Você está na página 1de 16

GRUPOS - A

PERSPECTIVA
PSICANALÍTICA
PROFª ERICA CAMPOS
PARADOXO: O INDIVÍDUO É UMA ILUSÃO.
INCLUSIVE ESTE INDIVÍDUO QUE
SUSTENTA O MEU, E O TEU, EU.
ENTÃO: O EU NÃO EXISTE. E O QUE É ISTO: MINHA
EXPERIÊNCIA, MEUS PENSAMENTOS, MEUS
SENTIMENTOS, MEU CORPO? ISSO É O SUPORTE
DESSA ILUSÃO. ISSO É O VEÍCULO, A TELA, O MEIO
ATRAVÉS DO QUAL SE PROCESSAM EXPERIÊNCIAS,
QUE SE REÚNEM, SE COMPÕEM E TRAMAM UMA TEIA
DE REPRESENTAÇÕES, NO CENTRO DA QUAL SE
FORMA A MIRAGEM DO EU.
• É preciso dissolver o indivíduo, se quisermos perceber o que está além do
indivíduo. Para a construção teórica do objeto Grupo, é preciso iniciar uma
operação de desconstrução daquilo que parece formar os grupos, ou seja, é preciso
questionar o Indivíduo como unidade da realidade grupo.

• O olhar do senso comum vê o mundo, e reconhece nele objetos e pessoas.


Ingenuamente apreendemos a realidade que nos cerca vendo um mundo natural e
um mundo humano e destacamos como elementos fundamentais desse mundo
humano aos Indivíduos. Eles parecem ser a unidade básica. Contudo, a verdadeira
unidade é o conjunto, e não seus membros.
É O GRUPO O VERDADEIRO SUJEITO DA
REALIDADE HUMANA. O INDIVÍDUO É
APENAS UMA CRIAÇÃO SUA.
FREUD

• Freud caracterizou como uma dificuldade intrínseca da psicanálise a sua própria


descoberta fundamental: o Inconsciente. Temos, como indivíduos e membros da
humanidade, uma determinada representação do que é ser um ser humano.
Prezamos em alto grau nossa humanidade, um ser dotado dos atributos supremos
da Inteligência, da Razão, da capacidade de produzir cultura, de dominar a
natureza, de submeter os elementos, etc.; um ser acima de todos os demais,
potente e naturalmente voltado para o domínio do mundo.
FERIDAS NARCÍSICAS
• Freud os denominou de feridas narcísicas. Este vasto conjunto de conhecimentos e
técnicas que denominamos Ciência causou três grandes transformações no
narcisismo humano: a primeira foi causada por Copérnico, a segunda por Darwin, e
a terceira pelo próprio Freud, com a descoberta do inconsciente. Extrapolando o
texto freudiano, acrescentaríamos que os grupos são a quarta ferida narcísica.

• Freud aponta como o homem sempre concebeu a si próprio enquanto centro do


universo. Durante muitas centenas de anos prevaleceu a concepção ptolomeica
(Ptolomeu, século II d.C.) que suponha a Terra como o centro, com o sol e as
estrelas circulando em torno. Copérnico, em 1600, ao elaborar a teoria
heliocêntrica, retirou o homem do centro do universo e o deslocou para a periferia
do sistema solar. Depois disso, o progresso da Astronomia afastou o homem cada
vez para mais longe e para um papel cada vez mais insignificante no Cosmos.
PRIMEIRA

• A revolução copernicanica veio nos mostrar o quanto somos periféricos no vasto


universo. Aceitamos a visão de Copérnico, mas não a realizamos, ou seja, não
mantemos a consciência de seu significado. A nossa experiência sensorial nos leva
a abstrair da realidade em que estamos imersos. Daí Freud concluiu que isso foi
assimilado como uma ferida narcísica. Os nossos dotes intelectuais e culturais não
podiam tolerar que o homem fosse destituído de todo seu prestígio, e só cedemos
nossa posição, abdicando do papel de centro de universo, mantendo a idéia de que
seriamos o centro da criação.
SEGUNDA

• A segunda ferida narcísica fez reconhecer nosso próximo parentesco com todas as
formas de vida da Terra. Nosso narcisismo reagiu, e levantou contra a teoria
darwiniana todo tipo de argumento, desde os religiosos-fundamentalistas (como o
criacionismo, amplamente defendido em determinadas regiões dos Estados Unidos
e mesmo no Brasil), até os culturais e artísticos, que sustentavam a grande
diferença nas nossas produções simbólicas comparadas às de qualquer outro
animal. Mas, modernamente os estudos genéticos, e em particular o grande estudo
genômico internacional que mapeou o DNA, demonstrou a grande semelhança
genética entre nós e os nossos primos: as bases nitrogenadas de nosso DNA
comparado ao do chimpanzé apresentam apenas entre um e meio a três por cento
de diferença.
TERCEIRA
• Com Freud vem a 3ª ferida narcísica, o homem não é mais o centro do universo ou
o rei da criação e nem mesmo o centro de si mesmo. Pois o inconsciente nos põe
habitantes de nós mesmos junto com um desconhecido. Já não somos senhores de
nossa própria casa. Como Freud previu em 1917, a sua descoberta não foi bem
incorporada. Esforços revisionistas são permanentes, e não passa ano em que a
mídia não prepare um grande furo de reportagem, com títulos como: Freud
morreu! Ou A psicanálise é uma farsa. As concepções freudianas são
permanentemente submetidas a ataques que questionam a teoria da sexualidade,
a pulsão de morte, e a própria eficácia do método. Isso tudo não impediu da
psicanálise se difundir tão amplamente que passou a fazer parte do vocabulário
cotidiano. Porém, a divulgação excessiva não é reconhecimento e sim vulgarização
e descaracterização. A ferida aberta pela psicanálise continua a doer.
QUARTA

• A 4ª ferida narcísica é a grupalidade, a teoria dos grupos e a compreensão do que


é a psique humana, quando a dimensão intersubjetiva é seriamente considerada. O
grupo afeta profundamente o nosso narcisismo, mais além das feridas copernicana,
darwiniana e freudiana, porque retira a base de sustentação de nosso Eu. Posso
talvez aceitar que não sou senhor do universo, ou de que faço parte da grande
família dos seres vivos da Terra, e mesmo de que tenho um inconsciente que me
determina, mas ninguém me tira a convicção de mim mesmo, pois eu SOU. A
minha vivência enquanto eu é totalmente convincente. Posso aceitar algo como
inconsciente, mas ainda considero que é meu. Acontece que esse algo não é
próprio, não é um produto de minha subjetividade.
• Na espécie humana temos uma infinidade de outras variáveis para considerar. A
linguagem, sistema simbólico por excelência, e o desenvolvimento do processo
civilizatório, trouxeram tantas características que consideramos inerentes à nossa
humanidade, que já não conseguimos falar em uma natureza humana. Decerto ela
é distinta da natureza instintiva de nossos parentes animais. Desde nosso
nascimento somos seres únicos, porque recebemos o selo da intersubjetividade. O
bebê é humanizado no seio de relações inter-humanas.

• A psicanálise demonstrou isso claramente. Winnicott (1993) em uma de suas


célebres fórmulas, disse que o bebê não existe. Sua ideia é de que o bebê é parte
da relação mãe-bebê, não existe por si mesmo. Isso acontece simultaneamente
nos planos biológico e psíquico.
RETOMANDO NOSSO ARGUMENTO: O EU NÃO EXISTE POR SI MESMO, EM SI
MESMO. ESTRUTURALMENTE, O EU SÓ EXISTE NA RELAÇÃO EU-OUTRO.
ESTA É A IDEIA A QUE A TEORIA DOS GRUPOS NOS CONDUZ. TEMOS QUE
REFORMULAR NOSSA CONCEPÇÃO DO INDIVÍDUO COMO UMA UNIDADE,
COMPLETO EM SI MESMO. O SER HUMANO É UM SER QUE REALIZA A SUA
HUMANIDADE NA SUA RELAÇÃO COM OS DEMAIS SERES HUMANOS, NO
MÍNIMO NA RELAÇÃO DUAL. OBSERVE-SE QUE ISSO MUDA A POSTURA E A
REPRESENTAÇÃO DA PSICOTERAPIA INDIVIDUAL. ESSA DUPLA, ANALISTA E
ANALISANDO, É TERAPIA DE GRUPO.
DEFENDEREMOS AQUI QUE TODA A DESCRIÇÃO DO
PSIQUISMO APRESENTADA POR FREUD, E DESENVOLVIDA
PELOS AUTORES POSTERIORES, SE SUSTENTA EM
REPRESENTAÇÕES DO PSIQUISMO, QUE NÃO DEVEM SER
ENTENDIDAS COMO DE UM PSIQUISMO ENQUANTO REALIDADE
PRÓPRIA, MAS SIM COMO PROCESSO PSÍQUICO, OU MELHOR
AINDA PROCESSOS PSÍQUICOS MÚLTIPLOS,
MULTIDIMENSIONAIS.
• Junto com Freud, pensamos que o Eu poderia ser comparado, em elegante
metáfora culinária, a uma cebola. Este curioso vegetal é formado só por cascas.
Não existe um caroço. Se formos em busca de seu núcleo nada encontramos, pois
o núcleo é a própria cebola, suas camadas mais interiores. O EU é em tudo
semelhante. As nossas cascas são os vínculos eu-outro, se for descascando tudo
que sou na minha relação com o outro, nada sobra. O que me compõe é o meu eu
com o outro, o que sou ao longo da minha história. Essa é a história dos meus
vínculos com os demais. Gostaríamos de ter algo só nosso, íntimo e pessoal, essa
é a 4ª ferida narcísica.
O que me é próprio existe, e é reconfortante,
mas o que me é mais essencialmente próprio,
aquilo que de fato me constitui, isso é a
Relação.

ÁVILA, L.A. Grupos – a perspectiva psicanalítica. Vínculo v.4n4. São Paulo, dez 2007.
Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-24902007000100003

Você também pode gostar