sai do kuklo(i) ton zo(i)dion,
mais lento, o cometa pode olho»: ver a nota 28 ao literalmente, «no círculo
reaparecer no mesmo lugar. Livro III. dos animaizinhos (ou das
imagenzinhas)». Trata­‑se
151. Norte, arkton; Sul, 155. Do sul, indo para da faixa da esfera celeste
noton. o solstício de inverno. cujos limites se estendem
Traduzimos o texto de paralelamente à eclíptica
152. Isto é, os trópicos. Fobes, to(i) tropiko(i) (a trajetória do movimento
Os tropikoi, as linhas que topo(i), mas existem muitas aparente do sol ao longo do
delimitam a parte mais variantes. ano), distantes cerca de oito
quente e seca da terra, graus acima e abaixo desta,
tiram o seu nome de tropai, 156. Isto é, o planeta em faixa dentro da qual se dão
«solstício» (literalmente, causa. também os movimentos
«voltas»), por indicarem a aparentes dos planetas e
altura do sol, no azimute, 157. Literalmente,
da lua.
no dia dos solstícios. «cabeludo».

55
meteorológicos

também sem cauda, dado que, embora sejam deixados para trás [indo]
30 para outros lugares, nem em toda a parte possuem a cauda. Ora, na
realidade, nenhum planeta é visto além dos cinco 160 e estes muitas
vezes aparecem todos ao mesmo tempo, elevados 161 acima do horizonte.
Mas, quer todos estejam visíveis, quer nem todos apareçam — pelo facto
de alguns estarem perto do sol —, os cometas, não obstante, aparecem
muitas vezes. E tão-pouco é verdade que um cometa surja apenas no
343b lugar para o norte, ao mesmo tempo que o sol está no solstício de verão
também. Com efeito, o grande cometa, aquele que surgiu no tempo do
abalo [de terra] e da irrupção da onda na Acaia 162, levantou-se a partir
do oeste equinocial 163; e já se produziram muitos no sul. Quando em
Atenas era arconte Eucleio, [filho] de Mólon 164, surgiu um cometa pelo
norte durante o mês de Gamélion 165, estando o sol perto do solstício de
inverno. No entanto, que haja reflexo a uma tal distância, eles próprios 166
dizem que é impossível.
[Uma impossibilidade] comum tanto a estes 167 quanto aos que di-
zem que é o contacto 168 é, em primeiro lugar, o facto de alguns dos
10 [astros] não-errantes 169 também adquirirem cauda 170. E quanto a isso
não devemos apenas acreditar nos Egípcios, embora estes o digam, pois
também nós mesmos [o] observámos 171. Com efeito, um certo astro de
entre os [que se encontram] no quadril do Cão 172 tinha cauda, ainda

160. Isto é, os planetas a identificação é incerta. 168. O termo grego é


Mercúrio, Vénus, Marte, O «grande cometa» é sunapsis. Trata­‑se de
Júpiter e Saturno. mencionado também Anaxágoras e Demócrito,
mais adiante no Livro I, para os quais um cometa
161. Em grego, meteoroi. capítulo 7 (344b34­‑345a1), é uma conjunção de
162. Como se diz logo e no Livro II, capítulo 8 astros errantes, ou seja, de
abaixo (343b18­‑20), esses (368b6­‑12). planetas.
fenómenos verificaram­‑se 163. Isto é, o oeste 169. Portanto, fixos, isto é,
na Acaia, região do norte verdadeiro. as estrelas.
do Peloponeso, durante
o arcontado de Asteio, 164. Em 427­‑426 a. C. 170. Literalmente,
logo em 373­‑372 a. C.: «cabeleira».
o terramoto destruiu a 165. No calendário grego, o
cidade de Bura, enquanto o mês de Gamélion situava­‑se 171. Tudo indica que se
maremoto que lhe sucedeu entre 15 de janeiro e 15 de trata efetivamente de
levou a cidade de Hélice fevereiro. Essa aparição teria uma observação pessoal
(Séneca, Problemas Naturais ocorrido, então, no início (cf. Cael. ii 12, 292a3­‑6),
vi 23, 4; Estrabão viii 7, de 426 a. C. embora o autor não precise
1­‑2); ver adiante, no Livro I, as circunstâncias.
166. Os que sustentam a tese
o capítulo 7 (344b35­‑345a1) criticada, isto é, Hipócrates 172. Trata­‑se do Cão
e, no Livro II, o capítulo 8 e Ésquilo. Maior, constelação que
(368b6). O cometa Halley representaria um dos cães
teria sido visível por 167. Os pitagóricos, que seguem Oríon.
volta de 370 a. C., mas Hipócrates e Ésquilo.

56
aristóteles

que ténue: para os que fitavam os olhos nele, a luminosidade tornava-se


indistinta, mas mais nítida para os que olhavam de soslaio 173. Para além
disso, todos os [cometas] que foram vistos por nós desapareceram sem
se baixarem, extinguindo-se aos poucos acima do lugar do horizonte, de
modo que não deixaram para trás o corpo nem de um nem de vários
astros. Mesmo o grande astro que foi lembrado acima apareceu no
inverno, quando o tempo estava gelado, a oeste, estando o céu limpo,
durante o arcontado de Asteio 174; e não foi visto na primeira [noite], 20

como se se tivesse posto antes do sol, mas foi visto na [noite] seguinte,
pois foi deixado para trás o menor tempo possível e baixou logo. A sua
luminosidade estendeu-se a um terço do céu qual uma torrente 175 e
por isso foi chamado «caminho». Elevou-se até à cintura de Oríon e
aí foi dissolvido.
Todavia, Demócrito combateu insistentemente pela sua opinião.
Com efeito, diz que foram vistos alguns astros aquando da dissolução
dos cometas. Ora, seria preciso que isso acontecesse não algumas vezes
sim, outras não, mas sim sempre. Para além disso, não só os Egípcios
dizem que também ocorrem encontros 176 de planetas — quer entre si,
quer com os astros não-errantes 177  —, como nós próprios já vimos 178 o 30

planeta de Zeus 179 juntar-se com algum [astro] nos Gémeos 180, fazen­do­‑o


desaparecer depois, mas sem se tornar cometa 181. Ademais, [isso fica]
manifesto também pelo raciocínio 182: mesmo se nos aparecem maiores
ou menores, os astros parecem, no entanto, ser indivisíveis, pelo menos

173. Com efeito, em hamma, «cordão» (cf. HA 177. Isto é, fixos.


virtude da concentração vii 10, 587a16), lição que
dos bastonetes, a zona foi em seguida corrigida 178. Em 343b31, o
periférica da retina é mais em halma, «salto». Fobes e manuscrito E traz in rasura
sensível à luminosidade de Louis adotam a correção, o advérbio dis, «duas vezes»,
fraca intensidade do que a enquanto alguns intérpretes lição adotada por Louis.
central. recentes optam pela
primeira lição. O manuscrito 179. Isto é, Júpiter.
174. Asteio foi arconte J traz hama, «ao mesmo
em Atenas em 373­‑372 180. A constelação desse
tempo», desprovido de
a. C. Trata­‑se do cometa nome. Cohen e Burke
sentido no contexto.
mencionado pouco acima 1990 situam tal conjunção,
Considerando a escrita em
(343b1­‑3). no céu de Atenas, no dia 5
maiúsculas, o N de HOION,
de dezembro de 337 a. C.
«qual», que precede o termo
175. Adotando em 342b23 em questão, pode explicar
a conjetura de Thillet, 181. Literalmente,
o erro. «cabeludo».
nama; cf. Livro I, capítulo 9
(347a2). A primeira mão 176. «Encontro» traduz
182. Em grego, ek tou logou.
do manuscrito E traz sunodos.

57
meteorológicos

sozinhos. Do mesmo modo, então, que, ainda que fossem indivisíveis,


ao tocar-se, não formariam nenhuma grandeza maior, assim — uma vez
344a que, embora não [o] sejam, parecem indivisíveis —, mesmo juntando-se,
não aparecerão nada maiores em tamanho 183.
Fica, pois, suficientemente claro, por estes [elementos], senão por
muitos mais, que as causas alegadas acerca deles 184 resultam falsas.

7 . o s c o m e ta s ( e x p l i c a ç ã o
de aristóteles)

Uma vez que, acerca do que não se manifesta à sensação, consideramos


suficiente a demonstração pelo raciocínio 185 quando [a] reconduzimos
ao que é possível e a partir do que efetivamente se manifesta, pode-
mos, acerca dessas coisas 186, assumir que acontecem principalmente do
modo seguinte 187. Com efeito, foi por nós estabelecido que a primeira
parte do mundo à volta da terra, [isto é,] quanto se encontra abaixo
10 do deslocamento circular 188, é uma exalação seca e quente 189. Ora, essa
[exalação], ela mesma, e uma grande parte do ar que, abaixo dela, lhe
está contíguo são arrastados à volta da terra pelo deslocamento, isto é,

183. Bem entendido, o tudo o que se move é as explicações racionais


argumento está baseado necessariamente divisível, não devem conduzir a
na aparência. O raciocínio motivo pelo qual os astros impossibilidades (como as
parece ser o seguinte: não podem ser indivisíveis; que ele acabou de detetar
os pontos geométricos, ver Ph. vi 4, 234b10­‑20. nas dos seus predecessores)
indivisíveis, não têm e, por outro, legitimar o
grandeza, pelo que se 184. Isto é, dos cometas. recurso a elementos que não
juntarmos vários não são acessíveis à sensação,
obtemos também nenhuma 185. Literalmente: como a exalação seca e
grandeza; ora, os astros, «consideramos ter quente, que é invocada na
embora não sejam pontos suficientemente sequência. Apesar de ser
indivisíveis, parecem demonstrado segundo o em princípio acessível à
sê­‑lo, sobretudo quando raciocínio». sensação, a exalação seca e
observados isoladamente; quente, não o seria de facto,
186. Isto é, dos cometas.
assim, da junção ou uma vez que se encontra
«encontro» de vários 187. A passagem contém um sempre misturada com a
astros também não deve princípio epistemológico outra, pelo menos até uma
resultar a impressão de relativo ao uso conjunto de certa altitude.
que os respetivos tamanhos sensação e pensamento. Já
aumentaram, impressão se pensou num acréscimo 188. Isto é, do movimento
que, no entanto, segundo os de origem epicurista rotatório das esferas celestes.
pensadores criticados por (cf. Diógenes Laércio x
Aristóteles, seria a causa dos 32), mas o trecho parece, 189. Ver acima, no capítulo 4
cometas. Para Aristóteles, por um lado, lembrar que (341b13­‑18).

58
aristóteles

pelo movimento circular 190. Deslocada, isto é, movida desse modo, [essa


exalação] — onde calha que seja bem temperada 191 — muitas vezes in-
flama-se; por isso, dizemos que ocorrem também as carreiras dos astros
dispersos 192. Quando, pois, um princípio ígneo 193 encontra, por causa do
movimento proveniente de cima, tal densificação — [um princípio que
seja] nem tão forte que se inflame rapidamente e em grandes bocados 194,
nem tão fraco que rapidamente se apague, mas [suficientemente] intenso
e extenso — e quando, ao mesmo tempo, coincide que, de baixo, se eleve 20

uma exalação bem temperada, isso torna-se um «astro cabeludo»  , con- 195

forme calhar que o que é exalado esteja configurado. [Mais precisamente,]


se [se forma] do mesmo modo por toda parte, chama-se «cabeludo» 196,
se em comprimento, «barbudo».
Da mesma forma que um tal deslocamento parece ser o deslocamento
de um astro, assim também a [sua] imobilidade parece ser a imobilidade
de um astro, a qual é semelhante. Com efeito, o que se produz é mais ou
menos como se alguém atirasse uma tocha acesa numa grande quantidade
de palha 197 ou aí lançasse um pequeno princípio ígneo. A carreira dos
astros 198 também parece ser semelhante a isto, pois rapidamente, devido
à boa constituição do combustível, [o fogo] espalha-se ao comprido.
E se ele permanecesse imóvel e não se consumisse, difundindo-se, aí onde 30

maximamente se concentra o combustível, o princípio do deslocamento


tornar-se-ia o fim da carreira. O cometa é um astro deste tipo: como
que uma carreira de astro que tem em si mesmo termo e princípio 199.
Quando o princípio da condensação se dá, pois, no próprio lugar de
baixo, aparece um cometa por si só. Já quando a exalação se condensa sob
a ação de algum dos astros, ou não-errantes 200 ou errantes 201, devido ao

190. Ver acima, no capítulo 3 193. Isto é, uma centelha. 199. A ideia parece ser que
(340b33­‑34). os cometas e as estrelas
194. Ver acima, capítulo 4, cadentes têm um mesmo
191. Em grego, eukratos. a propósito das estrelas princípio explicativo,
cadentes, archotes e cabras. mas enquanto nestas a
192. «Dispersos» traduz inflamação alastra e espalha­
sporades. Trata­‑se das 195. Aster kometes, isto é, ‑se, naqueles a inflamação
estrelas cadentes: ver acima, um cometa. mantém­‑se concentrada, de
no capítulo 4 (341b18­‑35). tal modo que se pode dizer
Segundo Olimpiodoro 196. Kometes.
que o seu início e o seu
(77.21­‑22), esses astros termo (espaciais) coincidem.
são assim chamados por 197. Cf. acima, capítulo 4
não formarem nenhuma (341b26­‑27).
200. Isto é, fixos, estrelas.
constelação, eidolon
198. Isto é, estrelas cadentes.
(«imagem»). 201. Isto é, planetas.

59
meteorológicos

344b [seu] movimento, um destes torna-se, então, cabeludo 202: a cabeleira 203 não


se forma junto aos próprios astros, mas, assim como se veem os halos 204
à volta do sol e da lua seguirem-nos, apesar de [estes últimos] mudarem
de lugar, quando o ar está tão densificado ao ponto de esse fenómeno
se produzir abaixo do curso do sol, assim também a cabeleira é como
que um halo para os astros — exceto que este 205 torna-se tal quanto à
coloração devido a um reflexo, enquanto lá 206 a cor aparece sobre eles 207.
Quando uma tal aglomeração se forma, então, em relação a um astro,
10 necessariamente se vê o cometa mover-se com o mesmo deslocamento
com que o astro se desloca. Já quando se constitui por si só, veem-se [os
cometas] serem deixados para trás 208, pois tal é o deslocamento do mundo
ao redor da terra 209. Com efeito, o que sobretudo denuncia que o cometa
não é um certo reflexo, como um halo, que se produz em combustível
puro em direção ao próprio astro — e não, como dizem os [seguidores]
de Hipócrates, [em direção] ao sol — é o facto de que muitas vezes o
cometa também se forma por si só, até mais vezes do que à volta de
certos astros determinados 210.

202. Isto é, um cometa. 208. No texto original, há


Nesse caso, o cometa será efetivamente uma passagem
um fenómeno também, em do singular ao plural no
parte, astronómico e não texto original. Não é um
inteiramente meteorológico. caso único, ver também
o capítulo 13 (349a33). É
203. Isto é, a cauda. um sinal do caráter não
«acabado» do texto.
204. Sobre os halos, ver o
Livro III, capítulo 3. 209. Ou seja, vemos tais
cometas serem deixados
205. Em grego, há um para trás por seguirem o
feminino, que, em princípio, movimento circular do
pode ter como antecedente mundo sublunar ao redor
tanto a cabeleira quanto o da terra, que é menos
halo. Mas tudo leva a crer rápido do que o das esferas
que se trate deste último. celestes.
206. No caso dos cometas. 210. Ver, adiante, o
capítulo 8 (346a13­‑15).
207. Não sobre os próprios
astros (pois, nesse caso,
haveria contradição com o
que é dito pouco acima),
mas sim sobre os cometas,
isto é, sobre as «cabeleiras».
Com efeito, enquanto o
halo reflete a luz do sol
ou da lua, o cometa tem
luz própria. Cf. adiante,
no Livro I, o capítulo 8
(345b24­‑25), a propósito da
via láctea.

60
aristóteles

Acerca da causa do halo falaremos, então, depois 211, mas, acerca do


facto de a constituição deles 212 ser ígnea, é preciso considerar uma prova 213
o facto de que, quando se produzem mais numerosos, assinalam ventos 214 20

e secas. Com efeito, é evidente que se formam por ser tanta a excreção
desse tipo 215, de modo que necessariamente o ar é mais seco e o húmido
que se evapora desagrega-se e é dissolvido pela grande quantidade de
exalação quente, de maneira que não se condensa facilmente em água. Mas
falaremos de maneira mais precisa sobre esse fenómeno também, quando
for o momento de falar igualmente sobre ventos 216. Quando, pois, [os
cometas] aparecem concentrados 217 e em maior número, como dizemos,
os anos fazem-se manifestamente secos e ventosos. Mas quando são mais
dispersos e mais dificilmente distinguíveis quanto ao tamanho, tal não
acontece, ainda que no mais das vezes se forme um excesso de vento, em 30

duração ou em intensidade. De facto, também quando a pedra, vinda do


ar, caiu no Egospótamo 218, caiu de volta depois de ter sido elevada pelo

211. Livro III, capítulos 2­‑3. resposta seria que esses 217. Densos ou frequentes.


Alguns intérpretes acreditam fenómenos não constituem
que o trecho que vai um objeto da meteorologia, 218. Cidade e rio do
de «com efeito, o que pelo menos não segundo Quersoneso da Trácia, hoje
sobretudo denuncia» até o plano inicial (de facto, Península de Gelibolu,
aqui (344b12­‑18) é uma não são mencionados na Turquia. Trata­‑se
interpolação posterior, ou no capítulo 1: ver, supra, provavelmente da queda de
seja, uma glosa que acabou a nota 20 ao Livro I), e um meteorito. Costuma­‑se
por ser inserida no texto. que os capítulos 2­‑6 do identificar essa queda com
No que concerne à remissão Livro III, que abordam a que Anaxágoras teria
relativa ao halo, se ela visa esses fenómenos, são previsto (DK 59 A 1, 10
o nosso Livro III, onde esse um acréscimo posterior. = Diógenes Laércio ii
e outros fenómenos devidos Outras razões, fortes e 10), mas acredita­‑se que
ao reflexo são efetivamente independentes, fazem se trate de uma invenção;
tratados, esse adiamento mesmo crer que esse de uma queda desse tipo
resulta deveras estranho: acréscimo não é de Anaxágoras teria tirado
porque não tratou o autor Aristóteles: ver a nota 28 a ideia de que o céu é
de todos os fenómenos ao Livro III. constituído por pedras
devidos ao reflexo no (Diógenes Laércio ii
212. Isto é, dos cometas. 11­‑12). A queda teria
Livro I, em particular no
capítulo 5, que justamente 213. Em grego, tekmerion. ocorrido durante o
parece o lugar mais indicado Segundo a definição arcontado de Teágenis
para isso? Por outras canónica, uma prova é um em Atenas, em 468­‑467
palavras, se o tratamento sinal necessário (Retórica i a. C.; outras fontes apontam
do halo e dos outros 2, 1357b1­‑10). Mas o para 467­‑466 ou 466 a. C.
fenómenos devidos ao uso do termo pode não [DK 59 A 11 = Mármore
reflexo tratados no Livro III seguir rigorosamente essa de Paros Ep. 57 = F. Gr.
faz parte da meteorologia, definição. Hist 239 A 57 ii 1000;
não se entende porque Plínio, História Natural ii
é que o autor não os 214. Em grego, pneumata. 149; Eusébio (Jerónimo),
trata juntamente com os Crónica]. Diógenes de
215. «Excreção» traduz Apolónia também teria
fenómenos luminosos
ekkrisis. Trata­‑se da exalação falado desse acontecimento
examinados nos
quente e seca. no Egospótamo (DK 64 A
capítulos 4­‑7 do Livro I,
alguns dos quais são devidos 216. Em grego, pneumata. 12 = Aécio ii 13, 5).
ao reflexo (capítulo 5). Uma

61
meteorológicos

vento durante o dia; e ao mesmo tempo aconteceu que um astro cabe-


ludo 219 já tivesse surgido a oeste. E quando do grande astro cabeludo 220,
o inverno era seco e com vento do norte e a onda for­mou-se devido
345a aos ventos contrários 221, pois dentro do golfo 222 dominava um vento do
norte, enquanto fora [do golfo] soprava um forte vento do sul. Ademais,
durante o arcontado de Nicómaco 223, apareceu por alguns dias no círculo
equinocial 224 um cometa, que não tinha nascido no Oeste, com o qual
coincidiu o vento surgido em Corinto.
A causa de não se formarem muitos cometas nem muitas vezes, e mais
fora dos trópicos do que dentro, é o movimento do sol e dos astros, que não
só expulsa o quente, como ainda desagrega o que se condensa. E a principal
causa é que a maior parte 225 se concentra na região da via láctea.

8. a via l áctea

10 Digamos, pois, como e por que causa se forma e o que é a via láctea 226.
Mas antes disso exponhamos primeiro, sobre este assunto também, o que
foi dito pelos outros.
De entre os chamados «pitagóricos», alguns dizem que ela é um
caminho: uns dizem que é [o caminho] de um dos astros que caíram
aquando da falada aniquilação de Faetonte 227, enquanto outros dizem que
antigamente o sol percorria esse círculo, de modo que esse lugar ficou
queimado ou sofreu algum outro fenómeno semelhante por ação do
deslocamento deles 228. Mas é absurdo não compreender que, se realmente

219. Isto é, um cometa. 225. Provavelmente, conduzir o carro do Sol,


trata­‑se da maior parte aproximou­‑se de mais da
220. Trata­‑se do grande da composição ígnea dos Terra; para evitar uma
cometa de 373 a. C., cometas, como indica conflagração geral, Zeus
mencionado no capítulo 6 uma passagem semelhante: lançou contra Faetonte um
(343b1­‑4 e 17­‑25). ver adiante, no Livro I, o raio, que o fez cair no rio
capítulo 8 (346b7­‑10). Erídano; sobre a sua queda,
221. Ver, no Livro II, o ver ainda a nota 229 ao
capítulo 8 (368a34­‑368b12). 226. Literalmente, «leite». Livro IV. Pode surpreender
227. Figura mitológica, que Aristóteles evoque esta
222. Trata­‑se do golfo de explicação pelo mito de
Corinto. filho de Hélio (Sol) e da
oceanina Clímene, segundo Faetonte, mas ela é logo
uma tradição, filho de excluída, não carecendo de
223. Em Atenas, em argumento contrário.
341­‑340 a. C. Céfalo e de Eos (Aurora),
segundo outra. Conta um
224. Isto é, na linha do mito ligado à primeira 228. Do sol ou dos outros
equador. tradição que Faetonte, ao astros mencionados.

62
aristóteles

fosse essa a causa, seria necessário que também o círculo do zodíaco 20

estivesse assim — e mais ainda do que a via láctea —, pois todos os


planetas se movem nele e não apenas o sol. E todo o círculo do zodíaco
nos é visível, já que [mesmo] à noite vê-se sempre o seu semicírculo.
Mas não parece ter sofrido nada desse tipo, exceto no caso em que uma
parte dele se sobrepõe ao círculo da via láctea.
Outros, seguidores de Anaxágoras e Demócrito, dizem que a via
láctea é a luz de certos astros: certos astros não são iluminados pelo
sol 229 quando este se desloca para debaixo da terra. Por outro lado, a
luz daqueles que são por ele iluminados não aparece, já que é impedida
pelos raios de sol. Ora, a luz própria daqueles que a terra tapa, de tal 30

modo que não são iluminados pelo sol, é que eles dizem que é a via
láctea 230. Mas é claro que também isso é impossível. Com efeito, a via
láctea é sempre a mesma e está nos mesmos astros (é manifestamente
um círculo grandíssimo 231), enquanto os que não são iluminados pelo
sol são sempre diferentes, pelo facto de ele não permanecer no mesmo
lugar. E seria necessário que, ao mover-se o sol, também se movesse a
via láctea. Mas, de facto, isso manifestamente não acontece. Ademais, se, 345b

como agora se mostra nos estudos astronómicos  , o tamanho do sol é


232

maior do que o da terra e o intervalo dos astros para a terra é muitas


vezes maior do que o [intervalo] do sol [para a terra], assim como o do
sol para a terra [é muitas vezes maior] do que o da lua [para a terra],
o cone proveniente do sol não reuniria os seus raios em algum ponto
[suficientemente] distante da terra e tão-pouco a sombra da terra, a
chamada «noite», estaria sobre os astros. Antes, necessariamente, o sol
ilumina todos os astros e a terra não tapa nenhum deles.
Existe ainda uma terceira posição 233 sobre isso. Com efeito, alguns 10

dizem que a via láctea é o reflexo da nossa vista em direção ao sol,


como o cometa 234. Mas isto também é impossível. Com efeito, se o

229. Literalmente, não veem e 17; 346b6). Cf. o uso da 234. Trata­‑se provavelmente


o sol. geometria no Livro III, de Hipócrates de Quíos, seu
capítulo 5, a propósito do discípulo Ésquilo e outros
230. Na suposição, ao que arco­‑íris. seguidores: ver acima, nos
parece, de que a Terra é capítulos 6 (342b35­‑343a4;
maior do que o Sol. 232. Ver acima, no capítulo 3 343a26­‑28) e 7 (344b12­‑17).
(339b6­‑9).
231. Ver adiante, no
capítulo 8 (345b19; 346a9 233. Em grego, hupolepsis.

63
meteorológicos

observador, o espelho e tudo quanto nele se vê estivessem parados,


no mesmo ponto do espelho apareceria a mesma parte da imagem
refletida 235. E se o espelho e o que nele se vê se movessem, à mesma
distância relativamente ao observador que está parado, mas, um em
relação ao outro 236, não houvesse nem a mesma rapidez nem sempre a
mesma distância, seria impossível que a mesma imagem refletida estivesse
sobre as mesmas partes do espelho. Ora, os astros que se deslocam no
20 círculo da via láctea, bem como o sol em direção ao qual [se daria] o
reflexo, movem-se, enquanto nós permanecemos parados, estando [eles]
afastados de uma distância constante e igual em relação a nós, mas não
igual entre si. Com efeito, o Delfim 237 aparece, às vezes, a meio da noite,
outras de madrugada, enquanto as partes da via láctea permanecem
as mesmas em cada [lugar]. Todavia, [isso] não deveria [acontecer]
se esse fenómeno [i. e. a via láctea] fosse uma imagem refletida e não
fosse algo [que acontece realmente] nos próprios lugares 238. Ademais, a
quem observe à noite, a via láctea também aparece na água e noutros
espelhos desse género; mas como é possível[, nesse caso,] que a vista
se reflita em direção ao sol 239?
Por [tudo] isto, fica, pois, claro que a via láctea não é nem um caminho
de nenhum dos planetas, nem uma luz dos astros não iluminados [pelo
30 sol], nem um reflexo. E são mais ou menos essas [posições] apenas as
até agora transmitidas pelos outros [sobre o assunto].
Mas digamos nós mesmos [o que é a via láctea], retomando um
princípio por nós já estabelecido 240. Com efeito, foi dito antes que a
parte extrema do que chamamos «ar» 241 tem a capacidade do fogo 242, de
modo que, quando o ar é desagregado pelo movimento, desprende-se
uma composição do mesmo tipo que aquela que dizemos que os come-
tas são também. Deve pensar-se decerto que é um acontecimento desse

235. A expressão «imagem 238. Isto é, nos próprios 240. Ver acima, no capítulo


refletida» traduz o termo lugares em que a via láctea 7 (344a8­‑15).
emphasis. aparece.
241. A parte mais afastada
236. Isto é, o espelho e o 239. O argumento não da terra.
que nele se vê. está muito claro. Segundo
Alexandre de Afrodísias 242. Ver acima, no capítulo 3
237. A pequena constelação, (In Mete. 40, 18­‑20 (340b23­‑29).
também chamada Hayduck), o que tornaria
«Golfinho», que se encontra impossível o reflexo duplo é
perto da via láctea. a distância.

64
aristóteles

tipo o que justamente se refere àquelas coisas 243, quando se gera uma tal 346a

excreção, não por si mesma e sozinha, mas por efeito de algum dos astros,
seja das estrelas ou dos planetas 244. Estes aparecem, então, cabeludos 245,
pelo facto de [uma tal excreção] os seguir no seu deslocamento, assim
como uma tal aglomeração [segue] o sol, [aglomeração] a partir da qual,
dizemos nós, aparece o halo devido ao reflexo, quando calha que o ar
se encontre temperado 246. É preciso compreender que o que ocorre a
um só desses astros acontece por todo o céu e todo o deslocamento de
cima. Com efeito, é lógico pensar que, se o movimento de um só astro
produz efetivamente algo desse tipo, também o movimento de todos
[os astros] o produzirá, inflamando o ar e desagregando[-o], devido ao
tamanho do círculo 247, e mais ainda no lugar em que sucede estarem os 10

mais densos, numerosos e maiores dos astros. O [círculo] do zodíaco


dissolve, pois, uma tal composição devido ao deslocamento do sol e dos
planetas 248. Justamente por isso, a maior parte dos cometas forma-se fora
dos trópicos. E ainda, não se forma cabeleira 249 nem à volta do sol nem
à volta da lua, pois ambos desagregam uma tal aglomeração de maneira
demasiado rápida para que [esta] possa constituir-se. Mas sucede que esse
círculo em que a via láctea aparece aos que [a] veem é grandíssimo e,
pela posição, dispõe-se de tal modo que se estende muito para além dos
trópicos. Ademais, o lugar está repleto de astros, dos maiores e dos mais 20

brilhantes, e ainda de [astros] chamados «dispersos»  250


(isso é possível de

243. O autor refere­‑se necessário que o iminente vez, uma glosa secundária,
provavelmente à via láctea. deslocamento dos que explicitaria a correlação,
próprios círculos maiores sugerida pela primeira,
244. Literalmente, «quer maximamente produza entre o tamanho da esfera
dos [astros] fixos quer dos isso... Isso é preciso e a sua capacidade de
[astros] errantes». para que se gere muito inflamar a camada superior
movimento, devido ao da atmosfera.
245. Isto é, como cometas. tamanho [do círculo],
e produza o incêndio.» 248. Ver acima, no capítulo 7
246. Em grego, kekramenos. (345a6­‑8).
Ademais, os manuscritos E,
247. Aqui, inserir­‑se­‑iam as J e W, bem como o texto 249. Isto é, cauda.
linhas 346a9a­‑d da edição comentado por Alexandre
de Fobes, que este tirou de de Afrodísias e João 250. Trata­‑se das estrelas
dois lemmata do comentário Filópono, omitem «o ar e cadentes; ver acima, nos
de Olimpiodoro (In [o] desagregue, devido ao
capítulos 6 (344a15) e 4
Mete. 77.3­‑4 e 7­‑8 Stüve), tamanho do círculo» (346a9­
(341b18­‑35).
acolhendo­‑as no texto ‑9ª; cf. capítulo 7, 345a8­‑10).
entre parênteses angulares. Por isso, Groisard considera
Não aceitamos esse essas palavras uma glosa, da
acréscimo, mas aqui está qual as linhas acrescentadas
a tradução: «É certamente por Fobes seriam, por sua

65
meteorológicos

ver claramente até mesmo com os olhos), de modo que, por causa deles,
essa aglomeração concentra-se toda aí sempre e continuamente. E aqui está
um sinal: a luz do próprio círculo é maior naquele dos dois semicírculos
que tem o desdobramento 251. Neste, os astros são mais numerosos e mais
densos do que no outro [semicírculo], já que a luminosidade não se forma
devido a nenhuma outra causa senão ao deslocamento dos astros. Com
efeito, se [a luz] se forma naquele círculo onde está a maior parte dos
astros e, dentro dele, naquela parte onde parecem estar concentrados os
30 astros, por tamanho e por número, é plausível assumir que esta seja a
causa mais apropriada do fenómeno.
Observe-se o círculo, bem como os astros dentro dele, a partir do
desenho 252. Quanto aos [astros] chamados «dispersos», não é possível
situá[-los] na esfera deste modo pelo facto de nenhum deles ter, cada
um, uma posição completamente manifesta 253, ainda que sejam visíveis
para os que olham para o céu. De entre os círculos, apenas neste os
espaços intermédios estão repletos de astros deste tipo, enquanto nos
346b outros manifestamente [esses astros] deixam intervalos vagos 254. Por
conseguinte, se para o aparecimento dos cometas aceitamos essa causa
como razoável, também em relação à via láctea devemos julgar do mes-
mo modo. Com efeito, lá a cabeleira 255 é um fenómeno [que se produz]
à volta de um único [astro], [enquanto aqui] esse mesmo [fenómeno]
acontece à volta de um certo círculo. Ou seja, a via láctea é, para dar
como que uma definição, uma cabeleira do círculo maior devida à

251. O autor refere­‑se se tratasse de um esquema consideração não implica


provavelmente à bifurcação que acompanhava o texto, uma confusão entre a via
da faixa luminosa da mas sim de uma espécie láctea e os astros dispersos.
via láctea na parte do de mapa do céu ou de
hemisfério norte, na altura globo, que era mostrado aos 255. Isto é, a cauda.
da constelação do Cisne. alunos. Assim, a passagem
atestaria o caráter didático
252. Em grego, ek tes do texto.
hupographes. Nenhum
manuscrito conservou 253. Isto é, definida,
esse desenho (nem determinada.
os comentadores
antigos propõem um), 254. Aqueles espaços
contrariamente ao que intermédios (ta metaxu)
aconteceu com outros parecem ser os intervalos
que são mencionados ao entre os astros que têm
longo do tratado (ver, por posição definida, enquanto
exemplo, no Livro II, o os astros aqui mencionados
capítulo 6, 363a26). Uma seriam os chamados
explicação seria que não «dispersos». Todavia, essa

66
aristóteles

excreção 256. Por isso, conforme dissemos anteriormente 257, não se formam


muitos cometas nem frequentemente, pelo facto de que continuamente,
durante cada revolução, uma tal composição foi ou está a ser sempre
segregada para esse lugar 258.
Falámos, pois, acerca do que se produz no mundo à volta da terra 10

que é contíguo aos deslocamentos: tanto da carreira dos astros como da


chama ardente, e ainda dos cometas e da chamada «via láctea». Esses são
mais ou menos todos os fenómenos que aparecem nesse lugar.

9. fenómenos que o correm na região


c o m u m d o a r e da ág ua

Falemos sobre o lugar que, por posição, é segundo depois deste 259, mas
primeiro à volta da terra. Ele é um lugar comum à água, ao ar e às coisas
que ocorrem na geração dela 260 no alto 261. Deve-se também compreender
os princípios e as causas de todas estas coisas do mesmo modo 262. 20

256. Em suma, como já das esferas celestes, zona fenómenos semelhantes (ii
acontecera, no capítulo em que se verificam os 9­‑iii 1).
anterior, com os cometas, fenómenos tratados nos
ou pelo menos com um capítulos 4­‑8. 262. Tal como se
certo tipo de cometas, compreenderam do mesmo
justamente aqueles que se 260. Isto é, da água. modo os princípios e causas
produzem à volta de certos dos fenómenos da região
astros, a inclusão da via 261. O presente capítulo superior, todos resultantes
láctea no mundo sublunar, abre a grande secção sobre da exalação seca.
mais precisamente na sua «a região comum à água e
esfera extrema (logo, no ao ar» que se estende até
âmbito meteorológico), não ao capítulo 1 do Livro III
é total. Para dizer doutro e, de facto, termina o
modo, Aristóteles admite programa anunciado no
um componente estrelar capítulo 1, se excluirmos
(logo, de competência da uma possível referência ao
astronomia) na composição Livro IV aí presente. Essa
da via láctea. abordagem subdivide­‑se do
seguinte modo: orvalho e
257. Ver acima, no capítulo 7 geada (i 10); chuva, neve
(345a8­‑10). e granizo (i 11­‑12); rios
(i 13); mudanças climáticas
258. A região da via láctea e ciclo da inversão entre
para onde se liberta a terra e mar (i 14); mar (ii
excreção dos astros. 1­‑3); ventos (ii 4­‑6); sismos,
259. Ou seja, da zona do que fariam parte dos ventos
mundo à volta da terra (ii 7­‑8), furacões e outros
que é contígua à região

67
meteorológicos

o c i c l o d a á g ua e d o a r

Por um lado, o primeiro e principal dos princípios, enquanto aquilo


que move, é o círculo pelo qual o deslocamento do sol — desagregando
e agregando [os corpos], por ficar próximo ou mais distante [deles] —
é manifestamente causa da geração e da corrupção 263. Por outro lado,
uma vez que a terra permanece imóvel, o húmido à volta dela desloca-se
para cima, evaporando-se por efeito dos raios de sol e do calor restante 264
proveniente de cima. Mas quando o calor que a conduziu para cima a
abandona — tanto porque, por um lado, se espalha em direção ao lugar
de cima, como porque, por outro, se extingue pelo facto de se elevar 265
mais longe no ar acima da terra —, o vapor condensa-se de novo, arre­
30 fecido pela perda do quente e pelo lugar 266. E de ar torna-se água e, ten-
do-se tornado [água], de novo se desloca para a terra 267. A exalação que
provém da água é vapor, enquanto a que provém do ar e se transforma
em água é nuvem. E o nevoeiro é um resíduo da agregação em água de
uma nuvem. Por isso, é mais um sinal de bom tempo do que de chuva:
o nevoeiro é como que uma nuvem estéril.
Ora, gera-se um círculo, este que imita o círculo do sol 268. Com
347a efeito, ao mesmo tempo, aquele muda para os lados 269 e este para cima

263. Ver acima, no 265. Em grego, Ou melhor, o ciclo de


capítulo 2 (339a27­‑32), meteorizesthai. evaporação e condensação
onde se estabeleceu de da água — que a faz descer
maneira mais geral que o 266. Isto é, pela altura. e subir, girando entre a
mundo supralunar é a causa O vapor condensar­‑se­‑ia por terra e o céu — reproduz o
motriz do que acontece se encontrar a uma altura ciclo da variação de altura
no mundo sublunar. superior. Ver acima, no no céu, ao longo do ano, da
O deslocamento do sol em capítulo 3 (340a30­‑32). trajetória do sol (ver a nota
questão não é (apenas) o seguinte), que determina
seu deslocamento diário, 267. O ciclo da água e do justamente de modo
mas o seu deslocamento ar também é mencionado «mecânico» o ciclo de
anual ao longo da eclíptica: noutras obras: PA ii 7, evaporação e condensação
ver GC ii 10, em particular 653a2­‑8; Somn.Vig. 3, e, assim, a mudança das
336a31­‑32. Em todo o 457b31­‑458a1; Apo. ii 12, estações.
caso, o deslocamento, isto 96a3­‑7.
é, o movimento segundo o 269. A expressão «para
268. Não se trata de os lados» refere­‑se
lugar, é, assim, primeiro em
nenhuma «emulação provavelmente ao Norte
relação a todo o outro tipo
cósmica», ver Veloso 2004, e ao Sul: ver adiante,
de movimento: ver Ph. viii
em particular pp. 315­‑400. no Livro II, o capítulo 4
7, 260a26­‑261a26.
Aristóteles entende dizer (361a10).
264. O calor dos outros simplesmente que o círculo
astros. da água reproduz o do sol,
que é a sua causa motriz,
como foi dito acima.

68
aristóteles

e para baixo 270. Deve pensar-se nisso como um rio, comum ao ar e à


água, que flui em círculo para cima e para baixo. Com efeito, quando o
sol está perto, o rio do vapor flui para cima, quando o sol se afasta, o da
água flui para baixo. E isso tende a 271 gerar-se ininterruptamente, segundo
esta ordem, de modo que, se efetivamente os antepassados falavam de
Oceano de modo enigmático, talvez entendessem esse rio que flui em
círculo à volta da terra 272.

c h u va s

Ora, sendo o húmido sempre conduzido para cima, devido ao po-


der do quente, e sendo de volta levado para baixo, em direção à terra,
devido ao arrefecimento, esses fenómenos e algumas das suas variedades 10

dispõem de nomes próprios: quando se desloca em pequenas partículas


chama-se «chuvisco», quando se desloca em grandes partículas chama-se
«aguaceiro».

1 0 . o o r va l h o e a g e a d a

Do vapor que sobe durante o dia, quanto não se elevar — devido à


pouca quantidade de fogo que o conduz para cima, em proporção com
a água que é conduzida para cima — volta a cair à noite, ao arrefecer, e
é chamado quer «orvalho» quer «geada». «Geada», quando o vapor gela
antes de se condensar novamente em água — o que sucede no inverno
e sobretudo em lugares frios; «orvalho», quando o vapor se condensa em
água, mas nem o calor é suficiente para secar o que se elevou, nem o frio 20

suficiente para congelar o próprio vapor, pelo facto de o lugar ou a hora

270. Os demonstrativos 271. Literalmente, «quer», emersas (Heródoto iv


desta frase não parecem ethelei. 36); cf. o mapa da terra
anafóricos, mas deícticos: atribuído a Anaximandro
«este» indicaria o mais 272. A tradição qualificava o — ver, adiante, a nota 321
próximo de nós, que deus Oceano de apsorroos, ao Livro I —, reconstruído
estamos na terra, «aquele», «refluente» (Homero, Ilíada por Conche 1991, p. 47).
o mais distante. Não é xviii 399; Odisseia xx 65; Aristóteles recupera essa
impossível, aliás, que se Hesíodo, Teogonia 776), mas figura mitológica, mas
refiram a algum desenho; concebia­‑o provavelmente concebendo­‑a na vertical.
ver, supra, a nota 252 ao como um grande fluxo
Livro I. circular à volta das terras

69
meteorológicos

serem mais quentes. O orvalho forma-se mais quando há bom tempo e


em lugares onde há tempo melhor; e a geada, como se disse, nas [condi-
ções] contrárias. Porque, evidentemente, o vapor é mais quente do que a
água (pois ainda retém o fogo que o faz subir), de modo que congelá-lo
é [obra] de uma maior quantidade de frio. Mas ambos 273 formam-se em
tempo claro e sem vento. Com efeito, [o vapor] nem será elevado sem
tempo claro, nem poderá condensar-se com vento a soprar.
[Eis] um sinal de que estas coisas se formam pelo facto de o vapor
30 não se elevar até muito longe: nas montanhas, não se forma gea­da 274.
Uma das causas é esta: [o vapor] sobe a partir de lugares ocos e com
muita água, de modo que o calor que o eleva, como se transportasse
muita carga, não consegue elevá-lo para um lugar muito nas alturas,
antes, [ainda] próximo [da terra], deixa-o cair de novo. A outra causa é
que o ar que sopra nos lugares altos é também o que mais sopra, o que
dissolve uma tal condensação.
Em todo o lado, o orvalho forma-se com os ventos do sul e não do
norte, exceto no Ponto 275 — aí é o contrário, forma-se com os ventos
347b do norte e não do sul. Mas a causa é a mesma que aquela pela qual se
forma quando faz bom tempo e não no inverno: o vento do sul produz
bom tempo e o do norte mau tempo, pois é frio, de tal modo que, pelo
mau tempo [que traz], extingue o calor da exalação. Mas no Ponto o
vento do sul não produz tempo suficientemente bom para que se forme
vapor, enquanto o vento do norte, repelindo 276 o calor por causa do

273. Isto é, geada e orvalho. também o traduzimos por verbo antimethistemi ou o


«compelir». Para Pepe, sob substantivo antimetastasis:
274. Tal consideração é o mesmo termo, teríamos, ver, no Livro IV, o capítulo 9
surpreendente, pelo menos na verdade, dois processos (386a25); cf. Ph. iv 1,
à primeira vista. distintos: 1) a repulsão que 208b2; 4, 211b27; viii
275. O mar Negro, um contrário exerce sobre 10, 267a16. Todavia, talvez
antigamente também o outro provocando uma sejam, pelo menos em
chamado Euxino ou Ponto concentração anómala deste certos casos, dois aspetos de
Euxino. — seria o caso da presente um mesmo processo, como
passagem, bem como do parece sugerir Groisard,
276. Em grego, antiperiistas. capítulo 12 do Livro I para quem se trata, aqui,
O verbo antiperiistemi (348b2; 6; 16; 349a8) e da concentração pela
(infinitivo, antiperiistasthai) do capítulo 5 do Livro IV compressão circular que um
ou o substantivo (382b10); 2) o deslocamento contrário exerce sobre o
antiperistasis aparecem das partes num fluido sob outro e que determina não
várias outras vezes ao pressão: ver, no Livro II, uma assimilação, mas sim
longo do tratado, mas o capítulo 4 (360b25) e, uma maior diferenciação,
o seu sentido não está no Livro IV, o capítulo 4 que se traduz espacialmente
muito claro e as traduções (382a12). Para este último numa troca de posição dos
variam muito; nós próprios sentido, é usado também o contrários.

70
aristóteles

seu frio, concentra-o de tal forma que este se evapora muito mais. Mas
é possível ver isso acontecer muitas vezes mesmo em lugares fora [do
Ponto]: os poços evaporam-se mais com o vento do norte do que com
o do sul. Mas os ventos do norte extinguem [a exalação] antes que uma 10

certa massa se condense, enquanto, com os ventos do sul, a exalação tem


condições de se concentrar.
Porém, a própria água não se solidifica [aqui] do mesmo modo que
no lugar onde estão as nuvens.

1 1 . a c h u va , a n e v e e o g r a n i z o

Daí 277 vêm regularmente três corpos que se condensam por arrefeci-


mento: a água [da chuva] 278, a neve e o granizo. Destes, dois formam-se
de maneira análoga e pelas mesmas causas pelas quais se formam os de
baixo, diferenciando-se pelo mais e pelo menos, ou seja, pela maior ou
menor quantidade. Com efeito, a neve e a geada são o mesmo, assim como
a chuva e o orvalho, mas, num caso, forma-se em grande quantidade e,
no outro, em pequena.
A chuva 279 forma-se de uma grande quantidade de vapor que arre-
fece — a causa disso é o facto de serem grandes o tempo e o lugar no 20

qual e a partir do qual é recolhido. Já o orvalho forma-se em pouca


quantidade: a sua formação é efémera e o lugar, pequeno. Mostra-o o
facto de a sua formação ser rápida e a massa ser pequena.
De modo semelhante a geada e a neve: quando se solidifica a nuvem,
é neve, quando o vapor 280, geada. Por isso, ambas são indício de tempo
ou de regiões frias: [a nuvem e o vapor] não se solidificariam — tendo
em si ainda uma grande quantidade de calor —, se o frio [exterior] não
predominasse. Com efeito, na nuvem fica ainda muito do calor deixado
pelo fogo que evapora a humidade a partir da terra.

277. Da região das nuvens, presente capítulo. Lembramos 279. Em grego, uetos.
que acabou de ser que, embora tradicional, a
mencionada. Com efeito, a divisão em capítulos não é 280. Ver acima, no
presente frase pode também obra do seu autor. capítulo 10 (347a13­‑16).
ser considerada o final
do capítulo anterior, ou a 278. Em grego, hudor,
anterior como início do «água» ou «chuva».

71
meteorológicos

E o granizo forma-se lá [em cima], mas no que se evapora junto à


30 terra não há isso. Como dissemos, assim como lá se forma neve, aqui
forma-se geada, [e] assim como lá se forma chuva, aqui orvalho. Mas
ao granizo que lá se forma não corresponde aqui algo de semelhante.
E ficará patente a causa quando falarmos sobre o granizo.

1 2 . o g r a n i z o ( c o n t i n uaç ão )

Acerca da sua formação, devemos tomar em consideração ao mesmo


tempo tanto as circunstâncias 281 que não nos fazem hesitar quanto as
que parecem ser inexplicáveis 282. O granizo é, sim, gelo, mas a água
solidifica-se no inverno, enquanto as granizadas formam-se sobretudo
348a na primavera e no outono; secundariamente, às vezes, também no fim
do verão 283, mas poucas vezes no inverno, e quando o frio é menor.
Ademais, geralmente as granizadas formam-se nos lugares com tempo
melhor, enquanto os nevões, nos mais frios. É estranho também que a
água se solidifique no lugar de cima: nem é possível que se solidifique
antes de se ter convertido em água primeiro, nem a água é capaz de
permanecer suspensa no ar 284 durante tempo algum. Mas tão-pouco é
como as gotas de água conduzidas para cima devido à sua pequenez
e que permanecem assim pelo ar — tal como, muitas vezes, terra ou
ouro, devido ao seu parcelamento em pequenas partes 285, flutuam sobre
10 a água, assim também a água [flutua] sobre o ar, [até que], juntando-se
muitas pequenas, grandes gotas são levadas para baixo. Com efeito, não
é possível que isso aconteça no caso do granizo: as [gotas] solidificadas
não se unem como as húmidas. É, pois, evidente, que água em certa
quantidade ficou parada no alto, pois[, se não,] em tal quantidade não
se solidificaria.

281. Em grego, sumbainonta. apenas num segundo uma quinta estação, como
momento: ver 348a14 observa Louis, ver o final
282. Em grego, paraloga. e seg.), mas sim uma do capítulo (348b27­‑30).
Como observam alguns dificuldade posta pelo
exegetas, o ponto de próprio fenómeno a ser 284. Em grego, meteoron.
partida, aqui, não é uma compreendido.
controvérsia (no caso 285. Cf. Cael. iv 6, onde se
do granizo, a opinião de 283. «Fim do verão» traduz critica Demócrito (= DK 68
predecessores é examinada opóra, considerada quase A 62).

72
aristóteles

A uns 286 parece, então, que a causa do fenómeno e da sua formação é


[que,] quando a nuvem é projetada para o lugar de cima — que é muito
frio pelo facto de terminarem aí os reflexos, a partir da terra, dos raios
solares —, a água, indo para lá, solidifica-se. Por isso, o granizo forma-se
mais no verão e nas regiões quentes, já que o quente empurra as nuvens 20

para cima, mais longe da terra. Ora, acontece que é nas terras muito altas
que menos se produzem granizadas. No entanto, deveriam [formar-se aí
sobretudo], como é sobretudo nas terras muito altas que vemos formar-se
a neve também. Ademais, muitas vezes veem-se nuvens deslocarem-se,
com estrondo, bem perto da própria terra, tanto que é amedrontador
para aqueles que ouvem e veem, porque 287 virá algo maior. Às vezes,
porém, mesmo quando essas nuvens são vistas sem estrondo, forma-se
muito granizo, e de tamanho inacreditável, bem como de figuras não
arredondadas, pelo facto de o seu deslocamento não durar muito tempo,
porque 288 a solidificação se deu perto da terra e não como aqueles dizem. 30

Ora, necessariamente, as grandes granizadas formam-se por efeito do que


é maximamente responsável pela solidificação. Com efeito, o granizo é
gelo e isso é evidente para todos. Mas as pedras de granizo que não têm
forma arredondada são grandes. E isso é sinal de que se solidificaram
perto da terra, pois as que vêm de longe desgastam-se, isto é, tornam-se
esféricas, quanto à figura, e pequenas de tamanho, por atravessarem uma
grande distância.
Que a solidificação aconteça, então, não pelo facto de [a nuvem] ser 348b

projetada para o lugar de cima, [que é] frio, está claro. Mas, como vimos
que o quente e o frio se compelem 289 um ao outro (por isso, nas esta-
ções quentes, os subterrâneos estão frios e, nas frias, quentes), é preciso
considerar que isso se dá também no lugar de cima, de modo que, nas
estações mais quentes, o frio, compelido para o interior por causa do calor

286. Em grego, tois men. de Anaxágoras (= DK 59 288. Ou então, mais uma


O início da frase deixa A 85) e (provavelmente) os vez, «julgando que» ou
esperar por um tois de, «a seus seguidores. «como se», dando um valor
outros», mas isso não se subjetivo à construção.
verifica, o que poderia ser 287. Ou então, «julgando
considerado um sinal de que» ou «como se», dando 289. Em grego, gignetai
corrupção do texto. Em um valor subjetivo à antiperistasis. Ver acima,
todo o caso, a continuação construção. A propósito do no capítulo 10 (347b6­‑7), a
(348b12­‑14) permite caráter anunciador do ruído, nota 276.
identificar esses uns: trata­‑se cf. Livro II 9, 369a30­‑32.

73
meteorológicos

circundante, produz, às vezes, por um lado, uma chuva rápida a partir


de uma nuvem 290. Por isso também, as gotas são muito maiores nos dias
10 quentes do que no inverno e as chuvas são mais violentas. Diz-se que
são violentas quando são mais intensas e mais intensas devido à rapidez
da condensação. (E isso dá-se exatamente do modo contrário a como
diz Anaxágoras 291. Enquanto ele diz que [a nuvem] 292 sofre isso quando
[ela] se dirige para o ar frio, nós dizemos que é quando [a nuvem] desce
para o [ar] quente e tanto mais quanto mais [quente é o ar]). Quando
o frio interior [das nuvens] ainda está muito compelido pelo quente
exterior, solidifica a água que havia produzido e [esta] torna-se granizo.
E isto acontece quando a solidificação é mais rápida do que o da queda
da água 293: se [a água] se desloca durante um certo tempo, enquanto
20 o frio, sendo intenso, solidifica [a água] num tempo menor [que esse],
nada impede que a água se solidifique estando suspensa [no ar] 294, se
justamente a solidificação ocorre em tempo menor do que o da queda.
E quanto mais próxima [da terra] e compacta é a solidificação, mais
violenta é a chuva e maiores são as gotas e as pedras de granizo, pelo
facto de se terem deslocado por um curto espaço. E as gotas grandes não
caem cerradas, por essa mesma causa 295.
O granizo forma-se menos no verão do que na primavera ou no outo-
no, mas mais no verão do que no inverno, porque o ar do verão é mais
seco, enquanto na primavera ainda é húmido e no outono já começa a
30 humedecer. E, às vezes, como dissemos 296, forma-se granizo também no
fim do verão, pela mesma causa.
Ademais, para a rapidez da solidificação contribui também o facto de
a água ter sido previamente aquecida, pois mais rapidamente arrefece.

290. Verosimilmente, o seguiu, enquanto Louis, 293. À letra: «do que o do


texto da linha 348b7­‑8 sim. Todavia, é possível deslocamento da água para
está corrompido, pois a que se tenha tratado de baixo».
hote men, «às vezes, por uma correção que visava
um lado», não se segue restabelecer a simetria da 294. Em grego, meteoron.
nenhum hote de, «às construção, sem se fundar
vezes, por outro lado». em nenhuma fonte textual 295. Não se compreende
Efetivamente, João Filópono alternativa. bem se não caem cerradas
(In Mete. 127.24 Hayduck) na vertical ou na horizontal.
leu aqui, no final do 291. Ver, supra, a nota 286
período, hote de khalazan, ao Livro I. 296. Ver o início do
«às vezes, por outro lado, capítulo (348a1).
granizo» e Bekker inseriu­‑o 292. Ver acima (348a15­‑16).
no texto. Fobes não o

74
aristóteles

Por isso, muitas pessoas, quando querem arrefecer a água rapidamente,


expõem-na primeiro ao sol. E os que vivem no Ponto 297, quando montam
tendas sobre o gelo para a pesca (com efeito, pescam perfurando o gelo),
derramam água quente sobre as canas 298, por se solidificarem [assim] mais 349a

rapidamente 299. Com efeito, usam o gelo como o chumbo 300, para que as


canas fiquem fixas. Por outro lado, a água que se condensa, nas regiões e
nas estações ensolaradas, rapidamente se torna quente. E na Arábia e na
Etiópia as chuvas caem no verão e não no inverno — aliás, com violência
e várias vezes durante o mesmo dia —, pela mesma causa. Com efeito,
[as nuvens] arrefecem rapidamente pelo facto de serem compelidas, o
que sucede devido ao extremo calor da região.
Sobre a chuva, o orvalho, a neve, a geada, o granizo — por que causa 10

se formam e qual é a sua natureza —, baste quanto dito acima.

13. os ventos, os rios e os mares

Falemos sobre os ventos e todos os sopros 301, assim como sobre os rios


e os mares, primeiro examinando, acerca deles também, as dificuldades

297. Trata­‑se provavelmente condições) é conhecido, uma mesma verdade é


dos Citas; ver, adiante, o hoje em dia, sob o nome esquecida e (re)descoberta
capítulo 13 (350b3­‑7). de «efeito Mpemba», devido inúmeras vezes: ver acima,
ao tanzaniano Erasto B. no capítulo 3 (339b27­‑30).
298. Em grego, kalamois. Mpemba, que o teria E, deve acrescentar­‑se, em
Alexandre de Afrodísias redescoberto em 1963, lugares bem distantes uns
(In Mete. 52.29 Hayduck) quando ainda era estudante dos outros.
entende as canas de pesca, (Mpemba e Osborne
mas, segundo Thillet (ver 1969). Esse fenómeno 300. Isto é, como solda.
também o seu artigo: é mencionado também
Thillet 1996), trata­‑se das por Francis Bacon, 301. Segundo os
estacas das tendas. Novum Organum ii 50, 3; comentadores antigos, esses
Descartes, Les Météores i sopros (ou correntes de ar),
299. Ver Pseudo­‑Aristóteles, (Oeuvres vi, p. 164, 22­‑27 pneumata, são os ventos
Problemas xxvi 27, Adam­‑Tannery). Sobre que não receberam nome
943a14­‑16, a propósito o debate suscitado pela específico (Alexandre de
também do ar; Galeno, In redescoberta de Mpemba, Afrodísias, In Mete. 53.20
Hipp. Ep. vi, coment. 4, 11, ver Courty e Kierlik Hayduck; Olimpiodoro, In
155; Plutarco, Questões 2010, pp. 78­‑81. Isto Mete. 100.12 Stüve).
Conviviais vi 4; Juvenal, mostra também a verdade
Sat. v 49­‑50; Plínio xxxi de uma outra ideia que já
(23), 40 (cf. Suetónio, Nero apareceu neste tratado, a
48). O fenómeno da maior saber, a de que, ao longo
rapidez do congelamento da história da humanidade,
da água quente (em certas

75
meteorológicos

que se nos apresentam a nós mesmos 302. Com efeito, como acerca do


resto, também acerca destas coisas nada ouvimos dizer que não pudesse
ter sido dito por uma pessoa qualquer 303.

os ventos

Há alguns que afirmam que vento é o chamado «ar», quando se move


e sopra 304, enquanto esse mesmo [ar], quando se condensa, é outra vez
nuvem e água, dado que a água e o sopro têm a mesma natureza e o
20 vento é movimento de ar 305. Por isso, até entre aqueles que querem falar
sabiamente, alguns afirmam que todos os ventos são um vento só — pois
acontece que o ar que se move e o ar todo também é um só e mesmo
[ar] — e que os ventos parecem não diferir em nada, diferindo [apenas]
pelos lugares donde calha cada um soprar, falando de modo muito se-
melhante ao de alguém que achasse que também todos os rios são um
só rio 306. Por isso, melhor fala a gente comum, sem investigação, do que
aqueles que, com investigação, falam desse modo 307. Se, com efeito, todos
os rios fluíssem a partir de uma única origem e do mesmo modo lá[,
30 no outro caso,] os ventos, diriam algo plausível aqueles que falam assim.
Mas se se passa o mesmo aqui e lá, é evidente que essa argúcia 308 será
falsa 309. Ora, eis o que requer pelo menos um exame adequado: o que
é o vento e como se forma, o que [o] move, bem como donde [vem] o
princípio deles 310 e se se deve, pois, conceber o vento como soprando a

302. «Examinando as atribuída a Anaximandro 308. Em grego, kompseuma.


dificuldades que se (Aécio iii 7, 1 = DK 12
apresentam» traduz A 24); cf. Anaxímenes de 309. Quer dizer: se o mesmo
diaporesantes. Mileto (Hipólito, Refutação processo se verifica com
de todas as heresias i 7, 3 = os ventos e com os rios e,
303. Além de injusto, DK 13 A 7). Ver também, nestes, como se vai ver a
este ataque é um tanto no interior do corpus seguir, não é verdade que
incongruente com a hipocrático, Sobre os ventos todos sejam o mesmo, fica
exposição doxográfica que [do corpo] (Peri phuson) iii 2. infirmada a explicação dos
se segue. ventos aqui apresentada.
306. Cf. Pr. xxvi 36.
304. Literalmente, «flui» 310. No texto original, há
(rheonta). Igualmente, pouco 307. Uma desqualificação efetivamente uma passagem
abaixo, rheon (349a24). semelhante da opinião de do singular ao plural.
(supostos) sábios encontra­ Ver acima, no capítulo 7,
305. A identificação desses ‑se também em Metaph. i 344b11, com a nota 208 ao
predecessores é difícil. A 1, 981a12­‑15; EN vi 8, Livro I.
definição do vento, anemos, 1141b14­‑18.
como movimento de ar é

76
aristóteles

partir de um vaso até que o vaso se esvazie, como se saísse de odres 311,


ou, como também pintam os pintores, emitindo o princípio a partir deles 349b

mesmos  .
312

os rios

A alguns 313 parece que também acerca da formação dos rios as


coisas são de modo semelhante: a água conduzida para cima pelo sol
que cai de volta sob forma de chuva, tendo-se concentrado debaixo da
terra, flui de uma grande cavidade — ou todos [os rios] de uma única
[cavidade], ou cada um de uma diferente. E[, segundo eles,] nenhuma
água [nova] se forma, mas aquela que foi recolhida durante o inverno
em tais reservatórios constitui o caudal dos rios. Por isso[, ainda segundo
eles,] no inverno os rios fluem sempre com maior volume do que no
verão e alguns são perenes, enquanto outros não o são. [Dizem que] são
perenes, [que fluem] continuamente, todos aqueles cuja água recolhida é 10

muita, devido ao tamanho da cavidade, de modo que dura, isto é, não


se esgota antes de voltar outra vez a água pluvial no inverno, enquanto
todos aqueles cujos reservatórios são menores, devido à escassez da água,
extinguem-se, por se secarem antes de a [água] do céu voltar, pois o
vaso esvazia-se.
Todavia, se alguém quiser, produzindo diante dos olhos uma espécie
de reservatório, pensar a quantidade de água que flui continuamente
cada dia 314, [será] algo de evidente: aquilo que recebesse toda a água
que flui durante um ano ultrapassaria em grandeza a massa da terra, ou
não faltaria muito.
Ora, embora seja claro que ocorrem também muitos [reservatórios] 20

desse tipo, em muitas partes da terra, é, não obstante, absurdo não

311. Ver Homero, Odisseia x 313. Talvez se trate de


19­‑27. Anaxágoras (DK 59 A 42,
5 = Hipólito, Refutação de
312. Trata­‑se provavelmente todas as heresias i 8, 5) e
de pinturas em seus seguidores.
que representações
antropomórficas dos ventos 314. Notar esse esboço de
aparecem soprando: ver experiência mental.
MA 2, 698b26­‑27.

77
meteorológicos

considerar que [também] se gera água a partir de ar dentro da terra,


exatamente pela mesma causa que sobre a terra. Por conseguinte, se,
efetivamente, aí o ar que se evapora se condensa em água devido ao
frio 315, deve considerar-se que esse mesmo [fenómeno] ocorre por efeito
do frio também dentro da terra e que não apenas se gera nela a água [já]
segregada, e que ela flui, mas também que se gera continuamente [mais].
Além disso, ainda que a água não seja gerada [desta maneira] e, pelo
contrário, já esteja disponível cada dia, a origem dos rios não é como
30 se fossem lagos separados debaixo da terra, como alguns dizem; antes,
do mesmo modo que, no lugar acima da terra, se condensam pequenas
gotas de água e estas, por sua vez, [se juntam] com outras, até que no
fim a água da chuva cai em massa 316, assim, também dentro da terra,
inicialmente [a água] é derramada a partir de pequenas [gotas] 317 e vai
para como que um único ponto da terra, as origens dos rios. A própria
350a prática 318 mostra-o: aqueles que constroem irrigações 319, conduzem
[a água] por meio de fossos e canais, porque a terra sua a partir das
regiões elevadas. Por isso, também as correntes dos rios parecem fluir
das montanhas e a maioria dos grandes rios flui a partir das grandes
montanhas. De modo semelhante, a maioria das nascentes está junto das
montanhas e dos lugares elevados, enquanto nas planícies, sem [contar
os] rios, pouquíssimas se formam. Com efeito, os lugares montanhosos
e elevados, suspensos como que numa esponja densa, aos poucos, mas
10 em muitos lugares, fazem jorrar e derramam a água, pois recebem muita
quantidade da água que cai — pois que diferença faz que o perímetro seja
côncavo e curvo para cima ou convexo e curvo para baixo? De ambos
os modos conterá a mesma massa de corpo — e arrefecem o vapor que
sobe 320, condensando-o, por sua vez, em água. Por isso, como dissemos,
os rios maiores parecem fluir das montanhas maiores.

315. Esta premissa não 316. Sobre as gotas, ver 320. Ver acima, no capítulo 9


aparece na exposição da acima, no capítulo 12 (346b26­‑31).
opinião agora criticada. (348a7­‑11).
Ela está fundada na ideia
de uma transformação 317. Resultantes da
recíproca dos corpos condensação do ar dentro
elementares, de modo que da terra, causada pelo frio.
se trata de um pressuposto 318. Em grego, ergon.
do próprio Aristóteles: ver
acima, nos capítulos 1 e 2. 319. Ou condutas de água.

78
aristóteles

demonstração carto gráfica

Isto fica claro para quem observa os mapas da terra 321: quanto àqueles 322
que os relatores 323 porventura não viram por si mesmos, desenharam[-nos]
deste modo a partir das informações obtidas de 324 cada um deles 325.
Na Ásia 326, então, vê-se a maioria dos grandes rios fluir a partir do
monte chamado Parnaso 327 e é aceite que este é o maior monte de todos 20

[os que ficam] para a aurora de inverno  . Com efeito, a quem já o


328

atravessou, aparece o mar Exterior 329, cujo limite não é conhecido dos


de cá. Deste monte fluem, pois, vários rios, entre os quais o Bactro, o

321. A expressão grega que é mostrado aos seus ficamos sem saber se
é hai tes ges periodoi, ouvintes, o que confirma se trata de um viajante­
mais literalmente, «os o caráter didático da obra: ‑geógrafo e/ou de um
contornos [ou «as zonas»] ver, supra, a nota 252 ao membro da escola…
da terra». O termo periodos Livro I. O códice Matritensis
é polissémico, mas essa Bibl. Reg. 41 (M, século xii)326. Aristóteles começa a
expressão já adquirira, na contém uma ilustração no sua, por assim dizer, volta
época, o sentido de «mapa verso de um folio (Graux e ao mundo, subentendendo a
da terra»; mas também o Martin 1900). divisão tradicional da Terra
de «viagem», «relato de habitada em Ásia, Europa e
viagem» ou «descrição 322. O antecedente de Líbia (Heródoto ii 16­‑17;
da terra» (Política ii 3, tautas (350a16), por iv 42) e tendo como ponto
1262a19; Retórica i 4, sua vez antecedente de de referência das direções
1360a34). Heródoto (v 49, hoson (350a17), pode ser mencionadas a Grécia. Esta
3­‑5) fala de «uma tábua o termo que o precede última é, contudo, tratada à
de bronze em que estava imediatamente (periodous), parte, como em Política vii
gravado um mapa (periodos) entendido como «zonas 7, onde, porém, o resto do
da terra inteira, bem como (da terra)» (ver a nota mundo parece constituído
todos os mares e todos os precedente), ou os acidentes apenas por Ásia e Europa.
rios»; ver também iv 36 e geográficos mencionados
Aristófanes, Nuvens 206. pouco antes, a saber, rios e 327. Não se trata, é claro,
Para a tradição, o primeiro montanhas. do Parnaso situado na
mapa da terra deve­‑se a Grécia, perto de Delfos,
Anaximandro de Mileto 323. Em grego, legontas. mas sim, provavelmente, da
(ver, supra, a nota 272 ao cordilheira do Paropamisos,
Livro I), e ao seu discípulo 324. O texto apresenta a conhecida hoje como
e concidadão Hecateu preposição para (350a16), Hindu Kush, nos atuais
o primeiro tratado de que faz pensar numa Afeganistão e Paquistão.
geografia, periodos ges pessoa como fonte das Cf. Estrabão xi 8, 1, 22.
(Estrabão i 1, 1; 11; informações, mas o autor
328. Para o sudeste.
xii 3, 14­‑17; Diógenes parece entender, na verdade,
Laércio ii 2). O testamento os próprios elementos 329. Esse nome não designa
de Teofrasto, sucessor de geográficos. Teria havido necessariamente o Atlântico.
Aristóteles na direção do uma troca de peri, «acerca Poderia tratar­‑se do
Liceu, atesta a posse de de», por para? Índico. Olimpiodoro (In
tábuas contendo mapas da Mete. 107.22­‑108.2 Stüve)
terra por parte da escola 325. O antecedente é identifica­‑o com o mar
(Diógenes Laércio v 51). provavelmente o mesmo Vermelho.
De qualquer forma, a de hoson­‑tautas: ver, supra,
continuação do presente a nota 322 ao Livro I. O
texto deixa claro que o mapa seria, pois, fruto
autor se refere a um mapa de uma compilação, mas

79
meteorológicos

Coaspes, o Araxes 330, enquanto o Tánais 331, que deste último é uma parte,


se separa em direção ao lago Meótis 332. E dele também flui o Indo que,
entre todos os rios, tem o caudal mais volumoso.
Do Cáucaso fluem muitos rios diferentes que se destacam tanto pelo
caudal quanto pela extensão, entre os quais o Fásis 333. Com efeito, o Cáu-
caso é o maior monte, em volume e altura, entre aqueles [que ficam] para
30 a aurora estival 334. Um sinal da sua altura é que é visto tanto desde as
chamadas Profundezas 335 como desde os [navios] que entram no lago 336.
Ademais, os seus cumes são iluminados pelo sol até à terceira parte da
noite, antes da aurora e depois do entardecer. [Um sinal] do seu volume
é o facto de ter muitos sítios, em que vivem muitos povos e em que se
diz que há grandes lagos; apesar disso, diz-se que todos os sítios são
visíveis até ao último pico 337.
350b Da Pirene — este é um monte [que fica] para o ocaso equinocial,
na Céltica 338 — fluem o Istro e o Tartesso 339. Este corre para fora das
Colunas [de Héracles] 340, enquanto o Istro [corre] por toda a Europa
em direção ao Euxino 341. A maioria dos outros rios vai para o norte, a
partir dos montes Hercínios 342. E estes, por sua vez, são os maiores, em

330. A identificação desses ou com o Arax, que nasce «Céltica» abrange a


três rios (bem como a na Arménia. Ver Platão, Península Ibérica e a
de outros topónimos Fédon 109a­‑b; um rio com França.
mencionados neste capítulo) esse nome é mencionado já
não é certa, mas é provável por Hesíodo, Teogonia, 340. 339. «Istro» designa o
que sejam, respetivamente, o Danúbio (cf. Heródoto ii
Zeravshan (que era situado 334. Para o nordeste. 33, 10­‑11), que não
na Bactriana — região pertence a essa região;
hoje dividida entre o 335. A zona onde o mar «Tartesso» pode designar
Afeganistão, o Uzbequistão Negro atinge a sua maior o Guadalquivir, cuja fonte,
e o Tajiquistão — e que já profundidade (cerca de porém, não se encontra nos
foi um afluente do Amu 2200 m): ver no final deste Pirenéus.
Dária, antigamente Oxo), o capítulo (351a11­‑12).
Karun (ou talvez Kabul) e o 340. Estreito de Gibraltar.
336. O mar de Azov, aqui
Sir Dária.
denominado lago Meótis. 341. O mar Negro.
331. Provavelmente o rio 337. Certos intérpretes têm 342. Em grego, ek ton horon
Don, que na realidade não dúvidas quanto à exata ton Arkunion. Refere­‑se
é um braço do Sir Dária, colocação da última frase, provavelmente às cordilheiras
nem tem a sua fonte na dado que esta fornece, centrais da Europa, dos
Ásia Central, embora na realidade, um sinal Alpes aos Cárpatos.
efetivamente desague no suplementar da altura do Cf. Estrabão vii 3, 1.
mar de Azov: ver adiante. monte.

332. O mar de Azov. 338. «Pirene» designa


os Pirenéus, «ocaso
333. Identifica­‑se com o equinocial», o ocidente,
Rioni, situado na Geórgia, enquanto a chamada

80
aristóteles

volume e em altura, dessa região. Abaixo do Norte, acima dos confins da


Cítia, estão as chamadas Ripas 343, sobre o tamanho das quais as histórias
contadas são por demais fabulosas; mas, segundo se diz, a maioria e os
maiores dos outros rios, depois do Istro, fluem, pois, daí. 10

De modo semelhante, na Líbia 344, alguns [rios fluem] dos montes


etiópios 345, como o Égon e o Nises 346, enquanto os maiores entre os que
receberam um nome, como o chamado Cremetes, que corre para o mar
Exterior, bem como o primeiro curso do Nilo, [fluem] dos chamados
Montes da Prata 347.
Entre os [rios] da região grega, o Aqueloo [vem] do Pindo 348, bem
como o Ínaco 349, enquanto o Estrímon, o Nesto e o Hebro vêm os três do
Escombro 350. Mas muitos cursos também [vêm] do Ródope 351. Poder-se-ia
descobrir que também os outros rios fluem de modo semelhante 352, mas

343. «Abaixo do Norte» apresentadas várias esse nome, na Tessália, que


designa o polo norte. hipóteses, recolhidas por nasce no monte Ótris e
Desconhece­‑se a localização Thillet, que acrescenta a desagua no golfo de Mália,
das montanhas Ripas (cf. sua, ligada à etimologia do no mar Egeu.
Álcman, frag. 90 Page; nome, «relinchante» (de
Hipócrates, Ares, águas, khremetizein, «relinchar»). 349. Estrabão vi 2, 4 (C
lugares xix 2; Estrabão vii Já se levantou também a 271) cita alguns versos de
3, 1), mas alguns acreditam hipótese de que «o primeiro Sófocles (frag. 249 Nauck)
que se trate dos Alpes da curso do Nilo» seja o sobre este rio.
Transilvânia, ou, talvez, dos Nilo Branco ou o Nilo
Cárpatos em geral. Azul. Quanto à montanha, 350. Situa­‑se essa cordilheira
alguns pensam em maciços (assim, pelo menos, parece)
344. O termo designa todo montanhosos no deserto na Trácia, região dividida
o norte de África, a partir do Saara, mas há quem entre as atuais Bulgária,
do Egito. pense no Kilimanjaro ou Grécia e Turquia. É
no maciço do Quénia. Em identificada com o maciço
345. Não se deve entender princípio, «mar Exterior» Vitosha, na Bulgária. Os três
apenas a atual Etiópia. pode referir­‑se ao oceano rios mencionados desaguam
Índico, mas aqui é possível no mar Egeu. O primeiro
346. Não se conhece a que se refira ao Atlântico, (ver HA viii 2, 592a7)
localização destes dois rios. pois é plausível que chama­‑se, hoje, Struma e
O nome do primeiro pode Aristóteles termine a sua fica em parte na Bulgária,
ter uma relação com aix, volta ao mundo pela «Líbia» onde nasce no Vitosha. O
«cabra», enquanto o do Ocidental. Nesto também nasce na
segundo evoca o nome de Bulgária, onde se chama
várias cidades, Nysa, uma 348. Cordilheira do centro­ Mesta: a sua nascente, bem
das quais, como lembra ‑norte da Grécia que separa como a do Hebro, encontra­
Thillet, encontra­‑se no norte a Tessália e o Epiro; fica, ‑se nas montanhas Rila.
de África («Líbia», ver, em parte, no território das
supra, as notas 326 e 344 ao atuais Albânia e Macedónia. 351. Há uma cordilheira
Livro I), perto do Oceano Situado no oeste e com esse nome entre a
(Diodoro de Sicília iii 67, hoje também chamado Grécia e a Bulgária, mas
5), ver a nota seguinte. «Aspropotamos», o Aqueloo prevalentemente nesta
desagua no mar Jónico e última.
347. Desconhece­‑se a parcialmente no golfo de
localização exata do Patras. Estrabão (ix 5, 10) 352. Isto é, de alguma
Cremetes, mas foram menciona um riacho com montanha.

81
meteorológicos

20 como prova 353 mencionamos estes. Mesmo [no caso d]aqueles que fluem de
pântanos, acontece que os pântanos, por sua vez, encontram-se quase todos
no sopé de montanhas ou em lugares que se elevam gradualmente.

conclusão sobre os rios

Que não se deva, pois, considerar que as origens dos rios se formam
assim, isto é, como que de cavidades já definidas, está claro. Com efeito,
nem, por assim dizer, [todo] o espaço da terra seria suficiente 354, como
tão-pouco o das nuvens, se devesse fluir apenas a [água] existente, sem
que uma parte fosse embora e outra fosse gerada, mas sempre se extraísse
de [água] existente 355. E o facto de terem as suas fontes no sopé das
montanhas prova que o lugar dispensa [água] pela confluência lenta e
30 paulatina, a partir de muitas transpirações; e assim se formam as fontes
dos rios 356.
Não obstante, [considerar] que existam tais lugares com uma grande
massa de água, como que lagos, não é absurdo, exceto que não são tão
grandes para que tal aconteça 357; como tão-pouco [seriam] se alguém
achasse que [o] são as fontes visíveis dos rios, já que a quase maioria
[dos rios] flui a partir de nascentes. Dá, pois, na mesma considerar que
aqueles ou que estas são o corpo todo da água 358.
351a Que existem tais precipícios e brechas na terra, mostram-no os rios
que são engolidos. Isso sucede em muitos lugares da terra: por exemplo,
no Peloponeso, na região da Arcádia, há muitíssimas coisas desse género
e a causa é que, sendo montanhosa, [a Arcádia] não possui saídas dos
[lugares] côncavos para o mar; esses lugares que se enchem [de água]
e que não têm escoamento para si acham uma passagem para as pro-

353. Ou: «para dar alguns 357. Para que deem origem «lagos» subterrâneos seria,
exemplos» (marturiou a todos os cursos de água. assim, uma generalização
kharin). das fontes, generalização
358. «Aqueles» são os lagos indevida na medida em que
354. Ver acima, no subterrâneos e «estas», as a maioria dos rios tem, em
capítulo 13, 349b15­‑19. fontes visíveis. Aristóteles seu entender, nascentes e
parece distinguir, aqui, entre não fontes.
355. Ver acima, no nascentes, krenai, o lugar
capítulo 13, 349b21­‑27. de onde os rios jorram da
terra, e fontes, pegai, isto
356. Ver acima, no é, bacias onde certos rios
capítulo 13, 349b27­‑35. têm origem; a tese dos

82
aristóteles

fundezas, sob a força exercida pela água que chega de cima. Na zona da
Grécia, casos desse tipo são bastante pequenos, mas [há] pelo menos o
lago no sopé do Cáucaso, que os de lá chamam «mar» 359: com muitos
rios grandes desaguando [e] não tendo ele escoamento visível, desem- 10

boca debaixo da terra, na região dos Coraxos 360, à volta das chamadas


Profundezas do Ponto 361. E estas são uma profundeza do mar de algum
modo ilimitada — pelo menos ninguém, sondando, conseguiu até agora
encontrar um limite 362. E aí, a cerca de trezentos estádios de distância 363
desta terra, emerge água doce sobre uma grande região, ainda que não
contínua, mas dividida em três partes. E pela Ligúria um certo rio não
menor do que o Ródano 364 é engolido e de novo emerge noutro lugar;
e o rio Ródano é navegável.

1 4 . a s m u d a n ç a s c l i m át i c a s

Nem sempre os mesmos lugares da terra são húmidos ou secos, mas 20

mudam segundo a formação ou o desaparecimento dos rios. Por isso,


as zonas de terra firme e de mar também mudam e nem sempre umas
permanecem terra e outras mar o tempo todo, mas forma-se mar onde
havia terra seca e onde agora há mar outra vez aí haverá terra.
Entretanto, é preciso considerar que esses [fenómenos] acontecem
segundo uma certa ordem e periodicidade 365. Princípio e causa deles é
que também as [partes] internas da terra, tal como os corpos das plantas
e dos animais, têm maturidade e velhice, exceto que [a estes] não [lhes]

359. O mar Cáspio. Cf. 363. Um stadion equivale manuscritos trazem, em


Pr. xxiii 6, 932a28­‑29. a 600 pés, ou seja, vez de Rhodanou, Eridanou
segundo o sistema ático, (assim, por exemplo, uma
360. População cita da cerca de 177 metros. variante marginal do
Cólquida, região situada na Logo, a distância é códice E): ora, Erídano é
costa leste do mar Negro, aproximadamente de o nome grego habitual do
prevalentemente na atual 53 quilómetros. próprio Pó.
Geórgia.
364. O nome «Ligúria» 365. Cf. Xenófanes (DK 21
361. Ver, supra, a nota 335 designa um território A 32 = [Plutarco], Strom.
ao Livro I. bem mais vasto do que a 4 = Eusébio, Preparação
362. Isto é, encontrar o atual região italiana assim Evangélica i 8, 4; DK 21 A
fundo. chamada, de modo que o 33 = Hipólito, Refutação
rio em questão pode ser de todas as heresias i 14,
o Pó. No entanto, alguns 17, 12).

83
meteorológicos

acontece sofrerem estas coisas por partes, mas necessariamente tudo


30 amadurece ou decai ao mesmo tempo. Porém, à terra isso acontece por
partes, devido ao frio e ao calor. Estes, por sua vez, aumentam ou dimi-
nuem devido ao sol e ao seu deslocamento circular e, devido a eles, as
partes da terra recebem também uma potência diferente, de forma que,
até certo ponto, podem permanecer submersas e, em seguida, secarem
e envelhecerem outra vez. Mas outros lugares renascem e tornam-se
submersos por partes.
351b Necessariamente, as fontes desaparecem dos lugares que se tornam secos
e, isso acontecendo, os rios, primeiro, de grandes tornam-se pequenos e
depois, no fim, secos; e, quando os rios mudam de lugar, desaparecendo
de um ponto e formando-se proporcionalmente noutros, o mar [também]
muda. Com efeito, ao retirar-se donde, expulso pelos rios, transbordara, o
mar necessariamente torna seca [a terra], mas onde, enchendo devido aos
caudais, [o mar] secara por cobrir-se de sedimentos, aí [necessariamente]
de novo se encharca.
Mas, uma vez que toda a formação natural sobre a terra se dá gradual-
10 mente e em períodos de tempo extremamente longos em comparação com
a nossa vida, passa despercebido que essas coisas ocorrem e a extinção e
destruição de povos inteiros acontecem antes que a transformação dessas
coisas seja lembrada do princípio ao fim. As destruições maiores e mais
rápidas acontecem nas guerras, enquanto outras, devido a epidemias e
outras ainda, devido a fomes; e algumas destas são grandes, enquanto
outras, paulatinas, de modo que também as migrações de tais povos
passam despercebidas pelo facto de uns abandonarem a região e outros
permanecerem até ao fim, isto é, até a região já não conseguir alimentar
quantidade nenhuma [de gente]. Ora, é plausível que, desde a primeira
20 até à última emigração, decorram largos espaços de tempo, de modo
que ninguém se lembra e que, mesmo que os que ainda se deixam ficar
sobrevivam, [as transformações] sejam esquecidas, devido ao grande lapso
de tempo 366. Do mesmo modo, é preciso considerar que também passa
despercebido a cada um dos povos quando se deu a primeira colonização

366. Não se trata de narração histórica; o não há memória. Aqui,


uma narração mítica, próprio autor afirma que estamos no âmbito do
nem tão­‑pouco de uma desses acontecimentos plausível.

84
aristóteles

daqueles [lugares] que estavam em mudança, isto é, que, de pantanosos


e húmidos, se tornavam secos. Com efeito, também aqui a evolução
acontece aos poucos e ao longo de muito tempo, de modo que não se 25

tem lembrança de quem foram os primeiros a chegar, quando e como


encontraram o lugar, como aconteceu no Egito também.
Com efeito, é evidente que também esse lugar está a tornar-se cada
vez mais seco e que toda a região é uma sedimentação do rio Nilo, 30

mas, devido ao facto de os vizinhos se estabelecerem aos poucos, à


medida que os pântanos se tornam secos, a extensão de tempo apaga
[a lembrança d]o começo. É, pois, evidente também que todas as suas
desembocaduras, exceto uma, a Canópica 367, são produzidas pela mão
[humana] e não são próprias ao rio; e antigamente o Egito [era as]
chamadas «Tebas» 368. Mostra-o também Homero, que é, por assim dizer,
tão recente 369 em relação a tais mudanças. Com efeito, ele faz menção
deste lugar, como se Mênfis ainda não existisse de todo ou como se 352a

não fosse tão grande. E é plausível que assim seja  , pois os lugares
370

de baixo foram ocupados depois dos de cima. Os mais próximos da


sedimentação são necessariamente pantanosos durante mais tempo, pelo
facto de sempre se encharcarem mais os últimos 371. Entretanto, esse
[lugar] muda e de novo fica fértil, pois, secando-se, os lugares voltam
a ficar bons, enquanto os que antes eram bem temperados 372, uma vez
que se secam em demasia, voltam a ficar piores. Isso mesmo aconteceu,
na Grécia, na terra dos Argivos e dos Micénicos: no tempo da guerra 10

de Troia, Argos, por ser pantanosa, conseguia alimentar poucos [seres


humanos], enquanto Micenas estava bem (por isso, era a mais honrada),
mas agora é o contrário, pela causa já adiantada. Esta tornou-se árida e
completamente seca e as terras antes áridas daquela são agora fecundas,
pelo facto de se encharcarem. Da mesma forma, pois, que isso aconteceu

367. A mais ocidental: o prosphatos, «recente», nesta 2200 a. C., mas na época
nome vem da cidade de passagem: cf. Retórica ii em questão perdera parte
Canopo. Cf. Heródoto ii 15. Tebas era uma cidade da sua importância. Ver
10 e seg. importante em 1200 a. C., Heródoto ii 99, 15­‑18.
data plausível para a Guerra
368. Cf. Heródoto ii 15, de Troia. 371. Isto é, os que se
20­‑21. A cidade de Tebas formaram por último.
erguia­‑se nas proximidades
370. Na realidade, Mênfis,
da atual Luxor. 372. Em grego, eukraeis.
cidade muito antiga, já
369. Há uma discussão existia e fora capital do
sobre o significado exato de Antigo Reino entre 2600 e

85
meteorológicos

num lugar pequeno, é preciso pensar que o mesmo acontece também


em lugares grandes e terras inteiras.
Aqueles que [os] olham por pequenas partes 373 acham que a causa
de todos esses acontecimentos é a mudança do todo, entendendo que o
universo 374 está a transformar-se. Por isso, também o mar está a diminuir,
20 dizem eles, entendendo que está a secar, porque é manifesto que agora
mais lugares do que antes estão a sofrer isto. Mas, disto, uma parte é
verdade e outra não: numerosos são [os lugares] que dantes estavam
submersos e agora são terra firme; não obstante, [verifica-se] também o
contrário. Com efeito, se observarem [a terra] em muitas partes, encon-
trarão o mar tendo avançado. Mas não é preciso crer que a causa disso
seja a transformação do mundo: seria ridículo que o todo movesse devido
a pequenas, mínimas mudanças e, sem dúvida, a massa e o tamanho da
terra não são nada diante de todo o universo 375.

o grande inverno

Antes, é preciso assumir que a causa de todos esses [acontecimentos]


é que, como o inverno entre as estações do ano, assim, a intervalos de
30 tempos estabelecidos 376 e ao longo de algum grande período [de tempo],
se verifica um grande inverno, bem como um excesso de chuvas. (Mas
este último nem sempre nos mesmos lugares e sim como o chamado
«dilúvio de Deucalião» 377: este também aconteceu principalmente em terra
grega e, dentro desta, na antiga Hélade; e esta fica cerca de Dodona e do
352b rio Aqueloo 378: este mudou de curso em vários lugares. Habitavam aí os
Selos 379 e os outrora chamados «Gregos» e hoje «Helenos» 380.) Quando

373. Ou então, «aqueles 375. Ver acima, no capítulo 3 mencionado: ver acima, no


de vista curta». Alguns (339b6). capítulo 13 (350b15­‑16);
comentadores acreditam que cf. Heródoto ii 10.
se trate de Heraclito (DK 22 376. Em grego, dia khronon
B 10 = Aristóteles, Sobre heimamenon, literalmente 379. Sobre essa população,
o céu i 10, 279b12­‑17), «a intervalos de tempo ver Homero, Ilíada xvi 234
outros de Demócrito (ver predestinados». e seg.
adiante, no Livro II, o
capítulo 3, 356b10). 377. Ver Platão, Timeu 22a. 380. Os Gregos designavam­
‑se por «Helenos». Esta
374. Literalmente ouranos, 378. Dodona é uma passagem (352b2) é
«céu». localidade do Épiro, sede considerada a primeira
de um santuário de Zeus. menção do nome Graikoi.
O rio Aqueloo já foi

86
aristóteles

quer que haja, pois, um tal excesso de chuvas, deve presumir-se que
será suficiente por muito tempo. E tal como, agora, alguns dizem que a
causa do facto de, entre os rios, alguns serem perenes e outros não, é o
tamanho das voragens 381 debaixo da terra, enquanto nós dizemos que é o
tamanho dos lugares elevados, bem como a sua grande densidade e frieza
(com efeito, estas acolhem, conservam e produzem a maior quantidade
de água, e [nós dizemos que a água] abandona prematuramente aquelas
em que assenta uma pequena ou porosa, rochosa e argilosa constituição 10

de montanhas), é preciso, pois, crer que desse modo [acontece também]


naqueles em que se formar um tal deslocamento do húmido que torne
perene a humidade desses lugares. E, com o tempo, esses [lugares] secam
mais 382, enquanto as outras, as ricas em água, menos, até que venha outra
vez o início do mesmo ciclo 383.

s e d i m e n ta ç ã o

Uma vez que necessariamente se dá alguma mudança do todo 384 — ain-


da que não geração e destruição, se efetivamente o todo perma­nece —,
necessariamente, como dizemos, nem sempre os mesmos lugares são
húmidos, devido ao mar e aos rios, ou secos. E os factos mostram[-no]:
manifestamente, a região daqueles que dizemos serem os mais antigos 20

dos homens, os Egípcios  , foi e é toda ela obra do rio. E isso é claro
385

para quem observa a própria região, bem como é prova suficiente o que
aconteceu com o mar Vermelho: um dos reis tentou escavar um canal
até aí (com efeito, não seria de pouco proveito para eles se o lugar se
tornasse todo navegável; e diz-se que Sesóstris 386 foi o primeiro dos antigos
a empreender [essa obra]), mas encontraram o mar mais alto do que a

381. O termo grego é 383. Em grego, he katabole a. C.). Todavia, segundo


khasmata: cf. acima, no tes periodou tes autes. Heródoto (ii 158), foi o
capítulo 5 (342a35 e filho de Psamético, Neco
342b14). Essa teoria foi 384. Isto é, do mundo. (26.ª dinastia, séculos vii­‑vi
apresentada e discutida no a. C.), o primeiro que
capítulo 13 (349b9­‑12). 385. Ver Heródoto ii 2; empreendeu a construção
Platão, Timeu 22b. do canal.
382. Não traduzindo 386. Talvez Sesóstris III
gignomena na linha 352b14. (12.ª dinastia, século xix

87
meteorológicos

terra. Por isso, aquele, antes, e Dario 387, depois, pararam as escavações,


30 para que o curso do rio não ficasse completamente danificado, ao mis-
turar-se com o mar. É, pois, evidente que nessa [região] tudo era um só
mar contínuo. Por isso também, a região de Ámon, na Líbia 388, aparece,
estranhamente 389, mais baixa e côncava do que as regiões abaixo: é claro
que [aqui], quando se deu um assoreamento, formaram-se lagos e terra
353a firme e, com o passar do tempo, a restante água pantanosa, secando, já
se foi entretanto. E também as [terras] ao redor do lago Meótis 390 cresce-
ram tanto, devido à sedimentação dos rios, que agora, para o comércio,
navegam barcos de tamanho muito menor do que há sessenta anos. Por
conseguinte, é fácil concluir por analogia que, no início, como muitos
dos lagos, também este é obra de um rio e que, no fim, todo ele secará
necessariamente. E também o Bósforo 391 sempre flui devido à sedimen-
tação e ainda é possível ver com os [próprios] olhos de que modo isso
acontece: quando a corrente [de aluvião] vinda da Ásia produziu uma
10 barreira 392, por trás desta formou-se, no início, um pequeno lago; em
seguida, [este] secou e, depois disso, à sua frente, formou-se uma ou-
tra barreira, bem como um lago à frente desta; e isto aconteceu assim
sempre sucessivamente da mesma forma. Ocorrendo isto muitas vezes,
necessariamente se forma, com o passar do tempo, uma espécie de rio,
e este também, no final, [há de ficar] seco.
É, pois, evidente que, como o tempo não se esgota e o todo é eterno,
nem o Tánais 393 nem o Nilo 394 fluíram sempre, mas que dantes era seco
o lugar donde fluem: a atividade deles tem um limite, enquanto o tem-
po não tem. E é apropriado dizer isso igualmente sobre os outros rios.
20 Mas, se efetivamente os rios se formam e se extinguem e nem sempre

387. Pode tratar­‑se de Lembramos que o nome atualmente denominado


Dario I (séculos vi­‑v a. C.) «Líbia» designa todo o Estreito de Kerch, que liga
ou Dario II (século v a. C.), norte de África. o mar Negro e o mar de
reis da Pérsia: o Egito Azov.
conheceu um domínio 389. Em grego, para logon.
persa entre os séculos vi e 392. Em grego, e(i)ona.
iv a. C. 390. O mar de Azov, já
mencionado no capítulo 13 393. Provavelmente, o
388. Provavelmente a (350a25 e 31). rio Don: ver acima, no
depressão de Qattara, capítulo 13 (350a24).
no noroeste do Egito, 391. Trata­‑se provavelmente
onde há um templo de do chamado Bósforo 394. Sobre a associação
Ámon e o oásis de Siwa; Cimeriano (ver do Tánais e do Nilo, ver
cf. Heródoto iv 181. Estrabão vii 2, 2), Estrabão ii 4, 6.

88
aristóteles

os mesmos lugares da terra são submersos, também o mar necessaria-


mente se transforma do mesmo modo: uma vez que, do mar, algumas
[partes] retrocedem e outras avançam sempre, é evidente que, de toda a
terra, nem sempre as mesmas [partes] são mar e terra firme, mas todas
mudam com o tempo.
Está, pois, dita a razão pela qual nem sempre as mesmas [partes] da
terra são secas nem [sempre as mesmas] são navegáveis e por qual causa
tais coisas acontecem. [Está] igualmente [dito] porque é que, entre os
rios, alguns são perenes e outros não.

89
livro ii
1. os mares

Acerca do mar, digamos tanto qual [é] a sua natureza, como por que
causa uma tal massa de água é salgada e, ainda, a sua formação desde
o princípio.
Os antigos, isto é, os que passavam o tempo com as histórias sobre os
deuses 1, atribuíam-lhe fontes, para assegurarem princípios e raízes, quer 353b

para a terra quer para o mar  . Com efeito, provavelmente julgavam que
2

falar assim era mais grave 3, mais solene 4, na convicção de que isso 5
fosse uma grande parte do todo 6 e o resto do universo estivesse todo
constituído ao redor e em função desse lugar, como se fosse a coisa mais
honrada e [o] princípio [de tudo] 7.
Já os que eram mais sábios em saber humano atribuíram-lhe um
nascimento: dizem que, primeiro, o lugar ao redor da terra era todo
húmido, mas que a [parte] que se evaporou, secando por efeito do sol,
produziu os ventos, bem como as variações de percurso 8 do sol e da

1. Em grego, peri tas 5. Isto é, a terra e o mar. realmente geocêntrico, assim
theologias. Na Metafísica (vi como não é antropocêntrico:
1, 1026a19; xi 7, 1064b3), o 6. Em grego, tou pantos, isto ver EN vi 7, 1141a21­‑23.
adjetivo theologike qualifica é, do universo.
philosophia, «ciência»: a 8. Em grego, tropas. Em
theologike é a «filosofia 7. Na teoria aqui exposta, geral, o termo é traduzido
primeira», enquanto a a terra e o mar parecem por «fases» (tradução, talvez,
phusike, (ciência) natural, constituir uma parte excessivamente restritiva),
é a «filosofia segunda». importante do universo, mas há uma discussão
Mas é improvável que tanto do ponto de vista entre os intérpretes sobre
as theologiai da presente quantitativo, quanto do o significado exato, nesta
passagem façam referência ponto de vista valorativo. passagem, de trope, que nos
Ora, Aristóteles já afirmou
a isso. Trata-se, antes, grosso Meteorológicos normalmente
modo, de «mitos», enquanto no capítulo 3 do Livro I designa o solstício (ver
opostos a discursos (340a6­‑8) que a terra e a a nota de Pepe); alguns
científico­‑demonstrativos; água que a rodeia são uma pretendem até corrigir o
pouco abaixo (353b6), serão parte ínfima do universo. texto (353b8) com trophas,
opostas a «saber humano», E agora deixa entender «alimentações»: cf. adiante,
anthropine sophia. Cf. o mesmo no plano do no capítulo 2 (354b35).
Metaph. i 3, 983b27; iii 4, valor. Com efeito, apesar
1000a9; xii 6, 1071b27. de sustentar que a Terra
está, imóvel, no centro do
2. Ver, por exemplo, universo, Aristóteles não
Hesíodo, Teogonia 280­‑283; faz coincidir essa posição
727­‑728; Homero, Ilíada central geométrica com uma
xxi 195­‑197. Ver também, posição central no plano
supra, a nota 272 ao Livro I. do princípio e do valor; ele
distingue explicitamente
3. Em grego, tragikoteron, dois sentidos do termo
literalmente «mais trágico». meson, «centro» ou «meio»
(Cael. ii 13, 293b1­‑13).
4. Cf. Rh. iii 3, 1406b5­‑19. Assim, Aristóteles não é

93
meteorológicos

10 lua, enquanto a que ficou é mar. Por isso, também acreditam que [o mar],
ao secar, está a tornar-se mais pequeno e no fim ficará todo seco, um
dia 9. Alguns de entre eles 10 dizem que, quando a terra fica aquecida
pelo sol, forma-se como que um suor; por isso, também [o mar] é salgado,
pois o suor também é salgado. Outros 11 dizem que a terra é causa da
salinidade: assim como o que se filtra através da cinza se torna salgado,
do mesmo modo também ele 12 é salgado porque se lhe mistura terra
com essa característica.
Ora, que é impossível que o mar tenha fontes, há que observar atra-
vés dos [elementos] já disponíveis. Acontece que, das águas que existem
sobre a terra, umas são correntes e outras paradas. As [águas] correntes
20 provêm todas de fontes — e sobre as fontes já dissemos antes 13 que é
preciso considerar que o princípio é fonte não no sentido em que se
extrai [água] de um vaso, mas [no sentido em que a água] que está
sempre a formar-se e confluir [se reúne] inicialmente num único [lu-
gar]. Das águas paradas, algumas são resultado de acumulação e são
depósitos (como as pantanosas 14 e todas as lacustres 15, que diferem por
quantidade, grande ou pequena), outras provêm de fontes. Mas estas
são todas artificiais (entendo, por exemplo, as chamadas «águas de
poço»), pois a fonte de todas [as águas] 16 deve estar numa posição mais
elevada do que a corrente. Por isso, enquanto algumas [águas], como
as nascentes e os rios, correm espontaneamente, aquelas 17 precisam de
30 uma técnica que realize. Tais e tantas são, pois, as diferenças entre as
águas. Ora, estabelecidas essas diferenças, é impossível que haja fontes

9. Ver acima, no Livro I, Antifonte: ver DK 87 B 32 Aristóteles, Sens. 4,


o capítulo 14 (352a19­‑25). (= Aécio iii 16, 4). 441b1­‑5.
Segundo Alexandre de
Afrodísias (67, 10­‑12), 11. Ver Xenófanes, 12. O mar.
Teofrasto atribuía essa tese DK 21 A 33 (= Hipólito,
a Anaximandro (DK 12 A Refutação de todas as 13. Livro I, capítulo 13
27) e Diógenes de Apolónia heresias i 14, 17, 12), (350b22­‑30).
(DK 64 A 17), mas, mais Anaxágoras, DK 59
adiante, no capítulo 3 A 90 (= Alexandre de 14. Em grego, ta telmatiaia;
(356b9­‑11), ela é atribuída a Afrodísias, Comentário cf. Platão, Fédon 109b,
Demócrito. aos Meteorológicos telma.
de Aristóteles 67, 17),
10. Mais adiante, no Metrodoro de Quios, 15. Isto é, estagnadas.
capítulo 3 (357a24­‑26), DK 70 A 19 (= Comentário
a tese é atribuída a aos Meteorológicos de 16. Naturais ou artificiais.
Empédocles. Mas poderia Aristóteles 67, 17; Aécio iii
tratar­‑se também de 17. As águas de poço.
16, 5). Ver também

94
aristóteles

para o mar, pois ele não pode estar em nenhum desses dois géneros 18:
[o mar] nem flui a partir de algum lugar 19 nem é obra da mão [humana],
enquanto todas as [águas] provenientes de fontes têm uma dessas duas
características. Tão-pouco vemos [água] proveniente de fonte que fique
espontaneamente parada em tanta quantidade. Ademais, há mais mares
que não se misturam uns com os outros em nenhum lugar: manifesta- 354a

mente o mar Vermelho comunica com o mar exterior às Colunas  por 20

uma [passagem] pequena, enquanto o mar da Hircânia 21 e o mar Cáspio


estão separados dele e são habitados ao longo de todas as suas costas,
de modo que as suas fontes não passariam despercebidas, se estivessem
em algum destes lugares.

correntes marinhas

Vê-se o mar fluir junto aos estreitos, se por acaso [a sua água] é
conduzida, devido à terra circundante, de um mar grande para um pe-
queno, por balançar 22 de um lado para o outro muitas vezes 23. Isso não
é evidente numa ampla extensão de mar. Mas onde, devido à estreiteza da 10

terra, vem a ocupar pouco lugar, o balanço, que era pequeno em [alto]
mar, aparece aí necessariamente grande. Todo o [mar] de dentro das
Colunas de Héracles 24 flui devido à concavidade da terra e ao número
de rios 25: o Meótis 26 flui para o Ponto 27 e este para o Egeu, enquanto
os mares [que] já [estão] fora destes fazem-no menos claramente. E isso

18. A saber, o das águas (Biblioteca Histórica xvii, 24. O Mediterrâneo.


de fonte naturais, que são 75, 3, 3­‑4) afirma que
correntes, e o das de fonte alguns chamam assim o 25. Como ficará mais
artificiais, que são paradas. mar Cáspio. Já se formulou claro em seguida, a
a hipótese de que «mar da explicação das correntes
19. A expressão «não flui Hircânia» designe o Cáspio parece depender do relevo
a partir de um lugar» e «Cáspio», o Aral. marinho, bem como do
traduz aporruton, cf. desaguamento dos rios.
[Aristóteles], Pr. xxiii 20, 22. Em grego, talanteusthai.
933b21. 26. O mar de Azov.
23. Costuma observar­‑se que
Aristóteles desconhece o 27. O mar Negro.
20. O oceano (Atlântico); fenómeno das marés, mas,
ver as notas 272 e 347 ao mais adiante, no capítulo 8
Livro I. (366a19­‑20), há uma
referência explícita a esse
21. O argumento pede fenómeno; ver, adiante, a
um mar como o de Aral, nota 317 ao Livro II.
mas Diodoro de Sicília

95
meteorológicos

acontece com aqueles 28 pelo número de rios (com efeito, são mais os
rios que fluem para o Euxino 29 e para o Meótis do que para a região
muitas vezes maior do que [a d]ele 30) e devido à sua profundidade ser
20 menor. Pois é manifesto que o mar é cada vez mais profundo: o Ponto
mais do que o Meótis, o Egeu mais do que aquele 31, o da Sicília mais
do que o Egeu e o da Sardenha e o Tirreno são os mais profundos de
todos 32. As zonas que ficam fora das Colunas 33 são rasas 34 devido ao
lodo, mas são desprovidas de vento, pelo facto de esse mar se situar
numa concavidade.
Assim, pois, tal como se vê, no particular, os rios fluírem a partir
de regiões altas, assim também, no caso da terra inteira, [se vê] a maior
parte do fluxo [fluir] a partir das regiões mais altas, situadas no norte,
de modo que alguns [mares], devido ao escoamento [das suas águas],
não são profundos, enquanto outros, como os mares exteriores, são mais
profundos. Quanto ao facto de as [regiões] situadas ao norte serem as
mais altas da terra, algum sinal é também que muitos dos antigos que
trataram dos fenómenos celestes 35 estavam convencidos de que o sol não
30 se desloca por debaixo da terra, mas à volta da terra e desse lugar 36, e
desaparece, produzindo a noite, pelo facto de a terra ser mais elevada
no norte 37.
Fique, pois, estabelecido por nós que não pode haver fontes do mar
e por que causa se vê o mar fluir.

28. Os três mares se trata efetivamente do mar aportuguesamento «dos


anteriormente nomeados, atualmente assim chamado meteorólogos». Alguns
a saber, o Meótis (mar de e que se encontra ao sul comentadores acreditam
Azov), o Ponto (mar Negro) da ilha. que se trate de poetas: ver
e o Egeu. Ateneu xi 469d­‑470d; mas
33. O oceano (Atlântico); veja­‑se, abaixo, a nota 37 ao
29. O Ponto (mar Negro). ver as notas 272 e 347 ao Livro II.
Livro I.
30. Trata­‑se do «mar 36. Isto é, do norte. Cf.,
interior» (Mediterrâneo), 34. Lemos brakhea, com no Livro I, o capítulo 13
bem maior do que o Ponto Fobes, que segue uma (350b7­‑8), a propósito das
Euxino (mar Negro). variante supralinear do montanhas Ripas.
manuscrito F. Os códices
31. Isto é, o Ponto (mar 37. Essa tese é atribuída
trazem bathea, «profundas».
Negro). a Anaxímenes de
Cf. Alexandre de
Mileto: ver DK 13 A 7, 6
32. Há vários dados inexatos Afrodísias (70, 18­‑19); (= Hipólito, Refutação de
nesta passagem. O mar Proclo, Comentário ao
Timeu de Platão 188, 18­‑23. todas as heresias i 7) e A 14
Negro é mais profundo (= Aécio ii 19, 1, 2).
do que o Egeu. Tão­‑pouco
o mar de Sicília é mais 35. Em grego, meteorologon,
profundo do que o Egeu, se traduzido por

96
aristóteles

2 . d i f i c u l d a d e s r e l at i va s a o m a r

Mas é preciso falar sobre a sua formação — se se formou —, bem 354b

como sobre o seu sabor, [dizendo] qual é a causa da sua salinidade e


amargura 38.
A razão que levou os predecessores a acreditar que o mar era prin­
cípio e corpo de toda a água 39 é esta: [isso] pode parecer ser razoável,
tal como também dos demais elementos há uma massa concentrada
[que], devido ao volume, [é] também princípio donde [cada um] muda
destacando-se e se mistura com os outros, a saber, [um volume] de fogo
nos lugares de cima, um volume de ar que [está] logo depois do lugar
do fogo e um corpo de terra à volta do qual todos estes jazem manifes- 10

tamente. Por conseguinte, é claro que, também acerca da água, é preciso


investigar segundo o mesmo raciocínio. Ora, não se vê nenhum outro
corpo concentrado desse tipo jazer, como no caso dos outros elementos,
a não ser a extensão do mar. Por exemplo, o [caudal] dos rios não é nem
concentrado nem parado, mas vê-se como que formar-se continuamente
todos os dias. Devido a esta dificuldade, o mar foi também considerado
princípio dos húmidos e de toda a água. Por isso, alguns dizem que os
rios não apenas fluem para o mar, como ainda a partir dele. Com efeito,
uma vez filtrada, a [água] salgada torna-se potável.
Mas a esta opinião opõe-se uma outra dificuldade: porque é que essa
água condensada, se de facto é princípio de toda a água, não é potável, 20

mas salgada? E a causa será, ao mesmo tempo, tanto a solução da difi-


culdade como [a confirmação] de que é imperioso tomar como correto
o [nosso] primeiro juízo sobre o mar 40.
Com efeito, uma vez que a água está disposta à volta da terra — do
mesmo modo que à volta desta a esfera do ar e à volta desta[, por sua

38. O kai da linha 354b2, contrários doce e amargo o Oceano é a origem dos
aqui traduzido por «e», (18­‑21). rios, dos mares, das fontes e
talvez seja explicativo: dos poços (Homero, Ilíada
«da sua salinidade, isto é, 39. A tese é apresentada xxi 195­‑197); ver a nota
amargura». Com efeito, de novo mais adiante 272 ao Livro I. Já se pensou
Aristóteles considera que (354b16­‑18). O autor também em Tales e Hípon.
o salgado e o amargo são deve visar pelo menos
praticamente idênticos Xenófanes (DK 21 B 30 = 40. Aristóteles tratará da
(Sens. 4, 442a17­‑18). Em Aécio iii 4, 4). A posição salinidade do mar no
todo o caso, o salgado deste último não deve, próximo capítulo.
seria um dos cinco sabores porém, ser confundida com
intermediários entre os a ideia tradicional de que

97
meteorológicos

vez,] a chamada «[esfera] de fogo» 41 (este é o último de todos, como


diz a maioria e como dizemos nós mesmos 42) —, que o sol se desloca
daquele modo 43 e que, por causa disso, se dá a mudança, isto é, geração
e corrupção 44, o mais leve e mais doce é conduzido cada dia para cima
30 e, dissolvendo-se e evaporando-se, desloca-se para o lugar de cima; e
lá, condensado outra vez devido ao arrefecimento, outra vez se desloca
para baixo, em direção à terra. A natureza tende 45 sempre a fazer assim,
como se disse antes 46.
Por isso, são ridículos também todos aqueles predecessores que jul-
gavam que o sol se alimentasse do húmido 47 — e pelo menos alguns
355a dizem que, por esse facto, ele também produz as suas variações de
percurso 48: dizem que nem sempre os mesmos lugares lhe conseguem
arranjar o alimento, mas que é necessário que isso aconteça ou [o sol]
destruir-se-á (pois também o fogo visível vive enquanto tiver alimento
e só o húmido é alimento para o fogo). [E isso] na convicção de que a
[parte] do húmido que é conduzida para cima chega até ao sol ou de
que essa elevação é exatamente do mesmo tipo que a da chama que
se gera, pela qual, assumindo a plausibilidade, julgaram assim também
acerca do sol. Mas não é a mesma coisa. Com efeito, a chama forma­‑se
10 devido ao seco e ao húmido que mudam continuamente, e não se ali-
menta (pois não continua a ser a mesma por tempo algum, por assim
dizer) 49, enquanto é impossível que isso aconteça com o sol: se realmente
se alimentasse do mesmo modo, como eles dizem, é evidente que o sol
seria não apenas, como diz Heraclito, novo cada dia 50, mas sempre novo
continuamente. Ademais, a condução para o alto do húmido por efeito

41. Sobre a impropriedade 45. Literalmente, «quer», an. ii 4, em particular


dessa denominação, bouletai. 416b11­‑29.
ver, no Livro I, os
capítulos 3 (340b22­‑23) 46. Livro I, capítulo 9 50. DK 22 B 6; cf.
e 4 (341b14­‑18). (347a5­‑6). Xenófanes, DK 21 A 33,
3 (= Hipólito, Refutação
42. O elemento da última 47. Ver, supra, a nota 8 ao de todas as heresias i 14,
esfera do mundo sublunar, Livro II. 17, 12). Bem entendido,
contígua à região superior o que Aristóteles atribui a
constituída por éter: ver, no 48. Em grego, tropas. Ver, Heraclito é «o sol é novo
Livro I, os capítulos 3 e 4. supra, a nota 8 ao Livro II. cada dia»: o resto é um
acréscimo­‑correção do
43. Isto é, em círculo. 49. A alimentação pressupõe
próprio Aristóteles.
uma permanência daquilo
44. Ver, no Livro I, o que se alimenta: ver De
capítulo 9.

98
aristóteles

do sol é semelhante às águas aquecidas ao lume: se, portanto, o lume


que arde em baixo não está a alimentar-se, tão-pouco é plausível julgar
que o esteja o sol, nem mesmo se, ao aquecer, fizesse evaporar toda a
água. E é estranho também que pensem apenas no sol, negligenciando 20

a conservação dos outros astros, apesar de serem tão importantes, quer


pelo número, quer pela grandeza.
A mesma falta de razoabilidade verifica-se nestes e nos que afirmam 51
que, no início, sendo húmida também a terra e sendo o mundo à volta da
terra aquecido pelo sol, gerou-se ar, todo o céu cresceu e aquele 52 produziu
tanto os sopros como as suas variações de percurso 53. Com efeito, vemos,
de modo patente, que a água conduzida para cima cai sempre de novo.
E, ainda que [o ar] não [a] devolva todo o ano e de modo semelhante
em cada região, pelo menos em certos períodos ordenados devolve toda
[a água] tomada 54, porque nem os [corpos] de cima 55 se alimentam [de
água], nem uma parte dela 56— já [tornada] ar — permanece depois da
transformação, enquanto a outra, destruindo-se, se transforma de novo 30

em água, mas é toda igualmente que, dissolvendo-se, se condensa outra


vez em água.
A [água] potável e doce é, pois, toda ela conduzida para o alto, devido
à sua leveza, enquanto a salgada permanece em baixo, devido ao seu peso,
não no seu próprio lugar natural 57. Com efeito, há que considerar justo 355b

ter-se levantado esta dificuldade (pois não é razoável que não haja um
lugar da água, como há dos outros elementos) e que a solução é esta: o
lugar que vemos o mar ocupar não é do mar, mas, antes, da água. Parece
ser do mar, porque a [água] salgada permanece em baixo devido ao
peso, enquanto a doce e potável é conduzida para cima devido à leveza,
assim como nos corpos dos animais: também nestes, mesmo sendo doce

51. Trata­‑se de alguns dos último, ver, supra, a 55. Isto é, os astros.


«sábios em saber humano» nota 8 ao Livro II). Com
mencionados acima, no efeito, Aristóteles parece 56. Isto é, da água.
Livro II, capítulo 1 (353b5); distinguir entre os que se
ver a nota 9 ao Livro II. preocuparam apenas com 57. Sobre a noção de lugar
o sol (355a19) e os que se natural, oikeios topos, ver
52. Isto é, o ar. preocuparam também com Ph. iv 5, 212b33­‑34; viii
os demais astros. 3, 253b33­‑254a1. Apenas
53. Com Pepe, entendemos os corpos elementares têm
«do céu»; outros intérpretes 54. Ver o Livro I, capítulo 14 propriamente um lugar
entendem «do sol» e (352a28­‑31), a propósito do natural, como se diz em
traduzem tropas por «grande inverno». seguida.
«solstícios» (sobre este

99
meteorológicos

o alimento ingerido 58, o sedimento e o resíduo do alimento húmido 59


é claramente amargo e salgado. Com efeito, o doce e potável, arrastado
10 pelo calor natural, vai para as carnes e para a restante organização das
partes, de acordo com a natureza de cada uma. Da mesma forma, pois,
que, nesse caso, seria estranho se alguém não considerasse que o ventre
é o lugar do alimento potável 60, porque rapidamente desaparece, e sim
do resíduo, porque vê que este [aí] permanece — [no que] não julgaria
corretamente —, assim também no presente caso, pois este 61 é, como
dizemos, o lugar da água. Por isso, para aí fluem todos os rios, bem como
toda a água que se forma. Com efeito, o fluxo vai para o [lugar] mais
côncavo 62 e o mar ocupa o lugar da terra que é desse tipo. Mas enquanto
uma 63 se desloca toda rapidamente para cima, por efeito do sol, a outra
20 fica, devido à causa mencionada 64.
Quanto à investigação relativa à antiga dificuldade 65, [que consiste em
estabelecer] porque não aparece em parte alguma uma tão grande massa
de água (com efeito, o mar não se torna nem um pouco maior apesar
de rios inumeráveis e imensos em tamanho fluírem para ele cada dia),
não é estranho que isso tenha embaraçado 66 alguns, embora nem por
isso seja difícil ver [a solução], se pelo menos se observar com atenção:
a mesma quantidade de água não seca num tempo igual se derramada
sobre uma superfície plana ou se concentrada, mas difere tanto que,
num caso, pode levar o dia todo e, no outro — como se alguém en-
tornasse uma taça de água 67 sobre uma grande mesa — pode toda ela
30 desaparecer com a mesma rapidez com que se pensa. [É] o que acontece
também no caso dos rios; pois, ainda que fluam de modo contínuo e
compacto, a [água] que chega a um lugar aberto e plano sempre seca
rápida e impercetivelmente.

58. Cf. HA viii 2, 62. Ver Cael. ii 4, 287b4­‑7. problema: aporia). Ver


590a18­‑22. também Lucrécio v
63. A água doce. 261­‑272; Séneca, Problemas
59. «Sedimento» traduz Naturais iii 4, 1.
hupostasis e «resíduo» 64. A saber, o peso da
perittoma, no caso, a urina. parte salgada, ver acima 66. Em grego, aporesai.
(355b4­‑5).
60. Em grego, tes potimou 67. Kuathos, «taça», é
trophes, isto é, da parte 65. Alexandre de também uma medida
líquida da alimentação. Afrodísias (75, 1) para líquidos e sólidos,
afirma que muitos antigos correspondente, para
61. Isto é, o lugar ocupado investigaram acerca líquidos, a 0,045 litros.
pelo mar. dessa dificuldade (ou

100
aristóteles

crítica ao fédon

O que está escrito no Fédon 68 sobre os rios e o mar é impossível. Diz-se


aí que todos os rios se reúnem uns com os outros debaixo da terra 69 e
assim o princípio e a fonte de todas as águas seria o chamado «Tártaro», 356a

um certo volume de água que fica no centro [da terra], donde brotam
todas as águas 70, quer correntes quer não 71. E produz o fluxo para cada
um dos cursos de água devido à agitação permanente do princípio e da
primeira [massa de água]. Com efeito, ele não tem sede fixa 72, mas vai
sempre à volta do centro e, movendo-se para cima e para baixo, produz
o derramamento dos cursos de água 73. Alguns estagnam em muitas
partes, como o mar que está junto a nós 74, mas todos giram em círculo,
de volta ao princípio donde começaram a fluir: muitos no mesmo lugar,
enquanto outros também no lado contrário, em posição, ao do efluxo 75 10

— por exemplo, se começaram a fluir de baixo, precipitam-se de cima 76.


Mas a queda [deles só] vai até ao centro, pois, quanto aos restantes, o
deslocamento para todos já é para cima 77. E a água adquire os sabores
e as colorações do tipo de terra através da qual calha fluir 78.

68. Ver Platão, Fédon 111d­ 69. Fédon 111d2­‑3. 73. Fédon 112a7­‑b3 e


‑113c. Mais uma vez, é 111e4­‑5. Aristóteles omite
evocado um mito (Fédon 70. Fédon 111e6­‑112a6. os ventos (112b).
107d), mas, contrariamente Na verdade, Platão é mais
ao que acontece com preciso, pois afirma que 74. Trata­‑se, talvez, de um
o mito tradicional de essa voragem atravessa a comentário de Aristóteles ao
Faetonte no início do Terra toda (112a1­‑2). Como Fédon 112c7­‑8.
capítulo 8 do Livro I observa Groisard, Aristóteles
(345a15), a propósito da parece concebê­‑la não como 75. Fédon 112c8­‑d5.
origem da via láctea, desta uma coluna de água (assim
76. Explicação de katantikru,
vez Aristóteles dedica­‑lhe é imaginada geralmente),
«do lado contrário» (356a10;
uma verdadeira crítica, mas sim como um núcleo
Fédon 112d5).
embora o seu resumo aquoso.
dessa passagem do Fédon 77. Isto é, atingido o centro,
não seja de todo aderente 71. A última observação voltam a subir.
ao texto de Platão, pelo é um acréscimo de
menos tal como chegou Aristóteles, devido à 78. Fédon 112a7­‑b1. No
até nós. Em todo o caso, distinção feita acima, entanto, Platão é genérico,
Aristóteles trata os mitos no Livro II, capítulo 1 não mencionando sabores e
como se fossem discursos (353b18­‑19). cores. Mais adiante (113b6­
científicos, apesar de se ‑c2), ele faz, sim, menção
revelarem dececionantes, 72. O termo hedra, «sede da cor (azulada), mas
quanto ao conteúdo fixa» (356a4), não aparece apenas para o rio Estige.
descritivo­‑explicativo. Notar­ na passagem do Fédon. Sobre o sabor, ver também
‑se­‑á, enfim, que o nome de Aristóteles, Sens. 4,
Platão jamais é mencionado. 441a28­‑441b7.

101
meteorológicos

Mas, segundo tal discurso, acontece que os rios nem sempre fluem para
o mesmo [lugar]: uma vez que afluem para o centro donde justamente
efluíram, não fluirão mais de baixo [para cima] do que de cima [para
baixo], mas sim em qualquer dos dois sentidos para os quais o Tártaro,
flutuando, se incline. Todavia, se isso acontecesse, dar-se-ia o que se
conta dos rios [que fluem] para cima 79, o que justamente é impossível.
20 Ademais, donde virá a água que se forma e é de novo conduzida para
cima 80? Com efeito, é necessário eliminar 81 toda [essa água], se de facto
se conserva sempre a igualdade: tudo o que flui para fora flui de novo
para o princípio. Todavia, é evidente que todos os rios terminam no
mar (salvo os que [terminam] uns nos outros), mas nenhum na terra; e,
mesmo se desaparecessem [sob a terra], de novo emergiriam. Por outro
lado, os rios que se tornam grandes são os que fluem, por uma grande
extensão, através de um vale, pois recebem os caudais de muitos [outros]
rios, cujo caminho aqueles obstaculam devido ao seu lugar 82 e à sua
extensão. Justamente por isso, o Istro 83 e o Nilo são os maiores de entre
os rios que vão ter a este mar 84. E quanto às fontes de cada um dos rios,
30 outros fornecem outras causas 85, pelo facto de muitos [rios] desaguarem
no mesmo. Mas é evidentemente impossível que tudo isto 86 aconteça,
sobretudo se o mar tira o seu princípio de lá 87.
Fique, pois, estabelecido por nós que esse lugar é da água e não do
mar, por que causa a [água] potável não é percetível a não ser quando
corrente, enquanto a restante é parada, bem como porque é que o mar é
356b fim, mais do que princípio, da água, como nos corpos o resíduo de todo
o alimento, sobretudo do húmido.

79. Referência a um verbo exaireîn, enquanto as 85. Alguns tradutores


provérbio, ver Eurípides, edições de Fobes e Louis desconsideram aitias na
Medeia 410. trazem exaírein, lição de linha 356a30.
vários códices. Todavia, os
80. De acordo com a manuscritos mais antigos, 86. O que é dito no Fédon.
narração sobre o Tártaro, em maiúsculas, geralmente
a água não poderia evaporar­ não comportavam acentos. 87. Isto é, do Tártaro.
‑se para a atmosfera, mas Além disso, ambos os
teria de girar sempre em verbos admitem, de facto,
torno do Tártaro, que fica esse mesmo sentido.
no interior da terra.
82. Isto é, à sua posição.
81. A paráfrase de
Alexandre de Afrodísias 83. O Danúbio.
(76, 29), segundo sua edição
moderna, tem exaireî, do 84. O Mediterrâneo.

102
aristóteles

3. a salinidade d o mar

É preciso falar sobre a sua salinidade e [dizer] se [o mar] é sempre o


mesmo, ou se nem era nem será, mas deixará de ser, pois assim acham
alguns.
Todos parecem concordar que se formou, se de facto o mundo inteiro
também [se formou], pois concebem a sua formação como simultânea.
Assim, é claro que, se de facto o todo é eterno, também se deve julgar
que [o é] o mar.
Quanto a considerar que o mar se torna mais pequeno quanto ao 10

tamanho, como diz Demócrito  , e que no fim acabará, quem está


88

persuadido disso em nada parece diferir das fábulas 89 de Esopo: este


contou 90 que Caríbdis 91, tendo-o sorvido duas vezes, na primeira, tornou
visíveis as montanhas e, na segunda, as ilhas, e quando o sorver uma
última vez, torná-lo-á completamente seco. A ele, que estava irado com
o barqueiro, era, pois, apropriado contar tal história 92, mas menos aos
que buscam a verdade. É evidente que, pela [mesma] causa pela qual o
mar tem permanecido desde o início — quer devido ao seu peso, como
afirmam igualmente alguns deles (é fácil ver a causa disso), quer ainda 20

devido a alguma outra coisa —, por isso [mesmo], ele necessariamente


permanecerá também durante o resto do tempo. Com efeito, eles devem
dizer ou que a água conduzida para cima por efeito do sol não voltará,
ou que, se de facto isso acontecer, necessariamente o mar permanece, ou
sempre, ou enquanto isso continuar a acontecer, e será preciso que essa
água potável seja antes conduzida para cima de novo. Por conseguinte,
[o mar] jamais secará, pois aquela [água] que se tiver elevado antes pre-

88. DK 68 A 100. Cf., marinho por Zeus e vivia 92. É sempre muthos
no Livro I, o capítulo 14 no Estreito de Messina, o termo empregue.
(352a19­‑25) e, no Livro II, que separa a Sicília do Mito tradicional ou
o capítulo 1 (353b9­‑11). continente; a Caríbdis história inventada por
está associado um outro Esopo, o conto é de
89. Ou «histórias», muthoi. monstro marinho, Cila, imediato desconsiderado,
que vivia do outro lado contrariamente ao que
90. Esopo 19 Halm. do estreito. Homero acontece no capítulo
(Odisseia xii 105) conta que anterior com o Fédon de
91. Segundo certa Caríbdis sugava e vomitava Platão.
tradição, filha da Terra a água do mar três vezes
e de Poseidon, que foi por dia. Aristóteles refere­‑se
transformada em monstro a uma outra versão do mito.

103
meteorológicos

cipitar-se-á de novo para baixo, para o mesmo [lugar]. Com efeito, não
faz diferença dizer que isso acontece uma ou muitas vezes 93. E se alguém
impedir, assim, o sol de se deslocar, o que haverá para secar? Mas, se se
deixa o seu deslocamento circular acontecer, então, cada vez que [o sol]
30 se aproximar, conduzirá para cima a água potável, como dissemos 94, e
cada vez que se distanciar, de novo a deixará cair.
Eles tiraram aquela ideia 95 sobre o mar do facto de muitos lugares
parecerem ser mais secos agora do que dantes, de que já dissemos a
causa 96, [a saber,] que este [facto] é o efeito dos excessos de chuva que
se verificam de tempos a tempos, e não [se dá] devido à génese do todo
357a ou das suas partes. Ora, o contrário acontecerá, por sua vez, e, quando
acontecer, [o mar] voltará a secar; e necessariamente isso prossegue sempre
assim, segundo um ciclo. Com efeito, é mais razoável julgar isto do que
[julgar] que, por este motivo, o universo inteiro muda. Mas a [nossa]
exposição já se atardou nisto mais do que merecia.
Relativamente à salinidade, para aqueles que engendraram [o mar]
de uma só vez — ou que pura e simplesmente [o] engendraram — 97,
é impossível fazê-lo salgado 98. Com efeito, se o que restou de todo o
húmido existente sobre a terra e que foi conduzido para cima por efeito
do sol veio a ser mar e, ainda, se tanto sabor estava presente na grande
10 quantidade de água doce pelo facto de se ter misturado nela alguma
terra de tal qualidade, não é menos necessário, como a água que se tinha
evaporado volta e a quantidade é igual, [que o mar tenha sido salgado]
também no início. Ou então, se não [era] no início, tão-pouco poderá
ser salgado depois. Mas se [o] era desde o início 99, é preciso dizer qual
é a causa e, ao mesmo tempo, porque é que, se então era conduzido para
cima, o mesmo não lhe acontece também agora.

93. Na medida em que, 97. Isto é, para aqueles Apolónia a tese de que a


se acontece uma vez, segundo os quais o mar foi salinidade do mar é devida
acontecerá sempre. gerado e, portanto, não é ao facto de este secar.
eterno.
94. Ver acima, no Livro I, o
capítulo 9. 98. Isto é, é impossível
explicar a sua salinidade.
95. O termo grego é dianoia.
99. Alexandre de
96. Ver acima, no Livro I, o Afrodísias (67, 12­‑14)
capítulo 14. atribui a Diógenes de

104
aristóteles

Decerto [há] também aqueles que dão como responsável da sua sali-
nidade a terra que se lhe mistura: dizem que ela tem muitos sabores, de
modo que, arrastada pelos rios, faz [o mar] salgado devido à mistura.
[Mas] é estranho[, nesse caso,] que os rios também não sejam salgados:
como é possível fazer a mistura com a terra de tal qualidade tão evidente 20

numa grande quantidade de água, mas não em cada um [dos rios]? Pois
é claro que o mar é toda a água fluvial e em nada difere dos rios, a não
ser no facto de ser salgado. E isso 100 advém-lhes 101 no lugar para o qual
fluem juntos 102.
Seria igualmente ridículo se alguém, tendo dito que o mar é suor
da terra, como Empédocles, 103 julgasse ter dito algo de claro. Para uma
composição [poética], ao dizer isso, talvez [se] tenha dito o suficiente
(com efeito, a transposição é algo de poético), mas, para o conhecimento
da natureza, não é suficiente 104. Nem sequer está claro aqui como o suor
derivado de uma bebida doce se torna salgado, se apenas pelo facto de 30

algo, por exemplo, o mais doce, dela se separar, ou se pelo facto de algo
se misturar, como nas águas filtradas através da cinza. A causa parece ser
a mesma que para o resíduo que é reunido na bexiga, pois também este
é amargo e salgado, ainda que sejam doces o que se bebeu e o húmido
presente no alimento. Se, pois, da mesma forma que a água filtrada através 357b

do pó de cal  105
se torna amarga, também tais coisas [se tornam amargas
e salgadas] porque alguma potência 106 — tal qual a salsugem que se vê

100. A salinidade. toda a composição de 105. Thillet prefere traduzir


versos e, de maneira mais konia, «pó de cal», pelo
101. Isto é, aos rios. genérica, toda a produção; francês lessive, «detergente».
e «poético», poietikon.
102. Frase pouco clara. Trata­‑se de produtos tais 106. O termo grego é
Entendemos que a água como tragédias, comédias dunamis. Isto é, alguma
fluvial torna­‑se salgada e epopeias, os quais, substância, no sentido
apenas no mar. segundo Aristóteles, corrente do termo.
mais especificamente se
103. DK 31 B 55, cf. 31 definem pela imitação,
A 5 (= Suda, s. v. Zénon). ver Po. 1. Assim, apesar
Cf. também Rh. iii 5, da transposição (isto é,
1407a31­‑39 (em DK 31 da metáfora) baseada
A 25) e Metaph. i 9, numa analogia e da sua
991a20­‑22. Aristóteles já obscuridade, Empédocles
se referiu a essa ideia, sem é, antes, um estudioso
mencionar Empédocles: da natureza, não um
ver, acima, no Livro II, o compositor (Po. 1,
capítulo 1 (353b11­‑13). 1447b16­‑20).
104. «Composição [poética]»
traduz poiesis, que designa

105
meteorológicos

depositar-se nos vasos 107 — ou, num caso, se deixa levar com a urina
ou, noutro, é expulsa das carnes com o suor — já que o húmido que
sai do corpo [o] lava de uma [substância] desse tipo 108—, é claro que
também no mar a causa da salinidade é aquilo que da terra se mistura
com o húmido.
No corpo, o resíduo do alimento torna-se, pois, uma [substância] des-
se tipo por causa da incocção 109. Mas é preciso dizer de que modo [uma
10 substância desse tipo] se encontra na terra. De forma geral, como é possível
que uma quantidade tão grande de água tenha sido expulsa [de uma terra]
ressequida e aquecida? Com efeito, é preciso que isto seja uma parte mínima
do [húmido] que ficou na terra. Ademais, porque é que não sua também
agora, quando calha que, por uma extensão grande ou pequena, a terra esteja
a secar? <Com efeito, a humidade, isto é, o suor, torna-se amargo.> 110 Com
efeito, se de facto [isso acontecia] então, também agora deveria [acontecer].
Mas manifestamente isso não acontece agora: estando seca, humidifica-se,
enquanto, estando húmida, não sofre nada desse tipo 111. Então, como é pos-
sível que, aquando da sua primeira formação, estando húmida a terra, tenha
suado, ao secar-se? Ora, é mais plausível que, como afirmam alguns 112, tendo
20 ido embora a maior parte do húmido, devido ao sol, e ficado suspensa 113

107. Em grego, en tois Pr. x 43, 895b6­‑7. Thillet e entre parênteses retos
aggeiois. A interpretação sustenta que é tardio o uso em Louis, aparece como
desta passagem varia: de aggeion para designar estranha ao contexto; na
salmoira que se deposita um vaso sanguíneo: ver tradução, entendemos o kai
nos recipientes, substância Nemésio, Sobre a natureza como explicativo, dado que
salgada que se deposita do homem 23, 16. o verbo está no singular
nos vasos de noite ou e o predicativo concorda
humor salgado que se 108. O termo «substância» com o segundo termo.
deposita nos vasos do não é empregue segundo o Provavelmente, é uma nota
corpo. Apesar da presença, sentido técnico aristotélico. marginal inserida no texto
no corpus aristotélico, de Na verdade, em grego ou, pelo menos, está fora
comparações entre partes temos aqui, em 357b5, do lugar.
do corpo e vasos (PA ii 3, assim como na linha 8,
650b7­‑8; HA iii 2, 511b17) apenas to toiouton, «algo 111. Ou seja, nada que
e de uma passagem que desse género». se pareça com uma
lembra a presente e que transpiração.
pode parecer designar 109. O termo grego é
uma parte do corpo por 112. Ver acima, no Livro II,
apepsia; literalmente, «falta
aggeion, «vaso» (PA iv o capítulo 1 (353b6­‑9).
de cocção». Isto é, falta de
1, 676a35), entendemos digestão; ver a nota 14 ao 113. Em grego,
que, aqui, se trata de uma Livro IV. meteoristhentos.
substância salgada que
se deposita nos vasos de 110. Esta frase (357b14),
noite: cf. [Aristóteles], entre parênteses em Fobes

106
aristóteles

nos ares, o que permaneceu seja mar. Mas é impossível que, estando húmida,
[a terra] sue.
As mencionadas causas da salinidade parecem, pois, subtrair-se à razão.
Mas falemos nós, tomando o mesmo princípio que [tomámos] antes 114.
Uma vez que ficou estabelecido que a exalação é dupla, uma húmida e
outra seca, é evidente que devemos acreditar que esta [última] é princí-
pio de tais [fenómenos]. E, em particular, antes, é necessário [falarmos]
do que causa dificuldades, a saber, se também o mar continua sempre a
ser constituído pelas mesmas partes em número, ou em forma e quanti­
dade 115, com as partes sempre mudando, como [sucede com] o ar, a água
potável e o fogo: cada um destes está sempre a tornar-se outra coisa, 30

enquanto a forma do conjunto  116


de cada um deles permanece, como o
fluxo das águas que fluem e o da chama 117. Também isso é, pois, evidente
e convincente: que é impossível que não seja a mesma a explicação para
todos estes [fenómenos], isto é, que diferem quanto à rapidez e lentidão
da mudança, e que para todos existe corrupção e geração, mas que esta 358a

advém a todos eles de modo ordenado  . Assim sendo as coisas, deve


118

tentar-se fornecer a causa também para a salinidade.

explicação da salinidade d o mar

É, pois, evidente, por muitos indícios, que esse sabor se forma devido à
mistura de algo. Por exemplo, nos corpos, o que há de menos cozido 119 é
salgado e amargo, como já antes dissemos 120: o menos cozido é o resíduo

114. Trata­‑se da dupla ser do mesmo género, é 117. Cf. GC ii 11,


exalação; ver, no Livro I, o uma doutrina habitual de 338b11­‑13.
capítulo 4 (341b5­‑12). Aristóteles: ver, em especial,
Top. i 7, 103a6­‑39. Aqui, 118. Ver acima, no Livro I,
115. Isto é, constituído ignora­‑se esta última e o capítulo 1 (338b20­‑21).
por partes que são acrescenta­‑se a identidade
numericamente idênticas quantitativa. 119. Isto é, de menos
ou apenas específica e digerido.
quantitativamente idênticas. 116. Na linha 357b31, no
A distinção entre identidade lugar de tou plethous, «do 120. Ver um pouco acima
numérica [arithmo(i)], conjunto» (ou «da massa»), (357b7­‑9).
específica (eidei) e genérica lição dos manuscritos,
(genei), isto é, entre ser alguns editores acolhem a
o mesmo indivíduo, ter conjetura de Bonitz kai to
a mesma forma ou ser plethos, «e a massa».
da mesma espécie ou

107
meteorológicos

do alimento líquido. Assim é todo o sedimento, principalmente o que


10 vai para a bexiga (e um sinal [disso] é que é muito diluído, enquanto as
coisas inteiramente cozidas 121 condensam-se naturalmente), em seguida
suor <sempre> 122. O mesmo corpo que por meio deles é conjuntamente
expulso produz aquele sabor 123. De modo semelhante nas coisas quei-
madas: aquilo que o quente não consegue dominar torna-se, nos cor-
pos, excreção 124 e, nas coisas queimadas, cinza. Por isso, aliás, alguns 125
afirmam que o mar se formou a partir de terra totalmente queimada.
Embora seja um absurdo dizer assim, que [seja] a partir de uma [terra]
desse tipo é verdade. Deve entender-se que, tal como sucede nos casos
mencionados, assim também [sucede] no todo 126, e [que] a partir das
coisas que crescem e se geram naturalmente, tal como a partir do que é
20 queimado, o que fica é sempre uma terra desse tipo, especialmente toda
a exalação 127 [que está] na seca 128, pois esta fornece a maior quantidade
disso 129. Mas estando misturadas, como dissemos, a exalação vaporosa e
a seca 130, é necessário, quando se condensam em nuvens ou água, que
fique sempre retida, dentro, uma certa quantidade dessa potência 131 e
que se desloque para baixo outra vez juntamente [com a água], quando
chove 132; e isso dá-se sempre de acordo com uma certa ordem, tanto
quanto é consentido às coisas daqui 133 participar de uma ordem 134. Fica,
pois, dito donde vem a formação do salgado presente na água.

121. Isto é, digeridas. Com pode tratar­‑se de uma (340b23­‑29); ver adiante,


Thillet, entendemos o panta opinião comum. no Livro II, o capítulo 4
da linha 358a10 como (360a21­‑27).
adverbial, «inteiramente». 126. Isto é, ao nível do
universo. 131. Isto é, da substância
122. Entre parênteses retos terrosa salgada.
em Fobes, lição de alguns 127. Lendo, na linha 358a20,
códices. Outra tradução: anathumiasin, segundo 132. A exalação seca,
«depois porém suor». o texto dos manuscritos, comparável à terra
Apesar da sua crítica à e não a correção queimada e às cinzas,
analogia de Empédocles anathumiasei, proposta contém essa substância
(357a24 e segs.), Aristóteles por Thurot e acolhida por salgada.
de algum modo serve­‑se alguns tradutores.
da noção de suor na sua 133. Do mundo sublunar.
explicação da salinidade 128. Passagem difícil. Trata­
do mar. ‑se provavelmente da terra. 134. Sobre a ideia de
uma ordem relativa no
123. Ver um pouco acima 129. Isto é, da salinidade. mundo sublunar, ver um
(357b2­‑5). pouco acima (358a1­‑3) e
130. Na verdade, é a principalmente o Livro I,
124. O termo grego é primeira vez que a ideia capítulo 1 (338a25­‑b21).
perittosis. de uma mistura das duas
exalações é expressa, mas de
125. Impossível determinar modo implícito ela aparece
a sua identidade; de resto, no Livro I, capítulo 3

108
aristóteles

Por isso, são também mais salobras as chuvas trazidas pelo vento sul,
bem como as primeiras do outono: quer pela sua extensão quer pelo seu
sopro, o vento sul é o mais quente e sopra a partir de lugares secos e 30

quentes, portanto com pouco vapor. Por isso justamente é quente. E mesmo
que não fosse assim 135, mas [fosse] frio o [lugar] donde ele começa a
soprar, não seria menos quente ao avançar, por recolher muita exalação
seca a partir dos lugares vizinhos. Já o vento norte, uma vez que sopra de
lugares húmidos, é vaporoso [e] por isso frio. E, por afastar [as nuvens], é 358b

sereno cá, mas chuvoso nos [lugares] opostos  . De maneira semelhante,


136

o vento sul é sereno na zona da Líbia 137.


Na água que cai encontra-se, pois, muito disto 138 e as chuvas outo-
nais são salobras, pois necessariamente as mais pesadas caem primeiro.
Por conseguinte, todas aquelas em que está presente uma grande quan-
tidade de terra desse tipo pendem rapidissimamente para baixo. E por
isso o mar é quente 139: todas as coisas que foram queimadas contêm
nelas calor em potência 140. É possível ver o pó de cal, a cinza e o excre­
mento 141 dos animais, tanto seco como húmido 142; e acontece que o 10

excremento dos animais que são mais quentes relativamente ao ventre


é o mais quente.
E por essa causa, [o mar] torna-se, pois, cada vez mais salobro, mas
alguma parte dele 143 é sempre conduzida para cima com a [água] doce,
ainda que tanto menor quanto menor for, no que chove, a parte salgada
e salobra em relação à doce — justamente por isso [a salinidade] perma-
nece igual, para falar de maneira global. Que, ao evaporar-se, [a água do
mar] se torna potável e que a [parte] que se evapora, quando de novo
se condensa, não se [re]constitui em mar, dizemo[-lo] 144 por ter experi-

135. Isto é, quente. 140. Cf. Livro IV, capítulo 143. Isto é, do mar.


11. Ver também PA ii 2,
136. Ou seja, ao sul da 649a24­‑27. 144. Com Louis, lemos
Grécia. legomen, com ómicron
141. O termo grego é (indicativo), segundo a
137. O termo pode designar hupostasis, anteriormente primeira mão do códice
todo o norte de África. traduzido por «sedimento». E, e não com ómega
(conjuntivo), como Fobes.
138. Isto é, exalação seca. 142. Frase elíptica, mas
compreensível: pó de
139. Ver GA iii 11, cal, cinza e excremento
761b8­‑12. comprovam a tese de que as
coisas queimadas conservam
o calor em potência.

109
meteorológicos

mentado 145. E as outras coisas também sofrem o mesmo. Por exemplo,


tanto o vinho como todos os sumos que, uma vez evaporados, se con-
20 densem outra vez em líquido, tornam-se água 146. As demais propriedades
da água 147 são devidas a alguma mistura, e, como quer que seja a coisa
misturada, esta produz o sabor 148. Mas é preciso fazer uma investigação
acerca destas coisas noutras ocasiões mais apropriadas 149.
Por agora, limitemo-nos a dizer que, do mar existente, algo é sem-
pre conduzido para cima, torna-se potável e cai de cima, na água que
chove, transformado já em algo diferente em relação àquilo que foi
conduzido para cima; e, devido ao peso, fica situado abaixo da [água]
potável. E, por isso, nem [o mar] diminui, como os rios, salvo local-
mente 150 (e isso acontece necessariamente a ambos do mesmo modo),
30 nem sempre as mesmas partes — nem da terra nem do mar — per-
manecem, mas somente a totalidade da massa. E é preciso conceber o
mesmo para a terra: parte é conduzida para cima, enquanto a outra se
precipita de volta para baixo. E tanto o que emerge como o que desce
de novo mudam de lugar.

145. Em grego, pepeiramenoi. vinho, a conclusão tirada uma outra investigação. Já


O autor parece referir­‑se da experiência é, pelo se pensou também num
a uma experiência de menos em parte, falsa: da tratado Sobre os sabores que
destilação, cf. Livro IV, sua destilação, obtém­‑se se teria perdido.
capítulo 7 (384a6­‑8). também um outro líquido
Embora a menção de transparente, o álcool, 150. Ver acima, no Livro I,
experiências seja rara em provavelmente desconhecido o capítulo 14.
Aristóteles (ver um pouco como tal dos antigos gregos:
adiante, 359a), esse recurso ver Forbes 1970 (1948),
não é banal e contradiz a p. 57.
ideia de uma rutura total
entre ciência moderna 147. Sabor, cor, etc.
(«experimental») e ciência «Propriedades» traduz pathe.
antiga («contemplativa»).
Alexandre de Afrodísias 148. É khumos o termo
(86, 20­‑27) mostra conhecer empregue.
a destilação da água do
149. Esta passagem é objeto
mar. Düring 1976, p. 438,
de discussão: de facto,
afirma que Aristóteles não
pelo menos no seu estado
tem interesse algum por
atual, o corpus aristotélico
experiências, mas justifica
não parece apresentar tal
tal afirmação com uma
investigação, mas pode
passagem de Platão
tratar­‑se de uma alusão ao
(Timeu 68d)!
capítulo 4 do tratado Da
146. «Sumo» traduz sensação e dos sensíveis e/ou
khumos, noutros lugares ao Livro IV dos próprios
traduzido por «sabor»: ver Meteorológicos, que, neste
logo abaixo a nota 164. caso, parece ser considerado
No que diz respeito ao como fazendo parte de

110
aristóteles

Que o salgado consista numa mistura de algo, fica evidente não só pelo
que dissemos como ainda [pelo seguinte:] se alguém, tendo moldado um
vasilhame de cera, [o] colocar sobre o mar, atando o gargalo de tal forma 359a

que não penetre [água] do mar, a água que entra através das paredes de
cera torna-se potável, pois o terroso, ou seja, o que produz a salinidade
pela sua mistura, fica separado, como através de um filtro 151. E isto é
causa tanto do peso (a água salgada pesa mais do que a potável) como da
densidade. Com efeito, a densidade difere tanto que os barcos contendo
o mesmo peso de carga por pouco se afundam nos rios, enquanto no
mar ficam em condições razoavelmente apropriadas à navegação. Justa- 10

mente por isso, alguns dos que carregam nos rios tiveram perdas, por
tal ignorância 152. E uma prova de [haver] algo misturado é o facto de a
massa ser mais densa: se alguém fizesse água salgada misturando muito
sal, os ovos flutuariam nela ainda que cheios, pois a água torna-se quase
como lodo 153. O mar tem massa corpórea 154 em tal quantidade 155. Fazem
o mesmo nas salgas 156. E se [de facto] existe na Palestina, como alguns
contam, um lago tal que, se alguém atira nele um homem ou animal de
carga amarrado, este flutua e não se afoga na água, [tal] seria também
algum testemunho do que dissemos 157. Com efeito, dizem que o lago é 20

151. Nova menção de uma cera composta, como a que 154. Isto é, sólida.


experiência, mas, dada era usada para recobrir as
a sua inverosimilhança, pequenas tábuas de madeira 155. Cf. [Aristóteles],
Düring 1944, pp. 76­‑77, destinadas à escrita para Pr. xxiii 7, 932b1­‑2; 13,
propôs corrigir o texto que estas não derretessem 933a9­‑13.
com kerameon, «de barro», facilmente devido ao forte 156. Cf. HA viii 30,
no lugar de kerinon, calor, mas a sua capacidade 607b28­‑30. Já se supôs que,
«de cera», tanto aqui de filtrar o sal restaria por durante a salga do peixe,
(linhas 359a1 e 3) como no verificar. se colocassem ovos na água
tratado HA viii 2, 590a24; para se medir o sal que
cf. GA ii 6, 743a8­‑11; 152. Cf. [Aristóteles],
Pr. xxiii 3, 931b9­‑10. continha; quanto mais os
Empédocles, DK 31 A ovos flutuassem, maior seria
66 (= Eliano, Sobre a Thillet insinua que a
passagem conteria como a salinidade da água.
natureza dos animais ix
64); Plutarco, Questões que um pressentimento do 157. O «lago» é com certeza
Naturais 913c­‑d; Plínio, «princípio de Arquimedes»: o mar Morto. Mas o
História Natural xxxi 37. ver Arquimedes, Sobre os termo grego traduzido por
Stükelberger 1982 atribui corpos flutuantes i 3­‑7. «contam» é muthologousi
a experiência a Demócrito, 153. Com efeito, pode (359a17), pode indicar que
enquanto Roser 1994 determinar­‑se a frescura dos Aristóteles desconfiava dessa
sustenta que a observação ovos colocando­‑os em água história; o mesmo verbo
da hiperfiltragem requer relativamente salgada (cerca volta um pouco adiante,
condições que não estariam de 10% do volume). Como a propósito de Héracles
ao alcance dos antigos. observa Thillet, a remissão (359a27).
Segundo Thillet, pode tratar­ de Louis a Insomn. 3,
‑se mesmo de cera, mas 461b15­‑16, não é pertinente.
não virgem: tratar­‑se­‑ia de

111
meteorológicos

tão amargo e salgado que nenhum peixe nasce nele e que as roupas ficam
limpas quando alguém, depois de as imergir, as sacode 158.
Também todas as coisas desse tipo são indícios de quanto foi dito,
a saber, que um certo corpo produz o salgado e que o [corpo] que está
presente é terroso. Por exemplo, na Caónia 159 existe uma certa nascente
de água mais salobra, que flui para um rio próximo, que é, sim, doce,
mas não tem peixe. Com efeito, como contam os de lá, tendo[-lhes]
Héracles dado permissão [para escolher], quando por lá passou condu-
zindo os bois da Eriteia 160, [estes,] em vez dos peixes, escolheram sais,
30 que saem da nascente. É que, depois de ferver essa água, põem [de lado]
uma parte e, arrefecendo [esta], quando o húmido se evapora ao mesmo
tempo que o quente, formam-se sais, não granulados, mas leves e finos
como neve. Quanto ao poder, são mais fracos do que os outros [sais]
e temperam [só] quando usados em grande quantidade; e quanto à cor,
não são igualmente brancos. Outra coisa desse tipo dá-se também no
359b país dos Úmbrios 161. Existe aí um certo lugar onde crescem naturalmente
canas e juncos. Eles queimam parte destes e, lançando a cinza em água,
fervem-na: quando deixam [apenas] um bocado de água, esta, uma vez
arrefecida, forma-se uma quantidade de sal 162.
Deve considerar-se que a maioria das correntes dos rios e das nascen-
tes que são salgadas foram outrora quentes; depois extinguiu-se [nelas]
o princípio do fogo, mas a terra através da qual coam ainda continua a
ser como que pó 163 e cinza. E em muitas partes existem tanto nascen-
tes como correntes de rios com todo o tipo de sabores, cuja causa, de
10 todos eles, deve ser atribuída à potência do fogo que neles existe ou se
gera. Com efeito, a terra queimada, em maior ou menor grau, assume

158. A saber, como se as essa ilha no Oceano, para noutros lugares e noutras
roupas tivessem ficado sujas além das Colunas de épocas: ver Varrão, Sobre
de pó, com a quantidade de Héracles; provavelmente a agricultura i 7, 8. Ver
sal, matéria sólida, contida a pequena ilha de León, também http://www.inrap.
na água. na Baía de Cádiz. Mas fr/archeologie­‑preventive/
Aristóteles parece basear­‑se Ressources­‑multimedias/
159. Região dos Caónios, noutra tradição. Dossiers­‑multimedias/
população do norte do Archeologie­‑du­‑sel/p­‑8577­
Epiro, a noroeste da Grécia, 161. Região do centro de ‑Archeologie­‑du­‑sel.htm
atualmente na Albânia. Itália.
163. Em grego, konia.
160. Hesíodo 162. A obtenção de sal
(Teogonia 287­‑294) e a partir de cinzas de
Heródoto (iv 8) situam plantas verifica­‑se também

112
aristóteles

todo o tipo de configurações e de colorações de sabores 164, pois torna­


‑se cheia de alúmen, de pó de cal e de outras potências 165 desse tipo;
e as águas que escoam através delas, mesmo sendo doces, mudam, e
algumas tornam-se mesmo azedas, como na Sicânia, na Sicília 166. Com
efeito, forma-se lá uma salmoura azeda e usam-na como vinagre para
algumas das suas comidas. Também perto do Linco 167 há uma certa
nascente de água azeda, enquanto na região da Cítia 168 há uma de água
amarga: a [água] que dela corre faz amargo todo o rio para o qual
escorre. E daí as suas diferenças são claras: que sabores se formam a 20

partir de que misturas. Mas já se falou suficientemente sobre estas coisas


separadamente noutros lugares 169.
Falámos, pois, sobre a água e o mar, [dizendo], para praticamente a
maior parte dos casos, as causas por que existem sempre continuamente,
como mudam, qual a natureza deles e ainda que fenómenos lhes acontece
produzirem ou sofrerem por natureza.

4. os ventos

Falemos [agora] sobre os sopros 170, considerando o princípio que


já foi anteriormente indicado por nós 171. Como dizemos, existem duas
formas de exalação, uma húmida e outra seca: a primeira chama-se
«vapor», mas a segunda não tem um nome geral, e é necessário que, 30

tomando a parte pelo todo, a denominemos, por exemplo, «fumo».


Não existe o húmido sem o seco nem o seco sem o húmido, mas todos
estes são assim chamados de acordo com o excesso [de um ou de outro].

164. Talvez o termo khumoi 167. Cidade do Epiro: 170. Isto é, os ventos.


seja empregue aqui no ver Estrabão vii 7, 8. O termo grego é pneuma.
sentido de «sumos», ou seja, Alexandre de Afrodísias
dos corpos que conferiam (89, 2­‑3) situa­‑a em 171. Livro I, capítulo 4
tais sabores. território macedónio. (341b6­‑24).

165. Isto é, substâncias. 168. Sobre essa região, ver,


no Livro I, o capítulo 13
166. País dos Sicanos, (350b7).
população da Sicília
Ocidental, na região da 169. Talvez em Sens. 4.
cidade de Agrigento.

113
meteorológicos

Uma vez que o sol se desloca em círculo e, quando se aproxima


[da terra], conduz para cima o húmido com o [seu] calor, enquanto, ao
360a tornar-se mais distante, o vapor que foi conduzido para cima condensa-se
de novo em água, devido ao frio (por isso, é mais no inverno que se
formam as chuvas e mais à noite do que durante o dia, ainda que não
pareça, pois as noturnas passam-nos mais despercebidas do que as
diurnas), a água que cai espalha-se toda pela terra. Mas na terra há
muito fogo e muito calor e o sol não apenas atrai o húmido da terra
que fica na superfície, mas também seca a própria terra, ao aquecê-la.
10 E sendo dupla a exalação, como foi dito 172, uma vaporosa e outra fumosa,
necessariamente se formam ambas. Entre elas, a exalação que tem uma
maior quantidade de húmido é princípio da água da chuva, como foi
dito anteriormente 173, enquanto a seca é princípio e natureza de todos
os sopros.
Que estas coisas acontecem necessariamente desta maneira, é evidente
a partir dos próprios factos. Com efeito, a exalação difere necessaria-
mente; e que o sol e o calor [presente] na terra produzam essas coisas
é não só possível como necessário. Uma vez que a forma de cada uma
delas é diferente [da da outra], é evidente que diferem e que não são a
20 mesma a natureza do vento e a da água da chuva, como alguns dizem:
[afirmam] que o mesmo ar, quando em movimento, é vento e quando
volta a condensar-se, é água 174.
Como 175 dissemos nas discussões anteriores às presentes 176, o ar
forma-se, pois, a partir dessas [duas exalações] — por um lado, o vapor,
algo húmido e frio (como algo de húmido, é bem delimitável 177; e, pelo
facto de provir da água, é algo frio por natureza própria, como [a] água
não aquecida), e, por outro, o fumo, algo quente e seco —, de modo que

172. No início do capítulo. (360a21­‑27) e do trecho que


vai de kai gar até a pegen
173. Livro I, capítulo 9 (360a27­‑33).
(346b20­‑347a12).
176. Livro I, capítulo 3
174. Livro I, capítulo 13 (340b23­‑28).
(349a16­‑20).
177. Em grego, euoriston.
175. Alguns tradutores Isto é, «palpável».
invertem a ordem dos dois
parágrafos que se seguem,
isto é, do trecho que vai de
ho men oun aer até thermos

114
aristóteles

se constituirá o ar húmido e quente, como a partir de peças correspon-


dentes que se encaixam 178.
E [é] absurdo [pensar] que este ar que rodeia cada um de nós vem
a ser, quando em movimento, sopro e que, de onde calhar ser movido,
constituirá um vento, e não [seja] como [o que se passa com] os rios:
[ora,] consideramos que são [rios] não quando água flui de qualquer 30

maneira, nem que tenha uma grande quantidade, mas é necessário que
o que flui provenha de fontes. Com efeito, as coisas também se passam
assim com os ventos: uma grande massa de ar pode ser movida pela
queda de algo grande, sem ter princípio nem fonte 179.
E os factos testemunham o que dissemos. Uma vez que a exalação 360b

se forma continuamente, ora mais, ora menos, grande ou pequena, tam-


bém se formam sempre nuvens e sopros, segundo a estação, conforme
é natural para cada uma. E porque algumas vezes a [exalação] vaporosa
se torna predominante e outras vezes a seca e fumosa, os anos, às ve-
zes, são chuvosos e húmidos, outras vezes, ventosos e secos. Por vezes,
ocorrem muitas secas e muitas chuvas ao mesmo tempo ao longo de
toda uma região, outras vezes [apenas] em algumas partes. Com efeito,
muitas vezes a região, em geral, recebe as chuvas sazonais, ou até mais,
mas numa certa parte dela há seca. Às vezes, pelo contrário, quando 10

toda uma [região], em geral, recebe chuvas moderadas, ou até uma seca,
numa certa parte recebe chuva em abundância. A causa disso é que, na
maior parte das vezes, é verosímil que o mesmo fenómeno se estenda
pela maior parte de uma região, pelo facto de as regiões vizinhas estarem
numa posição parecida em relação ao sol, a não ser que tenham algo
de diferente, de particular. Porém, às vezes, numa parte é a exalação
seca que se torna maior, enquanto na outra é a vaporosa; e, às vezes,
é o contrário. E a causa desse próprio [fenómeno] é que cada uma das

178. A expressão «a partir os seus portadores, como nota 28 ao Livro I. Cf. GC i


de peças correspondentes explica o escoliasta da 4, 331a23­‑32.
que se encaixam» traduz ek Medeia de Eurípides (613,
sumbolon. O termo sumbolon 1). No caso presente, o ar e 179. A esse ar não se
designa, literalmente, cada cada uma das duas exalações poderia chamar «vento»,
uma das metades de uma como que se reconheceriam pois, segundo Aristóteles,
placa que se dividia ao entre si através da os ventos têm de ter um
meio e podia, uma vez propriedade que possuem em princípio determinado,
recomposta, servir de sinal comum; o ar é caracterizado nomeadamente os pontos
de reconhecimento entre por duas qualidades: ver a cardeais.

115
meteorológicos

duas [exalações] troca de lugar com 180 a exalação da região contígua, por


exemplo, a [exalação] seca flui ao longo da sua própria região, enquanto
20 a húmida [flui] para a região vizinha, ou é mesmo afastada pelos sopros
para algum lugar distante. Mas, às vezes, esta permanece, enquanto a sua
contrária faz o mesmo 181. E isto acontece frequentemente, tal como no
caso do corpo: se a cavidade de cima 182 estiver seca, a de baixo estará
na condição oposta; e, quando esta está seca, a de cima está húmida e
fria. Deste modo, também a propósito dos lugares, as exalações, com-
pelindo-se, mudam183.
Mais ainda, depois dos temporais, a maioria das vezes forma-se vento
nesses lugares onde calha que as tempestades se tenham formado; e os
sopros cessam assim que a chuva se forma [outra vez]. Esses [fenómenos]
30 acontecem necessariamente pelos princípios expostos: quando acaba de
chover, a terra, ao secar, emite exalações tanto por efeito do quente nela
[presente] como do [quente] que vem de cima — e isto era o corpo do
vento. E quando uma tal secreção se verifica, os ventos também preva-
lecem; já quando os ventos cessam, pelo facto de o quente ser sempre
segregado e se deslocar para o lugar de cima 184, o vapor condensa-se, ao
361a arrefecer, e torna-se água. E quando as nuvens são empurradas para um
mesmo lugar e o arrefecimento é nelas compelido 185, forma-se a água da
chuva e [esta] arrefece a exalação seca. As chuvas que se formam fazem,
pois, cessar os ventos e, quando [estes] cessam, formam-se elas, devido
às mesmas causas. É ainda a mesma causa de os sopros se formarem
principalmente a partir do norte e do sul (a maioria dos ventos que se
formam são ventos norte e sul) 186, pois é apenas sobre esses lugares que

180. O verbo grego é enquanto a inferior pelo outro: ver acima (360b25­‑26)
metapiptein. resto do tubo digestivo. e a nota 276 ao Livro I,
capítulo 10 (347b5­‑7).
181. Isto é, é levada pelos 183. Isto é, alternam­‑se.
sopros para algum lugar «Compelir­‑se» traduz 186. O grego tem palavras
distante. antiperiisthai; sobre essa específicas para o vento
ação de cada contrário norte e o vento sul,
182. Sobre a distinção sobre o outro, ver a respetivamente boreas e
entre cavidade, koilia nota 276 ao Livro I, notos, que aparecem, entre
(normalmente traduzido capítulo 10 (347b5­‑7). parênteses, como nomes
por «intestino»), superior próprios dos ventos que
184. Ver, no Livro I, os
e inferior do tronco, ver sopram do norte, tes arktou,
capítulos 3 (340a30­‑32) e 9
PA ii 13, 650a13­‑14; HA i 2, e do sul, [tes] mesembrias.
(346b23­‑31).
489a1­‑8. Talvez a cavidade Ver o final deste parágrafo e
superior seja constituída 185. Nova referência à ação cf., no Livro II, o capítulo 6,
pelo peito e pelo estômago, de cada contrário sobre o 364a13­‑19.

116
aristóteles

o sol não passa, mas [passa] sempre perto ou longe deles, enquanto se
desloca entre ocidente e oriente. Por isso, as nuvens concentram-se nos 10

lados 
187
e, quando [o sol] se aproxima, forma-se a exalação do húmido;
quando se afasta para o lugar contrário 188, [formam-se] chuvas e mau
tempo. É, pois, devido ao deslocamento para os solstícios e a partir dos
solstícios que se formam verão e inverno e que a água é conduzida para
cima e se forma de novo. Mas, uma vez que a maior parte da água se
precipita nesses lugares para os quais e a partir dos quais [o sol] se vira
— e estes são os que [ficam] para o norte e [para o] sul —, que, onde
a terra recebe a maior quantidade de água, aí necessariamente se forma
a maior quantidade de exalação — mais ou menos como o fumo pro-
veniente de madeiras verdes — e[, enfim,] que essa exalação é vento, é, 20

pois, razoável que daí venha a maior parte dos sopros e os mais fortes.
Os [ventos] provenientes do norte chamam-se «bóreas», os provenientes
do sul, «notos».
O seu deslocamento é oblíquo. Com efeito, os ventos sopram em redor
da terra (embora a exalação se forme em [ângulo] reto 189), porque todo
o ar [disposto] em círculo segue o deslocamento [circular] 190. Por isso,
poder-se-ia ficar sem saber de qual dos dois lugares [vem] o princípio
dos sopros, isto é, se [vem] de cima ou de baixo. Ora, o movimento
vem de cima, mesmo antes de haver sopro, e o ar é [disso] revelador,
especialmente se há nuvens ou nevoeiro, pois indica que um princípio
de sopro está a mover-se antes mesmo de o vento chegar de modo per-
cetível, porque o princípio deles vem de cima 191. Uma vez que o vento 30

é uma certa quantidade de exalação seca vinda da terra que se move


em redor da terra, é evidente que o princípio do movimento vem de
cima, enquanto o [princípio] da matéria e da geração vem de baixo 192.

187. Isto é, no norte e 341a1­‑2). E sobre o caráter 192. Ou seja, o princípio


no sul: ver, no Livro I, o composto do movimento motor dos ventos pode
capítulo 9 (347a1). oblíquo, ver, no Livro I, ser a rotação das esferas
o capítulo 4 (342a24­‑26). celestes, sendo a exalação,
188. Sobre a contrariedade O «ar disposto em círculo» que vem da terra, o
dos lugares, ver, no Livro II, é o ar que envolve a terra. princípio material. Sobre
o capítulo 6 (363a30­‑31). a distinção entre causa
191. Em GA iv 10, motriz e causa material,
189. Isto é, na vertical. 777b30­‑35, Aristóteles ver, no Livro I, o capítulo 2
menciona como responsável (339a27­‑32).
190. Do céu, isto é, do
não apenas o movimento do
universo: ver, no Livro I,
sol, como também o da lua.
o capítulo 3 (340b33­‑34;

117
meteorológicos

Para onde houver de fluir o que se eleva, daí [virá] a causa. Com efeito,
o deslocamento dos [corpos] para além da terra é dominante. E, ao
mesmo tempo, de baixo [a exalação] desloca-se para cima em [ângulo]
reto 193 — de perto, tudo é mais forte —, e é evidente que o princípio
361b da geração vem da terra.
Que [os ventos se formam] a partir de muitas exalações que se reúnem
aos poucos — como os princípios dos rios se formam quando a terra se
humedece 194—, é também evidente a partir dos factos: lá donde cada vez
sopram, todos [os ventos] são fraquíssimos, mas, ao avançar, cada vez
mais longe, sopram impetuosos. Ademais, também as regiões do norte
estão calmas e sem sopro no inverno, naquele lugar mesmo. Mas o sopro
que daí sopra aos poucos e passa despercebido [no início] já se torna
impetuoso quando avança para fora.
Dissemos, pois, qual é a natureza do vento e como se forma, tendo
10 falado ainda das secas e dos temporais, por que causa [os ventos] tanto
cessam como se formam depois das tempestades e porque os do norte
e do sul perfazem a maioria dos ventos. Além disso, [falámos] do des-
locamento deles.

5 . o s v e n t o s ( c o n t i n uaç ão )

vento e bonança

Mas o sol tanto faz cessar como impulsiona 195 os sopros. Com efeito,
[o sol] extingue as exalações, quando são fracas e poucas, e 196 desagrega,
com o seu maior calor, o [calor] que está na exalação, que é menor 197.

193. Isto é, na vertical. provavelmente, por simetria, 197. Ver, no Livro I, os


ao surgimento dos ventos. capítulos 7 (345a5­‑8) e 8
194. Ver, no Livro I, o (346a11­‑13).
capítulo 13 (349b33­‑35 e 196. Com Tricot e Pepe,
350b28­‑30). antecipamos o kai, «e», da
linha 361b17, inserindo­
195. O verbo grego é ‑o imediatamente depois
sunexorman. Sendo o sol de marainei, «extingue»
o princípio dos ventos (361b15­‑16). Em todo o
e referindo­‑se o termo caso, esse kai pode ser
anterior à cessação destes, explicativo, equivalendo a
aquele verbo refere­‑se «isto é».

118
aristóteles

Ademais, seca a própria terra antes que se forme uma excreção compac-
ta (tal como, se um pouco de combustível cair em muito fogo, muitas
vezes fica queimado antes de produzir fumo). Por todas estas causas, o 20

sol interrompe, pois, os sopros e impede que se formem desde o início:


num caso, interrompe por extinção; no outro, impede que se formem pela
rapidez da secagem. Por isso, a calmaria 198 verifica-se principalmente por
volta da ascensão de Oríon e até à chegada dos ventos etésios e dos seus
precursores 199. Geralmente, essas calmarias acontecem por duas causas: ou
por a exalação esvaecer devido ao frio (por exemplo, quando se forma
uma forte geada), ou por se extinguir sob grande calor. A maioria [das
calmarias] também acontece nas estações do meio 200, ou porque ainda
não há exalações ou porque uma exalação já desvanece e uma outra
ainda não acorreu. O Oríon parece ser incerto e árduo 201, quer quando se 30

põe 202
quer quando se levanta, pelo facto de a sua ascensão e o seu ocaso
acontecerem na mudança de estação, no verão ou no inverno, e, devido
ao tamanho do astro 203, forma-se ao longo de muitos dias. As mudanças
de todas as coisas são turbulentas, devido à indeterminação 204.

198. «Calmaria» traduz melhor». Todavia, pouco mas do tempo atmosférico


nenemia, literalmente adiante (361b35­‑36), diz­‑se que acompanha o
«ausência de vento». que os etésios sopram seu aparecimento e
depois do solstício de desaparecimento.
199. Os etésios, etesiai verão e do surgimento
(literalmente, «anuais»; da constelação do Cão, o 202. Em novembro, no céu
atualmente também que ocorre, no hemisfério da Grécia.
chamados pelo nome de norte, respetivamente,
origem turca meltemia), nos finais de junho e de 203. Na verdade, Oríon
são ventos que sopram julho. Segundo Eudoxo de é uma constelação, mas
durante o verão no Cnido, Fragmentos 174b; provavelmente a língua da
Mediterrâneo oriental, 162; 164 Lasserre época não dispunha de um
provenientes do norte; já (= Cláudio Ptolomeu, termo específico para isso.
os seus precursores, do Phas. ad calc. JO. LYD.
nordeste. Hoje em dia, a 204. A frase tem um vago
De ost. (Aparições dos
chegada, ao mar Egeu, dos teor ideológico: cf. Pol.
astros fixos e coleção das
etésios dá­‑se em meados v­‑vi. Com efeito, é notória
mudanças de tempo), pp.
de junho, enquanto os seus 268 e 211 Wachsmuth2), a resistência de Aristóteles
precursores começam a às mudanças constitucionais,
os etésios sopram de 24 de
soprar a partir de maio ou pelo menos às radicais
julho a 29­‑31 de agosto. Cf.
do início de junho. Ora, no Demócrito, DK 68 A 99 e repentinas: ver em
céu da Grécia, o surgimento (= Aécio iv 1, 4) e Tales particular Pol. v 1, 1301a39­
da constelação de Oríon ‑b2. De resto, há uma
de Mileto, DK 70 A 18
dá­‑se no início de julho. analogia entre classificação
(= Aécio iii 7, 3).
Se as coisas estivessem das constituições e
assim, deveríamos entender 200. Na primavera e no classificação dos ventos em
o kai da linha 361b24 Pol. iv 3, 1290a13­‑19.
outono.
não como conjunção
coordenativa («e»), mas 201. Provavelmente, não se
sim como corretivo, «ou trata da sua identificação,

119
meteorológicos

etésios

Os etésios sopram depois do solstício [de verão] e da ascensão do Cão 205


362a e não quando o sol mais se aproxima, nem quando está longe. E sopram
durante os dias, cessando durante as noites. A causa é que, quando está
perto, [o sol] seca a exalação antes que esta se forme, enquanto, quando
se distancia um pouco, a exalação e o calor já se equilibram, de modo
que as águas solidificadas derretem-se e, quando a terra seca por efeito
do seu próprio calor e pelo do [calor] do sol, [ela] como que fumega e
exala. À noite, [os etésios] acalmam-se pelo facto de as águas solidificadas
cessarem de se derreter, devido ao frio das noites. Com efeito, não fumega
10 nem o que está solidificado nem o que nada tem de seco;  mas, quando
o seco contém humidade, esta, sendo aquecida, fumega.
Alguns têm dificuldade em entender porque se formam contínuos
ventos norte — os que chamamos «etésios» — depois dos solstícios
de verão, enquanto não se formam do mesmo modo ventos sul depois
dos de inverno. Mas isto não é ilógico: os chamados «ventos brancos
do sul» 206 formam-se na estação oposta, ainda que de modo não tão
contínuo. Por isso, passando despercebidos, fazem que nos perguntemos
por eles. A causa disso é que o vento norte sopra a partir de regiões
do norte 207, as quais estão plenas de água e de muita neve: como estas
se derretem por efeito do sol, os etésios sopram mais depois do que
20 durante o solstício de verão.  Deste modo, também o calor sufocante
se forma não quando [o sol] se aproxima mais do norte, mas quan-
do, estando ainda perto, aquece [a terra] por mais tempo. Do mesmo
modo, depois do solstício de inverno, sopram os «ventos das aves» 208,
que são etésios fracos, isto é, sopram com menor intensidade e mais
tarde do que os etésios, pois começam a soprar no septuagésimo dia 209

205. Entre os dias 20 e 22 de 207. Para esta aparente sul», acima mencionados


junho e os finais de julho, redundância, reveja­‑se acima (362a14), mas eles parecem
respetivamente: ver, supra, a nota 186 ao Livro II. Na vir do norte. Ver também
a nota 199 ao Livro II. O passagem, «vento norte» Demócrito, DK 68 B 14­‑3,
aparecimento de Sírio, a traduz boreas, enquanto 7 (Gémino, Introdução aos
estrela mais brilhante da a segunda ocorrência de fenómenos, Parapegma, p.
constelação do Cão Maior, «norte» traduz arkton. 226, 23; p. 105, 16­‑17 Aujac).
marca o período mais quente
208. Alexandre de Afrodísias
do verão, os dias caniculares. 209. A contar a partir
(99, 9­‑11) identifica esses do solstício de verão no
206. Sobre esses leukonotoi, «ventos das aves», ornithiai,
ver Teofrasto, De ventis 11 com os «ventos brancos do hemisfério norte.
Coutant­‑Eichenlaub.

120
aristóteles

pelo facto de o sol, por estar longe, ter menos força. E tão-pouco so-
pram de modo contínuo, porque então é segregado [apenas] o que é
superficial e fraco 210, enquanto o que está mais solidificado precisa de
maior calor. Por isso, os «ventos das aves» sopram intermitentemente,
até que, na altura do solstício de verão, soprem outra vez os etésios, 30

pois, a partir daí, tende sempre a soprar um vento do modo mais


contínuo possível.

zonas da terra

Já o vento sul sopra a partir do solstício de verão 211, mas não a partir


do outro norte 212. Com efeito, sendo duas as secções da região habitável
— uma em direção ao polo de cima, junto de nós 213, e outra em direção
ao outro, isto é, em direção ao sul 214— e [cada uma] sendo como que
um tamborim 215 (pois recortam uma figura da terra desse tipo as [linhas] 362b

traçadas a partir do centro dela e produzem dois cones: um tem por base
o trópico e o outro o [círculo] que é sempre visível 216, [ficando] o vértice
[dos dois cones] no meio da terra 217), do mesmo modo, no polo de baixo,

210. Porque evapora 215. Ou «tambor»: o termo hemisfério sul, enquanto


imediatamente e não produz grego é tumpanon. os segmentos ΕΖ e ΙΚ
ventos. representam os círculos
216. Essa expressão parece polares e os segmentos ΗΘ
211. No sentido espacial da designar o círculo polar, e ΛΜ, os trópicos:
expressão, a qual indica, mas não está clara a razão B
assim, o trópico de Câncer. dessa denominação. H
H
B A
A

E I
212. Literalmente, a «outra 217. Acredita­‑se que uma E I
Ursa», mas o nome grego figura representando a terra
«Ursa», arktos, designa A N T
ilustrasse a exposição de A N T
também o norte ou o polo Aristóteles: ver a referência
norte. Portanto, trata­‑se a desenhos um pouco Z
Z K
K
aqui do sul, ou do que hoje adiante (362b12­‑14). De
chamamos polo sul. o M
facto, os códices apresentam Θo M
um desenho. Reproduzimos
213. Cf. Cael. ii 2, abaixo o desenho que,
285b14­‑31. segundo Louis, aparece na
maioria dos manuscritos.
214. Aristóteles parece
Nele, os pontos Α, Γ, Β e
desconhecer, para os polos,
Δ indicam, respetivamente,
os qualificativos arktikos
o norte, o sul, o leste e
e antarktikos (ver também
o oeste, de modo que o
Cael. ii 2, 285b9­‑10),
semicírculo da esquerda
que aparecem no tratado
representa o hemisfério
pseudoaristotélico Sobre o
norte e o da direita, o
mundo (Mu. 2, 392a1­‑5).

121
meteorológicos

outros dois cones formam secções da terra 218. Essas 219 são as únicas que
é possível habitar e não as que estão para além dos solstícios 220 (pois aí a
sombra não se projetaria para o norte 221; e, de facto, os lugares tornam-se
já desabitados antes que a sombra os abandone 222 ou mude em direção
ao sul 223), nem as que estão abaixo do polo norte 224, desabitadas devido
10 ao frio. Desloca-se também a coroa nesse lugar, pois manifestamente se
forma sobre a nossa cabeça quando está no nosso meridiano 225.
Por isso, é até mesmo ridículo o modo como desenham os mapas da
terra 226 atualmente, pois desenham redonda a [terra] habitada 227. Mas isso
é impossível tanto segundo o que aparece 228 como segundo o raciocínio.
Com efeito, o que o raciocínio mostra [é] que [a região habitável] é, sim,
limitada em largura 229, mas [que] é possível reuni-la num círculo pelo
temperamento 230, pois o calor e o frio não excedem em comprimento 231,

218. As duas regiões em hemisfério sul ser habitado; Atenas (38° N): ver Dicks
questão, que apresentam a cf. Gémino, Introdução aos 1976, p. 209.
configuração de um tambor, fenómenos xvi 19. A sua
são as determinadas pelas tese é, antes, a de que não 226. Ou as «zonas da terra»:
bases dos cones, isto é, no se pode habitar regiões periodoi tes ges, quase como
desenho, os segmentos ΕΖ onde não haja sombra, isto no Livro I, capítulo 13
e ΗΘ, no semicírculo da é, onde o sol se encontre (350a16). Ver nota 321 ao
esquerda, e IK e ΛΜ, no sempre acima dos objetos; Livro I.
da direita. Bem entendido, essas regiões seriam
a Terra é esférica para demasiado quentes devido à 227. Cf. Heródoto iv 36.
Aristóteles; ver adiante constante presença do sol. Ver, supra, a nota 218 e,
no Livro II, capítulo 7 adiante, a nota 249, ambas
(365a31), assim como 222. Pelo menos no ao Livro II, bem como
Cael. ii 14, 297b30­‑32. Por hemisfério norte, a zona a nota 326 ao Livro I.
conseguinte, não se deve habitável terminaria antes «Redonda» traduz kuklotere
absolutamente confundir a mesmo do trópico, isto é, (362b13), termo que em
posição de Aristóteles com um pouco mais ao norte do Cael. ii 13, 294a8, significa,
a daqueles que acreditam que o trópico de Câncer. porém, «esférica».
que a Terra tem, no seu
conjunto, a forma de um 223. Ou seja, ao sul do 228. Em grego, kata ta
tamborim, posição que ele trópico de Capricórnio. phainomena; ou seja,
justamente rejeita (Cael. ii segundo a observação.
13, 293b33­‑294a1). 224. Ou da Ursa Maior.
229. Em grego, epi platos.
219. As duas figuras 225. O último período Isto é, por diferentes
delimitadas pelos pontos parece fora do contexto paralelos, segundo a
ΕΗΘΖ e ΙΛΜΚ. e alguns comentadores latitude.
consideram­‑no uma
220. Isto é, os trópicos: interpolação, embora a 230. Em grego, dia ten
tropai. passagem seja comentada krasin. Isto é, com base no
por Alexandre de caráter temperado do clima.
221. Pode parecer que, Afrodísias (104, 11­‑24). O autor parece entender
segundo Aristóteles, apenas De qualquer forma, não se que, em cada hemisfério,
é possível habitar as regiões compreende ao certo o que a zona temperada, isto é,
da terra onde a sombra dos seria essa coroa nem a que aquela que se situa entre o
objetos se projeta sempre lugar exatamente se refere o trópico e o círculo polar,
para o norte, mas essa texto. É possível que se trate pode dar a volta completa e,
impressão é devida ao facto da constelação chamada assim, juntar­‑se a si mesma.
de que o interessa, aqui, «Coroa Boreal». Por volta
apenas o hemisfério norte; de 350 a. C., a declinação 231. Em grego, kata mekos.
ver abaixo (362b30­‑33). Por de α da Coroa Boreal estava Isto é, com os diferentes
outras palavras, o texto não a + 36°6, de modo que meridianos, segundo a
exclui a possibilidade de o podia estar quase acima de longitude.

122
aristóteles

mas sim em largura, de modo que, se a massa do mar não o impedisse


em alguma parte, [o círculo] seria todo percorrível. Também segundo o
que aparece no curso das viagens marítimas e terrestres, o comprimento 20

[da terra habitada] é muito superior à [sua] largura, pois a [distância]


desde as Colunas de Héracles 232 até à Índia é maior do que a da Etiópia
até ao lago Meótis e as regiões extremas da Cítia 233 numa proporção
superior à de cinco para três, se se calculam os caminhos marítimos e
terrestres, tanto quanto é possível obter a exatidão de tais coisas. Decerto,
em largura, conhecemos a [terra] habitada até às [regiões] não habitáveis:
num lugar não se habita mais devido ao frio, noutro devido ao calor.
Mas, por causa do mar, não parece que [as regiões] para além da Índia
e das Colunas de Héracles se conectem por forma que [a terra] seja de
maneira contínua toda habitada 234. 30

Uma vez que é necessário que um certo lugar esteja em relação ao outro
polo do mesmo modo como aquela que nós habitamos está em relação
ao [polo] acima de nós, é claro que a situação dos ventos e as demais
coisas terão um análogo: da mesma forma que cá existe um vento norte,
também chega até eles algum vento que é assim, vindo do polo norte
de lá 235, o qual não é absolutamente capaz de chegar até aqui, pois nem
este vento norte 236 [alcança] toda a [região] habitada daqui. Com efeito, 363a

o sopro do norte é como que uma brisa de terra  237


<até este vento norte
soprar para a [região] habitada daqui>  . Mas pelo facto de esta [nossa]
238

região habitada ficar para o polo norte, sopram aqui muitos ventos norte.

232. Estreito de Gibraltar. sul, como pouco acima («jusqu’au moment où Borée


(362a32): ver, acima, a en personne souffle sur la
233. O lago Meótis é o mar nota 77 ao Livro I. portion de terre habitée
de Azov e a Cítia situa­‑se à où nous sommes») é, em
volta do mar Negro. Sobre 236. O do hemisfério em todo o caso, discutível,
essas regiões, ver Livro I, que se encontra o autor, isto em virtude da referência
capítulo 13. é, o do hemisfério norte. mitológica; cf. Livro I,
capítulo 13 (349b1­‑2) e
234. Aristóteles parece 237. A expressão «brisa de MA 2, 698b25.
acreditar que o mar que terra» traduz apogeion: ver
está para além das Colunas Teofrasto, De ventis 24
de Héracles chega até Coutant­‑Eichenlaub.
à Índia: ver Cael. ii 14,
298a9­‑15; cf. Séneca, 238. A última frase, ausente
Problemas Naturais i, da primeira mão do
prefácio 13. manuscrito E, mas presente
em J, está entre parênteses
235. Literalmente, «da Ursa retos em Fobes, mas não
de lá». Trata­‑se do polo em Louis, cuja tradução

123
meteorológicos

Todavia, mesmo aqui falham e não são capazes de avançar para longe,
dado que na região do mar do sul, para além da Líbia 239, tal como cá
sopram os ventos norte e os ventos sul, assim sopram lá sempre os euros
e os zéfiros 240, revezando-se continuamente.
É, pois, evidente que o [nosso] vento sul não é o vento que sopra
do outro polo 241. Nem esse nem o que sopra a partir do solstício de
10 inverno 242. (Com efeito, deveria haver um outro proveniente do solstício
de verão, pois assim se fornece o análogo, mas, de facto, não há: mani-
festamente, apenas sopra a partir daquelas paragens.) Por conseguinte,
é necessário que vento sul seja o vento que sopra da região tórrida.
E essa região, devido à proximidade do sol, não tem água nem pastos 243
que produzam ventos etésios 244, devido à solidificação 245. Mas, por ser
esse lugar muito maior e aberto, o vento sul é um vento maior, mais
frequente e mais quente do que o vento norte e chega mais até aqui do
que este até lá 246.
20 Dissemos, pois, qual é a causa desses ventos e como se relacionam
uns com os outros.

6. posição e denominação d os ventos

Mas digamos agora as suas posições, quais são contrários de quais,


quais podem soprar ao mesmo tempo e quais não e ainda quais e quan-

239. O termo designa todo 242. Isto é, do trópico de não dia ten texin, «devido
o norte de África, mas não Capricórnio. à liquefação», lição dos
se sabe como identificar manuscritos, mas muitos
esse mar: já se pensou no 243. Lendo, nas em rasura.
oceano Índico e no oceano linhas 363a14­‑15, nomas,
Atlântico, mas na tradição segundo os manuscritos, 246. Isto é, até ao sul.
são a mesma coisa, o seguidos por Fobes. Mas
Oceano: ver as notas 272 e alguns intérpretes corrigem
347 ao Livro I. o texto para khionas,
«neves», que parece fazer
240. Respetivamente, ventos mais sentido: cf. acima neste
do leste e do oeste. capítulo (362a5 e 18­‑19) e
no capítulo 6 (364a8).
241. A saber, o denominado
«vento sul» não provém do 244. Frios.
polo sul, mas do trópico de
245. Lendo, na linha 362a15,
Câncer.
com Fobes, dia ten pexin e

124
aristóteles

tos calha que sejam e, além disso, as outras propriedades de que não se
tenha chegado a falar nos problemas particulares 247.
Acerca da posição, é preciso, ao mesmo tempo, julgar os argumentos
com base no esquema 248. Desenhou-se, pois, para que se veja mais clara­
mente, o círculo do horizonte; por isso também, [é] redondo 249. Mas é
preciso pensá-lo como uma das duas secções, a que é habitada por nós 250:
será possível dividir a outra da mesma forma 251. 30

Fique estabelecido, em primeiro lugar, que são contrárias quanto ao


lugar as coisas que mais distam quanto ao lugar, como também são con-
trárias quanto à forma as coisas que mais distam quanto à forma 252. Ora,
distam mais quanto ao lugar as coisas que estão postas uma em relação
à outra segundo um diâmetro 253.
Seja, então, Α o pôr-do-sol equinocial e um lugar contrário a este, Β, 363b

o nascer-do-sol equinocial  . E [seja] um outro diâmetro, que corta este


254

247. Ou «nos problemas A passagem parece ser mais a de um tambor, como


tratados sucessivamente»; indício de ensino oral se viu no capítulo anterior)
em grego, en tois acompanhado de algum e sim segundo a linha do
problemasin … tois kata tipo de material didático, horizonte relativa a um
meros. Pode ser uma mas é também possível que observador, verosimilmente
referência aos Problemas, uma figura acompanhasse situado na Grécia.
em particular à secção xxvi, o texto: ver, adiante, a
inteiramente dedicada nota 254 ao Livro II. 251. Ver, acima, o capítulo 5
aos ventos, mas a sua (362b30­‑33).
autenticidade é duvidosa. 249. Essa observação
De resto, há uma remissão é devida ao facto 252. Ver Metaph. v 10 e x 4.
«aos Problemas» em GA ii de Aristóteles já ter
ridicularizado, no Livro II, 253. Isto é, as coisas
8, 747b5, que, ao que
capítulo 5 (362b12­‑14), diametralmente opostas.
parece, não corresponde a
nada na obra que temos aqueles que representam por
254. Respetivamente, o oeste
sob esse nome, pelo meio de um círculo a terra
e o leste. De acordo com o
menos na sua forma atual. habitada. O autor precisa,
seguinte esquema, presente
Diógenes Laércio (v 26) assim, que a sua figura é
nos comentadores antigos
atribui a Aristóteles uma redonda por ela representar
e na maior parte dos
obra intitulada «Problemas o círculo do horizonte e
manuscritos:
Gerais», Problemata isso por uma preocupação
egkuklia, mas não de clareza; «claramente» B
«Problemas Particulares». traduz eusemos (363a26). Z

O corpus aristotélico inclui Na verdade, a figura de


K N
também um brevíssimo Aristóteles representa mais
texto intitulado Posições de uma coisa, como ficará
e Denominações dos claro logo em seguida: ver H Θ
o
Ventos, mas é seguramente as notas 250, 254 e 263 ao
inautêntico. Livro II. I M

248. «Esquema» traduz 250. Ou seja, o desenho E T


hupographe (363a26). A representa a região habitável A
sua exposição detalhada do hemisfério norte,
será feita um pouco mais mas não segundo a sua
adiante, a partir de 363a34. configuração global (que é

125
meteorológicos

em ângulo reto, cujo norte seja Η, e a este contrário, no lado contrário, Θ,


o sul. [Seja] ainda Ζ o nascer-do-sol do verão, enquanto Ε o pôr-do-sol
do verão. E [seja] Δ o nascer-do-sol do inverno, enquanto Γ o pôr-do­‑sol
do inverno. A partir de Ζ seja traçado um diâmetro até Γ e de Δ até
Ε. Uma vez, pois, que as coisas que mais distam quanto ao lugar [são]
contrárias quanto ao lugar e que [é] segundo um diâmetro [que] mais
10 distam, também entre os sopros, necessariamente, são contrários entre si
os que estão [postos entre si] segundo um diâmetro.
Os sopros são chamados de acordo com a posição dos lugares, deste
modo 255: «zéfiro», o [que sopra] a partir de Α, pois este é o pôr-do-sol
equinocial; contrário a esse, «apeliote» 256, a partir de Β, pois este é o nas-
cer-do-sol equinocial; «bóreas aparctias» 257, a partir de Η, pois aqui é o
norte; contrário a esse, «noto», a partir de Θ, pois este é o sul, donde ele
sopra, e Θ [é] contrário a Η, pois [dispõe-se em relação a ele] segundo
um diâmetro 258. A partir de Ζ, «cécias», pois este é o nascer-do-sol do
verão. O seu contrário não é aquele que sopra a partir de Ε, mas o que
20 vem de Γ, «lips»: ele vem do pôr-do-sol do inverno, contrário àquele,
pois está posto [em relação a ele] segundo um diâmetro. A partir de Δ,
«euro»: este sopra a partir do nascer-do-sol do inverno, sendo vizinho
do noto; por isso, muitas vezes diz-se que sopram «euronotos». Contrário
a esse, não o que vem de Γ, o lips, mas o que vem de Ε, a que alguns
chamam «argestes», outros, «olimpias», e outros, «squíron»: este sopra
do pôr-do-sol do verão e é o único que está posto em relação a ele 259
segundo um diâmetro.
Esses são, pois, os ventos postos segundo um diâmetro e que são
contrários uns aos outros. Mas existem outros para os quais não existem
sopros contrários: a partir de Ι, o que se chama «trascias» 260, pois ele fica
30 no meio entre o argestes e o aparctias; a partir de Κ, o que se chama

255. Cf. o tratado (363b14), «e», entre os dois região do norte, a Trácia.


hipocrático Sobreares, águas, nomes, termo que está entre Esse vento deveria soprar
lugares 3­‑6; [Aristóteles], parênteses angulares em de noroeste, mas, para que
Vent.; Mu. 4, 394b12­‑395a5. Fobes. a Trácia esteja a noroeste, o
observador que determina
256. Na origem, apeliotes 258. Isto é, está essa «rosa­‑dos­‑ventos»
é a forma jónica: a forma diametralmente oposto. deveria estar pelo menos no
propriamente ática do nome meio do mar Egeu.
desse vento é apheliotes. 259. Isto é, ao euro.
257. Com outros tradutores, 260. Esse nome parece ter
não traduzimos o kai relação com o de uma

126
aristóteles

«meses», pois ele fica no meio entre o cécias e o aparctias. O segmento


ΙΚ 261 tende 262 a ficar em cima do [círculo] que aparece sempre 263, mas
não de forma exata. Não existem contrários para esses sopros, nem para
o meses (pois deveria soprar de Μ: é esse [o posto em relação a ele]
segundo um diâmetro) nem para Ι, o trascias (pois deveria soprar de 364a

Ν: é esse o ponto [posto em relação a ele] segundo um diâmetro), salvo


um certo vento que sopra dele, ainda que por pouco tempo, ao qual os
[habitantes] desse lugar chamam «fenício».
Esses são, pois, os sopros mais importantes e distintos; e estão
dispostos deste modo. A razão de haver mais ventos provenientes de
regiões para o norte do que das para o sul 264 é que a [terra] habitada
fica para esse lugar 265 e, ainda, que água e neve são empurradas em
bem maior quantidade para essa parte pelo facto de aquelas 266 estarem
debaixo do sol e do seu deslocamento. Quando [a água e a neve] se 10

derretem para a terra e são aquecidas por efeito do sol e da terra,


forma-se necessariamente mais exalação e ao longo de um território
maior, devido a essa causa.
De entre os ventos mencionados 267, é propriamente bóreas 268 o
aparctias, em seguida o trascias e o meses, enquanto o cécias é comum
ao apeliote e ao bóreas; noto 269, o que [é] aborígene do sul e o lips;
apeliote 270, o que vem do nascer-do-sol equinocial e o euro, enquanto

261. «Segmento» traduz respeito ao segmento ΙΚ: na medida em que são


diametros, termo que, este ocupa na presente ventos intermediários. Uma
aqui, ao contrário das suas figura o mesmo lugar que outra complicação vem
ocorrências anteriores, não o segmento ΖΕ ocupava na do facto de uma mesma
é empregue segundo o seu outra, na qual representava denominação poder ser
sentido estrito, mas designa o «círculo que é sempre tanto genérica quanto
genericamente a linha que visível». específica.
une dois pontos.
264. Isto é, da zona tórrida. 268. Nome genérico para os
262. Em grego, bouletai; ventos provenientes da parte
mais literalmente, «quer». 265. Isto é, o norte. Não norte.
parece haver finalismo
263. Provavelmente, o algum implicado na 269. Nome genérico para
círculo polar ártico: cf. presente passagem. os ventos provenientes da
acima, no Livro II, o parte sul.
capítulo 5 (362b2­‑3). Se é 266. Isto é, as regiões do sul.
assim, Aristóteles sobrepõe 270. Nome genérico para
de algum modo a «rosa­ 267. Aristóteles começa a os ventos provenientes da
‑dos­‑ventos» helenocêntrica operar uma divisão dos parte leste.
(notas 250 e 254 ao ventos acima identificados
Livro II) e o mapa das em quatro grupos. Todavia,
zonas da terra (nota 217), alguns elementos são
pelo menos no que diz comuns a dois grupos,

127
meteorológicos

o fenício é comum 271; zéfiro 272, o que é aborígene [do oeste] e o cha-


mado «argetes». Mas, de forma geral, uns são chamados «boreais» e
20 os outros, «meridionais» 273. Acrescentam-se ao bóreas os zéfiros, mais
frios pelo facto de soprarem a partir do pôr-do-sol, enquanto ao noto
acrescentam-se os apelióticos, mais quentes pelo facto de soprarem do
nascer-do-sol. São chamados assim na medida em que os sopros são
distinguidos pelo frio, o quente e o temperado. São mais quentes os que
vêm da aurora do que os que vêm das regiões do pôr-do-sol, porque os
que vêm do nascer-do-sol ficam mais tempo debaixo do sol. E aos que
vêm do pôr-do-sol, [o sol] abandona-os mais rapidamente e aproxima-se
do lugar [deles] mais tarde 274.
Estando assim dispostos os ventos, é claro que os [ventos] contrários
não são capazes de soprar ao mesmo tempo (pois estão [postos um em
relação ao outro] segundo um diâmetro, e, rechaçado, um deles cessa),
30 mas nada impede [de soprarem ao mesmo tempo] os que não estão
assim postos mutuamente, como Ζ e Δ. Por isso, às vezes, sopram simul­
taneamente dois ventos favoráveis no mesmo ponto, embora não a partir
do mesmo [lugar], nem com o mesmo sopro. E durante as estações
contrárias sopram principalmente os ventos contrários: por exemplo,
364b à volta do equinócio de primavera, o cécias e de forma geral os que
estão para além do solstício de verão 275, enquanto no outono, os lipses;
no solstício de verão, os zéfiros, enquanto os euros, no de inverno 276.

271. Isto é, intermediário 275. No sentido espacial. trata­‑se apenas dos ventos


entre apeliote e noto. Todavia, como observa provenientes do nordeste,
Groisard, a expressão isto é, do arco ΗΖ; talvez
272. Nome genérico para «solstício de verão» porque logo em seguida
os ventos provenientes da provavelmente não serão mencionados os
parte oeste. designa, nesta passagem, ventos de noroeste.
o trópico de Câncer,
273. Em grego, notia. Tem­ como no capítulo anterior 276. Note­‑se, porém, que
‑se, aqui, uma nova divisão, (363b31­‑32), mas sim a zéfiros e euros não são
em apenas dois grandes linha que une as posições, diametralmente opostos.
grupos. no horizonte, do nascer e
do pôr­‑do­‑sol no solstício
274. Já foi observada a
de verão, que foram
estranheza desta afirmação
chamados «nascer­‑do­‑sol
e a dissimetria por ela
do verão» e «pôr­‑do­‑sol
sugerida já foi atribuída a
do verão», ou seja, o arco
particularidades do lugar
ΖΕ. Os ventos em questão
de observação em questão,
seriam, pois, todos os
a saber, a uma presença
vindos do norte. Segundo
de relevos ao oeste e uma
Thillet (que, porém, não
ausência destes ao leste.
fornece explicação alguma),

128
aristóteles

Aparctias, trascias e argestes são os que se precipitam mais sobre os


outros e os fazem cessar. Pelo facto de o seu impulso 277 estar muito próxi-
mo, esses [ventos] sopram muitas vezes e com muita intensidade. Por isso,
estão também entre os ventos que mais trazem bom tempo: soprando de
muito perto, tanto fazem cessar os outros sopros, ao rechaçá[-los], como,
ao dissipar as nuvens que se condensam, produzem bom tempo — se por
acaso não forem ao mesmo tempo demasiado frios, pois então não trazem 10

bom tempo. Com efeito, se forem mais frios do que intensos, solidificam
[as nuvens] antes de [as] empurrar para a frente. O cécias não traz bom
tempo, uma vez que se vira para si mesmo 278. Daí inclusive o provérbio
que diz: «atraindo para si, como o cécias, as nuvens» 279.
Quando eles 280 cessam, dão-se as rotações em direção aos [que lhes
são] contíguos, no sentido do afastamento do sol 281, pelo facto de se
mover mais o que está contíguo ao [seu] princípio. E o princípio dos
sopros move-se como o sol 282.
Os [ventos] contrários produzem ou o mesmo [efeito], ou o contrá-
rio: por exemplo, são húmidos o lips e o cécias, a que alguns chamam
«heles­pontias» 283, bem como o euro, a que [alguns chamam] «apeliote» 284;
e são secos o argetes e o euro — mas este é seco no início, enquanto [é] 20

chuvoso no fim. São nevosos principalmente o aparctias e o meses, pois


são os mais frios. O aparctias, o trascias e o argetes trazem granizo. Já o
notos, o zéfiro e o euro são tórridos. O cécias cobre o céu de muitas
nuvens, enquanto o lips [cobre-o] de [nuvens] mais rarefeitas: o cécias,
por se virar em direção a si mesmo e por ser comum ao bóreas e ao euro,

277. O termo grego é horme. 24), que indica Aristóteles pela sua formação, a
Provavelmente no sentido como fonte. exalação seca segue os
de «lugar de origem»; movimentos do sol.
cf. acima, no Livro II, o 280. Isto é, os ventos.
capítulo 4 (361a35­‑36). 283. Ou seja, helespontíaco,
281. «Rotações» traduz vento do Helesponto,
278. Em grego, anakamptei peristaseis (364b14). atualmente Dardanelos,
eis auton. Cf. Teofrasto, De facto, trata­‑se de estreito situado na parte
De ventis 57 Coutant­ rotatividade: quando nordeste do mar Egeu, que
‑Eichenlaub. Outros um vento cessa, outro, liga este último ao mar de
tradutores entendem, antes, contíguo àquele na «rosa­ Mármara.
«curva [as nuvens] em ‑dos­‑ventos», começa a
direção a si mesmo». soprar. Diferentemente, 284. Mas os dois foram
Teofrasto, De ventis 2 distinguidos acima
279. Ver Pr. xxvi 1, Coutant­‑Eichenlaub. (364a16­‑17).
940a18­‑19 e 29, 934a33­‑34.
Esse provérbio é citado (em 282. O princípio dos ventos
grego) também por Aulo é a exalação seca, mas,
Gélio (Noites Áticas ii 22, como o sol é responsável

129
meteorológicos

de modo que, por ser frio, condensa o ar que se evapora, solidificando­‑o;


e devido a — quanto ao lugar — vir do leste, contém muita matéria e
30 vapor que vai empurrando para diante. O aparctias, o trascias e o ar-
getes trazem bom tempo e a causa já foi dita antes 285. E principalmente
eles, assim como o meses, produzem relâmpagos. Com efeito, pelo facto
de soprarem de perto, são frios e é devido ao frio que se forma um
relâmpago, pois é emitido quando as nuvens se contraem 286. Por isso,
365a alguns desses mesmos [ventos] são portadores de granizo, pois solidifi-
cam rapidamente 287. Os furacões formam-se principalmente no outono
e, depois disso, na primavera e sobretudo [com] o aparctias, o trascias
e o argetes. A causa é que os furacões se formam sobretudo quando,
soprando outros [ventos], uns se precipitam sobre [estes] e aqueles são
os que mais se precipitam sobre os outros que sopram. A causa disso
também já foi dita antes 288.
Para os que habitam na zona do pôr-do-sol, os etésios rodam 289, de
aparctias para trascias, argestes e zéfiro (pois o aparctias <...> 290 é um
zéfiro), começando no norte e acabando nos [ventos] mais distantes;
10 e para os que vivem junto à aurora, eles rodam até ao apeliote.
Sobre os ventos, a sua geração desde o [seu] princípio e a sua essên-
cia 291, bem como sobre as propriedades que lhes cabem tanto em comum
como [em particular] a cada um, baste, pois, quanto dito por nós.

285. Ver pouco acima neste antes (363b12­‑13) que o


capítulo (364b3­‑10). zéfiro provém do oeste,
enquanto o aparctias, do
286. Ver adiante, no Livro II, norte. Alguns exegetas
o capítulo 9. tentam dar um sentido
ao texto lembrando que,
287. Cf. acima, no Livro I, o aquando da divisão em dois
capítulo 12. grandes grupos (364a19­‑21),
o zéfiro foi incluído no dos
288. Ver pouco acima neste
ventos boreais. No entanto,
capítulo (364b7­‑8). Sobre os
dada a presença do artigo
furacões, ver, no Livro III, o
determinativo diante de
capítulo 1.
aparctias, o texto, assim
289. Ver acima neste como está, não sugere que
capítulo (364b14 e a o zéfiro seja um vento
nota 281). do norte, mas sim que o
aparctias, que é o vento do
290. Fobes, seguindo norte propriamente dito
Thurot, supõe a existência (364a13­‑14), é um zéfiro.
de uma lacuna no texto.
Com efeito, a passagem é 291. Em grego, ousia.
problemática, pois foi dito

130
aristóteles

7. os sismos: as opiniões antigas

Depois disto, é preciso falar do abalo 292 e do movimento da terra. Com


efeito, a causa deste fenómeno está ligada àquele género [de fenómenos] 293.
As explicações transmitidas, pelo menos até ao tempo presente, são três
e vindas de três [pessoas]: pronunciaram-se Anaxágoras de Clazómenas,
antes dele, Anaxímenes de Mileto e, por último, depois destes, Demócrito
de Abdera 294.
Anaxágoras 295 afirma que o éter se desloca naturalmente para cima 20

e que, precipitando-se para as cavidades 296 debaixo da terra, sacode-a 297.


As partes de cima [da terra] ficariam compactadas devido às chuvas
(apesar de [a terra] ser por natureza, toda ela, igualmente porosa), uma
vez que existe uma parte de cima e uma parte de baixo da esfera intei-
ra 298, sendo a de cima a parte sobre a qual calha que habitemos e a de
baixo, a outra 299.

292. O termo grego é cada pensador, como sugere Ph. iv 8, 214b13­‑14;


seismos. Thillet. Cael. iv 2, 308b13­‑14;
nota 28 ao Livro I). Além
293. A saber, aos ventos. 295. DK 59 A 89. disso, é legítimo supor
Assim, Aristóteles antecipa a 296. O termo grego é koiliai. que, aqui, por «éter»,
sua posição sobre os sismos. aither, se entende, antes,
297. Literalmente, «move­‑a», o ar, aer, quente, apesar
294. DK 59 A 89; DK 68 isto é, «move (kinei) a de Anaxágoras parecer
A 7. Não é a primeira vez terra». Não se compreende distinguir «éter» e «ar»: ver
que Aristóteles menciona ao certo se o éter chocaria Simplício, Comentário à
Anaxágoras e Demócrito contra a terra, abalando­ Física de Aristóteles 155, 29;
nos Meteorológicos; ver, ‑a, em virtude do seu 156, 28 (= DK 59 B 12).
por exemplo, no Livro I, movimento de ascensão
os capítulos 3 e 6. Mas ou do seu movimento 298. De facto, para
aqui, contrariamente ao descendente e da sua Anaxágoras a terra é
que acontece nas menções penetração nas cavidades plana e flutua sobre o ar
anteriores, o autor precisa subterrâneas, mas o que (Hipólito, A refutação
o lugar de origem, o qual é dito adiante (365a33) de todas as heresias, i, 8,
não apenas é diferente para corrobora a primeira 3, 1­‑3 = DK 59 A 42, 3;
cada um, como também hipótese. Aristóteles disse Aristóteles, Cael. ii 13,
apresenta diferentes no Livro I, capítulo 3 294b13­‑19 = DK 59 A 89).
características geográficas (339b21­‑23), que, para É Aristóteles que sustenta
em cada caso, incluído o de Anaxágoras, «éter» e «fogo» que a terra é esférica,
Anaxímenes: Clazómenas designam a mesma coisa: como aparecerá logo abaixo
erguia­‑se sobre uma ver também Cael. iii 3, (365a31). Não obstante,
pequena ilha do golfo de 302a28­‑b5; cf. Séneca, mesmo segundo a conceção
Esmirna; Abdera, na costa Problemas Naturais vi de Anaxágoras, a terra terá
da Trácia, perto da foz do 9, 1 (= DK 59 A 89). duas partes, uma superior e
rio Nesto; Mileto, sobre Ora, Aristóteles parece outra inferior.
um promontório da costa interpretar Anaxágoras à
ocidental da Cária. Talvez luz da sua própria teoria 299. Já foi notado que
Aristóteles queira insinuar dos lugares naturais (ver, a passagem mostra que
que o lugar de origem acima, a nota 57), segundo Aristóteles estava ciente
tenha condicionado de a qual o movimento natural da relatividade das noções
algum modo a elaboração do fogo dar­‑se­‑ia para cima de alto e baixo, quando
da teoria defendida por (ver Top. v 2, 130a12­‑14; referidas a uma esfera.

131
meteorológicos

Em relação a esta explicação 300, talvez nem sequer seja preciso dizer


nada: entendo que é exposta de maneira demasiadamente simplista. Com
efeito, é ingénuo considerar que o baixo e o alto estejam dispostos de
maneira tal que, em toda a parte, os corpos que têm peso não se des-
locam para a terra e os leves, por exemplo 301, o fogo, [não se deslocam]
30 para o alto 302; e isto, [mesmo] vendo o horizonte da [terra] habitada, na
extensão que nós conhecemos, tornar-se sempre diferente à medida que
nos deslocamos, por ser convexa e esférica 303. E também [é ingénuo]
dizer que, devido ao seu tamanho, [a terra] permanece imóvel sobre o
ar 304 e afirmar que ela abala toda quando é golpeada de baixo para cima.
Além do mais, ele não especifica nenhuma das circunstâncias em que se
verificam os abalos: não são quaisquer regiões da terra e estações do ano
que tomam parte desse fenómeno.
365b Demócrito 305 afirma que a terra está plena de água e, quando recebe
muita água adicional das chuvas, é sacudida por esta. Com efeito, quando
a água se torna demasiada, ao ser pressionada pelo facto de as cavidades
não serem capazes de [a] conter, produz o abalo; e quando [a terra], ao
secar, [a] atrai dos lugares mais cheios para os vazios, a [água] que muda
[de sítio], ao precipitar-se, [também] sacode [a terra].
Já Anaxímenes 306 afirma que a terra, quando se molha e depois seca,
quebra-se e abala pela queda desses montes que se desprendem. Por isso,
10 os abalos formam-se durante as secas ou então quando chove demasiado:
como se disse, durante as secas, [a terra,] ao secar, quebra-se; e quando
fica demasiado molhada por efeito das chuvas, desmorona-se.
Porém, se isso acontecesse, dever-se-ia ver a terra afundar-se em
muitas partes. Ademais, por que causa esse fenómeno se dá muitas vezes

300. Ou «causa». O termo 303. Ver Cael. ii 14, 305. DK 68 A 97; cf. A 98.
grego é aitia. 297b30­‑32.
306. DK 13 A 21. A tese
301. Interpretando kai como aqui exposta é atribuída
epexegético. 304. Assim também em
Hipólito, A refutação a Anaximandro por
302. Ou seja, é ingénuo de todas as heresias i, 8, Amiano Marcelino xvii
não considerar alto e baixo 3, 1­‑3 (= DK 59 A 42, 7, 12 (= DK 12 A 28),
como os lugares para os 3). Mas em Cael. ii 13, enquanto Séneca, Problemas
quais, em cada ponto da 294b13­‑14 (= DK 59 A Naturais vi 10 (= DK 13 A
terra, se dirige naturalmente 89), Aristóteles afirma que, 21) atribui a Anaxímenes
o movimento dos corpos para Anaxágoras (bem uma tese diferente: os
leves e o dos corpos como para Anaxímenes e sismos seriam devidos ao
pesados, como sucede nos Demócrito), a estabilidade envelhecimento da Terra.
termos da doutrina de da Terra é devida à sua
Aristóteles. forma achatada.

132
aristóteles

em certos lugares, que, em relação aos outros, não diferem por nenhum
excesso desse tipo? E, no entanto, seria preciso. De forma geral, para os
que sustentam isto, [seria] necessário [ainda] afirmar que os abalos se dão
cada vez menos e que, no final, um dia, [a terra] há de deixar de abalar,
pois o que se enche tem tal natureza. Assim, se isso é impossível 307, é
claro que é também impossível que seja aquela a causa. 20

8 . o s s i s m o s ( c o n t i n ua ç ã o ) : a e x p l i c a ç ã o

Mas, como é manifesto que necessariamente se forma uma exalação a


partir tanto do húmido como do seco, como dissemos anteriormente 308, é
necessário que, estando dadas estas [circunstâncias], se deem os abalos.
Com efeito, por si mesma, a terra [é] seca, mas, devido aos temporais,
com muita humidade em si, de modo que, quando é aquecida pelo sol e
pelo fogo nela presente, gera-se, quer fora, quer dentro, muito sopro 309,
e este, ora flui todo para fora, permanecendo contínuo, ora [flui] todo
para dentro — e, às vezes, também se divide.
Se é decerto impossível que seja de outra forma, o que seria preciso
investigar, depois disto, é qual, de entre os corpos, seria o mais capaz 30

de mover: é necessário que seja maximamente tal o [corpo] que por


natureza vai mais longe e é mais forte. Ora, o mais forte é, por necessi-
dade, aquele que se desloca mais rapidamente, já que, devido à rapidez,
golpeia mais [a terra]. E o [corpo] que é maximamente capaz de passar
através de tudo é por natureza capaz de ir mais longe: e o mais leve é
tal. Por conseguinte, se efetivamente a natureza do sopro é tal, o sopro 366a

é, de entre os corpos, aquele que mais move. E o fogo, quando está


acompanhado de sopro, torna-se chama e desloca-se rapidamente. Causa
do movimento não seria, então, nem a água nem a terra 310, mas o sopro,
quando calha que o que se exala para fora [da terra] flui para dentro.

307. A impossibilidade sismos ocorrem de maneira 309. Em grego, pneuma.


em questão concerne à perpétua: ver o caso do ciclo
cessação e à diminuição da inversão entre terra e mar 310. Trata­‑se da tese
progressiva dos abalos e e as mudanças climáticas no de Demócrito e da de
é uma mera convicção Livro I, capítulo 14. Anaxímenes, respetivamente:
aristotélica. Para Aristóteles, ver capítulo anterior.
o mundo é eterno (Cael. i 308. Livro I, capítulo 4
8-12) e processos como os (341b6­‑24).

133
meteorológicos

Por isso, a maioria dos abalos e os maiores formam-se quando não


há vento. Com efeito, sendo contínua, a exalação segue, no mais das ve-
zes, o seu impulso 311 inicial, de forma que, ao mesmo tempo, lança-se 312
toda ou para dentro ou para fora [da terra]313. Mas não é irracional que
alguns [abalos] se formem mesmo havendo vento 314, pois vemos, às vezes,
10 vários ventos soprarem ao mesmo tempo 315, dos quais, quando um dos
dois 316 se lance para [dentro d]a terra, haverá o abalo, [mesmo] havendo
vento. Mas esses abalos são menores, quanto à magnitude, pelo facto de
o princípio e a causa deles estarem divididos.
A maior parte dos abalos e os maiores formam-se durante a noite,
mas uns [também] durante o dia, à volta do meio-dia. Com efeito, o
meio-dia é, no mais das vezes, o [momento] do dia em que há menos
vento, pois o sol, caso esteja no máximo da sua força, retém a exalação
na terra; e o sol está no máximo da sua força à volta do meio-dia. E as
noites são menos ventosas do que o dia devido à ausência do sol, de
modo que a corrente [de exalação] dá-se de novo para dentro, como um
20 refluxo 317, no sentido contrário ao do fluxo para fora. E [isso acontece]
principalmente de madrugada, pois é também nessa altura que os ventos
naturalmente começam a soprar. Assim, se calhar que o princípio deles

311. O termo grego é horme. (thateros), visto que o seu antiga atribui a Aristóteles
antecedente é anemous uma explicação desse
312. O verbo grego é (masculino acusativo plural), fenómeno pelo sol e
hormao. «ventos». Pode tratar­‑se de pelo vento ([Plutarco],
um simples erro, mas o Opiniões dos filósofos iii 17,
313. Assim, no primeiro autor poderia ter na mente 897B). Todavia, as marés
caso, dá­‑se o sismo e, no pneumata, «sopros», que é seriam invocadas, aqui, nos
segundo, o vento, que neutro. De qualquer forma, Meteorológicos, apenas como
normalmente flui acima da a lição de H e N (thateros) termo de comparação. De
superfície. é sem dúvida devida a uma qualquer forma, Aristóteles
correção de copista. não demonstra conhecer
314. A última frase, que está
a relação das marés com
no genitivo absoluto (kai 317. «Refluxo» traduz a lua, relação que aparece,
pneumatos ontos, 366a8­‑9), ampotis e «fluxo», logo porém, em textos do corpus
subentende «sobre a terra»; em seguida, plemmuris
geralmente considerados
aqui, pneuma designa sem (366a19­‑20). Esses termos inautênticos: ver Mu. 4,
dúvida o vento que sopra à designam usualmente
396a25­‑27, e Mir. 55
superfície. o fluxo e o refluxo das (834b3­‑4).
marés: ver, por exemplo,
315. Ver acima, no Livro II,
Heródoto ii 11, 2­‑3; viii
o capítulo 6 (364a27­‑32).
129, 2­‑3. Aristóteles parece,
316. «Um dos dois»: em pois, ter conhecimento
366a10, a maior parte dos desse fenómeno; ver acima,
códices traz um neutro no Livro II, o capítulo 1
(thateron) quando se (354a7­‑8) e a nota 23.
esperaria um masculino Ademais, a doxografia

134
aristóteles

mude [de sentido] para o interior, como o Euripo 318, [isso] faz o abalo
mais forte, devido à grande massa.
Ademais, os mais fortes dos abalos formam-se em lugares desse tipo,
nos quais o mar tem uma corrente forte ou nos quais a região é mais
porosa e cavernosa. Por isso, [tais abalos formam-se] no Helesponto 319, na
Acaia 320, na Sicília 321 e nesses lugares da Eubeia 322, pois [aí] o mar parece
enfiar-se debaixo da terra através de canais. Por isso também, devido à
mesma causa, formaram-se as [águas] quentes na zona de Edepso 323.
Nos lugares [acima] mencionados, os abalos formam-se princi- 30

palmente devido à estreiteza 324. Com efeito, o sopro 325, tornando-se


também muito forte devido à grande quantidade de [água d]o mar que
aflui, é empurrado de volta para [dentro d]a terra — aquele [sopro] que
por natureza sopra a partir da terra. E todas aquelas regiões que têm 366b

lugares porosos subterrâneos abalam mais, por conterem muito sopro.


Pela mesma causa, [os abalos] formam-se principalmente na primavera
e no outono — e durante as cheias e as secas, pois essas são as estações
mais abundantes em sopro. Quanto ao verão e ao inverno, um devido
ao gelo e outro devido ao calor, produzem imobilidade 326, pois um é
demasiado frio e outro demasiado seco. E durante as secas o ar está

318. Estreitíssima passagem 320. Região do norte do 324. Todos os lugares


do canal que separa a ilha Peloponeso, ao longo da acima mencionados estão
de Eubeia, no mar Egeu, qual se estendem o golfo de próximos de uma passagem
da Grécia continental, Corinto e o golfo de Patras. de mar estreita: o Euripo,
situada na altura da cidade o estreito de Dardanelos,
de Cálcis e conhecida pelo 321. Aristóteles pensa a ligação entre os golfos
fenómeno de inversão provavelmente em particular de Corinto e de Patras e o
da corrente: cf. EN ix 6, no estreito de Messina, que estreito de Messina.
1167b8; Somn.Vig. 3, separa a Sicília da Itália
456b21. Segundo uma continental. Kingsley 1995, 325. Seguindo Alexandre
certa tradição (certamente p. 79­‑87, observa que as de Afrodísias (118, 6),
lendária), Aristóteles condições geológicas da Fobes traz pneuma, mas
ter­‑se­‑ia lançado ao Euripo Sicília podem ter inspirado E e outros códices têm
por não ter achado a causa o mito do Fédon de Platão. rheuma, «fluxo, corrente».
das suas correntes: ver E Aristóteles também, A presença de gar, «com
Procópio de Cesareia, segundo Thillet. efeito», imediatamente antes,
Sobre as Guerras [de deve ter facilitado o erro de
Justiniano] viii 6, 20, 1­‑21, 322. Trata­‑se provavelmente leitura, mas é difícil dizer
1. Segundo outra tradição, dos lugares próximos do em que sentido este teria
ele teria morrido de doença Euripo, acima mencionado: ocorrido, se é que ocorreu.
em Cálcis: ver Diógenes cf. Estrabão x 1, 9. De qualquer forma, o
Laércio v 9­‑10, que cita significado dos dois termos
Apolodoro. 323. Trata­‑se das «caldas
é muito próximo.
de Héracles», no noroeste
319. O estreito de da ilha de Eubeia: ver
326. O termo grego é
Dardanelos, que liga o mar Estrabão ix 4, 2.
akinesia. Isto é, calmaria.
Egeu ao mar de Mármara. Atualmente, Lutra Adipsu.

135
meteorológicos

pleno de sopro 327. A seca é isso mesmo: quando se forma mais exalação


10 seca do que húmida. Já nas chuvas torrenciais, produz[-se] mais exalação
interna. E pelo facto de uma secreção desse tipo ficar presa nos lugares
mais estreitos e ser pressionada para um lugar menor (por as cavidades
estarem plenas de água), quando começa a ter força (por muita [massa]
ser comprimida em pouco espaço), o vento, fluindo, sacode fortemente
[a terra], ao atirar-se [contra ela].
É preciso compreender que, tal como no nosso corpo a causa tanto
dos tremores quanto das pulsações 328 é a potência do sopro preso no
interior, assim também, na terra, o sopro produz algo de muito parecido
e alguns dos abalos são como que tremores e outros como que pulsa-
20 ções. E tal como acontece muitas vezes depois da micção (pelo corpo
dá-se algo como um certo tremor, quando o sopro concentrado passa
de fora para dentro), coisas do tipo dão-se também na terra. É preciso
considerar toda a potência que o sopro tem, não apenas a partir do que
se passa no ar (pois aí pode julgar-se que [ele] é capaz de produzir tais
coisas devido à grandeza), como ainda [a partir do que se passa] nos
corpos dos animais. Com efeito, [também] as contrações e as convul-
sões são movimentos do sopro e têm tanta força que [mesmo] muitos
[indivíduos], tentando conjuntamente usar coação, não são capazes de
dominar o movimento dos doentes 329. Ora, é preciso compreender que
algo desse tipo se dá na terra também, para comparar uma coisa grande
30 com uma pequena 330.

327. Isto é, é ventoso. (369a30­‑31); HA i 5, 490a5;


PA ii 7, 653a3. Para a sua
328. Os termos gregos são, formulação latina (si parva
respetivamente, tromos e licet componere magnis), ver
sphugmos; para o significado Virgílio, Georg. iv 176.
exato deste último, ver Juv.
e Resp. 26, 479b17­‑480a15.
Cf. Hipócrates, Epid. iv
43, 6 (p. 184 Littré); 43b
Smith.

329. Cf. Hipócrates,
Morb. iii 12, 1.

330. Em grego, hos eikasai


pros mikron meizon
(366b29­‑30). Parece que já
se trata de uma fórmula
proverbial: ver adiante,
no Livro II, o capítulo 9

136
aristóteles

e ru p ç õe s v u l c â n i c as

Sinais dessas [coisas] apresentaram-se em muitos [locais], mesmo para a


nossa perceção. Por exemplo, em certos lugares um abalo [que tinha] ocorrido
não cessou antes de o vento que [o] sacudia ter saído ostensivamente, como
um furacão, rompendo em direção à superfície, como aconteceu recente- 367a

mente em Heracleia, no Ponto  , e anteriormente na ilha de Hiera — esta


331

é uma das ilhas chamadas de Eolo 332. Aqui, com efeito, uma parte da terra
inchava e erguia-se, com estrondo, uma massa, como que parecida com um
monte. No fim, quando se rompeu, saiu muito sopro e [este] lançou para
o alto faúlhas e cinzas, cobriu de cinzas toda a cidade de Lipari, que não
fica longe 333, e atingiu algumas cidades de Itália. E ainda hoje está visível
[o lugar] onde essa erupção se deu 334. Justamente por isso, é preciso crer
que a causa do fogo que se dá na terra é esta: quando, ao ser golpeado, 10

se incendeia 335, depois de o ar 336 ter sido fragmentado em partículas.


Uma prova de que os sopros fluem debaixo da terra é também o que
acontece nessas ilhas. Com efeito, quando um vento desse tipo 337 está
prestes a soprar faz-se anunciar primeiro: os lugares a partir dos quais se
dão as erupções ressoam, pelo facto de o mar já estar a ser empurrado
de longe para a frente, e, sob efeito deste, o [sopro] que ia irromper da
terra é rechaçado para dentro outra vez, lá onde justamente o mar vem
sobre ela 338. Mas [esse vento] produz um estrondo sem abalo devido
à amplidão dos lugares (pois transborda para a imensidão exterior) e
também à pouca quantidade do ar rechaçado 339. 20

331. Heracleia é uma cidade 334. Cf. Estrabão v 4, 9. Fobes e Louis: apesar de a


grega da Bitínia situada na de J ser a lectio difficilior,
costa sul do mar Negro e 335. O sujeito não está «lição mais difícil» (o
hoje chamada Karadeniz explicitado. Mas como deve que, aos olhos de muitos
Ereğli, na atual Turquia. ser um nome neutro, pode filólogos, a tornaria mais
subentender­‑se pneuma, provável, na medida em
332. Trata­‑se das Isole Eolie«sopro», ou pur, «fogo». que se costuma errar em
(também chamadas Isole favor da leitura mais fácil),
Lipari), um arquipélago de 336. Segundo alguns ela deve ser descartada,
origem vulcânica situado intérpretes, «ar», aqui, é pois trata­‑se de vento
no mar Tirreno, ao norte sinónimo de «sopro». subterrâneo.
da Sicília. Hiera é a atual
Vulcano, a ilha mais ao sul. 337. Com Groisard, 338. Isto é, sobre a terra.
adotamos a lição da
333. A cidade é situada na primeira mão do 339. Isto é, insuficiente para
ilha com o mesmo nome, manuscrito E, toioutos, e provocar um sismo.
a principal do arquipélago, não a do manuscrito J,
logo acima da ilha de notos, «do sul», adotada por
Vulcano­‑Hiera.

137
meteorológicos

E o facto de, [mesmo] sem nuvens, o sol ficar fosco e mais indistin-
to e de, antes dos abalos matutinos, [haver], às vezes, uma ausência de
ventos e um frio mais forte, [também] é um indício da causa [acima]
referida. Quando o sopro que dissolve e decompõe o ar começa a descer
para debaixo da terra, necessariamente o sol fica fosco e indistinto e há
frio e ausência de ventos na madrugada e pela manhã. É necessário que,
no mais das vezes, ocorra uma ausência de vento [sobre a terra], como
já foi dito antes 340, porque se dá como que uma mudança de fluxo do
sopro para dentro [da terra] e mais antes dos grandes abalos. Quando
30 [o sopro] não se divide numa parte que vai para fora e noutra que vai
para dentro, mas se desloca todo junto, necessariamente é mais forte. E o
frio acontece pelo facto de a exalação, que em si mesma é por natureza
quente, virar para dentro [da terra]. Mas os ventos não parecem ser
quentes, devido a moverem o ar, o qual está cheio de muito vapor frio,
367b como o sopro emitido pela boca: este também é quente de perto — por
exemplo quando expiramos, embora, por ser pouco, não seja igualmente
evidente —, enquanto de longe é frio pela mesma causa que os ventos.
Quando, pois, uma tal substância 341 desaparece na terra, o fluxo vaporoso,
reunindo-se, devido à humidade 342, produz frio nos lugares em que esse
fenómeno ocorre.
A mesma [coisa] é causa também do sinal que costuma dar-se, às
vezes, antes dos abalos. Durante o dia ou pouco depois do pôr-do-sol,
10 se o céu está claro, vemos estender-se uma nuvenzinha fina e com-
prida, como que uma extensão de linha reta perfeita, uma vez que o
sopro se enfraquece devido à mudança de lugar 343. Algo semelhante
acontece também no mar, junto às praias: quando, inchando, se projeta,
as bordas 344 tornam-se extremamente espessas e tortuosas, enquanto,
quando há calmaria, pelo facto de a secreção ser produzida em pouca

340. No início do glosa inserida no texto. De (ver, por exemplo, Homero,


capítulo (366a5­‑6). facto, ela parece não ter Odisseia xii 214), mas
muito sentido no contexto. também a orla (Odisseia ix
341. O termo grego é 169), o que parece ter mais
dunamis. Isto é, a exalação 343. Isto é, com a sua sentido, aqui, pelo que é
quente. retirada para dentro da dito logo em seguida.
terra.
342. Alguns intérpretes
consideram a expressão 344. Em 367b14, temos em
«devido à humidade», grego rhegmines. O termo
di’hugroteta (367b5), uma pode designar as ondas

138
aristóteles

quantidade 345, são finas e retilíneas. Aquilo mesmo, então, que o mar faz
com a terra, o sopro faz com o nevoeiro no ar, de modo que, quando
há ausência de vento, a nuvem torna-se completamente retilínea e fina,
como se fosse uma borda do ar.

s i s m o s e e c l i p s e s d e l ua

Por isso, acontece também que, aquando dos eclipses da lua, se forme, 20

às vezes, um abalo. Com efeito, quando já está próxima a anteposição e


a luz e o calor proveniente do sol 346 ainda não abandonaram completa-
mente o ar, mas já estão a enfraquecer-se, dá-se uma ausência de vento,
uma vez que o sopro se desloca para [dentro d]a terra, o que produz o
abalo antes do eclipse 347. Com efeito, muitas vezes também se formam
ventos antes dos eclipses: ao anoitecer, antes dos [eclipses] do meio da
noite, e no meio da noite, antes dos da aurora. Isso acontece porque o
calor proveniente da lua se torna fraco quando o seu deslocamento fica
próximo daquele lugar onde, uma vez [aí] chegadas 348, se dará o eclipse. 30

Uma vez cessado aquilo que detinha o ar, mantendo-o em repouso, o ar


volta a mover-se e forma-se sopro, tanto mais tarde quanto mais tardio
for o eclipse 349.

345. Não se compreende 348. Explica­‑se o plural explicação: num primeiro


o que seria tal secreção, alegando que se trata da luamomento, o calor solar
ekkrisis, em 367b15. Alguns e do seu deslocamento (ou que continua a exercer­‑se
intérpretes consideram todo translação), phora, entendida
pelo reflexo sobre a lua
o trecho («pelo facto de concretamente como «esfera retém a exalação seca num
a secreção ser produzida celeste». estado de imobilidade;
em pouca quantidade») em seguida, à medida que
uma glosa destinada a 349. Segundo o texto a lua é ocultada, deixa
explicar «calmaria», galene. de Fobes das linhas a exalação recuar, o que
Alexandre de Afrodísias 367b31­‑32: tes opsiaiteron determina o surgimento
(120, 15­‑19) não parece ter ekleipseos opsiaiteron. de ventos, até que, pouco
conhecido este texto. Alguns códices omitem antes do eclipse, esse
o primeiro opsiaiteron e refluxo vai para debaixo
346. Sobre o calor assim alguns editores, como da terra, provocando ao
provocado pelo sol, ver Louis. Cf. [Aristóteles], mesmo tempo um sismo
acima, no Livro I, o Pr. xxvi 18 (942a22­‑28). e, na superfície, a ausência
capítulo 3 (340a21­‑22; O mesmo fenómeno, o de vento.
340b4­‑14; 341a12­‑36). enfraquecimento do calor,
parece ser causa tanto
347. Ver o caso da ausência da presença como da
de vento durante a noite, ausência de ventos. Para
acima, neste capítulo evitar a incongruência,
(366a17­‑20). Groisard sugere a seguinte

139
meteorológicos

réplicas

Quando um abalo forte se dá, não para imediatamente nem depois de


ter sacudido uma única vez, mas frequentemente continua, primeiro até
368a quarenta dias e, posteriormente, dá sinais mesmo por um ou dois anos
nos mesmos lugares. A causa da sua magnitude é a quantidade do sopro
e a configuração dos lugares pelos quais flui: onde choca e por onde
quer que não pode passar rapidamente, mais sacode e necessariamente
fica retido nas anfractuosidades, como água 350 que não pode escorrer.
Por isso, da mesma forma que, num corpo, as palpitações 351 não param
de repente nem rapidamente, mas progressivamente, consoante a afeção
se vai desvanecendo, é claro que tão-pouco o princípio do qual se forma
10 a exalação e o impulso do sopro consome logo toda a matéria da qual
produz o vento, a que chamamos «abalo». Até que consuma, pois, os
restos destes, necessariamente sacode, mas mais calmo e até o exalado se
tornar pequeno demais para poder sacudir de modo percetível.
O sopro também produz os estrondos debaixo da terra, bem como
os que antecedem os abalos. E, mesmo sem a ocorrência de abalos, já se
deram estrondos debaixo da terra. Com efeito, da mesma forma que o
ar açoitado emite todo o tipo de sons, assim também acontece quando é
ele próprio que bate; em nada difere, pois tudo o que bate é também, ao
mesmo tempo, ele próprio batido 352. Mas o som antecede o movimento
20 pelo facto de ser mais ténue 353 e de o som passar melhor através de tudo
do que o sopro. Quando [o sopro] é pouco intenso para mover a terra
devido à sua tenuidade, não é capaz de sacudir, pelo facto de atravessar
facilmente; mas, pelo facto de embater em massas sólidas e ocas, e com
todos os tipos de configuração, emite sons de todos os tipos. Assim, às

350. Na linha 368a5, depois 351. O termo grego é 352. Ver De an. ii 8,


de hoion hudor, «como sphugmos, anteriormente 420a19­‑26.
água», Fobes edita en skeuei, traduzido por «pulsação»
«num recipiente», seguindo (366b15­‑16): ver acima 353. Em grego,
a paráfrase de Alexandre (366a15), com a nota 328. leptomeresteron (368a19),
de Afrodísias (122, 3­‑4). Aqui, o termo parece ser literalmente «composto
De facto, o manuscrito E usado não no sentido de de partículas mais finas».
e outros trazem en somati, um movimento normal do O uso desse termo não deve
«num corpo» (omitido coração, mas sim no de fazer atribuir a Aristóteles
em J), o que, porém, pode uma anomalia, de modo uma conceção corpuscular
ser devido à expressão que conforme à definição do som.
aparece na linha seguinte ou de pedesis em Juv. 26,
a uma glosa marginal. 479b17­‑480a15.

140
aristóteles

vezes, parece que, como justamente dizem os contadores de prodígios,


a terra muge 354.
E já jorraram águas aquando dos abalos, mas não por a causa da sa-
cudida ser a água: se [a causa] está 355 na superfície ou o sopro faz força
a partir de baixo, é isso o que sacode, como os ventos são a causa das 30

ondas e não estas a causa dos ventos. Ora, [se fosse] assim, poder­‑se-ia
atribuir a causa do fenómeno à terra também. Com efeito, quando sacu-
dida, [a terra] vira-se, como a água do mar: o transbordamento também
é uma espécie de virada. Mas estas 356 são, ambas, causas como matéria
(pois sofrem, mas não agem 357), enquanto o sopro [é causa] como prin-
cípio [do movimento].

onda

Onde se forma uma onda juntamente com um abalo 358, [a] causa são
os sopros, caso venham a ser contrários. E isso acontece caso o sopro que 368b

abala a terra não seja capaz de rechaçar completamente o mar trazido


por outro sopro, [mas,] empurrando[-o] para diante e detendo[-o] num
mesmo [sítio], concentre muita [água de mar]. Então, uma vez derrotado
esse sopro, a [água] empurrada conjuntamente sob efeito do sopro con-
trário irrompe necessariamente e produz a enchente 359. Aconteceu isso

354. Ver APo. ii 11, 358. Segundo o texto 12), que ele (baseado em


94b33­‑34, a propósito estabelecido por Fobes e Baladié 1980, p. 151,
dos pitagóricos, e Platão, Louis na linha 368a34. n. 66) traduz com raz de
República x 615e. Todavia, a tradição marée, enquanto kuma é
manuscrita varia traduzido com lame de fond
355. Segundo a lição do sensivelmente. Por exemplo, (ou gonflement de l’eau).
manuscrito J, ê(i), adotada o códice Le (Parisinus A presença de kataklusmos
por Fobes e Louis. Outros gr. 2035) omite kuma, pode ser devida a uma
intérpretes seguem a lição «onda» (ver aparato crítico glosa, mas, se quisermos
de E, a saber, è, «ou», com de Louis), enquanto E tem, conservar o termo, uma
a qual a frase soaria assim: entre vírgulas, kataklusmos, tradução possível seria a
«se o sopro faz força ou na «enchente», depois de seguinte: «onde [há] uma
superfície ou de baixo para gegonen, «forma­‑se (ou onda juntamente com
cima». O texto lido por formou­‑se)», e seismos, um abalo forma­‑se uma
Alexandre de Afrodísias nominativo, foi corrigido enchente».
(123, 3­‑5) provavelmente (por uma segunda mão?)
apresentava esta última. por seismo(i), dativo. 359. O termo grego é
Contrariamente a Fobes kataklusmos. Ver, supra, a
356. Isto é, a água e a terra. e Louis, Thillet conserva nota 358 ao Livro II.
kataklusmos (que aparece
357. Em grego, poiei. adiante, em 368b5­‑6 e

141
meteorológicos

também na Acaia 360. O vento sul estava fora e, lá, estava o vento norte:
quando se deu a ausência de vento, isto é, quando o vento sul fluiu para
dentro [da terra], geraram-se a onda e o abalo ao mesmo tempo, ainda
10 mais [fortes] porque o mar não dava passagem ao vento impulsionado
debaixo da terra, antes se lhe opunha. Coagido um pelo outro, o sopro
produziu o abalo, enquanto o acúmulo da onda, a enchente.
Os abalos da terra dão-se localmente, e muitas vezes num lugar
peque­no, mas os ventos não; localmente, quando as exalações do próprio
lugar e do [lugar] vizinho convergem numa única [direção], tal como
também dissemos 361 que se formam as secas e as chuvas abundantes
locais. Os abalos, sim, formam-se, pois, dessa maneira, mas os ventos
não. Com efeito, uns 362 têm o [seu] princípio dentro da terra, de modo
20 tal que todas [as exalações] se lançam 363 para um [ponto] só. Ora, o sol
não é igualmente capaz, mas [é-o] mais com aquelas [exalações] que
estão suspensas no alto 364, de modo que — caso já tenham recebido
[o seu] princípio do deslocamento do sol, consoante as diferenças dos
lugares — fluem para um [ponto] só 365.

a b a l o s h o r i z o n ta i s e a b a l o s v e r t i c a i s

Quando, pois, o sopro é muito, sacode a terra — tal como o tre-


mor — lateralmente 366. Mas poucas vezes e em certos lugares também se
formam — como que uma pulsação — de baixo para cima 367. Por isso

360. Trata­‑se provavelmente intransitivo e o seu sujeito todas [as exalações] para um


do sismo de 373 a. C., já é hapasas, «todas». Mas ponto só».
evocado no Livro I, capítulos 6
também é possível considerá­
‑lo transitivo e hapasas o
(343b2­‑3) e 7 (344b35­‑345a1). 364. A expressão traduz
Ver a nota 162 ao Livro I. seu objeto. Nesse caso, o meteoros.
seu sujeito, não explicitado, 365. O texto deste período
361. Livro II, capítulo 4 seria o princípio antes
(360b5­‑26). está provavelmente
referido. Todavia, Tricot corrompido.
362. Apesar do neutro ta e Pepe consideram que o
men, o autor refere­‑se com sujeito é o sol, mencionado 366. Em grego, epi platos.
certeza unicamente aos na frase que se segue. Para
tal, corrigem ligeiramente o 367. Aristóteles distingue,
sismos (cujo nome grego é pois, abalo horizontal
masculino) — e não, também, texto, eliminando a partícula («tremor») e abalo vertical
às secas e às chuvas —, como adversativa de (aqui traduzida («pulsação»); quanto a
observa Groisard. por «ora») que se encontra
depois do artigo ho, «o». O «tremor» e «pulsação»,
363. Nas linhas 368b19­‑20, texto ficaria, pois, assim: «de ver, supra, a nota 328
entendemos que o verbo modo que o sol não é capaz ao Livro II. Cf. Séneca,
em questão, horman, é de impulsionar igualmente Problemas Naturais vi, 21,
2, a propósito de Posidónio.

142
aristóteles

também, [o sopro] sacode menos vezes dessa maneira: não 368 é fácil que
tanto princípio [motor] 369 se reúna assim, pois a secreção é muito maior
em comprimento do que a partir da profundidade. Mas onde se dá um
abalo desse tipo, vem à tona uma grande quantidade de pedras, como
quando se agitam nas peneiras. Com efeito, quando se deu um abalo dessa 30

maneira, virou do avesso as imediações do Sípilo  , a planície chamada


370

Flegrea 371 e a região lígure 372.


Nas ilhas em alto-mar dão-se menos abalos do que nas ilhas junto à
terra firme. Com efeito, a massa do mar arrefece as exalações, retém-nas
com o seu peso e rechaça-as. Ademais, [o mar] flui, mas não é sacudido,
quando dominado pelos sopros. E, pelo facto de ocupar muito espaço, as 369a

exalações não se formam em direção a ele, mas a partir dele, e acompa-


nham-nas as exalações [que se formam] a partir da terra. As ilhas que
estão perto do continente são parte do continente: o intervalo [entre elas
e o continente] não tem nenhuma potência, devido à sua pequenez. Mas
não é possível sacudir as ilhas em alto-mar sem [sacudir] todo o mar
pelo qual se encontrem rodeadas.
Acerca dos abalos — tanto qual [é] a [sua] natureza, quanto por
que causa se formam —, bem como acerca das outras circunstâncias
que os rodeiam, foram, pois, ditas praticamente [todas] as [coisas] mais
importantes.

9 . o t r o vã o e o r e l â m pa g o

Falemos sobre o relâmpago e o trovão e, ainda, sobre o tufão, o fu- 10

racão e o raio  .
373

368. Sem traduzir didosin, 372. Lembramos que essa Note­‑se, em compensação,


«dá», entre parênteses retos denominação designa uma que o presente anúncio
em Fobes. região bem mais vasta do não faz referência aos
que a atual Ligúria, em fenómenos luminosos que
369. Isto é, exalação seca. Itália. Segundo alguns são abordados no resto do
intérpretes, Aristóteles Livro III, fenómenos que
370. Monte da Lídia, na Ásia refere­‑se, aqui, à zona hoje tão­‑pouco são anunciados
Menor, hoje chamado Spil chamada Crau d’Arles, entre no início do tratado, nem
Daği, próximo da cidade a cidade de Marselha e o parecem estar incluídos
de Manisa Daği (antiga rio Ródano, em França. na grande secção sobre «a
Magnésia do Sípilo), na região comum à água e
atual Turquia. 373. Os três últimos são ao ar» que se abre com o
tratados no capítulo 1 capítulo 9 do Livro I (ver a
371. Os Campi Flegrei, perto do Livro III, cujo tema nota 261 ao Livro I).
de Nápoles, em Itália. pertence, pois, ao Livro II.

143
meteorológicos

Também acerca de todos esses [fenómenos] devemos assumir o


mesmo princípio. Uma vez que a exalação é dupla, como dissemos 374,
uma húmida e outra seca; que a combinação [delas] tem-nas ambas em
potên­cia e condensa-se em nuvem, como [também já] dissemos antes 375;
e, ainda, que a condensação das nuvens torna-se mais densa junto ao
limite extremo 376 (com efeito, onde o quente falta, por se destacar para o
lugar de cima 377, a condensação também é necessariamente mais densa e
20 mais fria; por isso, os raios, os furacões e todos os [fenómenos] desse tipo
deslocam-se para baixo, apesar de todo o quente se deslocar naturalmente
para cima, mas, necessariamente, a expulsão dá-se no sentido contrário
da densidade 378, como os caroços que saltam entre os dedos 379: mesmo
tendo peso, deslocam-se frequentemente para cima), o calor segregado
espalha-se em direção ao lugar de cima.
Ora, toda a exalação seca que fica retida na mudança do ar, que
arrefece, é segregada 380, quando as nuvens se reúnem 381; deslocando-se
então de modo forçado 382 e precipitando-se sobre as nuvens que [a] ro-

374. Princípio estabelecido cujo movimento natural se o movimento é forçado ou


desde o capítulo 4 do dá, todavia, para cima. por natureza, segundo o seu
Livro I. princípio, nomeadamente
379. Mesma comparação no motor. Assim, um
375. Livro II, capítulo 3 Livro I, capítulo 4 (342a10). movimento forçado não é
(358a21­‑23), ver também a necessariamente antinatural:
nota 130 ao Livro II. 380. Isto é, expulsa. alguém pode lançar ao
chão um corpo pesado.
376. Como observa 381. Isto é, quando as
Em compensação, um
Groisard, trata­‑se do nuvens se condensam.
movimento antinatural é
limite inferior da zona necessariamente forçado,
da formação das nuvens 382. «Forçado» (ou
«violento»), bia(i) (ou ainda que o corpo seja por
e não do limite superior natureza capaz de sofrer
do mundo sublunar, onde, biaios), opõe­‑se a «por
natureza», phusei, ver um tal movimento. No
segundo Aristóteles (Livro I, caso presente, o movimento
capítulo 3, 340b29­‑341a4), Ph. viii 4, 255a28­‑30.
Essa oposição tem uma forçado é também
o movimento transmitido antinatural.
pelas esferas celestes impede relação estreita com uma
essa formação e onde há outra, a saber, natural,
muita exalação seca. kata phusin, e antinatural
(ou contranatural), para
377. Sobre a dispersão phusin, ver também
de calor no alto, ver Ph. iv 8, 215a1­‑4; v 6,
acima, no Livro I, os 29­‑31. Todavia, essas duas
capítulos 3 (340a26­‑32) e 9 oposições provavelmente
(346b26­‑31), assim como, não idênticas. O movimento
no Livro II, o capítulo 4 é natural ou antinatural,
(360b32­‑35). segundo a sua meta: natural,
quando se dá em direção
378. Sendo mais densos, ao «lugar natural» do
os corpos de cima podem corpo em questão; forçado,
empurrar para baixo corpos quando não é o caso. Mas

144
aristóteles

deiam, produz um choque cujo som é chamado «trovão» 383. O choque


dá-se da mesma maneira — para comparar um fenómeno pequeno com 30

um grande  — como o som que se dá na chama, a que alguns chamam


384

«riso de Hefesto» 385, outros, «de Héstia» 386, e outros ainda, «ameaça»


destes 387. [Isso] dá-se, quando a exalação, concentrada, se desloca em
direção à chama, estando a lenha a rebentar e a secar. Assim, também
nas nuvens, a expulsão 388 do sopro que se dá ao precipitar-se sobre a
densidade das nuvens produz o trovão. E formam-se sons de todos os 369b

tipos, devido às irregularidades das nuvens e às cavidades existentes entre


[elas], onde a densidade deixa de ser contínua. O trovão é, pois, isto e
forma-se por esta causa.
Mas o sopro que é expulso inflama-se na maior parte das vezes numa
combustão fina e fraca e isso é aquilo a que que chamamos «relâmpago»,
onde quer que [o sopro] — como se se precipitasse — seja visto com
cores. Forma-se depois do choque e posteriormente ao trovão, mas parece
[formar-se] antes pelo facto de a visão anteceder a audição 389. [Isto] fica
claro no caso dos remos dos trirremes: só quando já levantaram de novo 10

os remos é que chega pela primeira vez o barulho da remada.


Todavia, alguns dizem que [o relâmpago] é fogo que se forma nas
nuvens. Empédocles 390 afirma que este é o que fica retido dos raios do

383. Nos Segundos Analíticos, capítulo dos Meteorológicos o sentido de «separação»


o trovão é frequentemente (369b11­‑19). ou «segregação», como tem
mencionado no interior sido traduzido.
de abordagens do 384. Uma formulação muito
procedimento definicional, semelhante no capítulo 389. Cf. [Aristóteles],
em particular acerca da anterior (366b29­‑30) — ver Mu. 4, 395a14­‑21; Séneca,
relação entre a pergunta a nota 330 ao Livro II. Aqui, Problemas Naturais ii 12, 1.
Fobes edita pareikasai (que A ideia da maior rapidez
«o que é?» e a «porquê?»:
aparece adiante no capítulo, da visão em relação à
ver, por exemplo, ii 8,
370a12), mas E e outros audição aparece também
93a16­‑24; cf. Metaph. vii
códices trazem eikasai. nas explicações do trovão
17, 1041a9­‑28; sobre essa e do relâmpago fornecidas
questão, ver Veloso 2004, 385. Cf. Teofrasto, De por Epicuro, mas este
em particular pp. 527­‑536, igne 69, 1­‑3 Coutant. Filho contempla a possibilidade
e 2007. Todavia, a definição de Zeus e de Hera, Hefesto de uma simultaneidade do
do trovão mais completa aí é deus do fogo. acontecimento deles: ver
fornecida como exemplo, a Carta a Pítocles 102­‑103
saber, «um som derivado 386. Deusa do lar, filha de (= Diógenes Laércio x
do fogo que se extingue Cronos e de Reia, irmã de 102­‑103); cf. Lucrécio vi
nas nuvens» (APo. ii Zeus e de Hera. 160­‑172. De facto, no lugar
8, 94a4­‑5), justamente exato em que se produzem,
387. Dizem­‑no os
não espelha a posição pitagóricos: ver APo. ii 11, o relâmpago e o trovão dão­
aristotélica. Essa definição 94b32­‑34. ‑se ao mesmo tempo.
provém de Empédocles e
Anaxágoras, como fica claro 388. Em grego, ekkrisis 390. DK 31 A 63, que inclui
na continuação do presente (369a36), normalmente com Aécio iii 3,7.

145
meteorológicos

sol, enquanto Anaxágoras 391, [o que fica retido] do éter de cima — a que,


de facto, ele chama «fogo» 392—, descido de cima para baixo. [Afirmam,
pois, que] o relâmpago é o brilhar desse fogo através [das nuvens] 393,
enquanto [o] trovão é o barulho e o silvo [desse fogo] quando se extin-
gue 394, entendendo que, tal como aparece, assim também se forma, isto
é, que o relâmpago é anterior ao trovão 395.
20 Mas [é] ilógica também a retenção 396 do fogo em ambos os casos 397,
embora mais a tração para baixo do éter proveniente de cima 398. Pois é
preciso dar a causa de se deslocar para baixo aquilo que por natureza
[se desloca] para cima 399 e porque é que isso acontece no céu apenas
quando [este] está enevoado e não [é] assim de forma contínua — es-
tando bom tempo, não acontece. Com efeito, isto parece ter sido dito
de forma totalmente precipitada. Do mesmo modo, não é convincente
afirmar que a causa disso é o calor proveniente dos raios que fica preso
nas nuvens 400. Com efeito, também essa explicação é dada de maneira
demasiado cómoda 401, pois[, segundo ela,] é necessário que seja sempre
30 algo de distinto e definido 402 a causa do trovão, do relâmpago e dos outros
[fenómenos] desse tipo e que se formem assim. Mas é bem diferente: é
como se alguém acreditasse que a água da chuva, a neve e o granizo
anteriormente já disponíveis são segregados e não gerados, entenden-
do que a condensação que [os] produz [tem] cada um deles sempre à
mão. Ora, é preciso julgar que, assim como aqueles 403 são agregações,

391. DK 59 A 84, que inclui 394. Ver, supra, a nota 383 401. Em grego (369b27)
Aécio iii 3, 4, e Séneca, ao Livro II. há o advérbio apragmonos:
Problemas Naturais ii 12, 3, cf. a citação do Filoctetes
395. O que distingue a
e 19; cf. 59 A 1, 9 de Eurípides (frag. 787
posição de Empédocles e a
(= Diógenes Laércio ii 9) Nauck; 2 Jouan) em EN vi
de Anaxágoras seria apenas
e 59 A 42, 11 9, 1141b32­‑1142a6.
a natureza do fogo.
(= Hipólito, Refutação de
todas as heresias i 8, 1, 11), 396. O termo grego é 402. Ou seja, como
bem como Aristófanes, emperilepsis. escreve Alexandre de
Nuvens 403­‑407. Afrodísias (130, 8­‑10),
397. Isto é, nas posições de «algo de distinto e separado,
392. Na linha 369b15, Empédocles e Anaxágoras. previamente disponível,
a nossa tradução segue que já é em ato algo de
os editores que inserem 398. Esta última é a posição determinado (tode ti) e que
uma vírgula depois de de Anaxágoras. está contido na nuvem».
pur, «fogo». Segundo
399. Cf., acima, o capítulo 7 403. Isto é, a água da chuva,
Aristóteles, «étér» e «fogo»
(365a19­‑21). Tal é o a neve e o granizo.
designam a mesma coisa em
movimento natural do fogo,
Anaxágoras: ver, no Livro I,
para Aristóteles: ver acima,
o capítulo 3 (339b22­‑23).
com a nota 297 ao Livro II.
393. A expressão «brilho 400. É a posição de
através» traduz dialampsis. Empédocles.

146
aristóteles

estes 404 são desagregações 405, de maneira que, se uns desses [fenómenos]


não se geram, mas [já] existem, a mesma explicação convirá a ambos
os casos.
E quanto à captura 406, que outra coisa se pode dizer senão que [é] 370a

como nos [corpos] mais densos 407? Com efeito, também a água se


torna quente sob efeito do sol e do fogo, mas, apesar disso, quando
se condensa de novo e arrefece, solidificando-se, acontece que não se
forma nenhuma emissão como aquela de que eles 408 falam 409. E 410, no
entanto, seria preciso, na proporção do tamanho 411, que o sopro gerado
[na água] pelo fogo produzisse a ebulição e não é possível que esta já
esteja disponível de antemão 412, como tão-pouco eles apresentam o som
como uma ebulição, mas sim como um silvo. Ora bem, também o silvo
é uma pequena ebulição. Com efeito, na medida em que o que cai na
[água], apesar de se apagar, prevalece, ao evaporar-se, produz o som. 10

Há alguns, como também Clidemo 413, que afirmam que o relâmpago


não existe, mas [apenas] aparece 414, comparando[-o] ao fenómeno se-

404. Isto é, o relâmpago e desprenda o relâmpago podem simplesmente conter


o trovão. apenas porque nela fica já o relâmpago de antemão
retido algum calor do sol. e depois libertá­‑lo como
405. Duma mesma coisa, a Todavia, não havia menção se a ebulição não fosse
exalação ou o sopro. a uma «emissão», ekptosis, necessária (como implica o
na exposição da teoria de argumento de Empédocles).
406. Trata­‑se da captura do Empédocles (396b12­‑18). De resto, os autores que
fogo nas nuvens. O termo É na teoria do próprio defendem essa tese admitem
grego é enapolepsis (370a) Aristóteles que essa noção que o relâmpago é um silvo
e equivale a emperilepsis, desempenha um papel — mas o silvo implica uma
«retenção», empregado importante. ebulição.
acima (396b19).
410. Todo o trecho que 413. DK 62, 1. Trata­‑se
407. Aristóteles parece vai de 370a5 a 370a10 é de um discípulo de
querer dizer que não há problemático, sob vários Anaxágoras e não do
razão para supor que o fogo aspetos. historiador ateniense do
fique retido nas nuvens século iv a. C. É a sua
e não nos corpos mais 411. Conforme o manuscrito única menção no corpus
densos. E, haveria um ponto aqui aristotélico, mas Clidemo é
(370a6). Já Alexandre mencionado algumas vezes
408. Empédocles e de Afrodísias (131, 5) por Teofrasto: Sobre as
Anaxágoras. julgava­‑o obscuro devido à sensações 38, 1; História
sua concisão. das Plantas iii 1, 4, 6;
409. Isto é, a retenção
Causas das Plantas i 10, 3,
do fogo nas nuvens é 412. Ou seja, da mesma 7; iii 23, 1, 4 e 2, 3; v 9,
comparável à retenção forma que a evaporação da 10, 7 (= DK 62, 2­‑6). Ver
do calor pela água, que água apenas ocorre depois também Séneca, Problemas
constitui um corpo mais que esta é afetada pelo fogo, Naturais ii 55, 4.
denso. Se, nesse caso, a as nuvens apenas poderiam
água não projeta nenhuma libertar o fogo (relâmpago) 414. Ou: «parece [existir]».
chama, também não depois de serem afetadas O verbo grego é phainesthai.
é lógico que a nuvem pela ação do sol e não

147
meteorológicos

melhante que acontece também quando alguém golpeia o mar com uma
vara: durante a noite, a água aparece brilhando. [Afirmam que,] assim, o
relâmpago é a aparência 415 do brilho quando o húmido é fustigado nas
nuvens. Mas estes ainda não estavam familiarizados com as doutrinas
sobre o reflexo 416, o qual parece ser justamente a causa do fenómeno 417.
Com efeito, a água parece brilhar quando é golpeada, porque a vista 418
é desviada dela 419 para algo de brilhante. Por isso, aliás, isso dá-se mais
20 durante a noite: durante o dia não aparece, pelo facto de a luz do dia,
sendo maior, esconder [o fenómeno].
Em suma, eis quanto é dito pelos outros sobre o trovão e o relâm-
pago: uns, que o relâmpago é um reflexo 420, outros 421, que o relâmpago
é um brilho de fogo através [das nuvens], enquanto o trovão é [a sua]
extinção, sendo que o fogo não se gera em cada um dos fenómenos, mas
está disponível de antemão. Já nós afirmamos que a mesma natureza é,
sobre a terra, vento, dentro da terra, abalo, e, nas nuvens, trovão. Todas
essas coisas são, quanto à essência 422, o mesmo: exalação seca, a qual,
quando flui de um certo modo, é vento, [quando flui] de outro modo,
30 produz os abalos e, mudando nas nuvens e sendo segregada, quando
estas se reúnem e se condensam em água, [produz] trovões, relâmpagos
e, além disso, todos os demais [fenómenos] que são da mesma natureza
que eles 423.
Falou-se tanto sobre o trovão como [sobre] o relâmpago 424.

415. Na linha 370a15, 420. Aristóteles refere­‑se de. Por isso, pode hesitar­‑se
a edição de Fobes, que à tese de Clidemo, mas quanto à sua colocação.
segue o manuscrito J, tem distorcendo­‑a de algum De qualquer forma, isso
phantasin. O manuscrito modo, pois acabou de dizer mostra a continuidade
E traz phantasian, acusativo que este último ignorava o temática entre o Livro II e
do termo mais comum funcionamento do reflexo. o capítulo 1 do Livro III.
phantasia.
421. Empédocles e
416. «Doutrina» traduz Anaxágoras.
doxa e «reflexo» anaklasis
(370a17). 422. O termo grego é ousia
(370a28).
417. Cf. Sobre as sensações e
os sentidos 2, 438a9­‑10. 423. Ver, no Livro III, o
capítulo 1.
418. O significado exato do
termo aqui empregue, opsis, 424. A última frase contém
é objeto de discussão. Ver as a partícula men, que a
notas 28 e 40 ao Livro III. liga à primeira frase do
capítulo 1 do Livro III,
419. Isto é, da água. que justamente contém a
partícula correspondente,

148
livro iii
1. os furacões e outros fenómenos
semelhantes

Mas 1 falemos das restantes obras dessa secreção 2, tratando [delas] do


modo seguido até agora 3.
Esse sopro, quando é expulso aos poucos, se espalha aqui e acolá, se
forma repetidamente, se dispersa e é composto de partículas mais finas,
produz trovões e relâmpagos. Mas, quando é expulso compacto, mais
denso e menos rarefeito, gera-se vento de furacão 4. Por isso também é
violento: a rapidez da expulsão produz a força. 370b10

Quando se acompanha de uma secreção abundante e contínua, [o sopro]


forma-se do mesmo modo que quando, por sua vez, se lança ao contrário 5;
com efeito, forma-se então uma grande quantidade de chuva, isto é, de
água. Tais coisas 6 estão ambas presentes em potência, segundo a matéria 7.
Quando se forma um princípio de qualquer uma das duas potências 8,
segue-se algo de condensado a partir da matéria de qualquer uma das
duas que estiver presente em maior quantidade e forma-se, num caso,
temporal e, no outro — da outra exalação — furacão.

1. Apesar de iniciar um novo «saído de nuvens». em questão concerniria


livro, este capítulo continua Aristóteles já mencionou os à emissão de exalação
a abordagem anterior: ver a furacões: ver, no Livro II, contrária à exalação seca,
nota 424 ao Livro II. o capítulo 6 (365a1­‑6). isto é, húmida, ou então,
Nessa ocasião, a causa àquilo que esta provoca, a
2. A palavra grega é ekkrisis apontada era a ação de saber, a chuva. Dever­‑se­‑ia,
(370b3), traduzida também ventos contrários. Todavia, assim, entender o seguinte:
por «expulsão», como à mais adiante no presente «quando é emitida exalação
frente e em outros locais: capítulo, Aristóteles deixa húmida, contrária à seca».
ver, por exemplo, 370b5, 9, entender que há justamente É a leitura que já propunha
17, 29­‑30, 32. Aristóteles dois casos, do segundo dos Alexandre de Afrodísias
refere­‑se à exalação seca quais estoutro faz parte: ver, (134, 10­‑14).
com esse termo, mas, como respetivamente, 370b10­‑17 e
observa Alexandre de 370b17­‑371a3. 6. Isto é, o sopro e a água.
Afrodísias (133, 5­‑15), trata­
‑se, mais especificamente, da 5. Frase difícil. Poder­‑se­ 7. Trata­‑se da mistura de
exalação seca que é expulsa ‑ia crer que o sujeito exalação seca e exalação
das nuvens com violência: subentendido é o furacão húmida que se condensa
ver, no Livro II, o capítulo 9 ou a exalação seca (que em nuvem e que justamente
(370a29­‑32). «Obra» traduz provoca o furacão) e contém ambas em potência:
ergon. que isso inverteria a ver, no Livro II, os
direção ou procederia em capítulos 3 (358a21­‑24) e 9
3. Ou seja, segundo o direção ao lado oposto. (369a12­‑15).
princípio da dupla exalação, Entretanto, a continuação
estabelecido desde o do texto sugere uma outra 8. O princípio em questão
capítulo 4 do Livro I. interpretação, apesar de seria um qualquer (não
não permitir dar realmente determinado) princípio de
4. «Furacão» traduz conta da construção da atualização de uma dessas
eknephias, literalmente, frase. A contrariedade potências.

151
meteorológicos

redemoinhos

Mas, quando o sopro expulso que está na nuvem bate contra um


outro — como quando o vento é forçado a passar de um [espaço] largo
20 para um estreito através de portas ou de ruas (com efeito, acontece muitas
vezes que, nos [lugares] desse tipo, se forma um círculo, isto é, um
redemoinho 9, do sopro, pois a primeira parte do corpo que flui é recha-
çada [por esses lugares] não permitirem a passagem, ou devido à [sua]
estreiteza ou devido a soprar um vento contrário 10; a parte da frente
impede [então] de avançar, enquanto a de trás empurra, de modo que
[aquela] se vê forçada a deslocar-se para o lado, onde não é impedida,
e assim sucessivamente a [parte] seguinte, até se tornar algo uno), isso é
um círculo. Pois a figura cujo deslocamento é uno é ela mesma também
necessariamente una. Sobre a terra, os redemoinhos formam­‑se, pois,
devido a isso; e de maneira semelhante nas nuvens, no que respeita ao
30 princípio, exceto que, como, quando se forma um furacão, a nuvem
expulsa sempre e gera-se um vento contínuo, também aí segue sempre
a continuidade da nuvem 11. Mas, não podendo ser expulso da nuvem,
devido à densidade [desta], o sopro, primeiro, gira em círculo, pela
371a causa mencionada 12, e depois desloca-se para baixo, pelo facto de as
nuvens se densificarem sempre no lugar onde o quente se escapa 13.

tufões, turbilhões e raios

A esse fenómeno, caso seja incolor, chama-se «tufão» 14, por ser


vento, ou seja, como que um furacão imaturo 15. Mas com os ventos

9. O termo grego é dine 12. Por ser impedido de «turbilhão»: ver abaixo
(370b22). sair da nuvem, de acordo (371a17).
com a comparação feita no
10. Ver, supra, a nota 4 ao parágrafo anterior. 15. Em grego, apeptos
Livro III. (371a3), literalmente «não
13. Ver, no Livro II, o cozido»; sobre esse conceito,
11. Pepe não traduz o tou capítulo 9 (369a17­‑21), a ver o Livro IV. Um furacão
nephous, «da nuvem», da propósito da dispersão do seria imaturo na medida
linha 370b31, seguindo, calor no alto. em que não consegue sair
assim, a proposta de da nuvem, como se deixa
eliminação feita por 14. Se, ao contrário, entender abaixo (371a9­‑10).
Thurot: ver o aparato de é colorido, chama­‑se
Fobes.

152
aristóteles

norte não se forma um tufão, nem, quando trazem neve 16, um furacão,


porque todos esses fenómenos são sopro e o sopro é uma exalação seca
e quente. Ora, o gelo e o frio, por prevalecerem [nos ventos que trazem
neve], extinguem logo o princípio ainda em formação. E que prevalecem é
evidente, pois, senão, não trariam nevões nem chuvas boreais; com efeito,
estes [fenómenos] ocorrem quando o frio é prevalente.
O tufão forma-se, então, quando um furacão em formação não pode 10

ser expulso da nuvem. Isso é devido ao choque do redemoinho  , quando 17

a espiral se desloca para a terra, trazendo consigo a nuvem para baixo,


por não ser capaz de se desprender. E, onde [o tufão] sopra diretamente,
move com o seu sopro, faz girar com o movimento circular e levanta de
maneira violenta aquilo sobre o qual se precipita.
Quando, ao ser puxado para baixo, se inflama (e isso acontece se o
sopro se tornar mais rarefeito), chama-se «turbilhão», pois com a sua
ignição acende ao mesmo tempo o ar, colorindo-o 18. Se um sopro abun-
dante e rarefeito for comprimido na própria nuvem, isso torna-se um raio,
ao qual, se bem rarefeito — por não queimar, devido à rarefação — os 20

poetas chamam «resplandecente»  , mas, se menos [rarefeito] — por


19

queimar —, chamam «fumoso» 20. Aquele, devido à rarefação, desloca-se


e, devido à rapidez [com que se desloca], atravessa [as coisas] antes de
[as] queimar e de [as] enegrecer pela demora. Já o outro, mais lento, cora
[as coisas], mas não [as] queima: passa antes [de isso acontecer]. Por isso,
também as coisas que batem contra [ele] sofrem algo, enquanto as que
não [batem] nada [sofrem]. Por exemplo, [um raio] já derreteu a parte
de bronze de um escudo, enquanto a madeira nada sofreu; com efeito,
devido à rarefação, o sopro, tendo sido filtrado e tendo atravessado, passou

16. A edição de Fobes traz 17. Como observa Groisard, 18. Explicação pela


niptikos ekhonton, que a expressão «choque do etimologia: Aristóteles faz
é uma das duas lições redemoinho» (371a11) derivar o termo prester,
possíveis da primeira mão é ambígua, pois não se «turbilhão», do verbo
do códice E; a outra é compreende se indica pimpremi, «acender».
niptikon ekhonton, enquanto o choque que provoca
a sua correção dá nipheton o redemoinho (assim 19. O termo grego é arges
onton, lição acolhida por entende Alexandre de (371a20); ver, por exemplo,
Louis. A primeira forma Afrodísias, 136, 22­‑23), Homero, Ilíada viii 133.
contém um advérbio, a resistência oposta pelo
niptikos, o que seria um próprio redemoinho à 20. O termo grego é psoloeis
hapax, mas o sentido da expulsão do furacão ou (371a21); ver Homero,
frase é praticamente o o choque contra a terra Odisseia xxiii 330 e xxiv
mesmo nas três lições. provocado pela sua queda. 539.

153
meteorológicos

antes [de queimar]. Da mesma maneira, através da roupa, não queima,


mas produz como que uma raspadura.
Assim, a partir de [factos] desse tipo, está claro que todos eles são
30 sopro 21. Às vezes, é possível observá[-lo] também com os olhos, como
observámos recentemente incendiar-se o templo de Éfeso 22: em muitos
pontos, a chama deslocava-se contínua, embora soltando-se [bocados]
separadamente. Que o fumo é sopro e que o fumo queima, é manifesto
371b e já foi dito antes em outros [lugares] 23. Mas, quando se propaga em
bloco, é então que parece claramente ser sopro. Aquilo mesmo que se
manifesta em pequenas conflagrações dá-se também então e, por ser quei-
mada muita matéria, com muito mais força. Quando, pois, se quebraram
as madeiras em que o sopro tinha origem, este propagava-se em grande
quantidade e em bloco aí onde exalava; e deslocava-se para cima, tendo­
‑se inflamado, de maneira que a chama parecia deslocar-se e precipitar-se
sobre as casas. Com efeito, é preciso crer que o sopro acompanha sempre
os raios e precede[-os]; no entanto, não se vê, pelo facto de ser incolor.
10 Por isso, [o lugar] em que [o raio] está para embater é sacudido antes
de ser atingido, pois o princípio do sopro abate-se antes do raio. Tam-
bém os trovões 24 partem [os corpos], não com o barulho 25, mas porque
simultaneamente se segrega o sopro que produz o impacto e o barulho.
E se embate [nisso], [o sopro] parte[-o], mas não [o] queima.

21. Cf. Séneca, Problemas ao que sugere Düring capítulo 9 (388a2). Ver


Naturais ii 31. 1976 (1966), p. 401, para também GC ii 4, 331b25­‑26.
quem Aristóteles tê­‑los­‑ia
22. Trata­‑se do templo visto apenas aquando da 24. Na linha 371b11, E
de Ártemis de Éfeso, sua estada na Tróade, isto e outros códices trazem
incendiado na noite do dia é, depois da sua partida também kai astrapai, «e
21 de julho de 356 a. C. de Atenas (347 a. C.). relâmpagos», mas Fobes não
por um certo Heróstrato, Pelo que se sabe da vida acolhe essa lição.
a fim de imortalizar o de Aristóteles, em 356 a.
próprio nome: apesar de C. Aristóteles vivia em 25. Não são as qualidades
um decreto de damnatio Atenas (ver Mesquita 2005, sensíveis que agem sobre
memoriae, o seu nome pp. 186­‑187), mas não se os corpos, mas sim os
foi conservado através do pode excluir uma viagem corpos que as possuem: ver
historiador Teopompo; ver a Éfeso. Em compensação, De an. ii 12, 424b10­‑12. De
Plutarco, Alexandre 3, 5; o advérbio nun (371a31), resto, os objetos da ciência
Luciano, Sobre a morte «recentemente», pode ter ou filosofia natural não
de Peregrino 22; Estrabão um sentido bastante amplo, são apenas quantidades e
xiv 1, 22; Eliano, De de modo que não implica qualidades, mas complexos
nat. anim. vi 40; Valério que os Meteorológicos foram categoriais, a saber,
Máximo viii 14, ext. 5; compostos logo depois propriedades concomitantes
Solino, Collect. rerum mem. dessa data: ver Jaeger 1992 mais substâncias. Com
xl 2­‑4. Aristóteles deixa (1923), p. 416, n. 1. efeito, os seus objetos são
entender que foi testemunha obtidos «por acréscimo»
ocular do incêndio, e não 23. Ver acima, no Livro I, (Cael. iii 1, 299a11­‑17).
apenas dos estragos por este o capítulo 4 (341b20­‑21),
provocados, contrariamente e adiante, no Livro IV, o

154
aristóteles

Falámos, pois, sobre o trovão, o relâmpago e o furacão, bem como


sobre o turbilhão, o redemoinho e o raio. E dissemos que todos são o
mesmo 26 e qual a diferença entre todos eles 27.

2. fenómenos devid os ao reflexo:


c o n s i d e r a ç õ e s g e r a i s  2 8

Falemos sobre o halo, o arco-íris, sobre o que é cada um deles e por


que causa se forma, bem como sobre o parélio e o traço de luz 29: também 20

26. A saber, exalação seca. Ademais, o resto do Livro III e um mesmo intérprete


põe ao exegeta problemas pode até levantar hipóteses
27. Dado que menciona sérios, entre os quais diferentes. E mais. A grande
o trovão e o relâmpago, podemos identificar, pelo interpolação central no
o presente texto fecha menos, três principais. O capítulo 5 parece ter sofrido,
não apenas o capítulo 1 primeiro concerne ao que se por sua vez, interpolações
do Livro III, mas toda a chama «raio visual» ou «vista ulteriores. O estado atual
abordagem iniciada no externa», como se torna claro do capítulo 5 seria, pois, o
capítulo 9 do Livro II, o no final deste capítulo, a resultado da concatenação de
que mostra mais uma vez partir de 372a29. Com efeito, várias anotações marginais
a continuidade temática o reflexo que seria a causa que foram progressivamente
entre esses dois capítulos. dos fenómenos que aí serão integradas ao corpo do
Ao mesmo tempo, com ele examinados não diz respeito texto. O terceiro problema
conclui­‑se também a grande propriamente à luz externa é o facto de o capítulo 6
secção sobre «região comum (de resto, o autor ignora a conter uma introdução
à água e ao ar» aberta no refração ou, pelo menos, ao estudo de minérios e
capítulo 9 do Livro I e, até não a distingue claramente metais que dificilmente
mesmo, todo o programa do reflexo), mas sim aos pode ser identificado com o
meteorológico anunciado «raios» que, supõe­‑se, saem Livro IV. Enfim, o Livro III
no capítulo 1 do Livro I, do olho, permitindo a visão. testemunha o caráter, por
se excluirmos uma possível Para além do estupor que tal assim dizer, vivo, ou seja, de
referência ao Livro IV aí teoria pode suscitar em nós, contínuo uso e apropriação,
presente. Neste sentido, o problema é que Aristóteles do corpus aristotélico (um
poder­‑se­‑ia considerar a rejeita firmemente nos pouco como no caso dos
que aqui terminam os textos em que expõe a sua tratados técnicos antigos): ver
Meteorológicos: ver a nota teoria da visão, o que sugere «Introdução», pp. 14-26.
seguinte. a inautenticidade do bloco
central do Livro III (2­‑6). 29. A expressão «traço
28. Os fenómenos que aqui O segundo grande problema de luz» traduz rhabdos,
serão tratados não estão do Livro III encontra­‑se literalmente «vara», já usado
anunciados na lista do no capítulo 5, que fornece nesse sentido no Livro II,
início do Livro I; e alguns uma explicação geométrica capítulo 9 (370a13). Mas
estudiosos consideram que o da forma­‑tamanho do não se sabe o que o autor
trecho em que está inserida a arco­‑íris: independentemente entende por esse nome.
promessa (i 7, 344b17­‑18) de da questão anterior, o
um tratamento posterior da seu texto está claramente
causa do halo (o que é feito corrompido. Embora já haja
em iii 2) é uma interpolação. consenso entre os intérpretes
Na verdade, a autenticidade mais recentes acerca do
desse prólogo também já foi caráter interpolado desse
questionada, mas, autêntico capítulo (para quem julgasse
ou não, ele constituiria um inautêntico o conjunto dos
testemunho de uma versão capítulos 2­‑5 do Livro III,
ou de um certo estado do tratar­‑se­‑ia de uma
texto. Por outras palavras, interpolação na interpolação),
pode afirmar­‑se, pelo menos, a determinação da extensão
que o resto do Livro III não exata das interpolações varia
faz parte do projeto inicial. conforme cada intérprete

155
meteorológicos

todos esses [fenómenos] se dão pelas mesmas causas, uns para os outros 30.
Mas, primeiro, devemos estabelecer as propriedades e as circunstâncias 31
que rodeiam cada um deles.
Do halo, muitas vezes aparece um círculo inteiro e forma-se à volta
do sol, da lua e dos astros brilhantes, não menos à noite do que de dia,
à volta do meio-dia ou à tarde; menos frequentemente de madrugada e
ao pôr-do-sol.
Já do arco-íris jamais se forma um círculo, nem uma secção maior
do que um semicírculo. Quando o sol se põe ou se eleva, sendo mínimo
o círculo, máximo é o arco 32; mas, quando o sol está mais alto, sendo
30 maior o círculo, o arco é menor. Depois do equinócio de outono 33, nos
dias mais curtos, forma-se a qualquer hora do dia, enquanto nos dias de
verão não se forma à volta do meio-dia. E não se formam simultanea-
372a mente mais do que dois arco-íris 34. Destes, cada um é tricolor 35 e para
ambos as cores são as mesmas e iguais em número, mas mais ténues
no de fora e dispostas ao contrário, quanto à posição. Com efeito, o de
dentro tem a primeira circunferência, a maior, vermelha, enquanto o de
fora [tem vermelha] a mais pequena mais próxima daquela; e as outras
[cores dispõem-se de modo] análogo. Estas cores são praticamente as
únicas que os pintores não conseguem produzir. Com efeito, algumas
eles obtêm misturando, mas o vermelho, o verde e o roxo não se formam

30. O «também» contém não oporinen, «do fim do 15 K, e Olimpiodoro, 218,


uma possível alusão à verão», lição de E, adotada 34­‑35; 242, 26.
exalação seca ou à dupla por Louis.
exalação, princípio em
que está baseada a longa 34. É raro, mas é possível
abordagem que se conclui observar, ainda que com
com o capítulo anterior. dificuldades, mais de
Como será dito um pouco dois arcos­‑íris ao mesmo
adiante (372a18), o novo tempo. Cf. [Aristóteles],
princípio é o reflexo, Problemas xii 3, 906b31.
anaklasis, nomeadamente o
reflexo nas nuvens. 35. De facto, o autor
entende que são três
31. «Propriedade» traduz as cores principais: ver
pathos e «circunstância», capítulo 4 (374b30­‑375a4).
sumbainon (371b21­‑22). De qualquer forma, como
32. Isto é, a secção do observa Thillet, já na
círculo. Antiguidade havia quem
identificasse sete: ver
33. Lendo em 371b30 Galeno, Sobre a utilidade
metoporinen, lição do códice das partes do corpo
J, adotada por Fobes, e humano 3, 771, 2­‑3 K e 772,

156
aristóteles

por mistura 36; e o arco-íris tem essas cores. Porém, o intervalo entre o


vermelho e o verde aparece muitas vezes amarelo. 10

Parélios e traços de luz formam-se sempre ao lado [do sol], mas não
acima [dele], nem para a terra 37, nem do lado oposto [do sol], nem,
é claro, de noite, mas sempre perto do sol e, ademais, quando este se
levanta ou se põe, embora a maior parte das vezes durante o pôr-do­
‑sol; raramente, se é que alguma vez, quando o sol está no zénite, como
ocorreu uma vez no Bósforo: dois parélios que se levantaram [com o sol]
permaneceram durante o dia todo, até ao pôr-do-sol.
Estas são, pois, as circunstâncias que rodeiam cada um deles. E a
causa de todos eles é a mesma: estes [fenómenos] são todos reflexo, mas
diferem nos modos e nas coisas a partir das quais [o reflexo se produz],
bem como conforme aconteça que o reflexo se forme na direção do sol 20

ou na direção de algum outro dos [astros] brilhantes.


E 38 um arco-íris forma-se durante o dia, mas, segundo acreditavam
os antigos, à noite, a partir da lua, não se formaria. Incorreram nessa
[crença] por causa da raridade: [o fenómeno] passou-lhes despercebido.
Forma-se, sim, só que se forma poucas vezes. E a causa é que na escuridão
as cores passam despercebidas, além de que é preciso que muitas outras
[circunstâncias] ocorram e todas elas num mesmo dia do mês. Com
efeito, é necessário que o que está para acontecer se dê na lua cheia e
quando a lua se levanta ou põe. Por isso mesmo, em mais de cinquenta
anos encontrámos 39 [esse fenómeno] apenas duas vezes.

36. Costuma notar­‑se que, geração das cores, a saber, fora do lugar e invertem a
apesar de demonstrar justaposição, sobreposição e ordem deste parágrafo e do
familiaridade com a mistura, sendo esta última anterior.
mistura das cores por a que ele adota como causa
parte dos pintores, o principal. Todavia, a rigor, 39. Provavelmente não se
autor se confunde na segundo esse texto, todas as trata de observação pessoal
identificação das cores cores derivam da mistura do autor, pois, que ele seja
primárias. Mas ele pode do branco e do negro (4, ou não Aristóteles (que
querer dizer simplesmente 442a12 seg.). É verdade teria morrido entre os 60
que as principais cores e 70 anos: ver Mesquita
que os pintores não sabem
intermediárias seriam o 2005, p. 172), tal lembrança
reproduzir, por mistura
vermelho, o roxo, o verde e deveria remontar à sua
de cores artificiais, o
o azul, mas o amarelo é de infância, o que seria
brilho ou o tom de certas
algum modo assimilado ao estranho. Tratar­‑se­‑ia, assim,
cores naturais, como
branco, do mesmo modo de experiência coletiva e a
sugere Brécoulaki 2006, informação teria sido obtida
que o cinza ao preto.
pp. 447­‑450, bem como a partir do testemunho de
Thillet. É costume também 37. Isto é, abaixo do sol. pessoas mais velhas.
remeter para Sens. 3­‑4,
onde Aristóteles levanta 38. Alguns consideram que
três hipóteses sobre a as linhas 372a21­‑29 estão

157
meteorológicos

30 De que a vista 40 se reflete, tal como a partir da água, também a partir


do ar e de todas as coisas que têm a superfície lisa, é preciso então abraçar
a convicção, com base no que foi mostrado nos [estudos] sobre a vista 41,
e que, por isso, nalguns espelhos aparecem também as figuras, enquanto
372b noutros apenas as cores. São deste último tipo os espelhos pequenos,
isto é, que não comportam nenhuma divisão percetível 42. Com efeito,
nestes é impossível que apareça a figura (pois pareceria estar dividida,
já que toda a figura parece simultaneamente ser uma figura e compor-
tar uma divisão43); porém, uma vez que algo aparece necessariamente
[neles] e é impossível que seja isso 44, resta que apareça apenas a cor.

40. Em grego, opsis (372a29). posterior, que justamente compõe, ele mesmo, um
Em Aristóteles, este aceitava a teoria da «vista tratado completo de óptica
termo designa sobretudo externa»: ver «Introdução», geométrica pode confiar
a vista, entendida como pp. 20­‑26. nos tratados que tem à sua
capacidade de ver, mas disposição», mas sim que,
também pode designar 41. No corpus aristotélico apesar da existência de uma
outras coisas relacionadas, que possuímos, não parece certa divisão do trabalho
tais como a visão (o ato haver uma passagem que intelectual (até mesmo
de ver), a aparição (o facto realmente corresponda a no interior do Liceu), um
de ser visto), a própria esta referência. Tratar­‑se­‑ia, «filósofo» pode não confiar
coisa vista e até mesmo o então, de uma remissão cegamente nos estudos
olho; como o português a tratados de óptica de especializados de outrem e
«vista» também admite outros autores, anteriores ou questioná­‑los, pelo menos
uma certa polissemia, contemporâneos? É possível; quando estes defendem
resolveu­‑se manter esta de resto, temos notícias teses que extrapolam a
tradução. Alguns intérpretes sobre a existência de tais sua especialidade e que
observam que, aqui, se estudos. Por exemplo, em lhe parecem aberrantes.
trata precisamente do «raio Metaph. xii 8, 1073b1­‑7, De qualquer forma, a
visual que sai do olho» ou Aristóteles delega aos explicação geométrica da
«vista externa». Neste caso, matemáticos a determinação forma do halo e do arco­‑íris
haveria uma contradição do número exato de que será fornecida nos
clara com a teoria da «esferas celestes». Todavia, próximos capítulos e que
visão exposta em De an. se os estudos especializados justamente se baseia na
ii 7 (cf. iii 12, 435a4­‑10) de óptica disponíveis teoria dos «raios visuais»
e principalmente em Sens. se baseavam na teoria constitui o único texto de
2 (437a10 seg.), onde da «vista externa», uma óptica geométrica anterior
Aristóteles critica duramente remissão sem mais a tais à Óptica e à Catóptrica
a teoria dos «raios visuais» estudos seria surpreendente, atribuídas a Euclides que
exposta por Platão no já que Aristóteles condena tenha chegado até nós.
Timeu (45b­‑e), teoria que essa teoria noutros
Aristóteles parece atribuir trabalhos; ver, supra, as 42. Ver Sens. 6, 446a4­‑16,
também a Empédocles, notas 28 e 40 ao Livro assim como [Aristóteles],
assim como ao matemático III. E se efetivamente Pr. i 51, 865b11­‑14.
Hipócrates de Quios: Aristóteles não é o autor
ver acima, no Livro I, os da presente abordagem 43. Frase obscura.
capítulos 6 (342b35­‑343a20) dos fenómenos devidos ao
reflexo da «vista externa», 44. Isto é, a figura.
e 8 (345b9­‑12). Em nosso
entender, toda a parte os Meteorológicos ensinam,
central do Livro III (2­‑6) é não, como pretende
inautêntica. O autor pode Merker 2002, p. 187, que
ser um membro do Liceu, «na época de Aristóteles,
contemporâneo e/ou pouco um filósofo que não

158
aristóteles

A cor dos [corpos] brilhantes ora aparece brilhante, ora, por se misturar
com a do espelho ou pela fraqueza da vista, produz aí uma aparição 45
de outra cor.
Mas, sobre isso, valha o que foi considerado por nós nos [estudos] 10

expostos sobre os sentidos 46. Por isso, digamos algumas [dessas] coisas,


mas sirvamo-nos das demais como estando já disponíveis.

3. o halo

Falemos primeiro da figura do halo, [dizendo] porque é que se for-


ma um círculo e porque é que [se forma] à volta do sol ou da lua, bem
como de alguns outros astros: a mesma explicação aplicar-se-á a todos
[os casos].
O reflexo da vista forma-se, então, quando o ar e o vapor se condensam
em nuvem — se por acaso [o vapor] se condensar de maneira uniforme
e em partículas. Por isso, a condensação é sinal de chuva, enquanto
as dispersões e as dissipações 47 são, estas, [sinal] de bom tempo e, as
dispersões, de vento. Com efeito, se [o vapor] 48 não se dissipar nem 20

se dispersar, mas lhe for permitido retomar a sua própria natureza, é


verosimilmente sinal de chuva, pois indica que já se está a formar uma
condensação tal que dela, se o adensamento adquirir continuidade,
[o vapor] necessariamente passará a chuva. Por isso também, quanto à
coloração, estas 49, mais do que as outras, tornam-se escuras 50.

45. O termo grego é 48. Alguns intépretes 372b25. Alguns intérpretes


phantasia (372b8­‑9). entendem o próprio halo. acreditam que se trate
Gramaticalmente, não é dos próprios halos, cujo
46. Considera­‑se como uma possível que se trate de nome grego é feminino.
remissão para o Sobre os «nuvem», pois o nome Ver adiante, no Livro III, o
sentidos e os sensíveis, mas grego nephos é neutro e, capítulo 4 (374a1­‑3).
seria surpreendente remeter pouco mais adiante, na
para um texto que está linha 372b22, temos um 50. Ou «negras».
abertamente em contradição pronome feminino: hautes, O termo grego é melaina
com o que é sustentado «dela mesma», aqui, «sua (372b25), que comporta
aqui sem a menor própria». Bem entendido, os dois significados. Na
advertência: ver, supra, as atmis, «vapor», também é continuação, o adjetivo e os
notas 28 e 40 ao Livro III. feminino. seus congéneres serão quase
sempre traduzidos assim.
47. «Dissipação» traduz 49. Não está claro o
maransis (372b9), também antecedente do pronome
traduzido por «extinção»: feminino hautai na linha
ver o Livro IV.

159
meteorológicos

Quando [o vapor] se dispersa, é sinal de vento, pois a divisão dá-se


por efeito de um vento que já existe [nas alturas], mas ainda não está
presente [no chão] 51. Um sinal disso é que o vento provém de onde
prevalece a dispersão. Mas quando [o vapor] se dissipa, [é sinal] de bom
30 tempo. Com efeito, se o ar não tem como dominar o [corpo] quente
n[ele] contido, nem chegar ao adensamento em água, é evidente que o
vapor ainda não se separou da exalação seca e ígnea. E isto é responsável
pelo bom tempo.
Foi dito, pois, como deve estar o ar para que se dê o reflexo.
373a A vista reflete-se a partir da névoa que se condensa à volta do sol
ou da lua. Por isso, [o halo] não aparece do lado oposto [a esses astros],
como [aparece] o arco-íris. Uma vez que é refletida de toda a parte do
mesmo modo, é necessariamente um círculo ou parte de um círculo.
Com efeito, as [linhas] iguais que vão de um mesmo ponto a um mesmo
ponto sempre serão quebradas na linha de um círculo.
Sejam 52, a partir do ponto A até [ao ponto] B, as [linhas] quebradas
AΓB, AZB e AΔB. Estas [linhas], AΓ, AZ e AΔ, são iguais entre si e
10 também, entre si, as que vão para B, como ΓB, ZB e ΔB. Acrescente-se a
[linha] AEB, de modo que os triângulos [sejam] iguais, pois estão sobre
a [linha] igual [para todos], AEB. Sejam, pois, traçadas perpendiculares
sobre AEB a partir dos ângulos: de Γ, a [linha] ΓE, de Z, a ZE, de Δ, a

51. Ver ii 4, 361a26­‑29.

52. O manuscrito E, fol. 161


r, e alguns outros trazem
um diagrama (ver abaixo).
Todavia, não é satisfatório
em relação ao texto, pois
pode dar a impressão de
que os segmentos AE e BE
devem ser iguais. Ora, o
olho está, evidentemente,
bem mais perto da nuvem
que o sol.
K

I L J
opsis (olho) helios (sol)

160
aristóteles

ΔE. Estas [são] então iguais, já que [estão] em triângulos iguais, e todas
num único plano, pois [estão] todas em [ângulos] retos em relação à
[linha] AEB e juntam-se num único ponto, E. Por conseguinte, a [linha]
que se desenha será um círculo, cujo centro é o [ponto] E. O [ponto] B
é o sol, o A, a vista 53 e a circunferência [que passa] por ΓZΔ, a nuvem
a partir da qual a vista se reflete em direção ao sol 54.
Devemos pensar os espelhos como um contínuo; todavia, devido à
pequenez, cada um é invisível, enquanto o [conjunto] de todos parece 20

ser algo único  , por estarem em sucessão.


55

O branco 56 [do halo], [isto é,] o sol — que aparece num círculo
contínuo, em cada um dos espelhos, e sem nenhuma divisão percetí-
vel 57 —, aparece mais junto à terra, pelo facto de haver menos ventos;
com efeito, quando há sopro, é manifesto que não há estabilidade. Ao
lado dele, escura, a circunferência contígua parece ser [ainda] mais escura
devido à brancura da outra.
Os halos formam-se mais vezes à volta da lua, porque o sol, sendo mais
quente, dissolve mais rapidamente as condensações do ar. E formam-se à
volta dos [outros] astros pelas mesmas causas, mas não [são] igualmente 30

assinaladores [do tempo]  , porque evidenciam condensações mínimas e


58

ainda não fecundas.

4. o arco-íris

Foi dito antes que o arco-íris é um reflexo 59, mas digamos agora que
reflexo é e como e por que causa se forma cada uma das circunstâncias
que o rodeiam. A vista é, pois, manifestamente refletida a partir de todas
as coisas lisas e destas fazem parte tanto o ar como a água. E [isso] dá-se 373b

no ar quando calha que [este] esteja condensado. Mas, pela fraqueza da


vista, muitas vezes [o ar] produz um reflexo mesmo sem condensação,

53. Isto é, o olho. 55. Isto é, uma unidade. 58. Ver acima, neste capítulo


(372b20­‑33).
54. Linha 373a19: aqui, o 56. Em grego, leukon. Este
manuscrito E, e somente termo será traduzido, às 59. Ver, no Livro III, o
este, tem o demonstrativo vezes, por «claro». capítulo 2 (372a17­‑18).
hode, «isto», que introduz
um desenho no texto. 57. Ver, no Livro III, o
capítulo 2 (372a33­‑372b6).

161
meteorológicos

como um fenómeno que certa vez acontecia a alguém que via fracamente
e sem acuidade 60: parecia-lhe sempre que, enquanto andava, um vul­
to 61 — que olhava para ele de frente — o precedia. Isso sucedia[-lhe]
pelo facto de a vista se refletir em direção a ele. Com efeito, [a vista] era
tão fraca e tão completamente rarefeita, devido à doença, que mesmo o
ar circundante se tornava um espelho e ela não [o] conseguia rechaçar,
à semelhança do [que nos acontece quando olhamos para o que está]
10 longe e denso. Por isso mesmo, vemos os promontórios elevarem-se no
mar e [vemos] maior o tamanho de tudo quando sopram os ventos do
leste, como também através da névoa 62: por exemplo, o sol e os astros,
quando se erguem e se põem, [são] mais [visíveis] do que quando estão
no alto. [A vista] reflete-se principalmente a partir da água — e a partir
da água que começa a formar-se mais ainda do que no ar. Com efeito,
cada uma das partículas que, ao condensarem-se, formam a gota de água
é necessariamente mais espelho do que a névoa. E uma vez que é evidente
— e já foi dito antes 63 — que em tais espelhos aparece somente a cor,
20 enquanto a figura é invisível, é necessário que, quando a chuva começa a
formar-se e o ar [presente] nas nuvens já se condensa em gotas de água,
mas ainda não chove — e se do lado oposto está o sol ou outro [corpo]
suficientemente brilhante para que a nuvem se torne espelho e o reflexo
se forme do lado oposto em relação ao [corpo] brilhante —, se forme
uma aparição de cor, mas não de figura. Já que cada um dos espelhos é
pequeno e invisível, mas se vê a continuidade da extensão constituída por
todos eles, necessariamente aparece uma extensão contínua da mesma cor.
Com efeito, cada um dos espelhos devolve a mesma cor que o contínuo.
30 Por conseguinte, uma vez que é possível que isto aconteça, quando o
sol e a nuvem se encontrarem assim 64 e nós estivermos no meio deles,
haverá, devido ao reflexo, uma certa aparição. E é então e não em outras
[circunstâncias] que vemos formar-se o arco-íris.

60. Ou «que aos poucos pois aí não está em questão 62. Cf. [Aristóteles],
via sem acuidade». Alguns um problema de vista: ver Pr. xxvi 53, 948a33­‑34.
intérpretes identificam esse Veloso 2002, pp. 104­‑105.
63. Ver, no Livro III, o
indivíduo com o Antiferonte capítulo 2 (372a33­‑372b6).
de Oreu de que fala 61. «Vulto» traduz eidolon
Mem. 1, 451a, 8­‑12, mas (373b5). 64. Isto é, em frente um do
a identificação é gratuita, outro.

162
aristóteles

Fica, pois, claro que o arco-íris é um reflexo da vista em direção ao


sol. E por isso se forma sempre do lado oposto [ao sol], enquanto o halo
forma-se à volta dele. Mas ambos são reflexo, embora a variedade das
cores, pelo menos, seja diferente: num caso, o reflexo forma-se a partir 374a

da água, isto é, de algo escuro e longe [do sol], enquanto, no outro, perto
[do sol] e a partir do ar, mais branco na sua natureza.
O que brilha através do escuro ou no escuro (não há diferença ne-
nhuma 65) aparece vermelho; pode ver-se o fogo, pelo menos de lenha
verde, porque tem chama vermelha, pelo facto de o fogo, que é brilhan-
te e branco, estar misturado com muito fumo. Também o sol aparece
vermelho devido à névoa e ao fumo 66. Por isso, o reflexo do arco-íris,
o primeiro 67, parece ter uma tal coloração (pois o reflexo forma-se
sempre de pequenas gotas), enquanto o do halo não. Sobre as outras 10

cores falaremos depois.


Ademais, à volta do próprio sol, não se dá uma permanência desse tipo
de condensação, mas ou chove ou [a condensação] dissipa-se. Porém, nos
lugares opostos [ao sol], passa um certo tempo no intervalo da formação
da água 68. Se isso não acontecesse, os halos seriam coloridos como o
arco-íris. Efetivamente, [à volta do sol] não se dão [fenómenos] inteiros
com tal aparição 69, nem em círculo, mas [sim] pequenos [fenómenos]
parcialmente [coloridos], que são chamados «traços de luz»; pois, se se
condensasse uma névoa tal como a que surge da água ou de alguma
outra [coisa] escura, como dizemos, apareceria o arco-íris inteiro, como 20

aquele [que se forma] à volta das lamparinas.


Com efeito, à volta destas forma-se um arco-íris, na maioria das vezes
no inverno, quando há ventos sul, e é visível principalmente para os que
têm os olhos húmidos, pois a vista deles é refletida rapidamente, devido
à fraqueza. E forma-se a partir tanto da humidade do ar 70 como da
fuligem que vem da chama e se mistura [com o ar]. Nessa altura, torna­
‑se espelho também devido à escuridão, pois a fuligem é fumosa. A luz

65. Ver, no Livro III, o 67. Isto é, a faixa exterior. 70. Segundo o texto do


capítulo 6 (377b11­‑13). manuscrito J, seguido
68. Isto é, até que se forme por Fobes em 374a24.
66. Cf. Sens. 3, 440a10­‑12, água. O manuscrito E, seguido
onde o exemplo é citado
69. Aqui, «aparição» traduz por Louis, traz um texto
a propósito da hipótese
da geração das cores por emphasis (374a16). que, traduzido, daria: «a
sobreposição. partir do ar, devido à
humidade».

163
meteorológicos

da lamparina não é branca, mas aparece purpúrea, em círculo e com


o aspeto de um arco-íris, embora sem o vermelho. Com efeito, a vista
refletida é pouca e o espelho, escuro 71.
30 O arco-íris proveniente dos remos que se levantam do mar forma­
‑se, quanto à posição, da mesma maneira que o [arco-íris] no céu, mas,
quanto à cor, é mais parecido com o [que se forma] à volta das lampa-
rinas, pois vemos que tem a coloração não vermelha, mas purpúrea. E o
reflexo forma-se a partir das gotas pequeníssimas e contíguas; mas estas
374b são água já completamente segregada. E forma-se também se se asperge
com finas gotas de água alguma zona desse tipo que, quanto à posição,
esteja voltada para o sol e da qual o sol ilumine uma parte, mas deixe
a outra na sombra. Com efeito, numa [zona] desse tipo, se se asperge o
lado de dentro, aparece um arco-íris para quem esteja do lado de fora,
onde os raios de sol param e fazem sombra. O modo, a coloração e a
causa são os mesmos que no [caso do arco-íris] proveniente dos remos,
pois aquele que asperge usa a mão como um remo.
Que a cor é tal 72, ficará claro — ao mesmo tempo também a propó-
sito das outras cores da aparição 73 — a partir do que segue. É preciso,
10 tendo-se compreendido, como foi dito 74, e estabelecido: primeiro, que o
brilhante no escuro ou através do escuro produz [o] vermelho; segundo,
que a vista, quando se projeta 75, torna-se mais fraca e escassa; terceiro,
que o escuro é como que uma negação 76, pois o escuro aparece por
a vista faltar (por isso, as coisas distantes parecem todas mais escuras,
pelo facto de a vista não [as] alcançar); 77 Estas [coisas] sejam então
examinadas de acordo com o que acontece nas sensações, pois as expli-

71. Isto é, também à volta 72. Isto é, vermelha. de Afrodísias (155,


das lamparinas existem 10­‑11), tem apoteinomene,
condições para se formar 73. Aqui, «aparição» traduz que reaparece no final do
um arco­‑íris: uma fonte phantasia (374b8). capítulo, em 375a32­‑33.
de luz (que neste caso não
é branca, mas purpúrea, 74. Ver acima, neste capítulo 76. Cf. Sens. 4, 442a25­‑26;
o que afeta as cores do (374a3­‑4). De an. ii 7, 418b19.
arco­‑íris que se vai formar);
75. Em 374b11­‑12, Fobes, 77. Anacoluto.
a humidade do ar e a
assim como Louis, acolhe
escuridão da fuligem que,
a lição do manuscrito E,
juntos, vão formar um
ekteinomene, «quando se
espelho negro onde a luz
estende». Mas J, bem como
da lamparina e os raios da
a paráfrase de Alexandre
vista humana se refletem.

164
aristóteles

cações daquelas são próprias destas 78. Mas agora falemos disto apenas
na medida do necessário.
É, pois, por esta causa que as coisas distantes aparecem mais escuras,
mais pequenas e mais lisas, bem como as coisas nos espelhos, e que as 20

nuvens [aparecem] mais escuras aos que olham para a água do que [aos
que olham] para as próprias nuvens. E isto é de todo evidente: devido
ao reflexo, são observadas com pouca vista 79. E não faz diferença que
mude aquilo que é visto ou a vista, pois de ambas as maneiras será o
mesmo 80. Para além disso, não devemos esquecer também o seguinte:
acontece que, quando a nuvem está perto do sol, não aparece, absolu-
tamente, colorida a quem olha, mas sim branca, enquanto, para quem
observa isso mesmo na água, tem alguma cor do arco-íris. Fica evidente
assim que a vista, quando se quebra [por causa do reflexo], devido à
[sua] fraqueza, faz aparecer o negro mais negro e o branco menos 30

branco, isto é, aproxima-o do negro. A vista mais forte muda, pois, uma
cor para o vermelho, enquanto a que vem depois 81, para o verde, e a
ainda mais fraca, para o roxo. Mas, além [dessas cores], não aparecem
mais; é no três que têm o seu limite, como também na maioria das ou-
tras coisas 82. E a mudança das outras [cores] é impercetível. Por isso, 375a

também o arco-íris parece tricolor, tanto como o outro [quando há dois


arcos-íris], mas [têm as cores] em ordem contrária. O primeiro tem o
[arco] exterior vermelho, pois a maior parte da vista incide sobre o sol a
partir da circunferência maior; e a exterior é a maior. A [circunferência]
seguinte e a terceira de modo análogo. Assim, se falámos corretamente
sobre a aparência das cores, necessariamente ele 83 é tricolor, isto é, é
colorido apenas com essas três cores.

78. Afirmação pouco clara, caso, a sua inserção na sentido, o autor não se


mas que parece querer meteorologia torna­‑se ainda refere à conceção canónica
dizer que, para o autor, a mais problemática. de Aristóteles, conceção
teoria explicativa destes segundo a qual não há
fenómenos seria uma parte 79. Isto é, o reflexo interfere qualquer raio que saia do
da teoria geral da sensação. na visão, diminuindo a sua olho.
O autor poderia entender acuidade.
81. Isto é, que é menos
que os princípios que 80. Ou seja, o afastamento forte.
explicam estes fenómenos pode ser devido a um
são princípios próprios deslocamento do objeto 82. Cf. Cael. i 1, 268a10­‑11.
da teoria das sensações e, visto ou ao facto de a
portanto, que a ciência que vista dever percorrer 83. O arco­‑íris.
os estuda está subordinada uma distância maior por
à ciência da sensação. Neste causa do reflexo. Neste

165
meteorológicos

O amarelo aparece pelo facto de [estas cores] aparecerem ao lado


umas das outras. Com efeito, o vermelho aparece claro ao lado do
10 verde. Um sinal disso: na nuvem mais escura, forma-se um arco-íris
particularmente sem mistura. Acontece, então, que o vermelho parece ser
mais amarelo. No arco-íris, o amarelo é uma cor entre o vermelho e o
verde 84. Devido à negridão da nuvem circundante, todo o seu vermelho
aparece claro: é claro em relação àquelas. E, ainda, quando o arco-íris
está muito perto de se extinguir 85, quando o vermelho se dissolve. Com
efeito, sendo branca, quando cai ao lado do verde, a nuvem muda para
o amarelo. O principal sinal desses [fenómenos] é o arco-íris que vem da
lua, pois aparece completamente branco. E isto acontece porque aparece
20 numa nuvem carregada e de noite. Como fogo sobre fogo 86, o negro
ao lado do negro faz o que é ligeiramente branco aparecer totalmente
branco; esse é [o caso d]o vermelho 87.
Este fenómeno também se torna manifesto nos furta-cores 88: nos
tecidos e nos bordados, as cores diferem de modo extraordinário 89 na
aparência quando estão postas ao lado doutras, por exemplo, os purpúreos
sobre lã branca ou preta, e, ainda, sob uma iluminação com estas ou
aquelas características. Por isso, os bordadores dizem que muitas vezes
se enganam nos seus furta-cores quando trabalham à luz das lamparinas,
tomando uns por outros.
Foi, pois, dito porque é que o arco-íris é tricolor e aparece apenas
30 com essas três cores. O [arco-íris] que envolve [o primeiro] tem o dobro
[da largura] e é mais indistinto nas suas cores; e também tem, quanto
à posição, as colorações dispostas em ordem contrária, pela mesma
causa 90. Com efeito, a vista que é estendida por uma distância maior vê

84. Para alguns intérpretes, 87. Já se propôs eliminar 89. Ou «indescritível»: em


esta frase estaria no lugar esta última frase. grego, amutheton. Neste
errado (cf. iii 2, 372a9­‑10) caso, essa observação sobre
ou seria uma glosa inserida 88. O termo grego é o caráter inexprimível de
no texto. anthe, literalmente uma sensação pode não ser
«flores» (375a28). Em anódina: ela pode denotar
85. Texto difícil. Alguns Platão, R. viii 557c e uma conceção segundo a
tradutores não traduzem [Aristóteles], Col. 4, qual nenhum discurso é
eggutata, «muito perto», em 794b3, 6, parece designar realmente capaz de exprimir
375a15, ou traduzem­‑no cores ou tons, mas também a sensação como tal.
segundo uma construção da parece poder adquirir um
frase diferente. sentido mais técnico de 90. Na verdade, a inversão
«trabalhos de tecelagem»; da ordem das cores faz
86. Trata­‑se de um ditado, ver Olimpiodoro, 250, 5. intervir um outro princípio
ver Resp. 4, 472b5; Platão, explicativo: ver, acima,
Lg. ii 666a. 375a2­‑3.

166
aristóteles

como algo [que está] mais longe, e do mesmo modo o [que está] aqui.
O reflexo proveniente do [arco] exterior torna-se, pois, mais fraco pelo 375b

facto de o reflexo se produzir mais longe, de modo que, por incidir me-
nos [sobre o sol], faz as cores aparecerem mais indistintas. E em ordem
inversa, porque [a vista] incide mais sobre o sol desde a circunferência
menor, isto é, desde a [circunferência] interior. Estando 91 mais próxima
da vista, reflete-se desde a circunferência mais próxima do primeiro
arco-íris 92. Ora, a [circunferência] mais próxima, no arco-íris exterior, é
a circunferência mais pequena, de modo que esta terá a cor vermelha; e,
segundo [esse mesmo] princípio, a seguinte e a terceira.
O arco-íris exterior é B; o interior, o primeiro, é A. Quanto às co- 10

res, Γ, o vermelho; Δ, o verde; E, o roxo; e o amarelo aparece em Z  . 93

Não se formam três arcos-íris, nem mais, pelo facto de mesmo o


segundo [já] ser mais indistinto, de modo que o terceiro reflexo seria de
todo fraco e incapaz de chegar até ao sol.

5. explicação geométrica
d a f o r m a - ta m a n h o d o a r c o - í r i s

Que do arco-íris não é possível formar-se nem um círculo, nem um


segmento maior do que um semicírculo, assim como acerca das outras
circunstâncias que o rodeiam, ficará claro a quem examinar a partir
deste desenho 94.

91. O manuscrito E omite o 93. Os manuscritos trazem pelo manuscrito E (fol. 164 v),
particípio ousa. um desenho próximo mas não contém acréscimos
deste, que reproduz o do devidos às prováveis
92. Texto problemático. manuscrito J, fol. 125 v: interpolações presentes no
Como observa Groisard, texto a partir de 375b30.
os sujeitos estão B
indeterminados e não A
poderiam ser o mesmo, já M
A
que o que está mais perto
da vista, isto é, do olho, é
E T T E
a faixa inferior do segundo
H
Z Z
N
arco­‑íris, enquanto o que é K O
refletido a partir desta é a 94. Os manuscritos trazem
própria «vista», entendida diagramas diferentes: ver
como «raio que sai do Louis, ad loc. O diagrama N
olho». abaixo inspira­‑se no fornecido

167
meteorológicos

20 Estando um hemisfério sobre o círculo do horizonte A 95, [sendo


o seu] centro K 96 e H um outro ponto que se levanta [sobre o hori­
zonte] 97: se linhas [que partem] de K, caindo como um cone 98, fazem
da [linha] HK como que um eixo 99 e se, sendo conduzidas de K a
M 100, se refletem 101 a partir do hemisfério em direção a H conforme o
maior ângulo, as [linhas que partem] de K cairão sobre a circunferência
de um círculo 102. E, se o reflexo se forma quando o astro se levanta
ou se põe, será recortado pelo horizonte um semicírculo, a [parte] do
círculo que está sobre a terra. Mas se [o reflexo se produz quando o
astro] está acima [do horizonte], será sempre mais pequeno do que um
semicírculo; e será mínimo quando o astro se encontrar no meio-dia.

p r i m e i r o c a s o : n o l e va n ta r - s e d o a s t r o

30 Esteja primeiro [o astro] no [seu] levantar-se onde [está] o


[ponto] H. Que [a linha] KM se reflita 103 em direção a H e que seja
projetado o plano <no qual está a [linha] A> 104, aquele que vem do
triângulo HKM. A secção da esfera será, então, o círculo maior; seja
o [círculo] A 105: não fará nenhuma diferença qualquer que seja o

95. O texto permite também interno ao campo visual, 103. Isto é, se quebre.


uma outra leitura, segundo mas que não coincide com
a qual A designaria o este último. 104. Em 375b31, alguns
hemisfério. Mas ela é tradutores desconsideram
menos provável, dado o 100. M representa a nuvem, en ho(i) he A. De um ponto
que será dito em 375b33. ou melhor, a região em que de vista paleográfico, seria
De qualquer forma, não o observador vê o arco­‑íris, legítimo, como propõe
faz diferença para a figura, de modo que não se trata Thillet, ler HA (ou H A)
na qual A pode ser tanto de um ponto único. Na em de vez de he A (o erro
o horizonte visto do alto figura, M encontra­‑se sobre seria devido a uma má
como o hemisfério situado o semicírculo, mas, na interpretação no momento
acima do horizonte. verdade, está mais próximo de transliterar o texto, ou
do observador. seja, de passar da escrita em
96. É a posição do maiúsculas e sem espaços
observador. 101. Isto é, se se quebram. à escrita em minúsculas e
Diferentemente do que com espaços), o que daria:
97. É a posição do sol acontece na demonstração «o plano no qual estão H
nascente. geométrica da forma do (e) A». Mas tal formulação
halo, o autor emprega aqui não parece ter muito
98. Essas linhas representam um vocábulo mais óptico sentido.
a «vista»: ver a nota 40 ao do que geométrico.
Livro III. 105. Trata­‑se sempre do
102. Na figura, ela está horizonte.
99. Segundo Merker esboçada pela curva MN.
2002, p. 230, esse «eixo» Esse círculo está num
astro­‑olho é o campo plano perpendicular ao do
do reflexo, campo que é círculo A.

168
aristóteles

plano projetado de entre os que estão sobre a [linha] HK, segundo


o triângulo KMH.
As linhas traçadas desde os [pontos] H [e] K não serão, pois, cons- 376a

truídas nessa relação 


106
num ponto ou noutro do semicírculo de A  . 107

Com efeito 108, uma vez que são dados os pontos K e H, tal como a 4

[linha] HK, a [linha] MH também será dada, de modo que a relação de


MH com MK também.

106. O termo grego é logos. 108. Para Vitrac 2002,


Alguns intérpretes, como pp. 259­‑260, trata­‑se de
Merker 2002 (primeira uma «explicação pós­‑posta»,
hipótese), em particular pp. ou seja, de uma glosa
231­‑232, e Vitrac 2002, marginal de justificação
pp. 260­‑261, acreditam que (posteriormente inserida
toda esta frase (376a1­‑3) no texto), que inverte a
já constitui uma primeira ordem lógica dedutiva,
interpolação, na medida típica da exposição sintética
em que introduz a noção matemática, e reflete a
de razão ou proporção (e perplexidade de um leitor,
com um demonstrativo no caso, diante da expressão
anafórico), jamais «nessa relação» da frase
mencionada antes e sem anterior. Nesse caso, seria
pertinência. Já outros preferível traduzir com um
comentadores, entre os condicional e não com um
quais o mais recente é futuro.
Groisard, sustentam que
esta frase introduz um
pressuposto físico, algo
como uma lei do reflexo,
já implícito na explicação
da forma do halo (iii 3,
373a6­‑19), que consistiria
no facto de o reflexo
da «vista» (ver, supra,
a nota 40 ao Livro III)
corresponder a uma posição
do espelho tal que a relação
dos comprimentos «vista»­
‑espelho e espelho­‑objeto
visto esteja determinada:
por hipótese, o ponto M
satisfaria a condição do
reflexo, de modo que a
proporção de comprimentos
que determinaria o reflexo
seria HM/MK.

107. Aqui, o círculo A é
efetivamente «reduzido» ao
semicírculo que se encontra
acima da linha HK. Na
figura, o ponto N garante a
mesma proporção:
HN/NK = HM/MK.

169
meteorológicos

t e o r e m a d i t o d e a p o l ó n i o  1 0 9

5 O [ponto] M tocará, pois, uma circunferência dada. Seja esta a [circun­


ferência] que [passa] pelos [pontos] N [e] M, de modo que seja dada
a intersecção das [duas] circunferências 110. Mas, numa circunferência
diferente de MN, a partir dos mesmos pontos, a mesma razão não se
estabelecerá no mesmo plano 111.

d e m o n s t r a ç ã o ( pa r c i a l ) d o t e o r e m a
dito de apolónio

10  112 Seja, então, proposta [fora do desenho] uma certa linha ΔB e seja
cortada de modo que a [linha] Δ esteja para a [linha] B como MH está

109. Alguns intépretes 376a7­‑9; ver a segunda não o distingue do diagrama


reconheceram, na hipótese de Merker 2002, anterior (ver, supra, a
passagem que se segue, pp. 222­‑226. Todavia, a nota 94 ao Livro III):
um teorema da teoria dos sua falta de pertinência no
A
lugares planos, o chamado contexto faz pensar que se
M
«Teorema de Apolónio»; trata de uma interpolação.
trata­‑se de Apolónio de Segundo Vitrac 2002, P

Perga (séculos iii­‑ii a. C.). pp. 266 e seg., Eutócio e o


A sua demonstração foi autor da grande interpolação H
K N
conservada por Eutócio central teriam uma fonte
de Ascalona (séculos v­‑vi comum, que já apresentaria
d. C.), no seu comentário problemas, mas a adaptação, N
às Cónicas do mesmo por parte deste último,
Apolónio, comentário no do teorema ao contexto
B Z
qual faz referência a uma dos Meteorológicos seria
outra obra deste último, a particularmente desajeitada:
coletânea Lugar Analisado. dessa interpolação, o núcleo 110. Se se admite que o
Esse teorema também é matematicamente coerente e texto se refere ao Teorema
de Apolónio (ver a nota
mencionado no livro vii da coincidente com o teorema anterior), trata­‑se da
Synagoge (Coleção) de Papo de Apolónio­‑Eutócio é circunferência A do esquema
de Alexandria (século iv constituído por 376a8­‑b1 anterior, isto é, o horizonte,
d. C.). Eis o teorema, na e 376b3­‑7. Naturalmente, e da circunferência do
versão de Eutócio: «Dados a origem dessa grande círculo de Apolónio.
dois pontos e dada uma interpolação central resta
relação entre dois segmentos obscura, mas deve ter 111. Texto problemático
de reta desiguais, é possível ocorrido cedo, já que o em 376a8. Os manuscritos
descrever um círculo no comentador Alexandre de trazem muitas variantes e
plano, de modo que as Afrodísias (séculos ii­‑iii correções.
linhas quebradas a partir d. C.) conhece um texto
dos pontos dados até à muito próximo do nosso. 112. Aqui, em 376a10,
circunferência do círculo Assim, a circunferência começaria a demonstração
(parcial) do Teorema
tenham a mesma relação que mencionada aqui não seria de Apolónio. Entre os
a relação dada.» (in Apoll., nem a do arco­‑íris, nem a intérpretes mais recentes,
p. 180, 1, 13­‑17); tal círculo do círculo A, mas sim a do parece haver consenso em
é o chamado «círculo de «círculo de Apolónio», que considerar uma interpolação
Apolónio». Bem entendido, estaria no mesmo plano que pelo menos o texto que vai
esse teorema podia já ser as linhas KM e HM — ver de 376a10 a 376b12, tirando
conhecido no século iv abaixo o novo diagrama, as linhas 376b7­‑10, que
a. C. e há quem não exclua a partir do manuscrito E, Vitrac 2002, pp. 262­‑265,
a autenticidade do trecho fol. 164 v, o qual, todavia, considera autênticas.

170
aristóteles

para MK. Ora, MH é maior do que KM, já que o reflexo 113 do cone


[dá-se] sobre o ângulo maior 114; com efeito, [MH] está tendida sob o
maior ângulo do triângulo KMH, logo também Δ é maior do que B 115.
Acrescente-se, pois, a B a [linha] Z, de modo que o que Δ é para B a
linha B[+]Z seja para Δ. Em seguida, o que é Z em relação a KH seja
feito B em relação a uma outra [linha] KΠ e que do [ponto] Π para o
[ponto] M seja traçada a [linha] MΠ. O [ponto] Π será então o polo 116
do círculo sobre o qual incidem as linhas [que partem] de K. Com efeito, 20

o que é Z em relação a KH será B em relação a KΠ, bem como Δ em


relação a ΠM. Que não seja, mas sim em relação a uma [linha] menor
ou maior do que ΠM: não faz nenhuma diferença. Que seja em relação a
[uma linha] ΠP. As [linhas] HK, KΠ e ΠP terão, então, entre si a mesma
relação que Δ, B e Z 117. Mas Δ, B e Z estavam em proporção: o que
[era] a [linha] Δ em relação a B, a [linha] ZB [era] em relação a Δ, de
modo que o que [é] a [linha] ΠH em relação a ΠP, a [linha] ΠP [é]
em relação a ΠK. Se se traçam, então, a partir dos [pontos] K e H, até
ao [ponto] P, as [linhas] HP e KP, estas [linhas] traçadas terão entre si
a mesma relação que a [linha] ΠH tem com a [linha] ΠP. Com efeito,
sobre o mesmo ângulo Π, as [linhas] 118 dos triângulos HΠP e KPΠ estão 30

em proporção. Por conseguinte, a [linha] HP 119 terá com KP a mesma


relação que a [linha] HΠ com a [linha] ΠP. Ora, também a [linha] MH
tem essa relação com KM: ambas 120 [têm] justamente a [relação] que 376b

Δ tem com B. Assim, a partir d[os] pontos H e K, [essas duas linhas],


tendo a mesma relação, combinar-se-ão não apenas na circunferência

113. Isto é, a projeção. 116. Isto é, o centro. Vitrac e, dela, há também vestígio


2002, pp. 264­‑265, acredita no manuscrito E, bem
114. Vitrac 2002, p. 267, que se trata de uma como na correção de outros
n. 127, considera que a correção infeliz. manuscritos, inclusive J,
frase «já que o reflexo do como indica Groisard. Uma
cone [dá­‑se] sobre o ângulo 117. Ou melhor, ZBΔ. outra possibilidade seria
maior» (376a11) — note­ a de corrigir o ΠP que
‑se o regresso do termo 118. Isto é, os lados. aparece no final da presente
«reflexo» —, bem como a frase (376a31).
que a segue «com efeito, 119. Na verdade, a maior
MH está tendida sob o parte dos manuscritos 120. Isto é, ambas as duplas
maior ângulo do triângulo traz ΠP; e assim Fobes de linhas.
KMH» (376a12), são (376a30). Todavia, como já
duas triviais «explicações foi observado por outros
pós­‑postas»; ver, supra, a intérpretes, é preciso
nota 108 ao Livro III. corrigir essa lição. A
presente correção é sugerida
115. O trecho depois da pela frase seguinte, mas é
vírgula está entre parênteses o que se encontra também
retos em Fobes (376a14). nos comentadores antigos

171
meteorológicos

MN, mas também noutros [pontos], o que justamente é impossível 121.


Uma vez, então, que Δ não [está nessa mesma relação] nem com uma
[linha] menor do que MΠ nem com uma maior (pois será demonstrado
do mesmo modo), é evidente que Δ estará [nessa relação] com a própria
[linha] MΠ. De forma que o que é a [linha] MΠ em relação a ΠK [será]
7 ΠH em relação a MΠ <e a restante MH em relação a MK> 122.
7 Se 123, então, usando o [ponto] Π como um polo 124 e MΠ como raio 125,
traçarmos um círculo, [ele] tocará todos os ângulos que são produzidos
10 pelas [linhas] que se refletem 126 a partir do círculo MA 127.
Se 128 não, será demonstrado do mesmo modo que as linhas que se
encontram em lugares diferentes do semicírculo 129 têm a mesma relação,
o que justamente era impossível 130.
12 Se 131 se fizer girar o semicírculo A em torno do diâmetro HKΠ 132,
as [linhas que partem] dos [pontos] H [e] K refletidas 133 em M estarão

121. No contexto, a última que é importante, seria sobre o círculo, em M, em


frase (376b3) é estranha. mencionado apenas, e de direção a H.
Talvez seja uma tentativa de maneira incidental, em
demonstração por absurdo 376b12; 2) nela, volta a 128. A presente frase
da frase em 376a21­‑22; terminologia «óptica»: (376b10­‑12) ainda
é o que faz crer a frase «refletem­‑se» usado no faria parte da grande
imediatamente seguinte lugar de «quebram­‑se». interpolação central, nalgum
(376b3 e segs.). Segundo estado de sua constituição.
Vitrac 2002, pp. 270­‑271, 124. Contrariamente ao
ou se trata de uma glosa que acontece em 376a18, o 129. Provavelmente, trata­‑se
infeliz ou houve perda de ponto Π em questão pode do semicírculo A, ver acima
texto. ser um polo: o círculo a ser (376a2­‑3).
traçado a partir dele seria o
122. Entre parênteses do arco­‑íris. 130. Aqui, há talvez uma
retos em Fobes (376b7). alteração do texto, como
Alguns tradutores não 125. O termo grego é observa Vitrac 2002,
traduzem este trecho, diastema. Literalmente, pp. 263­‑264. Em todo
o qual se encontra «intervalo». o caso, com esta frase
apenas no manuscrito terminaria a grande
W e, ao que parece, usa 126. Isto é, quebram­‑se. interpolação central.
uma terminologia que
só se encontraria em 127. Assim em Fobes 131. Aqui, voltamos ao
matemáticos posteriores, (376b10), mas nos texto autêntico do exame
como justamente Apolónio manuscritos há variantes. do primeiro caso relativo à
de Perga, Cónicas i, 11; Na verdade, jamais foi forma do arco­‑íris.
46. De qualquer forma, mencionado um círculo
assim denominado, mas 132. Aqui, Π designa
a relação entre as linhas o ponto extremo no
MH/MK não parece estar poderíamos supor que se
trate do círculo A, que horizonte, oposto àquele
implicada na demonstração. que representa o sol, na
passa pelo ponto M. Não
123. Vitrac 2002, obstante, alguns intérpretes, primeira figura do capítulo,
pp. 262­‑264, considera entre os quais Vitrac 2002, e não o centro do «círculo
que a frase que se segue p. 263, corrigem o texto de Apolónio», como no
(376b7­‑10) não faz parte da com algo como «a partir do trecho interpolado e na
interpolação, essencialmente centro K», já que os «raios» figura que o acompanha.
por duas razões: 1) se a não se refletem a partir do
eliminássemos, o ponto Π, círculo, mas sim contra ou 133. Isto é, quebradas.

172
aristóteles

[dispostas] do mesmo modo em todos os planos e produzirão um ângulo


igual, o [ângulo] KMH. E o ângulo que formarem as [linhas] HM 134 e
MΠ sobre HΠ será sempre igual. Foram, então, construídos sobre HΠ
e KΠ triângulos iguais ao[s triângulos] HMΠ e KMΠ. Ora, as alturas 135
destes incidirão sobre o mesmo ponto da [linha] HΠ e serão iguais. Que 20

incidam sobre o [ponto] O. O é, então, o centro do círculo e o semicírculo


sobre MN 136 desprende-se do horizonte.
[Diz, com efeito, que] 137 o sol não domina as [regiões] de cima, mas
domina as que ficam apegadas à terra 138 e dispersa o ar e [que], por isso, o
arco-íris não fecha o círculo; e [que] também se forma, poucas vezes, durante
a noite, a partir da lua, pois [esta] nem sempre está cheia e, por natureza, é
mais fraca para dominar o ar; e [que] o arco-íris se constitui sobretudo onde o
sol é dominado, pois nele 139 permanece uma grande quantidade de humidade.

s e g u n d o c a s o : q ua n d o o a s t r o
e s tá a c i m a d o h o r i z o n t e

Agora, seja [a linha] AKΓ o horizonte; seja levantado sobre ele o


[ponto] H 140 e o eixo seja agora HΠ. Todo o resto será demonstrado do 30

134. Em Fobes (376b16), 137. O primeiro copista do 138. Linha 376b23:


tem­‑se HΠ, lição dos manuscrito E não fornece segundo o texto de uma
manuscritos, mas o parágrafo que se segue mão mais recente de J,
incoerente. Provável erro (376b22­‑28). Claramente, não de uma variante de E e
de transliteração devido tem relação com a explicação de Olimpiodoro (259,
a uma má leitura da geométrica da forma do 15­‑16), seguido por
escrita em maiúsculas dos arco­‑íris; o manuscrito M Louis. Fobes traz, entre
manuscritos mais antigos, fornece um novo desenho. asteriscos, prospterizomenon
na qual as letras M e Π são Como está redigido com e há outras variantes nos
semelhantes e a confusão, formas verbais infinitivas que manuscritos.
comum. parecem subentender algum
verbo de dizer ou de opinião 139. Isto é, no arco­‑íris.
135. Isto é, as (daí os nossos ascréscimos),
perpendiculares. é possível que se trate de 140. Eis o novo esquema,
um texto doxográfico, que, a partir do manuscrito E,
136. No texto grego no entanto, provavelmente fol. 164 r:
(376b21), há um artigo nem se refere a Aristóteles;
feminino diante de MN. Alexandre de Afrodísias
Dado o contexto, o nome (170, 29) não o comenta
subentendido poderia nem o parafraseia, passando N
ser «diâmetro» (Merker) diretamente a 376b28; ^
ou «circunferência» Olimpiodoro (259, 15)
(Groisard), uma vez que sim. De qualquer forma, a I
Q [
K
ambos os termos são presença destas linhas, cuja V
femininos em grego. A redação é problemática em J
expressão está ausente no si mesma, mostra como W
comentário de Alexandre o texto do capítulo 5 e,
de Afrodísias (170, mais em geral, do Livro III
27) e alguns intérpretes sofreu efetivamente grandes
desconsideram­‑na. acidentes.

173
meteorológicos

mesmo modo que dantes, mas o polo 141 Π do círculo estará debaixo do


377a horizonte AΓ, já que o [ponto] H foi erguido. E estão sobre a mesma
[linha] tanto o polo quanto o centro do círculo, bem como o [centro] do
horizonte que agora determina o levantar-se [do sol]: este é [o círculo]
HΠ. Mas, uma vez que KH está acima do diâmetro AΓ, o centro [do
arco-íris] estará abaixo do horizonte anterior AΓ, sobre a linha KΠ, no
[ponto] B 142. Por conseguinte, a secção superior 143, ΨU 144, será menor
do que um semicírculo (com efeito 145, ΨUO era um semicírculo, mas
agora está cortado pelo horizonte AΓ; e a [sua secção] OY, é claro, ficará
10 invisível quando o sol se erguer) e será mínima quando for meio-dia,
pois quanto mais alto [estiver] o [ponto] H, mais baixos estarão o polo
e o centro do círculo.
A causa de, nos dias mais curtos, depois do equinócio de outono, ser
sempre possível que se forme um arco-íris e de, nos dias mais compridos,
entre um equinócio e o outro 146, não se formar um arco-íris por volta
do meio-dia, é que as secções para o norte 147 são todas maiores do que
um semicírculo e [vão-se tornando] cada vez maiores do que um semi-
círculo, enquanto a [secção] invisível 148 é pequena. Mas entre as secções
para o sul do [círculo] equinocial 149, a secção que fica acima é pequena,

141. Mais uma vez, aqui desenho, o círculo do o ponto O é, às vezes,


trata­‑se efetivamente de um arco­‑íris está apenas denominado Ω e a sua
polo e não do centro do esboçado: seria a curva posição é incerta.
«círculo de Apolónio». No ΨO. E o texto deixa
novo diagrama, o horizonte entender que se trata da 146. Isto é, entre o de
é visto de perfil. intersecção entre essa curva primavera e o de outono,
e a linha AΓ, o horizonte. ou seja, depois do de
142. Assim em Fobes Todavia, como observa primavera.
(377a6), que segue o Groisard, a continuação diz
manuscrito J e a primeira claramente que o arco­‑íris 147. Trata­‑se dos segmentos
mão de E, enquanto Louis está representado por ΨB, da trajetória aparente do sol
tem, no lugar de B, O, de modo que o ponto Υ acima do horizonte: a partir
correção que já se encontra deveria ser a intersecção do equinócio de primavera
em certos manuscritos entre ΨB e AΓ. e até ao solstício de verão,
(inclusive E) e que é esta vai cada vez mais para
devida a uma adequação 145. O trecho entre o norte, em relação ao
ao primeiro desenho, o parênteses (377a7­‑9) pode equador.
que leva a trocar por Ω o ser, como observa Groisard,
nome do ponto O, que é uma glosa inserida no 148. Isto é, a trajetória do
mencionado na continuação. texto. Com efeito, embora sol durante a noite.
pretenda esclarecer, acaba
143. Isto é, situada acima do por criar mais confusão, 149. Trata­‑se dos segmentos
horizonte. em particular quanto ao da trajetória aparente do
sujeito da frase que segue sol: a partir do equinócio
144. Não se compreende imediatamente esse trecho; de outono e até ao solstício
exatamente onde está daí os parênteses. Nos de inverno, esta vai cada
situado o ponto Υ. No manuscritos e nas edições, vez mais para o sul, em
relação ao equador.

174
aristóteles

enquanto a que fica abaixo da terra 150 é grande, e, é claro, [serão] sempre


maiores as que se afastam mais [do horizonte]. Assim, nos dias próximos 20

ao solstício de verão, devido à grandeza da secção, antes de o [ponto] H  151

chegar ao meio da secção, isto é, ao meio-dia, o [ponto] Π 152 já estará


completamente por baixo, pelo facto de o meio-dia 153 estar muito longe da
terra 154, devido à grandeza da secção. Mas, nos dias próximos ao solstício
de inverno, pelo facto de as secções do círculo não estarem muito acima
da terra, necessariamente dá-se o contrário, pois o sol chega ao meio-dia
quando o H está pouco erguido.

6 . pa r é l i o s e t r a ç o s d e l u z

É preciso assumir para parélios e traços de luz as mesmas causas


que as que foram expostas [para os outros fenómenos]. Com efeito, 30

forma-se um parélio quando a vista se reflete em direção ao sol, en-


quanto [se formam] traços de luz pelo facto de a vista — sendo como a
que dissemos 155 que se dá de cada vez que, estando as nuvens perto do
sol, se reflete, a partir de algo húmido, em direção às nuvens — incidir
[sobre o sol]. Com efeito, as próprias nuvens aparecem incolores àque- 377b

les que as olham diretamente, mas, na água, a nuvem [aparece] cheia


de traços de luz. Exceto que, aí, a cor da nuvem parece estar na água,
enquanto nos traços de luz a cor, sobre a própria nuvem 156. Isto dá-se
quando a condensação da nuvem é irregular: mais densa aqui e [mais]
rarefeita além, ou mais húmida ali e menos aqui. Com efeito, quando a
vista se reflete em direção ao sol, a figura <do sol> 157 não se vê <dada

150. Isto é, abaixo do 153. Isto é, a posição do estar sobre a própria nuvem.


horizonte, logo invisível. sol quando este passa pelo Cf. Livro I, capítulo 7
meridiano. (344b6­‑8).
151. Em 377a20, o texto gre-
go tem um artigo feminino 154. Isto é, a uma grande 157. Linha 377b7: entre
diante do artigo neutro, que altura acima do horizonte. parênteses retos em Fobes;
subentende «ponto», mas sem parênteses retos em
não se compreende o que o 155. Ver acima, no Livro III, Louis. A expressão não
feminino possa subentender. o capítulo 4 (374b24­‑28). aparece na primeira mão de
E, nem em J. Trata­‑se de
152. Como no caso do 156. Frase ambígua: como glosa marginal, que acabou
ponto anterior, ver nota o verbo está omitido, não por ser inserida em certos
acima. se compreende se está (ou manuscritos.
aparece) ou se apenas parece

175
meteorológicos

a pequenez dos espelhos> 158, mas [apenas] a cor. Mas, pelo facto de o


10 sol, brilhante e claro, em direção ao qual a vista se reflete, aparecer em
algo irregular, aparece, em parte, vermelho, em parte, verde ou amarelo.
Com efeito, não há diferença entre ver através de coisas deste tipo ou
[a vista ser] refletida a partir de coisas deste tipo 159, pois de ambos os
modos aparece algo semelhante quanto à coloração, de maneira que se,
naquele caso, é vermelho, também o é [neste]. Os traços de luz formam­
‑se, pois, por uma irregularidade do espelho, não quanto à figura, mas
quanto à cor. Já o parélio [forma-se] quando o ar for o mais homogéneo
possível e igualmente denso. Por isso, aparece branco. Com efeito, de
um lado, a homogeneidade do espelho produz uma única coloração da
imagem 160, do outro, o reflexo compacto da vista, pelo facto de incidir
20 simultaneamente sobre o sol, a partir de uma névoa que é densa e que,
apesar de ainda não ser água, é algo próximo d[a] água, 161 faz aí apa-
recer 162 a cor pertencente ao sol, como se [a vista] se refletisse a partir
de cobre 163 liso, por causa de sua densidade. Assim, como a cor do sol
é branca, também o parélio aparece branco.
Por isso mesmo, o parélio é mais um sinal de chuva do que os traços
de luz, pois assinala 164 mais que o ar está propício à formação de água.
E [é] mais [sinal de chuva] o do sul do que o do norte, pelo facto de
o ar do sul se transformar mais [facilmente] em água do que o [ar que
30 está] para o norte. E, como dissemos 165, tanto parélios quanto traços de
luz formam-se ao pôr e ao levantar-se do sol, nem acima nem abaixo,
mas ao lado, e nem demasiado perto nem totalmente longe do sol. Com
efeito, o sol dissolve a condensação que está próxima, enquanto, quando
está longe, a vista não é refletida, uma vez que se torna fraca, ao ser
projetada para longe a partir de um espelho pequeno. Por isso, também
378a os halos não se formam do lado oposto ao sol. Se [a condensação] se
formar, pois, em cima ou perto, o sol dissolvê-la-á; e, se se formar longe,

158. Como na nota anterior. «por», presente na primeira 164. Linha 337b25: lendo


mão de E e em J. semainei, que parece ser a
159. Cf. Livro III, capítulo 4 lição da primeira mão do
(374a3­‑4). 162. «Aí aparecer» traduz manuscrito E, não sumbainei,
emphainesthai (377b21). «acontece», correção de E,
160. «Imagem» traduz acolhida por Fobes.
emphasis (377b17­‑18). 163. Ou «bronze». Em grego,
khalkos (377b21). 165. Livro III, capítulo 2
161. Em 377b20, Fobes tem, (372a10­‑14).
entre parênteses retos, dia,

176
aristóteles

sendo a vista menor do que o suficiente para produzir um reflexo, não


incidirá [sobre o sol]. Mas, ao lado 166, é possível o espelho encontrar-se
a uma distância tal que o sol não [o] dissolva e a vista avance compacta,
pelo facto de [ela], quando se desloca perto da terra, não se dispersar
como quando se desloca pela imensidão. Abaixo do sol, [a condensação]
não se forma, porque, junto à terra, seria dissolvida pelo sol; e, se [o sol
estivesse] 167 acima do zénite, a vista dispersar-se-ia. E, geralmente, nem
ao lado [isso] se dá quando [ele] está no zénite, pois a vista não se 10

desloca em direção  168


à terra, de modo que chega ao espelho em pouca
quantidade e a que se reflete é de todo fraca.

r o c h a s e m e ta i s

São, pois, aproximadamente 169 tais e tantas as obras que acontece a


secreção 170 efetuar nos lugares acima da terra. Mas é preciso falar das
que ela realiza na própria terra, quando fica retida nas partes da terra.
Com efeito, [ela] produz dois tipos de corpos, por ser também [aí] ela
própria naturalmente dupla, como o é também nas alturas 171: são duas as
exalações, a vaporosa e a fumosa, como dizemos 172. E duas também são
as formas de coisas que se geram na terra: de um lado, os minérios e, do 20

outro, os metais  . A exalação seca é, pois, aquela que, ao queimar-se,


173

166. Depois de plagio(i), gen, «abaixo da terra», lição foi em seguida abandonado


«lado», o manuscrito E tem de E. Há variantes. ou cujo resultado foi
hupo ton helion, «abaixo do muito cedo perdido: ver
sol», que Fobes acolhe no 169. O final do Livro III
«Introdução», pp. 19­‑20.
texto (378a3), mas entre apresenta novos problemas
parênteses retos. O trecho exegéticos. Apesar de 170. «Secreção» traduz
está fora do lugar: a mesma prolongar de algum modo ekkrisis (378a12). Isto é,
expressão aparece um pouco a exposição meteorológica, a dupla exalação: seca ou
abaixo, linha 6. o estudo que o final de húmida.
iii 6 empreende, por um
167. Linha 378a8: lado, não está realmente 171. Em grego, en to(i)
segundo a lição do anunciado no texto meteoro(i) (378a18).
manuscrito E, ontos,
programático do início dos
não acolhida por Fobes,
Meteorológicos (i 1) e, por 172. A sua primeira
que desnecessariamente
conjetura gignomenes outro, não é continuado formulação aparece
sustaseos, «se se formasse no Livro IV. Trata­‑se no Livro I, capítulo 4
uma condensação». provavelmente de um (341b1­‑24).
acréscimo posterior, que,
se é devido ao próprio 173. Em grego,
168. Linha 37810: segundo
a conjetura de Louis, pros Aristóteles, anuncia um respetivamente, orukta e
ten gen. Fobes tem hupo ten estudo mineralógico que metalleuta (378a20­‑21).

177
meteorológicos

produz todos os minérios, por exemplo, os géneros de pedras não fusíveis,


bem como a sandáraca, o ocre, o mínio, o enxofre e os restantes deste
tipo. A maior parte dos minérios é ou pó colorido ou pedra formada
por uma concentração desse tipo, como o cinabre. Já da exalação vapo-
rosa [provém] tudo o que é metálico, isto é, que é fusível ou maleável,
como ferro, ouro, cobre. A exalação vaporosa produz todas essas coisas
30 quando está encerrada, e sobretudo nas pedras, sendo, devido à secura,
comprimida e solidificada numa única [massa], como [se forma] orvalho
ou geada, quando é segregada [a exalação] 174; mas, no caso, estas coisas
geram-se antes de [a exalação vaporosa] se segregar. Por isso, estas coisas,
por um lado, são como água e, por outro, não (com efeito, em potência
a matéria era de água, mas não [o é] mais); tão-pouco [provêm] de uma
378b água que [entretanto] se tenha gerado, devido a alguma afeção, como os
sabores 175. Com efeito, não [é] assim [que] uma coisa se torna cobre e
outra, ouro, mas cada um destes existe, pela solidificação da exalação, antes
de [a água] se formar. Por isso, todas essas coisas se queimam e contêm
terra; com efeito, contêm exalação seca. Só o ouro não se queima.
Falou-se, então, sobre todas estas coisas no [que têm em] comum,
mas é preciso [ainda] examiná-las no [que têm de] próprio, investigando
previamente sobre cada género.

174. O orvalho e a geada


foram examinados no
Livro I, capítulo 10; mas
ver também, no Livro III, o
capítulo 3 (372b32­‑33).

175. Cf. Sens. 4, 441a3­‑21.

178
l i v r o i v  1

1. O Livro IV foi e é objeto Quanto a nós, aceitamos presente estudo: ver, no
de muitas controvérsias. a sua autenticidade e o Livro I, o capítulo 1, com a
Dada a sua discontinuidade seu papel de ponte entre a nota 20, e a «Introdução»,
com o resto do tratado, meteorologia e a biologia, pp. 9­‑33.
inclusive com iii 6, discute­ mas não a sua inclusão na
‑se a sua autenticidade, a meteorologia, pelo menos
sua efetiva pertença aos não segundo o plano inicial,
Meteorológicos e a sua que justamente não parece
integração no corpus físico. conter uma referência ao
1 . c a u s a s at i va s e pa s s i va s : g e r a ç ã o
e c orrup ção

Uma vez que se distinguem quatro causas dos elementos, pelo em- 378b10

parelhamento destas acontece que também são quatro os elementos, dos


quais dois são ativos 2, o quente e o frio, e dois passivos 3, o seco e o
húmido. A prova disso vem da indução 4. Com efeito, manifestamente,
em todos os [corpos], o calor e o frio delimitam 5, unem e mudam tanto
os [corpos] que são do mesmo género como os que não são do mesmo
género 6 e humedecem, secam, endurecem e amolecem [esses mesmos
corpos]; já os [corpos] secos e húmidos, eles próprios sozinhos e os corpos
[resultam] de ambos conjuntamente, constituem-se sendo delimitados e
padecendo as outras afeções mencionadas 7. Isto fica claro ainda a partir 20

das fórmulas  com as quais definimos as suas naturezas. Com efeito,


8

definimos 9 o quente e o frio como ativos (pois [definimos] o que tem


a capacidade de agregar como algo de ativo), enquanto o húmido e o seco
[como algo de] passivo (pois o facilmente e o dificilmente delimitável são
definidos [assim] pelo facto de a sua natureza padecer algo). Fica, pois,
claro que algumas [causas] são ativas e outras passivas. Distinguidas 10
estas, será preciso compreender as suas operações[, isto é,] aquelas pelas
quais operam as ativas, e as formas das passivas.
Em primeiro lugar, a geração absoluta e a mudança natural são,
pois, de maneira geral, obra dessas potências, assim como a corrupção 30

2. Em grego, poietika «Frio» traduz aqui causas ativas, delimitam,


(378b12). Isto é, capazes de psukhrotes. unem, mudam, etc., os
agir ou produzir. corpos homogéneos e não
6. Em grego, ta homogene homogéneos, enquanto o
3. Em grego, pathetika kai ta me homogene. Ainda seco e o húmido, como
(378b13). Isto é, capazes de não se trata da distinção causas passivas, fazem com
padecer ou sofrer. O verbo entre homeómeros e não que padeçam esses mesmos
paskhein será traduzido homeómeros, mas apenas efeitos.
tanto por «padecer» como de corpos que pertencem
por «sofrer». ou não à mesma classe, 8. «Fórmula» traduz logos
não necessariamente (378b20).
4. «Prova» traduz pistis e segundo um esquema
«indução» traduz epagoge generativo: cf. GC ii 2, 9. Em 378b22, o verbo
(378b14). 329b24­‑32. empregue é legein, mais
literalmente «dizer».
5. Traduzimos por 7. A saber, união, mudança,
«delimitar» horizein humidificação, secagem, 10. Em 378b26, o verbo
(378b15), verbo que logo etc. O sentido da frase é empregue é diorizein.
abaixo (378b21; 24) é que o calor e o frio, como
traduzido por «definir».

181
meteorológicos

natural, que [lhe] é oposta 11. Estas 12 pertencem tanto às plantas quanto


aos animais, bem como às suas partes. A geração absoluta e natural
é uma mudança por efeito dessas potências e [dá-se] quando [estas]
se encontram proporcionadas, a partir da matéria subjacente em cada
379a natureza — estas são as potências passivas mencionadas. O quente e
o frio geram quando dominam a matéria; e, quando não dominam, dá­
‑se uma cozedura 13 parcial, isto é, uma incocção 14. Algo muito comum
contrário à geração absoluta é o apodrecimento. Com efeito, toda a
corrupção natural é um caminho para isso; por exemplo, a velhice e a
exsicação 15. A podridão é o termo 16 de todas estas [coisas] em geral 17,
a menos que alguma das [coisas] que são constituídas por natureza seja
destruída por violência [antes de o atingir]. Com efeito, é possível quei-
mar completamente tanto carne, como osso, como qualquer [coisa] cujo
termo, na corrupção natural, seja um apodrecimento. Por isso, as coisas
que apodrecem [são] primeiro húmidas [e] depois, no final, tornam-se
10 secas. Com efeito, [elas] foram geradas a partir destes 18, quando, operados

11. A geração absoluta (ou molunsis, lição acolhida cozinhado, seriam formas
sem mais) é a geração por Fobes. O sentido de cocção. Mais adiante,
que diz respeito à própria exato dessa palavra não pepsis designa também a
substância e não apenas a está claro, mas ela aparece digestão dos alimentos no
uma das suas propriedades; numa passagem semelhante, corpo, na medida em que
ver, por exemplo, GC i 3­‑4. GA iv 7, 776a7­‑8, onde também este é considerado
«Corrupção» é a tradução se diz que se trata de um processo em que o
consagrada de phthora uma certa falta de cocção, calor provoca a alteração
(379a4), que designa apepsia; ver a nota abaixo. das coisas.
propriamente a destruição; Talvez se deva entender
o verbo correspondente será um tipo de cozimento 15. O termo grego é auansis
quase sempre traduzido por como o do guisado, ou (379a5), que designa, nas
«corromper­‑se». «Potência» então de ebulição rápida ou plantas, o análogo da
é também uma tradução incompleta como a que se velhice nos animais: ver
consagrada, de dunamis, efetua para fazer um ovo Resp. 23 (17), 478b27­‑28.
tradução que se impõe quente ou escalfado. Com E a velhice seria uma
quando o termo grego efeito, aqui tem início o doença natural, enquanto
tem o seu sentido técnico uso de uma série de termos a doença seria uma velhice
de modalidade do ser ou «culinários», que sugerem «adquirida»: ver GA v 4,
quando parece designar justamente uma espécie de 784b32­‑34.
corpos ou características «cozinha natural».
corpóreas, como é o caso 16. O termo grego é telos
na presente passagem. 14. Em grego, apepsia (379a5).
No entanto, dunamis será (379a2). Isto é, uma
traduzido, às vezes, por falta de pepsis, «cocção», 17. Assim em Fobes, que,
«capacidade». termo muito abrangente em 379a5, adota a lição
que designaria todos do manuscrito J. Alguns
12. Isto é, a geração e a os processos em que tradutores preferem a lição
corrupção naturais. a alteração acontece da segunda mão de E, que
devido ao calor. Quer daria «todas estas coisas».
13. Em 379a2, a primeira processos naturais, como
mão do manuscrito E o amadurecimento de 18. Isto é, do húmido e do
tem molusis (com ómega), um fruto, quer processos seco.
«ebulição», corrigido por artificiais, como o

182
aristóteles

pelas [causas] ativas, o seco foi delimitado pelo húmido 19. Já a corrupção


dá-se quando o que é delimitado domina sobre o que delimita, devido ao
[meio] circundante 20 (não obstante, pelo menos num sentido particular,
[também] se diz «apodrecimento» no caso das [coisas] que se corrompem
parcialmente, quando se afastam da [sua] natureza). Por isso, apodrecem
todas as demais coisas, exceto o fogo: a terra, a água e o ar apodrecem,
pois todos eles são matéria para o fogo. Apodrecimento é corrupção do
calor próprio e natural, presente em cada coisa húmida, por efeito do calor
alheio; e este é o [calor] do [meio] circundante. Por conseguinte, uma
vez que [algo] padece por carência de calor e tudo o que carece de tal
potência [é] frio, ambos serão causas e o apodrecimento [será] a afeção 20

comum tanto a um frio próprio quanto a um calor alheio. Por isso, todas
as coisas que apodrecem tornam-se também mais secas e o termo [delas]
é a terra e o esterco. Com efeito, quando o calor próprio sai, evapora-se
com [ele] a humidade natural e já não há nada que possa absorver a
humidade: é o calor próprio que, ao puxar, traz [a humidade].
E no tempo frio [as coisas] apodrecem menos do que no tempo
quente; com efeito, no inverno, há pouco calor no ar circundante e na
água, de modo que não tem força, enquanto no verão [há] mais. E tão­
‑pouco [apodrece] o que está congelado (pois [é] algo frio mais do que 30

o ar [seja] algo quente; assim, não é dominado, enquanto o que move  21

domina), nem o que está em ebulição ou quente (pois o calor [presente]


no ar é menor do que o [presente] na coisa, de forma que não domina,
nem produz mudança alguma). Similarmente, também o que se move e
flui apodrece menos do que o que está imóvel; com efeito, o movimento
[produzido] pelo calor [presente] no ar faz-se mais fraco do que o que já
existe na coisa, de modo que não produz nenhuma mudança. A mesma 379b

causa também [faz] que o muito apodreça menos do que o pouco, pois
no mais há fogo próprio e frio demais para as potências do [meio] cir-
cundante [os] dominarem. Por isso, o mar apodrece rapidamente quando
está dividido em partes, mas não no seu conjunto; e o mesmo vale para

19. Aqui, reconhece­‑se 20. A explicação é dada 21. Isto é, o que afeta.


ao húmido uma certa abaixo (379a16­‑18); ver
capacidade ativa. também o capítulo 4.

183
meteorológicos

as outras águas. E geram-se animais no que está a apodrecer pelo facto


de o calor segregado, sendo natural, recompor o que foi excretado 22.
Falámos, pois, do que é a geração e do que é a corrupção.

2. a co cção e inco cção

10 Resta dizer as formas que vêm em seguida, as quais as potências


referidas operam, a partir dos substratos já naturalmente constituídos 23.
A cocção [é obra] do calor e da cocção [são obras] o amadurecimento 24,
a fervura e ainda a assadura. A incocção [é obra] do frio e desta [são
obras] a crueza, a cozedura, a chamuscadura. Mas é preciso compreen-
der que estes nomes não são atribuídos às coisas no sentido próprio;
não há, contudo, [nomes] universalmente estabelecidos para as [coisas]
semelhantes [a essas], de modo que é preciso considerar que as formas
mencionadas são não [precisamente] essas coisas, mas sim coisas desse
tipo 25. Mas digamos o que é cada uma delas.
A cocção é o aperfeiçoamento 26, por efeito do calor natural próprio,
20 a partir dos opostos passivos. Estes são a matéria própria de cada [coi-
sa], pois, quando cozinhada, se aperfeiçoa e vem a ser. E o princípio do
aperfeiçoamento dá-se por efeito do calor próprio, mesmo se alguma
ajuda externa contribuir para o realizar: por exemplo, o alimento fica
cozinhado 27 também por meio de banhos e outras coisas desse tipo;
mas, pelo menos, o princípio é o calor que está nele 28. Nalguns casos, o
fim [da cocção] é a natureza, mas natureza que definimos como forma

22. Trata­‑se da geração 24. O termo grego é uma designação específica


espontânea, que reaparece pepansis (379b12). comum.
no capítulo 11, mas, aí, a
causa seria, antes, o calor 25. Frase difícil. A ideia 26. O termo grego é teleiosis
exterior responsável pela parece ser a seguinte: (379b18), que, à letra,
putrefação. expressões como «fervura», remete para a ideia de levar
«assadura», «crueza» ou algo ao seu acabamento
23. É difícil determinar «cozedura» não são usadas natural.
quais são exatamente os aqui no sentido próprio
seres naturais que o autor dos termos, que é culinário, 27. Isto é, «é digerido». Em
tem em mente: apenas os mas para designar, em grego, sumpepetai (379b23).
animais e as plantas, assim geral, todos os processos do O termo pepsis, «cocção»,
como as suas partes, ou mesmo género que ocorrem designa também a digestão.
também os corpos simples? na natureza (as tais «formas
Cf. Ph. ii 1, 192b8­‑13. mencionadas»), uma vez 28. Isto é, no corpo.
que para elas não existe

184
aristóteles

e essência 29. Mas, noutros, o fim da cocção é uma certa configuração


subjacente 30, como quando o húmido se torna de certa qualidade e
quantidade ao ser assado, fervido, apodrecido ou aquecido de algum
outro modo, pois então torna-se utilizável e dizemos que foi cozinhado, 30

como o mosto 31, ou o que se acumula nos tumores quando se forma


pus, ou a lágrima quando se forma remela — e de maneira semelhante
as outras coisas.
A todas as coisas acontece padecerem isso quando a [sua] matéria e
a [sua] humidade são dominadas, pois esta [última] é delimitada pelo
calor [presente] na [sua] natureza. Com efeito, enquanto a proporção se
mantiver nela, isso é natureza 32. Por isso, as coisas deste tipo são sinais 380a

de saúde: urina, fezes e os excrementos em geral. E diz-se que estão co-


zinhadas, porque mostram que o calor próprio domina o não-delimitado.
Necessariamente, as [coisas] cozinhadas são mais densas e mais quentes,
pois o calor realiza algo deste tipo, [isto é,] algo mais maciço, mais denso
e mais seco. Cocção é, pois, isso.
Já a incocção é uma imperfeição 33 devida à carência de calor próprio; e
a carência de calor é o frio. A imperfeição é [obra] dos opostos passivos,
o que justamente, para cada coisa, é por natureza matéria.
A cocção e a incocção foram, pois, distinguidas deste modo. 10

29. Em 379b26, o verbo o que está em questão é a


empregue é legein, mais proporção entre calor e frio
literalmente «dizer». Na e é isso que é natureza, isto
mesma linha, «forma» é, uma constituição natural
traduz eidos e «essência» determinada.
traduz ousia.
33. Em grego, ateleia, isto é,
30. Notar a diferença, nesta incompletude, incapacidade
passagem, entre eidos de atingir o seu acabamento
(379b26), «forma», e morphe natural.
(379b27), «configuração».

31. Quando se forma vinho.

32. A frase é ambígua, pois


não está claro o antecedente
dos pronomes «ela» e
«isso», nem o sentido
exato dos termos phusis,
«natureza» e logos. Aqui,
traduzimos este último por
«proporção», mas o termo
poderia designar também a
fórmula definicional, logo
a forma. Entendemos que

185
meteorológicos

3 . a m a d u re c i m e n t o e c ru e z a , f e rv u r a
e cozedura, assadura e chamuscadura

amadurecimento

O amadurecimento é, pois, uma certa cocção: denomina-se «amadu-


recimento» a cocção do alimento no pericárpio 34. Uma vez que a cocção
é um aperfeiçoamento, o amadurecimento está completo 35 quando as
sementes do pericárpio têm a capacidade de realizar um outro [ser] tal
como ele 36. Com efeito, mesmo em relação às outras coisas, dizemos
que o [que é] completo é assim. Este é, pois, o amadurecimento do
pericárpio, mas também se diz que são maduras muitas outras coisas
cozinhadas, [não] 37 de acordo com a mesma noção 38, mas por transpo-
sições 39, pelo facto de não se ter estabelecido nomes para cada [tipo de]
20 aperfeiçoamento nos [corpos] delimitados pelo calor e o frio naturais,
como também se disse anteriormente 40. O amadurecimento dos tumores,
das mucosidades 41 e das coisas desse tipo é a cocção do húmido interno
pelo calor natural: é impossível delimitar se não dominar. A partir dos
[corpos compostos] de sopro 42, constituem-se, então, os aquosos e de
[corpos] como estes, os terrosos. E, ao amadurecer, todas as coisas, de
rarefeitas, tornam-se sempre mais densas. E, durante este [processo], a
natureza atrai certas coisas, enquanto rejeita outras. Foi, pois, dito o que
é o amadurecimento.
c ru e z a

A crueza é o contrário 43. Mas algo contrário ao amadurecimento


é uma incocção do alimento no pericárpio e esta é a humidade não

34. Invólucro de frutos e (380b30), onde uma 41. O termo grego é flegma


sementes. negação foi acrescentada em (380a21), de difícil tradução.
cima pela primeira mão do
35. O termo grego é teleos, manuscrito E. 42. Isto é, ar. Em grego,
«perfeito», «acabado» pneumatikos (380a23), mais
(380a13). 38. «Noção» traduz idea literalmente, «o que tem
(380a17). sopro».
36. Isto é, uma outra planta
da mesma espécie. 39. Em grego, metaphorais. 43. Esta crueza deve ser
A tradução por entendida como o verdor ou
37. Em 380a17, uma «metaforicamente» não é
negação parece ser a verdura e, portanto, como
adequada. o contrário do maduro.
requerida pela construção
adversativa, como na frase 40. Ver, acima, o início do
paralela no capítulo 3 capítulo 2 (379b14­‑17).

186
aristóteles

delimitada. Por isso, a crueza é [constituída] ou de sopro 44 ou de água


ou de um [misto] de ambos. E uma vez que o amadurecimento é um 30

certo aperfeiçoamento, a crueza será uma imperfeição. A imperfeição


dá-se devido a uma carência de quente natural e à desproporção em
relação ao húmido que está a amadurecer; mas nada [que seja] húmido
amadurece por si só, sem o seco. Com efeito, de entre os [corpos] húmi-
dos, apenas a água não se torna mais densa 45. Verifica-se isso 46 ou por 380b

o calor ser pouco, ou por o delimitado ser muito. Por isso, também os
sumos das coisas cruas são rarefeitos e frios (antes que quentes), bem
como incomíveis e imbebíveis. Tal como «amadurecimento», também
«crueza» se diz em vários sentidos 47. Daí dizer-se [serem] crus tanto
a urina quanto as fezes e os catarros, pela mesma razão. Com efeito,
todas as coisas são chamadas [«cruas»] por não terem sido dominadas
por efeito do calor nem terem adquirido consistência. Indo mais longe,
também se diz que é crua a argila, cru o leite e [cruas] muitas outras
coisas, se, mesmo podendo mudar e adquirir consistência devido ao 10

calor, não padecerem [tais afeções]. Por isso, diz-se, sim, que a água está
fervida, mas não que está crua, já que não se torna densa. Dissemos,
pois, o que são amadurecimento e crueza, bem como por que motivo
[se dá] cada um deles.
f e rv u r a

A fervura é, de uma maneira geral, uma cocção, por efeito do calor


húmido, do não delimitado presente no [corpo] húmido; mas, em sen-
tido próprio, o termo é usado apenas para as coisas que são fervidas.
E isso 48, como foi dito 49, pode ter um caráter de sopro 50 ou aquoso.
A cocção dá-se a partir do fogo [presente] no húmido 51. Com efeito, o
que se coloca sobre a frigideira é assado, pois padece o calor exterior

44. Isto é, de ar. 46. Isto é, a crueza. 48. Isto é, o húmido.

45. Porque o seco não 47. Trata­‑se da noção de 49. Ver acima, no presente


estaria presente nela em pollakhos legomenon, «dito capítulo (380a29­‑30).
medida alguma: cf. GA ii de muitos modos», típica
2, 735a32­‑33. Alguns de Aristóteles. O livro v 50. Isto é, de ar.
intérpretes acreditam que a da Metafísica consiste no
passagem está fora do lugar exame dos vários sentidos 51. Isto é, do húmido que
e que deveria ser posta mais em que se emprega uma rodeia o corpo a ser cozido.
abaixo (380b11). série de termos.

187
meteorológicos

e faz mais seco o húmido em que se encontra 52, absorvendo-o dentro


20 de si, enquanto o que está a ser fervido faz o contrário, pois o húmido
é excretado dele por efeito do calor [presente] no húmido externo. Por
isso, as coisas fervidas são mais secas do que as coisas assadas: as coi-
sas que estão a ser fervidas não atraem o húmido para si, pois o calor
externo domina o interno. Mas se o interno dominasse [o externo],
[o que está a ser fervido] atrairia para si [o húmido externo] 53. Nem
todo o corpo é passível de fervura: não o é nem aquele em que nada
existe de húmido, como as pedras, nem aquele em que existe, sim, mas
que, devido à sua densidade, não pode ser dominado, como as madeiras.
Mas [podem ser fervidos] todos aqueles corpos que têm uma humidade
capaz de padecer por efeito da ignição [presente] no húmido. Diz-se
também que o ouro, a madeira e muitas outras coisas fervem, não de
30 acordo com a mesma noção 54, mas por transposição 55. Com efeito, não
estão estabelecidos nomes para as diferentes [formas]. Dizemos também
que os líquidos, tais como o leite e o mosto, fervem quando o sumo 56
[presente] no líquido muda para alguma forma por efeito do fogo em
redor que o aquece do exterior, de modo que age 57 de uma maneira
381a próxima [da maneira como age] a dita fervura. Mas a finalidade não é
a mesma para todas as coisas — nem para as que são fervidas nem para
as que são cozinhadas —, pois umas são destinadas à alimentação, outras
à bebida e outras para um outro uso, uma vez que também se diz que
os fármacos fervem. Por conseguinte, são fervíveis todas as coisas que
podem tornar-se mais densas, mais pequenas, mais pesadas, ou [todas
as coisas] das quais certas partes são deste tipo e outras o contrário,
pelo facto de, ao dividirem-se, umas se tornarem mais densas e outras
mais rarefeitas, como o leite, [que se divide] em soro de leite ou coalho.
Já o azeite por si só não ferve, uma vez que não sofre nada disso. Isso
10 é, pois, a chamada «cocção por fervura»; e em nada difere que se dê
por instrumentos artificiais ou naturais, pois todos [estes processos] são
devidos à mesma causa.

52. Acredita­‑se que o autor 54. Ver, supra, a nota 38 ao 56. Em grego, khumos


pense no óleo. Livro IV. (380b32). Alguns tradutores
traduzem, aqui, por «sabor».
53. E tornar­‑se­‑ia tão 55. Ver, supra, a nota 39 ao
húmido como o que é Livro IV. 57. O termo grego é poiein,
assado, que também atrai a normalmente com o sentido
humidade para dentro de si. de «fazer», «produzir».

188
aristóteles

cozedura

A cozedura 58 é a incocção contrária à fervura. E [essa incocção] con-


trária pode ser a primeira incocção mencionada 59[, a] do não delimitado
[presente] no corpo pela carência de calor no líquido circundante; o que
seja a carência acompanhada de frio foi dito 60. Contudo, [a cozedura] dá­
‑se por outro movimento 61: o [movimento] 62 que cozinha é rechaçado e
a carência [é] devida ou à quantidade de frio no líquido, ou à quantidade
no que está a ser fervido; pois acontece, então, que o calor no líquido é
demasiado para não [o] mover 63, mas insuficiente para [o] tornar uniforme, 20

isto é, cozinhar por igual. Por isso, as coisas que sofrem cozedura são mais
duras do que as fervidas e as [partes] húmidas distinguem-se mais. Falá-
mos, pois, sobre a fervura e a cozedura, sobre o que são e porque se dão.

assadura

A assadura é uma cocção pelo calor seco e alheio. Por isso, mesmo
se alguém fizer mudar, isto é, cozinhar fervendo, não pelo calor de um
líquido, mas pelo do fogo, diz-se, no final, que [a coisa] ficou assada e
não [que ficou] fervida; e, em caso de excesso, diz-se que ficou queimada.
[Isto] dá-se por efeito do calor seco, quando [a coisa] acaba por ficar
mais seca. Por isso, também as [partes] de fora [ficam] mais secas do
que as de dentro, enquanto, [no caso d]as coisas fervidas, é o contrário. 30

E, para os manufaturados, o trabalho de assar é maior do que o de ferver.


Com efeito, é difícil aquecer de modo uniforme as [partes] exteriores e as
[partes] internas, uma vez que as mais próximas do fogo secam sempre
mais depressa, de modo que também [secam] mais. Ao contraírem-se, 381b

então, as passagens  para o exterior, o húmido presente não é capaz de


64

58. Em grego, molunsis 60. Ver, acima, os capítulos 1 kinesis, «movimento»,


(381a12). Trata­‑se da (379a19­‑20) e 2 (380a7­‑8). feminino em grego.
cozedura parcial de que se
falou no capítulo 1 (379a2). 61. Cf. o capítulo 1 63. Isto é, afetar.
(379a35). O texto da frase
59. Provável referência à que se segue é problemático. 64. «Passagem» traduz poros
crueza: ver acima (380a27 (381b3).
e segs.). 62. Em 381a16, o
particípio feminino retoma
provavelmente o termo

189
meteorológicos

ser excretado e fica preso, quando as passagens se fecham. A assadura e


a fervura dão-se, pois, por técnica65, mas, como dizemos, as formas são
em geral as mesmas também por natureza: os fenómenos que se dão
são semelhantes, ainda que desprovidos de nome. Com efeito, a técnica
imita a natureza 66, já que também a cocção do alimento no corpo 67 é
semelhante à fervura: também se dá no húmido e no quente por efeito
do calor do corpo; e algumas incocções 68 são semelhantes à cozedura.
10 E um animal não nasce na cocção, como alguns dizem, mas na secreção
que apodrece no baixo ventre; depois, segue para cima. Já [o alimento]
é cozinhado 69 no alto ventre e o que é segregado apodrece no baixo
[ventre]. A causa pela qual [isto acontece] foi dita noutros [sítios] 70.

chamuscadura

A cozedura é, pois, algo contrário à fervura. De modo semelhante, a


cocção chamada «assadura» tem algo que se lhe opõe, mas é mais des-
provida de nome 71. Seria como se se desse uma chamuscadura, mas não
uma assadura, devido à carência de calor, [chamuscadura] que aconteceria
devido ou à escassez de fogo exterior ou à quantidade de água no que
está a ser assado. Com efeito, haveria então demasiado [calor] para não
20 mover 72, mas insuficiente para cozinhar.
Dissemos, pois, o que é a cocção e incocção, o amadurecimento e a
crueza, a fervura, a assadura e os seus contrários.

65. Isto é, artificialmente. não há que estabelecer 67. Trata­‑se da digestão.


relações indevidas com
66. A sentença «a técnica o conceito de mimesis, 68. Isto é, indigestões.
imita a natureza» aparece «simulação», central na
também duas vezes em Poética de Aristóteles. Bem 69. Isto é, digerido.
Ph. ii (2, 194a21­‑27; 8, mais confusa apresenta­‑se,
70. Ao que parece, não há
199a16­‑17). Nessas três porém, a aparição dessa
uma passagem no corpus
passagens, o verbo «imitar», sentença numa passagem
aristotélico que corresponda
mimeisthai, é empregue na atribuída (de maneira
a esta remissão. Alexandre
sua aceção de identidade, discutível) ao Protréptico
de Afrodísias (197, 17­‑18)
segundo a qual designa uma de Aristóteles (frag. 11
refere­‑se aos Problemas,
mera reprodução. Assim, W = Jâmblico, Protréptico
mas a passagem não foi
contrariamente ao que se 9). Cf. também o tratado do
identificada.
tende a fazer, não há que hipocrático Sobre o regime i
sobreinterpretar a passagem 11, 1, 3­‑8 e [Aristóteles], 71. Isto é, é mais difícil de
(por exemplo, imaginando a Mu. 396b6. Sobre toda essa nomear.
técnica como uma emulação questão, ver Veloso 2004,
da natureza) e, sobretudo, pp. 268­‑282. 72. Isto é, para afetar.

190
aristóteles

4. o húmid o e o seco, o duro e o mole

Devemos falar [agora] sobre as formas das [causas] passivas[, a saber,]


o húmido e o seco. Os princípios passivos dos corpos são o húmido e o
seco e as outras [formas] 73 são mistas a partir destes; mas, se [forem] mais
de um dos dois, [os corpos] serão, quanto à [sua] natureza, mais deste,
por exemplo, alguns [são] mais d[o] seco, outros mais d[o] húmido. Todas
[as formas] serão, umas em ato 74, outras no oposto 75: [por exemplo,] a
fusão está assim em relação ao fundível 76.
Uma vez que o húmido é facilmente delimitável, enquanto o seco é
dificilmente delimitável, padecem um em relação ao outro algo seme- 30

lhante [ao que acontece] com a comida e os temperos. Com efeito, o


húmido é a causa pela qual o seco se delimita 77 e cada um torna-se para
o outro como que uma cola, conforme Empédocles escreveu 78 também
nos Físicos 79, «colando farinha com a água» 80. E, por isso, o corpo deli- 382a

mitado é [composto] de ambos.


De entre os elementos, diz-se [ser] [a] terra o mais propriamente
d[o] seco 81 e água [o mais propriamente] d[o] húmido 82. Por isso,
nenhum corpo delimitado aqui 83 é sem terra e água; e se um dos dois
[está presente] em maior quantidade, cada [corpo] mostra-se [como
sendo] deste, quanto à [sua] potência. Os animais vivem 84 apenas na
terra e na água, enquanto no ar e no fogo não vivem, porque aquelas 85
são matéria dos corpos.

73. Em grego, ta álla 77. Como o condimento 81. Sobre a noção de


(381b15). Também é determina o sabor da «ser (mais) de» uma
possível subentender comida. característica, ver acima,
«corpos», em vez de neste capítulo (381b25­‑27).
«formas» (igualmente 78. Em grego, epoiesen;
neutro, em grego) e, nesse literalmente «compôs». 82. Segundo GC ii 3,
caso, dever­‑se­‑ia traduzir, Este uso do verbo poiein 331a3­‑6, a qualidade mais
antes, por «os [corpos] em é típico para poetas. Ver, característica da água é o
geral». no Livro II, o capítulo frio e não o húmido (ou
3 (357a24­‑28), com a fluido), que cabe, antes,
74. «Ato» traduz entelekheia nota 104. ao ar.
(381b27).
79. Assim em Fobes, em 83. Na terra.
75. Isto é, «em potência», 382a1. Mas o manuscrito E
enquanto estado oposto tem en tois Persikois, «nos 84. É o sentido do verbo
ao ato. Pérsicos»; cf. [Aristóteles], einai, em ambas as suas
Pr. xxi 22, 929b15­‑17. aparições em 382a7.
76. Quer dizer a fusão é o
ato de que ser fundível é 80. DK 31 B 34. 85. Isto é, a água e a terra.
uma mera potencialidade.

191
meteorológicos

De entre as propriedades corporais, necessariamente pertencem ao


10 [corpo] delimitado, em primeiro lugar, estas: dureza e moleza. Com efeito,
o [que se compõe] de húmido e de seco é necessariamente duro ou mole.
É duro o que, na sua superfície, não se retira para si; e é mole, o que se
retira sem compelir 86. A água não é mole, pois a superfície não se retira
para o fundo sob a pressão, mas compele. É, pois, duro ou mole sem mais
o que é tal sem mais, enquanto o que o é em relação a outra coisa é-o
em relação a essa tal coisa. Em relação um ao outro, [duro e mole] são
indeterminados pelo mais e pelo menos; e uma vez que julgamos todas
as coisas sensíveis em relação à sensação, é evidente que é em relação ao
tato que determinamos mesmo o duro e o mole sem mais, no sentido em
20 que usamos o tato como média 87. Por isso, dizemos que é duro o que a
excede e mole o que fica aquém.

5. solidificação e secagem

O corpo delimitado por um limite próprio é necessariamente duro ou


mole, pois ou se retira ou não. Ademais, é [necessariamente] solidifica-
do 88, pois é por isso que é delimitado. Por conseguinte, como tudo o que
é delimitado e consistente é ou mole ou duro e tais [propriedades] são
devidas à solidificação, os corpos consistentes e delimitados não serão
sem solidificação. Devemos, portanto, falar sobre a solidificação.
Além da matéria 89, duas são as causas: o agente 90 e a afeção 91 —
o agente [entendido] como aquilo donde provém o movimento e a afe-
ção como forma 92. Por conseguinte, são [causas] tanto da solidificação
30 quanto do derretimento, assim como do secar-se e do liquefazer-se.

86. O verbo grego é 88. Isto é, coeso. 90. Em grego, poioun


antiperiistasthai (382a12­‑13), (382a28).
que reaparece logo em 89. Em grego, para ten
seguida (382a14). Ver a hulen (382a28), «além da 91. Em grego, pathos
nota 276 ao Livro I. matéria», «afora a matéria», (382a28).
«junto à matéria». Mas no
87. Em grego, mesotes manuscrito E temos uma 92. Isto é, o agente como
(382a19). Ver De an. ii correção: peri ten hulen, causa eficiente e a afeção
11, 423b26 e segs.; iii 2, «acerca da matéria». como causa formal, a par da
426b6­‑8. causa material, mencionada
imediatamente antes.

192
aristóteles

O agente age 93 por duas potências e padece 94 por duas propriedades 95,


como se disse 96: age pelo quente e pelo frio; e a afeção [é padecida]
ou pela ausência ou pela presença do quente ou do frio. Mas, uma vez 382b

que a solidificação é, de algum modo, uma secagem, falemos primeiro


desta última.
O que padece é ou húmido ou seco ou [um misto] destes. Conside-
ramos corpo do húmido água e [corpo] do seco terra, pois, de entre as
[coisas] húmidas e de entre secas, estas [são] passivas 97. Por isso, também
o frio [pertence], antes, às [coisas] passivas, pois encontra-se nestas: foi
estabelecido que tanto a terra quanto a água [são] frias. Mas o frio é
ativo enquanto destrutor 98 ou por acidente 99, como se disse antes 100:
às vezes, diz-se até que o frio queima ou aquece, não da mesma maneira
que o quente, mas sim por reunir ou compelir 101 o quente. 10

Seca tudo o que é água ou formas de água, ou o que contém água,


quer adquirida 102, quer conatural (digo «adquirida» como, por exemplo,
na lã e «conatural» como, por exemplo, no leite). [São] formas de água
coisas deste tipo: vinho, urina, soro e, de modo geral, todas as coisas que
têm nenhum ou pouco sedimento, mas não devido à viscosidade; com
efeito, nalguns [corpos], a causa de não terem nenhum sedimento é a
viscosidade, como no azeite e no pez.
Todas as coisas secam ao aquecer ou arrefecer, em ambos os casos
devido ao quente, por efeito quer do calor interno quer do externo: mes-
mo as que secam por arrefecimento, como uma roupa 103, se o húmido
existe, ele mesmo, separadamente por si 104, secam por efeito do quente 20

93. O termo grego é poiein 96. Ver acima, no Livro IV, 101. Em grego,
(382a31). o capítulo 1. antiperiistanai (382b10). Ver
a nota 276 ao Livro I.
94. Assim em Fobes, em 97. Ver o capítulo 4
382a31, segundo J e outros (382a3­‑4). 102. Isto é, «adventícia»,
manuscritos. O manuscrito «vinda do exterior».
E tem, em seguida, to 98. Ver o capítulo 1 O termo grego é epakton
paskhon, «o paciente», (379a19­‑22). (382b11).
mas Groisard observa que,
aqui, agente e paciente 99. Ou «por concomitante». 103. Isto é, uma peça de
coincidem, já que se trata Em grego, kata sumbebekos roupa molhada de água
da solidificação pela ação (382b7). quente.
do calor natural do corpo
100. Ver o Livro I, capítulos 104. Ou seja, se o
que, assim, adquire uma
10 (347b4­‑7) e 12 (348b6­‑8; húmido não faz parte da
delimitação.
15­‑16; 349a7­‑9). constituição natural do
95. «Propriedade» traduz corpo em questão.
pathema (382a32).

193
meteorológicos

interno que juntamente consigo faz evaporar o húmido — desde que o


húmido seja pouco —, quando o calor se escapa por efeito do frio cir-
cundante. Todas as coisas secam, pois, como se disse, quer ao aquecer
quer ao arrefecer e todas devido ao quente — quer pelo interno, quer
pelo externo — que faz evaporar o húmido juntamente consigo — digo
«externo» como no caso das coisas que fervem e «interno», quando, uma
vez eliminado [o quente externo], [o húmido] é consumido pelo calor
que [ele] tem 105 e que se exala.
Falámos, pois, da secagem.

6 . s o l i d i f i c aç ão e l i q u e faç ão

Já o liquefazer-se, é, num caso, o tornar-se água ao condensar-se e,


30 noutro, o fundir-se do solidificado. Naquele caso, trata-se do condensar­
‑se do sopro ao arrefecer; acerca da fusão, ficará claro, ao mesmo tempo
que acerca da solidificação.
Todos os [corpos] que se solidificam solidificam-se por serem ou de
água ou de terra e água; e estas ou com o quente seco ou com o frio.
383a Por isso, entre os [corpos] que se solidificam com o quente ou com o
frio, todos os que se dissolvem também se dissolvem com os contrários.
Os que se solidificam com o quente seco dissolvem-se com a água, que
é húmida e fria, enquanto os que se solidificam com o frio dissolvem-se
com o fogo, que é quente. Alguns podem parecer solidificar-se com a
água, como o mel fervido 106, mas solidificam-se não pela água, mas sim
pelo frio que há nela.
Nenhum dos [corpos] que são de água se solidifica pelo fogo. Pois
[tais corpos] dissolvem-se pelo fogo e a mesma [coisa], da mesma [ma-
neira] e sobre a mesma [coisa], não há de ser responsável pelo [efeito]
contrário. Ademais, [os corpos que são de água] solidificam-se pelo facto
de o quente se escapar, de modo que é claro que serão dissolvidos pelo
10 facto de [o quente] se introduzir [neles]; de modo que se solidificam
pela ação do frio. Por isso, os [corpos] deste tipo não se densificam ao

105. Isto é, interno. 106. Cf. Livro IV, capítulo 10


(388b22­‑24).

194
aristóteles

solidificarem-se, pois a densificação dá-se quando o húmido se escapa


e o seco se condensa. Mas a água é o único dos líquidos que não se
densifica.
Todos os [corpos] mistos de terra e água 107 solidificam-se tanto por
efeito do fogo como por efeito do frio e densificam-se com ambos, que
seja do mesmo modo ou de modo diferente: por um lado, pelo quente
que extrai o húmido (pois, uma vez que o húmido se evapora, o seco
densifica-se e concentra-se); por outro, pelo frio que expulsa o quente,
com o qual se escapa [também] o húmido que se evapora juntamente
[com ele].
Nenhum [corpo] mole, mas não húmido, se densifica, senão que se 20

solidifica quando o húmido sai, como a argila que está a ser assada.
Contudo, densificam-se também todos os [corpos] mistos 108 [que são]
húmidos, como o leite. E muitos — todos os que ficaram previamente
densos ou duros por efeito do frio — também se liquefazem primeiro,
como a argila, que, ao começar a ser assada, exala vapor e se torna mais
mole; por isso, também se deforma no forno.
De entre os [corpos que são] mistos de terra e água, mas que contêm
mais terra [e] que se solidificam com o frio, alguns — os que fundem
com o calor quando este volta a entrar neles outra vez — solidificam-se
pelo facto de o calor se escapar, como a lama quando gela, enquanto
os [que se solidificam] por arrefecimento são insolúveis quando todo o 30

húmido  109
se evapora — a não ser por efeito de um calor excessivo —,
mas amolecem, como o ferro e o corno. Também se funde o ferro traba-
lhado, ao ponto de se tornar líquido e se solidificar de novo. E é assim
que produzem os metais temperados 110: a escória deposita-se no fundo e
é eliminada 111 em baixo. Quando [o metal] sofre [este processo] muitas 383b

107. O termo que traduz 109. Em 383a30, segundo a 110. A expressão «metais
«mistos» é koina (383a13), correção feita pela primeira temperados» traduz ta
mais literalmente «comuns», mão de E e não segundo stomomata (383a33­‑34).
mas, neste caso, com o o texto anterior a essa
sentido de compostos de correção, «quente», que 111. Em grego,
ambos ou, justamente, é também a lição de J, apokathairetai (383a34),
mistos. seguida por Fobes e Louis. com o sentido frequente
Cf. Livro IV, capítulos 1 de «purificação» ou
108. Compostos de água e (379a23­‑24) e 5 (382b20­‑21; «refinação». Cf. a ocorrência
terra. 24­‑25). de «puro» (katharos) logo a
seguir (383b1).

195
meteorológicos

vezes e fica puro, este torna-se temperado. Não o fazem muitas vezes
por a perda ser grande e o peso ser inferior ao [do] que é eliminado.
E é melhor o ferro que implica menos eliminação.
Funde-se também a pedra resistente ao fogo, ao ponto de gotejar
e fluir. Quando flui, o que se solidifica torna-se duro outra vez. E as
mós 112 também se fundem até fluir. E o que flui, ao solidificar-se, [tem]
uma cor escura, mas torna-se semelhante à cal 113. Também se solidifica
a lama e a terra 114.
10 De entre os [corpos] que se solidificam com quente seco, uns são
insolúveis e outros solúveis com líquido. A argila 115 e alguns géneros de
pedras[, isto é,] todas as que se formam quando a terra é queimada pelo
fogo, como as mós 116, são, pois, solúveis. Porém, a soda e os sais são
solúveis com líquido, não com todo [o líquido], mas sim com [líquido]
frio. Por isso, fundem-se com água e com todas as formas de água 117,
mas não se fundem com azeite 118. Com efeito, o frio húmido é contrário
ao quente seco. Se um consolida, o outro dissolve, pois os contrários são
causas dos contrários119.

7. a solidificação e a dissolução

Os [corpos] que contêm mais água do que terra apenas se densificam,


20 pois, por efeito do fogo 120. Já os que [têm mais] terra solidificam-se. Por
isso, a soda e os sais, bem como a pedra e a argila, contêm mais terra.
Já a natureza do azeite comporta muitas dificuldades 121: se [fosse]
de água, deveria solidificar-se por efeito do frio 122; e se [fosse] mais de

112. Em grego, haimulai 114. A frase é considerada 118. Em grego, elaion


(383b7). Ver abaixo a por alguns intérpretes uma (383b14). O termo pode
nota 116. glosa inserida no texto. designar também todo o
tipo de óleo.
113. O uso da locução 115. Isto é, a cerâmica.
adversativa faz suspeitar 119. Ver, acima, 383a7­‑8.
que, apesar de escuro 116. Em grego, hoimuliai
quanto à cor, o fluido (383b12). Apesar do nome, 120. Cf. Livro IV, capítulo 6
solidificado é semelhante provavelmente não se deve (383a21­‑22).
à cal sob um outro ponto identificar esse tipo de pedra
de vista, mas o texto com o mencionado pouco 121. Cf. GA ii 2, 735b13­‑31,
não especifica qual. Os acima (ver a nota 112). a propósito do esperma.
tradutores costumam supor
a textura ou a consistência. 117. Isto é, de líquido 122. Ver acima, no Livro IV,
aquoso. o capítulo 6 (383b9­‑13).

196
aristóteles

terra, [deveria solidificar-se] por efeito do fogo. Ora, de facto, o azeite


não se solidifica com nenhum deles, embora se densifique com ambos.
A causa disso é que está cheio de ar. Por isso, também flutua na água;
com efeito, o ar desloca-se para cima. O frio densifica, pois, a água a
partir do sopro n[esta] presente. Com efeito, sempre que a água e o
azeite se misturam, forma-se algo mais denso do que ambos. Por efeito
do fogo e do tempo, [o azeite] densifica-se e esbranquiça: esbranquiça
quando evapora a água (caso haja alguma [nele]) 123; e densifica-se pelo 30

facto de se formar água a partir do ar quando o quente se extingue  . 124

O mesmo fenómeno dá-se, pois, em ambos os casos, e devido ao mesmo


[motivo], mas não do mesmo modo 125. [O azeite] densifica-se, pois, por
efeito de ambos, mas não seca por efeito de nenhum dos dois. Nem o
sol nem o frio o secam, não só porque é viscoso, mas também porque é 384a

[feito] de ar. Porém, a [sua] água não seca nem ferve por efeito do fogo,
porque não se evapora, devido à viscosidade 126.
Convém falar de todos os [corpos] mistos de água e de terra de acordo
com a quantidade de cada uma das duas. Com efeito, uma espécie de
vinho solidifica-se e também ferve, como o mosto 127. E a água escapa-se
de todos os [corpos] desse tipo quando secam. Um sinal de que é a água:
o vapor condensa-se em água, se se quiser recolher 128. Por conseguinte,
em todos os [casos] em que resta algo, isso [que resta] é de terra. Alguns
desses [corpos] também se densificam e secam, como se disse 129, por
efeito do frio. É que o frio não apenas solidifica como também seca a 10

água e densifica o ar [contido nesses corpos], produzindo água. E já se


disse 130 que a solidificação é uma espécie de secagem. Todos os [corpos]
que não se densificam, mas se solidificam, por efeito do frio são, pois,

123. A água é escura: ver, diretamente sobre o ar, e, abaixo, o capítulo 9


no Livro III, o capítulo 4 enquanto o quente esvaece (387b9­‑12).
(374a1­‑3). com o tempo.
128. Alusão a uma
124. O verbo é marainesthai 126. Note­‑se, entretanto, experiência de destilação:
(383b30). que o embranquecimento cf. Livro II, capítulo 3
do azeite foi atribuído à (358b16­‑20).
125. Ou seja, a densificação evaporação poucas linhas
do azeite dá­‑se pela ação acima (383b29­‑30). 129. Livro IV, capítulo 6
tanto do frio como do (383a15­‑16).
quente em ambos os casos, 127. Sobre o mosto, ver
devido à transformação acima, no Livro IV, o 130. Livro IV, capítulo 5
em água do ar presente capítulo 3 (380b31­‑34) (382b1).
no azeite, mas o frio age

197
meteorológicos

mais de água, como o vinho, a urina, o vinagre, a lixívia e o soro do leite.


E quanto aos [corpos] que se densificam, mas não se evaporam por efeito
do fogo, uns [são] de terra e outros [são] mistos de água e ar: o mel [é]
de terra, enquanto o azeite [é] de ar. Tanto o leite como o sangue são
mistos de ambos[, isto é,] de água e de terra, mas [são] mais de terra na
maioria das vezes, como também todos os líquidos dos quais se formam
soda e sais; e há mesmo pedras que se constituem a partir de [coisas]
20 desse tipo. Por isso, se o soro do leite não for separado, queima-se ao
ferver por efeito do fogo. A parte terrosa coagula-se também por efeito
do sumo de figueira 131, caso [o leite] seja fervido de alguma maneira,
como quando os médicos coagulam com sumo de figueira: é assim que
se separam o soro e a coalhada 132. Ora, o soro [assim] separado não
se densifica mais, mas queima-se como água. E se o leite tem pouca
ou nenhuma coalhada, [é] mais de água e não é nutritivo. Do mesmo
modo o sangue também: solidifica-se pelo facto de secar, ao arrefecer.
Já os [sangues] que não se solidificam, como o de veado 133, [são] mais
de água; e os desse tipo [são] frios. Por isso, também não têm fibras,
pois as fibras são de terra e são algo de sólido, de modo que, se forem
tiradas [do sangue], [este] tão-pouco se solidifica. É assim porque não
30 seca, pois o que [lhe] resta é água, como ao leite quando se lhe tira a
coalhada. Um sinal: os sangues doentes não tendem a solidificar-se. Com
efeito, têm aspeto de linfa — e isso [é] fleuma e água — pelo facto de
não serem cozinhados e dominados pela natureza.
Ademais, alguns [corpos] são solúveis, como a soda, e outros, inso-
384b lúveis, como a cerâmica; e destes uns [são] amolecíveis, como o corno,
e outros não amolecíveis, como a cerâmica e a pedra. A causa é que
os contrários são causas dos contrários 134, de modo que, se [os cor-
pos] se solidificam por duas [causas], o frio e o seco, necessariamente
se dissolvem pelo quente e pelo húmido. Por isso, [dissolvem-se] com
fogo e com água, pois estes são contrários: com água, os [corpos] que

131. A resina da figueira, 132. Isto é, a caseína. 133. Sobre o sangue do


opos (384a21), era usada O termo grego, turos veado, ver PA ii 4, 650b14
como coalho para o leite: (384a22), designa também e segs.
ver GA i 20, 729a9­‑14 e ii o queijo: cf. HA iii 20,
3, 737a12­‑16; cf. Platão, 521b26 e segs. 134. Ver acima, no Livro IV,
Ti. 60b. o capítulo 6 (383b16­‑17).

198
aristóteles

se solidificam só pelo fogo; com fogo, os que se solidificam só com o


frio. Por conseguinte, se acontecer que algo 135 seja solidificado por am-
bos, esses [corpos são] especialmente insolúveis. Tornam-se tais todos
os [corpos] que, após terem sido aquecidos, em seguida se solidificam 10

pelo frio. Com efeito, acontece que, quando o quente, escapando-se, fez
evaporar a maior parte do húmido, estes ficam outra vez comprimidos
pelo frio, ao ponto de não darem passagem ao húmido. Por causa disso,
nem o quente dissolve [esses corpos], pois [o quente] dissolve os que se
solidificam apenas pelo frio, nem [são dissolvidos] pela água, pois [esta]
não dissolve os que são solidificados pelo frio, mas apenas os que [são
solidificados] pelo quente seco. O ferro, fundido pelo calor, solidifica-se
ao ser arrefecido. As madeiras são de terra e de ar: por isso, são com-
bustíveis e não fusíveis nem amolecíveis; e flutuam sobre a água, exceto
o ébano — este não, pois as outras têm mais ar, mas o ar dissipou-se
do ébano, que é negro 136, e nele há mais terra. Já a argila 137 [é] só de 20

terra, pelo facto de, ao secar, se solidificar aos poucos. Com efeito, nem
a água tem entrada [nas passagens] pelas quais escapou apenas sopro 138,
nem o fogo, pois foi ele mesmo que [a] solidificou.
Dissemos, pois, o que são a solidificação e a fundição, bem como por
que [causas] e em que [corpos] se dão.

8 . q ua l i da d e s d o s c o r p o s

A partir disto, fica claro que os corpos são constituídos pelo quente e
pelo frio e que estes fazem o seu trabalho sobre aqueles densificando[-os]
e solidificando[-os]. E pelo facto de os [corpos] serem forjados 139 por
estes, em todos há calor e nalguns também frio, na medida em que falta

135. Segundo a correção do 137. Isto é, a cerâmica: Esse verbo reaparece


eit’ei do manuscrito J por ei ver, acima, o capítulo 6 adiante, no Livro IV,
ti acolhida por Fobes, em (383b11­‑12). capítulo 10 (388a27). Cf.
384b6. O manuscrito E tem GC ii 3, 330b13.
apenas ei. 138. Ver, mais adiante, o
capítulo 8 (385a28­‑30).
136. Enquanto o ar é
branco: ver, no Livro III, o 139. Em grego,
capítulo 4 (374a2­‑3). demiourgeisthai (384b26­‑27).

199
meteorológicos

[calor]. Por conseguinte, uma vez que estes 140 estão presentes pelo facto
de agirem — enquanto o húmido e o seco pelo facto de padecerem —,
os [corpos] mistos 141 participam deles todos 142.
30 Os corpos homeómeros 143 — quer nas plantas, quer nos animais, quer
ainda nos minerais 144, tais como ouro, prata e todos os demais desse
tipo — são, pois, constituídos, de água e terra, tanto por elas mesmas 145
como pela exalação que está encerrada numa das duas, como se disse
385a noutro sítio 146. Mas estes [corpos] diferem todos uns dos outros, tanto
pelas [afeções] próprias em relação às sensações, por serem capazes de
produzir algo 147 ([um corpo] é branco, odorante, sonoro, doce, quente e
frio, por ser capaz de produzir algo quanto à sensação), como também
por outras afeções mais intrínsecas que contam [como afeções] pelo facto
de [os corpos as] padecerem, entendo, por exemplo, o [ser] fundível,
solidificável, flexível e todas as outras [afeções] desse tipo; pois todas elas
[são] passivas, exatamente como o húmido e o seco. E por elas já diferem
10 osso, carne, tendão, madeira, cortiça, pedra e cada um dos demais corpos
naturais homeómeros.

140. Isto é, calor e frio. (genericamente, os tecidos) de iii 6 e o Livro IV são


e as não homeómeras (os autênticos (e a remissão
141. Isto é, os corpos que órgãos), constituídas a não é uma interpolação),
derivam de mais de um partir daquelas. Ver, por estes constituem tratados
elemento: ver acima, no exemplo, entre muitas distintos: ver Viano 2006:
Livro IV, o capítulo 4 ocorrências desta doutrina, 110. De qualquer forma,
(382a4­‑5). abaixo, iv 10, 388a10­‑20, e trata­‑se da única referência
o capítulo 12. à exalação presente no
142. Isto é, das quatro Livro IV.
propriedades, ou melhor, 144. Em grego,
qualidades, que caracterizam metalleuomena (384b32). 147. Trata­‑se provavelmente
os corpos elementares. Apesar de os exemplos duma referência à distinção
serem todos de metais, entre sensíveis próprios e
143. São homeómeros, para provavelmente devemos sensíveis comuns que
Aristóteles, os corpos que se entender todos os minerais, De an. ii 6 opera no
dividem em partes iguais ao isto é, metais e minérios: interior dos «sensíveis
todo (GC i 1, 314a18­‑20), ver, no Livro III, o por si», isto é, aqueles
como osso, carne, tendão, capítulo 6 (378a20­‑21). que efetivamente afetam
madeira, cortiça, apenas os sentidos. Os sensíveis
para citar alguns dos 145. Isto é, água e terra. próprios de um sentido são
exemplos referidos mais os que não são objeto de
à frente pelo próprio 146. Provavelmente no nenhum outro sentido.
Aristóteles. A noção é Livro III, capítulo 6
particularmente importante (378a15­‑b6). Em Aristóteles,
no contexto da explicação a expressão en allois
aristotélica da composição (384b34), «noutro sítio»,
dos corpos dos animais a «alhures», parece ser usada
partir das suas partes, que sempre para indicar uma
ele justamente distingue obra diferente, o que
entre as homeómeras significaria que, se o final

200
aristóteles

Enumeremos primeiro todas aquelas que são chamadas de acordo com


uma capacidade e uma incapacidade. Ei-las:

Solidificável — Não solidificável;


Fundível — Não fundível;
Amolecível — Não amolecível;
Amaciável — Não amaciável;
Flexível — Inflexível;
Quebrável — Inquebrável;
Fragmentável — Não fragmentável;
Esmagável — Não esmagável;
Moldável — Não moldável;
Compressível — Incompressível;
Esticável — Inesticável;
Maleável — Imaleável;
Fendível — Não fendível;
Cortável — Não cortável;
Viscoso — Friável;
Prensável — Não prensável;
Combustível — Incombustível;
Exalante — Não exalante.

A quase maioria dos corpos difere de acordo com estas propriedades 148.


Mas digamos agora que capacidade cada uma delas tem. 20

s o l i d i f i c áv e l e f u n d í v e l

Sobre o solidificável e o não solidificável, bem como sobre o fundível


e o não fundível, já se falou antes 149 de forma geral, mas voltemos [a isso]

148. A palavra que aqui se afetam cada «corpo natural


traduz por «propriedades», homeómero», enquanto
pathe (385a19), é a mesma ele é suscetível de sofrer
que acima foi traduzida o efeito delas: ver, acima,
por «afeções» (385a5). Na 385a4­‑8.
realidade, as propriedades
de ser solidificável, 149. Ver acima, no Livro IV,
fundível, etc., são as que os capítulos 6 e 7.

201
meteorológicos

agora também. Entre os corpos que se solidificam e endurecem, alguns


sofrem isso por efeito do quente e outros por efeito do frio: por efeito
do quente que seca o húmido e por efeito do frio que expulsa o quente.
Portanto, alguns sofrem isso por falta de húmido e outros [por falta]
de quente: os [que são] de água [por falta] de quente; os [que são] de
terra [por falta] de húmido. Aqueles que [o sofrem] por falta de húmido
derretem, pois, por efeito do húmido, a menos que sejam unidos de tal
modo que os seus poros fiquem menores do que as massas de água,
30 como [no caso d]a argila 150. Aqueles que não [são] assim fundem-se todos
com o húmido, como a soda, os sais, a terra que se forma da lama. Já as
coisas que [solidificam] por privação de quente fundem-se por efeito do
quente, como o gelo, o chumbo e o cobre.
Foi dito, então, quais [corpos são] solidificáveis e fundíveis e quais
385b [são] não fundíveis. E [são] não solidificáveis os que não têm humidade
aquosa, nem são de água, mas [são] mais de quente e de terra, como o
mel e o mosto 151 (pois é como se estivessem em ebulição), bem como os
que contêm, sim, água, mas são mais de ar, como o azeite e o mercúrio 152
e qualquer outro [corpo] viscoso, como <o pez e> 153 a resina de carvalho.

9 . q ua l i da d e s d o s c o r p o s
( c o n t i n uaç ão )

amolecível

De entre aqueles que se podem solidificar, são amolecíveis os que não


são de água (como o gelo, que é de água) 154, mas [são] mais de terra,

150. Isto é, da cerâmica. 152. Em grego, ho arguros 385b7. A primeira mão do


Cf. Livro IV, capítulo 7 ho khutos (385b4­‑5), «a manuscrito J não contém
(384b20­‑21). A menção prata líquida». «como o gelo, que é de
de poros não implica a água». Louis adota uma
aceitação da noção de 153. É Fobes que o correção marginal de E
vazio, noção que Aristóteles acrescenta em 385b5 e J: «como o gelo, pois o
rejeita: ver Ph. iv 6­‑9. com base na paráfrase de gelo é todo de água». Não
Ver também adiante, no Olimpiodoro (320, 25) é de se excluir que se trate
capítulo 9 (386b2­‑4), a e na de Alexandre de de glosas derivadas do
propósito dos corpos Afrodísias (215, 5). comentário de Alexandre
compressíveis. de Afrodísias (215, 7­‑8),
154. De acordo com o como sugere Groisard.
151. Cf. Livro IV, capítulos 6 texto do manuscrito E,
(383a4­‑6) e 7 (384a4­‑5), seguido por Fobes, em
respetivamente.

202
aristóteles

e [que] não exalaram todo o húmido (como na soda e nos sais), nem
têm [água e terra] de modo irregular (como a argila), senão que são ou 10

esticáveis sem ficarem molhados, ou maleáveis sem serem de água, e [são]


amolecíveis pelo fogo, como o ferro, o corno e a madeira 155.

a m a c i áv e l

De entre os [corpos] fundíveis e não fundíveis, alguns são amaciáveis e


outros não, como o cobre, [que é] não amaciável, apesar de ser fundível,
enquanto a lã e a terra [são] amaciáveis, porque se encharcam 156. O cobre
[é] certamente fundível, mas não [é] fundível pela água. Mas mesmo
de entre os [que são] fundíveis pela água, alguns [são] não amaciáveis,
como a soda e os sais. Com efeito, nenhum outro é amaciável que não
se torne mais mole quando encharcado. Alguns [corpos], mesmo sendo
amaciáveis, não são fundíveis, como a lã e a fruta. E são amaciáveis os
que, apesar de serem de terra, têm os [seus] poros maiores do que as 20

massas de água, sendo, porém, mais duros  157


do que a água. São fundí-
veis pela água aqueles que [têm poros] em todo o lado 158. Porque é que
a terra tanto se funde como fica macia por efeito do húmido, enquanto
a soda se funde, mas não fica macia? Porque, na soda, os poros [estão]
em todo o lado, de modo que as [suas] partes são imediatamente divi-
didas pela água, enquanto na terra há também poros distanciados 159, de
modo que, conforme [a água] for recebida de uma maneira ou da outra,
o fenómeno difere.

155. Todavia, acima «amolecível pela água» Alexandre de Afrodísias


no Livro IV, capítulo 7 (tal como o amolecível (215, 28­‑31).
(384b15­‑16), diz­‑se propriamente dito o é pelo
que a madeira não é fogo), está muito próximo 158. A frase relativa é
amolecível. Para remediar de «permeável», como elíptica: parece subentender
a contradição, em geral os traduz Groisard. o que acabou de ser dito,
intérpretes ou suprimem do ou seja, a porosidade ou
texto o exemplo ou alegam 157. A tradução não segue o penetrabilidade dos corpos.
que, aqui, se trata de tipos texto adotado por Fobes em Ver também a continuação.
particulares de madeira ou 385b20­‑21, onton skleroteron
que não se trata da madeira (genitivo plural), primeira 159. Em grego, parallax
natural, mas sim da madeira mão do manuscrito E, mas (385b25). Cf. abaixo
aquecida artificialmente sim uma correção marginal, (386a15), a propósito do
para ser trabalhada. ontas skeroterous (acusativo quebrável e do fragmentável.
plural). Os poros deveriam
156. Entende­‑se que ser mais duros do que a
«amaciável», isto é, água para resistir a esta: ver

203
meteorológicos

flexível

Há também corpos que são flexíveis e endireitáveis, como cana e junco,


enquanto outros corpos [são] inflexíveis, como argila 160 e pedra. Não po-
30 dem ser fletidos 161 nem endireitados todos aqueles corpos que, no sentido
do comprimento, não podem mudar de curvo para direito ou de direito
para curvo — o curvar-se e o endireitar-se são mudar ou mover-se para
o direito ou para o curvo 162. Com efeito, flete-se tanto o que se flete para
386a cima como o que se flete para baixo. O movimento para convexidade ou
concavidade é uma flexão com conservação do comprimento. Com efeito,
se fosse também [um movimento] para o direito, o corpo estaria ao mesmo
tempo fletido e direito, o que justamente é impossível — [a saber], que o
direito esteja fletido. E, se tudo se flete ou por uma flexão para cima ou por
uma flexão para baixo e, destas, uma é mudança para o convexo e a outra
para o côncavo, não pode haver flexão também para o direito, senão que
flexão e endireitamento são coisas diferentes. E os mesmos [corpos] 163 são
flexíveis e endireitáveis, bem como inflexíveis e não endireitáveis.

q u e b r áv e l e f r a g m e n táv e l

E alguns [corpos] são quebráveis e fragmentáveis 164, conjuntamente


10 ou separadamente, como a madeira, quebrável, mas não fragmentável;
o gelo e a pedra, fragmentáveis, mas não quebráveis; a argila, tanto
fragmentável como quebrável. Mas [quebra e fragmentação] diferem,
porque a quebra é uma divisão, isto é, uma separação em partes gran-
des, enquanto [a] fragmentação é [uma divisão] em [partes] de qualquer
[tamanho] e em número superior a dois. Os [corpos] que se solidi-
ficaram de um modo tal que têm muitos poros distanciados 165 [são]
fragmentáveis (pois destacam-se até aí 166), enquanto os que [têm poros]

160. Isto é, cerâmica. não, como Fobes e Louis, 166. Isto é, até onde ficam
taûta, «esses». os poros.
161. Ou «dobrados».
164. Ou «despedaçáveis».
162. Assim no original.
163. Em 386a6, com 165. Em grego, parallattontas
Groisard, lemos tautá, e porous (386a15). Cf., acima,
385b25.

204
aristóteles

por uma longa [distância] 167 [são] quebráveis e os que [têm] ambos 168


[são] ambas as coisas 169.

e s m a g áv e l e m o l d áv e l

E alguns corpos [são] esmagáveis 170, como cobre e cera, enquanto


outros [são] não esmagáveis, como argila 171 e água. Um esmagamento é
uma retração, parcial e em profundidade, de uma superfície, por pres-
são ou golpe, de maneira geral por contacto. Os [corpos] deste tipo são 20

também amolecíveis [pelo calor], como a cera — que muda parcialmente,


enquanto o resto da superfície permanece [inalterado] —, ou duros, como
o cobre, enquanto os não esmagáveis [são] tanto duros, como [a] argila
(pois a [sua] superfície não cede em profundidade), como fluidas 172,
como a água (pois cede, sim, mas não parcialmente, antes reverte 173). De
entre os [corpos] esmagáveis, os que, uma vez esmagados, permanecem
[assim] e são facilmente esmagáveis à mão, esses, [são] moldáveis 174,
enquanto os que não são facilmente esmagáveis, como pedra ou madeira,
ou que são, sim, facilmente esmagáveis, mas [nos quais] o esmagamento
não permanece, como lã ou esponja, não são moldáveis: estes são, antes,
compressíveis.

compressível

São compressíveis todos os corpos que, apertados, podem contrair-se 30

sobre si mesmos, retirando-se a [sua] superfície em profundidade sem se


dividir e sem que uma parte troque de lugar com outra 175, como faz a
água: com efeito, ela reverte 176. Aperto é o movimento por efeito do que

167. Texto elíptico. Ademais, 168. Isto é, muitos poros e 173. Em grego,


em 386a16, os manuscritos por uma longa distância. antimethistatai (386a25). Ver
trazem eis polu, «em a nota 276 ao Livro I.
muito», mas, com outros 169. Isto é, quebráveis e
intérpretes, preferimos fragmentáveis. 174. Ou «plasmáveis».
entender epi polu, «por
170. Isto é, corpos em que 175. Em grego,
muito». A ideia seria que
se pode imprimir algo, methistamenou (386a31).
o alinhamento dos poros,
«impressíveis».
ainda que não contíguos 176. Ver, supra, a nota 173
e não 171. Isto é, a cerâmica. ao Livro IV.
numerosos, criaria uma
linha de quebra. 172. Isto é, líquidas.

205
meteorológicos

386b move, [movimento] que se dá a partir do contacto — um golpe, quando


a partir de um deslocamento. [São] comprimidos os [corpos] que têm
poros vazios de um corpo do mesmo género 177. E [são] compressíveis
todos os que podem contrair-se nas suas próprias [partes] vazias ou nos
seus próprios poros <pois, às vezes, os [poros] nos quais se contraem
não estão vazios> 178, como a esponja encharcada — pois os seus poros
estão cheios. Mas [são também compressíveis os corpos] cujos poros
estejam cheios de [corpos] mais moles do que aquilo que naturalmente
se contrai, ele próprio, neles 179. São, pois, compressíveis, por exemplo,
a esponja, a cera e a carne. E [são] não compressíveis os [corpos] que
não se contraem naturalmente nos seus próprios poros, pelo facto ou
10 de não os terem, ou de os terem cheios de [corpos] mais duros. Com
efeito, o ferro não é compressível, nem a pedra, nem a água, nem nada
que seja fluido 180.

e s t i c áv e l

São esticáveis todos os [corpos] cuja superfície pode deslocar-se para


o lado. Com efeito, o esticar-se consiste em a superfície deslocar-se na
direção do que [a] move, permanecendo contínua. Alguns [corpos] são
esticáveis, como o cabelo, a correia de couro, o tendão, a massa e a resina,
enquanto outros são não esticáveis, como a água e a pedra. Em certos
casos, os mesmos [corpos] são esticáveis e compressíveis, como a lã;
noutros, não: por exemplo, a fleuma não é compressível, mas [é] esticável,
enquanto a esponja [é] compressível, mas não [é] esticável.

177. Não se trata 178. Linha 386b4: entre 179. Ou «nelas». Isto é, nas


necessariamente de um parênteses retos em Fobes, suas partes ou nos seus
vazio no sentido absoluto enquanto Louis acolhe poros. Ver logo adiante.
do termo, noção que essa frase transmitida
Aristóteles rejeita (Física iv pelo manuscrito E, mas 180. Isto é, líquido.
6­‑9), mas de um lugar omitida em J. Trata­‑se
desprovido de corpo do provavelmente de uma glosa
mesmo tipo que aquele de que acabou por ser inserida
que o corpo em questão no texto. Para Aristóteles,
é formado. De qualquer os poros nunca estão vazios
forma, não está em jogo a em sentido absoluto: ver a
divisibilidade dos corpos nota precedente.
em geral, como em GC i 9,
326b26­‑28.

206
aristóteles

m a l e áv e l

Ademais, certos [corpos] são maleáveis, como o cobre, outros, imaleá-


veis, como a pedra e a madeira. São maleáveis todos aqueles cuja superfície
pode, por um mesmo golpe, deslocar-se, por partes, ao mesmo tempo tanto 20

em largura como em profundidade  ; [e são] imaleáveis todos os que são


181

incapazes [disso]. Todos os [corpos] maleáveis são também esmagáveis,


mas nem todos os [corpos] esmagáveis [são] maleáveis, por exemplo, a
madeira. No entanto, falando em termos gerais, convertem-se 182. Entre
os [corpos] esmagáveis, uns [são] maleáveis, outros, não: a cera e a lama
[são] maleáveis, enquanto a lã não, <nem a água> 183.

fendível

Ainda, certos [corpos] são fendíveis, como a madeira, outros não


fendíveis, como a argila 184. É fendível aquilo que é capaz de dividir-se
por uma extensão maior do que [a extensão pela qual o] divide aquilo
que [o] divide 185: [algo] fende-se quando se divide por uma extensão
maior do que [a extensão pela qual o] divide aquilo que [o] divide
— isto é, a divisão prossegue, enquanto no corte não é assim. São não 30

fendíveis todos os [corpos] que não podem sofrer isso. Algo mole não
é fendível — falo dos [corpos] moles em absoluto e não [dos que o
são] em relação a outras coisas, pois senão até o ferro será mole 186. Mas
nem todos os [corpos] duros [são fendíveis], mas sim [apenas] aqueles 387a

181. Isto é, que são 183. Linha 386b25: entre e absolutamente duro ou


simultaneamente parênteses retos em Fobes mole (na verdade, duro ou
compressíveis e esticáveis. (que segue uma sugestão de mole de modo absoluto em
Thurot), apesar de presente relação à média que é a
182. O verbo grego em em todos os manuscritos. sensação tátil), ver acima,
386b24 é antistrephein, Com efeito, o autor disse no Livro IV, o capítulo 4
empregado em lógica para um pouco acima que a água (382a14­‑21), com a nota 87.
indicar a conversão, isto não é esmagável (386b11).
é, a troca de predicados
(e não propriamente de 184. Isto é, a cerâmica.
sujeito e predicado): ver,
por exemplo, APr. i 1, 25a6; 185. Ou seja, o que se
cf. GC ii 10, 328a19. No parte facilmente quando se
caso: todos os [que são] começa a cortar.
maleáveis são esmagáveis
e todos os [que são] 186. Para a distinção entre
esmagáveis são maleáveis. relativamente duro ou mole

207
meteorológicos

que não sejam fluidos 187, nem esmagáveis 188, nem fragmentáveis. São


desse tipo todos os que têm em comprimento, mas não em largura, os
poros através dos quais [as partes] se juntam umas com as outras 189.

c o r táv e l

São cortáveis, entre os [corpos] constitutivamente duros ou moles, os


que podem não prosseguir necessariamente a divisão 190 e não se fragmen-
tarem, ao serem divididos. Quanto aos que <não> forem húmidos 191, os
desse tipo [são] não cortáveis. Nalguns casos, os mesmos [corpos] são
tanto cortáveis como fendíveis, como a madeira — mas, no mais das
vezes, fendível em comprimento e cortável em largura. Com efeito, uma
vez que cada [corpo] se divide em muitos, na medida em que a [sua]
10 unidade [consiste em] muitos comprimentos, [é] fendível, mas, na medida
em que a [sua] unidade [consiste em] muitas larguras, [é] cortável.

viscoso

[Algo] é viscoso quando, mesmo sendo fluido ou mole, [for] esticável.


Tornam-se tais, por entrelaçamento [das suas partes], todos os corpos que
são constituídos como cadeias. Com efeito, estes podem estender-se e con-
trair-se por uma grande extensão. Todos os que não [são] tais são friáveis.

187. Isto é, líquidos. texto de E, seguido por parte aos dos duros e


Louis, omite­‑o. Thillet dos moles no capítulo 10
188. No entanto, a madeira justifica a negativa, alegando (388a27­‑28) parece dar
foi acima considerada que é a presença do húmido razão a Groisard.
esmagável, embora não que permite o corte: «o
facilmente (386a25­‑27). que não é húmido» seria
o seco em absoluto. Para
189. O sentido desta justificar a supressão
passagem não está claro. da negação, Groisard
argumenta que a exclusão
190. Ao contrário dos
dos corpos fluidos faz­‑se
fendíveis: ver, acima,
necessária na medida em
386b29.
que estes satisfazem as duas
191. Em 387a6, Fobes segue condições de cortabilidade
o texto do manuscrito J, fornecidas imediatamente
que contém o advérbio de antes. A menção dos corpos
negação, me, enquanto o húmidos como grupo à

208
aristóteles

p r e n s áv e l

São prensáveis todos os [corpos], de entre os compressíveis, que têm


a compressão estável, enquanto são imprensáveis os incompressíveis em
geral, ou [então os que] não têm a compressão estável.

combustível e exalante

Certos [corpos] também são combustíveis, outros incombustíveis: por


exemplo, a madeira, a lã e o osso [são] combustíveis, enquanto a pedra
e o gelo [são] incombustíveis. São combustíveis todos aqueles que têm
poros capazes de receber o fogo e que têm uma humidade mais fraca 20

do que o fogo nos poros [dispostos] em linha reta. Todos os que  192
não
têm [poros desse tipo] ou [que têm uma humidade] mais forte, como o
gelo e as plantas muito verdes, [são] incombustíveis.
De entre os corpos, são exalantes 193 todos aqueles que têm humida-
de, mas de tal forma que esta não se evapora separadamente do que é
queimado pelo fogo. Com efeito, o vapor é a excreção 194 capaz de molhar
proveniente de um líquido [transformado] em ar e sopro por efeito de um
calor capaz de queimar. Com o tempo, os [corpos] exalantes [também]
excretam ar e uns desvanecem ao secarem, outros tornam-se terra. Mas
essa excreção é diferente [do vapor], porque não molha, nem se torna
sopro. O sopro é um fluxo contínuo do ar em comprimento. Já a exalação 30

é a excreção mista do seco e do húmido juntos, por efeito de um calor


capaz de queimar: por isso mesmo, não molha, mas, antes, dá cor. E a
exalação de um corpo lenhoso é fumo — entendo, no mesmo [grupo], 387b

192. Em 387a21, como formula a teoria da dupla desenvolvida aqui. Aliás,


Fobes, não mantemos a exalação (seca e húmida): o termo que designa
primeira disjuntiva e, «ou», ver, no Livro I, o capítulo neste local a exalação é
que aparece no manuscrito 4. É também por isso que um substantivo diferente,
E, mas não noutros. preferimos esta tradução embora da mesma família,
a outras possíveis, como thumiasis (assim em 387a30
193. «Exalante» traduz «volátil» ou «vaporizável» e novamente em 387a32­‑b1,
thumiaton (387a26), cuja (de facto, o termo parece 387b6, 387b13 e 388a3).
raiz é a mesma que a de abarcar uma grande
anathumiasis, «exalação», variedade de significados), 194. O termo grego é
noção central nos livros apesar de a teoria da ékkrisis (387a25­‑26).
anteriores, em que se dupla exalação não estar

209
meteorológicos

ossos, cabelos e todo o [corpo] desse tipo. Não está estabelecido um


nome comum [para tais coisas], mas, por analogia, estão todos, apesar de
tudo, no mesmo [grupo], como diz também Empédocles: «são o mesmo
cabelos, folhas, plumas cerradas de pássaros e escamas 195 que nascem
sobre fortes membros» 196. A exalação de algo gorduroso [é] fuligem,
enquanto a de algo oleoso [é] um fumo denso 197. O azeite não ferve 198
nem se densifica 199, porque é exalante, mas não evaporável. Já a água não
[é] exalante, mas evaporável. Quanto ao vinho, o doce 200 exala, pois [é]
10 gorduroso, e faz o mesmo que o azeite: não se solidifica por efeito do
frio, mas queima. É vinho de nome, mas não [o] é de facto, pois o seu
sabor não [é] o de vinho. Por isso, tão-pouco 201 embriaga. Já um vinho
qualquer tem pouca exalação 202: por isso, solta chama.
Parecem ser combustíveis todos os corpos que se dissolvem em cin-
zas. Sofrem isso todos aqueles que se solidificam com o quente ou com
ambos, o quente e o frio. Com efeito, esses [corpos] são manifestamente
dominados pelo fogo. De entre as pedras, a menos [dominada pelo
fogo] é a pedra preciosa chamada «carbúnculo». De entre os [corpos]
combustíveis, uns são inflamáveis, outros não inflamáveis; e, destes 203,
20 alguns são carbonizáveis. [São] inflamáveis todos os [corpos] que podem
provocar chama; todos os que são incapazes [disso são] não inflamá-
veis. E são inflamáveis todos aqueles que, mesmo não sendo húmidos,
são exalantes: o pez, o azeite e a cera são inflamáveis, mas mais com
outras coisas do que sozinhos. [São] maximamente [inflamáveis] os
que soltam fumo. [São] carbonizáveis todos os [corpos] desse tipo que
têm mais terra do que fumo. Ademais, alguns [corpos], mesmo sendo

195. Lendo lopides (387b5). 200. Isto é, o mosto. (touton) da linha 387b19


é o último grupo
196. DK 31 B 82. Cf. GA i 201. Com Thillet, na mencionado, a saber, o
23, 731a4­‑5 (= DK 31 B 79). linha 387b12, lemos dio dos não inflamáveis, mas
kai, segundo o texto do o sentido e a continuação
197. «Fumo denso» tenta
manuscrito E, e não o indicam, antes, o anterior, o
traduzir knisa (387b6). Ver
estabelecido por Fobes. dos inflamáveis. É possível
adiante, ainda no capítulo 9
(388a7­‑8). também que seja todo o
202. Como Thillet, grupo dos combustíveis.
198. Ver acima, no Livro IV, não conservamos a
o capítulo 3 (381a8­‑9). primeira adversativa de
na linha 387b12, nem o
199. Ver, porém, acima, parêntese de Fobes.
no Livro IV, o capítulo 7
(383b20 e segs.). 203. Em princípio, o
antecedente do pronome

210
aristóteles

fundíveis, não são inflamáveis, como o cobre. E [alguns] inflamáveis


não [são] fundíveis, como a madeira. Outros ainda são ambos, como
o incenso. A causa [disso] é que a madeira tem o húmido compacto e
[este] é contínuo pelo [corpo] todo, de modo que se queima comple-
tamente, enquanto o cobre [tem-no] em cada uma das partes, mas não
contínuo, e pouco demais para produzir chama. Já o incenso tem[-no] 30

tanto de uma maneira quanto da outra  . São inflamáveis, de entre os


204

[corpos] exalantes, todos os que não são fundíveis por serem mais de
terra. (Com efeito, têm o seco junto com o fogo: quando, então, esse 388a

seco se torna quente, forma-se fogo; por isso, a chama é sopro ou fumo
queimado 205). A exalação da madeira é, pois, fumo, enquanto a da cera,
do incenso e dos [corpos] desse tipo, do pez e de todos os que contêm
pez ou coisas desse tipo é fuligem. A do azeite e de todos os [corpos]
oleosos [é] fumo denso, assim como a daqueles que sozinhos queimam
pouquíssimo — porque têm pouco de seco e a mudança [sucede] devido
a isso 206 —, mas [queimam] rapidamente quando com outra coisa — pois
é isso a gordura: seco oleoso. De entre os [corpos] húmidos, os que
exalam 207 [são] mais de húmido, como o azeite e o pez, enquanto os
que se queimam [são mais] de seco.

10. corpos homeómeros e corpos


não homeómeros

Por estas propriedades e por estas diferenças, os corpos homeómeros, 10

como foi dito  , diferem uns dos outros quanto ao tato e ainda por
208

sabores, cheiros e cores. Entendo por homeómeros, por exemplo, tanto


os minerais (cobre, ouro, prata, estanho, ferro, pedra e os demais desse
tipo, bem como todos os que se formam a partir destes ao serem ex-
cretados) quanto os [presentes] nos animais e nas plantas, como carnes,

204. Isto é, o húmido está Livro III, o capítulo 1 207. Aqui, o verbo significa,


disposto de forma contínua (371a33­‑b1). Ver também talvez, «emitir fumo».
e em quantidade suficiente GC ii 4, 331b25­‑26.
para produzir chama. 208. Ver acima, no Livro IV,
206. Sobre a transformação o capítulo 8 (385a8­‑10).
205. Isto é, o seco. Ver recíproca dos corpos
acima, no Livro I, o elementares, ver GC ii 4.
capítulo 4 (341b2) e, no

211
meteorológicos

ossos, tendão, pele, vísceras, cabelos, fibras, veias — a partir dos quais
[são], por sua vez, constituídos os não homeómeros, como rosto, mão,
pé e os demais desse tipo —, bem como, nas plantas, madeira, cortiça,
20 folha, raiz e todos os desse tipo 209. Uma vez que aqueles 210 se constituem
por uma outra causa 211, mas os [corpos] a partir dos quais eles [são
constituídos] 212 [são], por um lado, matéria, o seco e húmido (logo, água
e terra, pois estes têm, cada um, uma dessas duas potências de maneira
evidentíssima), por outro, os agentes, o quente e frio (pois estes constituem
e solidificam [os corpos] a partir daqueles 213), estabeleçamos, de entre
os homeómeros, quais são [as] formas [constituídas] de terra, quais [as]
de água e quais [são] mistos.
De entre os corpos forjados 214, uns são húmidos, outros moles, outros
ainda duros. Destes — foi dito antes 215 —, todos os que são duros ou
moles [são-no] por solidificação.
30 De entre os húmidos 216, os que se evaporam [são] de água, enquanto
os que não [se evaporam] ou [são] de terra, ou [são] mistos de terra e
de água, como o leite, ou de terra e de ar, como a madeira 217, ou de água
e de ar, como o azeite 218. E todos aqueles que se densificam por efeito
do quente são mistos. (Poder-se-ia levantar uma dificuldade, de entre
388b os húmidos, acerca do vinho, pois este tanto pode evaporar-se como se

209. Os exemplos 213. Isto é, a partir do secode Afrodísias (220, 2­‑3)


de partes de plantas e húmido. Ver acima, no supôs que o autor se
relacionam­‑se com os de Livro IV, os capítulos 4 referisse à madeira «verde»,
partes homeómeras de (382a3­‑4) e 5 (382b3). mas também já se propôs
animais e não com os de corrigir o texto, substituindo
partes não homeómeras, 214. Em grego, por «mel» (ver acima, no
contrariamente ao que a dedemiourgemenon (388a27). Livro IV, os capítulos 7,
pontuação de Fobes do Este verbo já apareceu 384a14­‑15, e 8, 385b2);
texto grego em 388a16­‑19 no Livro IV, capítulo 8 porém Alexandre (220,
poderia sugerir; ver adiante, (384b26­‑27). 12­‑13) considera o mel
ainda no capítulo 10, como composto de terra
389a13. O facto de folhas e 215. Livro IV, capítulo 4 e água. Todavia, Thillet
raízes serem qualificadas de (382a25). tem razão em lembrar que
organa, «instrumentos», em hugra designa também os
216. Ou «fluidos». O termo
De an. ii 1, 412b1­‑4, não corpos húmidos (assim
hugra admite os dois
contradiz a sua constituição traduzimos o termo aqui),
sentidos.
homeómera. e é esse o caso da madeira
217. Já fora dito que a também: ver, no Livro IV, o
210. Isto é, os não capítulo 4 (380b24­‑27).
madeira é de terra e ar
homeómeros.
(ver acima, no Livro IV, o
218. Ver acima, no Livro IV,
211. Ver adiante, no capítulo 7, 384b15­‑16), mas
o capítulo 7 (384a14­‑16).
Livro IV, capítulo 12. pode surpreender que a
madeira seja posta entre os
212. Isto é, os homeómeros. corpos líquidos. Alexandre

212
aristóteles

densifica, como o [vinho] novo 219. A causa é que o vinho não se situa 220


numa única forma, mas cada um [é] de um modo diferente. Com efeito,
o novo é mais de terra do que o velho. Por isso, também se densifica
principalmente com o quente e se solidifica menos por efeito do frio.
É que contém muito calor e é de terra 221, como o [vinho] na Arcádia:
seca tanto nos odres, acima 222 do fumo, que é raspado para ser bebido.
Se decerto todo [o vinho] tem sedimento, [ele] tem tanta quantidade
disso conforme for de uma ou de outra, de terra ou de água.) Todos os
[corpos] que se densificam por efeito do frio [são] de terra, enquanto os
que [se densificam] por efeito de ambos 223 [são] mistos de mais de um,
como o azeite, o mel e o vinho doce. 10

De entre os [corpos] que ficaram consistentes, os que foram solidificados


por efeito do frio [são] de água, como gelo, neve, granizo e geada, enquanto
os que [foram solidificados] com o quente [são] de terra, como argila 224,
queijo, soda e sais. Os que [foram solidificados] com ambos — são tais
os que [se solidificam] por arrefecimento 225 e estes são os que [se solidi-
ficam] por privação de ambos, isto é, tanto do quente quanto do húmido
que escapa juntamente com o quente, pois os sais solidificam-se apenas
por privação do húmido, assim como os [corpos] que [são] de terra sem
mistura, enquanto o gelo [solidifica-se] apenas [por privação] do quen-
te — são mistos de ambos. É por isso que [foram solidificados] por efeito
de ambos 226 e que continham ambos 227. Os [corpos] dos quais o [húmido]
se evaporou de todo, como a argila 228 ou o âmbar — o âmbar e todos os
[corpos] que se chamam «lágrimas» 229 existem por arrefecimento, como a 20

219. Cf., no Livro IV, o 223. Isto é, do frio e do chamado Erídano não bem


capítulo 7 (384a3­‑14). quente. identificado (Heródoto iii
115) — uma resina vegetal.
220. Em grego, legetai 224. Isto é, a cerâmica. Em todo o caso, tal era
(388b2), à letra «diz­‑se» ou a sua origem mítica: as
«é dito». Parece ser mais 225. Cf. acima, no Livro IV,
lágrimas que as irmãs de
uma ocorrência da noção de o capítulo 6 (383a29­‑30). Faetonte, transformadas
pollakhos legomenon, «dito em árvores por Zeus,
226. Isto é, do quente e
de muitos modos»: ver, derramavam pela morte do
do frio.
supra, a nota 47. irmão, à beira do Erídano,
227. Isto é, água e terra. onde ele caíra, atingido por
221. Cf., no Livro IV, o
um raio enviado pelo deus:
capítulo 8 (385b1­‑5), a 228. Isto é, cerâmica. ver Eurípides, Hipólito,
propósito do mosto.
735­‑741, assim como um
229. Isto é, resinas. escólio a Homero, Odisseia
222. Em grego, huper, Aristóteles parece considerar 17, 208 (cod. H, Q, V),
conforme o texto de o âmbar — que na
Fobes, em 388b2. Mas o citado por Jouan e Van
Grécia antiga provinha Looy 2002, pp. 227­‑228),
manuscrito E tem hupo, provavelmente do extremo
«abaixo» ou «por efeito», a propósito do Faetonte de
norte ou oeste da Europa e Eurípides, tragédia de que
lição acolhida por alguns estava associada a um rio
intérpretes. temos apenas fragmentos.

213
meteorológicos

mirra, o incenso e a goma 230; e o âmbar também parece pertencer a esse


género e solidifica-se (pelo menos, veem-se bichos presos nele): por efeito
do rio, o quente escapa (como [acontece] com o mel fervendo, quando
é deitado na água 231) [e] o húmido evapora-se —, são todos de terra.
E alguns são não fundíveis e não amolecíveis, como o âmbar e algumas
pedras, como, por exemplo, as concreções nas grutas 232. Com efeito, estes
formam-se de maneira semelhante à daqueles e não por efeito do fogo,
mas porque, com a passagem do quente por efeito do frio 233, o húmido
vai embora juntamente com o quente que sai dele 234. Porém[, noutros
30 casos, isso dá-se] por efeito do fogo externo 235. Já os que não [são] 236 de
todo, são mais de terra, mas são amolecíveis, como o ferro e o corno.
(O incenso e os outros [corpos] desse tipo evaporam-se de modo próximo
ao da madeira.) 237
Uma vez que é, pois, preciso considerar fundíveis todos aqueles que
389a se fundem pelo fogo, esses são mais aquosos, mas alguns também mistos,
como a cera. Mas quanto aos que [são fundíveis] pela água, esses [são]
de terra. E quanto aos que não [são fundíveis] por nenhum dos dois,
esses [são] de terra ou de ambos.
Se todos os [corpos] são, pois, ou húmidos 238, ou solidificados, e
[se] os [corpos que estão] nos [géneros constituídos pelas] propriedades
mencio­nadas 239 [estão] entre esses (e nada existe de intermédio), pode
ser que estejam ditas todas [as coisas] pelas quais reconheceremos se

230. Trata­‑se provavelmente 236. Não está claro o que 238. Ou «fluidos», melhor


da goma­‑arábica. deve ser subentendido: os do que «líquidos», como é
intérpretes completam­‑na traduzido de costume.
231. Ver acima, no Livro IV, com «secos», «de terra»,
o capítulo 6 (383a4­‑6). «desprovidos de húmido». 239. Literalmente, a fórmula
Mas verosimilmente tais diz o seguinte: «as coisas
232. Isto é, estalactites e corpos opõem­‑se aos corpos que estão nas propriedades
estalagmites. dos quais os húmidos se mencionadas». Com
evaporam de todo (388b18). Groisard, entendemos que
233. Ou então, como em se trata das classes de
Thillet, «por efeito do frio 237. Entre parênteses em corpos determinadas pelas
que atravessa o quente». Fobes, em 388b31­‑32. propriedades tratadas: ver
Mas a outra formulação Pode tratar­‑se de uma adiante no Livro IV, o
parece fazer mais sentido. interpolação (Alexandre de capítulo 12 (389b25­‑26).
Afrodísias não comenta) Toda a passagem é
234. Isto é, do corpo.
e/ou estar fora do lugar: demasiadamente elíptica,
235. Ver acima, no Livro IV, teria mais sentido acima, logo de difícil compreensão.
o capítulo 6 (383a13­‑19). depois de «goma» (388b20).

214
aristóteles

[um corpo é] mais de terra, de água ou [se é] um misto de mais de um


[elemento], assim como se ficou consistente por efeito do fogo, do frio ou
de ambos. Logo, o ouro, a prata, o cobre, o estanho, o chumbo, o vidro
e muitas pedras desprovidas de nome [são] de água, pois todos eles se
fundem com o quente. E ainda alguns vinhos, a urina, o vinagre, a lixívia, 10

o soro do leite e a linfa  240


[são] de água, pois todos se solidificam com o
frio. Já o ferro, o corno, a unha, o osso, o tendão, a madeira, os cabelos,
as folhas e a cortiça [são] mais de terra. E ainda o âmbar, a mirra, o in-
censo e todos os [corpos] chamados «lágrimas» 241 (isto é, 242 concreção),
bem como os frutos, por exemplo, as leguminosas e o trigo; com efeito,
embora, de entre estes, uns muito e outros menos, os [corpos] desse tipo
[são] de terra, pois uns [são] amolecíveis, outros exalantes, e são formados
por arrefecimento. E ainda a soda, os sais e os géneros de pedras, todos
os que nem [são formados] por arrefecimento, nem [são] fundíveis. Mas
o sangue e o esperma são mistos de terra, de água e de ar: o sangue que 20

contém fibras [é] mais de terra (por isso, solidifica-se por arrefecimento
e funde-se com água), enquanto os que não contêm fibras [são] mais de
água (por isso tão-pouco se solidificam) 243. Já o esperma solidifica-se por
arrefecimento 244, pelo facto de o húmido sair com o quente.

11. corpos quentes e corpos frios

A partir do que foi dito, é preciso buscar quais, de entre os solidifi-


cados e os húmidos 245, são quentes ou frios.

240. Ou «soro do sangue». sangue e a coagulação, ver faz uma distinção entre
Em grego, ikhor (389a10). HA iii 6. gone e sperma: o primeiro
termo designaria o líquido
241. Ver acima, no Livro IV, 244. «Esperma» traduz gone seminal, enquanto o
o capítulo 10 (388b19) e a (389a19). Esta passagem segundo, a união inicial
nota 229. parece em contradição com que contém os princípios
o Geração dos Animais, provenientes dos dois sexos:
242. Com Thillet, onde se diz que, ao sair ver GA i 18, 724b12­‑19.
entendemos a segunda do animal, o esperma, Todavia, na passagem
conjunção kai da sperma, é espesso e branco, anterior sperma parece
linha 389a14 como mas que, ao arrefecer, designar o líquido seminal.
explicativa, apesar do se torna líquido como
singular que se segue. água e da cor da água 245. Ou «fluidos». Ver,
(GA ii 2, 735a30­‑32; acima, no capítulo 11,
243. Sobre a presença e cf., porém, 735b35). É 389a2­‑7.
a ausência de fibras no verdade que Aristóteles

215
meteorológicos

Os que são de água [são], então, no mais das vezes, frios, caso não
contenham calor alheio 246, como a lixívia, a urina e o vinho, enquanto
os que são de terra [são], no mais das vezes, quentes, por terem sido
forjados 247 com o quente, como a cal e a cinza. Mas é preciso entender
30 que a matéria é um certo frio 248. Com efeito, uma vez que o seco e o
húmido [são] matéria (pois estes são passivos 249) e os corpos de que estes
são maximamente [inerentes] são terra e água (pois estas são definidas
pel[o] frio), é claro que todos os corpos que são, sem mais, de cada
389b um destes dois elementos são, antes 250, frios, caso não contenham calor
alheio, como a água em ebulição ou a que é filtrada através de cinza; pois
então ela recebe o calor da cinza. Com efeito, em todos os [corpos] que
sofreram a ação do fogo há, mais ou menos, calor 251. Por isso geram-se
animais mesmo nos [corpos] podres 252, pois neles está presente um calor
que destrói o calor próprio 253 de cada um.
Os [corpos] que [são] mistos [de terra e água] 254 contêm calor, pois,
na sua maior parte, foram constituídos por um calor que [os] cozinhou.
E alguns são apodrecimentos, como os resíduos de dissolução 255. Assim,
10 enquanto mantiverem a [sua] natureza 256, o sangue, o esperma, a medula,

246. Ou «externo», à chamada «geração excremento, perittoma,


«extrínseco». «Alheio» espontânea» (379b6­‑8), isto é, o resíduo natural
traduz allotrios (389a26). embora a causa indicada da sua digestão, senão
pareça ser diferente. um resíduo devido a uma
247. Em grego, tem­‑se o falta de digestão: ver GA i
substantivo demiourgia 253. «Próprio» traduz oikeios 18, 724b27­‑28; Somn. Vig.
(389a28). O verbo da (389b6), que justamente se 3, 456b35. Assim, esses
família deste substantivo opõe a allotrios, «alheio», resíduos decompor­‑se­
já apareceu antes; ver, no usado acima. Ver a nota ‑iam por não terem sido
Livro IV, os capítulos 8 246 ao Livro IV. assimilados ao corpo.
(384b26­‑27) e 10 (388a27).
254. Essa denominação 256. Provavelmente, o termo
248. O termo grego é abreviada já foi usada antes phusis deve ser entendido,
psukhrotes (389a29), como no Livro IV, capítulo 10 aqui, em 389b9, como
logo abaixo (389a31). (388a33 e 389a1). equivalente a «forma»
(ver adiante, no Livro IV,
249. Ver acima, no Livro IV, 255. Lendo suntegmata, o capítulo 12), como já
os capítulos 1 (378b33­‑34), em 389b8­‑9, com outros sugeria Alexandre de
2 (379b19­‑20 e 380a8­‑9) e intérpretes, a partir de Afrodísias (222, 19­‑24).
10 (388a21­‑22). Alexandre de Afrodísias É claro, contudo, que, em
(222, 19). O manuscrito certos casos, a conservação
250. Ou «mais». Em grego, E traz um improvável da forma só será possível
mâllon (389b1). suntagmata, «ordenações», enquanto os corpos em
enquanto J tem suntekta, questão fizerem parte do
251. Ver, no Livro II, o «dissolúveis», forma adotada organismo vivo em virtude
capítulo 3 (358b7­‑8). por Fobes, bem como por do qual realizam o seu
Louis, apesar de o traduzir próprio trabalho, que os
252. O apodrecimento foi por produits de dissolution. define como tais.
definido acima no Livro IV, O termo suntegma designa
capítulo 1 (379a16­‑18), onde um resíduo, hupoleimma,
há também uma referência do alimento, mas não o

216
aristóteles

o soro e todos os [corpos] desse tipo [são] quentes, mas não [o são] mais
quando se corrompem e afastam da [sua] natureza. Com efeito, [nesse
caso,] resta [apenas] a matéria, que é terra ou 257 água. Por isso, [aqueles
corpos] parecem [ser] ambas as coisas às pessoas: uns afirmam que eles
são frios, outros, quentes, por verem que, quando estão na [sua] natureza,
[são] quentes, mas que, quando se separam, ficam solidificadas 258. As coisas
são, pois, deste modo. Entretanto, como foi distinguido 259, os [corpos]
em que a matéria [é] de água [são], na maior parte, frios 260 (pois esta
opõe-se maximamente ao fogo), enquanto aqueles em que [a matéria é, na
maior parte,] de terra ou de ar, [são] mais quentes. Acontece, porém, que,
às vezes, os mesmos [corpos] se tornam muito frios ou muito quentes,
devido a um calor alheio. Com efeito, os que mais ficam solidificados, 20

isto é, [os que] são rigidíssimos, tanto ficam maximamente frios, quando
privados de calor, como maximamente queimam, se sofrem a ação do
fogo: por exemplo, a água queima mais do que o fumo e a pedra mais
do que a água.

1 2 . m at é r i a e d e f i n i ç ã o d o s c o r p o s
n at u r a i s ( s i m p l e s , h o m e ó m e r o s
e não homeómeros)

Feitas essas distinções, digamos, para cada um, o que é a carne, o


osso e os outros [corpos] homeómeros. Com efeito, conhecemos aquilo
a partir do que é constituída a natureza dos homeómeros 261, os seus
géneros, os géneros aos quais cada um pertence, através da geração 262.

257. Alexandre de 259. Ver acima, neste para o qual a passagem


Afrodísias (222, 24) traz capítulo (389a25­‑28). remete.
tekai, «tanto… quanto…»
e, certos manuscritos 260. Como Alexandre 261. Aqui, «natureza» parece
mais recentes, kai, «e», de Afrodísias (222, 29; equivaler a «corpo».
provavelmente influenciados ver também Natali 2002,
pelo seu comentário. p. 56), relacionamos, na 262. Ou seja, não se trata de
linha 389b16, to pleiston, enumerar as propriedades
258. Nesse ponto, «na maior parte», com o desses corpos nem de
no manuscrito E foi que segue, psukhra, «frios», identificar as classes,
acrescentado, em cima da e não com o que precede, determinadas por tais
linha, psukhra, «frias», mas hudatos, «de água»; cf. propriedades, a que eles
não se trata necessariamente acima, no Livro IV, o pertencem.
de uma lição achada na capítulo 11 (389a25­‑28),
tradição manuscrita.

217
meteorológicos

Com efeito, a partir dos elementos [são constituídos] os homeómeros e


destes, enquanto matéria, [são constituídas] todas as obras 263 da natureza.
Todos [são constituídos], como a partir de uma matéria, pelos [corpos]
mencionados, mas, segundo [a] substância 264, pela fórmula [definicio-
30 nal] 265. [Isto] é sempre mais evidente para as coisas posteriores e, de uma
maneira geral, em relação às coisas que [são] como que instrumentos 266
e em vista de algo 267. Com efeito, é mais evidente que o cadáver [é] um
homem por homonímia 268. Deste modo, então, também a mão de quem
morreu [é uma mão] por homonímia, como também seriam os chama-
390a dos auloi de pedra 269, pois também estes se parecem com instrumentos
de um certo tipo 270. Mas isto [é] menos evidente para a carne e o osso
e ainda menos para o fogo e a água, pois o aquilo em vista do que 271
[algo existe é] menos evidente lá onde a maior parte é da matéria. Com

263. Ou «trabalhos», formal e causa final, assim recorrente no corpus: PA i 1,


«funções». O termo grego é como entre causa material e 640b29­‑641a5; Metaph. vii
ergon (389b27). causa motriz (ou eficiente), 10, 1035b24­‑25; De an. ii
ver GA i 1, 751a4­‑7; v 1, 1, 412b20­‑22; GA i 19,
264. Em grego, kat’ousian 778a29­‑b19. 726b22­‑24; ii 1, 734b25­
(389b29). Na verdade, ‑735a8; Pol. i 2, 1253a20­‑25.
não está claro se o termo 266. Em grego, organa
ousia é empregue, aqui, (389b30). Em Aristóteles, 269. Costuma­‑se traduzir
no sentido de «ousia (de o termo organon tem auloi (em geral no
algo)», ou seja, de essência sempre o sentido de plural) por «flauta»,
ou forma, ou então, no «instrumento» (e organikon mas essa tradução é
sentido de «substância», o de «instrumental»): seria imprópria: tratava­‑se de
no caso, união de matéria erróneo traduzi­‑lo por um instrumento de sopro
e forma (são substâncias, «órgão». com dois tubos dotados de
nesse sentido, tanto os palheta, logo mais parecido
corpos simples, como os 267. Em grego, heneka tou com um oboé. Aqui, ao
animais e as plantas, bem (389b30). dizer «auloi de pedra», o
como as suas partes); autor pensa provavelmente
para tal distinção, ver 268. Ou seja, podemos em estátuas que imitam, isto
Metaph. v 8. Optámos designar um cadáver é, simulam tal instrumento.
pelo segundo sentido (mas, humano pelo nome
então, é preciso subentender «homem», assim como 270. O autor concebe uma
alguma especificação, do designamos um ser humano instrumentalidade e uma
tipo «a substância em vivo, mas entendemos coisas finalidade não apenas para
questão»), pois, no primeiro bem diferentes num caso e certas partes do corpo, a
caso, haveria redundância no outro, isto é, coisas que saber, as não homeómeras,
na frase; ver a nota não definiríamos do mesmo como a mão, mas também
seguinte. modo, se devêssemos dizer para o corpo do ser vivo no
o que é ser homem para seu conjunto. O exemplo do
265. O termo empregue elas; sobre a homonímia, cadáver aponta claramente
em 389b29 é logos, onde, ver Cat. 1, 1a1­‑15; cf. Int. para isso.
porém, se subentende 11, 21a23, com Veloso
algo como «definicional», 2004, pp. 433 e segs., e 271. Em grego, to hou
logo «definição». De 2007, pp. 60­‑63, a propósito heneka (390a6), expressão
facto, trata­‑se da forma da contradição em que que indica a causa final em
ou da finalidade. Sobre consiste dizer «homem Aristóteles.
a assimilação entre causa morto». Essa ideia é

218
aristóteles

efeito, [é] como [se], considerando [apenas] os extremos, a matéria não


[fosse] nenhuma outra coisa para além de si mesma e a essência 272
nenhuma outra coisa senão uma fórmula [definicional] 273, enquanto os
intermediários seriam análogos [a cada um deles] pelo facto de cada um
estar próximo [deles], uma vez que também qualquer um deles existe em
vista de algo, mesmo não sendo completamente água ou fogo, como tão­
‑pouco carne ou víscera; e mais ainda do que estes o rosto e a mão 274.
Todos são definidos pela função 275. Com efeito, os que são capazes de 10

cumprir a sua função são, cada um, verdadeiramente [o que são]: por
exemplo, o olho, se vê 276; e o que não é capaz [de ver é olho apenas]
por homonímia, como o [olho] morto ou o de pedra. Tão-pouco a serra
de madeira [é serra] 277, senão como simulacro 278. Assim, então, também
a carne 279, mas a sua função é menos evidente do que a da língua.

272. Em grego, ousia porém, induzir em erro: «imagem». Isto é, imitação;


(390a6). Aqui, trata­‑se como já observámos sobre esta noção, ver Po. 1
inequivocamente de «ousia (ver, supra, a nota 263 ao e 4. A presente passagem
de»: ver, supra, a nota 264 Livro IV), o autor concebe e outras semelhantes (ver,
ao Livro IV. uma instrumentalidade supra, a nota 268 ao Livro
e uma finalidade mesmo IV) são importantes não
273. Em grego, logos para os seres vivos no seu apenas para a filosofia
(390a6). Ver, supra, a conjunto. Ademais, não se natural de Aristóteles, mas
nota 265 ao Livro IV. trata de assimilar os corpos também para a sua filosofia
naturais a artefactos; é da arte, constituindo a
274. Todo o período é mais verdade o inverso. A «arte» um certo subgrupo
elíptico: é difícil estabelecer diferença principal entre das técnicas humanas que
ao certo o que deve ser os corpos naturais e os têm como finalidade a
subentendido. Em todo artificiais reside no facto de produção de imitações.
o caso, como observa a causa formal­‑final, e não Com efeito, essa conceção
Groisard, o autor está a apenas a motriz, estar na mimética pressupõe o
propor uma espécie de alma dos seus produtores essencialismo: uma imitação
experiência de pensamento, e, principalmente, usuários: possui, sim, propriedades
pela qual todos os corpos ver Metaph. vii 7, 1032a32 que pertencem ao que
naturais estariam situados e segs.; ix 8, 1050a26 e ela imita, mas não a sua
entre dois extremos que segs.; EN vi 2, 1139a36­‑b4; essência.
representariam um a pura Pol. i 4, 1254a1­‑9.
matéria e o outro a pura 279. A homonímia entre
definição ou forma. Embora 276. Entenda­‑se, «se é capaz carne e carne «morta» é
Aristóteles até conceba de ver». Como observa assinalada no GA ii 1,
efetivamente uma substância Aristóteles, «dizemos 734b24­‑27.
totalmente imaterial (mas também que vê aquilo que
que, por isso mesmo, estaria é capaz de ver» (Metaph. v
fora do âmbito natural: 7, 1017b2­‑3).
ver Ph. viii; Metaph. xii),
para ele não há nenhuma 277. Cf. Metaph. viii 4,
substância que seja «pura 1044a25­‑29; Ph. ii 9,
matéria». 199b­‑200a15; PA i 1,
642a9­‑13.
275. O termo grego é ergon
(390a10). A sua tradução 278. «Simulacro» traduz
por «função» não deve, eikon (390a13), também

219
meteorológicos

Do mesmo modo, também o fogo, mas a sua função, em termos naturais 280,


é provavelmente ainda menos evidente do que a da carne. Do mesmo
modo, as [partes] das plantas e os seres inanimados, tais como cobre
e prata. Com efeito, todos são [o que são] por uma certa capacidade
de agir ou de padecer, como a carne e o tendão. Mas as suas fórmulas
20 [definicionais] 281 não [são] exatas. Por conseguinte, não é fácil discernir
quando [certa capacidade] pertence [a um corpo] e quando não 282, a
não ser que [este] esteja extremamente descorado e [lhe] restem apenas
as figuras 283. Por exemplo, também os cadáveres envelhecidos de repente
se tornam cinza nos túmulos 284; e os frutos extremamente envelhecidos
390b [são frutos] apenas pela figura, mas não parecem [ser tais], quanto à
sensação 285 — igualmente os solidificados a partir do leite.
As partes deste tipo podem, pois, formar-se pelo calor e pelo frio,
bem como pelos movimentos por efeito destes, solidificando-se com o
quente e com o frio. Digo as que [são] homeómeras, como carne, osso,
cabelos, tendão e quantas desse tipo. Todas diferem pelas diferenças ante-
riormente tratadas[, a saber,] pela tensão, pela tração, pela fragmentação,
pela dureza, pela moleza e pelas demais desse tipo 286. E essas formam-se

280. Discute­‑se o significado ou de padecer e quando 285. Provavelmente, para o


exato do advérbio phusikos, não; «pertencer» traduz paladar ou para o tato. Em
aqui, em 390a16, mas huparkhein (390a20). Isto todo o caso, tal operação
é mais do que razoável parece implicar que, pelo de reconhecimento, na
pensar que o autor menos em princípio, quanto medida em que implica
entende diferenciar uma mais se desce na escala de a compreensão da função
função natural do fogo complexidade dos corpos ou essência, requer um
das eventuais finalidades naturais, mais difícil pode exercício conjunto da
dos usos que outros seres, tornar­‑se a distinção entre capacidade sensitiva e da
em particular os seres um corpo e uma sua capacidade intelectiva: ver
humanos, fazem dele. Isso imitação. APo. ii 19. Neste sentido,
significa que, quanto à trata­‑se de «sensação por
funcionalidade­‑finalidade, 283. Em grego, skhemata acidente»: ver De an. ii 6.
não há descontinuidade (390a21); trata­‑se de formas
entre, de um lado, os corpos sensíveis: ver De an. ii 6. 286. Ver acima, no Livro IV,
simples (como o fogo) e os Não se deve entender que o capítulo 4 (para dureza
corpos homeómeros (como apenas quando algo se e moleza) e principalmente
a carne) e, do outro, os encontra no seu estado final 8­‑9: a tração remete para
corpos não homeómeros de degradação se torna mais o esticável­‑não esticável
(como a mão). evidente a sua definição, e a fragmentação para
mas sim, ao contrário, que o fragmentável­‑não
281. O termo grego é sempre se torna evidente então fragmentável. A tensão
logos (390a19). Ver, supra, a que este não possui mais a não foi mencionada, mas
nota 265 ao Livro IV. capacidade que o definia. poderia estar relacionada
com o flexível­‑inflexível.
282. Ou seja, quando 284. Possível referência a
esses corpos possuem sarcófagos: ver Heródoto i
certa capacidade de agir 187.

220
aristóteles

por efeito do quente e do frio, bem como dos movimentos misturados.


A ninguém pareceria, no entanto, que ainda [se formam assim] as [partes] 10

que são constituídas a partir dessas, as não homeómeras, por exemplo,


cabeça, mão e pé. Ora, assim como a causa da formação do cobre ou da
prata [é] o frio e o calor, bem como o movimento, enquanto [estes] não
[o são] mais da [produção] de uma serra, de uma taça ou de uma caixa,
ora, aqui [é] uma técnica, lá [é] uma natureza ou alguma outra causa 287.

rumo ao e st u d o d o s se re s v i vo s

Uma vez que sabemos, pois, de que género [é] cada um dos homeó­
meros, é preciso compreender, em cada [caso], o que [ele] é: o que é
sangue 288, carne, esperma e cada um dos outros. Com efeito, sabemos,
para cada [caso], porque [é] e o que é do seguinte modo: se soubermos
ou a matéria ou a fórmula [definicional] 289 — mas principalmente quando

287. Período difícil. a natureza da coisa em 288. O sangue não é


A construção não é questão ou alguma outra propriamente uma parte
impecável. Ademais, não se causa. A analogia pode do corpo do animal, mas
compreende bem a razão parecer duvidosa, na um alimento final cuja
do acusativo dos nomes de medida em que a técnica finalidade é justamente
artefacto na linha 390b13: se encontra na alma do a nutrição das partes
talvez se subentenda não produtor, o qual, aliás, deve do corpo: ver PA ii 3,
o verbo da linha anterior, pressupor as finalidades 650a32­‑b13.
genesthai (traduzido pelo dos usos do artefacto
substantivo «formação»), pelos usuários (ver, supra, 289. O termo é ainda logos
mas um outro, como poiein, a nota 275 ao Livro IV). (390b18). Ver, supra, a nota
«produzir»; daí a inserção Mas é justamente essa 265 ao Livro IV.
de «produção». Em todo exterioridade da causa
o caso, como observa que parece interessar ao
Groisard, o autor distingue autor. Com efeito, aquela
dois modos de geração: o causa não identificada é
das partes homeómeras e o provavelmente a alma, ou
das partes não homeómeras. melhor, os diferentes tipos
O primeiro consiste em de alma, nomeadamente a
ganhar consistência em nutriva­‑reprodutiva, comum
virtude do quente e do frio, a todos os seres vivos, e a
bem como dos movimentos sensitiva­‑afetiva­‑desiderativa,
a estes associados. Quanto própria dos animais (De
ao segundo, o autor an. ii 1­‑3). Em GA ii 1,
deixa­‑o no vago. De facto, 734b28­‑36, Aristóteles é
ele limita­‑se a invocar os mais preciso na descrição
artefactos para sugerir uma desse segundo modo de
analogia: um artefacto está formação, mas aí esse
para a técnica relacionada segundo modo é estendido
assim como uma parte às partes não homeómeras
não homeómera está para dos seres vivos.

221
meteorológicos

sabemos ambas — tanto da [sua] geração quanto da [sua] corrupção,


20 bem como o princípio do movimento 290. E esclarecidas estas [coisas], é
preciso igualmente examinar os [corpos] não homeómeros e, finalmente,
os que são constituídos a partir destes, tais como homem, planta e os
demais desse tipo 291.

290. De novo, as três


causas com maior poder
explicativo ao longo dos
Meteorológicos: a causa
material, a causa formal e a
causa eficiente. No entanto,
a causa final apareceu
também em evidência no
princípio deste capítulo.
291. Os intérpretes
consideram esse último
parágrafo um programa
ou um texto de transição
para a biologia; de facto,
zoologia, dado que não
temos nenhum estudo
sobre as plantas atribuído
a Aristóteles; ver a nota 24
ao Livro I.

222
glossários
gl ossário grego-p ortuguês

Aêr: ar.
Aithêr: éter.
Akampton: inflexível.
Akatakton: inquebrável.
Akauston: incombustível.
Amalakton: não-amolecível.
Anêlaton: imaleável.
Anelkton: inesticável.
Anemos: vento.
Apêkton: não-solidificável.
Apepsia: incocção.
Apieston: incompressível.
Apilêton: não-prensável.
Aplaston: não-moldável.
Arkhê: princípio.
Arktos: norte.
Askhiston: não-fendível.
Astêr: estrela.
Asteres diatheontes: estrelas cadentes.
Astrapê: relâmpago.
Ategkton: não-amaciável.
Atêkton: não-fundível.
Athlaston: não-esmagável.
Athrauston: não-fragmentável.
Athumiaton: não-exalante.
Atmêton: não-cortável.
Atmis: vapor.
Brontê: trovão.
Dinê: redemoinho.
Drosos: orvalho.
Dunamis: poder; potência; capacidade; (raramente) substância.
Dusmê: oeste (ver também hespera).
Ear: primavera.

225
glossário grego-português

Eidolon: imagem.
Eidos: forma.
Ekleipsis: eclipse.
Eknephias: furacão.
Elaton: maleável.
Gala: via láctea.
Gê: terra.
Gignesthai: formar-se; gerar-se.
Gliskhron: viscoso.
Halôs: halo.
Helkton: esticável.
Hepsêsis: fervura.
Hespera: oeste (ver também dusmê).
Hudôr: água; chuva.
Huetos: chuva.
Hugrainesthai: liquefação; liquefazer-se.
Hugros: húmido.
Hulê: matéria.
Iris: arco-íris.
Kampton: flexível.
Katakton: quebrável.
Kauston: combustível.
Keraunos: raio.
Khalaza: granizo.
Khiôn: neve.
Komê: cauda (do cometa).
Komêtês (aster): cometa; (literalmente) astro cabeludo.
Kuma: onda.
Malakos: mole.
Malakton: amolecível.
Metalleuton: metal.
Methodos: investigação.
Metopôron: outono.
Mimeisthai: imitar.
Molunsis: cozedura.
Nephos: nuvem.

226
aristóteles

Notos: sul.
Ômotês: crueza.
Opsis: vista.
Optêsis: assadura.
Orukton: minério.
Pakhnê: geada.
Parêlios: parélio.
Pathos: fenómeno; propriedade; afeção.
Pêgnusthai: solidificação; solidificar-se.
Pêkton: solidificável.
Pepansis: amadurecimento.
Pepsis: cocção.
Pêxis: solidificação.
Pieston: compressível.
Pilêton: prensável.
Planês, planêtes asteres: planeta.
Plaston: moldável.
Pneuma: sopro; vento.
Poiein: produzir; agir.
Potamos: rio.
Prêstêr: turbilhão; furacão.
Psathuron: friável.
Psukhros: frio.
Pur: fogo.
Rhabdos: traço de luz.
Seismos; abalo de terra, sismo.
Skhiston: fendível.
Sklêros: duro.
Stateusis: chamuscadura.
Tegkton: amaciável.
Têkton: fundível.
Têxis: fusão; liquefação.
Thalassa: mar.
Thermos: quente.
Thlaston: esmagável.
Thrauston: fragmentável.

227
glossário grego-português

Thumiaton: exalante.
Tmêton: cortável.
Tuphôs: tufão.
Xêrainesthai: secagem; secar.
Xêron: seco.

228
gl ossário p ortuguês-grego

Abalo de terra: seismos.


Afeção: pathos.
Agir: poiein.
Água: hudôr.
Amaciável: tegkton.
Amadurecimento: pepansis.
Amolecível: malakton.
Ar: aêr.
Arco-íris: iris.
Assadura: optêsis.
Capacidade: dunamis.
Cauda (do cometa): komê.
Chamuscadura: stateusis.
Chuva: hudôr; huetos.
Cocção: pepsis.
Combustível: kauston.
Cometa: komêtês (aster).
Compressível: pieston.
Cortável: tmêton.
Cozedura: molunsis.
Crueza: ômotês.
Duro: sklêros.
Eclipse: ekleipsis.
Esmagável: thlaston.
Esticável: helkton.
Estrela: astêr.
Estrelas cadentes: asteres diatheontes.
Éter: aithêr.
Exalante: thumiaton.
Fendível: skhiston.
Fenómeno: pathos.
Fervura: hepsêsis.
Flexível: kampton.

229
glossário português-grego

Fogo: pur.
Forma: eidos.
Formar-se: gignesthai.
Fragmentável: thrauston.
Friável: psathuron.
Frio: psukhros.
Fundível: têkton.
Furacão: eknephias; prêstêr.
Fusão: têxis.
Geada: pakhnê.
Gerar-se: gignesthai.
Granizo: khalaza.
Halo: halôs.
Húmido: hugros.
Imagem: eidolon.
Imaleável: anêlaton.
Imitar: mimeisthai.
Incocção: apepsia.
Incombustível: akauston.
Incompressível: apieston.
Inesticável: anelkton.
Inflexível: akampton.
Inquebrável: akatakton.
Investigação: methodos.
Liquefação: têxis; hugrainesthai.
Maleável: elaton.
Mar: thalassa.
Matéria: hulê.
Metal: metalleuton.
Minério: orukton.
Moldável: plaston.
Mole: malakos.
Não-amaciável: ategkton.
Não-amolecível: amalakton.
Não-cortável: atmêton.
Não-esmagável: athlaston.

230
aristóteles

Não-exalante: athumiaton.
Não-fendível: askhiston.
Não-fragmentável: athrauston.
Não-fundível: atêkton.
Não-moldável: aplaston.
Não-prensável: apilêton.
Não-solidificável: apêkton.
Neve: khiôn.
Norte: arktos.
Nuvem: nephos.
Oeste: dusmê; hespera.
Onda: kuma.
Orvalho: drosos.
Outono: metopôron.
Parélio: parêlios.
Planeta: planês, planêtes asteres.
Poder: dunamis.
Potência: dunamis.
Prensável: pilêton.
Primavera: ear.
Princípio: arkhê.
Produzir: poiein.
Propriedade: pathos.
Quebrável: katakton.
Quente: thermos.
Raio: keraunos.
Redemoinho: dinê.
Relâmpago: astrapê.
Resíduo: perittoma.
Rio: potamos.
Secagem: xêrainesthai.
Seco: xêron.
Sismo: seismos.
Solidificação: pêxis; pêgnusthai.
Solidificável: pêkton.
Sopro: pneuma.

231
glossário português-grego

Sul: notos.
Terra: gê.
Traço de luz: rhabdos.
Trovão: brontê.
Tufão: tuphôs.
Turbilhão: prêstêr.
Vapor: atmis.
Vento: anemos; pneuma.
Via láctea: gala.
Viscoso: gliskhron.
Vista: opsis.

232
b i b l i o g r a f i a  1

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de aristóteles

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Bekker, I. (ed.), Meteorologica, in Aristotelis Opera, vol. i, Berlin,


De Gruyter, 1960 (Berlin, Academia Regia Borussica, 1829).

1. O asterisco que precede esse sinal. Em certos casos, Viano 2002 e 2006, bem
alguns itens indica que não lemos somente uma parte como em Thillet 2008,
tivemos acesso, de modo do texto; noutros casos, de que, aliás, tirámos
algum, ao texto em questão: apenas tivemos o texto muitas informações. No que
noutros termos, em mãos, ou ainda apenas concerne ao comentarismo,
* = non vidimus. Contudo, vimos a sua reprodução mencionamos apenas a
isso não significa que lemos, digital. O leitor pode edição mais recente de que
na íntegra, todos os itens encontrar a indicação de temos conhecimento.
que não são precedidos por outros trabalhos ainda em

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índice

introdução   9

título da obra e objeto de estudo   9


lugar no corpus   10
plano da obra   12
autenticidade   14
datação   26
manuscritos   27
posteridade do texto   27
a presente tradução   32

meteorológicos   35

livro i   37

1. introdução   39
2. alguns pressupostos da investigação   41
3. os quatro elementos   42
4. fenómenos atmosféricos luminosos   49
5. fenómenos luminosos noturnos no céu   52
6. os cometas (exposição e crítica da opinião dos predecessores)   54
7. os cometas (explicação de aristóteles)   58
8. a via láctea   62
9. fenómenos que ocorrem na região comum do ar e da água   67

o ciclo da água e do ar   68


chuvas   69

10. o orvalho e a geada   69


11. a chuva, a neve e o granizo   71
12. o granizo (continuação)   72
13. os ventos, os rios e os mares   75

os ventos   76
os rios   77
demonstração cartográfica   79
conclusão sobre os rios   82

247
índice

14. as mudanças climáticas   83

o grande inverno   86


sedimentação   87

livro ii   91

1. os mares   93

correntes marinhas   95

2. dificuldades relativas ao mar   97

crítica ao fédon   101

3. a salinidade do mar   103

explicação da salinidade do mar   107

4. os ventos   113
5. os ventos (continuação)   118

vento e bonança   118


etésios   120
zonas da terra   121

6. posição e denominação dos ventos   124


7. os sismos: as opiniões antigas   131
8. os sismos (continuação): a explicação   133

erupções vulcânicas   137


sismos e eclipses de lua   139
réplicas   140
onda   141
abalos horizontais e abalos verticais   142

9. o trovão e o relâmpago   143

livro iii   149

1. os furacões e outros fenómenos semelhantes   151

redemoinhos   152
tufões, turbilhões e raios   152

248
aristóteles

2. fenómenos devidos ao reflexo: considerações gerais   155


3. o halo   159
4. o arco-íris   161
5. explicação geométrica da forma-tamanho do arco-íris   167

primeiro caso: no levantar-se do astro   168


teorema dito de apolónio   170
demonstração (parcial) do teorema dito de apolónio   170
segundo caso: quando o astro está acima do horizonte   173

6. parélios e traços de luz   175

rochas e metais   177

livro iv   179

1. causas ativas e passivas: geração e corrupção   181


2. a cocção e incocção   184
3. amadurecimento e crueza, fervura e cozedura, assadura e
chamuscadura   186

amadurecimento   186
crueza   186
fervura   187
cozedura   189
assadura   189
chamuscadura   190

4. o húmido e o seco, o duro e o mole   191


5. solidificação e secagem   192
6. solidificação e liquefação   194
7. a solidificação e a dissolução   196
8. qualidades dos corpos   199

solidificável e fundível   201

9. qualidades dos corpos (continuação)   202

amolecível   202
amaciável   203
flexível   204
quebrável e fragmentável   204

249
índice

esmagável e moldável   205


compressível   205
esticável   206
maleável   207
fendível   207
cortável   208
viscoso   208
prensável   209
combustível e exalante   209

10. corpos homeómeros e corpos não homeómeros   211


11. corpos quentes e corpos frios   215
12. matéria e definição dos corpos naturais (simples, homeómeros e não
homeómeros)   217

rumo ao estudo dos seres vivos   221

glossários 223

glossário grego-português   225


glossário português-grego   229

bibliografia   233

250

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