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Ministério da Educação

Universidade Tecnológica Federal do Paraná  UTFPR


Departamento Acadêmico de Engenharia Química | Campus Ponta Grossa

Curso de FísicoQuímica

Prof. Dr. Wagner Eduardo Richter

AT X | TeXmaker
Escrito em L E
FísicoQuímica | Prof. Wagner Eduardo Richter | UTFPR  Ponta Grossa

Este documento foi preparado por mim, Dr. Wagner Eduardo Richter, Professor Adjunto do Departamento
Acadêmico de Engenharia Química da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, campus Ponta Grossa.

O propósito principal deste texto é servir como material de apoio os alunos dos cursos de FísicoQuímica ofere-
cidos por este campus da UTFPR e ministrados por mim no período regular da graduação. Ele segue de perto
as discussões que tenho em sala e o método pelo qual eu abordo os conteúdos presentes na ementa, sendo que ele
tornase adequado tanto para o acompanhamento das aulas, fornecendo notas escritas precisas e coerentes com
o material apresentado em sala, quanto para complementar os estudos quando o aluno está impossibilitado, por
razões ans, de frequentar uma ou várias das aulas. Este material não pretende substituir os livrostexto, que
continuam sendo a fonte principal de referências para as aulas teóricas, mas serve como um material suplementar
de estudo. Todo este conteúdo é uma pequena parte do todo encontrado em qualquer livrotexto padrão para
esta disciplina, sendo que o uso apenas desse material caracteriza uma maneira arriscada de se preparar para
as avaliações da disciplina; é preciso complementar esse material com a leitura de livrostexto adequados, de
preferência os indicados na sequência.

A partir da data de 26 de junho de 2020, renuncio a todos os direitos autorais relaciona-


dos à esta obra, e coloco este material como domínio público. Essa decisão baseiase na temática
relacionada aos chamados REA, Recursos Educacionais Abertos, e pretende contribuir para a disseminação do
conhecimento cientíco. Qualquer pessoa ou entidade, intra ou extraUTFPR, é livre para fazer uso deste
material da forma que melhor lhe convir, observando que as responsabilidades avindas deste uso indiscriminado
não irão recaiar sobre o autor.

Sugestões, críticas e principalmente correções são bemvidas: richter@utfpr.edu.br

Lista de referências sugeridas para estudo de FísicoQuímica:

1. Atkins & de Paula. FísicoQuímica.; volumes 1 e 2, 9


a
. edição ou outra mais recente.
É o livro adotado como referência para o curso. As guras e as conexões com a tecnologia estão constan-
temente atualizadas e ele cobre com sobras todo o conteúdo da disciplina, além de ter uma lista exercícios
muito bem elaborada, vários dos quais com respostas. Especial destaque para os exercícios resolvidos e
comentados.

2. Atkins, Jones & Laverman. Princípios de Química: questionando a vida moderna e o meio ambiente.
a
7 . edição. É um livro de Química Geral, portanto menos aprofundado na parte de FísicoQuímica
do que o livro anterior. No entanto, por ser menos aprofundado, tornase excelente caso o aluno não
consiga acompanhar de pronto o livro anterior. A leitura menos densa dos rudimentos de FísicoQuímica
no enfoque de Química Geral pode ser eciente ao mostrar os pontoschave de cada tópico, fazendo o
a
conteúdo de mais fácil assimilação. A 7 . edição está especialmente bem diagramada e os exemplos, com
antecipação da resposta, estratégica de resolução e comentários, simplicam muito o entendimento dos
problemas. Fortemente recomendado para estudantes iniciantes.

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Conteúdo
1 Cinética Química: aspectos elementares da velocidade das reações . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.1 Denições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.2 Determinação experimental das leis de velocidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.3 Leis de velocidade integradas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.4 Dependência da velocidade com a temperatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
1.5 Etapas, processos elementares e mecanismos de reação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
1.6 O mecanismo de LindemannHinshelwood . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
2 Fundamentos de Termodinâmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
2.1 Denições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
2.2 Trocas energéticas e a Primeira Lei da Termodinâmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
2.3 Trocas energéticas: trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
2.4 Trocas energéticas: calor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
2.5 Processos sob pressão constante: entalpia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
2.6 Processos adiabáticos: q=0. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
3 Termoquímica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
3.1 Entalpias e energias de ligação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
3.2 Entalpias de reação, de formação, de combustão, etc. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
3.3 Lei de Hess . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
4 Espontaneidade dos processos físicos e químicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
4.1 O Ciclo de Carnot . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
4.2 Desigualdade de Clausius e a Segunda Lei da Termodinâmica . . . . . . . . . . . . . . . . 64
4.3 Interpretação conceitual para a entropia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
4.4 Interlúdio: Entropia e desordem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
4.5 Dependência da entropia com outras propriedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
4.6 Teorema do Calor de Nernst e a Terceira Lei da Termodinâmica . . . . . . . . . . . . . . 72
4.7 Variação na entropia da vizinhança e variação total da entropia . . . . . . . . . . . . . . . 74
4.8 Energias livres de Helmholtz e Gibbs . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
4.9 Energias de Gibbs padrão de reação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
5 Equilíbrio em misturas não reacionais: equilíbrio físico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
5.1 Misturas simples . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
5.2 Misturas gasosas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
5.3 Soluções líquidas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
5.4 Leis de Raoult e de Henry . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87
5.5 Propriedades Coligativas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92
5.6 Solutos que sofrem dissociação: fator de Van't Ho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
5.7 Pressões e concentrações efetivas: fugacidade e atividade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100
6 Equilíbrio em misturas reacionais: equilíbrio químico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104
6.1 Grau de avanço e o estado de equilíbrio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104
6.2 Construção dos quocientes de reação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107
6.3 A constante de equilíbrio termodinâmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108
6.4 Inuência da pressão sobre a constante de equilíbrio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110
6.5 Inuência da temperatura sobre a constante de equilíbrio . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110
6.6 Deslocamento do equilíbrio e o Princípio de Le Chatelier . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
6.7 Equilíbrio químico em células eletroquímicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115

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FísicoQuímica | Prof. Wagner Eduardo Richter | UTFPR  Ponta Grossa

1 Cinética Química: aspectos elementares da velocidade das reações


1.1 Denições
A Cinética química é a parte que ocupase do estudo da evolução no tempo das reações químicas. Trata,

sobretudo, da velocidade das reações químicas e estuda meios de determinar e quem sabe até controlar a

velocidade de uma certa reação, além de estudar os mecanismos pelos quais a reação se desenvolve. Existe, via

de regra, um fator intrínseco para que uma reação possa ocorrer e, satisfeito ele, quatro fatores principais que

podem afetar a velocidade desta reação. O fator intrínseco é o contato físico entre os reagentes, uma vez que eles

precisam se encontrar para reagir. É equivalente a dizer que para duas pessoas se abraçarem, é imprescindível

que elas se encontrem sicamente no espaço real. Um abraço à distância, wi, não é um abraço.

Imaginando que o contato físico entre os reagentes exista, os quatro principais fatores que inuenciam a

velocidade são:

1. Estado físico dos reagentes;

Duas substâncias gasosas serão sempre completamente miscíveis uma na outra, o que torna o contato físico

entre elas máximo. No entanto, se um gás reagir com um sólido, o contato entre ambos está limitado à

interface gassólido, uma vez que as partículas do interior do sólido não podem se encontrar diretamente

com as partículas de gás e viceversa. Já dizia a professora do ensino médio: quanto maior a área de

contato, mais rápida a reação. Dessa forma, uma barra de ferro maciça enferruja lentamente, mas uma

esponja de aço passa pelo mesmo processo muito mais rapidamente.

2. A concentração das substâncias;

Quanto mais concentradas as substâncias, maior a quantidade delas por elemento de volume, logo é

estatisticamente mais provável que duas moléculas de reagente se encontrem e reajam entrei si. Conse-

quentemente, quanto menor a concentração, menor a velocidade. Existem casos bem especícos onde a

velocidade diminui com o aumento da concentração, mas eles não correspondem ao caso geral.

3. A temperatura;

Quanto maior a temperatura, maior o grau de agitação das moléculas e consequentemente maior a frequên-

cia com que elas colidem entre si, além de o impacto da colisão ser maior. Com o aumento de temperatura,

em geral a velocidade da reação cresce.

4. A presença de um catalisador;

Se um catalisador estiver presente, ele aumentará a velocidade da reação por fatores grandes, por vezes na

ordem dos milhões (de vezes mais rápida). Exemplos de catalisadores importantes são as enzimas, proteí-

nas com desenho especíco que aceleram reações bioquímicas. Sem elas a vida em organismos superiores

não poderia existir.

Consideremos uma vela de sete dias, destas usadas em igrejas. Podemos aferir sua massa em uma balança,

acendêla, e decorrido certo tempo, apagála e aferir novamente sua massa. A diferença entre as massas será:

∆m = m2 − m1 (1.1)

Essa diferença foi a quantidade de massa que foi consumida no intervalo de tempo em que ela esteve acesa

(∆t). Portanto, poderíamos expressar a velocidade de queima como:

∆m
v= (1.2)
∆t

A velocidade de queima é então expressa em unidades de massa × tempo−1 , como g.s−1 , por exemplo. Isso é

perfeitamente válido, mas não é prático pois limita nosso estudo a corpos que podem ser submetidos a medidas

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de massa usando uma balança. Como visto em Química Geral, trabalhar com soluções é muito conveniente por

diversos motivos, dentre os quais o grande contato entre os reagentes, não limitado à interface das fases, aliada

a facilidade de manuseio da fase condensada, que não tende a escapar do recipiente a menos que derramada.

Já vimos também que a quantidade de uma substância em uma solução é convenientemente expressa por

sua concentração, e podemos usar instrumentos analíticos para determinar a concentração de uma espécie sem

interferir na reação (métodos espectroscópicos, por exemplo). Desse modo, iremos nos referir a velocidades de

reação em solução por meio da unidade mol.L−1 .s−1 . Para sistemas gasosos onde é válido o comportamento de

gás ideal, temse:

nRT n
p= → p= RT = [C].RT ∴ p ∝ [C] (1.3)
V V

Em outras palavras, a concentração molar de um gás é diretamente proporcional à sua pressão parcial na-

quela mistura gasosa, então podemos exprimir a velocidade de uma reação em fase gasosa em unidades de

pressão×tempo−1 , como torr.s−1 ou atm.s−1 , por exemplo. Veremos casos usando ambos os sistemas de uni-

dades.

Imaginando que tenhamos a seguinte reação:

N O(g) + O3(g) → N O2(g) + O2(g) (1.4)

A velocidade da reação pode ser expressa através das variações, no tempo, tanto das concentrações como

das pressões parciais:

∆[N O] ∆[O3 ] ∆[N O2 ] ∆[O2 ]


v=− =− = = (1.5)
∆t ∆t ∆t ∆t

∆pN O ∆pO3 ∆pN O2 ∆pO2


v=− =− = = (1.6)
∆t ∆t ∆t ∆t

O sinal negativo é usado nos reagentes de acordo com a convenção de que a variação nita de uma propriedade

é dada por:

∆x = xf inal − xinicial (1.7)

Uma vez que o consumo dos reagentes implica em concentrações nais menores que as iniciais, a variação

será negativa, ao passo que a dos reagentes será positiva. Para igualálas, é preciso multiplicar alguma delas

por 1, sendo que convecionase fazer isso com os reagentes.


Por exemplo, consideremos que a reação de isomerização do cisestilbenzeno a 301 C. Qual a velocidade?

p0 (cis) = 11,8 torr; depois de 1.008 s, p(cis) = 9,1 torr


p0 (cis) = 197 torr; depois de 947 s, p(cis) = 153 torr

pf inal − pinicial 9, 1 − 11, 8


v=− =− = 0, 00268 torr.s−1 (1.8)
∆t 1.008
pf inal − pinicial 153 − 197
v=− =− = 0, 0464 torr.s−1 (1.9)
∆t 947

Como dito anteriormente, na medida que as concentrações dos reagentes diminuem, diminui também a ve-

locidade. A taxa com que a concentração dos reagentes diminui segue um decaimento exponencial:

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Figura 1: Concentração de um reagente em função do tempo; a absorbância, medida espectrofotometricamente,


é diretamente proporcional à concentração da amostra.

É fácil perceber que se tomarmos variações nitas para a concentração e para o tempo, dependendo do inter-

valo de tempo adotado teremos velocidades diferentes. Analogamente à Física, estaremos medindo velocidades
médias, mas não velocidades instantâneas. A velocidade instantânea é denida em cada ponto e é o limite das

razões acima quando ∆t → 0:

∆pcis dpcis
lim = (1.10)
∆t→0 ∆t dt

Portanto, a velocidade é descrita de modo mais acurado quando expressa nessa notação:

d[N O] d[O3 ] d[N O2 ] d[O2 ]


v=− =− = = (1.11)
dt dt dt dt
dpN O dpO3 dpN O2 dpO2
v=− =− = = (1.12)
dt dt dt dt

É claro que os valores numéricos para as velocidades nos dois sistemas de unidades (concentração ou pressão)

serão diferentes, mas eles representarão a mesma taxa de variação na quantidade de substância presente. É

importante reparar que todas razões são iguais porque não importa qual a concentração de cada reagente,

a estequiometria obriga que o consumo de um deles seja acompanhado por um consumo idêntico do outro e

produção, em taxas idênticas, dos dois produtos.

Se uma reação não possui tal estequiometria, precisamos ajustála. Por exemplo:

2 HI(g) → H2(g) + I2(g) (1.13)

A velocidade desta reação será diferente se medida em função das concentrações de HI ou H2 . Podemos

contornar isso normalizandoas por seus coecientes estequiométricos:

1 d[HI] d[H2 ] d[I2 ]


v=− = = (1.14)
2 dt dt dt

Como a cada duas moléculas de HI que são consumidas apenas uma molécula de H2 ou I2 é produzida, a

concentração de HI diminui numa taxa 2× mais rápida que a taxa de aumento das concentrações dos produtos.
Dividindo a taxa com que a concentração de HI diminui por 2, teremos todos os valores normalizados para um

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padrão. O mesmo pode ser feito mesmo que a reação tenha coecientes mais complexos:

30 CH3 OH + B10 H14 → 10 B(OCH3 )3 + 22 H2 (1.15)

1 d[CH3 OH] d[B10 H14 ] 1 d[B(OCH3 )3 ] 1 d[H2 ]


v=− =− = = (1.16)
30 dt dt 10 dt 22 dt

É vericado experimentalmente que muitas reações apresentam velocidades que se ajustam à expressões

simples envolvendo as concentrações. Por exemplo, se zermos grácos da dependência da velocidade com a

concentração, encontramos as seguintes situações (dentre outras, mas estas são as mais comuns) em laboratório:

Figura 2: Grácos de v vs.[A] para situações mais comuns em cinética química.

No primeiro caso, há uma relação linear entre a concentração e a velocidade. No segundo, uma relação quadrá-

tica, e no terceiro uma relação constante. Matematicamente podemos expressar estas três condições como:

v = k.[A] v = k.[A]2 v=k (1.17)

v = k.[A]1 v = k.[A]2 v = k[A]0 (1.18)

Trocando em palavras, diversas reações químicas (mas não todas) apresentam uma relação simples entre

a concentração e a velocidade conhecida como lei de velocidade da reação. Para uma reação genérica do tipo

A + 2B + 5C = D + 3E , teríamos algo como:

v = k[A]p [B]q [C]r (1.19)

Os expoentes p, q , r ... são chamados de ordens de reação de cada espécie, e a soma destes expoentes é

chamada ordem global da reação. É muito importante perceber que os expoentes das ordens de reação nada
tem a ver com os coecientes estequiométricos da reação química. Se em algum caso especíco eles forem iguais,

isso deve ser encarado como uma mera e feliz coincidência. Nos casos expostos nos grácos acima, as ordens de

reação são 1, 2 e 0, respectivamente.

O conhecimento das ordens de reação é possível apenas experimentalmente e nem mesmo podemos inferir

estes valores a partir de reações semelhantes. A reação a seguir é um exemplo de estequiometria simples e lei

de velocidade bastante complicada:

1
ka [H2 ]1 [Br2 ] 2
H2(g) + Br2(g) → 2HBr(g) v= (1.20)
[Br2 ] + kb [HBr]

Esta lei de velocidade nos diz que a ordem de reação em relação ao hidrogênio é 1, mas ela não tem ordem

denida no Br2 nem no HBr; portanto, também não tem ordem global denida. As vezes a ordem de reação

em um reagente pode ser fracionária ou mesmo zero, o que indica que a concentração daquele reagente não

interfere na velocidade da reação química.

Em casos ainda mais excepcionais, a ordem de reação pode ser negativa, o que indica que o aumento

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naquela concentração na realidade diminui a velocidade do processo; na maioria das vezes isso é característica
1
de processos onde a reação inversa é importante . Por exemplo:

k[O3 ]2
2 O3(g) → 3 O2(g) v= = k[O3 ]2 [O2 ]−1 (1.21)
[O2 ]

A constante k (minúscula) é chamada de constante de velocidade da reação, e ela depende da temperatura

mas não das concentrações das espécies envolvidas. Ela pode ser visualizada como a própria velocidade da

reação no caso das concentrações de todas as espécies envolvidas serem unitárias. Além disso, a sua unidade

muda conforme a equação em questão, pois uma vez que a velocidade sempre terá unidade concentração/tempo,
a unidade para k será aquela que ajusta todas as demais unidades da expressão à unidade da velocidade.

Retomando o exemplo da isomerização do cisestilbenzeno, podemos crer que a lei de velocidade terá a

seguinte forma:

v = k.[pcis ]a (1.22)

Sabendo que a reação é de ordem global 1, podemos rearranjála para encontrar o valor de k:

v 0, 00268 torr.s−1
k= = = 2, 27 × 10−4 s−1 (1.23)
[pcis ]1 11, 8 torr

v 0, 04640 torr.s−1
k= = = 2, 35 × 10−4 s−1 (1.24)
[pcis ]1 197 torr

É oportuno destacar que as duas constantes são muito próximas (como esperado), mesmo que as velocidades

usadas para calcular os dois valores tenham sido bastante diferentes. Com mais valores de velocidades em

diferentes intervalos, teríamos um cálculo cada vez mais preciso da constante de velocidade. As constantes

de velocidade se apresentam em um intervalo imenso de ordens de grandeza, desde valores muito grandes até

valores muito pequenos:


+
H3 O(aq) + OH(aq) → 2 H2 O(`) k = 1, 5 × 1011 L mol−1 s−1 (1.25)

− −
CH3 Br(aq) + OH(aq) → CH3 OH(aq) + Br(aq) k = 2, 8 × 10−4 L mol−1 s−1 (1.26)

1.2 Determinação experimental das leis de velocidade


Como dito, o conhecimento da lei de velocidade em uma dada temperatura é possível apenas através de ex-

perimentos. Tais experimentos precisam ser desenhados de modo a nos informar como a velocidade de uma

reação varia em relação à concentração de cada um dos reagentes presentes. Portanto, precisamos analisar

separadamente a inuência de cada um dos reagentes sobre a velocidade. Os dois métodos mais comuns para

tal são o método do excesso e o método das velocidades iniciais.

O método do excesso (também chamado método do isolamento) consiste em forçar a reação química a se

comportar como se ela dependesse apenas de um dos constituíntes reacionais. Isso é conseguido colocando todos

os reagentes, exceto um, em grande excesso. Com o andamento da reação, todos os reagentes são consumidos,

mas as concentrações daqueles que estão em grande excesso se mantém virtualmente constantes no tempo.

Dessa forma, a velocidade não está sendo inuenciada por estas concentrações constantes, e qualquer mudança

na velocidade será ocasionada apenas pela mudança na concentração do reagente que não está em excesso.

Repetindo o processo para o isolamento sucessivo de cada reagente presente, podese monitorar a velocidade

em relação a cada um deles.

1 Casos como esse estão fora do escopo do nosso curso, mas é importante saber que eles existem. Além disso, os casos que
estudaremos via de regra incluem apenas reagentes na expressão da lei de velocidade, enquanto os dois casos imediatamente
anteriores englobam também produtos. Sempre que um produto aparece na lei de velocidade, a reação em si ocorre segundo um
mecanismo mais complexo, fora do alcance das noções mais simplicadas desta disciplina. Tais aspectos são abordados em cursos
especícos de Cinética Química ou FísicoQuímica avançada.

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Exemplo: considere os dados cinéticos a seguir, referentes à reação 2 N O(g) + 2 H2(g) → N2(g) + 2 H2 O(g) :

pH2 /torr pN O /torr v/(torr/s)


(a) 289 400 1,60
(b) 145 400 0,77
(c) 400 300 1,03
(d) 400 152 0,25

As situações (a) e (b) correspondem à excessos na concentração de N O, enquanto situações (c) e (d) referem
se a excessos na concentração de H2 . Vemos que, quando NO está em excesso (e, de acordo com a aproximação

adotada, não interfere na reação química), a diminuição pela metade da concentração de hidrogênio causa uma

redução de aproximadamente metade na velocidade da reação. Como a resposta é linear, a ordem de reação

no hidrogênio deve ser 1. No entanto, quando o hidrogênio está em excesso, a diminuição pela metade da

concentração do NO faz a velocidade da reação cair por um fator de 4. Logo, a resposta é quadrática em

relação à modicação, e a ordem de reação em relação ao NO será 2. A lei de velocidade será, portanto:

v = k.[pH2 ][pN O ]2 (1.27)

Podemos calcular a constante de velocidade para cada um dos casos da tabela:

v 1, 60 torr/s
k= = = 3, 46 × 10−8 torr−2 .s−1 (1.28)
[pH2 ][pN O ]2 [289 torr][400 torr]2
0, 77 torr/s
= = 3, 27 × 10−8 torr−2 .s−1 (1.29)
[147 torr][400 torr]2
1, 03 torr/s
= = 2, 86 × 10−8 torr−2 .s−1 (1.30)
[400 torr][300 torr]2
0, 25 torr/s
= = 2, 70 × 10−8 torr−2 .s−1 (1.31)
[400 torr][152 torr]2

Como o valor da constante é mesmo para todos os experimentos, podese fazer uma regressão destes valores

para obter uma estimativa conjunta. Neste caso, a regressão linear fornece k = 3, 45 × 10−8 torr−1 .s−1 .
Já no método das velocidades iniciais a ideia é, sob certos aspectos parecida, parecida, mas do ponto de vista
prático é diametralmente oposta. Fazse um experimento de referência com concentrações bem denidas para

todos os reagentes. Depois, repetese o experimento com apenas uma das concentrações modicadas. No início

da reação (por isso o nome de velocidades iniciais), ainda não houve apreciável consumo de nenhum reagente

e então as concentrações de todos ainda são praticamente idênticas às do experimento de referência, exceto

pela concentração do reagente que foi modicado. Portanto, se a velocidade da reação naquele início mudar em

relação à referência, a mudança pode ser creditada apenas ao reagente cuja concentração foi modicada.

Exemplo: considere os dados cinéticos a seguir, para uma reação A + 2B + C + 3D → E + 2F ; as concentrações

são dadas em mol.L−1 e a velocidade em ×10−3 mol.L−1 .s−1 .

[A] [B] [C] [D] v


1) 0,10 0,10 0,10 0,10 0,24
2) 0,20 0,10 0,10 0,10 0,48
3) 0,10 0,30 0,10 0,10 0,24
4) 0,10 0,10 0,20 0,10 0,96
5) 0,10 0,10 0,10 0,40 0,48

Comparando as linhas 1) e 2), vemos que a velocidade na segunda linha é o dobro da primeira. Como a lei

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de velocidade genérica é v = k[A]m [B]n [C]p [D]q , temos:

2v1 = v2 (1.32)

2 (k[A]m [B]n [C]p [D]q ) = (k[A]m [B]n [C]p [D]q ) (1.33)

2 (k[0, 10]m [0, 10]n [0, 10]p [0, 10]q ) = (k[0, 20]m [0, 10]n [0, 10]p [0, 10]q ) (1.34)

Simplicando os termos iguais em ambos os membros, a equação reduzse para:

2 ([0, 10]m ) = ([0, 20]m ) (1.35)

O único valor que pode ser substituído para m que satisfaz a equação acima é m = 1, logo a ordem de reação

em relação à A 2
é 1 . Comparando agora as linhas 1) e 3), temos:

v3 = v1 (1.36)

k[A]1 [B]n [C]p [D]q = k[A]1 [B]n [C]p [D]q


 
(1.37)

k[0, 10]1 [0, 30]n [0, 10]p [0, 10]q = k[0, 10]1 [0, 10]n [0, 10]p [0, 10]q
 
(1.38)

[0, 30]n = [0, 10]n (1.39)

[3 × 0, 10]n = [0, 10]n (1.40)

3n [0, 10]n = [0, 10]n (1.41)

3n = 1 (1.42)

Podemos concluir que o único valor de n que satisfaz a equação é zero (pois qualquer coisa elevada à zero é igual
a 1). Logo, a ordem de reação em relação à B é zero. Repetindo os raciocínios, concluirseá que a ordem de
1
reação em relação à C é 2 e em relação à D é
2 . Uma maneira matematicamente diferente mas conceitualmente
análoga (é como um atalho direto até a última expressão) de resolver o problema é a seguinte: dada uma

modicação na concentração, qual o expoente que iguala esta modicação à modicação da velocidade? Por

exemplo, entre as linhas 1) e 2) a concentração de A dobrou, e a velocidade também. Portanto, a ordem de

reação é o expoente que satisfaz a relação:

2m = 2 ∴ m=1 (1.43)

Repetindo o mesmo com todos os reagentes, linha após linha, teremos:

A: (2)m = 2 ∴ m=1 (1.44)

B: (3)n = 1 ∴ n=0 (1.45)

p
C: (2) = 4 ∴ p=2 (1.46)

1
D: (4)q = 2 ∴ q= (1.47)
2

Dessa forma, a lei de velocidade para a reação considerada é:

1 1
v = k[A]1 [B]0 [C]2 [D] 2 = k[A][C]2 [D] 2 (1.48)

7
Podemos concluir, após a soma dos valores dos expoentes, que a ordem global da reação é
2.
2 Claramente os dados ta tabela são ctícios. Em um experimento real, pequenas utuações nos dados iriam ocorrer, mas se a
diferença para um valor inteiro for pequena, o expoente pode ser arredondado.

9
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Em algumas situações (particularmente nos exercícios do livro), tal abordagem pode não resultar em números

inteiros, o que torna o cálculo menos trivial (mas ainda possível). Por exemplo, suponha que a concentração

de referência foi multiplicada por 0,34, e o efeito foi a velocidade de referência ser multiplicada por 0,115.

Matematicamente, teríamos:

(0, 34)a = 0, 115 (1.49)

Para resolver, tomamos o logaritmo de ambos os membros da equação (não importa qual a base do logaritmo,

pode ser base 10 (log ), base e (ln), ou qualquer outra):

log(0, 34)a = log(0, 115) (1.50)

a log(0, 34) = log(0, 115) (1.51)

log 0, 115
a= = 2, 005 ≈ 2 (1.52)
log 0, 34

O método aplicando logaritmos é o mais indicado para resolver esse tipo de problema pois ele sempre

funcionará. Podemos dizer então que para encontrar a ordem de reação em relação a um reagente, comparamos

os experimentos que só diferem na concentração daquele reagente:

n
k[A]n1

v1 [A]1
= = (1.53)
v2 k[A]n2 [A]2
   n
v1 [A]1
log = log (1.54)
v2 [A]2
   
v1 [A]1
log = n log (1.55)
v2 [A]2
 
log vv21
n=   (1.56)
log [A] 1
[A]2

Uma vez conhecidas as ordens de reação, podemos passar ao cálculo da constante de velocidade. A constante

de velocidade não depende das concentrações, logo seu valor pode ser calculado a partir dos dados de qualquer

das linhas da tabela de dados. Por conveniência, escolhi a primeira linha; portanto:

1
0, 24 × 10−3 mol.L−1 .s−1 = k[A][C]2 [D] 2 (1.57)

1
= k[0, 10 mol.L−1 ][0, 10 mol.L−1 ]2 [0, 10 mol.L−1 ] 2 (1.58)

7
= k[0, 10 mol.L−1 ] 2 (1.59)

Logo:

0, 24 × 10−3 mol.L−1 .s−1


k= 7 (1.60)
[0, 10 mol.L−1 ] 2

0, 24 × 10−3 mol.L−1 .s−1


k= 7 7 −7 (1.61)
[0, 10] 2 mol 2 .L 2

0, 24 × 10−3
 
 −7 7

k= 7 mol.L−1 .s−1 mol 2 .L 2 (1.62)
[0, 10] 2
−5 5
k = 0, 759 mol 2 .L 2 s−1 (1.63)

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A unidade para a constante de velocidade, k, é aquela que ajusta as unidades de concentração de um membro

da equação com a da velocidade no outro membro. Em princípio, cada constante de velocidade tem sua própria

unidade.

E qual a importância de se conhecer esta constante de velocidade, e de conhecer a lei de velocidade como

um todo? Ora, é óbvia: o conhecimento da lei de velocidade de uma reação permite que façamos previsões a

respeito da velocidade da reação sem a necessidade de medição direta, e isso é útil para situações em que não

seja muito fácil tal medição.

Exemplo. Qual a velocidade da reação do exemplo anterior quanto todas as concentrações são iguais a 0,18
−1
mol.L ? Usando a equação com a constante já determinada, têmse:

1 7
v = k[A][C]2 [D] 2 = 0, 759.[0, 18] 2 = 1, 877 × 10−3 mol.L−1 .s−1 = 1, 877 mmol.L−1 .s−1 (1.64)

O bom senso deve prevalencer, é claro. Só podemos ter uma boa conabilidade nesse tipo de previsão se os

valores que queremos prever não estão demasiado longe do intervalo experimental usado na previsão das ordens

de reação. Caso contrário, a estimativa pode ser feita mas a conabilidade dos resultados cam por conta do

experimentador.

Exemplo. Exercício 21.7(a), Atkins 9a ed. A 518



C, a velocidade de decomposição do acetaldeído

gasoso, inicialmente sob p = 363 torr, é v1 = 1, 07 torr/s quando 5% reagiram e v2 = 0, 76 torr/s quando 20%

reagiram. Calcule a ordem de reação.

 n
v2 k(p2 )n p2
= n
= (1.65)
v1 k(p1 ) p1
   n  
v2 p2 p2
log = log = n log (1.66)
v1 p1 p1
 
v2
log v1
n=   (1.67)
log pp21
 
0,76
log 1,07
n=   = 1, 9907 ≈ 2 (1.68)
log 363×0,80
363×0,95

(1.69)

1.3 Leis de velocidade integradas


Tal como em Física, não basta saber a velocidade do veículo, é preciso saber onde ele está em determinado

instante e quanto tempo irá demorar para completar a viagem. Informações importantes acerca de uma reação

química em andamento só podem ser obtidas por meio da integração da equação diferencial que dene a lei de

velocidade.

Reações de primeira ordem


Seja uma reação do tipo A → P, de primeira ordem global. Sabemos que ela possuirá uma lei de velocidade

com a seguinte forma genérica:

d[A]
v=− = k[A] (1.70)
dt

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Podemos rearranjála para:

d[A]
= −kdt (1.71)
[A]

A integração em ambos os lados mantém a igualdade:

Z [A] Z t
d[A]
= −kdt (1.72)
[A]0 [A] t0
 
[A]
ln = −kt (1.73)
[A]0
[A]
= e−kt → [A] = [A]0 e−kt (1.74)
[A]0

Em palavras, o valor da concentração do reagente A, [A], em certo instante do tempo medido após o início

da reação, dependerá da concentração inicial ([A]0 ) e da constante de velocidade (k ) segundo um decaimento

exponencial, conforme já visto anteriormente.

Podemos rearranjar a Eq. (1.73) para transformála em um teste para vericação da cinética de primeira
ordem :

−kt = ln[A] − ln[A]0 ∴ ln[A] = ln[A]0 − kt (1.75)

A segunda forma assemelhase bastante a uma equação de reta (y = f (x) = a + bx), sendo que nesse caso

y = ln[A], a = ln[A]0 e b = −k ; ou seja, dispondo de dados de concentração em função do tempo, se o gráco de

ln[A] vs. t se apresentar como uma reta, podemos dizer com conança que a reação possui cinética de primeira

ordem; além disso, o coeciente linear será o valor de ln[A]0 e o negativo do coeciente angular será a constante

de velocidade da reação (uma vez que b = −k ).

Reações de segunda ordem em um único reagente


Já reações de segunda ordem em um único reagente possuem a seguinte lei de velocidade genérica:

d[A]
− = k[A]2 (1.76)
dt

O rearranjo desta equação produz:

d[A]
= −kdt (1.77)
[A]2

Da mesma maneira, a integração produz:

Z [A] Z t
d[A]
= −kdt (1.78)
[A]0 [A]2 t0

[A]  
1 1 1
− =− − = −kt (1.79)
[A] [A] [A]0

[A]0

1 1
− = kt (1.80)
[A] [A]0

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Esta última equação pode ser rearranjada para:

1 1
= + kt (1.81)
[A] [A]0
1 1 + kt[A]0
= (1.82)
[A] [A]0
[A]0
[A] = (1.83)
1 + kt[A]0

Exatamente como no caso anterior, podemos elaborar um teste para reações de segunda ordem usando a

Eq. (1.81). Se zermos um gráco de 1/[A] vs. t, e ele for uma reta, então a reação será, de fato, de segunda

ordem e a constante de velocidade será o próprio coeciente angular desta reta.

Exercício Obtenha a lei de velocidade integrada para uma hipotética cinética de terceira ordem em um

único reagente (isto é, A → P , v = k[A]3 ), bem como a expressão para [A](t) neste caso.

Neste ponto, cabe uma útil comparação entre as Eqs. (1.74), (1.83) e o resultado do exercício anterior.

Quando estas três são plotadas em grácos de [A] vs. t. A Figura Figura 3 mostra esses dois casos para um

mesmo conjunto de parâmetros ([A] = 1, 00 mol/L, k = 0, 5 [unid].)

Figura 3: Comparação entre os grácos [A] vs. t para cinéticas de primeira, segunda e terceira ordens. Linha
vermelha corresponde à primeira ordem, linha azul corresponde à segunda ordem, linha laranja corresponde à
terceira ordem).

Vêse claramente que todos os grácos possuem perl muito semelhante ao primeiro gráco encontrado nesse

capítulo (Figura 1, página 5). O objetivo desta comparação é demonstrar que, independentemente da cinética

ser de primeira, segunda ou terceira ordem, a aparência visual dos grácos é muito semelhante, o que indica

que, em geral, não podemos prever a ordem de uma reação apenas observando os pers dos grácos. Nesse
1
ponto, os testes de primeira (ln[A] vs. t) e segunda ( vs. t) ordens, por exemplo, são indispensáveis, pois eles
[A]
sim permitirão diferenciar os grácos acima quanto às suas ordens de reação.

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Análise por meio de grácos


A velocidade da reação 2I(g) + Ar → I2(g) + Ar, medida em mol/L.s, foi acompanhada em diversas situações

(todas as concentrações estão em mol/L):

[ I ]0 / mol/L 1, 0 × 10−5 2, 0 × 10−5 4, 0 × 10−5 6, 0 × 10−5


[Ar]0 = 1 × 10−3 8, 70 × 10−4 3, 48 × 10−3 1, 39 × 10−2 3, 13 × 10−2
[Ar]0 = 5 × 10−3 4, 35 × 10−3 1, 74 × 10−2 6, 96 × 10−2 1, 57 × 10−1
[Ar]0 = 10 × 10−3 8, 69 × 10−3 3, 47 × 10−2 1, 38 × 10−1 3, 31 × 10−1

A lei de velocidade tem a seguinte forma:

v = k[I]n [Ar]m (1.84)

Em cada linha da tabela temos as velocidades para as reações com diferentes valores para a concentração

inicial do iodo para uma mesma concentração inicial do argônio, e em cada coluna temos diferentes concentrações

de argônio para uma mesma concentração de iodo. Portanto, valem as seguintes relações:

linha : v = kI [I]n kI = k.[Ar]m (1.85)

coluna : v = kAr [Ar]m kAr = k.[I]n (1.86)

Aplicando o logaritmo em ambos os membros das duas equações, obtemos:

log(v) = log (kI [I]n ) = log (kI ) + log ([I]n ) = log (kI ) + n log ([I]) (1.87)

log(v) = log (kAr [Ar]m ) = log (kAr ) + log ([Ar]m ) = log (kAr ) + m log ([Ar]) (1.88)

Podemos plotar grácos dos logaritmos das velocidades contra os logaritmos das concentrações iniciais. Eles

terão um aspecto de reta com coeciente angular igual à ordem de reação em cada caso. Para obter a reta em

questão, fazse uma regressão linear em torno dos pontos x, y :

1. shift clr
+ all
+3 = ;

2. mode reg lin


+3+1 = ;

3. x, y m+ ; (para cada par x, y );

4. shift →a b
+2+ ou

5. a b
e referemse à equação de reta na forma y = a + bx;

As retas encontradas em cada caso são sempre paralelas, o que indica que seus coecientes angulares são os

mesmos. Observando a Eq. (1.87), vemos que o coeciente angular em cada caso é a própria ordem de reação.

Logo, temos que:

I1 : y = 1, 999x + 6, 937 (1.89)

I2 : y = 2, 001x + 7, 644 (1.90)

I3 : y = 2, 023x + 8, 052 (1.91)

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Figura 4: Gráco do método das velocidades iniciais para a reação considerada.

Ar1 : y = 1, 000x − 0, 061 (1.92)

Ar2 : y = 0, 999x + 0, 539 (1.93)

Ar3 : y = 0, 998x + 1, 139 (1.94)

Ar4 : y = 1, 020x + 1, 554 (1.95)

O coeciente angular para os dados do iodo é muito próximo de 2,00 em todos os casos, e para o argônio é

sempre muito próximo de 1,00, logo estes devem ser os valores para as ordens de reação. A lei de velocidade

toma a forma de:

v = k[I]2 [Ar]1 = k[I]2 [Ar] (1.96)

Sabendo as ordens de reação, temos agora 12 equações para calcular a constante de velocidade. O cálculo

de todas fornece uma constante média no valor de 8, 73 × 10+9 mol−2 .L+2 .s−1 .

Velocidades como funções do tempo


Anteriormente estávamos a expressar velocidades como funções da concentração { v = v([A]) } e concentrações

como funções do tempo { [A] = [A](t) }, o que signica ser v uma função composta { v([A](t)) }). Seria mais

interessante conseguirmos medir a velocidade em função do tempo diretamente, e não através de uma função

composta, principalmente pelo fato de que o tempo é muito mais facilmente medido do que as concentrações.

Faremos isso para cada caso. Para uma cinética de primeira ordem, chegamos à conclusão (Eq. (1.74),

página 12) que:

[A] = [A]0 e−kt (1.97)

Usando a denição de velocidade (e supondo a estequiometria A → P )3 , a substituição da equação anterior

fornece:
3 Se a estequiometria for outra, isto deve ser levado em conta na denição da velocidade.

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d d
[A]0 · e−kt

v=− [A] = − (1.98)
dt dt

v = −[A]0 · e−kt · (−k) (1.99)

v = k[A]0 · e−kt (1.100)

A Eq. (1.100) expressa a velocidade da reação em função do tempo (Uma função v(t)). Sabendo que a

cinética é de de primeira ordem, vale a relação v = k[A], o que implica que:

k[A] = k · [A]0 · e−kt ∴ [A] = [A]0 · e−kt (1.101)

Ou seja, retornamos para a lei integrada original, o que indica que a matemática do problema é consistente

(não produz resultados contraditórios).

Se a reação A→P fosse de segunda ordem (v = k[A]2 ), partese da respectiva lei integrada (Eq. (1.83),

página 13) da mesma forma:

 
d d [A]0
v=− [A] = − (1.102)
dt dt 1 + kt[A]0
d
[A]0 · (1 + kt[A]0 )−1

v=− (1.103)
dt
d
v = (−)[A]0 (−1) · (1 + kt[A]0 )−2 · (1 + kt[A]0 ) (1.104)
dt
v = [A]0 · (1 + kt[A]0 )−2 · (k[A]0 ) (1.105)

k[A]20
v= (1.106)
(1 + kt[A]0 )2

que é a expressão para v(t) no caso de cinética de segunda ordem. Tudo isso é consistente pois a cinética cinética

de segunda ordem implica que também deve se igualar a v = k[A]2 , portanto:

k[A]20
k[A]2 = (1.107)
(1 + kt[A]0 )2
[A]20
[A]2 = (1.108)
(1 + kt[A]0 )2
 2
2 [A]0
([A]) = (1.109)
(1 + kt[A]0 )
[A]0
[A] = (1.110)
(1 + kt[A]0 )

Novamente, a lei original é recuperada, indicando resultados coerentes.

Problema numérico 21.1 (Atkins, FQ, 9a ed.)


Os dados da tabela a seguir aplicamse a formação de uréia a partir do cianato de amônio (síntese de Wöhler):

N H4 CN O(aq) → N H2 CON H2(aq) (1.111)

t(min) 0 20,0 50,0 65,0 150,0


m(uréia) (g) 0 7,0 12,1 13,8 17,7

No início, 22,9 g de cianato de amônio estão dissolvidos em água suciente para completar 1,00 dm3 de

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solução. Determine a ordem de reação, a constante de velocidade e a massa de cianato de amônio remanescente

após 300 min de reação.

Resolução. Sabendo a massa de uréia em cada instante do tempo, calculase a massa de cianato naquele

instante (Lei da Conservação das Massas). Usando a massa molar do cianato de amônio (60,06 g/mol) e o volume
da solução (1 L), calculase a concentração do cianato em função do tempo. Plotandose a concentração contra

o tempo, vê-se que não é uma reta, ou seja, a reação não é de ordem zero (velocidade depende da concentração).

Para tanto, faremos primeiramente testes para 1a e 2a ordem, como já visto:

t m(ureia) m(cianato) [cianato] ln[cianato] 1/[cianato]


0 0,0 22,9 0,381 -0,964 2,623
20 7,0 15,9 0,265 -1,329 3,777
50 12,1 10,8 0,180 -1,716 5,561
65 13,8 9,1 0,152 -1,887 6,600
150 17,7 5,2 0,087 -2,447 11,550

Fazendo os grácos de ln[A] vs. t e 1/[A] vs.t, vemos que o teste de segunda ordem é satisfeito, mas o de

primeira ordem não. Logo, a reação é de segunda ordem. A equação da reta encontrada é:

y = 0, 059698281t + 2, 6193979821 → y = 0, 0597t + 2, 619 (1.112)

A constante de velocidade, portanto, é 0, 0597 L mol−1 min−1 . Usando agora a Eq. (1.83), teremos:

[A]0 0, 381 0, 381


[A] = = = = 0, 0487 mol/L (1.113)
1 + kt[A]0 1 + (0, 0597)(300)(0, 381) 6, 858

Repare que o produto kt[A]0 é adimensional, como de fato precisa ser para ser somado com outro adimen-

sional no denominador. Além disso, o resultado nal ca com a unidade do numerador, isto é, mol/L. Para

calcular a massa, usamos:

m = n.M M = (0, 0487 mol)(60, 06 g/mol) = 2, 92 g (1.114)

As respostas consideradas pelo livro são:

(a) Segunda ordem;

(b) k = 0, 0594 dm3 mol−1 min−1

(c) m = 2, 94 g

Integração de leis de velocidade mais complexas


A integração de leis de velocidade mais complexas pode também ser feita, embora fuja ao escopo atual da disci-

plina. Se ela é demasiadamente complicada para uma solução analítica, uma solução numérica pode ser usada.

No entanto, leis de velocidade simples como v = k[A][B] podem ser integradas com algum conhecimento mais
a
elaborado de cálculo diferencial e integral. A Justicativa 21.3 e a Tabela 21.3 do Atkins (9 edição) contém

uma compilação dessas leis integradas mais complicadas. Atenção com as estequiometrias da Tabela
21.3!!

Exemplo. Imagine uma reação do tipo 2A → P cuja cinética seja de primeira ordem global e k = 0, 016 s−1 .
Se a concentração inicial de A é [A]0 = 0, 350 mol/L, qual o tempo necessário para que a concentração do pro-

duto seja [P ] = 0, 075 mol/L?

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Resposta: Para que a concentração do produto seja 0, 075 mol/L, é preciso que a concentração do reagente
tenha sido diminuída por 0, 150 mol/L, pois a estequiometria é 2 : 1, Assim, precisamos descobrir qual o tempo

necessário para a concentração de A cair de [A]0 até [A]0 − 0, 150 mol/L = 0, 350 − 0, 150 = 0, 200 mol/L. Além

disso, é importante perceber que não podemos usar diretamente a Eq. (1.73) pois ela foi derivada pressupondo

A → P, ou seja, estequiometria 1 : 1. Refazendo a derivação levando em conta a estequiometria, teremos:

1 d[A]
v=− = k[A] (1.115)
2 dt
d[A]
−2kdt = (1.116)
[A]
Z t Z [A]
d[A]
−2kdt = (1.117)
t0 [A]0 [A]
 
[A]
−2kt = ln (1.118)
[A]0
 
[A]
ln [A] 0
t=− (1.119)
2k
 
ln [A][A]
0

t=+ (1.120)
2k
 
ln 0,350
0,200
t= = 17, 5 s (1.121)
2 × (0, 016 s−1 )

Serão necessários 17,5 segundos para a reação atingir o estágio desejado. Observe que a análise dimensional

é perfeitamente satisfeita, isto é, o resultado em segundos é perfeitamente coerente com a unidade da constante

e seu lugar na equação.

Tempos de meiavida
Um aspecto importante que pode ser obtido a partir das leis integradas é o chamado tempo de meiavida, que

representa o tempo necessário para que a concentração de uma espécie reagente caia pela metade do seu valor

naquele instante. No caso da reação de primeira ordem em um único reagente, teremos:

[A]0
 
   
[A]  2  1
−kt 21 = ln = ln   = ln = − ln(2) (1.122)
[A]0 [A]0 2

ln 2
−kt 21 = − ln(2) ∴ t 12 = (1.123)
k

Ou seja, para reações de primeira ordem, o tempo necessário para a concentração cair pela metade é deter-

minado unicamente pela constante de velocidade. A concentração inicial não inuencia este parâmetro. Já no

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caso das reações de segunda ordem, teremos:

1 1
kt 21 = [A]0
− (1.124)
[A]0
2
 −1
[A]0 1
kt 12 = − (1.125)
2 [A]0
2 1
kt 12 = − (1.126)
[A]0 [A]0
1 1
kt 12 = ∴ t 12 = (1.127)
[A]0 k[A]0

Diferentemente das reações de primeira ordem, a meiavida em uma reação de segunda ordem depende da

concentração inicial. Isso signica que concentrações iniciais muito baixas podem indicar um tempo de meia

vida relativamente alto, enquanto concentrações altas resultarão em tempos de meiavida reduzidos. Podemos

modular o tempo de meiavida desejado calculando a concentração inicial do substrato que o produz.

Exemplo. Considere um fármaco cuja reação no organismo tenha cinética de segunda ordem global. Se
−1
k = 1, 22 mol L s−1 , qual deve ser a concentração inicial do fármaco para que o tempo de meiavida seja de

exatamente 6 horas?

Usando a Eq. (1.127), isolamos a concentração inicial como o parâmetro a ser encontrado:

1
t 21 = (1.128)
k[A]0
1
[A]0 = (1.129)
k t 21

1
[A]0 = 3600 s
 (1.130)
(1, 22 mol−1 .L+1 .s−1 ) 6 h× h

[A]0 = 3, 794 × 10−5 mol.L−1 = 37, 94 × 10−6 mol.L−1 ≈ 38 µmol.L−1 (1.131)

Dessa forma, se a administração do fármaco for feita de 6 em 6 horas, a sua concentração no organismo

nunca será menor que a metade do valor inicial, ou seja, nunca será menor que 19 µmol.L−1 . Observe também

que as unidades satisfazem a análise dimensional, algo que deve ser sempre obedecido.

Perguntas.
1. Qual deve ser o aspecto de um gráco de concentração contra tempo para uma reação de ordem global

zero? R: uma reta.

2. Qual o tempo de meiavida de uma reação cuja ordem global é zero?

19
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R:

−d[A]
=k (1.132)
dt

−d[A] = kdt (1.133)

Z [A] Z t
− dA = k dt (1.134)
[A]0 t0

− ([A] − [A]0 ) = k(t − t0 ) = kt se t0 = 0 (1.135)

[A]0 − [A] = kt (1.136)

[A]0 [A]0
[A]0 −
t 12 = 2 = 2 = [A]0 (1.137)
k k 2k

1.4 Dependência da velocidade com a temperatura


Já foi mencionado que a constante de velocidade não depende das concentrações, mas depende da temperatura.
4
Tal dependência foi primeiramente estudada por Arrhenius , que encontrou a seguinte equação para descrevêla:

−Ea
k = Ae( RT ) (1.138)

Nesta equação, k é a constante de velocidade, A é um fator préexponencial, também chamado fator de

frequência, Ea é a energia de ativação do sistema, R é a constante dos gases ideais e T a temperatura, dada

em Kelvin. O fator préexponencial está relacionado com a frequência de colisões efetivas entre as moléculas

de reagentes, e embora dependa da temperatura, a dependência é baixa a ponto de ser válida a aproximação de

que para intervalor curtos de temperatura, ele mantémse constante.

A energia de ativação referese a energia necessária para ativar o processo e colocálo para reagir. Uma

analogia (bem pobre) seria com o motor de um carro desligado: é preciso providenciar energia para colocálo

em funcionamento, acionando o motor de arranque que consome carga da bateria. Quanto mais pesado o

motor (um motor a diesel de um navio comparado a um motor de um carro comum), mais energia deve ser

gasta para acionálo. Na reação química também ocorre isso: quanto maior a energia de ativação, menor a

constante de velocidade, o que implica em uma reação que tem mais diculdade para acontecer. Energia de

ativação baixa signica que é fácil, para a reação, atingíla e prosseguir até os produtos. Uma outra analogia

útil é pensar a origem fenomenológica deste termo: a energia de ativação é a energia cinética mínima necessária,

em uma colisão, para transformar reagentes em produtos. A energia de ativação é como uma barreira potencial

que separa reagentes de produtos, sendo que o topo desta barreira, ponto de mais alta energia potencial, vem

a ser conhecido como o complexo ativado da reação, ou ainda, estado de transição.


O estado de transição é uma espécie química que representa justamente a transição entre o reagente e o

produto. É transiente, ou seja, não pode ser efetivamente isolado, pois rapidamente decai, seja para os produtos

ou de volta para os reagentes. A ideia da energia de ativação é que reações lentas tem barreiras altas porque

os estados de transição são difíceis de serem alcançados, e viceversa. Um catalisador é, portanto, uma espécie

química que reduz a energia de ativação necessária para uma reação química, tornandoa mais rápida. Um

inibidor, por outro lado, é aquele que aumenta a energia de ativação.

A dependência com a temperatura pode, então, ser calculada tomando o logaritmo de ambos os lados da

4 Sim, o mesmo homem da teoria eletrolítica das soluções e da primeira denição de ácido e base vista em Química Geral.

20
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Eq. (1.138):

h −Ea
i
ln k = ln Ae( RT ) (1.139)

h −Ea i
ln k = ln A + ln e( RT ) (1.140)

 
−Ea
ln k = ln A + (1.141)
RT

Esta última equação pode ser melhor visualizada da seguinte forma:

  
−Ea 1
ln k = + ln A (1.142)
R T

Ou seja, se dispusermos dos valores das constantes de velocidade em diversas temperaturas, plotar os valores
1 −Ea
de ln k contra o inverso da respectiva temperatura (
T ) fornecerá uma reta com coeciente angular R e o

coeciente linear ln A.
5

Admitindo intervalos pequenos de temperatura, para os quais a dependência de A com a temperatura pode

ser desprezada, uma forma mais simples de relacionar duas constantes de velocidade em temperaturas distintas

é a seguinte: imaginemos duas constantes de velocidade, k1 e k2 , associadas à duas temperaturas, T1 e T2 .


Podemos dividir k1 por k2 :
 
−Ea
k1 e RT1
=  −Ea  (1.143)
k2
e RT2
k1
   
−Ea
− −E a
=e RT1 RT 2 (1.144)
k2
k1
   
−Ea Ea
+ RT
=e RT1 2 (1.145)
k2
k1
   
Ea Ea
− RT
=e RT2 1 (1.146)
k2

Tomando o logaritmo natural nos dois lados da equação:

 
k1
   
Ea Ea
− RT
ln = ln e RT2 1 (1.147)
k2
 
  

k1Ea Ea
ln − = (1.148)
k2
RT2 RT1
   
k1 Ea 1 1
ln = − (1.149)
k2 R T2 T1

Ou seja, conhecendo uma constante de velocidade e a energia de ativação da reação, obtémse a constante

em outra temperatura desejada. Da mesma forma, conhecendose duas constantes, determinase a energia de

ativação da reação. Energias de ativação de reações comuns são sempre positivas, pois representam uma barreira

a ser vencida pelos reagentes.

1.5 Etapas, processos elementares e mecanismos de reação


Agora que vimos diversos aspectos matemáticos e quantitativos a respeito das leis de velocidade, o leitor atento

poderá perguntar: por quê a lei de velocidade não segue a estequiometria da reação? Ou também: por quê as

vezes a concentração de uma espécie reagente não inuencia na reação química, considerando que uma maior

quantidade dessa molécula deveria implicar em maiores chances de formação de produto?

5 Ver a Figura 21.12 do Atkins, FísicoQuímica, 9a . edição.

21
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Bem, um aspecto é essencial para que reações químicas de modo geral aconteçam: os reagentes precisam

se encontrar, isto é, colidir no espaço.


6 Nesse contexto, é muito comum que reações químicas não aconteçam

pelo choque direto de todos os reagentes simultaneamente, mas sim em processos sequenciais. Por exemplo, a

seguinte reação:

N O2(g) + CO(g) → N O(g) + CO2(g)

ocorre, na verdade, em duas etapas:

N O2(g) + N O2(g) → N O(g) + N O3(g) (lenta)

N O3(g) + CO(g) → N O2(g) + CO2(g) (rápida)

Cada uma destas etapas é chamada de processo elementar. Quando uma reação não pode ser dividida em

etapas mais simples que ela, ela é um processo elementar e uma característica desse tipo de reação é que elas

sim envolvem a colisão de todos os reagentes participantes. Ou seja, no primeiro processo elementar, lento, duas

moléculas de N O2(g) colidem para formar N O(g) e N O3(g) . No entanto, tão logo o N O3(g) (instável) é formado,

ele reage imediatamente com o CO(g) para produzir N O2(g) e CO2(g) . Dois aspectos muito importantes devem

ser destacados:

 Embora a equação química indique que N O2(g) e CO(g) reajam, o que de fato ocorre, em nenhum momento
estas duas espécies colidem para formar produtos. Certamente elas colidem entre si no ambiente reacional,

mas a colisão é elástica, sem modicação estrutural das suas estruturas;

 Uma espécie que não aparece na equação química global, o N O3(g) , é um participante ativo da reação

química. No entanto, ele não aparece na reação global, apenas na discriminação das diversas etapas

na qual esta pode ser subdividida. Tal espécie é chamada de intermediário de reação e a sequência de

processos elementares que compõe uma reação global é chamada de mecanismo de reação.

O fato de que a conversão entre reagentes e produtos não é direta, mas em duas etapas, sendo que a sequência

de etapas admite um intermediário, signica que não necessariamente a taxa de desaparecimento dos reagentes

será igual à taxa de aparecimento dos produtos. Por exemplo, vamos considerar uma reação hipotética do

tipo A → I → P, onde A é o reagente, I é o intermediário e P é o produto, sendo que as duas reações são

processos elementares e unidirecionais (isto é, a reação inversa não existe) com constantes de velocidade ka e

kb , respectivamente:

ak b k
A −→ I −→ P (1.150)

As reações são unidirecionais, portanto A não é gerado, apenas consumido, e sua velocidade de consumo é

dada por:

d[A]
= −ka [A] (1.151)
dt

O produto P só é formado, mas não consumido; logo, a velocidade de produção é:

d[P ]
= kb [I] (1.152)
dt

O intermediário I, por sua vez, é formado a partir de A, mas se converte em P. Logo, a variação na

concentração de I depende da velocidade com que ele se forma a partir de A e também da velocidade com que

6 A única exceção a isso seriam algumas reações redox como as encontradas em pilhas comuns, ainda que várias outras reações
redox exijam contato físico entre os reagentes.

22
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ele se converte em P:

d[I]
= ka [A] − kb [I] (1.153)
dt

Se inicialmente apenas A está presente, sabemos a concentração inicial deste ([A]0 ), e a concentração de A
em um instante qualquer é dada pela lei integrada de primeira ordem:

[A] = [A]0 e−ka t (1.154)

Substituindo a última na penúltima e rearranjando o termo em [I]:

d[I]
+ kb [I] = ka [A]0 e−ka t (1.155)
dt

Usando a condição [I]0 = 0, podese resolver esta equação (a demonstração não será dada aqui), e a solução

será:
7

ka
e−ka t − e−kb t [A]0

[I] = (1.156)
kb − ka

Como, no caso desta reação, a relação [A]+[I]+[P ] = [A]0 é válida em qualquer instante do tempo, podemos

obter a seguinte expressão para a concentração dos produtos:

ka e−kb t − kb e−ka t
 
[P ] = 1 + [A]0 (1.157)
kb − ka

Fazendo grácos destas duas últimas funções em relação ao tempo, obteremos pers que mostram que [I]
tende a um máximo e depois a zero, enquanto [P ] tende para [A]0 .8

Se, no caso da expressão acima, kb  ka , então valem as seguintes aproximações:

ka e−kb t − kb e−ka t ≈ −kb e−ka t (1.158)

kb − ka ≈ kb (1.159)

Substituindo estas aproximações, teremos:

kb e−ka t
 
[A]0 = 1 − e−ka t [A]0
 
[P ] ≈ 1 − (1.160)
kb

Interpretando: sob a condição de que kb  ka , a taxa de produção de P dependerá prioritariamente da

constante de velocidade da etapa mais lenta, ka . Um argumento análogo teria sido encontrado em relação a kb
no caso de ka  kb . Vemos, portanto, que a etapa mais lenta que é imprescindível para a formação de produtos

é a etapa determinante para a velocidade, usualmente lembrada como o gargalo da reação. Uma analogia

muito simples pode ser feita com um engarrafamento: seja qual for o número de pistas nos diferentes setores,

o setor mais lento é o que determina a velocidade de todos os outros. Da mesma forma, a etapa lenta de uma

reação, se única, será a maior responsável pela velocidade da reação global e, portanto, será a principal etapa

que inuenciará a expressão da lei de velocidade.

Podese observar que a complexidade da matemática necessária para descrever a produção dos produtos

aumenta muito na medida em que o número de etapas também aumenta, mas isso pode ser contornado com

o uso de uma aproximação relativamente simples. Por exemplo, consideremos novamente uma reação do tipo

A → I → P. Certamente a concentração os intermediários é zero no início da reação, mas é diferente de zero no

decorrer da reação (isso foi discutido nas equações imediatamente anteriores). No entanto, se admitirmos que,

7 Válida apenas no caso de k 6= k .


a b
8 Figura 21.14 do livro do Atkins, FísicoQuímica, 9a edição, ou Figura 20E.1 na 10a edição.

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após um certo tempo chamado tempo de indução, no qual a concentração dos intermediários aumenta, chegase
a uma situação em que as concentrações de todos os intermediários são constantes, o que, consequentemente,

implica que as velocidades de produção e consumo destes são iguais, implicando que eles não sejam acumulados

no meio reacional. Essa é a chamada imposição do não acúmulo de intermediários. Supondo que ela seja
d[I]
razoável, podemos escrever que
dt ≈ 0, o que, dentro da Eq. (1.153) resulta em:

 
ka
[I] ≈ [A] (1.161)
kb

Uma vez que a velocidade de aparecimento dos produtos (que, neste caso é também a etapa lenta da reação)

é dada por:

  
d[P ] ka
= kb [I] ≈ kb [A] = ka [A] (1.162)
dt kb

A última equação é exatamente idêntica ao que seria a lei de velocidade se a reação se processasse em apenas

uma etapa, o que é equivalente a dizer que a concentração dos intermediários seriam não apenas constantes,

mas sempre nulas. Mais que isso, sabemos que é válido dizer que [A] = [A]0 e−ka t . Substituindo:

d[P ]
= ka [A]0 e−ka t

(1.163)
dt
Z [P ] Z t
d[P ] = ka [A]0 e−ka t dt (1.164)
0 0

  t
1 −ka t
[P ] = ka [A]0 e (1.165)

−ka


0
     
1 −ka t 1 0
[P ] = ka [A]0 e − ka [A]0 e (1.166)
−ka −ka

[P ] = −[A]0 e−ka t + [A]0 (1.167)

[P ] = 1 − e−ka t [A]0
 
(1.168)

O resultado aproximado é idêntico ao anteriormente obtido (Eq. (1.160)), mas as custas de uma matemática

um bocado menos elaborada. Portanto, se de fato os intermediários apresentarem concentrações constantes no

tempo (não necessariamente nulas), a imposição do não acúmulo de intermediários nos levará a resultados tão

bons quanto aqueles obtidos por meio de uma análise mais rigorosa do fenômeno cinético.

Diferentemente do que falamos sobre reações globais, para os processos elementares a lei de velocidade reete

a estequiometria da reação. Isto ocorre porque o número de colisões que eventualmente produzirão produtos

é proporcional à concentração das espécies que colidem entre si. Para uma reação global isto não é válido

pois, como vimos, nem sempre as espécies da reação global efetivamente colidem umas com as outras, mas nos

processos elementares isso sempre irá ocorrer. Por exemplo, a lei de velocidade para a reação que inicia esta

seção é:

v = k[N O2 ]2 (1.169)

A forma da equação já nos dá pistas de que a espécie CO não participa da etapa lenta, pois sua concentração
não aparece na lei de velocidade. Logo, ter mais ou menos CO não muda a velocidade pois este deve estar

envolvido em etapas que não a determinante para a velocidade. De fato, o CO não participa da reação de

produção de N O3 , que é a etapa mais lenta, e portanto determinante, desta reação.

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Algumas reações químicas são, como um todo, um processo elementar, isto é, processamse completamente

em uma única etapa:

N O(g) + O3(g) → N O2(g) + O2(g) v = k[N O][O3 ] (1.170)

CH3 N C → CH3 CN v = k[CH3 N C] (1.171)

Já outros processamse em diversas etapas:


N2 O5(g) + N2 O5(g) → N2 O5(g) + N2 O5(g) (1.172)


N2 O5(g) → N O3(g) + N O2(g) (lenta) (1.173)

N O3(g) + N O2(g) → N O(g) + N O2(g) + O2(g) (1.174)

N O(g) + N2 O5(g) → N O2(g) + N O2(g) + N O2(g) (1.175)

(1.176)

2N2 O5(g) → 4N O2(g) + O2(g) v = k[N2 O5 ] (1.177)

Como processos moleculares envolvem obrigatoriamente colisões entre moléculas, cabe distinguílos nesse

aspecto. A molecularidade é a quantidade de moléculas envolvidas na colisão efetiva de uma reação. São

conhecidos processos de molecularidade 1, 2 e 3, mas nenhum com molecularidade 4 ou maior. Isso ocorre

porque a colisão simultânea de quatro partículas, sejam elas iguais ou diferentes, é tão improvável que se de fato

uma reação dependesse desse tipo de reação para prosseguir, não notaríamos avanço real nenhum em qualquer

escala de tempo sensata. Em outras palavras, só são conhecidos mecanismos de reação envolvendo etapas com

colisões de até 3 moléculas simultaneamente. Exemplos:

1. A já mencionada reação CH3 N C → CH3 CN envolve apenas uma molécula, e sua velocidade depende

apenas da concentração da espécie inicial. Molecularidade 1, primeira ordem global, k[CH3 N C];

2. A também já mencionada reação N O(g) + O3(g) → N O2(g) + O2(g) é um processo elementar com molecula-

ridade 2, primeira ordem em cada reagente, ordem global 2 e v = k[N O][O3 ]. Se somente a concentração

do NO ou do O3 for aumentada, a velocidade da reação cresce linearmente, mas se a concentração de

ambos aumentar, a velocidade cresce quadraticamente, pois o número de colisões entre NO e O3 cresce

nesta proporção;

3. A reação O(g) + N O(g) + N2(g) → N O2(g) + N2(g) é um exemplo de processo elementar com molecularidade

três. A reação depende da efetiva colisão das três partículas ao mesmo tempo. Um aspecto adicional desta

reação é que aparentemente o N2(g) não é reagente nem produto, pois não é consumido nem produzido, e

então ele poderia ser retirado da equação química, mas de fato isto não pode ser feito. A lei de velocidade

deste processo elementar é v = k[O][N O][N2 ], indicando que o N2(g) é participante ativo da reação. A

explicação para isso reside no fato de que a reação direta enter N O(g) e O(g) produz moléculas de N O2(g)
com excesso de energia, que sofrem ruptura logo após caso a energia não seja dissipada. Se a molécula

de N2(g) , no entanto, participar da colisão, ela é capaz de absorver este excesso, permitindo que uma

molécula de N O2(g) energeticamente favorável seja formada.

Podemos resumir isso da seguinte maneira:

Molecularidade Exemplo de reação Lei de velocidade


1 A → produtos v = k[A]
2 A + A → produtos v = k[A]2
2 A + B → produtos v = k[A][B]
3 A + A + A → produtos v = k[A]3
3 A + A + B → produtos v = k[A]2 [B]
3 A + B + C → produtos v = k[A][B][C]

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Existem ainda as reações de ordem global zero, isto é, cuja velocidade não depende da concentração de

nenhum dos reagentes, embora todos os reagentes precisem estar presentes. Esse tipo de comportamento é

relativamente comum quando tratamos catalisadas, tanto em catálise heterogênea como em catálise enzimática.

Nesses casos, a velocidade é determinada mais pela área supercial do catalisador (ou quantidade de enzima

presente) do que pelas concentrações dos reagentes, pois mesmo que elas aumentem, se a ára de contato não

aumentar, a reação ainda ca limitada à taxa com que as moléculas de reagentes conseguem se aproximar do

catalisador. Aumentandose a área, aumentase a velocidade mediante um aumento na constante de velocidade,

mas a reação continuará sendo de ordem zero. Reações que se processam com ordem zero também possuem

velocidade constante, diferentemente das outras, cuja velocidade diminuir à medida que as concentrações dos

reagentes diminuem também.

1.6 O mecanismo de LindemannHinshelwood


Como visto nos parágrafos anteriores, as moléculas adquirem a energia necessária para reagir por meio de

colisões. No entanto, as colisões mais simples ainda são, por denição, eventos bimoleculares; como então

podem existir leis de primeira ordem, se colisões sempre envolvem ao menos duas moléculas? A primeira

explicação bem sucedida foi proposta por F. Lindemann e desenvolvida por C. Hinshelwood na década de 1920,

no agora conhecido mecanismo de LindemannHinshelwood. Para exemplicálo, vamos considerar uma

reação do tipo A → P, com cinética de primeira ordem. Ainda que seja de primeira ordem, é sensato imaginar

que para a reação acontecer, duas moléculas do reagente A devem colidir entre si:

d[A∗ ]
A + A → A∗ + A = ka [A]2 (1.178)
dt

Esse processo elementar envolve a colisão de duas moléculas e, portanto, deve ter cinética de segunda ordem.

O símbolo A∗ denota uma molécula de A energeticamente excitada, e esta molécula pode, então, sofrer um de

dois processos possíveis: 1) perder seu excedente de energia ou 2) decair para um produto:

d[A∗ ]
A∗ + A → A + A = −ka0 [A∗ ][A] (1.179)
dt
d[A∗ ]
A∗ → P = −kb [A∗ ] (1.180)
dt

A espécie excitada, A∗ , é um intermediário de reação, e a variação na sua concentração depende das três

taxas de variação dadas nas três equações anteriores. Impondo o não acúmulo de intermediários, temos:

d[A∗ ]
= ka [A]2 − ka0 [A∗ ][A] − kb [A∗ ] ≈ 0 (1.181)
dt

Isolando o termo em [A∗ ]:

ka [A]2
[A∗ ] = (1.182)
kb + ka0 [A]

Se −kb [A∗ ] é a taxa com que a concentração de A∗ diminui no processo elementar A∗ → P , então +kb [A∗ ]
é a taxa com que a concentração do produto P aumenta. Usando isso junto com a equação anterior, obtémse:

ka [A]2 ka kb [A]2
 
d[P ]
= kb [A∗ ] = kb 0
= (1.183)
dt kb + ka [A] kb + ka0 [A]


Se a velocidade de desativação (A + A → A + A) for muito maior que a velocidade da etapa de decaimento

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para os produtos (A → P ), implicase que:

ka0 [A∗ ][A]  kb [A∗ ] ∴ ka0 [A]  kb (1.184)

A introdução desta condição faz a equação (1.183) ser transformada em:

d[P ] ka kb [A] ka kb
≈ = kr [A] kr = (1.185)
dt ka0 ka0

No entanto, é oportuno destacar que quando a reação já avançou bastante, a ponto de a concentração de A
ser pequena, a etapa lenta determinante deixa de ser o decaimento unimolecular e passa a ser a própria etapa

de ativação (A + A → A∗ + A). Nessa situação em que [A] é pequeno, valem as seguintes condições:

ka0 [A∗ ][A]  kb [A∗ ] ∴ ka0 [A]  kb (1.186)

o que leva a:

d[P ] ka kb [A]2
≈ = ka [A]2 (1.187)
dt kb

Esta mudança na ordem de reação é observada experimentalmente em vários sistemas, dando suporte expe-

rimental para o mecanismo de LindemannHinshelwood.

Nunca é demais relembrar: estes são exemplos didáticos, válidos para reações bemcomportadas. Existem

muitas reações que não seguem estes padrões e apresentam mecanismos muito complexos, por vezes desconhe-

cidos, e leis de velocidade sem análoga nesta tabela. Para algumas reações nem mesmo as ordens de reação

podem ser estabelecidas com precisão.

É importante conectar os conhecimentos nessa parte. Por exemplo, para a seguinte reação é dada sua lei de

velocidade:

2N O2(g) + F2(g) → 2N O2 F(g) v = k[N O2 ][F2 ] (1.188)

Essa reação ocorre em uma ou mais etapas? Se em mais de uma, é possível inferir um mecanismo somente

a partir destes dados?

Bem, a lei de velocidade tem ordem global 2, com ordem de reação 1 em cada reagente. Se o processo fosse

elementar, a lei de velocidade deveria ter a expressão v = k[N O2 ]2 [F2 ], e como isso não é vericado, concluímos

que a reação se desenvolve em múltiplas etapas. Isso nos dá uma pista de que a etapa lenta envolve a colisão

de uma molécula de N O2 com uma molécula de F2 . Imaginando que elas já formam o produto, teríamos um

átomo de úor sobrando nos produtos:

N O2(g) + F2(g) → N O2 F(g) + F(g) (1.189)

Como átomos individuais são, via de regra, bastante reativos, podemos inferir que o átomo de úor gerado

e um intermediário de reação de vida muito curta, e que tão logo é formado, reage com outra molécula de N O2
produzindo mais produtos:

N O2(g) + F(g) → N O2 F(g) (1.190)

Desse modo, a conexão destas duas etapas reproduz a reação global do início do problema, e dá uma

explicação não apenas do porque ela ocorre em mais de uma etapa, mas também qual o mecanismo pelo qual

ela ocorre.

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Exercício combinado de cinética química


[A]/mol.L−1 [B]/mol.L−1 v/10−5 mol.L−1 .s−1
0,101 0,201 120
0,203 0,202 479
0,102 0,101 121

Considere os dados apresentados na tabela anterior, relativos à uma reação hipotética do tipo 2A + B → C que

acontece a 20 C. Baseandose neles, responda:

(a) Qual a ordem de reação em relação à cada reagente?

(b) Qual a expressão para a lei de velocidade?

(c) Qual a constante de velocidade (com a unidade apropriada) ?


(d) Qual a velocidade quando, à 20 C, as concentrações forem [A] = [B] = 0,165 mol.L−1 ?

(e) Qual a energia de ativação, supondo que k2 (80◦ C) = 11, 62 ?


(f ) Qual a constante de velocidade para a reação quando a temperatura for 40 C ?


(g) Qual a velocidade quando, à 40 C, as concentrações forem [A] = [B] = 0, 180 mol.L−1 ?

(h) A reação acontece em uma ou várias etapas? Justique sua explicação com base em argumentos conceituais.

(i) Qual a mais provável molecularidade da etapa lenta?

(j) Calcule o tempo de meia vida para a reação.

(k) Calcule a concentração de ambos os reagentes após 40 s de reação.

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2 Fundamentos de Termodinâmica
2.1 Denições
Antes de começar, cabem algumas denições da terminologia a ser adotada:

 Sistema. É a porção do Universo sob estudo, admitindo que seja válida a aproximação da continuidade

da matéria e da energia.

 Vizinhança. É a porção do Universo que não corresponde ao sistema, ou seja, o resto. Claro, ênfase é

dada à vizinhança mais imediata ao sistema, ou seja, mais próxima dele.

 Fronteira. É a superfície que divide o sistema e a vizinhança. Pode ser uma barreira física real (uma

parede, por exemplo) ou apenas uma linha divisória imaginária (a boca de um copo, que separa o conteúdo

do interior do copo daquele do exterior).

 Fronteira aberta. Permite trocas de matéria e energia.

 Fronteira fechada. Permite trocas de energia, mas não de matéria.

 Fronteira fechada adiabática. Permite trocas de energia na forma de trabalho, mas não permite

uxo de calor nem trocas de matéria.

 Fronteira fechada rígida diatérmica. Permite trocas de energia na forma de calor, mas não

permite realização de trabalho nem trocas de matéria.

 Estado do sistema. Um arranjo do sistema caracterizado por uma ou mais variáveis de estado. É

estacionário a menos que alguma transformação incorra sobre ele.

 Estadopadrão. É o estado de referência em termodinâmica. Consiste no estado em que a espécie

química encontrase na sua forma física mais estável sob a pressão de 1 bar (105 P a, exatamente),

em certa temperatura. A temperatura não faz parte da denição de estado padrão.

 Função de estado. Também chamada de propriedade, é uma grandeza física cujo valor está associada
ao estado do sistema, mas não depende de como o sistema atingiu tal estado.
9 Exemplos de funções de

estado são pressão, temperatura, volume e quantidade de matéria.

 Propriedade extensiva. São aquelas cujo valor global é a soma de valores individuais. Não são

denidas no ponto, mas numa coleção de pontos. Volume e quantidade de matéria são exemplos.

 Propriedade intensiva. São aquelas cujo valor global é intrínseco do sistema, sendo denido em

cada ponto e, em um sistema homogêneo, a propriedade tem o mesmo valor em todos os pontos do

sistema. Temperatura e pressão são exemplos.

 Função do processo. Também chamada função de caminho, é uma grandeza que depende do caminho
percorrido por um processo.
10 Calor e trabalho são exemplos.

 Princípio Zero da Termodinâmica. É nada mais que a constatação de que corpos podem estar em

equilíbrio térmico, isto é, na mesma temperatura. Digamos que tenhamos os corpos A, B e C, cada qual

com sua temperatura: TA , TB e TC . Se A está em equilíbrio térmico com B , e B está em equilíbrio térmico

com C, então obrigatoriamente A também está em equilíbrio térmico com C. Essa constatação, embora

quase óbvia, é importante para a caracterização de outras constatações futuras em termodinâmica.


9 É como a altura de uma montanha. A altura não depende de como a montanha é escalada, mas apenas da diferença de altitude
entre o seu cume e a sua base.
10 É como a distância percorrida subindo a montanha. A distância percorrida em linha reta é menor do que em torno da montanha,
em espiral, muito embora os estados inicial (base) e nal (cume) sejam os mesmos.

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2.2 Trocas energéticas e a Primeira Lei da Termodinâmica


Para simplicar, iremos tratar prioritariamente trocas energéticas e processos envolvendo gases.

Uma propriedade fundamental em temodinâmica é a energia. Ela possui várias manifestações no mundo real,

mas no contexto da termodinâmica, iremos usar a terminologia energia interna (U ) para nos referir ao total
de energia que um sistema possui. Seria a soma de todas as parcelas energéticas de um sistema, compreendendo:

 Energia relativas ao movimento das moléculas (translacional, vibracional e rotacional);

 Energias de interação entre as diferentes moléculas do sistema;

 Energias das ligações que compõe cada molécula;

 Energias dos átomos que compõe cada ligação;

 Energias dos núcleos que compõe cada átomo;

 Etc.

Embora a energia de um estado seja bem denida, não podemos conhecêla exatamente pois isso implicaria

em conhecer todas as possíveis fontes para ela, algumas das quais listadas à pouco. Por outro lado, os pro-

cessos termodinâmicos que iremos considerar via de regra só terão como parcela relevante a energia cinética

das partículas do gás. Esta, de acordo com a Teoria Cinética dos Gases, é composta de diferentes parcelas
1
relacionadas aos diversos graus de liberdade de movimento, cada qual contribuindo com o equivalente a
2 kT
para cada partícula. Sendo assim, para um gás ideal monoatômico, cujo movimento é completamente descrito

pela translação em três dimensões, temos que:

     
1 1 1 3
Ecin = kT + kT + kT = kT (2.1)
2 x 2 y 2 z 2

N
Se o sistema consistir de N partículas, vale a relação n= NA , onde n é o número de mols presente e NA é

a constante de Avogadro. Usando esta relação e também a relação NA .k = R, obtemos o seguinte:

 
3 3 3 3
Ecin = N × kT = nNA kT = n(NA k)T = nRT (2.2)
2 2 2 2

Portanto, a energia cinética é uma propriedade extensiva do sistema, mas a energia cinética molar é uma

propriedade intensiva, assim denida:

3
Ecin 2 nRT 3
Ecin,m = = = RT (2.3)
n n 2

Observando as dimensões de R (J K −1 mol−1 ) vemos que a dimensão da equação anterior é J mol−1 , como

esperado para uma energia molar.

Já no caso de um gás ideal diatômico, além das parcelas de translação em três dimensões, a molécula ainda
1
tem uma parcela de energia rotacional em dois dos três eixos Cartesianos, cada qual contribuindo com
2 kT
adicionais para a energia. Para o sistema de N partículas, a contribuição extra das rotações será, então:

3 2 5
Ecin,m = RT + RT = RT (2.4)
2 2 2

Se o gás for composto de partículas poliatômicas nãolineares, deveremos considerar rotações em três di-

mensões, chegando a uma energia cinética molar de Ecin,m = 3RT .


A equação anterior implica (do ponto de vista clássico, corretamente) que quando a temperatura tende

ao zero absoluto (T → 0), a energia cinética do sistema também tenderá a zero. No entanto, ainda restarão

inalteradas as parcelas da energia armazenadas na estrutura interna dos átomos e moléculas (ligações, núcleos,

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partículas subatômicas, etc.), por vezes chamada estrutura eletrônica. Sendo assim, podemos escrever que para

um sistema constituído por certo número n de mols de um gás ideal monoatômico vale a expressão:

3
U = U0 + nRT (2.5)
2
3 5
e expressões análogas seriam observadas para gases ideais diatômicos, com a substituição de
2 nRT por 2 nRT ,
por exemplo. Mesmo sem conhecer explicitamente U0 , podemos facilmente conhecer a variação na energia de um
sistema, comparando a energia ganha ou perdida em um processo. Em outras palavras, não podemos conhecer

Ui e Uf , as energias dos estados inicial e nal, com exatidão, mas podemos conhecer (e medir) a variação da

energia em um processo que conecta estes estados:

   
3 3
Uf − Ui = ∆U = U0,f + nRTf − U0,i + nRTi (2.6)
2 2
3 3
∆U = U0,f + nRTf − U0,i − nRTi (2.7)
2 2
3 3
∆U = nRTf − nRTi (2.8)
2 2
3
∆U = nR∆T (2.9)
2

Este resultado foi obtido por meio do cancelamento U0,i = U0,f , pois os processos termodinâmicos usual-

mente não sofrem inuência da estrutura eletrônica das moléculas. A interpretação conceitual dessa equação

é fundamental: a energia interna do gás ideal depende somente da temperatura. No jargão matemático da

termodinâmica, dizse que a energia interna do gás ideal é função apenas da temperatura, ou seja, U = U (T ).
Para gases reais isso não é estritamente válido, mas em geral trabalharemos em situações onde a aproximação

do gás ideal é bastante válida.

Por exemplo, seja um sistema em um estado A, denido por TA , p e V , e outro sistema, B , para o qual valem
as condições TB , p e V. Admitimos também que TA > TB e que as pressões e os volumes dos dois sistemas são

iguais. Se colocados em contato físico um com o outro, e se as pressões e volumes permanecerem constantes,

energia irá uir do corpo A para o corpo B até que suas temperaturas se igualem, e então ambas são iguais a

um certo valor TC , sendo que TA > TC > TB .


O corpo A perdeu energia, pois sua temperatura diminuiu, e o corpo B ganhou energia, pois sua temperatura

aumentou. Dizemos que houve uma troca energética entre A e B, caracterizada pelas suas diferentes tempera-

turas. Este tipo de troca energética é chamada de calor (q ). Em outras palavras, calor é uma troca energética

entre corpos com temperaturas diferentes. É importante destacar que nenhum corpo possui calor, o calor é

apenas uma forma de trocar energia. A frase  estou com calor  é absurda do ponto de vista da termodinâmica

pois não se pode armazenar calor. O calor aparece na fronteira entre o sistema e a vizinhança apenas durante

a troca térmica, e quando atingese o equilíbrio térmico, o calor cessa de existir.

O calor é a única forma de troca de energia? Claro que não. Se eu empurrar uma cadeira, nem a minha

temperatura nem a da cadeira se modicaram apreciavelmente, no entanto eu gastei energia para deslocála. A

energia trocada entre corpos envolvendo algum tipo de deslocamento é chamada trabalho (w). Podemos dizer

que calor é uma troca energética relacionada a um movimento desordenado (movimento térmico), enquanto o

trabalho é uma troca energética relacionada a um movimento ordenado (deslocamento de alguma fronteira).

Seguindo este raciocínio, podemos aumentar a temperatura de um sistema fornecendo energia para ele sem

necessariamente utilizar calor, mas utilizando trabalho. Por exemplo, da mesma maneira que um béquer com

água pode ser aquecido por imersão em um banho quente, ele pode ser submetido à agitação de uma pá mecânica.

Podese calcular a massa que deve ser deslocada por certa altura h para que o aquecimento seja idêntico ao da

transferência de certa quantidade de energia via calor. Isto foi primeiramente demonstrado em uma experiência

clássica conduzida por J.P. Joule, conhecida como equivalente mecânico do calor.
É importante destacar que transformações em um sistema são sempre observadas na sua vizinhança. No

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exemplo anterior, se observarmos que a temperatura do sistema aumentou, não podemos inferir por qual meca-

nismo isso aconteceu observando apenas o sistema. Precisamos observar as vizinhanças para perceber se o que

existem são corpos à temperaturas menores ou massas à alturas mais baixas.

As diferentes trocas energéticas (calor e/ou trabalho) à que um sistema é submetido devem corresponder,

juntar à variação global na energia daquele sistema. Logo:

∆U = q + w (2.10)

Se um sistema é isolado, ele não pode trocar calor nem trabalho (q = w = 0), portanto sua energia interna

deve se manter constante:

∆U = 0 (2.11)

Se a variação é nula, a energia interna dos estados inicial e nal é a mesma, o que nos leva a um dos

enunciados possíveis para a Primeira Lei da Termodinâmica: a energia de um sistema isolado é constante.

2.3 Trocas energéticas: trabalho


Passaremos agora a investigar a participação do trabalho nas variações de energia. Na parte de mecânica da

física clássica, conhecemos a denição de trabalho relacionada ao deslocamento de um objeto (dw = −F dx).
Integrando
11 :

Z x2
w= −F dx (2.12)
x1

Se a força for constante durante todo o trajeto, a constante sai da integral:

Z x2
w = −F dx = −F (x2 − x1 ) = −F ∆x (2.13)
x1

Nos sistemas gasosos que nos propomos a estudar, não há variação de deslocamento, e sim de volume,

pois o aparato para conter o gás é um cilindro com um pistão servindo de fronteira móvel. Portanto, podemos

multiplicar dx por A, a área sobre a qual a expansão é desenvolvida. Para manter a igualdade, devemos também

dividir por A, o que resulta em:

   
A F
dw = −F dx × =− (dx × A) (2.14)
A A

Como F/A = pex , e dx.A = dV , temos:

dw = −pex dV (2.15)

O sinal negativo referese ao fato de que o sistema consome energia para realizar trabalho contra uma pressão

oposta (por isso o subíndice ex ), ou seja, a energia do sistema realizando trabalho de expansão deve cair.

Para ilustrar esta parte, vamos considerar que um mol de gás ideal pode estar em um de três estados, A, B e

C, descritos pelas seguintes características:

Podese perceber que qualquer processo conectando dois dos estados da tabela não envolve troca de matéria

nem variação de temperatura, logo o sistema é fechado e o processo, isotérmico. Processos isotérmicos envolvendo

11 Perceba que R dq = q e R dw = w, ao invés de ∆q e ∆w. O símbolo ∆ representa variação entre um estado inicial e nal, mas
não existe calor inicial e calor nal, e o mesmo vale para o trabalho. O calor e o trabalho são características do processo, e não dos
estados conectados pelo processo.

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A B C
n/mol 1,000 1,000 1,000
T /K 601,3 601,3 601,3
p/bar 10,0 5,0 2,0
V /L 5,0 10,0 25,0

gases respeitam a Lei de Boyle (pV = cte.), sendo que neste caso teremos:

pV = (2 bar) (25 L) = 2 × 105 P a 0, 025 m3 = 5.000 P a m3 = 5 kJ


 
(2.16)

Exemplo: expansão e compressão em um único estágio.


Qual o trabalho envolvido na expansão do gás ideal, inicialmente no estado A, até o estado C?

Precisamos usar a Eq. (2.15). Na expansão, precisamos liberar o gás para se expandir contra a pressão

menor (caso contrário ele não irá se expandir): o maior valor de pressão que ainda permite o gás atingir o

estado C é a própria pressão no estado C, que é 2 bar (valores menores que 2 bar poderiam ser empregados,

mas não maiores, pois se a pressão for maior que 2 bar, a expansão irá cessar antes de V = 25,0 L). Sendo o

processo em único estágio, é como se uma certa massa fosse colocada sobre a fronteira de modo que a pressão

que ela exercesse fosse 2 bar, e o sistema se expandiria até equilibrar a sua pressão interna com esta externa. O

subíndice `ex' na pressão indica que a pressão considerada é a pressão externa agindo sobre a fronteira móvel,

característica de processos em um único estágio.

dw = −pex dV (2.17)

Como esta pressão externa é constante, na integração da equação ela sai da integral:

Z V2 Z V2
dV = −pex ∆V = − 2 × 105 P a 0, 025 − 0, 005 m3 = −4 × 103 J = −4 kJ
 
w= −pex dV = −pex
V1 V1
(2.18)

Como a integral de uma função é a área abaixo da curva desta função, vemos que um gráco de pressão

contra volume nos fornece uma boa maneira de interpretar o trabalho:

Figura 5: Diagrama [p × V ] para a expansão em um único estágio conectando os estados A e C.

No gráco, vemos que o processo em um único estágio é representado pelas duas setas: primeiramente, a

pressão externa de 10,0 bar é substituída por uma pressão externa de 2,0 bar ; o gás dentro do sistema, que

inicialmente também estava a 10,0 bar, irá se expandir, tentando reduzir sua pressão até que ela se equilibre

com a pressão externa (em 2,0 bar ). A área preenchida corresponde ao módulo do trabalho, um retângulo de 2
bar x 20,0 L, ou seja, 4 kJ.

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Agora vamos reverter o processo: qual o trabalho envolvido na compressão do gás ideal, inicialmente no

estado C , até o estado A? Diferentemente da expansão, a compressão se desenvolve por meio da pressão externa

maior, que deve ser no mínimo 10 bar (caso contrário, o gás não será comprimido até 5 L, mas algum volume

maior que isso). Admitindo que a compressão seja com uma pressão constante de igual a pressão do estado

nal, A, então:

Z V2
−pex dV = −pex ∆V = − 10 × 105 P a 0, 005 − 0, 025 m3 = 20 × 103 J = 20 kJ
 
w= (2.19)
V1

Este resultado, embora absolutamente correto, é meio contraintuitivo. Anal, a compressão não é apenas

o inverso da expansão? O trabalho envolvido então não deveria ser igual nos dois casos, exceto pelo sinal

algébrico? Bem, ara as propriedades do gás sim, anal elas são funções de estado, e não dependem de como

o processo é executado. A variação no volume nos dois casos é a mesma, em módulo (20 L ou 0,02 m3 ), mas

o trabalho não é função de estado, é função do processo; esta função assume valores diferentes dependendo

de como o processo é realizado. Vemos também que gastamos muito mais energia, na forma de trabalho, para

comprimir um gás do que recebemos de volta quando o mesmo se expande. Isso signica que um processo cíclico

como este (uma etapa de compressão e uma de expansão, ambas isotérmicas) só pode acontecer às custas de

um gasto líquido de energia.

O fato de o trabalho agora ser, em módulo, muito maior é evidenciado pelo gráco de p x V:

Figura 6: Diagrama [p × V ] para a compressão em um único estágio conectando os estados C e A.

A soma do processo de ida (A → C) e volta (C → A) também pode ser vista como um processo, mas

no qual os estados inicial e nal são os mesmos (A → A). Processos onde os estados inicial e nal são os

mesmos são chamados processos cíclicos, ou ciclos; ao m de um ciclo, o sistema sempre estará de volta ao seu
estado original inicial. Dessa forma, qualquer função de estado (propriedade) avaliada em um ciclo deve ter sua

variação líquida igual à zero.

O mesmo não ocorre com calor e trabalho, pois estas não são funções de estado, mas de processo. Ciclos

onde w 6= 0 e q 6= 0 indicam que o sistema voltou ao estado inicial, mas as vizinhanças não, pois foi gasta mais

energia na volta (compressão) do que foi ganho na ida (expansão). Essa diferença implica que em algum ponto

do Universo há menos energia (para suprir o que foi gasto a mais na etapa de compressão). Ciclos como este

são chamados de irreversíveis.

Exemplo: expansão e compressão em dois estágios.


Podemos reduzir a diferença entre os valores de trabalho dos dois processos realizando a expansão e a compressão

em dois estágios ao invés de um. Digamos que ao invés de passarmos o sistema diretamente de A para C,
conectamos A até B, esperamos o sistema se estabilizar e só então conectamos B com C:

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wA→B = −pex ∆V = − 5 × 105 P a 0, 010 − 0, 005 m3 = −2, 5 × 103 J = −2, 5 kJ


 
(2.20)

wB→C = −pex ∆V = − 2 × 105 P a 0, 025 − 0, 010 m3 = −3, 0 × 103 J = −3, 0 kJ


 
(2.21)

Os grácos que representam os trabalhos em cada estágio são:

Figura 7: Diagramas [p × V ] para a expansão em dois estágios conectando os estados A, B e C.

O trabalho de expansão total é a soma do trabalho em cada processo:

wExp = wA→B + wB→C = (−2, 5 × 103 ) + (−3, 0 × 103 ) = −5, 5 × 103 J = −5, 5 kJ (2.22)

Para completar o ciclo, precisamos inverter a sequência de processos, tendo então a compressão em dois

estágios (C →B e B → A):

wC→B = −pex ∆V = − 5, 0 × 105 P a 0, 010 − 0, 025 m3 = 7, 5 × 103 J = 7, 5 kJ


 
(2.23)

wB→A = −pex ∆V = − 10 × 105 P a 0, 005 − 0, 010 m3 = 5, 0 × 103 J = 5, 0 kJ


 
(2.24)

Figura 8: Diagramas [p × V ] para a compressão em dois estágios conectando os estados C, B e A.

O trabalho de expansão total é a soma do trabalho em cada processo:

wComp = WC→B + wB→A = (7, 5 × 103 ) + (5, 0 × 103 ) = 12, 5 × 103 J = 12, 5 kJ (2.25)

Pelo gráco, já vêse claramente que ainda há diferença entre a ida e a volta neste ciclo.

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Figura 9: Diagramas [p × V ] para a o ciclo de expansão e compressão em dois estágios conectando os estados
A, B e C.

A diferença entre os módulos dos valores de trabalho envolvidos na compressão e na expansão é:

wComp − wExp = 12, 5 × 103 − −5, 5 × 103 = 7 × 103 J = 7 kJ


 
(2.26)

É interessante comparar os valores agora; quando a compressão e expansão ocorriam ambas em um único

estágio, a diferença entre os módulos dos respectivos valores de trabalho era (20  4) = 16 kJ . Quando a

compressão a expansão ocorrem ambas em dois estágios, esta diferença cai signicativamente, 7 kJ . Como

podemos proceder para que os processos de compressão e expansão sejam absolutamente reversíveis, ou seja,

envolvam exatamente os mesmos valores de trabalho, mas com sinais opostos?

Exemplo: expansão e compressão reversíveis


A resposta para isso é aumentar o número de estágios. Quanto maior o número deles, maior a proximidade entre

os valores de trabalho para a compressão e para a expansão. Digamos que o processo de expansão global seja

feito por uma sequência innita de innitesimais expansões, onde a pressão e o volume modicamse apenas

innitesimalmente em relação ao estado anterior. Se são innitos estados, dizemos que a pressão não é de fato

constante em nenhum deles, pois a cada innitesimal mudança de estado ela muda, ou seja, innitos valores

diferentes que acompanhando perfeitamente a curva da Lei de Boyle. Nesse caso, a integração da Eq. (2.15)

não envolve uma pressão constante, mas deve ser descrita em termos da pressão interna, que é igual à externa

em cada um dos innitos estágios. Sendo assim, a pressão não sai da integral; como então resolver?
nRT
Bem, se o gás é ideal, vale pV = nRT , ou seja, p = V . Substituindo esta expressão na Eq. (2.15), teremos:

Z V2 Z V2
nRT
w= −pdV = − dV (2.27)
V1 V1 V

n, R e T são constantes, então saem da integral:

Z V2  
1 V2
w = −nRT dV = −nRT ln (2.28)
V1 V V1

(2.29)

1
R
sendo que este resultado foi conseguido sabendo que
x dx = ln(x). Substituindo valores da expansão entre A

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e C, têmse que:

 
V2
w = −nRT ln (2.30)
V1
 
0, 025
w = −(1, 00 mol)(8, 3144 J K −1 mol−1 )(601, 3 K) ln (2.31)
0, 005

w = −8.046, 30 J = −8, 05 kJ (2.32)

E se fosse uma compressão em innitos estágios? Bem, aí teríamos o seguinte:

Z V2 Z V2 Z V2  
nRT 1 V2
w= −pdV = − dV = −nRT dV = −nRT ln (2.33)
V1 V1 V V1 V V1
 
0, 005
w = −(1, 00 mol)(8, 3144 J K −1 −1
mol )(601, 3 K) ln (2.34)
0, 025

w = 8.046, 30 J = 8, 05 kJ (2.35)

Este resultado não é mera coincidência. Quando um processo conecta dois estados por meio de innitos

estágios, não há diferença nas pressões aplicadas na ida e na volta, como no caso da expansão em um número

nito. Segundo a denição dada anteriormente, esse tipo de processo é chamado reversível, pois a energia

consumida na compressão é recuperada na mesma medida em na expansão. Não só o sistema mas também as

vizinhanças (e, portanto, o Universo como um todo) mantêmse inalterados.

No entanto, é fácil perceber que nenhum processo físico real pode acontecer segundo um número innito de

etapas, pois mesmo que rápidas, o conjunto delas levaria um tempo innito para se completar. Sendo assim,

concluise que todos os processos físicos reais são irreversíveis. Do ponto de vista da Termdinâ-

mica, o Universo avança no tempo irreversivelmente.

Interpretação matemática da expansão/compressão reversível.


Pelo que foi analisado, compressões e expansões irreversíveis envolvem quantidades de trabalho diferentes uma

vez que as pressões externas aplicadas são diferentes. Nos grácos isso ca evidente pelas áreas diferentes dos

retângulos utilizados. Vêse claramente que o processo só será reversível se a área compreendida pela integral
k
for exatamente aquela sob a curva da hipérbole pV = k . Um exemplo de hipérbole simétrica é a curva y = ,
x
k
que pode ser convenientemente expressa como P = V , que será igual à Lei de Boyle exceto pela constante
multiplicativa (k = nRT ). Portanto, processos reversíveis serão aqueles com o trabalho igual à integral da
k
curva sob a função P = V , que é exatamente o resultado obtido a partir das premissas físicas do problema. No
gráco, o trabalho reversível corresponde à integral dessa curva, e essa integral não muda de valor (em módulo)

na expansão ou compressão, pois é a ida e a volta sob a mesma curva (Figura a seguir, página 38).

Exemplo: expansão livre.


Qual o trabalho envolvido na expansão de um gás ideal contra o vácuo (pex = 0) desde V1 = 5,0 L até V2 =

25,0 L ?

Usando a mesma equação do Exemplo 1, vemos que se pex = 0, w = 0. Isso faz sentido conceitualmente; se

a expansão é livre, nenhuma força/pressão está agindo em oposição, o que implica que o processo ocorra sem

gasto de energia.

2.4 Trocas energéticas: calor


Chamaremos trocas térmicas os processos de variação da energia de um sistema que envolvam variação na

temperatura. Para separar o efeito das trocas térmicas do efeito das trocas envolvendo trabalho, por enquanto

37
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Figura 10: Trabalho reversível executado no processo que conecta os estados A e C.

iremos exigir que as trocas térmicas ocorram sob volume constante. Trocas energéticas sempre respeitarão a

Eq. (2.10), mas o uso desta equação na sua forma integrada não é muito prático. Para melhor entender o que

ocorre entre sistema e vizinhança, trabalhamos com sua forma diferencial:

dU = dq + dw (2.36)

dU = dq − pex dV (2.37)

Se o volume é constante, então dV = 0, o que implica em dw = 0 e dU = dq , cuja integração produz:

∆U = qV (2.38)

Esta equação indica que o calor trocado à volume constante é igual à variação na energia interna do sistema.

Isso faz sentido pois já sabemos que se um gás for aquecido sob volume constante (Leis de Charles e de Gay

Lussac), sua temperatura e pressão irão aumentar, e viceversa. O aumento de temperatura é conseguido

mediante uma transferência de energia para dentro do sistema, transferência esta que ocorre segundo um uxo

de calor. Denese a capacidade caloríca à volume constante (CV ) da seguinte maneira:

 
∂U
CV = (2.39)
∂T V

que é interpretada como segue: a capacidade caloríca à volume constante é a tendência de variação na energia

interna em função da tendência de variação na temperatura, mantendose o volume constante. Esta equação

pode ser transformada e posteriormente integrada para:

dU = CV dT (2.40)
Z U2 Z T2 Z T2
dU = CV dT = CV dT (2.41)
U1 T1 T1

∆U = CV ∆T (2.42)

Comparando as Eqs. (2.38), (2.39) e (2.40), vemos que:

qV = CV ∆T (2.43)

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O que nos leva à uma nova formulação para a Eq. (2.36):

dU = CV dT − pex dV (2.44)

3
Especicamente para o gás ideal monoatômico, já foi visto que ∆U = 2 nR∆T . Sendo assim, podemos

escrever:

3
dU = nRdT (2.45)
  2  
∂U d 3 3
= nRdT = nR (2.46)
∂T V dT 2 2
3
CV = nR (2.47)
2
3
Portanto, a capacidade caloríca do gás ideal monoatômico é
2 nR para cada mol de gás presente, sendo,
então, uma propriedade extensiva.

Exemplo. Ganhos e perdas de energia por troca térmica.



Um sistema formado por 2,00 mol de gás ideal inicialmente à 20 C ganhou 200 J de energia na forma de

calor, sob volume constante. Qual sua temperatura nal e qual a variação na sua energia interna?

Para a primeira pergunta usamos a Eq. (2.44):

dU = CV dT − pex dV (2.48)

Uma vez que dV = 0 (pois é volume constante) e sabendo que CV = 2 × 32 R = 3R, temos, após a integração:

qV = CV ∆T = 3R∆T (2.49)

(200 J) = 3R∆T (2.50)

200 J
∆T = = 8, 01 K (2.51)
3R
8, 01 = T2 − T1 = T2 − 293, 15 K (2.52)

T2 = 293, 15 + 8, 01 = 301, 16 K (2.53)

Já a segunda pergunta é respondida imediatamente: uma vez que ∆U = qV , ∆U = 200 J .

Exemplo. ∆U , q e w no mesmo exercício. Um mol de gás ideal, inicialmente no estado p1 = 2 bar,


T1 = 300 K e V1 = 10 L sofreu uma expansão isotérmica contra uma pressão constante de 1 bar até atingir o

estado nal sob p2 = 1 bar e V1 = 20 L. Perguntase:

a) Qual a temperatura T2 ?

b) Qual o trabalho envolvido?

c) Qual o calor envolvido?

d) Qual a variação na energia interna?

Respondendo as perguntas em ordem. Para a pergunta a), a temperatura T2 deve ser 300 K, igual à T1 ,
uma vez que o processo é isotérmico. Já a pergunta b) é resolvida conforme os exemplos anteriores; uma vez

que Pex é constante:

w = −pex ∆V = −(1 bar)(0, 020 − 0, 010 m3 ) (2.54)

w = −pex ∆V = −(1 × 105 P a)(0, 010 m3 ) = −1000 J = −1 kJ (2.55)

39
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A resposta da pergunta c) é somente obtida se respondermos d) antes. Como o processo é isotérmico, ∆T


é zero, o que implica em ∆U ser zero também (consequência da energia do gás ideal ser função apenas da

temperatura). Sabendo a resposta da pergunta d) (∆U = 0), podemos responder c):

∆U = q + w = 0 (2.56)

q = −w = −(−1000 J) = 1000 J (2.57)

2.5 Processos sob pressão constante: entalpia


Trocas térmicas sob volume constante, embora simples do ponto de vista teórico, não são triviais no cotidiano

prático da química. A química lida com muito maior frequência com problemas sob pressão constante, sendo

esta pressão, na maior parte dos casos, a própria pressão atmosférica. A função de estado mais conveniente

para lidar com transformações sob pressão constante é a entalpia (H ), denida como:

H = U + pV (2.58)

Como a Eq. (2.58) envolve apenas funções de estado (isto é, propriedades) do sistema, a entalpia também

é uma função de estado, e portanto também vale a expressão ∆H = H2 − H1 .


Embora a denição da entalpia seja aparentemente arbitrária, ela se mostra conveniente para tratamentos

sob pressão constante. Para demonstrar isso, consideremos um sistema em um estado denido por U1 , p 1 e V1
De acordo com a denição de entalpia, este sistema também possui um valor H1 para sua entalpia. Qualquer

modicação innitesimal nas variáveis de estado nos leva a:

H + dH = U + dU + (p + dp)(V + dV ) (2.59)

H + dH = U + dU + pV + pdV + V dp + dpdV (2.60)

O último termo é um produto de duas grandezas innitesimais, que é, portanto, desprezível. Além disso,

podemos substituir U + pV = H no segundo membro, o que nos fornece:

H + dH = H + dU + pdV + V dp (2.61)

dH = dU + pdV + V dp (2.62)

Por m, realizamos uma substituição dupla, pois dU = dq + dw e dw = −pex dV , logo dU = dq − pex dV :

dH = dq − pex dV + pex dV + V dp (2.63)

dH = dq + V dp (2.64)

Como dissemos que a entalpia é adequada ao tratamento de processos sob pressão constante, dp = 0, então:

dH = dqp ∴ ∆H = qp (2.65)

Vemos então que a variação na entalpia é matematicamente igual ao calor trocado sob pressão constante.

Comparando com a Eq. (2.40), vemos que as variações na energia interna e na entalpia são análogas, mas para

processos ocorrendo sob volume e sob pressão constante respectivamente.

Quando um processo sob pressão constante ocorre mediante liberação de calor, a energia do sistema diminui

e, portanto, qp < 0, o que implica em ∆H < 0; processos onde a entalpia total do sistema diminui são chamados

exotérmicos. O contrário também é verdadeiro, ou seja, quando o sistema absorve calor sob pressão constante,

qp > 0 e ∆H > 0, e processos como este são chamados endotérmicos12 .


12 De acordo com a IUPAC, os termos endotérmico e exotérmico são caracterizados pela variação da entalpia, e não do calor. Isso

40
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Um resultado imediato da Eq. (2.58) para sistemas onde o comportamento de gás ideal é válido é o seguinte:

H = U + pV = U + nRT (2.66)

∆H = ∆U + (∆n)RT (2.67)

Vemos que a diferença entre a variação na energia interna e na entalpia para um processo isotérmico é

aproximadamente dada pelo produto nRT , onde n referese exclusivamente ao consumo ou produção de espécies
gasosas. Se um sistema que não contém gases sofre um processo, então ∆U ≈ ∆H .
Quando um sistema absorve calor sob pressão constante, sua temperatura deve subir. Analogamente ao caso

sob volume constante, a tendência de variação na entalpia em relação à tendência de variação na temperatura,

sob pressão constante, é dada por:

 
∂H
= Cp (2.68)
∂T p

para a qual Cp é a capacidade caloríca do sistema à pressão constante. A comparação com a Eq. (2.39) é

imediata, o que signica que também é válido o seguinte:

dH = Cp dT (2.69)

∆H = Cp ∆T = qp (2.70)

Se o sistema consistir apenas de um gás ideal, podemos estabelecer uma relação simples entre CP e CV :
   
dH dU
Cp − CV = − (2.71)
dT p dT V

dU dU
 
Podese demonstrar (Atkins, seção 2.11(c)) que, para um gás ideal,
dT V = dT p . Portanto:

   
d dU
Cp − CV = [U + pV ] − (2.72)
dT p dT p
   
d dU
Cp − CV = [U + nRT ] − (2.73)
dT p dT p
     
dU d dU
Cp − CV = + [nRT ] − (2.74)
dT p dT p dT p
     
dU dT dU
Cp − CV = + nR − (2.75)
dT p dT p dT p
   
dU dU
Cp − CV = + nR − (2.76)
dT p dT p
Cp − CV = nR (2.77)

Logo, para um gás perfeito a capacidade caloríca à pressão constante é sempre maior (por um fator R)
que a capacidade caloríca à volume constante. Há uma justicativa conceitual para isso: quando o gás recebe

calor à volume constante, todo o calor é convertido em aumento de temperatura (e, de acordo com a Lei de

Charles, aumento de pressão). No entanto, quando o calor é recebido à pressão constante, parte dele é usado

na expansão do sistema contra a pressão externa (para mantêla constante), sobrando menos para o aumento

de temperatura. Para conseguir o mesmo incremento de temperatura nos dois processos, é preciso fornecer

mais calor para o processo sob pressão constante do que para o sob volume constante. Para líquidos e sólidos a

signica que um processo onde qV < 0 não é endotérmico porque ele ocorre sob volume constante e, portanto, ∆U < 0, mas ∆H
não precisa ser necessariamente negativo também. Processos onde ∆U < 0 ou ∆U > 0 não têm nomes especícos. Em particular,
o livro do Atkins dene endotérmico e exotérmico em termos do calor, e isso não é correto. É preciso cuidado na leitura desta parte
da matéria para evitar confusões.

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diferença é muito pequena (pois eles possuem baixos coecientes de expansão térmica), resultando em Cp ≈ CV .
A consideração que Cp = CV + nR é rigorosamente válida apenas para o gás ideal.

2.6 Processos adiabáticos: q = 0


Se o sistema é submetido a um processo adiabático, isso signica que não há calor envolvido. Para os que não

são familiarizados com o tema, um dispositivo adiabático do cotidiano é a garrafa térmica: suas paredes são

adiabáticas de modo que calor não pode uir por elas. Se tampadas, manterão o conteúdo do seu interior (café,

chá, etc.) em sua temperatura original, mas se abertas, permitirão trocas de matéria (e também trabalho de

expansão dos vapores), o que acarretará trocas de energia e consequentemente variações na temperatura. As

garrafas térmicas reais não são perfeitas, por isso após algumas horas há, de fato, dissipação de energia. Uma

garrafa térmica ideal manteria o sistema em seu interior na temperatura original por tempo indeterminado.

O fato de termos uma parede adiabática não implica que o sistema não possa realizar trabalho. Nesse caso,

a Eq. (2.36) reduzse a:

dU = dw (2.78)

∆U = w (2.79)

Logo, qualquer trabalho realizado pelo ou sobre o sistema em um processo adiabático impactará diretamente

sobre sua energia interna e, consequentemente, sobre sua temperatura (uma vez que U = U (T )). As relações

anteriormente vistas para dU e dW permitem escrever:

CV dT = −pdV (2.80)

No caso de um processo de compressão (ou expansão) adiabático em um único estágio, a integração da

equação anterior resulta em:

CV ∆T = −pex ∆V (2.81)

nRT
Mas se o processo for realizado reversivelmente, e considerando o comportamento de gás ideal (p = V ),
têmse:

CV dT = −pdV (2.82)

nRT
CV dT = − dV (2.83)
V
dT dV
CV = −nR (2.84)
T V
Z T2 Z V2
dT dV
CV = −nR (2.85)
T1 T V1 V
   
T2 V2
CV ln = −nR ln (2.86)
T1 V1
   
T2 V1
CV ln = nR ln (2.87)
T1 V2

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CP
Como já sabemos que Cp − CV = nR (Eq. (2.77)), e chamando
CV = γ:

Cp CV nR
− = (2.88)
CV CV CV
nR
γ−1= (2.89)
CV

Combinando as duas últimas de cada bloco:

   
T2 nRV1
ln = ln (2.90)
T1 CVV2
   
T2 V1
ln = (γ − 1) ln (2.91)
T1 V2
   γ−1
T2 V1
ln = ln (2.92)
T1 V2
   γ−1
T2 V1
= (2.93)
T1 V2
   γ−1
p2 V2 V1
= (2.94)
p1 V1 V2
   γ−1
p2 V2 V1
= (2.95)
p1 V1 V2
 γ−1  
p2 V1 V1
= (2.96)
p1 V2 V2
 γ−1+1
p2 V1
= (2.97)
p1 V2
 γ
p2 V1
= (2.98)
p1 V2

p1 V1γ = p2 V2γ (2.99)

Esta equação pode ser transformada para sua análoga envolvendo volume e temperatura:

T1 V1γ−1 = T2 V2γ−1 (2.100)

3 5 5
Para um gás perfeito monoatômico, CV = 2R e Cp = 2 R, logo γ = 3 , enquanto para um gás perfeito
diatômico, CV = 52 R e Cp = 72 R, logo γ= 7
5.

Exemplo. Expansão adiabática


Um mol de um gás ideal diatômico expandese adiabaticamente em um único estágio contra uma pressão oposta

de 1 bar até que seu volume seja o dobro. Se a temperatura inicial é 25 C e a pressão inicial é 5 bar, calcule

T2 , q , w, ∆U e ∆H para este processo.

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Usamos a Eq. (2.81) da seguinte forma:

CV ∆T = −pex ∆V (2.101)

 
5
nR ∆T = −pex (V2 − V1 ) (2.102)
2
 
5
nR ∆T = −pex (2V1 − V1 ) (2.103)
2
 
5
nR ∆T = −pex (V1 ) (2.104)
2
  
5 nRT1
nR ∆T = −pex (2.105)
2 p1
   
2 T1
∆T = − pex (2.106)
5 p1

∆T = −23, 85 K (2.107)

Logo:

∆T = T2 − T1 ∴ T2 = T1 + ∆T = 274, 30 K (2.108)

Conhecendo CV e ∆T , calculase ∆U :
 
5R
∆U = CV ∆T = (−23, 85 K) = −495, 7 J (2.109)
2

Como a transformação é adiabática, q=0 e ∆U = w. Portanto:

w = ∆U = −495, 7 J mol−1 (2.110)

w = −495, 7 J (2.111)

pois há só um mol de gás no sistema. Calculamos w por meio de ∆U , mas como eles são iguais, a recíproca

poderia ter sido usada. Por exemplo, como nesse exemplo ∆V = V1 , calculase V1 :

nRT1 (1 mol)(8, 3144 P a m3 K −1 mol−1 )(298, 15 K)


V1 = = = 4, 957 × 10−3 m3 (2.112)
P1 5 × 105 P a

Dessa forma:

w = −pex ∆V = (1 × 105 P a)(4, 957 × 10−3 m3 ) = −495, 7 J (2.113)

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C.Q.D. Por m, resta calcular ∆H :

dH = Cp dT (2.114)

∆H = Cp ∆T (2.115)

∆H = (CV + nR)∆T (2.116)

 
5 7
∆H = nR + nR ∆T = R∆T (2.117)
2 2
7
∆H = (8, 3144 J K −1 )(−23, 85 K) (2.118)
2

∆H = −694, 0 J (2.119)

Exercícios.
Problema 2.3(b) do Atkins, 8a edição. Uma amostra de 2,00 mol de He se expande isotermicamente, à
◦ 3 3
0 C, de 22,4 dm até 44,8 dm (a) reversivelmente; (b) contra uma pressão constante igual à pressão nal do

gás; (c) livremente (contra uma pressão externa nula). Em cada caso, calcule q , w, ∆U e ∆H .

Resolução:

Primeiramente, calculase a pressão nal do gás; se a expansão é isotérmica, vale a Lei de Boyle (pV = cte.),
ou seja:

p1 V1
p1 V1 = p2 V2 → p2 = (2.120)
V2

Podemos calcular a pressão inicial através da Lei do Gás Ideal:

nRT (2, 00 mol)(8, 3144 P a m3 K −1 mol−1 )(273, 15 K)


p1 = = = 202.774, 85 P a (2.121)
V1 22, 4 × 10−3 m3

Logo, a pressão nal é:

p1 V1 (202.774, 85)(22, 4 × 10−3 )


p2 = = = 101.387, 43 P a (2.122)
V2 44, 8 × 10−3

a) Sabendo que a expansão foi reversível, vale o seguinte:

Z V2 Z V2 Z V2  
nRT dV V2
w=− pdV = − dV = −nRT = −nRT ln (2.123)
V1 V1 V V1 V V1
 
44, 8
w = −(2, 00 mol)(8, 3144 P a m3 K −1 mol−1 )(273, 15 K) ln (2.124)
22, 4

w = −3.148, 38 J (2.125)

Sabendo que a expansão foi isotérmica, então ∆T = 0, o que implica em:

∆U = CV ∆T = 0 (2.126)

∆H = Cp ∆T = 0 (2.127)

45
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Por m, como ∆U = 0, calculase o calor:

∆U = 0 = q + w → q = −w (2.128)

q = −(−3.148, 38 J) = 3.148, 38 J (2.129)

b) Supondo agora que a expansão tenha sido contra pressão constante (p = pf inal ), vale o seguinte:

Z V2 Z V2
dV = p∆V = (101.387, 43 P a) 0, 0448 − 0, 0224 m3 = −2.271, 08 J

w=− pdV = −p (2.130)
V1 V1

Novamente ∆T = 0, logo, ∆U = ∆H = 0, e q = −w = 2271, 08 J .

c) Supondo agora expansão livre, vale a mesma equação inicial, só que p = 0. Portanto;

Z V2 Z V2
w=− pdV = −p dV = p∆V = 0 pois p=0 (2.131)
V1 V1

Como continua valendo ∆T = 0, continua válido também que ∆U = ∆H = 0, e q = −w. Como w agora é

nulo, q=0 também, ou seja, q = w = ∆U = ∆H = 0 para esta expansão isotérmica livre.

Problema 2.13(b) do Atkins, 8a edição. Quando se aquecem 2,0 mol de CO2 , a pressão constante de 1,25

atm, sua temperatura se eleva de 250 K a 277 K. A capacidade caloríca molar do CO2 , a pressão constante,
−1 −1
é 37,11 J K mol . Calcule q , ∆U e ∆H .

Resolução.

Dado o valor de CP,m e de ∆T , podemos calcular ∆H imediatamente:

∆H = CP ∆T = nCP,m ∆T = (2, 0 mol)(37, 11 J K −1 mol−1 )(27 K) = 2.003, 94 J (2.132)

Uma vez que ∆H = qp , o calor é imediatamente obtido: qp = 2.003, 94 J . Por m, usase a relação entre

∆U e ∆H :

∆U = ∆H − ∆(pV ) = ∆H − ∆(nRT ) = ∆H − nR∆T (2.133)

∆U = (2.003, 94 J) − (2, 0 mol)(8, 3144 J K −1 mol−1 )(27 K) (2.134)

∆U = (2.003, 94 − 448, 98) J (2.135)

∆U = 1.554, 96 J (2.136)

Problema 2.18(b) do Atkins, 8a edição. A capacidade caloríca molar, a pressão constante, de um gás

ideal varia com a temperatura conforme a seguinte expressão: Cp (J/K) = 20, 17 + 0, 4001(T /K). Calcule q , w,
◦ ◦
∆U e ∆H quando a temperatura deste gás é elevada de 0 C para 100 C (a) sob pressão constante e (b) sob

volume constante.

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a) Sob pressão constante, vale dqp = dH , portanto:

Z T2 Z T2
qp = Cp dT = [20, 17 + 0, 4001 T ]dT (2.137)
T1 T1
Z T2 Z T2
= 20, 17 dT + 0, 4001 T dT (2.138)
T1 T1
Z T2 Z T2
= 20, 17 dT + 0, 4001 T dT (2.139)
T1 T1

T22 T2
 
= 20, 17∆T + 0, 4001 − 1 (2.140)
2 2
0, 4001
3732 − 2732

= 20, 17(100 K) + (2.141)
2

= 2017 + 12.923, 23 = 14.940, 23 J (2.142)

O trabalho pode ser calculado através de:

w = −p∆V = −∆(pV ) = −∆(nRT ) = −nR∆T (2.143)

w = −(1, 0 mol)(8, 3144 J K −1 mol−1 )(373 − 273 K) = −831, 44 J (2.144)

∆U = q + w = 14.940, 23 − 831, 44 = 14.108, 79 J (2.145)

b) Tanto a energia interna como a entalpia de um gás ideal dependem apenas da temperatura, logo os valores

para ∆U e ∆H a volume constante são os mesmos para o caso sob volume constante. O que muda é o

trabalho, que agora passa a ser nulo (pois ∆V = 0). Portanto, agora vale o seguinte:

∆U = q + w → q =∆U − w = ∆U − 0 = ∆U (2.146)

q =14.108, 79 J (2.147)

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Problema 2.6(a) do Atkins, 8a edição.


1,00 mol de H2 O(g) é condensado, isotermica e reversivelmente, formando água líquida a 100 C. A entalpia


padrão de vaporização da água é ∆vap H = 40, 656 kJ/mol. Calcule w, q , ∆U e ∆H .

Solução. O valor de ∆H é obtido imediatamente a partir de ∆vap H −



, pois a condensação é o processo

inverso da vaporização. Além disso, ∆H = qP pois, embora a pressão do gás esteja variando, a pressão externa

durante a vaporização deve ser constante e igual à pressãopadrão, p = p−



= 1, 00 bar. Como está sendo

considerada uma amostra de exatamente 1,00 mol, temse:

q = ∆H = −n · ∆vap H −

= −(1 mol)(40, 656 kJ/mol) − 40, 656 kJ (2.148)

Uma vez que entalpia e energia interna são funções de estado, suas variações independem do processo ser

ou não reversível. De tal feita, usando a denição de entalpia, temos:

H = U + pV (2.149)

∆H = ∆U + ∆(pV ) (2.150)

∆H = ∆U + ∆(nRT ) (2.151)

∆H = ∆U + (∆ngas )RT (2.152)

Nesse caso, ∆n = ∆ngas pois a variação de volume de um líquido com a pressão é desprezível.
13 ∆ngas = −1,
pois gás foi consumido no processo de condensação; dessa forma:

−40, 656 kJ = ∆U + [−1 mol] 8, 314 J K −1 mol−1 [373 K]


 
(2.153)

∆U = [−40, 656 kJ] + 3, 101 kJ = −37, 555 kJ (2.154)

Além disso, da 1a Lei sabemos que ∆U = q + w, reescrita neste caso como ∆U = ∆H + w pois ∆H = q . Essa é

exatamente a equação anterior, o que nos fornece, imediatamente, w = +3, 101 kJ . Portanto, as respostas são:

∆H = −40, 656 kJ (2.155)

∆U = −37, 555 kJ (2.156)

q = −40, 656 kJ (2.157)

w = +3, 101 kJ (2.158)

Oportuno ressaltar um aspecto que diferencia este exercício de uma maioria de outros exercícios no livro: é

muito comum um exercício indicar que, se o processo é isotérmico, automaticamente ∆U = ∆H = 0. Isso só é

verdade se ngas for constante (além de o gás ser ideal), o que não é o caso neste exercício (não se diz que o gás

não é ideal, mas claramente a amostra de gás é consumida na condensação).

13 Ver seção 2.5(b) e Exercício Proposto 2.2 do Atkins, 9a edição.

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3 Termoquímica
A termoquímica é o ramo da termodinâmica que se ocupa exclusivamente de trocas calorícas em sistemas

químicos reacionais. O frasco onde ocorre a reação química é o sistema (seja aberto ou fechado), e o ambiente ao

redor são as vizinhanças, que trocam calor com o sistema reacional. Como dito anteriormente, reações químicas

ocorrem em sua grande maioria sob pressão atmosférica, que é constante, logo a entalpia é uma variável mais

conveniente que a energia interna para acompanhar as trocas de calor do sistema com a vizinhança.

Como as grandezas termodinâmicas usualmente possuem valores dependentes da temperatura e da pressão

do sistema, é boa prática considerar cada reagente em seu estadopadrão, que é sua forma mais estável sob
5
a pressãopadrão (1 bar = 10 P a) em certa temperatura. No caso de soluções o estado padrão é aquele

com concentração unitária do soluto


14 , e para gases, é o gás sob pressãopadrão (1 bar)15 . A temperatura é

arbitrária, e salvo quando expressamente indicado, a grande maioria dos dados termodinâmicos é coletada sob

T = 298, 15 K (25,00 C ). Exemplos de reagentes em seus estadospadrão à 298,15 K são carbono grate

(C(graf ite) ), água líquida (H2 O(`) ) e hidrogênio gasoso (H2(g) ). Carbono diamante e água gasosa não são as

formas mais estáveis destas espécies sob 1 bar e 298,15 K, e portanto não são o estadopadrão destas espécies

nesta temperatura. Propriedades calculadas em relação ao estadopadrão possuem o nome padrão associado a

elas, e o superíndice  −
◦  é adicionado à sua simbologia. Por exemplo, a variação na entalpiapadrão é grafada
∆H −

.

3.1 Entalpias e energias de ligação


Para uma substância que é aquecida ou resfriada, a relação entre o calor e a variação na temperatura é ab-

solutamente natural. Mas muitas reações químicas liberam ou absorvem calor sem que existam dispositivos

aquecendoas ou resfriandoas. Qual a origem da variação na entalpia das reações químicas?

A origem está na quebra e subsequente formação de ligações químicas. Quando dois átomos estão ligados

quimicamente, o que os mantém unidos é uma interação favorecida energeticamente. Em outras palavras, é

energeticamente favorável que os átomos permanceçam ligados ao invés de separados, uma vez que com as

ligações eles buscam atingir estabilidade eletrônica. Portanto, como reações químicas acontecem mediante a

quebra de ligações dos reagentes e posterior formação de novas ligações nos produtos, a variação na entalpia

de uma reação química está associada ao balanço entre a energia necessária para quebrar todas as ligações dos

reagentes e o que é recuperado na formação das ligações dos produtos.

Por exemplo, vamos imaginar a reação química acontecendo (298,15 K ):

H2(g) → 2H(g) ∆H = +436 kJ (3.1)

Como a molécula de hidrogênio é formada por uma ligação covalente, podemos calcular qual a entalpia

de uma única ligação H−H dividindo o valor da entalpia total pelo número de ligações quebradas, que é
23
NA = 6, 022 × 10 . Na prática, porém, os valores são tão pequenos que é mais prático trabalhar com os valores

por mol mesmo.

Da mesma forma, podemos considerar a seguinte reação:

H2 O(g) → 2H(g) + O(g) ∆H = +927 kJ (3.2)

Uma vez que duas ligações OH foram quebradas, podemos dizer que a entalpia da ligação OH é
927
2 =
463, 5 kJ/mol.
O mesmo raciocínio pode ser empregado na seguinte reação:

O2(g) → 2O(g) ∆H = +498 kJ (3.3)

14 Na verdade, atividade unitária, mas ainda não chegamos nesse conceito.


15 Idem ao anterior.

49
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Neste exemplo duas ligações foram quebradas, uma σ e uma π. Não há uma maneira fácil de distinguir,

no valor 498 kJ , a parcela referente à quebra da ligação σ e a parcela da ligação π; portanto, dizemos que a

entalpia de uma ligação dupla O=O é 498 kJ/mol.


O conhecimento de valores para diferentes entalpias de ligação e também o conhecimento de que a entalpia

é uma função de estado nos permite inferir valores para entalpias de outras ligações. Por exemplo:

H2 O2(g) → 2O(g) + 2H(g) ∆H = +1070 kJ (3.4)

Como vimos que a entalpia da ligação OH na água é 463,5 kJ/mol, podemos concluir que o valor da

entalpia da ligação OO deve ser aproximadamente 1070 − 2(463, 5) = 143 kJ/mol. Bem, não exatamente, pois
diferentemente do que acontece para as ligações O=O e HH (para as quais só existem uma molécula que as
apresenta, respectivamente O2 e H2 ), existem diversas moléculas diferentes que apresentam a ligação OO. É

sensato supor que nem sempre estes valores serão exatamente iguais pois o ambiente químico das moléculas (os

diferentes átomos ligados em torno desta ligação) podem inuenciar suas propriedades.

Qual dos valores é então o correto? Em princípio nenhum tem preferência; por isso, é feita uma média entre

os diversos valores já medidos para a ligação O−O em diversas moléculas, resultando, para esta especíca

ligação (OO ), no valor ∆H = 146 kJ/mol. Ele é próximo ao valor obtido para nosso cálculo aproximado, mas

não é exatamente idêntico, indicando que as ligações OO podem ser um pouco mais fracas ou fortes que esta

média, dependendo da molécula em que se encontram. Tabelas com diversos valores de entalpiasmédias de

ligação podem ser encontradas na maioria dos livros de Química Geral.

O conhecimento das entalpias de ligação permite não apenas inferir valores para demais entalpias de ligação


mas também prever a variação global na entalpia de uma reação (∆r H ). Por exemplo, consideremos a seguinte

reação:

Figura 11: Esquema das ligações químicas rompidas e formadas na reação química considerada.

A previsão considera a quebra de todas as ligações, reduzindo a molécula a um conjunto de átomos não

ligados, e posterior rearranjo destes átomos na forma de produtos. Contando as ligações quebradas e formadas

e consultando a entalpia média de cada uma delas em um livro, teremos:

Quebradas: 6(C − H) + 1(C − C) + 2(O − H) = 6(413) + 1(348) + 2(463) = 3752 kJ (3.5)

Formadas: 6(C − H) + 1(H − H) + 2(C − O) = 6(413) + 1(436) + 2(358) = 3630 kJ (3.6)

Saldo: 3752 − 3630 = 122 kJ (3.7)

Vêse então que a entalpia desta reação é aproximadamente 122 kJ/mol, e o valor positivo indica que mais

energia é gasta rompendo as ligações nos reagentes do que recuperada na formação de ligações dos produtos.

Contudo, vemos que diversas das ligações quebradas são formadas exatamente da mesma forma, o que deve

implicar em uma contribuição nula para a entalpia global da reação. Logo, podemos nos concentrar apenas

nas ligações que existiam nos reagentes e deixam de existir nos produtos, e também nas que não existiam nos

reagentes e passam a existir nos produtos. No exemplo acima, a reação ocorre mediante a quebra de uma ligação

CC e duas ligações OH para posterior formação de duas ligações CO e uma ligação HH. Fazendo o balanço

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das ligações quebradas e formadas, temos o seguinte:

Quebradas: 1(C − C) + 2(O − H) = 1(348) + 2(463) = 1274 kJ (3.8)

Formadas: 1(H − H) + 2(C − O) = 1(436) + 2(358) = 1152 kJ (3.9)

Saldo: 1274 − 1152 = 122 kJ (3.10)

Considerando todas as espécies gasosas, a variação real na entalpia desta reação é aproximadamente 142
kJ/mol. Nosso cálculo ca próximo disso, mas não é exato justamente porque as médias das entalpias de

ligação não representam com exatidão as respectivas ligações em todas as moléculas. Uma ligação CH no

benzeno tem entalpia de ligação diferente da mesma ligação no metano, mas consideramos um mesmo valor

para representálas. É preciso um modo mais preciso de prever essas propriedades para um sistema químico.

3.2 Entalpias de reação, de formação, de combustão, etc.


Como a entalpia é uma função de estado, deve haver uma relação do tipo ∆H = Hf − Hi . Para uma reação

química, o estado inicial são os reagentes e o estado nal são os produtos, de modo que a equação em questão

pode ser escrita como (supondo N reagentes e M produtos):

M
X N
X
∆r H = Hprod − Hreag = νj H j − νk H k (3.11)
j=1 k=1

para a qual H (Hbarra ) referese às entalpias molares das espécies constituíntes e ν são seus respectivos

coecientes estequiométricos. Se tudo for aferido nas condiçõespadrão, teremos:

M
X N
X
∆r H −
◦ −

= Hprod −

− Hreag = νj H −

j − νk H −

k (3.12)
j=1 k=1

Por exemplo, seja a reação a seguir:

CH4(g) + 2 O2(g) → CO2(g) + 2 H2 O(`) ∆r H −



=? (3.13)

Poderíamos calcular a variação na entalpia desta reação se conhecêssemos a entalpia de cada uma das espécies

envolvidas, relacionandoas da seguinte maneira:



Hreag = H−
◦ −

CH4(g) + 2 H O2(g) (3.14)



Hprod = H−
◦ −

CO2(g) + 2 H H2 O(`) (3.15)

h i h i
∆r H −

= H−
◦ −
◦ −
◦ −

CO2(g) + 2 H H2 O(`) − H CH4(g) + 2 H O2(g) (3.16)

Como a entalpia não pode ser conhecida para um estado


16 (apenas a diferença de entalpia entre dois estados),

não podemos obter tais valores.

Podemos, no entanto, contornar este problema. Como vimos, ligações químicas devem ser quebradas e

formadas em uma reação. Então podemos imaginar a reação acima como partindo dos reagentes puros (carbono,

hidrogênio e oxigênio), cujas ligações se quebram para formar metano e oxigênio, e estes passam por novas

quebras/formações de ligação que levam aos produtos, CO2 e H2 O . As reações iniciais, partindo dos reagentes

16 Nunca é demais reforçar: ela não pode ser conhecida, mas é denida para um estado;, o que não ocorre com calor e trabalho,
que não podem ser conhecidos para um estado porque não são denidos para o estado, e sim para o processo.

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elementares puros, são:

C(s) + 2 H2(g) → CH4(g) ∆r H −



= −74, 9 kJ (3.17)

C(s) + O2(g) → CO2(g) ∆r H −



= −393, 5 kJ (3.18)

H2(g) + 21 O2(g) → H2 O(`) ∆r H −



= −285, 8 kJ (3.19)

O2(g) → O2(g) ∆H −

= 0 kJ (3.20)

Reações como as anteriores, onde exatamente 1 mol de produto é obtido a partir das formas elementares

dos reagentes são chamadas reações de formação. Se todos os reagentes e produtos forem estudados sob

condiçõespadrão, a variação na entalpia será chamada entalpiapadrão de formação do composto em certa


temperatura T : ∆f H −

(T ).17
O cálculo da entalpia de formação envolve a entalpia de cada espécie, como visto anteriormente:

h i h i


∆f HCH 4(g)
= H−
◦ −
◦ −

CH4(g) − H C(s) + 2 H H2(g) (3.21)

h i h i

◦ −
◦ −

∆f HO 2(g)
= H O2(g) − H O2(g) (3.22)

h i h i

◦ −
◦ −
◦ −

∆f HCO2(g)
= H CO2(g) − H C(s) + H O2(g) (3.23)

h i h i

◦ −
◦ −

∆ f HH 2 O(`)
= H H2 O(`) − H H2(g) +
1
2 H−

O2(g) (3.24)

Estas quatro equações podem ser rearranjadas da seguinte forma:

h i
H−
◦ −
◦ −
◦ −

CH4(g) = ∆f HCH4(g) + H C(s) + 2 H H2(g) (3.25)

h i
H−
◦ −
◦ −

O2(g) = ∆f HO2(g) + H O2(g) (3.26)

h i
H−
◦ −
◦ −
◦ −

CO2(g) = ∆f HCO2(g) + H C(s) + H O2(g) (3.27)

h i
H−
◦ −
◦ −

H2 O(`) = ∆f HH2 O(`) + H H2(g) +
1
2 H−

O2(g) (3.28)

Substituindo as quatro equações acima dentro da Eq. (3.16), obtemos:

h h i  h ii
∆r H −

= −

∆f HCO2(g)
+ H −

C(s) + H −

O2(g) + 2 ∆ H −

f H2 O(`) + H −

H2(g) + 1
2 H −

O2(g) (3.29)
h h i  h ii


− ∆f HCH 4(g)
+ H− ◦ −

C(s) + 2 H H2(g) + 2 ∆ f HO −

2(g)
+ H− ◦
O2(g) (3.30)

Fazendo as multiplicações devidas, percebese que todos os termos envolvendo entalpiaspadrão molares de
elementos se cancelam entre reagentes e produtos. Como não zemos nenhuma consideração especial a respeito
18
disso , podese concluir que o mesmo deve ocorrer para qualquer reação. Nesse caso, podemos escrever que:

h   i h   i
∆r H −

= −

∆f HCO 2(g)
+ 2 ∆ f H −

H O
2 (`)
− ∆ f H −

CH 4(g)
+ 2 ∆ f H −

O 2(g)
(3.31)

Resumindo, a entalpia de uma reação química só depende das entalpias de formação das substâncias com-

postas, não havendo nenhuma dependência dela para com as entalpias de formação das substâncias simples,

isto é, dos elementos em suas formas puras. Sendo assim, podemos escolher qualquer valor para as entalpias

17 Usualmente estes valores são tabelados em 298,15 K (em alguns casos, 273,15 K ), que é a temperatura de referência mais comum
(sendo, portanto, ∆f H298
−◦ ). Não iremos escrever explicitamente a temperatura para as propriedades neste texto pois sempre será

298,15 K , a menos que expressamente indicado em contrário.


18 Não zemos, mas não haveria como ocorrer algo diferente: o fato de os elementos se cancelarem é uma consequência da Lei da
Conservação da Matéria, ou Lei de Lavoisier. Como os átomos, que compõe a matéria, devem se conservar, eles devem aparecer
nas mesmas quantias nas reações de formação dos reagentes e produtos, sempre se cancelando.

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molares de elementos em suas formas puras sob a pressão padrão pois eles não inuenciarão o resultado nal.

Sendo assim, o valor arbitrário mais conveniente é, claramente, o zero, uma vez que esta convenção torna iguais

a entalpiapadrão molar de uma substância e a sua entalpiapadrão de formação:

H−

= ∆f H −

(qualquer substância) (3.32)

Quando mais de uma forma do elemento se apresentar possível nas condiçõespadrão, assinalamos como

zero a entalpiamolar do seu estado de agregação mais estável, que é grate para o carbono e rômbico para

o enxofre, por exemplo. Carbono diamante e enxofre monoclínico são passíveis de serem encontrados sob as

condições padrão mas suas entalpiaspadrão molares não serão nulas.

A entalpia é uma função da pressão e da temperatura, mas se mantermos a pressão igualada à pressãopadrão

(1 bar), ca fácil determinar a dependência da entalpiapadrão com a temperatura:

Z T Z T
dH −

= CP−

dT (3.33)
298 298
Z T
HT−

− −

H298 = CP−

dT (3.34)
298
Z T
HT−
◦ −

= H298 + CP−

dT (3.35)
298

Notese que esta equação não implica que T seja maior que 298,15 K, pois mesmo sendo menor, o próprio

intervalo de integração assume uma variação negativa que levará a redução da entalpia molar. Esta equação é

válida para qualquer espécie, com o caso particular que, se ela for uma substância simples, o primeiro termo do

segundo membro da última equação será zero. Se o intervalo de temperatura for pequeno, é relativamente seguro

considerar CP−

constante (e então retirálo da integral), simplicando o cálculo, mas como nem sempre isso é

verdade, preferese deixar a equação na forma integral, com CP−



sendo possivelmente uma função polinomial da

temperatura.

Voltando a exemplo do início dessa seção, podemos colocar números nas propriedades e efetivamente cal-

cular a variação na entalpiapadrão da reação. Consideremos os seguintes valores para as entalpiaspadrão de

formação das espécies envolvidas:

H−
◦ −

CH4(g) = ∆f HCH4(g) = −74, 9 kJ/mol (3.36)

H−
◦ −

O2(g) = ∆f HO2(g) = 0 kJ/mol (3.37)

H−
◦ −

CO2(g) = ∆f HCO2(g) = −393, 5 kJ/mol (3.38)

H−
◦ −

H2 O(`) = ∆f HH2 O(`) = −285, 8 kJ/mol (3.39)

A variação na entalpiapadrão da reação do início desta subseção é:

h i h i
∆r H −

= 1(H −
◦ −
◦ −
◦ −

CO2(g) ) + 2(H H2 O(`) ) − 1(H CH4(g) ) + 2(H O2(g) ) (3.40)

∆r H −

= [1(−393, 5) + 2(−285, 8)] − [1(−74, 9) + 2(0)] (3.41)

∆r H −

= −890, 2 kJ (3.42)

Assim, a combusão de um mol de metano é exotérmica, liberando 890 kJ de entalpia para as vizinhanças.

Esta reação do metano tem outra particularidade, ela é uma reação de combustão; reações de combustão são

importantes na caracterização de combustíveis (óbvio) e de materiais com potencial inamável, como polímeros

sintéticos usados em diversos produtos (plásticos, isopor, tecidos) do nosso cotidiano. As entapiaspadrão de

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combustão, ∆c H −◦ , exprimem o valor de energia liberada por mol de substrato queimado. No caso do metano,


a entalpiapadrão de combustão é ∆c H = −890, 2 kJ/mol.
Um ponto merece agora ser destacado: a entalpiapadrão de combustão do metano é relativamente fácil

de medir, e se o experimento for conduzido com cuidado, o valor medido concordará exatamente com o valor
aqui previsto. Isso é muito conveniente pois nos demonstra que, sabendo com precisão as entalpiaspadrão de

formação de várias moléculas importantes, podemos prever a variação na entalpia de uma quantidade muito

grande de reações diferentes sem precisar fazer medições para elas, inclusive com estequiometrias diversas, uma

vez que as reações padrão de formação nos dão as entalpias por mol.

Exercícios.
Problema 2.17(b) do Atkins, 8a edição. A entalpiapadrão de formação do fenol é −165, 0 kJ/mol. Calcule

a sua entalpiapadrão de combustão.

A reação de combustão do fenol a ser considerada é a seguinte:

C6 H5 OH(`) + 7 O2(g) → 6 CO2(g) + 3 H2 O(`) (3.43)

A variação na entalpiapadrão desta reação é generalizada pela Eq. (3.11):

h i h i
∆c H −

= 6(H −

CO2(g) ) + 3(H −

H2 O(`) ) − 1(H −

C6 H5 OH(`) ) + 7 (H −

O2(g) ) (3.44)

h i h i
∆c H −
◦ −

= 6(∆f HCO 2(g)
) + 3(∆ f HH


O
2 (`)
) − 1(∆ f HC


H
6 5 OH(`)
) + 7 (∆f H −

O 2(g)
) (3.45)

sendo que a passagem de uma equação para a outra foi feita usando a conclusão da Eq. ( ??). O valor de ∆f H −

para o fenol é dado no exercício, enquanto o valor para o oxigênio é zero (substância simples no estadopadrão).

Já os respectivos valores para CO2(g) e H2 O(`) são dados na Tabela 2.7 do livro (Seção de Dados):

∆c H −

= [6(−393, 51) + 3(−285, 83)] − [1(−165, 0) + 7 (0)] (3.46)

∆c H −

= −3.053, 55 kJ/mol ≈ −3, 05 M J/mol (3.47)

Este valor concorda exatamente com o valor para a entalpiapadrão de combustão do fenol dado na Tabela

2.5 da Seção de Dados.

Entalpiaspadrão de formação, combustão, etc., via de regra são tabeladas apenas na temperatura ambiente

(298 K ), exceto para algumas moléculas de referência cujos dados são medidos em mais temperaturas. Se

estamos interessados nos dados termoquímicos fora da temperatura ambiente, podemos proceder, de maneira

aproximada, da seguinte forma:

Z T2
∆H = H(T2 ) − H(T1 ) = Cp dT (3.48)
T1
Z T2
H(T2 ) = H(T1 ) + Cp dT (3.49)
T1
Z T2
∆r H(T2 ) = ∆r H(T1 ) + ∆r Cp dT (3.50)
T1
Z T2
∆r H −

(T2 ) = ∆r H −

(T1 ) + ∆r Cp−

dT (3.51)
T1

(3.52)

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As dúas últimas equações são versões da chamada Lei de Kirchho. No caso, ∆r Cp−

é denido por:

  " #
X X
∆r Cp−

= −

νi Cp,m,i − −

νi Cp,m,i (3.53)
prod reag

Se o intervalo de temperatura for pequeno o suciente para que ∆r Cp−



seja considerado independente da

temperatura, a Lei de Kirchho simplicase para:

∆r H −

(T2 ) = ∆r H −

(T1 ) + ∆r Cp−

∆T (3.54)

(3.55)

Caso essa aproximação não seja válida, mas a dependência de ∆r Cp−



com T seja conhecida, integrase o

polinômio que expressa tal dependência.

3.3 Lei de Hess


Mas nem tudo são ores. Existem reações químicas para as quais nem o mais sagaz experimentador pode

realizar com controle absoluto das condições padrão. Um exemplo muito simples é a geração de monóxido de

carbono através da combusão incompleta do carbono:

C(s) + 21 O2(g) → CO(g) ∆f H −



=? (3.56)

Enquanto a entalpiapadrão de formação do CO2(g) é facilmente medida, é impossível controlar, na prática,

a combusão incompleta do carbono para formação de CO(g) pois uma vez que a primeira molécula de CO(g)
é formada, ainda haverá oxigênio no sistema e não podemos impedir ela de reagir novamente, transformando

se em CO2(g) . Mesmo que quantidades estequiométricas de carbono e oxigênio sejam colocadas, o controle

cinético é impossível e no m da reação haverá simultaneamente monóxido e dióxido de carbono gasosos, além

do carbono sólido remanecente que não teve oxigênio com quem reagir. Mas há uma maneira de contornar este

problema e descobrir a entalpiapadrão de formação do CO(g) .


Como já foi extensivamente explorado, a entalpia é uma função de estado. Isso signica que não importa

como o processo é executado, a diferença de entalpia do estado nal e inicial deve ser sempre a mesma. Como

não importa o processo, também não importa o número de etapas com as quais o executemos. Nesse sentido, a

passagem de carbono sólido até dióxido de carbono pode se dar por duas vias diferentes, em uma etapa ou em

duas:

C(s) + O2(g) → CO2(g) ∆H1 (3.57)

C(s) + 21 O2(g) → CO(g) ∆H2 (3.58)

CO(g) + 21 O2(g) → CO2(g) ∆H3 (3.59)

Como os estados inicial (Cs + O2(g) ) e nal (CO2(g) ) são os mesmos, a variação de entalpia nos dois processo

combinados deve ser a mesma. Tal como em uma soma vetorial, podemos escrever que:

∆H1 = ∆H2 + ∆H3 (3.60)

A equação acima é válida para qualquer arranjo de processos, desde que sujeitos às mesmas condições de

temperatura e pressão. Em particular, podemos considerar os valorespadrão para estas propriedades, uma

vez que ∆H1 e ∆H3 sob condiçõespadrão são conhecidos (entalpiapadrão de formação do CO2(g) e entalpia

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padrão de combustão do CO(g) ):



∆f HCO 2(g)
= −393, 5 kJ/mol (3.61)



∆c HCO(g)
= −283, 4 kJ/mol (3.62)

Portanto:

∆H2 = ∆H1 − ∆H3 (3.63)


◦ −
◦ −

∆f HCO (g)
= ∆f HCO2(g)
− ∆c HCO (g)
(3.64)



∆f HCO (g)
= [−393, 5] − [−283, 4] (3.65)



∆f HCO (g)
= −110, 1 kJ/mol (3.66)

A generalização deste processo é conhecida como Lei de Hess: a variação na entalpia de uma reação química
é igual a soma das variações na entalpia das diversas etapas em que ela pode ser dividida, independendo do
número de etapas ou mesmo da capacidade prática de realização destas etapas.19 Como a entalpia é uma função
de estado e uma propriedade extensiva do sistema, podemos manipulála algebricamente para reproduzir reações

mais complicadas que o caso acima, onde apenas duas reações simples foram somadas.

De fato, este é o método usado para encontrar as entalpiaspadrão de formação de praticamente todos os

hidrocarbonetos, dentre os quais o metano, cuja reação de formação foi explorada na seção anterior:

C(s) + 2 H2(g) → CH4(g) ∆r H −



= −74, 9 kJ (3.67)

O procedimento realizado na aula anterior usou as entalpias de formação para calcular a entalpia de com-

bustão, mas na prática é usual o sentido contrário, ou seja, as entalpias de combustão serem usadas para prever

as entalpias de formação, uma vez que as combustões são com frequência muito mais rápidas, reprodutíveis e

seletivas que as reações de formação. Salvo raríssimas exceções, reações de formação de compostos orgânicos

(mesmo os mais simples) são extremamente difíceis (para não dizer impossíveis) de acompanhar diretamente.

Algumas razões para tal são:

1. A reação de carbono com hidrogênio para formação de um hidrocarboneto tem, em geral, uma cinética

muito lenta;

2. Mesmo que a cinética fosse rápida, existem milhares de hidrocarbonetos diferentes que podem ser formados

com apenas alguns gramas de carbono e hidrogênio, de modo que o produto não seria único;

3. Mesmo que possamos analisar a mistura complexa formada, não poderemos assinalar qual o calor envolvido

em cada uma das diferentes reações realizadas ;

4. Por m, a grande maioria das reações não se processa em uma etapa, e no caso de compostos orgânicos, as

diferentes etapas usualmente requerem reagentes especícos, o que impede o acompanhamento da reação

global em um calorímetro.

O uso da Lei de Hess permite que encontremos os calores de qualquer reação química combinando adequa-

damente reações mais simples cujos dados calorimétricos já foram medidos. Por exemplo, considere a seguinte

reação:

C6 H4 (OH)2(aq) + H2 O2(aq) → C6 H4 O2(aq) + 2H2 O(`) (3.68)

19 O leitor atento percebrá que isso não acontece somente com a entalpia, mas também com qualquer outra função de estado,
embora historicamente a Lei de Hess seja associada apenas à entalpia.

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Podemos calcular o ∆r H para esta reação por meio de outras reações cujos ∆r H são conhecidos, em

particular as seguintes três reações:

C6 H4 (OH)2(aq) → C6 H4 O2(aq) + H2(g) ∆r H = +177, 4 kJ/mol (3.69)

H2(g) + O2(g) → H2 O2(aq) ∆r H = −191, 2 kJ/mol (3.70)

1
H2(g) + 2 O2(g) → H2 O(`) ∆r H = −285, 5 kJ/mol (3.71)

(3.72)

Esta reação é o mecanismo de defesa do besourobombardeiro. O metabolismo do besouro é capaz de

sintetizar a hidroquinona (C6 H4 (OH)2 ) e o peróxido de hidrogênio (H2 O2 )em dois compartimentos separados.

Ao unílos, a reação produz uma solução de 1,4benzoquinona e água, com caráter fortemente exotérmico. Isso

signica que a água, nos produtos desta reação, sai bastante aquecida. O besouro usa isso como seu mecanismo

de defesa: através da reação, ele é capaz de produzir um jato de água muito quente que é direcionado contra

seus predadores (daí seu nome bombardeiro). Ainda que óbvio, é oportuno destacar que obter a variação na

entalpia dessa reação através de um método convencional, como um calorímetro, não seria factível, uma vez que

não seria possível isolar apenas esta reação dentre todas as reações que compõem o metabolismo do besouro.

Como a maioria das reações orgânicas podem ser decompostas em etapas que envolvem água e gás carbô-

nico, a medida muito precisa das entalpiaspadrão de formação destes compostos se fez necessária. Medidas

envolvendo outras espécies geralmente são passíveis de um pouco menos de rigor experimental.

Ciclo de BornHaber
A Lei de Hess encontra uma aplicação interessante no chamado Ciclo de BornHaber
20 . Este ciclo descreve as

diferentes etapas da formação de um composto sólido iônico do ponto de vista energético. Uma ilustração de

exemplo é dada a seguir:

Figura 12: Ciclo de BornHaber para o uoreto de lítio (LiF ).

A sequência de etapas do Ciclo de BornHaber pode ser descrita da seguinte forma:

 ∆H1 > 0: Partindo do estado inicial, a amostra metálica é levada do estado sólido ao estado vapor.

Portanto, ∆H1 corresponde à entalpia de sublimação do metal. Algumas vezes, esse valor é chamado de

20 Embora ele seja realmente chamado assim, não há retorno do sistema ao estado inicial, como visto em aulas passadas. Cuidado
para não confundir a terminologia.

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entalpia de atomização, visto que os átomos passarão do estado inicial sólido (agregado) a um estado nal

composto por átomos isolados (desagregados);

 ∆H2 > 0: A energia envolvida na perda de um elétron por um átomo é sua energia de ionização, que

pode ser convertida em entalpia de ionização se o experimento ocorrer sob pressão constante. Se o metal

em questão fosse da família 2A ou 3A, poderíamos ter sucessivas etapas de ionização até atingir o cátion

desejado;

 ∆H3 > 0: Esta transformação conecta dois estados que são idênticos em tudo, exceto pela ligação F −F
presente em um e ausente no outro. Portanto, a entalpia envolvida é a própria de ligação F − F;

 ∆H4 < 0: O elétron liberado pelo metal é capturado pelo halogênio. Este processo corresponde ao

processo geral para obtenção da anidade eletrônica de uma espécie.

 ∆H5 < 0: Os íons, cátion e ânion, estão no estado gasoso, mas desagregados. Vimos na Química Geral

que a energia que mantém coesos os íons em um sólido iônico é a energia de rede (ou energia do retículo
cristalino ou ainda energia reticular ). Como precisamos fornecer energia para vencer as forças de Coulomb

atrativas entre eles, o processos inverso, ou seja, a aproximação dos íons gasosos formando o sólido, ocorre

com diminuição na entalpia do sistema.

 ∆r H< 0: A Lei de Hess implica que a entalpia da reação é a soma de todas estas etapas. Portanto,

conhecendo as etapas, calculamos a entalpia de reação. Por outro lado, esta pode ser medida, e com isso

podemos calcular qual é a energia de rede de um sistema.

É importante destacar que estes processos não necessariamente acontecem seguindo de modo perfeito esta

sequência. Não parece sensato imaginar que os átomos de úor irão esperar todos os átomos de lítio se ionizarem

para então capturarem seus elétrons, e viceversa. No entanto, como a entalpia é função de estado, não importa

como os processos acontecem, desde que os estados inicial e nal sejam bem denidos, como é o caso. Sendo

assim, o Ciclo de Bornhaber fornece uma sequência explicativa conceitualmente sensata para como o processo

de formação de um composto iônico a partir de seus elementos acontece.

Exercício proposto #1.


Dadas as seguintes informações sobre oxigênio, magnésio e óxido de magnésio, calcule a entalpia relacionada à

segunda anidade eletrônica do oxigênio.

 Para o M g(s) , ∆Hsub = +148 kJ/mol;

 Primeira energia de ionização do magnésio: ∆HEI,1 = +738 kJ/mol;

 Segunda energia de ionização do magnésio: ∆HEI,2 = +1450 kJ/mol;

 Primeira anidade eletrônica do oxigênio: ∆HAE,1 = −141 kJ/mol;

 Entalpia de ligação no oxigênio: ∆HO=O = +498 kJ/mol;

 Para o M gO(s) , a energia de rede vale ∆Hrede = +3890 kJ/mol;

 Para o M gO(s) , ∆f H = −602 kJ/mol;

A reação a ser considerada é:

1
M g(s) + O2(g) → M gO(s) ∆f H = −602 kJ/mol (3.73)
2

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A sequência de etapas do ciclo de BornHaber que descreve este processo é:

+
M g(s) → M g(g) → M g(g) + e− → M g(g)
2+
+ 2e− = ∆Hsub + ∆HEI,1 + ∆HEI,2

1 − 1
O2(g) + 2e− → O(g) + 2e− → O(g) + e− → O(g)
2−
= ∆HO=O + ∆HAE,1 + ∆HAE,2
2 2
2+ 2−
M g(g) + O(g) → M gO(s) = −∆Hrede

Como a soma algébrica das três etapas resulta na reação global, também vale o seguinte:

 
1
∆f H = [∆Hsub + ∆HEI,1 + ∆HEI,2 ] + ∆HO=O + ∆HAE,1 + ∆HAE,2 − [∆Hrede ] (3.74)
2

A única incógnita no problema é ∆HAE,2 , portanto rearranjamos para:

 
1
∆HAE,2 = ∆f H − [∆Hsub + ∆HEI,1 + ∆HEI,2 ] − ∆HO=O + ∆HAE,1 + [∆Hrede ] (3.75)
2
 
1
∆HAE,2 = −602 − [ +148 + 738 + 1450 ] − (498) − 141 + [ 3890 ] (3.76)
2

∆HAE,2 = −602 − [ 2336 ] − [ 108 ] + [ 3890 ] (3.77)

∆HAE,2 = +844 kJ/mol (3.78)

− 2−
Observe que o valor é positivo, ou seja, a reação [ O(g) + e− → O(g) ] é endotérmica. Isso pode parecer

equivocado numa primeira análise, anal o ânion óxido O2− é o ânion mais estável para este átomo (é o ânion

que contém o octeto completo), então a formação de uma espécie estável deveria liberar energia. Bem, o processo

global (o oxigênio ganhar e o magnésio perder elétrons) gera, sim, uma liberação de energia (∆f H < 0), mas

o fato da segunda anidade eletrônica do oxigênio ser positiva tem sentido na eletrostática: é preciso gastar

energia para aproximar duas cargas negativas (o elétron e o ânion O− ), de modo que isso ocorre mediante

absorção de energia/entalpia por parte do sistema.

Exercício proposto #2.


Usando as seguintes três reações, preveja a variação na entalpia da última reação:

a) 2 N O(g) + O2(g) → 2 N O2(g) ∆H −



= −116, 0 kJ/mol

b) 2 N2(g) + 5 O2(g) + 2 H2 O(`) → 4 HN O3(aq) ∆H −



= −256, 0 kJ/mol

c) N2(g) + O2(g) → 2 N O(g) ∆H −



= +183, 0 kJ/mol

d) 3 N O2(g) + H2 O(`) → 2 HN O3(aq) + N O(g)

Exercício proposto #3.


Usando as seguintes quatro reações, preveja a variação na entalpia da última reação:

a) P4(s) + 6 Cl2(g) → 4 P Cl3(g) ∆H −



= −1.225, 6 kJ/mol

b) P4(s) + 5 O2(g) → P4 O10(s) ∆H −



= −2.967, 3 kJ/mol

c) P Cl3(g) + Cl2(g) → P Cl5(g) ∆H −



= −84, 2 kJ/mol

d) P Cl3(g) + 21 O2(g) → Cl3 P O(g) ∆H −



= −285, 7 kJ/mol

e) P4 O10(s) + 6 P Cl5(g) → 10 Cl3 P O(g)

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Exercício proposto #4.


Usando as seguintes quatro reações, preveja a entalpiapadrão de formação do cloreto de alumínio sólido (AlCl3 ):

a) 2 Al(s) + 6 HCl(aq) → 2 AlCl3(aq) + 3 H2(g) ∆H −



= −1.049, 0 kJ/mol

b) HCl(g) → HCl(aq) ∆H −

= −74, 8 kJ/mol

c) H2(g) + Cl2(g) → 2 HCl(g) ∆H −



= −185, 0 kJ/mol

d) AlCl3(s) → AlCl3(aq) ∆H −

= −323, 0 kJ/mol

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4 Espontaneidade dos processos físicos e químicos


Se um copo com água quente, tampado, é deixado em cima de uma mesa, ele terá sua temperatura diminuída

gradativamente até atingir a temperatura ambiente, isto é, até atingir o equilíbrio térmico com as vizinhanças;

como ele estava tampado, só há troca de calor, e a diminuição da energia interna do sistema é igual ao aumento

na energia interna da vizinhança. Se o processo ocorresse sob pressão constante, a variação na entalpia do

sistema seria igual à variação na entalpia das vizinhanças, mas com sinal contrário.

Imaginando então o processo contrário, um copo com água à temperatura ambiente poderia repentinamente

começar a esquentar, recebendo calor das vizinhanças. O aumento da energia da água seria idêntico à diminuição

da energia das vizinhanças, satisfazendo a Primeira Lei, para a qual não são conhecidas exceções.

No entanto, sabemos que o primeiro exemplo pode acontecer de modo espontâneo, enquanto o segundo não.

Por espontâneo, queremos dizer sem o auxílio de algum dispositivo que funcione mediante gasto de energia.

O processo caminha sozinho. Mas o que faz com que um processo seja espontâneo e o outro não, se ambos

respeitam a Primeira Lei?

A questão é que a Primeira Lei só separa os processos possíveis dos impossíveis. Processos onde exista mais

(ou menos) energia no m do que no início são impossíveis, pois a energia deve se conservar. Porém, dentre

os processos possíveis, existem os espontâneos e os não espontâneos, e quem os diferencia é a Segunda Lei da

Termodinâmica.

4.1 O Ciclo de Carnot


Uma máquina térmica é um dispositivo que transforma em trabalho a energia obtida na forma de calor. Não

vamos nos preocupar com as diversas máquinas térmicas já propostas e em uso até hoje, mas apenas com uma,

cujo design é o mais importante para a termodinâmica. Tratase da máquina de Carnot, ou, mais especicamente

falando, do ciclo termodinâmico no qual ela opera, o Ciclo de Carnot.


O ciclo opera uma sequência de quatro transformações sucessivas, partindo de um estado que chamaremos

de A e passando pelos estados B, C e D:

1. Expansão isotérmica e reversível de A até B;

2. Expansão adiabática e reversível de B até C;

3. Compressão isotérmica e reversível de C até D;

4. Compressão adiabática e reversível de D até A;

Todas as transformações do ciclo são reversíveis, mas mesmo que somente uma delas fosse, já seria o suciente

para a máquina toda ser impossível de ser construída, em um sentido prático. No entanto ela representa a

situação limite para uma máquina ideal, daí sua importância.

Se a máquina de Carnot operar usando como substância de trabalho um gás ideal, teríamos as seguintes

considerações a fazer sobre cada uma das suas etapas:

Tabela 1: Ciclo de Carnot


Etapa Estado inicial Estado nal Equação da Primeira Lei
 
1 A: T1 , p1 , V1 B: T1 , p2 , V2 ∆U1 = q1 + w1 ∴ 0 = q1 − RT1 ln VV21
R T2
2 B: T1 , p2 , V2 C: T2 , p3 , V3 ∆U2 = w2 ∴ T1
CV dT = w2 
V4
3 C: T2 , p3 , V3 D: T2 , p4 , V4 ∆U3 = q3 + w3 ∴ 0 = q2 − RT2 ln V3
R T1
4 D: T2 , p4 , V4 A: T1 , p1 , V1 ∆U4 = w4 ∴ T2
CV dT = w4

Como o próprio nome diz, o termo ciclo impõe que o estado inicial e nal sejam os mesmos, como pode

ser visto na tabela. Dessa forma, qualquer propriedade do sistema terá a variação global no ciclo sendo zero,

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mesmo que em cada uma das etapas ela seja não nula. Já para as variáveis de caminho, calor e trabalho, o valor

global no ciclo é dado por:

qcic = q1 + q2 (4.1)

wcic = w1 + w2 + w3 + w4 (4.2)

Se houvesse mais etapas, independente de quantas fossem, o calor e o trabalho totais envolvidos no ciclo

seria a soma das pequenas contribuições em cada uma das etapas. Combinando a expressão da Primeira Lei

(∆U = q + w), e sabendo que ∆Ucic = 0 para qualquer ciclo (reversível ou irreversível), temos:

∆Ucic = 0 = qcic + wcic ∴ wcic = −qcic (4.3)

wcic = −(q1 + q2 ) (4.4)

wcic = −q1 − q2 (4.5)

Pela última equação, já vêse que qualquer máquina térmica deve operar entre duas fontes térmicas, uma

quente e uma fria. Da fonte quente ela recebe energia, na forma de calor, e o montante não utilizado é direcionado

para a fonte fria (algumas vezes chamado sumidouro frio). Pela convenção adotada, a expansão isotérmica do

gás ocorre mediante absorção de calor e a compressão do mesmo ocorre por perda de calor, logo q1 é o calor

trocado entre a máquina e a fonte quente, e q2 é o calor trocado entre a máquina e a fonte fria. Para facilitar a

assimilação, grafaremos estas quantidades como qh e qc , respectivamente.


21

O rendimento dessa máquina térmica, isto é, a sua capacidade de produzir trabalho mediante o calor envol-

vido, é denido como a razão entre o trabalho produzido (em módulo) e a quantidade de calor obtida a partir

da fonte na temperatura mais alta:

|w|
 = (4.6)
qh

Uma vez que wcic = −qh − qc :

| − qh − qc | qh qc qc
 = = + = 1+ (4.7)
qh qh qh qh

Como um dos calores é absorvido e o outro é perdido, obrigatoriamente eles devem ter sinais diferentes,

fazendo a fração ter sinal negativo, subtraindo de 1. O rendimento da máquina térmica pode ser no máximo 1

(isto é, 100 %) ou menor, mas nunca maior que isso.

Podemos usar as expressões da tabela no início desta seção para chegar a outra expressão para o rendimento.

O trabalho total no ciclo é soma dos trabalhos em cada etapa:

wcic = w1 +
+ w3 w2
+ w4 (4.8)

   "Z T2 #    "Z T1 #
V2 V4
wcic = −RT1 ln + CV dT + −RT2 ln + CV dT (4.9)
V1 T1 V3 T2

As duas integrais, referentes à w2 e w4 , se cancelam pois são idênticas exceto pelos limites de integração

inversos. Logo, a expressão reduzse a soma de w1 e w3 :


     
V2 V4
wcic = −RT1 ln + −RT2 ln (4.10)
V1 V3
     
V1 V4
wcic = +RT1 ln + −RT2 ln (4.11)
V2 V3
21 h para hot e c para cold, seguindo a notação do Atkins e demais livros em inglês.

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Como os processos 2 e 4 são adiabáticos e reversíveis, vale a Eq. (2.100)


22 :

T1 V2γ−1 = T2 V3γ−1 e T1 V1γ−1 = T2 V4γ−1 (4.12)

Dividindo a segunda equação pela primeira, obtemos:

 γ−1  γ−1
V1 V4 V1 V4
= ou = (4.13)
V2 V3 V2 V3

Substituindo este valor na Eq. (4.11):

     
V1 V1
wcic = +RT1 ln + −RT2 ln (4.14)
V2 V2
  
V1
wcic = +R ln [T1 − T2 ] (4.15)
V2
  
V2
wcic = −R ln [T1 − T2 ] (4.16)
V1

O calor extraído da fonte quente, (qh = q1 ) é, de acordo com a primeira etapa:

 
V2
qh = RT1 ln (4.17)
V1

Portanto, o rendimento da máquina também pode ser descrito por:

h  i
V1
R ln [T − T ]

|w| − V2 1 2
= =   (4.18)
qh RT1 ln VV12
h  i
V1
R ln V2 T1 − T2
= h  i × (4.19)
R ln V1 T1
V2

T1 − T2 T2
= =1− (4.20)
T1 T1

Como T1 é a temperatura da fonte quente e T2 a temperatura da fonte fria, a razão na equação acima precisa

ser menor que a unidade, diminuindo de 1. O rendimento da máquina térmica é tanto maior quanto maior a

diferença entre as temperaturas das duas fontes.

Podemos agora comparar as duas expressões para o rendimento:

T2 qc
=1− e =1+ (4.21)
T1 qh
22 Muito cuidado com os subscritos na comparação com a Eq. (2.100); eles podem confundir. Para esclarecer, ver quais são os
estados inicial e nal dos processos adiabáticos na tabela Tabela 1, página 61.

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Igualandoas, teremos:

T2 qc
1− =1+ (4.22)
T1 qh
qh qc
=− (4.23)
T1 T2
qh qc
=− (4.24)
Th Tc
qh qc
+ =0 (4.25)
Th Tc

O lado esquerdo da igualdade na Eq. (4.25) é simplesmente a soma, ao longo de todo o ciclo, da quantidade
q
T . Poderia ser escrito da seguinte forma:
I
dq
=0 (4.26)
cic T

Se a integral de uma função ao longo de todo o ciclo é zero, isso signica que aquela função é uma função

de estado do sistema, isto é, uma propriedade. Esta propriedade especíca, relacionando o calor trocado

reversivelmente na temperatura T, é chamada de entropia do sistema (S ):


dqrev qrev
dS ≡ ∴ ∆S = (4.27)
T T

Mesmo que uma transformação aconteça mediante uma troca de calor irreversível, a variação na entropia

do sistema será calculada através do calor necessário para conectar os dois estados reversivelmente.

Temperatura absoluta
Embora a temperatura absoluta possa ser determinada pela extrapolação da Lei de Charles, como visto na parte

de Gases em Química Geral, quando Kelvin propôs a escala absoluta ele utilizou outra abordagem. Modicando

a Eq. (4.20), que dene o rendimento em termos da temperatura, podemos chamar a temperatura do sumidouro

frio simplesmente de T e comparála com Th :

T = (1 − )Th (4.28)

Como Th nunca é zero, percebemos que a eciência da máquina deverá ser 1 (perfeita conversão entre

calor e trabalho) apenas na situação em que T = 0; uma situação limite para qualquer máquina térmica

independentemente de qual seja sua substância de trabalho. Como a eciência não pode ser maior que 1, a

temperatura nesta escala não pode ser menor do que zero, daí o nome escala absoluta, pois contempla apenas

valores positivos e também o zero. O tamanho dos intervalos na escala Kelvin é arbitrário, mas foi denido

como o tamanho especíco que faça o ponto triplo da água ser 273,16 K. Como na escala Celsius esse ponto

corresponde a 0,01 C , aproximadamente, cada Kelvin
23 corresponde a um grau Celsius.

4.2 Desigualdade de Clausius e a Segunda Lei da Termodinâmica


Consideremos um gás ideal se expandindo. A expansão é uma transformação de estado que pode se dar por um

processo reversível ou irreversível. O trabalho envolvido na expansão reversível é dwrev , e o trabalho envolvido

na expansão irreversível (que são todos os casos não reversíveis) é apenas dw. O trabalho de expansão reversível

23 É errado falar grau Kelvin e escrever ◦ K ; a unidade é apenas Kelvin e seu símbolo apenas K .

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é o trabalho máximo que um sistema pode efetuar, logo:

dwrev ≤ dw (4.29)

−dwrev ≥ −dw (4.30)

dw − dwrev ≥ 0 (4.31)

A variação na energia interna é a mesma para o processo reversível e irreversível (ela é função de estado e

não do processo), logo:

dU = dU (4.32)

dq + dw = dqrev + dwrev (4.33)

dw − dwrev = dqrev − dq (4.34)

Comparando com a diferença entre os trabalhos reversível e irreversível:

dqrev − dq ≥ 0 (4.35)

dqrev dq
− ≥0 (4.36)
T T
dq
dS ≥ (4.37)
T

Se o sistema for isolado, obrigatoriamente dq = 0, donde concluise que:

dS ≥ 0 (sistema isolado) (4.38)

A Segunda Lei da Termodinâmica pode ser enunciada de diversas formas possíveis, dentre as quais a

seguinte:A entropia de um sistema isolado só pode permanecer constante ou aumentar em qualquer processo
espontâneo. Mantémse constante se o processo for reversível, e aumenta se o processo for irreversível.
É relativamente seguro (embora não totalmente) imaginar que o conjunto formado pelo sistema e a totalidade

das vizinhanças (o resto do Universo) constituem um sistema isolado.


24 Como todos os processos espontâneos

reais são irreversíveis, concluise que todos os processos espontâneos reais ocorrem mediante aumento na entropia

total do Universo. Pensando nisso, Clausius enunciou uma frase famosa que combina a Primeira e a Segunda

Leis de forma bastante simples: A energia do Universo é constante e sua entropia tende a um máximo.
Cada uma das duas primeiras leis tem signicância conceitual tremenda: a Primeira Lei separa os processos

possíveis (que conservam energia) dos impossíveis (que não conservam). A Segunda Lei separa, entre os processos

possíveis, os espontâneos dos não espontâneos.

Transferência de calor espontânea


Vamos imaginar um sistema isolado sujeito a uma transformação. Uma vez que ele é isolado, a desigualdade de

Clausius determina que o processo só possa ser espontâneo se dS > 0. Vamos imaginar que este sistema isolado

seja separado, internamente, em duas partes, α e β, e que certa quantidade de calor dqrev para reversivelmente

de α para β, de modo que:

−dqrev dqrev
dSα = dSβ = (4.39)
Tα Tβ
24 Não conhecemos as fronteiras do Universo mas não há indícios experimentais fortes de que ele tenha uma fronteira e, mesmo
que tenha, não parece que após ela existam outros Universos com os quais o nosso troca energia ou matéria. É verdade que isso
começa a fugir da físicoquímica e passa a beirar a losoa, mas esse tipo de observação não pode ser ignorada, pois embora não
possa ser refutada, também não pode ser rigorosamente comprovada.

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A variação total na entropia será, portanto:

 
1 1
dS = dSα + dSβ = dqrev − (4.40)
Tβ Tα

Como o processo é espontâneo, então obrigatoriamente dS > 0, e dqrev também é um valor positivo. Então,

para satisfazer a igualdade, deve ser válido também que:

 
1 1
− >0 (4.41)
Tβ Tα

A relação acima só é válida se Tα > Tβ . Ou seja, energia, na forma de calor, só ui de uma parte a outra do

Universo se partir de um local com maior temperatura e na direção do local com menor temperatura. Então

um copo com água quente tende a esfriar espontaneamente no ambiente, mas um copo com água fria apenas

deixado em cima de uma mesa não irá se aquecer sozinho. No entanto, se a água fria for colocada em um forno,

o calor irá uir da fonte térmica do forno em direção à água fria, aquecendoa.

Quando as temperaturas Tα e Tβ se igualam, dqrev = 0 e dS = 0, ou seja o sistema atingiu o equilíbrio

térmico. Veremos mais adiante que a condição dS = 0 está relacionada a demais tipos de equilíbrio, não apenas

o térmico.

4.3 Interpretação conceitual para a entropia


Embora saibamos calcular a variação na entropia de um processo, o que é a entropia ? Bem, macroscopicamente

é difícil descrever pois ela é concebida a partir da relação entre o calor e a temperatura de um processo

reversível. No entanto, a visão microscópia dos processos, iniciada com os trabalhos de Boltzmann sobre a

entropia estatística (que culminou na termodinâmica estatística) fornecem uma explicação adequada para a

natureza desta propriedade.

Vamos exemplicar de modo bastante direto. Suponhamos que temos 1 L de um líquido sob certa tempera-

tura T, dentro de um recipiente de tamanho 10 L. A posição de cada uma de suas partículas é relativamente

bem determinada, pois sabemos que todas as partículas ocupam uma região que é apenas 10 % do volume total

disponível, portanto há um grau de localização relativamente alto para elas. Por outro lado, no interior do

líquido as partículas estão em constante movimento e é virtualmente impossível conhecer a posição de todas

elas em determinado instante, mesmo que considerando que todas se envolvam apenas em colisões perfeitamente

elásticas (desprezando, portanto, as utuações advindas das interações moleculares), pois o tempo necessário

para calcular todas as trajetórias e determinar as posições é grande demais ao ponto de que, mesmo que fosse

possível, quando o cálculo acabasse as posições de praticamente todas as partículas já estariam diferentes das

calculadas. Mesmo assim, há uma grau de informação estrutural disponível, pois se precisarmos buscar as

partículas, podemos restringir a busca a apenas 10 % do espaço.

Por outro lado, se fornecermos calor para este líquido, a entropia do líquido (o sistema) irá aumentar.

Podemos fornecer calor de tal modo a transformar todo o líquido no respectivo gás (ou, neste caso, vapor),

e este ocuparia todo o volume do recipiente (10 L). Agora, se for preciso buscar uma partícula em especial,

precisamos procurar ao longo de todo o volume disponível. Logo, o grau de informação estrutural diminui

bastante, pois precisamos procurar em 100 % do espaço disponível e considerar ainda uma maior exibilidade

de movimento para as partículas.

O contrário também é verdadeiro; se removermos calor do sistema até que o líquido se transforme em um

sólido, o grau de informação estrutural disponível sobre o sistema aumenta, pois mesmo com o passar do tempo,

a mobilidade das partículas ca restrita às pequenas vibrações em torno da sua posição central. Então se

procurarmos por uma partícula e depois procurarmos por ela novamente, podemos restringir a busca a apenas

as imediações da região onde ela foi encontrada anteriormente, com a certeza de que a encontraremos.

Digamos então que a informação estrutural total, ou seja, a informação necessária ao conhecimento de

todas as características estruturais do sistema (posições das partículas, suas velocidades e trajetórias) possa

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ser conhecida. Então a informação estrutural faltante é a diferença entre a totalidade de informação estrutural

do sistema e o que nós temos de informação disponível. A informação estrutural faltante e a entropia estão
diretamente relacionadas, e podem ser consideradas a mesma coisa, exceto pelas unidades de medida adotadas.
Toda vez que a entropia de um sistema aumenta, reduzse a parcela de informação estrutural que temos sobre

ele, e viceversa.

4.4 Interlúdio: Entropia e desordem


Ainda que exista uma recente preocupação em evitar esta terminologia nos livros de Química
25 , livros mais

antigos ainda possuem a denição conceitual de entropia como a medida da desordem em um sistema. Conse-

quentemente, a variação na entropia é a variação no grau de desordem molecular na passagem do estado inicial

ao nal. entropia não tem relação com ordem (ou desordem).26 O conceito de ordem depende

de um estado arbitrário chamado ordenado e os demais chamados desordenados, mas a arbitrariedade na escolha

do estado ordenado não compactua com a termodinâmica, para a qual as variações na entropia independem da

escolha do referencial.

O exemplo usualmente utilizado para relacionar entropia e desordem é o baralho de 52 cartas. Dizse

que, após embaralhar um baralho comum, é impossível obter a sequência ordenada (a sequência original do

baralho lacrado, com cartas de A até K na sequência de ouros, espadas, copas e paus) pois ela é muito menos

provável que as demais, desordenadas. De fato, esta sequência em particular é 1 das 52! possíveis sequências,
1
de modo que a probabilidade de ela ocorrer é
52! enquanto a probabilidade de qualquer outra sequência ocorrer
52!−1
é
52! . Claramente a primeira situação é ridiculamente pequena para ser considerada, enquanto a segunda é
exageradamente favorecida. Notese, contudo, que todas as sequências, ordenadas ou não, possuem a mesma

probabilidade individual de ocorrerem, pois cada qual representa um evento observável independente dos demais.

O problema todo surge pois a denição de  ordem  é arbitrária, uma vez que é a ordem inicial do baralho.

Nós bem poderíamos fundar uma empresa de fabricação de baralhos cuja ordem inicial seria todas as cartas

vermelhas alteatoriamente distribuídas, seguida de todas as cartas pretas aleatoriamente distribuídas. É evidente

que, embaralhando este nosso novo baralho, a probabilidade de conseguirmos a sequência original (toda as

vermelhas e depois todas as pretas) continua sendo riculamente baixa comparada com as chances de haver ao

menos uma carta preta mergulhada entre as vermelhas, e viceversa, mas cabe observar que as chances de obter
26!26!
a sequência original (
52! ) agora são assustadoramente maiores que com o baralho anterior (4,96 ×1014 vezes

mais provável).

Em outras palavras, o que se entende por ordem para o primeiro baralho é diferente do respectivo conceito

para o segundo baralho. Logo, ordem é um conceito subjetivo, e entropia não, portanto entropia não pode ser

uma medida do grau de ordem (ou desordem) de um sistema.

O conceito de informação se aplica bem aos baralhos considerados. À medida que embaralhamos um baralho

comum, a informação estrutural disponível diminui rapidamente porque perdemos as sequências previamente

estabelecidas. Antes poderíamos prever, com certa precisão, qual a posição de determinada carta sem procurá

la no baralho, pois tínhamos informação para tal. Com o processo de embaralhar, as sequências são modicadas

de modo imprevisível e então não podemos mais restringir nossa busca por uma única carta ao local previamente

imaginado, pois ela pode estar em qualquer lugar. Por outro lado, duas sequências completamente aleatórias

de cartas posssuem a mesma entropia, mesmo sendo diferentes, porque ambas apresentam a mesma quantidade

de informação faltante. Da mesma maneira, o baralho original apresenta entropia mínima, pois a informação

faltante é mínima também (nesse caso, é realmente zero). A sequência de todas as cartas vermelhas e depois

todas as pretas apresenta mais entropia que o baralho original (pois há exibilidade para trocas internas entre

as vermelhas e entre as pretas), mas menos entropia que o baralho completamente misturado. Ocorre que a

quantidade de sequências que podem ser consideradas aleatórias é tão maior que a especial sequência original,

que o processo de embaralhar as favorece assustadoramente, tendendo ao aumento da entropia do baralho, como

25 Mas não sei se o mesmo já é adotado na Engenharia.


26 Esquecer disso pode ser considerada a maior heresia de um aluno meu nesta disciplina.

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previsto pela Segunda Lei.

A entropia se apresenta no nosso cotidiano de modo bem claro, mesmo que não percebamos. Fios (de fones

de ouvido em uma mochila ou cabos de um computador) tendem a se emaranhar com facilidade impressionante,

mesmo não havendo nenhuma interação (atrativa ou repulsiva) apreciável entre eles. O processo de emaranhar

é favorecido pois ocorre mediante aumento da entropia do sistema. Fios emaranhados apresentam menos

informação estrutural disponível, logo mais informação faltante, o que signica mais entropia.

4.5 Dependência da entropia com outras propriedades


Combinando a expressão da denição da entropia (Eq. (4.27)) com a expressão para a Primeira Lei (Eq. (2.36)),

temos:

dqrev (dU + pdV ) dU p


dS = = = + dV (4.42)
T T T T

A Eq. (4.42) expressa a dependência da entropia com a energia interna, com o volume, com a pressão e com

a temperatura. Apesar do formato diferente, ela é essencialmente idêntica a outra expressão conhecida como

Equação Fundamental da Termodinâmica, usualmente escrita como:

dU = T dS − pdV (4.43)

A importância desta equação reside no fato de ela descrever quantitativamente todos os aspectos da Primeira

Lei, mas sem as variáveis do processo (q e w), mas ao invés delas as variáveis do sistema (S , T, p e V ). Nesse

sentido, a equação fundamental combina a Primeira e a Segunda leis em uma única expressão. Observando
nRT
agora a Eq. (2.40) e o fato de que p= V , a Eq. (4.42) pode ser escrita como:

dT dV
dS = CV + nR (4.44)
T V

Se CV for constante no intervalo de temperaturas considerado, podemos concluir que:

   
T2 V2
∆S = CV ln + nR ln (4.45)
T1 V1

Agora volte para a página 42 e observe a Eq. (2.86); ela pode ser reescrita como:

   
T2 V2
CV ln + nR ln =0 (4.46)
T1 V1

A semelhança entre estas duas últimas equações não é coincidência, e permite concluir que, naquele caso

que estava sendo estudado na página 42, ∆S = 0, como de fato ocorre para todo processo adiabático reversível

(esse era o tópico daquela seção). Isto também está de acordo com a Eq. (4.27), página 64, tendo em vista que

em um processo adiabático reversível, q = qrev = 0 → ∆S = 0. 27

A Eq. (4.45) mostra a dependência da entropia com a temperatura e o volume simultaneamente. Seria

conveniente ter uma expressão para a dependência da entropia com a temperatura e a pressão simultaneamente,

e ela também é conhecida. Sabendo que a denição de entalpia é H = U + pV , temse que:

dH = dU + pdV + V dp → dU = dH − pdV − V dp (4.47)

27 É assim que se deve estudar a termodinâmica: todos os assuntos podem ser conectados conceitualmente, ainda que em alguns
casos essa conexão seja mais evidente que em outros.

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Substituindo este resultado dentro da Eq. (4.42):

(dH − pdV − V dp) p


dS = + dV (4.48)
T T
dH p V p
dS = − dV − dp + dV (4.49)
T T T T
dH V
dS = − dp (4.50)
T T
nRT
Sabendo que V = p e dH = Cp dT , obtemos:

dT dp
dS = Cp − nR (4.51)
T p

Admitindo Cp constante, a integração fornece:

   
T2 p2
∆S = Cp ln − nR ln (4.52)
T1 p1

As Eqs. (4.44) e (4.51), bem como suas formas integradas, são muito úteis na resolução de exercícios

envolvendo estas gases sujeitos a transformações de T, V ou T, p.

Exemplo: variação na entropia na expansão de um gás.


Consideremos um mol de gás ideal, inicialmente no estado T, p1 , V1 . Qual será a variação na entropia se o gás

se expandir até o volume V2 (a) isotermica e reversivelmente; (b) isotermica e irreversivelmente; (c) adiabatica

e reversivelmente.

Resolução. Se a expansão for isotérmica, obrigatoriamente ∆T = 0, o que implica ∆U = 0 pois U é função

apenas da temperatura. Observando ainda que o processo (a) é reversível, temos que:

 
V2
∆U = 0 = q + w ∴ qrev = −wrev = nRT ln (4.53)
V1

dqrev
dS = → dqrev = T dS → qrev = T ∆S (4.54)
T

Comparando as duas equações para qrev , temos:

 
V2
T ∆S = nRT ln (4.55)
V1
 
V2
∆S = nR ln (4.56)
V1

Já no caso (b), a expansão for isotérmica e irreversível, o resultado deverá ser idêntico ao anterior, ou seja:

 
V2
∆S = nR ln (4.57)
V1

A questão é: por quê? Ora, a entropia é uma função de estado, logo não importa se o processo que conecta

os estados é reversível ou irreversível. É importante destacar que o trabalho reversível é diferente do irreversível,

e portanto os calores envolvidos também o serão. Pode parecer que, pelo fato da entropia depender da razão

entre o calor e a temperatura, esta deveria depender do caminho, mas não: ela depende do calor reversível.
Existem innitos processos diferentes que conectam dois estados, mas apenas um deles é reversível. É o calor

69
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associado a este processo que deve ser usado para calcular a variação na entropia.

Um método de ataque alternativo poderia ser usar uma entre as Eqs. (4.44) e (4.51) para resolver o problema.

A questão é: qual delas usar? O entendimento conceitual da termodinâmica nos ajuda a perceber que, neste

caso, ambas são idênticas.

Primeiramente, dizse que o processo é isotérmico, portanto dT = 0, o que reduz ambas as expressões para:

dV dp
dS = +nR e dS = −nR (4.58)
V p
   
V2 p2
∆S = nR ln e ∆S = −nR ln (4.59)
V1 p1

A expressão da esquerda é a que encontramos anteriormente, e a da direita é uma opção alternativa que

fornecerá a mesma resposta. Como a expansão é isotérmica, vale a Lei de Boyle; portanto, na medida que

o gás se expande, o volume aumenta (V2 > V1 ), enquanto a pressão diminui (p2 < p1 ). Substituindo estes

valores dentro dos logaritmos naturais, o ln envolvendo os volumes será positivo, e o ln envolvendo as pressões

será negativo, e então os sinais irão se cancelar. Como pressão e volume são inversamente proporcionais se a

temperatura for constante, os dois logaritmos naturais devem resultar no mesmo valor numérico. Em outras

palavras, qualquer das equações poderia ter sido usada que o resultado obtido seria o mesmo.

Por outro lado, no caso (c) a variação na entropia será diferente dos anteriores, pois o estado nal do sistema não

é o mesmo. Quando a expansão é isotérmica, o sistema se expande e o gasto de energia envolvido no trabalho

de expansão é recuperado por meio de calor, e por isso sua temperatura não muda. No caso de uma expansão

adiabática, não há calor envolvido, logo o que for gasto na expansão não é recuperado. Se a energia do gás é

gasta realizando trabalho, ela deve diminuir, o que é reetido em uma diminuição da temperatura. Uma vez de
qrev
q = 0, ∆S = T =0 também, independentemente da temperatura envolvida. Logo, vale o seguinte:

   
T2 V2
∆S = 0 = CV ln + nR ln (4.60)
T1 V1
   
T2 V2
CV ln = −nR ln (4.61)
T1 V1

Em palavras: a diminuição da temperatura do gás na expansão adiabática será tanto maior quanto maior

será a variação de volume experimentada. Além disso, para uma mesma variação de volume, gases diatômicos

experimentarão menor variação na temperatura, pois suas capacidades calorícas são maiores. Um processo

para o qual ∆S = 0 é chamado de isentrópico (ou isoentrópico).

Variação na entropia mediante aquecimento


Podemos aquecer uma substância fornecendo calor para ela, e como visto quando tratamos da Primeira Lei,

o aquecimento pode ser executado via fornecimento de calor a volume ou a pressão constante, sendo cada um

destes processos associado a uma diferente capacidade caloríca (CV ou Cp ).


Vimos antes que, no caso de uma expansão isotérmica, não havia diferença em escolher as Eqs. (4.44)

ou (4.51), pois processos isotérmicos envolvendo gases são descritos pela Lei de Boyle, para a qual há uma

proporção inversa entre pressão e volume. No entanto, se pressão ou volume forem mantidos constantes para a

temperatura variar, teremos diferenças para a variação na entropia dos dois casos.

No caso de aquecimento sob volume constante, usamos diretamente a Eq. (4.44), cujo segundo termo

desaparece pois V1 = V2 :
Z T2
dT
∆S = CV (4.62)
T1 T

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Já no caso de aquecimento sob pressão constante, vale o mesmo raciocínio na Eq. (4.51):

Z T2
dT
∆S = Cp (4.63)
T1 T

Se o problema em questão considerar um gás ideal, CV e Cp serão constantes no intervalo de temperaturas

do aquecimento. Caso seja outra substância para a qual as capacidades calorícas, variem, a expressão que

demonstra a dependência da capacidade caloríca com a temperatura é que deveria ser integrada. Além disso,

uma vez que, para gases, Cp > CV sempre (por um fator nR se o gás for ideal), dois aquecimento idênticos (isto

é, envolvendo o mesma variação de temperatura) observarão ∆S maior no caso de ser sob pressão constante do

que sob volume constante, pois no caso sob pressão constante, além do aquecimento, o gás ganha entropia pela

sua expansão (necessária para manter p constante anal).

A constante dos gases, R, é, logicamente, um parâmetro intrínseco de uma substância no estado gasoso.

No entanto, como o termo que envolve R não aparece quando estamos apenas aquecendo uma substância, as

duas equações acima devem se manter válidas também para líquidos e sólidos. Se um sólido for aquecido (sob

V ou p constante), uma delas poderá ser aplicada. Mais ainda, se o sólido for aquecido até transformarse no

líquido, e este até transformarse no gás (ou, mais precisamente, no vapor), poderemos calcular a variação total

da entropia se conhecermos a entropia da transição de fase.

Exemplicando para o caso de um sólido aquecido sob pressão constante até se transformar no seu vapor;

o calor recebido pelo material é matematicamente igual à variação na entalpia deste sistema, que por sua vez

relacionase com Cp e com o ∆T em questão. Portanto, teremos o seguinte:

dS = daquec,s S + df us S + daquec,l S + dvap S + daquec,v S (4.64)


         
dqrev dqrev dqrev dqrev dqrev
dS = + + + + (4.65)
T Tf us T Tvap T
         
daquec,s H df us H daquec,l H dvap H daquec,g H
dS = + + + + (4.66)
T Tf us T Tvap T
         
Cp,s dT df us H Cp,l dT dvap H Cp,g dT
dS = + + + + (4.67)
T Tf us T Tvap T

Integrando:

Z T2 Z T2 Z T2
Cp,s dT ∆f us H Cp,l dT ∆vap H Cp,g dT
∆S = + + + + (4.68)
T1 T Tf us T1 T Tvap T1 T

Se as capacidades calorícas forem constantes, elam saem da integral e o problema resolvese diretamente

pelos valores de ∆T de cada etapa. Se ela não for constante, mas conhecida sua dependência com T, a integral

apropriada pode ser resolvida, ainda que numericamente. Em geral, os intervalos de temperatura nesses exer-

cícios são longos e as capacidades calorícas não permanecem constantes ao longo de toda a extensão destes

intervalos, mas a menos que o exercício explicite que isso deve ser assumido, estimativas podem ser feitas con-

siderando as capacidades calorícas sempre constantes.

Exemplo 3.2, Atkins 9a ed. Calcule ∆S quando uma amostra de argônio, inicialmente a T1 = 25◦ C e
3 3 ◦
p1 = 1, 00 bar, se expande de 0, 500 dm até 1, 000 dm , enquanto também é aquecida até 100 C .

Resolução. Como a entropia é uma função de estado, não interessa a forma como o processo foi executado,

mas apenas a diferença entre os estados inicial e nal. Nesse caso, é indiferente se os dois processos (expansão

e aquecimento) ocorrem simultaneamente ou se o gás é primeiro aquecido, sob volume constante, e depois

expandido, sob temperatura constante, ou viceversa. Matematicamente:

∆total S = ∆aquec S + ∆expan S (4.69)

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Ao repararmos bem, são justamente estas duas parcelas que aparecem na Eq. (4.45). Portanto, sabendo

que CV = n · CV,m e calculando n via Equação do Gás Ideal, teremos, para a parte do aquecimento sob volume

constante, o seguinte:

         
T2 T2 p1 V1 3 T2
∆aquec S = CV ln = [n · CV,m ] ln = R ln (4.70)
T1 T1 RT1 2 T1
(1, 0 × 105 P a)(5, 0 × 10−4 m3 ) 3
    
373
∆aquec S = ln = 0, 0565 J K −1 (4.71)
298 K 2 298

Depois de aquecido, o gás expandese isotermicamente:

      
V2 p1 V1 V2
∆expan S = nR ln = R ln (4.72)
V1 RT1 V1
(1, 0 × 105 P a)(5, 0 × 10−4 m3 )
   
1, 000
∆expan S = ln = 0, 1163 J K −1 (4.73)
298 K 0, 500

O processo global, portanto, tem a seguinte variação na entropia:

∆total S = (0, 0565 + 0, 1163) J K −1 = 0, 1728 J K −1 (4.74)

Se o problema fosse abordado com a expansão isotérmica a 25 ◦ C e então o aquecimento sob volume constante
3
de 1, 000 dm , os resultados teriam sido os mesmos. O aluno pode tentar e ver que os números envolvidos em

cada etapa continuarão inalterados. Dessa forma, demonstrase outra vez como a variação na propriedade de

estado independe da sequência de etapas em que o processo é executado.

4.6 Teorema do Calor de Nernst e a Terceira Lei da Termodinâmica


Vimos que a entropia tem relação direta com o estado de agregação da matéria. Gases possuem alta entropia,

líquidos menos e sólidos menos ainda, embora o grau de entropia do sólido, além de variar com a temperatura,

possa também variar de acordo com a sua morfologia. Em uma mesma temperatura, sólidos chamados amorfos,
isto é, sem uma estrutura molecular bem denida, possuem entropia maior que sólidos cristalinos, para os quais
existe um padrão que é seguido ao longo da estrutura. Mesmo que uma substância seja um sólido cristalino

perfeito, em qualquer estado ela terá um valor de entropia relacionado à temperatura em que se encontra. Na

medida em que resfriamos a substância, o grau de vibração e agitação das partículas que compõe a rede cristalina

tende a diminuir. Claramente, quando a temperatura chega ao zero absoluto (0 K ), a entropia deve chegar

ao seu mínimo, que corresponde ao total conhecimento da estrutura da substância (e ausência de informação

estrutural faltante).

É importante destacar que, independentemente de uma substância ser simples ou composta, se ela for um

sólido cristalino perfeito no zero absoluto, toda a informação estrutural que pudermos conhecer sobre a subs-

tância será conhecida (a informação estrutural faltante será mínima). Como a informação estrutural faltante é

diretamente relacionada à entropia, concluise também que a entropia será mínima. Como este valor mínimo

não pode ser diminuído, podemos escolher arbitrariamente seu valor, e a melhor escolha é o zero. Esse conceito

foi inicialmente introduzido por Max Planck em 1913 e é conhecido como Terceira Lei da Termodinâmica:

A entropia de todos os cristais perfeitos, à 0 K , é zero.

Podese argumentar que isso não é uma Lei propriamente dita, anal ela reside em certo grau de arbitrarie-

dade (poderíamos ter escolhido qualquer outro valor para a entropia dos cristais perfeitos, não sendo obrigatório

escolher o zero), mas a interpretação da entropia em termos de informação estrutural justica isso. No zero

absoluto, cessa todo o movimento térmico


28 , logo, se o cristal for perfeito, todas as posições serão perfeitamente

28 Mas não cessa o movimento por completo, pois ainda há a energia de vibração do ponto zero (ZPE ); como a ZPE é um
resultado intrínseco da Mecânica Quântica, considerase que todo a energia clássica foi removida do sistema.

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determinadas e não haverá informação faltante, o que implica em entropia mínima. Como o mínimo é arbitrário,

podemos igualálo a zero e começar a  contar  a entropia a partir deste valor em direção a valores mais altos.

Além disso, sabendo que o aquecimento aumenta a entropia, intuitivamente concluímos que o resfriamento

reduz a entropia, e que essa redução deve parar em algum momento, quando o mínimo de entropia for atingido.

Novamente voltamonos para um alicerce referencial a partir do qual a entropia cresce, e portanto convém

denir esse referencial como o zero.

Suponhamos que uma reação transforme substâncias simples em substância(s) composta(s) na temperatura

de 0 K. Se todas as substâncias envolvidas (reagentes e produtos) forem cristais perfeitos, todas elas terão

valores nulos para suas entropias. Como a entropia da reação é a variação entre a entropia total dos produtos

em relação aos reagentes, a variação na entropia da reação também deverá ser zero. Mesmo que não seja possível

realizar qualquer processo no zero absoluto (podemos nos aproximar dele tanto quanto possível, mas sem nunca

atingílo), tornase válido o enunciado do Teorema do Calor de Nernst:

Admitindose que todas as substâncias envolvidas em um processo químico se apresentam como sólidos
cristalinos perfeitos, a variação na entropia deste processo tende a zero quando a temperatura tende a zero:
∆r S → 0 quando T → 0

Portanto, diferentemente da energia interna e da entalpia (para as quais não sabemos o valor intrínseco em

dado estado), podemos conhecer a entropia intrínseca de um estado fazendo a diferença entre ele e a respectiva

entropia do sistema em 0 K, que é zero. Estes resultados são conhecidos como Entropias da Terceira Lei,


grafadas S (T ). E a entropiapadrão de uma reação pode ser denida, então, como a diferença entre a soma

das entropiaspadrão dos N produtos em relação às entropiaspadrão dos M reagentes:

N
X M
X
∆S −

(T ) = νj Sj−

(T ) − νk Sk−

(T ) (4.75)
j=1 k=1

Cabe observar que o fato de S−



(T ) ser conhecido para uma substância em certa temperatura T implica


que ∆f S (T ), a entropiapadrão de formação, não será zero a menos que estejamos em T = 0 K. Na tem-

peratura ambiente, ∆f S −

(298) certamente não será zero, independentemente das substâncias envolvidas; isso

difere amplamente da situação envolvendo a entalpiapadrão de formação, ∆f S −



(T ), que é zero para qualquer

substância simples.

Cálculo de ∆S −◦ (T ) para uma reação


Consideremos a reação de formação da água:

1
H2(g) + O2(g) → H2 O(`) (4.76)
2

Qual a variação na entropiapadrão desta reação? O cálculo é essencialmente idêntico ao cálculo do ∆f H −


para uma reação qualquer, uma vez que ambas (entalpia e entropia) são funções de estado. A diferença impor-

tante reside no fato de que para entalpias usamos a convenção de que H−



(T ) = ∆f H −

(T ), enquanto para as

entropias isso não é verdadeiro. Usando os dados da Tabela 2.8 do Atkins, temos que:



 Sm,298 (H2 O(`) ) = 69, 91 J K −1 mol−1


 Sm,298 (H2(g) ) = 130, 70 J K −1 mol−1


 Sm,298 (O2(g) ) = 205, 14 J K −1 mol−1

Portanto:

 
1
∆S −

= [ 69, 91 ] − 130, 70 + (205, 14) = −163, 36 J K −1 mol−1 (4.77)
2

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O valor negativo é compatível com a passagem do estado gasoso para o líquido, onde há menos informação

estrutural faltante.

4.7 Variação na entropia da vizinhança e variação total da entropia


Se, por um lado, a variação na entropia do sistema, ∆S , não depende se o processo foi executado reversivel ou

irreversivelmente, a respectiva variação na entropia das vizinhanças depende porque o sistema pode trocar calor

com a vizinhança de modo reversível ou irreversível. Por conseguinte, a variação na entropia total (sistema +

vizinhanças) depende de como o processo é executado. A Segunda Lei trata da esponaneidade de processos do

ponto de vista da variação da entropia total (sistema + vizinhanças), pois a desigualdade de Clausius indica

que, para processos espontâneos ocorrendo em sistemas isolados, a entropia deve crescer. Ou seja, o Universo

é um sistema isolado, mas nossos sistemas reacionais não, portanto um processo pode ser espontâneo mesmo

se a entropia do sistema diminuir, desde que nas vizinhanças ela aumente ainda mais, e o saldo seja positivo.

Portanto, para julgar a espontaneidade de um processo, devemos usar a seguinte equação:

∆Stot = ∆S + ∆Sviz (4.78)

para a qual ∆S , sem subíndices, referese à variação de entropia no sistema, que é calculada usando os procedi-

mentos que foram vistos até agora. Já a variação na vizinhança, ∆Sviz , precisa ser calculada de outra maneira.

Esse cálculo não é trivial, mas podemos usar de algumas aproximações bastante razoáveis.

Qualquer que seja o tamanho do sistema, devemos reconhecer que a sua vizinhança é imensamente maior

que ele, pois ela é todo o restante do universo. Qualquer quantidade de calor que o sistema ganhe ou perca

para a vizinhança é sentida apenas nas imediações próximas à fronteira, de modo que é muito pequena para

causar alguma mudança sensível de temperatura da vizinhança como um todo. Desse modo, é razoável supor

que, do ponto de vista da vizinhança, todo calor recebido do sistema seja recebido de forma reversível, pois

sua temperatura só mudaria de maneira innitesimal e, no limite, sequer mudaria. Sendo este calor trocado de

forma reversível, e sendo a entropia calculada a partir deste calor, temos que:

−qrev
∆Sviz = (4.79)
T

sendo T a temperatura da vizinhança. O sinal  referese ao fato de que o calor recebido pela vizinhança é

tem sinal oposto ao calor cedido pelo sistema. Se essa troca de calor acontece sob pressão constante, como é o

caso da ampla maioria das reações químicas, já sabemos que qp = ∆H , portanto:

−∆H
∆Sviz = (4.80)
T

Portanto, podemos calcular a variação na entropia da vizinhança a partir do monitoramento da entalpia do

sistema, juntamente com a temperatura da vizinhança.

Exemplo. Demonstre que vapor de água, sob p = 1, 00 bar e T = 25◦ C , condensase espontaneamente em

água líquida, sob pressão constante.

Para tal, precisamos calcular a variação de entropia total para o processo H2 O(g) → H2 O(`) . A variação na

entropia do sistema é facilmente calculada usando as entropias molares da água líquida e do vapor, obtidos das

Tabelas do apêndice do livro:



Sm,liq = 69, 91 J K −1 mol−1 (4.81)


◦ −1 −1
Sm,vap = 188, 83 J K mol (4.82)

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∆r S −

= (69, 91 J K −1 ) − (188, 83 J K −1 ) = −118, 92 J K −1 (4.83)

Já a variação na entropia da vizinhança depende do calor cedido pelo sistema à vizinhança. Durante a

condensação do líquido, o sistema perde calor (o processo é exotérmico), logo a vizinhança recebe todo esse

calor perdido. O calor cedido pelo sistema e recebido pela vizinhança, e como o processo ocorre sob pressão

constante, qp = ∆r H . Sabendo que a pressão em questão é p = 1, 00 bar, ∆r H = ∆r H −



, que pode ser calculado

com os dados de entalpiapadrão de formação obtidas no apêndice do livro:



∆f Hm,liq = − 285, 83 kJ mol−1 (4.84)


◦ −1
∆f Hm,vap = − 241, 82 kJ mol (4.85)

∆r H −

= (−285, 83 kJ) − (−241, 82 kJ) = −44, 01 kJ (4.86)

Se o sistema perdeu 44 kJ de entalpia na forma de calor, a vizinhança recebeu esta mesma quantia. Admi-

tindo, segundo os argumentos dados anteriormente, que tal recebimento ocorre reversivelmente (a temperatura

do universo não irá mudar apreciavelmente com apenas um 44 kJ de calor), a variação na entropia da vizinhança

será:

+44, 01 × 103 J
∆Sviz = = +147, 68 J K −1 (4.87)
298 K

Portanto, a variação da entropia total será:

∆Stot = ∆r S + ∆Sviz = (−118, 92 J K −1 ) + (+147, 68 J K −1 ) = 28, 76 J K −1 (4.88)

O valor positivo para variação total indica que o processo é espontâneo, tal como esperado (sabemos que

a água na forma vapor só é inerentemente estável naquela pressão se a temperatura for da ordem de 100 C
ou maior). Vemos também que o processo ocorre mediante redução considerável da entropia do sistema, mas

a correspondente variação na vizinhança é ainda maior, em magnitude, de modo a compensar a redução de

entropia no sistema: a entropia do universo aumentou.

4.8 Energias livres de Helmholtz e Gibbs


Seria mais conveniente, no entanto, se pudessemos racionalizar a espontaneidade de um processo apenas em

termos das variáveis do sistema, sem nos preocupar com as vizinhanças. Por exemplo, para um processo que

ocorra sob a restrição de temperatura e volume constantes, dV = 0 ∴ dw = 0, o que reduz a Primeira Lei a

dU = dqV . Sendo assim, para uma transformação ocorrendo sob T e V constantes, e admitindo a inexistência

de trabalhos diferentes do de expansão (como o trabalho elétrico, por exemplo), a Desigualdade de Clausius

toma a forma de:

dqV
dS ≥ (4.89)
T
dU
dS ≥ (4.90)
T

T dS ≥ dU (4.91)

Por outro lado, se a transformação ocorre sob a condição de temperatura e pressão constantes, dH = dqP ,

75
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de modo que:

dqP
dS ≥ (4.92)
T
dH
dS ≥ (4.93)
T

T dS ≥ dH (4.94)

O primeiro caso (V, T constantes) envolve naturalmente as variáveis S, T, U , enquanto o segundo caso (p, T

constantes) envolve naturalmente as propriedades S, T, H . Portanto, podemos combinálas da seguinte forma:

A ≡ U − TS (4.95)

G ≡ H − TS (4.96)

Uma vez que H = U + pV , também é válido escrever:

G = U + pV − T S = A + pV (4.97)

A função A é chamada de Energia Livre de Helmholtz, ou apenas Energia de Helmholtz, enquanto a


função G é chamada de Energia Livre de Gibbs, ou simplesmente Energia de Gibbs. Ambas descrevem, por
meio apenas de funções de estado do sistema, a espontaneidade de processos do ponto de vista entrópico total

(sistema e vizinhanças combinados).

Isso já foi visto disfarçadamente no tópico anterior, quando tratouse da variação na entropia total. Dissemos

que, se a pressão e a temperatura forem constantes, então:

qp , rev −∆r H ∆r H
∆Stot = ∆r S + ∆Sviz = ∆r S + = ∆r S + = ∆r S − (4.98)
T T T

onde vemos que a variação na entropia total de um processo sob p, T constantes depende naturalmente das

variáveis S, T, H . Imaginando um processo genérico sob temperatura constante, a diferenciação das denições

dadas nas Eqs. (4.95) e (4.96) produz:

dA = dU − T dS (4.99)

dG = dH − T dS (4.100)

Quando substituímos, nestas duas equações, as Eqs. (4.91) e (4.94), respectivamente, obtemos:

dAT,V ≤ 0 ∴ ∆AT,V ≤ 0 (4.101)

dGT,p ≤ 0 ∴ ∆GT,p ≤ 0 (4.102)

Trocando em palavras: processos sob T, V constantes são espontâneos se a Energia de Helmholtz do sistema

diminuir. Processos sob T, p constantes são espontâneos se a Energia de Gibbs do sistema diminuir.

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A : trabalho máximo total

Combinando a desigualdade de Clausius (T dS ≥ dq ) e a expressão da Primeira Lei (dU = dq + dw), temos:

T dS ≥ dq (4.103)

T dS ≥ dU − dw (4.104)

dw ≥ dU − T dS (4.105)

dw ≥ dA ∴ w ≥ ∆A (4.106)

Na útima equação, a desigualdade vale para os processos irreversíveis enquanto a igualdade vale para os

reversíveis. A Energia de Helmholtz tem o símbolo A porque historicamente ela foi chamada de Função Trabalho,
e trabalho, em alemão, é arbeit. Esse nome deriva do fato de que a diminuição na energia de Helmholtz é

matematicamente igual ao trabalho de expansão máximo que pode ser obtido de um processo. Este trabalho

máximo engloba tanto a parte volumétrica quanto a não volumétrica. No entanto, para o caso de um processo

ocorrer sob volume constante, o trabalho volumétrico precisa ser nulo, o que implica que wmax,nv = ∆A.

G : trabalho máximo diferente do de expansão

O critério de espontaneidade sempre será a entropia, portanto partimos do mesmo caso anterior:

T dS ≥ dq (4.107)

T dS ≥ dU − dw (4.108)

A parcela dw, que é o trabalho total, engloba a parte volumétrica (dwv ) e a parte não volumétrica (dwnv ),

que pode ser qualquer outro tipo de trabalho. Portanto:

T dS ≥ dU − (dwv + dwnv ) (4.109)

T dS ≥ dU − dwv − dwnv (4.110)

T dS ≥ dU − (−pdV ) − dwnv (4.111)

T dS ≥ dU + pdV − dwnv (4.112)

dwnv ≥ dU + pdV − T dS (4.113)

Se o processo for conduzido sob pressão e temperatura constantes, T dS = d(T S) e pdV = d(pV ); as

substituições dessas relações produzem:

dwnv ≥ dU + d(pV ) − d(T S) (4.114)

dwnv ≥ d(U + pV − T S) (4.115)

dwnv ≥ dG ∴ wnv ≥ ∆G (4.116)

Ou seja, a diminuição na energia de Gibbs de um sistema corresponde ao máximo de trabalho não volumé-

trico máximo que este pode produzir, operando, é claro, em condições reversíveis. O trabalho não volumétrico

mais relevante que conhecemos para sistemas químicos é o trabalho elétrico produzido em pilhas comuns; logo,

esta relação será importante no m do curso, ao falarmos novamente de pilhas.

Resolução comentada do exercício 3.4, Atkins 8a ed.

77
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Quando 1,00 mol de glicose é oxidada à gás carbônico e água [ C6 H12 O6(s) + 6 O2(g) → 6 CO2(g) + 6 H2 O(`) ] as
◦ −
◦ −1 −
◦ −1 −1
medições calorimétricas, a 25 C, fornecem ∆r U = −2808 kJ mol e ∆r S = +182 J K mol . Calcule

∆r H −

e também o trabalho máximo que pode ser aproveitado desta reação.

O cálculo da entalpiapadrão de reação segue a relação H = U + pV , de modo que ∆H = ∆U + (∆n)RT .




Como o número de mol de gases não muda na reação 6 → 6, segue que ∆r H = ∆r U −

= −2808 kJ . Já o

trabalho máximo obtenível é igual à diminuição na energia de Helmholtz do sistema, logo wmax = ∆r A−

=
∆r U −

− ∆r (T S) = ∆r U −

− T ∆r S −

, uma vez que T é constante (298,15 K ). Portanto, wmax = (−2808 ×
3 −1 −1 −1
10 J mol ) − (298, 15 K)(+182 J K mol ) = −2862, 3 kJ mol−1.
O trabalho máximo obtenível é maior, em módulo, que a respectiva variação na energia interna justamente

porque a variação na entropia do sistema é positiva, o que implica em um uxo de calor positivo (vizin. → sist),
e este calor extra também pode ser aproveitado para a realização de trabalho.

4.9 Energias de Gibbs padrão de reação


Muito embora a energia de Helmholtz seja muito importante e relevante em discussões termodinâmicas, a energia

de Gibbs possui larga vantagem quando o assunto é discutido dentro dos âmbitos da Química, uma vez que

processos químicos, que acontecem via de regra sob pressão e temperatura constantes, têm suas espontaneidades

diretamente denidas pelo sinal algébrico da variação desta propriedade.

Tal como já visto para a entalpia


29 , a variação na energia de Gibbs de um processo é calculada como

∆G = Gf inal − Ginicial , que no caso de uma reação química pode ser expresso como (para o caso de N reagentes

e M produtos):

M
X N
X
∆r G = Gprod − Greag = νj Gj − νk Gk (4.117)
j=1 k=1

Se tudo isso for calculado por meio de dados coletados no estadopadrão das substâncias, vale:

M
X N
X
∆r G−

= νj G−

j − νk G−

k (4.118)
j=1 k=1

Por argumentos semelhantes, os valores de G−



para uma substância não podem ser conhecidos (U faz parte

de G, e U não pode ser conhecido a menos de uma constante somativa), mas um raciocínio idêntico ao efetuado

no caso da entalpia nos permite escrever:

G−

= ∆f G−

(qualquer substância) (4.119)

Portanto, para conhecermos o comportamento de uma reação química quanto à sua espontaneidade sob T, P
constantes, basta que conheçamos as energias de Gibbs padrão de formação delas na temperatura desejada.

Além disso, como G = H − T S, também vale ∆G = ∆H − ∆(T S), que se reduz a ∆G = ∆H − T ∆S no caso

de T constante. Logo,

∆r G−

= ∆r H −

− T ∆r S −

(4.120)

Compare esta equação com a Eq. (4.98); elas serão idênticas se:

−∆G
∆Stot = (4.121)
T
29 Mas sublinhese que conclusões similares valem para qualquer propriedade de estado.

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Ou seja, a variação na energia de Gibbs, juntamente com a temperatura, nos indica a variação da entropia

total do universo num processo sob p, T constantes. A espontaneidade de tal processo é garantida se a variação

de entropia for positiva da mesma forma que é garantida se a variação na energia de Gibbs for negativa. Um

processo sob p, T constantes, reacional ou não, é espontâneo se a energia de Gibbs do sistema diminuir ao longo
do processo.
−◦
Dispomos de meios para calcular ∆r G diretamente por meio das energias de Gibbs padrão de reação, como

por meio da entalpias e entropias de formação. Todos os procedimentos conduzirão aos mesmos resultados,

uma vez que são todas funções de estado. Além disso, raciocínios idênticos ao da Lei de Hess para a entalpia

podem ser aplicados para as funções de Helmholtz, Gibbs e para a própria entropia de reação, pois a Lei de Hess

fundamentase exclusivamente sobre o fato de H ser uma propriedade de estado, e não em uma caraterística

exclusiva de H. Logo, podemos efetuar cálculos análogos à Lei de Hess para G, A, S e também qualquer outra

função de estado que desejarmos estudar.

É tentador interpretar a equação (4.120) da seguinte forma: reações para as quais a entropia diminui, mas
que são espontâneas, o são porque a diminuição na entalpia é tão maior que a soma resulta um número negativo;
da mesma forma, algumas reações endotérmicas são espontâneas porque o aumento da entropia é tão grande
que torna o termo −T ∆S extensivamente negativo, resultado em um ∆G negativo. Não deixa de ser verdade,
mas essa é uma visão distorcida das coisas. Lembremos que tanto G quanto A são formas de visualizar a

variação na entropia total (sistema + vizinhanças) do ponto de vista exclusivamente do sistema. O real critério

de espontaneidade não se refere a energia/entalpia competindo com a entropia. O único e verdadeiro critério
de espontaneidade referese à variação na entropia total do universo.

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5 Equilíbrio em misturas não reacionais: equilíbrio físico


Até agora vimos diferentes denições para a espontaneidade de um processo, seja ele físico ou químico. Depen-

dendo do sistema em questão, temos diferentes maneiras de expressar a espontaneidade, sendo cada uma delas

uma visão diferente da variação da entropia total:

 Sistema isolado: ∆S > 0;

 Sistema fechado, T, V constantes: ∆A < 0;

 Sistema fechado, T, p constantes: ∆G < 0.

Diversos outros critérios menos óbvios poderiam ser deduzidos (para processos isovolumétricos, isentrópicos

e até isentálpicos), mas a utilidade deles é limitada demais para serem abordados em um curso introdutório.

Portanto, vamos nos ocupar dos casos mais relevantes, particularmente para a Química, que são os processos

sob T, p constantes (geridos pelo ∆G). Como G = U + pV − T S , a diferenciação fornece:

dG = dU + d(pV ) − d(T S) (5.1)

dG = dU + pdV + V dp − T dS − SdT (5.2)

dG = (dq + dw) + pdV + V dp − T dS − SdT (5.3)

dG = (T dS − pdV ) + pdV + V dp − T dS − SdT (5.4)

dG = V dp − SdT (5.5)

A Eq. (5.5) é conhecida como Equação Fundamental da Termodinâmica Química, pois expressa as

consequências da Primeira e Segunda Leis de maneira mais coerente com as variáveis sob nosso controle em

laboratório (pressão e temperatura). A outra equação também chamada fundamental (dU = T dS − pdV ) é tão

importante quanto, mas ela referese a U como uma função de S e V, sendo que essas três variáveis são, em

geral, de mais difícil controle e observação no laboratório.

Dependência de G com a temperatura


Efetuando a derivação da Eq. (5.5) em relação a temperatura, temse:

 
∂G
= −S (5.6)
∂T p

Usando a denição de G, podemos relacionar entropia e energia de Gibbs:

H −G
G = H − TS ∴ S= (5.7)
T

Combinando as duas equações acima:

 
∂G G−H
= (5.8)
∂T p T

Essa ampla dependência de Gibbs com a temperatura já era esperada depois que vimos a Eq. (4.121). Um

resultado subsequente pode ser obtido perguntandose qual a dependência de G/T (ao invés de apenas G) com
∂ G

a temperatura; ou matematicamente, qual o resultado da derivada
∂T T p ? Começamos isso observando que

80
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a derivada apropriada deve ser tomada usando a regra da cadeia:

   
∂ G 1 ∂G d 1
= +G (5.9)
∂T T p T ∂Tp dT T
   
1 ∂G 1
= +G − 2 (5.10)
T ∂T p T
"  #
1 ∂G G
= − (5.11)
T ∂T p T

Agora escrevemos a Eq. (5.8) da seguinte forma:

 
∂G G H
− =− (5.12)
∂T p T T

Combinando as duas últimas equações, teremos:

   
∂ G 1 H H
= − =− 2 (5.13)
∂T T p T T T

A Eq. (5.13) é conhecida como Equação de GibbsHelmholtz, e será bastante importante em desen-

volvimentos teóricos subsequentes. Conceitualmente ela expressa a ideia de que se a entalpia do sistema é
30
conhecida , então a relação entre a energia de Gibbs e a temperatura também é conhecida.

Dependência de G com a pressão


Como visto na Eq. (5.5), e segundo os argumentos conceituais que apresentamos até agora, a energia de Gibbs

depende da temperatura e da pressão, o que implica que variações nessas propriedades induzem variações na

energia de Gibbs. A dependência com a temperatura não será considerada agora, pois usualmente trabalhamos

na temperatura de 298 K, mas a dependência com a pressão nos conduzirá a relações importantes no tópico de

Equilíbrio.

Quando a Eq. (5.5) é estudada sob T constante, ela reduzse a

dG = V dp (5.14)

Z pf
∆G = V dp (5.15)
pi

O volume é uma propriedade extensiva do sistema, tal como a energia de Gibbs, mas os valores por mol são

propriedades intensivas:

Z pf
∆Gm = Vm dp (5.16)
pi

Se a dependência de Vm com a pressão for conhecida, a integral pode ser calculada. Para fases condensadas,

em geral a dependência é quase nula (o volume modicase muito pouco com a pressão), logo:

∆Gm = Vm (pf − pi ) = Vm ∆p (5.17)

Uma vez que ∆G = Gf − Gi , podemos escrever que:

Gm (pf ) = Gm (pi ) + Vm ∆p (5.18)

30 Uma vez que H = U + pV , é possível conhecer H ? Exatamente, não, pois U não pode ser conhecido com exatidão. Mas
podemos trabalhar com variações em U , que permitem conhecer variações em H , que permitem conhecer variações em G/T .

81
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Já para gases, Vm depende acentudamente da temperatura, mas se o comportamento de gás ideal for satis-
V RT
feito, teremos Vm = n = p :

Z pf  
dp pf
∆Gm = RT= RT ln (5.19)
pi p pi
 
pf
Gm (pf ) = Gm (pi ) + RT ln (5.20)
pi

Essa equação é válida para quaisquer par de pressões consideradas, desde que o comportamento de gás ideal

seja adequadamente respeitado em todo o intervalo que as separam.

Essas equações são particularmente úteis para avaliar como a energia de Gibbs se uma substância se afasta

do valor padrão quando a pressão se afasta da pressão padrão (1 bar):

Gm (p) = G−
◦ −

m + Vm (p − p ) (fases condensadas) (5.21)

 
p
Gm (p) = G−

m + RT ln (gases ideais) (5.22)
p−◦

5.1 Misturas simples


Na Química, usualmente não lidamos com substâncias puras por muito tempo, mas sim com misturas, sendo

que estas podem ou não reagir. Antes de estudar as misturas reacionais, iremos nos ocupar de misturas onde há

apenas interação entre as partículas, mas não reação, e nos ocupar das consequências do processo de mistura.

Para uma substância pura, a sua energia de Gibbs varia conforme o estado termodinâmico em que ela

se encontra, ou seja, G depende de outras variáveis de estado como T, P, V, S , etc... No entanto, isso não

é estritamente válido para uma mistura envolvendo mais de uma substância pois a composição da mistura

inuencia a energia de Gibbs de cada substância presente.

Imaginemos uma mistura binária, ou seja, onde existam dois componentes, A e B. A energia de Gibbs
parcial molar de uma substância, chamada potencial químico da substância, é matematicamente denida da
seguinte forma:

 
∂G
µj = (5.23)
∂nj T,P,n0

Em outras palavras, o potencial químico de uma substância é igual à tendência de variação da energia de

Gibbs da substância com a sua quantidade de matéria, sob condições de T, P constantes, bem como números

de mol constantes das demais substâncias presentes na mistura, sejam elas quantas forem.

Na mistura binária considerada, a energia de Gibbs total presente é a soma das energias de Gibbs parciais

molares de cada substância multiplicadas pelos seus respectivos números de mol; como caso geral, a energia de

Gibbs de uma mistura com N componentes será a soma das parcelas relativas a cada componente:

N
X
dG = µA dnA + µB dnB ∴ dG = µj dnj (5.24)
j=1

De acordo com esta última equação, a equação fundamental (Eq. (5.5)) deve ser modicada para contemplar

a análise de misturas:

N
X
dG = V dp − SdT + µj dnj (mistura com N componentes) (5.25)
j=1

dG = V dp − SdT + µA dnA + µB dnB (mistura com 2 componentes) (5.26)

Vamos imaginar agora um sistema separado em duas regiões, A e B. O potencial químico da iésima

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substância na região A é µi,A , e na região B é µi,B . Queremos observar o que ocorre quando certa quantidade,

em mols, da substância i, dni , é transferida de A para B. Nesse caso, as variações nas energias de Gibbs das

duas regiões do sistema serão:

dGA = µi,A (−dni ) dGB = µi,B (+dni ) (5.27)

O valor total para a energia de Gibbs desse sistema é:

dG = dGA + dGB = µi,A (−dni ) + µi,B (+dni ) = (µi,B − µi,A )dni (5.28)

Se µi,B < µi,A , então dG < 0, e o processo é espontâneo; por outro lado, se µi,A < µi,B , então dG > 0 e o

processo não é espontâneo no sentido dado, mas sim no sentido contrário. Vemos então que uma transferência

de matéria espontânea, de uma região a outra de um sistema, ocorre segundo as diferenças de potencial químico

da substância nas duas regiões. O uxo de matéria corre da região de maior potencial químico para a região

de menor potencial químico. Quando os potenciais químicos se igualam, o uxo de matéria cessa, pois não

há direção preferencial para tal uxo. Podese fazer uma analogia direta com a física: a matéria ui de uma

região com maior potencial gravitacional para uma de menor, e a corrente elétrica ui do ponto com maior

potencial elétrico para o de menor potencial elétrico. Isso dá uma ideia da escolha do nome potencial químico:

ele nos informa a tendência natural de transformação de um sistema.Sistemas em equilíbrio são aqueles onde
o potencial químico de uma substância é o mesmo em todas as partes do sistema. Se existirem múltiplas fases,
elas estarão em equilíbrio quando o potencial químico da substância em ambas as fases for o mesmo, o que

indica que não há transferência preferencial de matéria de uma para outra.

Signicado amplo do potencial químico


Dado que G = U + pV − T S , o rearranjo fornece U = −pV + T S + G, cuja diferenciação produz:

dU = −pdV − V dp + T dS + SdT + dG (5.29)

dU = −pdV − V dp + T dS + SdT + (V dp − SdT + µA dnA + µB dnB + ...) (5.30)

dU = −pdV + T dS + µA dnA + µB dnB + ... (5.31)

Se a transformação ocorrer sob S, V constantes, então:

dU = µA dnA + µB dnB + ... (5.32)

Comparando com a denição de potencial químico em termos das energias de Gibbs molares, vemos que:

 
∂U
µj = (5.33)
∂nj S,V,n0

Em outras palavras, o potencial químico referese tanto à tendência de variação na energia de Gibbs com

a composição da mistura, sob T, p constantes, como com a tendência de variação na energia interna com a

composição da mistura, mas agora sob S, V constantes. De fato, podemos traçar conclusões idênticas para o

potencial químico em termos da entalpia e da energia de Helmholtz, obtendo as seguintes relações:

       
∂U ∂H ∂A ∂G
µj = = = = (5.34)
∂nj S,V,n0 ∂nj S,p,n0 ∂nj T,V,n0 ∂nj T,p,n0

Cada uma dessas derivadas expressa o potencial químico em termos das suas variáveis naturais, uma vez

que U = U (S, V ), H = H(S, p), A = A(T, V ) e G = G(T, p).

83
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5.2 Misturas gasosas


Sabemos de antemão, do estudo da fase gasosa, que todos os gases tendem a se misturar espontaneamente

e em qualquer proporção. O ar atmosférico é um exemplo, sendo uma mistura predominantemente formada

por nitrogênio (N2(g) , 78 %) e oxigênio (O2(g) , 21 %), mas com presença de diversos outros gases, como gás

carbônico, argônio e vapor d'água. A questão é: do ponto de vista da termodinâmica, porque os gases sempre

tendem a se misturar?

Bem, consideremos dois gases, A e B, inicialmente separados, mas ambos sob a temperatura T e pressão p,
como na gura a seguir.

Figura 13: Ilustração sobre o processo de mistura de dois gases inicialmente separados.
Reproduzido de Atkins & De Paula , FísicoQuímica, vol.1, 10a ed (F5A.6).

Independentemente dos volumes que envolvem os dois gases, se removermos a barreira que os separa, a

pressão p continuará constante (neste especíco caso), pois ambos os gases experimentarão quedas de pressão

(o volume disponível para cada um deles se tornou maior) mas agora ambos contribuem para a pressão total

do sistema (antes cada qual era um sistema distinto).

A espontaneidade de processos sob T, P constantes é observada quando a variação na energia de Gibbs do

processo é negativa. Uma vez que a energia de Gibbs molar é igual ao potencial químico, a Eq. (5.22) fornece:

 

◦ p
µ = µ + RT ln (5.35)
p−◦

p
A razão ◦ pode ser representada apenas como
p− p (o valor numérico da pressão em bar, mas adimensional),

pois a proporção entre uma pressão arbitrária e a pressão padrão será sempre a mesma, independentemente da

unidade adotada (as constantes de proporcionalidade sempre se cancelarão). Nesse, caso, podemos escrever:

µ = µ−

+ RT ln p (5.36)

A energia de Gibbs total dois dois gases, antes da mistura, é Gi :

Gi = nA µA + nB µB = nA µ−
◦ −

 
A + RT ln p + nB µB + RT ln p (5.37)

Depois da mistura, as novas pressões dos gases, pA e pB relacionamse com a pressão total do sistema

(p = pA + pB ). Sendo assim, a energia de Gibbs da mistura gasosa é:

Gf = nA µA + nB µB = nA µ−
◦ −

 
A + RT ln pA + nB µB + RT ln pB (5.38)

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Combinando as expressões para Gi e Gf , podemos obter a variação na energia de Gibbs do processo de

mistura, ∆mis G:

∆mis G = nA µ−
◦ −

− nA µ−
◦ −

     
A + RT ln pA + nB µB + RT ln pB A + RT ln p + nB µB + RT ln p (5.39)

∆mis G = nA (RT ln pA − RT ln p) + nB (RT ln pB + RT ln p) (5.40)

   
pA pB
∆mis G = nA RT ln + nB RT ln (5.41)
p p

A Lei de Dalton diz que a pressão parcial de um gás em uma mistura relacionase com a pressão total do

sistema por meio da sua fração molar:

pj
pj = xj pT ∴ xj = (5.42)
pT

Ou seja, o argumento do logaritmo natural na equação para o ∆mis G é a fração molar de cada componente:

∆mis G = nA RT ln xA + nB RT ln xB (5.43)

∆mis G = xA nRT ln xA + xB nRT ln xB (5.44)

∆mis G = nRT (xA ln xA + xB ln xB ) (5.45)

Como toda fração molar deve ser menor que a unidade, todos os termos envolvendo os logaritmos serão

negativos, o que implica que ∆mis G será sempre negativo. Isso conrma que todos os gases misturamse em

quaisquer proporções. Além disso, para o sistema considerado (dois gases), ∆mis G será mais negativo quando
1
ambas as frações molares forem , isto é, quando a mistura for
2 equimolar. Para uma eventual mistura ternária,
1
o valor mínimo para ∆mis G seria com todas as frações molares iguais a , e assim por diante.
3
Além de ∆mis G, podemos conhecer ∆mis S e ∆mis H de maneiras parecidas. Por exemplo, considerando a

Eq. (5.25), sob pressão e composição constante, têse:

   
∂G ∂∆mis G
dG = −SdT ∴ = −S ∴ = −∆mis S (5.46)
∂T p,n ∂T p,n


−∆mis S = (nRT (xA ln xA + xB ln xB ))P,n (5.47)
∂T

∆mis S = −nR (xA ln xA + xB ln xB ) (5.48)

Tal como antes, os argumentos dos logaritmos serão menores que a unidade, logo o resultado seria negativo,

exceto pelo sinal negativo que acompanha a derivada, tornando tudo positivo. Isso signica que o processo

de mistura é sempre acompanhado de um aumento na entropia do sistema, tal como esperaríamos com base

na informação estrutural disponível sobre o sistema estar diminuindo (o número de subestados aumenta com a

mistura).

Por m, como vale ∆G = ∆H − T ∆S , temos que:

∆mis H = ∆mis G + T ∆mis S (5.49)

∆mis H = (nRT (xA ln xA + xB ln xB )) + T (−nR (xA ln xA + xB ln xB )) (5.50)

∆mis H = 0 (5.51)

A entalpia de mistura para gases ideais é zero, sejam quantos forem os gases se misturando.

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Exercício 5.9(a), Atkins 9a edição.


A composição do ar seco ponderal em massa é aproximadamente 75,5 % de N2 , 23,3 % de O2 e 1,3 % de Ar.
Calcule a entropia de mistura quando ar seco é formado a partir dos gases puros, à 298 K.

Vamos imaginar que tenhamos 100 g de ar seco. Teremos, portanto, 75,5 g de N2 , 23,3 g de O2 e 1,3 g de

Ar nessa mistura, cujas quantidades de matéria, em mol, são:

m 75, 5 g
nN2 = = = 2, 695 mol (5.52)
MM 28, 02 g mol−1
m 23, 3 g
nO2 = = = 0, 728 mol (5.53)
MM 32, 00 g mol−1
m 1, 3 g
nAr = = = 0, 033 mol (5.54)
MM 39, 95 g mol−1

ntotal = 2, 695 + 0, 728 + 0, 033 = 3, 456 mol (5.55)

As frações molares serão:

nN2 2, 695
xN2 = = = 0, 780 (5.56)
ntotal 3, 456 mol
nO2 0, 728
xO2 = = = 0, 210 (5.57)
ntotal 3, 456 mol
nAr 0, 033
xAr = = = 0, 010 (5.58)
ntotal 3, 456 mol

Usando a Eq. 5.17 do livro:

" k
#
X
∆mis S = −nR xi ln xi (5.59)
i=1
 
J
∆mis S = − 3, 456 mol)(8, 3144 [0, 78 ln(0, 78) + 0, 21 ln(0, 21) + 0, 010 ln(0, 010)] (5.60)
K mol

∆mis S = +16, 30 J K −1 (5.61)

Se for considerada a entropia de mistura por mol, teremos:

16, 30 J K −1
∆mis Sm = = +4, 72 J K −1 mol−1 (5.62)
3, 456 mol

5.3 Soluções líquidas


Pressão de vapor
Se um líquido for colocado dentro de um recipiente previamente evacuado, de modo que seu volume seja menor

que o do recipiente, uma fração deste líquido irá passar para a fase gasosa (isto é, irá se vaporizar), de modo

que o gás preencha o restante do volume. O líquido irá se vaporizar até que a pressão atinja certo valor

constante, conhecido como pressão de vapor do líquido em questão, valor este que é intrínseco de cada

substância, dependente da temperatura mas independe da quantidade de substância que permanece na fase

líquida, desde que continue existindo algum líquido. A pressão de vapor de um líquido aumenta rapidamente

com a temperatura, uma vez que, com o fornecimento de energia na forma de calor, aumenta a fração de

moléculas que conseguem vencer as forças atrativas da fase condensada, separandose desta e se transformando

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no vapor.

Quando eventualmente a pressão de vapor igualar a pressão externa, todas as moléculas do sistema terão

a mesma tendência de permanecer na fase líquida ou na fase vapor; este é o ponto de ebulição da substância.

Sendo assim, a temperatura na qual a pressão de vapor igualase a 1 atm (0,101325 M P a) é o ponto de ebulição
normal do líquido, e a temperatura na qual a pressão de vapor iguala 1 bar (0,100000 M P a) é o ponto de
ebulição padrão. Como os dois valores de pressão diferem por muito pouco, os pontos de ebulição padrão e
◦ ◦
normal também diferem pouco: para a água, o primeiro vale 100,00 C enquanto o segundo vale 99,6 C.
Quando reduzimos a pressão externa sobre o sistema, a passagem da fase líquida para a fase vapor é facilitada,

o que signica que um menor valor da pressão de vapor já iguala o valor da pressão externa, permitindo a

ebulição. Por isso a água ferve numa temperatura menor no interior do país do que no litoral (o litoral, em

geral, situase em uma altitute menor). Para efeitos de comparação, a água ferve a apenas 71 C no alto do

Monte Everest (8.848 m acima do nível do mar). O mesmo raciocínio implica que, sob pressões mais elevadas,

o líquido ferve em temperaturas superiores a sua temperatura de ebulição normal, que é o caso de uma panela

de pressão. O alimento ali cozinha mais rápido porque a pressão elevada mantém a água líquida em uma
◦ ◦
temperatura bem acima de 100 C (uma panela de pressão comum opera tipicamente em torno de 120 C ).
O fato de que o ponto de ebulição de uma substância ser aquele onde a pressão de vapor iguala a pressão

externa nos indica que ferver um líquido é tarefa que pode ser conseguida tanto aumentando sua temperatura

como reduzindo a pressão externa sobre ele. Novamente enfatizase que a pressão de vapor independe da pressão

externa, mas quanto menor for a pressão externa, mais fácil igualála. De fato, este é o conceito por traz da

destilação à vácuo, onde realizase a destilação sob pressão reduzida, para que a temperatura de ebulição sob

esta pressão seja baixa, evitando a degradação de moléculas instáveis.

Substâncias para as quais a pressão de vapor, sob temperatura ambiente, é relativamente grande, são cha-

madas voláteis; substâncias para as quais isso não acontece são chamadas não voláteis. Não só líquidos precisam

respeitar isso, mas sólidos também. A naftalina é um sólido volátil pois ela sublima (passa diretamente da fase

sólida para a fase vapor) em temperatura ambiente. Já o N aCl é um sólido não volátil, pois a pressão de vapor

sobre o sólido é desprezível para quaisquer ns práticos.

5.4 Leis de Raoult e de Henry


Independentemente de a substância estar ou não em ebulição, sempre que houver vapor sobre um líquido, o

vapor e o líquido abaixo dele estarão em equilíbrio de fases. Conforme o que vimos anteriormente, sempre

que há equilíbrio, os potenciais químicos se igualam, e no caso do equilíbrio de fases, teremos µliq = µvap . Se
∗ ∗
o líquido e o seu vapor estiverem puros, teremos µliq = µvap , onde o asterisco sobrescrito indica propriedade
relativa a um componente puro do sistema. Sendo assim, para uma substância líquida A, pura e seu vapor,

valem µA,liq = µA,vap , que será grafado apenas µA :

µ∗A = µ−
◦ ∗
A + RT ln pA (5.63)

pA
sendo pA = ◦ um adimensional, como visto anteriormente. Por outro lado, se houver um soluto dissolvido no
p−
líquido, o potencial químico do solvente será diferente, mas o seu vapor continuará em equilíbrio com ele (em

outro valor de pressão de vapor).

µA = µ−

A + RT ln pA (5.64)

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Subtraindo as duas últimas equações:

µA − µ∗A = µ−
◦ −
◦ ∗
 
A + RT ln pA − µA + RT ln pA (5.65)

µA − µ∗A = RT ln pA − RT ln p∗A (5.66)

pA
µA − µ∗A = RT ln (5.67)
p∗A
pA
µA = µ∗A + RT ln (5.68)
p∗A

Introduzse agora a observação experimental conhecida como Lei de Raoult: a pressão de vapor rela-
tiva a cada um dos componentes voláteis de um sistema se relaciona com a respectiva pressão de vapor deste
componente puro através de sua fração molar. Matematicamente, temos:

pA = xA p∗A (5.69)

Da mesma forma que denimos um gás ideal como aquele para o qual a expressão pV = nRT é válida em
todos os intervalos de temperatura e pressão, denimos a solução ideal como aquela para a qual a Lei de Raoult
é válida para todos os valores de fração molar. Quanto mais quimicamente semelhantes são duas substâncias,

maior é a chance de elas produzirem juntas uma solução ideal (benzeno e tolueno, por exemplo). A substituição

da Lei de Raoult na equação imediatamente anterior resulta:

µA = µ∗A + RT ln xA (5.70)

Quando o líquido é puro, xA = 1, ln xA = 0 e µA = µ∗A . Por outro lado, em qualquer situação em que A não

seja puro (isto é, ele é o solvente de uma solução), xA < 1, o que implica em ln xA < 0 e µA < µ∗A . Portanto,
o potencial químico de uma substância em solução é sempre menor que o potencial químico dela pura, nas

mesmas condições experimentais. Imaginando uma solução em que o solvente é volátil e o soluto é não volátil,

podemos traçar um gráco da pressão de vapor contra a fração molar, e ele terá o seguinte aspecto dado na

Figura 14, esquerda. Quando a fração molar do solvente é xA = 1, só há solvente, e p = p∗ . Já quando xA = 0,


xB = 1, e só há soluto (não há solvente), o que faz p = 0. Uma solução real que comportase idealmente, em

laboratório, é a já mencionada mistura benzenotolueno. Essa solução, no entanto, tem uma pecualiaridade:

ambos os componentes são voláteis. Isso signica que uma mistura destes dois solventes terá, sobre ela, uma

fase gasosa composta por vapores das duas substâncias. Como a Lei de Raoult não faz menção nenhuma sobre

a identidade da substância, assumindo apenas que ela deva ser volátil, a Lei deve ser válida para ambas as

substâncias simultaneamente, como visto na Figura 14, direita.

O vínculo que existe entre as duas frações molares (xBz + xT l = 1) permite que ambas as pressões de vapor

sejam escritas em função da fração molar do benzeno, uma vez que a fração molar do tolueno será simplesmente

1 − xBz . Portanto, quando xBz = 0, 8, xT l = 0, 2, e por isso também que no gráco o ponto onde xBz = 0 é

chamado de Tolueno, pois ali este solvente está puro (não há benzeno algum). Da mesma forma, como todos os

gases misturamse perfeitamente uns com os outros, podemos usar a Lei de Dalton para grafar a pressão total

(linha superior) dada pela soma das pressões de vapor dos dois constituíntes.

Foi bastante enfatizando que a Lei de Raoult é usada na denição da solução ideal ; isso já nos dá uma boa

ideia de que diversas soluções não se comportam idealmente. Por vezes, a pressão de vapor de um componente

volátil desviase do previsto pela Lei de Raoult, sejam desvios positivos ou negativos, como os apresentados a

seguir:

A magnitude do desvio da Lei de Raoult observado para certa curva mede o quanto uma solução afastase

da idealidade. No entanto, mesmo para soluções que se afastam da idealidade em frações molares consideráveis,

podese traçar uma proporcionalidade entre a fração molar do componente diluído (isto é, o soluto ) e o valor

observado para a sua pressão de vapor. Quem descobriu isso foi W. Henry, e tal relação hoje é conhecida como

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Figura 14: esquerda : Lei de Raoult para uma solução com solvente volátil e soluto nãovolátil, comportamento
ideal. direita: Relação entre a pressão de vapor sistema benzenotolueno em função da fração molar de benzeno
(ambos são voláteis). Reproduzido de castellan , Fundamentos de FísicoQuímica, pp. 329.

Lei de Henry:

p B = K B xB (5.71)

As soluções que seguem a Lei acima, uma vez que são sempre diluídas, são conhecidas como soluções diluídas

ideais. Como a relação não faz menção ao número de constituíntes, vemos que se uma solução possui um solvente
A e diversos solutos B , C , D ..., todos eles bastante diluídos em relação ao solvente, a Lei de Henry deve ser
observada válida para todos eles. Ainda assim a Lei é uma leilimite, pois é válida apenas quando os solutos

são sucientemente diluídos.

A constante de Henry, KB , é especíca de cada substância em dada temperatura e tem dimensão de pressão

(para satisfazer a equação), além de depender do solvente considerado. Podese ver, na Figura Figura 15, as

linhas que representam a Lei de Henry no sistema acetonaclorofórmio; a constante da Lei de Henry para estas

substâncias é um valor de pressão menor do que o valor de pressão de cada espécie pura, uma característica

dos sistemas com desvios negativos da Lei de Raoult. Sistemas como o acetonaCS2 , que exibem desvios

positivos, apresentam constantes da Lei de Henry muito maiores que os respectivos valores de pressão de vapor

dos componentes puros. O leitor mais atento perceberá que a Lei de Raoult pode ser vista como um caso

especial da Lei de Henry, para o qual KH = p∗B . Em outras palavras, para uma solução verdadeiramente ideal,

ambas as Leis devem ser válidas, o que, por semelhança de equações, implica em KB = p∗B para a espécie mais

diluída (uma vez que a Lei de Henry sempre referese exclusivamente ao soluto).

Esta semelhança entre as equações, que no entanto referemse a situações diferentes (a Lei de Raoult

concerne o solvente, e a Lei de Henry concerne o soluto), pode ser explicada em termos do ambiente químico

a que a solução ideal e a solução diluída ideal se referem. Na Lei de Raoult, a proporcionalidade referese à

uma propriedade do solvente pois as moléculas do solvente estão em um ambiente químico onde todas as outras

moléculas ao seu redor são praticamente iguais a si; ou seja, as interações intermoleculares das partículas em

solução são virtualmente as mesmas observadas no solvente puro. Já no caso da solução diluída ideal, todas as

moléculas do soluto interagem de modo praticamente exclusivo com moléculas que são diferentes de si, ou seja,

com interações intermoleculares muito diferentes daquelas observadas no soluto puro; por isso a constante de

proporcionalidade não é uma propriedade do soluto puro, mas apenas uma constante empírica que satisfaz a

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Figura 15: Relação entre a pressão de vapor do sistemas acetonaclorofórmio e acetonadissulfeto de carbono
em função das frações molares. Reproduzido de castellan , Fundamentos de FísicoQuímica, pp. 330331.

equação. Na situação em que uma solução é diluída, de modo que o solvente siga a Lei de Raoult e o soluto

a Lei de Henry, se as interações que o soluto experimenta com o solvente são basicamente as mesmas que ele

experimentaria quando puro, teremos solvente e soluto bastante semelhantes entre si, o que implica que o soluto

terá uma constante da Lei de Henry muito próxima de seu valor de p∗B , o que consequentemente implica que

o soluto também possa ser descrito pela Lei de Raoult; têmse aí novamente uma solução ideal. Ou seja, a

solução ideal é um caso especial da solução diluída ideal, e a lei de Raoult é um caso especial da Lei de Henry.

Todos estes paralelos entre as Leis de Raoult e Henry podem ser resumidos da seguinte maneira:

Lei de Raoult Lei de Henry

pA = xA pA Equação p B = K B xB

Dene a solução ideal Conceito Dene a solução diluída ideal

pA pB
p∗A = lim Leis limites KB = lim
xA →1 xA xB →0 xB

Todos ao redor de você Ambiente Todos ao redor de você


são iguais a você são diferentes de você

A importância prática da Lei de Raoult será discutida na sequência, ao se falar das propriedades coligativas.

Por enquanto vamos nos concentrar na importância prática da Lei de Henry. Por simplicidade, vamos considerar

uma solução composta apenas de um solvente A e um soluto B, o que implica nT = nA + nB . A Lei de Henry

aplicase a soluções diluídas, para as quais vale nA  nB ; portanto:

nB nB nB
xB = = ≈ (5.72)
nT nA + nB nA
mA
Sabendo que nA = M MA , a substituição produz:

nB nB
xB ≈ mA = × M MA (5.73)
M MA mA

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molalidade de um soluto B (bB ) é uma unidade de concentração dada em mols de soluto por quilograma
A

de solvente (mol/kg ), que é exatamente o resultado da razão m


nB
A
. Portanto, se a solução for verdadeiramente

diluída, o erro introduzido pela aproximação nT ≈ nA é pequeno, e a fração molar do soluto pode ser convertida

em molalidade:

x B ≈ bB × M M A (5.74)

Sabendo disso, podemos reescrever a expressão para a Lei de Henry da seguinte forma:

pB = KB bB (5.75)

sendo que agora, a m de satisfazer a análise dimensional, a unidade da constante da Lei de Henry deve ser

pressão × molalidade−1 , como kP a kg mol−1 , por exemplo. A mudança de unidades é conveniente porque

quando a solução é bastante diluída, uma pequena variação na quantidade do soluto é mais facilmente recalculada

em termos da molalidade (considerando que apenas a quantidade de soluto mudou) do que em termos da fração

molar (onde as frações de ambos os constituíntes mudam). A Lei de Henry em termos de molalidades tem

especial uso no cálculo da solubilidade de gases em líquidos.



Por exemplo, a constante da Lei de Henry para o oxigênio (O2 ) dissolvido em água, à 25 C, vale 7, 92 ×
4 −1
10 kP a kg mol . Se a pressão parcial do oxigênio sobre a superfície de um copo d'água é aproximadamente

21 kP a, qual a concentração molal do oxigênio dissolvido? Usando a Eq. (5.75) :

pB
bB = (5.76)
KB
21 kP a
bB = = 2, 65 × 10−4 mol kg −1 (5.77)
7, 92 × 104 kP a kg mol−1

Por questão de simplidade, vamos assumir que a constante de Henry para o oxigênio dissolvido em água

ou em sangue é a mesma. Agora imagine um merguhador trabalhando na profundidade de 31 m. O corpo do

mergulhador está sujeito a uma pressão combinada entre a pressão da atmosfera (1 atm) mais a pressão que a

água acima dele exerce também. Sabemos que 1 atm = 760 mmHg , e sabemos também que ρHg = 13, 6 g/cm3
e ρH2 O = 1, 00 g/cm3 , o que implica que, para que uma coluna de água exerça pressão equivalente a 1 atm,
ela deve ser 13,6 vezes maior que uma coluna de mercúrio de 760 mm (ou 76 cm) de altura: (13, 6 × 76 cm =
1033, 6 cm = 10, 33 m. Logo, a pressão de 1 atm pode ser expressa como 760 mmHg ou 10,33 m de coluna

d'água. Sob 31 m, a pressão adicional causada pela água é aproximadamente 3 atm, que juntamente com o 1

atm da própria atmosfera sobre a água, resultam num total de 4 atmosferas.

O ar que vai dentro do cilindro do mergulhador deve estar na mesma pressão que aquela sentida pelo

mergulhador, pois se for menor, o corpo do mergulhador irá implodir em virtude do excesso de pressão externa.

Mas se simplesmente tomarmos o ar atmosférico em 4 atm dentro do cilindro, e sabendo que a fração molar do

oxigênio no ar atmosférico é cerca de 0,21, então a pressão do oxigênio no cilindro será dada pela Lei de Dalton:

 
101325 P a
pO2 = xO2 pT = (0, 21) × (4 atm) = 0, 84 atm × = 85, 113 kP a (5.78)
atm

Dessa forma, temse que:

85, 113 kP a
bB = = 10, 75 × 10−4 mol kg −1 (5.79)
7, 92 × 104 kP a kg mol−1

Claro, como pressão agora é 4 vezes maior, a molalidade do oxigênio dissolvido no sangue também será 4

vezes maior. O excesso de oxigênio diminui a ânsia por respirar, o que se converte em uma maior demora para

a retirada do CO2 do sangue, levantenderádo a um envenenamento por CO2 . A composição do ar no cilindro

deve ser tal que, sob pressão total mais elevada, a pressão parcial do O2 ainda seja próxima de 21 kP a; para

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um cilindro com pT = 4 atm, a ração molar do O2 deve ser próxima de:

pO2 21 Kpa
xO2 = = = 0, 052 ≈ 5, 2 % (5.80)
pT 405, 3kP a

E os outros 94,8 %, podem ser preenchidos com N2 ? Curiosamente, não. Embora o N2 não participe da

respiração, ele pode se dissolver nos tecidos gordurosos do corpo. Quando a concentração dele aumenta bastante

(segundo os mesmos argumentos), ocorre a chamada narcose de nitrogênio, cujos sintomas lembram bastante

a embriaguez: vertigem, náusea, tontura, redução da coordenação motora. O gás helio, por outro lado, não

causa narcose, sendo portanto o companheiro ideal para os cilindros de gás para mergulho. Como zemos

cálculos especícos para uma pressão, assim os mergulhadores precisam saber de antemão quais as condições

do mergulho que serão realizadas para escolher a composição do gás de respiração. Caso contrário, podem vir

a adoecer durante o mergulho e as sequelas podem durar muito tempo após o término do mesmo.

5.5 Propriedades Coligativas


Propriedades coligativas são propriedades de um solvente que são afetadas pela quantidade de soluto nele

dissolvido, mas independentes da natureza do soluto. Em outras palavras, dois solutos diferentes, mas que

dispersam a mesma quantidade de partículas no solvente, produzirão os mesmos efeitos em suas propriedades

coligativas. Estas são quatro:

1. Abaixamento da pressão de vapor (tonoscopia);

2. Elevação no ponto de ebulição (ebulioscopia);

3. Abaixamento do ponto de congelamento (crioscopia);

4. Pressão osmótica da solução (osmometria).

Apenas duas suposições serão feitas: o soluto presente na solução não é volátil, e que o eventual congelamento

do solvente envolva apenas partículas do solvente. Sob condições ordinárias, essas duas suposições são bastante

sensatas, como veremos a seguir.

Abaixamento da pressão de vapor


O abaixamento da pressão de vapor já foi visto anteriormente; de fato, ele é a observação que originou a Lei de

Raoult. Um solvente puro tende a se vaporizar para aumentar a entropia do sistema, sendo que a maximização

da entropia é espontânea. No entanto, sempre que um soluto estiver presente no solvente, formando uma

solução, haverá um incremento na entropia relacionado à entropia de mistura, ∆mis S , o que fará com que o

solvente tenha sua tendência de vaporização reduzida. Menos solvente precisa se vaporizar para haver o mesmo

incremento na entropia. A magnitude do abaixamento da pressão de vapor depende da fração molar do solvente:

pA = xA p∗A (abaixamento da pressão de vapor) (5.81)

Elevação do ponto de ebulição


A redução na pressão de vapor de um líquido, após a adição de soluto, faz com que a sua temperatura tenha

que aumentar mais até que a pressão de vapor atinja o valor da pressão atmosférica, necessária à ebulição. Ou

seja, o solvente em uma solução irá ebulir sempre sob uma temperatura maior que a respectiva temperatura de

ebulição do solvente puro.

Mas não basta saber que Teb será maior; precisamos saber o quão maior ele será. Para isso, consideremos

que o solvente e seu vapor estão sempre em equilíbrio:

µ∗A,g = µ∗A,` + RT ln xA (5.82)

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Esta pode ser rearranjada para:

µ∗A,g − µ∗A,` ∆vap G


ln xA = = (5.83)
RT RT

Esta pode ser diferenciada em relação à temperatura:

   
d d ∆vap G 1 d ∆vap G
(ln xA ) = = (5.84)
dT dT RT R dT T

Já vimos, anteriormente, a chamada Equação de GibbsHelmholtz:

 
∂ G H
=− (5.85)
∂T T p T2

Usando a Equação de GibbsHelmholtz dentro da equação anterior à ela:

 
d 1 ∆vap H ∆vap H
(ln xA ) = − =− (5.86)
dT R T2 RT 2

Multiplicando ambos os lados por dT e integramos de xA = 1 (que corresponde a ln xA = 0, onde o ponto de


ebulição é o respectivo ponto de ebulição do solvente puro, T ∗) até um valor arbitrário de xA (onde a ebulição

ocorre em T ):
Z ln xA Z T
∆vap H
d ln xA = − dT (5.87)
0 T∗ RT 2

A variação na temperatura de ebulição observada experimentalmente é de alguns poucos graus Celsius,

fazendo com que a aproximação de que ∆vap H nesse intervalo seja aproximadamente constante. Logo:

ln xA
∆vap H T 1
Z Z
d ln xA = − 2
dT (5.88)
0 R T∗ T
   
∆vap H 1 1
ln xA = − − − − ∗ (5.89)
R T T
 
∆vap H 1 1
ln xA = − ∗ (5.90)
R T T

xA = 1 − xB , sendo A relativo ao solvente e B ao soluto, então ln xA = ln(1 − xB ). Além disso, o logaritmo

em questão pode ser expandido em série (desde que −1 < x < +1):

1 1
ln(1 − x) = −x − x2 − x3 ... (5.91)
2 3

Se a solução for diluída, xB  1 , de modo que os termos x2B , x3B e potências superiores são cada vez mais

próximos de zero. Portanto:

 
∆vap H 1 1
ln(1 − xB ) = − ∗ (5.92)
R T T
 
∆vap H 1 1
−xB = − ∗ (5.93)
R T T
 
∆vap H 1 1
xB = − (5.94)
R T∗ T

Como dito anteriormente, a variação na temperatura de ebulição é pequena, logo T e T∗ não são tão

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diferentes. Isso permite escrever:

1 1 T − T∗ ∆T

− = ≈ ∗2 (5.95)
T T TT∗ T

Substituindo este resultado:

 
∆vap H ∆T
xB = (5.96)
R T ∗2
RT ∗2 RT ∗2
∆T = xB = xB × K K= (5.97)
∆vap H ∆vap H

Se a solução for diluída, a fração molar do soluto será pequena, então a fração molar e a molalidade (b) serão

diretamente proporcionais:

nB nB M MA nB
xB = ≈ = nB = M MA = bB M MA (5.98)
nA + nB nA mA mA

Considerando a proporcionalidade entre fração molar e molalidade, (a constante de proporcionalidade é a

massa molar do solvente), podemos construir outra equação para a elevação ebulioscópica:

(M MA )RT ∗2
∆T = Keb × bB Keb = (5.99)
∆vap H

Para a qual Keb é chamada constante ebulioscópica do solvente. Conhecendo Keb do solvente e a

molalidade do soluto naquela solução, é possível calcular a variação na temperatura de ebulição do solvente.

Observe que a molalidade do soluto interessa, mas não interessa qual é o soluto.
Calculando Keb para a água:

(M MA )RT ∗2 (18, 0152 g/mol)(8, 3144 J/K mol)(373, 15 K)2


Keb = = (5.100)
∆vap H 40.656, 0 J/mol
= 512, 97 K.g/mol = 0, 51297 K kg/mol ≈ 0, 51 K kg/mol (5.101)

Abaixamento da temperatura de congelamento


Um raciocínio análogo ao da subseção anterior pode ser traçado para o congelamento de uma solução resfriada.

Como o congelamento (passagem da fase líquida para a fase sólida) envolve uma diminuição da entropia,

quando o solvente não é puro, mas está em uma solução, a maior entropia da solução opõese ao congelamento,

dicultandoo. Como a redução da temperatura ocasiona uma redução na entropia do sistema, é preciso resfriar

mais o solvente em uma solução, a m de congelálo, do que seria necessário quando puro, pois há uma entropia

extra (entropia de mistura) a ser retirada.

Um raciocínio matemático idêntico ao do caso anterior poderia ser empenhado, apenas substituíndo todos os

pontos relativos ao vapor pela respectiva grandeza relativa ao sólido. Como as equações seriam rigorosamente

as mesmas, concluise que chegaríamos ao seguinte ponto:

RT ∗2
∆T = xB × K 0 K0 = (5.102)
∆f us H

E, logicamente, a mesma situação de diluição permitiria escrever a equação em termos de molalidades:

(M MA )RT ∗2
∆T = Kf × bB Kf = (5.103)
∆f us H

para a qual Kf é a constante crioscópica do solvente.

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Tabela 2: Valores de massa molar, constantes crioscópicas e ebulioscópicas, temperaturas normais de fusão e de
ebulição para alguns solventes comuns.

Solvente M M/kg mol−1 Kf /K kg mol−1 Tf /◦ C Keb /K kg mol−1 Teb /◦ C


Água 0,0180 1,86 0,00 0,51 100,0
Ácido acético 0,0600 3,57 16,6 3,07 118,3
Benzeno 0,0781 5,12 5,53 2,53 80,1
Cânfora 0,1522 40,0 178,4  
Fenol 0,0941 7,27 41,0 3,04 181,7

Exemplo. Cálculo da elevação ebulioscópica e do abaixamento crioscópico de uma solução.


45 g de açúcar (C6 H12 O6 ) foram dissolvidos em 500 g de água. Calcule as novas temperaturas de ebulição e de

congelamento da água nesta solução. (Massas molares (em g/mol): H = 1; O = 16; Na = 23; Br = 80 ).

Precisamos calcular a molalidade do soluto na solução, dada em mols de soluto por quilograma de solvente :

nC6 H12 O6 mC6 H12 O6 45 g


b= = = = 0, 5 mol kg −1 (5.104)
mH2 O (M MC6 H12 O6 )(mH2 O ) (180 g/mol)(0, 5 kg)

∆Tf = Kf × bC6 H12 O6 = (1, 86 K kg mol−1 )(0, 50 mol kg −1 ) = 0, 93 K (5.105)

∆Teb = Keb × bC6 H12 O6 = (0, 51 K kg mol−1 )(0, 50 mol kg −1 ) = 0, 26 K (5.106)

Uma vez que a temperatura de ebulição do solvente na solução é maior que a do solvente puro, enquanto a

temperatura de congelamento é menor do que a do solvente puro, as novas temperaturas são:

Tf = 273, 15 − 0, 93 = 272, 22 K ∴ Tf = −0, 93 ◦ C (5.107)


Teb = 373, 15 + 0, 26 = 373, 41 K ∴ Teb = 100, 26 C (5.108)

Pressão osmótica
Imaginemos um sistema com dois compartimentos separados por uma membrana permeável ao solvente, mas

impermeável ao soluto. Em um dos compartimentos há uma solução, e no outro, o mesmo solvente da solução,

puro. Como o potencial químico do solvente puro é maior do que o potencial químico do solvente na solução, o

solvente puro tenderá a atravessar a membrana, indo em direção à solução, a m de tentar reduzir a diferença

nos potenciais químicos; esse fenômeno é conhecido como osmose. Com o tempo, isso causará um desnível

nas quantidades de solvente dos dois lados, o que acarretará também uma variação na pressão em cada um

dos compartimentos. A pressão necessária para interromper o uxo espontâneo de solvente, mesmo que os

potenciais químicos em ambos os lados ainda não tenham se igualado, é a pressão osmótica (π ) da solução,

e esta também é uma propriedade coligativa.

O tratamento termodinâmico da pressão osmótica é um pouco diferente das demais propriedades coligativas.

A membrana semipermeável separa os dois compartimentos, um com solvente puro e o outro com a solução. No

lado do solvente puro, que está sob a pressão p, o potencial químico é µ∗A (p); já no lado da solução, o potencial

químico é afetado pela fração molar (xA ) do solvente e pela pressão osmótica adicional (p + π ), e o potencial

químico é µA (xA , p + π). No equilíbrio, o efeito da fração molar e da pressão se cancelam, e os potenciais em

95
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ambos lados da membrana se igualam:

µ∗A (p) = µA (xA , p + π) = µ∗A (p + π) + µA (xA ) (5.109)

µ∗A (p) = µ∗A (p + π) + RT ln xA (5.110)


Z p+π
∗ ∗
µA (p) = µA (p) + Vm dp + RT ln xA (5.111)
p

O cancelamento dos termos idênticos produz:

Z p+π
−RT ln xA = Vm dp (5.112)
p

Líquidos, em geral, são praticamente incompressíveis, o que faz com que Vm não dependa da pressão. Logo:

Z p+π
−RT ln xA = Vm dp = Vm ({p + π} − p) = πVm (5.113)
p

Já foi demonstrado que se xB  1, ln xA = ln(1 − xB ) ≈ −xB ;

−RT (−xB ) = πVm (5.114)

πVm = xB RT (5.115)

nB nB
Na já mencionada situação de solução diluída, nT = nA + nB ≈ nA , então xB = nA +nT ≈ nA .

nB
πVm = RT (5.116)
nA

Como nA × Vm = V é o volume do líquido em questão, temos:

πV = nB RT (5.117)

A semelhança desta equação com a Eq. do gás ideal (pV = nRT ) é notável. Quando escrita da seguinte

forma, é conhecida como Equação de Van't Ho para a pressão osmótica, com [B] representando a concen-

tração molar do soluto B:

nB
π= RT = [B]RT (5.118)
V

O efeito da pressão osmótica é fácil de medir e bastante pronunciado; o produto RT vale 2.480 J/mol. A
3
concentração de 1 mol/L é equivalente a 1000 mol/m , portanto:

π = (1000 mol/m3 )(2.480 J/mol) = 24, 80 × 105 P a = 24, 8 bar (5.119)

Ou seja, uma solução de 1 mol/L é capaz de produzir 24,8 bar de pressão osmótica, o que corresponde a

uma coluna de água com aproximadamente 248 m de altura. Consequentemente, soluções diluídas até 0,01 M
ou mesmo 0,001 M ainda produzem pressões osmóticas facilmente mensuráveis em laboratório. Essa situação

representa bem as soluções de solutos com massas molares muito grandes, como polímeros e proteínas, visto

que a massa molar grande entrando no denominador faz as soluções serem sempre diluídas. Uma vez que
nB mB
[B] = V = M MB ×V , se conhecermos mB e V, podemos usar a osmometria para determinar a massa molar

desse soluto:

 
mB mB RT
π = [B]RT = RT ∴ M MB = (5.120)
M MB × V πV

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Uma medida ainda mais precisa da massa molar pode ser conseguida fazendose medidas da pressão osmótica

de soluções do soluto com diferentes concentrações, plotando os dados em um gráco e extrapolando para a

situação de diluição extrema ([B] → 0).


Tecnicamente, a crioscopia e a ebulioscopia também podem ser usadas para determinação da massa molar

(e em décadas passadas, a crioscopia foi amplamente usada com esse objetivo), mas hoje isso não é mais feito

uma vez que a sensibilidade, precisão e facilidade da medida via osmometria são muito superiores.

5.6 Solutos que sofrem dissociação: fator de Van't Ho


Até agora o efeito da concentração de um soluto sobre determinada propriedade coligativa estava sendo determi-

nado diretamente a partir da molalidade do soluto, bB . No entanto, isso pressupõe que o número de partículas

adicionado ao sistema é o mesmo número de partículas disperso. Isso é válido para os solutos chamados mole-
culares, isto é, que mantém suas formas moleculares mesmo após a dissolução. Açúcar e amido são exemplos de

solutos que respeitam tal condição. Por outro lado, existe um grande número de espécies que, após a dissociação,

geram um número diferente de partículas na mesma, via de regra, íons. É preciso considerar esse efeito com

cuidado, pois uma vez que a propriedade coligativa depende do número de partículas presentes, usar açúcar (em

que cada partícula adicionada contribui com uma partícula dispersa) é muito diferente de usar nitrato de ferro

(no qual cada partícula adicionada produz quatro partículas em solução):

C6 H12 O6(s) → C6 H12 O6(aq) (5.121)


F e(N O3 )3(s) → F e3+
(aq) +3 N O3(aq) (5.122)

O próprio Van't Ho estudou esta peculiaridade e introduziu um método de correção para ela. Por exemplo,

se a cada 100 partículas adicionadas, α se dissociarem (cada qual produzindo q íons), dizemos que α é o grau de
dissociação (ou grau de ionização) daquela substância (α é dado em unidades percentuais, %). Logo, o número

total de partículas presentes é dado por (1 − α), que corresponde à parcela que não se dissociou, mais qα, que

corresponde à parcela que se dissociou (cada qual em q partículas):

i = (1 − α) + qα (5.123)

i = 1 + α(q − 1) (5.124)

Nesta equação, i é o chamado fator de correção de Van't Ho. Esse fator deve ser considerado em todas as

expressões envolvendo propriedades coligativas, exceto para o abaixamento da pressão de vapor descrito pela

Lei de Raoult:

∆T = Kf .bB .i (5.125)

∆T = Keb .bB .i (5.126)

π = [B].R.T.i (5.127)

Substâncias que não sofrem processos de dissociação ou associação possuem α = 0, o que reduz estas três

expressões aos seus formatos anteriormente derivados.

Exemplo. Calcule o abaixamento crioscópico, a elevação ebulioscópica e a pressão osmótica de uma solução

de CaCl2 preparada com 30 g do sal em 300 g de água, a 298 K, supondo α = 96 %. Massas molares (em
g/mol): Ca = 40,08; Cl = 35,45. Admita que a solução nal tenha massa especíca ρ = 1, 075 g/cm3 .

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A molalidade da solução é:

mCaCl2 30 g
bCaCl2 = = = 0, 901 mol kg −1 (5.128)
(M MCaCl2 )(mH2 O ) (110, 98 g/mol)(0, 3 kg)

Se a massa especíca da solução é ρ = 1, 075 g/cm3 , e a massa total da solução é a massa de soluto mais

solvente (30 + 300 = 330 g ), podemos calcular seu volume:

m m 330 g
ρ= → V = = = 306, 98 cm3 = 0, 307 L (5.129)
V ρ 1, 075 g/cm3

A molaridade do sal será:

nCaCl2 mCaCl2 30 g
[CaCl2 ] = = = = 0, 881 mol/L = 881 mol/m3 (5.130)
V M MCaCl2 × V (110, 98 g/mol)(0, 307 L)

A reação de dissociação deste sal em água é:


CaCl2(aq) → Ca2+
(aq) + 2 Cl(aq) (5.131)

Logo, cada partícula adicionada que se dissocia produz, na realidade, três partículas em solução, então q = 3.
O fator de Van't Ho será:

i = 1 + α(q − 1) = 1 + 0, 96(3 − 1) = 1 + 2 = 2, 92 (5.132)

Agora podemos calcular as propriedades coligativas:

∆Tf = Kf (bCaCl2 ) i = (1, 86 K kg mol−1 )(0, 901 mol kg −1 )2, 92 = 4, 89 K (5.133)

∆Teb = Kf (bCaCl2 ) i = (0, 51 K kg mol−1 )(0, 901 mol kg −1 )2, 92 = 1, 34 K (5.134)

P a m3
  
mol
π = [B]RT i = 881 8, 3144 (298 K)2, 92 = 63, 74 × 105 P a = 63, 74 bar (5.135)
m3 K mol

A pressão osmótica de 63,74 bar é bastante alta quando comparada à pressão atmosférica ou à pressão

padrão, mas não é impossível de ser vencida. O método de osmose reversa para puricação de água requer

bombas de alta pressão que vençam a pressão osmótica com folga, fazendo o processo contrário (o uxo de

solvente a partir da solução na direção do solvente puro). Bombas típicas para dessalinização da água do mar

podem envolver pressões entre 55 e 81 bar, dependendo da fonte da água. O alto custo energético envolvido com

a pressurização necessária é um dos motivos da osmose reversa ainda não ser usada em larga escala em plantas

industriais. Um aparelho doméstico de osmose reversa, para ser usado no lugar de um puricador de água da

rede pública (que é bem menos concentrada), é mais barato pois emprega bombas mais simples operando com

pressões substancialmente menores: em torno de 1 a 5 bar.

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Exercício 5.5(a), Atkins 9a edição.


A pressão de vapor do benzeno, a 60,0 C, é 53,3 kP a, mas cai a 51,5 kP a quando 19,0 g de um composto

orgânico não volátil são dissolvidos em 500 g de benzeno. Calcule a massa molar do composto orgânico.

Os dados disponíveis nos permitem utilizar a Lei de Raoult diretamente:

pBz 51, 5 kP a
pBenz = xBenz p∗Benz → xBz = ∗ = = 0, 9662 (5.136)
pBz 53, 3 kP a

A fração molar do composto, então, deverá ser (1 - 0,9662) = 0,0338, que está relacionada a seu número de

mols:

nComp
xComp = = 0, 0338 (5.137)
nComp + nBenz

nComp = 0, 0338(nComp + nBenz ) (5.138)

 
mBenz
nComp = 0, 0338 nComp + (5.139)
M MBenz
 
500 g
nComp = 0, 0338 nComp + (5.140)
78, 11 g mol−1

nComp = 0, 0338 (nComp + 6, 40 mol) (5.141)

nComp = 0, 0338 nComp + 0, 0338(6, 40 mol) (5.142)

nComp − 0, 0338nComp = 0, 0338(6, 40 mol) (5.143)

0, 9662 nComp = 0, 2163 mol (5.144)

0, 2163 mol
nComp = = 0, 224 mol (5.145)
0, 9662

Conhecida a massa do composto, determinase sua massa molar:

m m 19 g
n= → MM = = = 84, 82 g mol−1 (5.146)
MM n 0, 224 mol

Outra maneira de atacar o exercício, ainda mais inteligente e elegante, é a seguinte: dos dados apresentados,

já se sabe o número de mols do benzeno (nBenz = 6, 401 mol) e sua fração molar (xBenz = 0, 9662). Logo, o

número de mols total presente no sistema será:

nBenz nBenz 6, 401 mol


xBenz = ∴ ntotal = = = 6, 625 mol (5.147)
ntotal xBenz 0, 9662

Logo, o número de mols do composto só pode ser 6, 625 − 6, 401 = 0, 224 mol. Sabendo a massa de composto

presente, calculase:

m m 19 g
n= → MM = = = 84, 82 g mol−1 (5.148)
MM n 0, 224 mol

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Exercício 5.7(a), Atkins 9a edição.


A pressão osmótica de uma solução aquosa é 120 kP a a 300 K. Calcule o ponto de congelamento da solução.

π (120 kP a)
[B] = = = 0, 048 mol/L (5.149)
RT (8, 3144 J K −1 mol−1 )(300 K)

Para soluções diluídas, molaridade ≈ molalidade, então:

∆Tf = Kf b = (1, 86 K kg mol−1 )(0, 048 mol kg −1 ) = 0, 089 K (5.150)

Logo, a nova temperatura de congelamento será −0, 089 ◦ C , ou 273, 06 K .

5.7 Pressões e concentrações efetivas: fugacidade e atividade


Já sabemos que a concentração de uma espécie em um sistema pode ser expressa por uma série de unidades

diferentes: concentração comum (g/L), concentração molar (mol/L), concentração molal (mol/kg ), fração molar

(adimensional), percentuais massa/massa (%m/m ), massa/volume (%m/V ) e volume/volume (%V /V ), para citar
n

alguns. No caso de gases, a pressão é uma unidade de concentração indireta, uma vez que p= V RT , ou seja,

p ∝ Cmolar .
Infelizmente, os cálculos de concentração segundo as unidades acima consideram apenas a existência de

espécies em um meio dispersante, mas ignoram que estas espécies possam interagir entre si. Se as partículas

dos diferentes componentes não interagem, ou se as interações entre as partículas dos dois componentes são

praticamente idênticas às experimentadas entre as partículas de cada componente puro, a concentração real

que as partículas demonstram ter será muito próxima, ou até igual, à concentração que calculamos segundo as

unidades acima; esse é o caso de uma solução (gasosa ou líquida) ideal. Por outro lado, quando as interações

na mistura são muito diferentes das interações nos componentes puros, haverão desvios pronunciados das con-
centrações calculadas para as concentrações efetivas de cada espécie na mistura, que é o caso das soluções não

ideais.

Vimos que a Eq. (5.36) exprime o potencial químico de um gás ideal em função de sua pressão:

µi = µ−

i + RT ln pi (5.151)

Já a Eq. (5.70) relaciona o potencial químico de um componente em uma solução com sua fração molar:

µi = µ−

i + RT ln xi (5.152)

Ambas as equações anteriores nos dizem que o potencial químico de uma substância em uma mistura depende

de sua concentração nessa mistura, medida pela pressão (se for um gás ideal) ou pela sua fração molar (se for

um solvente em uma solução ideal). Uma vez que sistemas químicos reais apresentam desvios das concentrações

efetivas com relação às concentrações calculadas, é preciso denir equações análogas às Eqs. (5.36) e (5.70) que

contemplem sistemas reais; são elas:

µi = µ−

i + RT ln fi (componete i de uma solução gasosa real) (5.153)

µi = µ−

i + RT ln ai (componete i de uma solução líquida real) (5.154)

A propriedade f é a fugacidade de um gás em uma mistura gasosa real, enquanto a propriedade a é a

100
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atividade do soluto em uma mistura líquida real


31 . É fácil perceber que a fugacidade mede o potencial químico

do gás real do mesmo modo que a pressão mede o potencial químico do gás ideal (e terá dimensão de pressão),

enquanto a atividade mede o potencial químico de um soluto real da mesma forma como a fração molar mede

o potencial químico de um soluto ideal. Como a fração molar é adimensional, a atividade também o é.

A vantagem do uso de fugacidades e atividades vem do fato que todas as expressões anteriormente derivadas

para sistemas idealizados (e, portanto, passíveis de desvios), tornamse exatamente corretas quando essas

propriedades efetivas são usadas em lugar das respectivas propriedades idealizadas. Em outras palavras, usando

atividades e fugacidades, não haverão desvios no valor medido e no valor calculado; no entanto, para isso

precisamos saber as fugacidades e atividades, e ainda mais, exprimir como elas se relacionam com a pressão

e fração molar calculadas. Não nos ocuparemos muito com as fugacidades uma vez que os desvios observados

para soluções gasosas, embora existentes, são muito menores que os observados em soluções líquidas. Ou seja,

os erros introduzidos com o uso de pressões ao invés de fugacidades é muito menor que os respectivos erros

oriundos do uso de frações molares em lugar de atividades. No caso de soluções líquidas, são comuns casos em

que é impossível prever o comportamento do sistema sem o uso de atividades, dada a magnitude dos desvios.

Atividades para solventes


A Eq. (5.154) é válida para qualquer situação, real ou ideal. Particularmente quando uma solução tornase

muito diluída, a fração molar do solvente tende à unidade (xA → 1), ela passa a ser basicamente o solvente

puro, o que implica em µA → µ∗A . Ou seja:

µA − µ∗A → 0 quando xA → 1 | lim µA − µ∗A = 0 (5.155)


xA →1

Isso signica também que:

aA → 1 quando xA → 1 | lim aA = 1 (5.156)


xA →1

Ou seja, a atividade de uma solução onde há apenas um componente (líquido ou sólido puro) deve ser sempre 1

(atividade unitária). Para soluções em geral, o líquido está em equilíbrio com algum vapor, e potencial químico

do líquido e do vapor, no equilíbrio, são iguais. Portanto:

µ(A,liq) = µ(A,vap) (5.157)

µ∗(A,liq) + RT ln aA = µ∗(A,vap) + RT ln pA (5.158)

(µ∗(A,vap) + RT ln p∗A ) + RT ln aA = µ∗(A,vap) + RT ln pA (5.159)

RT ln aA = RT ln pA − RT ln p∗A (5.160)

pA
ln aA = ln (5.161)
p∗A
pA
aA = (5.162)
p∗A

Vêse, então que a atividade pode ser calculada a partir da pressão do vapor em equilíbrio com o soluto da

solução. Essa expressão é, na realidade, idêntica à Lei de Raoult, exceto pelo fato de que a atividade aparece

no lugar da fração molar. Isso a torna válida para qualquer solução, mesmo aquelas que apresentam desvios de

comportamento em relação à Lei de Raoult para soluções ideais. A Eq. (5.162) torna o conceito de atividade

como uma fração molar efetiva (ou, de modo mais geral, uma concentração efetiva) muito mais fácil de ser

concebido.
31 Os conceitos de fugacidade e atividade foram inicialmente propostos em 1908 por G.N. Lewis, o mesmo das estruturas de Lewis
e da Regra do Octeto (1916) e da Teoria ÁcidoBase de Lewis (1923).

101
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Por exemplo, a pressão de vapor de uma solução de KN O3(aq) 0,500 M, à 100 C, é 99,95 kP a. Uma vez

que 100 C é o ponto de ebulição normal da água (Teb ), nesta temperatura a sua pressão de vapor deveria ser

a pressão atmosférica (patm = 101, 325kP a). Logo, a atividade da água nesta solução é:

99, 95 kP a
aH2 O = = 0, 9864 (5.163)
101, 325 kP a

O desvio (em relação à atividade da água pura, 1) não é muito grande. Para comprovar isso, vejamos que a

concentração molar da água pura é:

n m 1000 g
C= = = = 55, 56 mol/L (5.164)
V MM × V (18 g/mol) × (1 L)

A densidade dessa solução, segundo a literatura, é aproximadamente 1,03 g/cm3 . Ou seja, 1 L têm massa

de 1.030 g, sendo esta massa a soma das massas do sal e da água. A massa molar do KN O3 é 101,1 g/mol,
logo 0,5 mol/L implica em 50,55 g de sal e o restante (1.030 − 50, 55 = 979, 45 g ) corresponde à água. As

quantidades de matéria das suas substâncias, portanto, são:

50, 55 g
nKN O3 = = 0, 50 mol (5.165)
101, 1 g/mol
979, 45 g
nH2 O = = 54, 41 mol (5.166)
18, 0 g/mol

ntotal = 0, 50 + 54, 41 = 54, 91 mol (5.167)

A fração molar de água, portanto, será:

n H2 O 54, 41 mol
xH2 O = = = 0, 9909 (5.168)
ntotal 54, 91 mol

O desvio da atividade em relação à fração molar é pequeno, 0,5 %, como esperado sempre que xi ≈ 1.

Como ai → 1 quando xi → 1 , podemos dizer que nesta situação, ai → xi . Ou seja, existe uma proporciona-

lidade entre ai e xi , dada por:

ai = γi xi (5.169)

γi é o chamado coeciente de atividade da iésima substância. Para ele, vale o seguinte:

γi → 1 quando xi → 1 | lim γi = 1 (5.170)


xi →1

Com essa proporcionalidade, a Eq. (5.154) tornase:

µi = µ−

i + RT ln ai + RT ln γi (5.171)

Atividades para solutos


Ainda que a Lei de Henry seja uma lei já aproximada (no sentido de que ela é a tendência já em uma situação

bem limítrofe de xB → 0), ainda observamse desvios, particularmente em soluções aquosas onde o soluto é

iônico, dadas as intensas interações intermoleculares entre os íons e a água. Nesses casos, substituímos a fração

molar pela atividade do soluto, aB :

µB = µ−

B + RT ln aB (5.172)

Tal como no caso do solvente, a determinação da atividade do soluto é dada por uma equação análoga à Lei

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de Henry, mas envolvendo a atividade, além de que a proporcionalidade entre a atividade e a fração molar do

soluto são dadas por um coeciente de atividade apropriado:

pB
aB = aB = γB xB (5.173)
KH

Apesar das semelhanças, uma diferença importante nunca deve ser esquecida: o soluto se comporta ide-

almente quando sua fração molar tende à zero, enquanto o solvente se comporta idealmente quando a fração

molar tende a 1. Isso signica que, para o soluto, as seguintes relações são estabelecidas:

aB → 0 quando xB → 0 | lim aB = 0 (5.174)


xB →1

a B → xB quando xB → 0 | lim aB = 0 (5.175)


xB →0

γB → 1 quando xB → 0 | lim γB = 1 (5.176)


xB →0

A situação xB → 0 já foi a amplamente explorada neste curso, e temos certeza de que nela, xB ≈ bB ×M MA ,
além de que bB ≈ [B]. Portanto, se o soluto estiver diluído, podemos estabelecer relações aproximadas entre a

molalidade/molaridade do soluto e sua atividade em solução:

 
bB
aB = γB × (5.177)
b−◦
 
[B]
aB = γB × (5.178)
[B]−◦

Estas relações, particularmente a equação envolvendo a molaridade, será importante em Química Analítica,

haja vista que esta disciplina usa tal unidade de modo quase exclusivo. Além disso, como a Química Analítica

lida majoritariamente com equilíbrios iônicos, e nesses casos o uso de atividades é mandatório uma vez que em

soluções iônicas ainda relativamente diluídas ([B] ≈ 0, 01 mol/L) na maioria das vezes já apresentam desvios

inaceitáveis entre [B] e aB .

Exercício proposto 5.9, Atkins 9a edição.


Use as informações do Exemplo 5.3 para calcular a atividade e o coeciente de atividade do clorofórmio

em acetona, a 25 C. Faça o cálculo admitindo as duas situações possíveis: clorofórmio sendo o solvente (e,

portanto, seguindo a Lei de Raoult) e sendo soluto (seguindo a Lei de Henry). Os dados são (pressões em kP a):

xC pC pA xA
0,0 0,0 46,3 1,0
0,2 4,7 33,3 0,8
0,4 11,0 23,3 0,6
0,6 18,9 12,3 0,4
0,8 26,7 4,9 0,2
1,0 36,4 0,0 0,0

Os cálculos para todas as situações fornecem:

Clorof Clorof Acet Acet Clorof Clorof Acet Acet


Solv Solut Solv Solut Solv Solut Solv Solut
Raoult Henry Raoult Henry Raoult Henry Raoult Henry
xC aC aC aA aA xC xC γ γC γA γA xA
0,00 0,00 0,00 1,00 1,99 1,00 0,00 0,00 0,00 1,00 1,99 1,00
0,20 0,13 0,21 0,72 1,43 0,80 0,20 0,65 1,07 0,90 1,79 0,80
0,40 0,30 0,50 0,50 1,00 0,60 0,40 0,76 1,25 0,84 1,67 0,60
0,60 0,52 0,86 0,27 0,53 0,40 0,60 0,87 1,43 0,66 1,32 0,40
0,80 0,73 1,21 0,11 0,21 0,20 0,80 0,92 1,52 0,53 1,05 0,20
1,00 1,00 1,65 0,00 0,00 0,00 1,00 1,00 1,65 0,00 0,00 0,00

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6 Equilíbrio em misturas reacionais: equilíbrio químico


Já vimos que processos que ocorrem sob T, p constantes são espontâneos sempre que ∆G < 0. Processos onde

∆G > 0 também são espontâneos, mas na direção oposta àquela escrita. Em outras palavras, um processo sob

T, p constantes é espontâneo se ele levar à uma minimização da energia de Gibbs, G. Nesse sentido, certamente

haverá uma situação na qual G de fato atinge um mínimo e qualquer deslocamento produzirá um aumento dessa
função. Nesse estado, nem seu progresso na direção direta nem na direção inversa tem preferência; dizemos que

o sistema encontrase em equilíbrio, e ∆G = 0. Sistemas em equilíbrio químico são caracterizados pelo usodo

símbolo 
.

6.1 Grau de avanço e o estado de equilíbrio


Se um processo físico ocorre em um sistema fechado, obrigatoriamente a massa (e a quantidade de matéria)

presente se conserva. No entanto, se esse processo é uma reação química, a massa total (a matéria total presente)

se conserva, mas as massas (e, portanto, quantidades de matéria) de cada um dos componentes pode variar. A

variação, no entanto, não é livre; supondo com N componentes, ela precisa respeitar o seguinte vínculo:

N
X
νj nj = 0 (6.1)
j=1

para o qual νj é o coeciente estequiométrico e ni é a quantidade, em mols, da j ésima espécie. Pela convenção

adotada, νj será negativo para reagentes e positivo para produtos, tal como visto em cinética química. Ou seja,

em uma reação, a quantidade de uma espécie não pode variar livremente, mas de modo relacionado às variações

nas quantidades das outras espécies participantes da reação.

Se a reação neste sistema fechado ocorrer sob T, p constantes, a espontaneidade da reação pode ser avaliada

pela variação na energia de Gibbs do sistema. Uma reação espontânea conduzirá o sistema a uma situação de

G mínimo. A condição T, p constantes reduz a Eq. (5.25) para:

N
X
dG = µj dnj (6.2)
j=1

Introduzimos agora uma grandeza ξ chamada de avanço da reação (ou extensão da reação ), que tem

dimensão de mol. A variação na quantidade de matéria de qualquer substância é dada, em termos do grau de

avanço, como:

nj = nj,0 + νj ξ ∴ dnj = νj dξ (6.3)

Substituindo:

 
N
X XN
dG = µj (νj dξ) =  µj νj  dξ (6.4)
j=1 j=1

Que se torna:

  N
∂G X
= µj νj (6.5)
∂ξ T,p j=1

A derivada na equação anterior expressa a taxa de variação da energia de Gibbs conforme avança a reação

química. Se a derivada for negativa, o avanço positivo (+dξ ) da reação ocorre mediante uma diminuição em G,
e o processo é espontâneo. Se for positiva, o avanço positivo da reação ocorre mediante um aumento em G, e o

processo não é espontâneo nesta direção, mas sim na direção contrária.

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Quando G assumir seu valor mais baixo possível, a partir daquelas condições iniciais, o avanço da reação

em qualquer direção (direta ou inversa) produzirá um aumento nesta propriedade; este especíco estado em que

Gibbs é mínimo é chamado de estado de quilíbrio. A condição para o equilíbrio em um sistema reacional é,

portanto:

 
∂G
=0 (6.6)
∂ξ T,p

Que implica automaticamente em:

N
X
µj νj = 0 (6.7)
j=1

A derivada na Eq. (6.6) possui ainda outro signicado de bastante relevância; para simplicar, vamos

considerar um sistema onde ocorre uma reação do tipo A


B; a variação na energia de Gibbs desse sistema,

sob T, p constantes, é:

N
X
dG = µj dnj = µA dnA + µB dnB = µA (−dξ) + µB (dξ) = (µB − µA )dξ (6.8)
j=1

Uma vez que, na convenção adotada, µB − µA corresponde à diferença dos potenciais químicos de produtos

e reagentes, µB − µA = ∆r G, então:

 
∂G
= ∆r G (6.9)
∂ξ T,p

Tal como argumentado anteriormente, a condição de equilíbrio químico corresponde a ∆r G = 0 . Isso faz

sentido segundo as seguintes considerações:

µB < µA ∴ µB − µA < 0 ∴ ∆r G < 0 (reação espontânea A → B) (6.10)

µB > µA ∴ µB − µA > 0 ∴ ∆r G > 0 (reação espontânea B → A) (6.11)

µB = µA ∴ µB − µA = 0 ∴ ∆r G = 0 (reação em equilíbrio) (6.12)

A mesma conclusão teria sido obtida para um caso geral com N espécies químicas: o potencial químico

combinado dos reagentes é igual ao potencial químico combinado dos produtos, no equilíbrio. Enquanto estes

não forem iguais, a reação continua a progredir em uma das direções, direta ou inversa. Processos para os quais

∆H > 0 endotérmicos, enquanto aqueles com ∆H < 0 eram chamados exotérmicos ; da mesma
eram chamados

forma, as reações químicas onde ∆r G > 0 são chamadas endergônicas, e aqueles onde ∆r G < 0 são chamados

exergônicas.

Uma descrição ainda mais elaborada do equilíbrio químico pode ser conseguida através de uma expansão da

Eq. (6.5). Primeiramente, imaginando um sistema gasoso, nós sabemos que µj = µ−



j + RT ln pj , portanto:

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  N
∂G X
= ∆r G = µj νj (6.13)
∂ξ T,p j=1
N
X
µ−


∆r G = j + RT ln pj νj (6.14)
j=1
   
XN N
X
∆r G =  µ−

j νj
 + RT νj ln pj  (6.15)
j=1 j=1
 
N
ν
X
∆r G = ∆r G−

+ RT ln pj j  (6.16)
j=1
 
N
ν
Y
∆r G = ∆r G−

+ RT ln pj j  (6.17)
j=1

∆r G = ∆r G−

+ RT ln Q (6.18)

Sendo que na última equação foi feita a seguinte substituição:

N
ν
Y
Q= pj j (6.19)
j=1

Como νj é positivo para produtos e negativos para reagentes, o produtório da equação anterior toma a forma

de uma razão, ou quociente, conhecido como quociente de reação. Conceitualmente falando, ele expressa a

razão entre as pressões parciais dos produtos gasosos em relação às pressões parciais dos reagentes gasosos, em

algum estado qualquer da reação. Por exemplo, consideremos uma reação hipotética como a seguinte:

αA + βB → γC + δD (6.20)

Para ela, o quociente de reação têm a seguinte forma::

−β γ (pγC )(pδD )
Q = (p−α δ
A )(pB )(pC )(pD ) = β
(6.21)
(pα
A )(pB )

Se a reação hipotética considerada não fosse em fase gasosa, mas em fase líquida, o quociente poderia ter

sido denido em termos das frações molares:

(xγC )(xδD )
Q= β
(6.22)
(xα
A )(xB )

Ou, ainda mais precisamente, usando atividades ao invés de frações molares:

(aγC )(aδD )
Q= β
(6.23)
(aα
A )(aB )

No caso da química de laboratório, as soluções são amplamente descritas por meio de suas concentrações

molais (bj ) ou molares ([j]), então poderíamos escrever:

(bγC )(bδD ) [C]γ [D]δ


Q= β
Q= (6.24)
(bα
A )(bB )
[A]α [B]β

Todas essas formulações são válidas para o quociente de reação, cada qual assumindo os eventuais erros das

aproximações inerentes. O quociente expresso em termos de atividades, entretanto, é aquele que descreve de

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modo mais dedigno o comportamento do sistema pois já é uma medida efetiva da concentração da espécie,

o que indica uma menor extensão de erros envolvida. Daqui para frente nós usaremos, predominantemente,

concentrações molares nas discussões de equilíbrio químico quando tratarmos de soluções, particularmente as

aquosas, e de pressões parciais quando tratarmos de gases. Assumiremos que os erros imbutidos podem ser

corrigidos pelo uso de atividades, mas isso seria apenas um esforço matemático na direção do rigor numérico,

enquanto as aplicações conceituais mais importantes destas equações são as mesmas usando concentrações,

frações molares, concentrações molares ou molais.

Um cuidado necessário, no entanto, referese às unidades: tanto frações molares como atividades são adi-

mensionais, então a substituição desses parâmetros por outros, que contém unidades, deve ser feita mediante

a eliminação destas. Isso é conseguido dividindose cada concentração (ou pressão) pelo seu valor padrão, ou

seja:

p−

= 1 bar (6.25)

b−

= 1 mol kg −1 (6.26)


◦ −1
c = 1 mol L (6.27)

As expressões para o quociente de reação em termos de molaridades, por exemplo, tornase:

[C]γ [D]δ
  

c−
◦ c−

Q =  α β (6.28)
[A] [B]
c−
◦ c−

Com isso, garantese que todos os parâmetros usados no cálculo de Q, e o próprio Q, sejam também

adimensionais.

6.2 Construção dos quocientes de reação


Rigorosamente falando, todo quociente de reação deve ser expresso em termos de variáveis efetivas, ou seja,

fugacidade e atividade. Se uma reação envolve espécies líquidas ou sólidas puras, é importante destacar que a

presença destas espécies é imprescindível para o estabelecimento do equilíbrio, mas que a quantidade relativa

das espécies não importa, pois a atividade de qualquer componente, sólido ou líquido, puro, será sempre 1.

Exemplicando:

fN2 O4 pN2 O4
2N O2(g)
N2 O4(g) Q= ≈
(fN O2 )2 (pN O2 )2

(fN H3 )2 (pN H3 )2
N2(g) + 3 H2(g)
2 N H3(g) Q= 3

(fN2 )(fH2 ) (pN2 )(pH2 )3

+ 2− (aAg+ )2 (aS 2− ) [Ag + ]2 [S 2− ]


Ag2 S(s)
2 Ag(aq) + S(aq) Q= ≈ = [Ag + ]2 [S 2− ]
aAg2 S (1)

aCaCO3 (1) 1
CaO(s) + CO2(g)
CaCO3(s) Q= ≈ =
(aCaO )(fCO2 ) (1)(pCO2 ) pCO2

Se a solução for diluída, os erros no valor do potencial químico de uma espécie ocasionados quando concen-

trações são usadas ao invés de atividades são usualmente pequenos o suciente para serem relevantes apenas

em trabalhos de precisão; no caso de gases, os erros causados pelo uso de pressões ao invés de fugacidades são

menores ainda. Por isso, usaremos as expressões aproximadas em todo o tratamento daqui por diante, tendo

em mente que sabemos que algum percentual de erro sempre estará presente em virtude dessas escolhas.

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6.3 A constante de equilíbrio termodinâmica


Vimos que podemos conhecer qual o valor do ∆r G (Eq. (6.18)) de uma reação com composição arbitrária se

conhecermos o valor desta propriedade nas condiçõespadrão (que são facilmente encontradas em tabelas de

livros) e quais são as pressões de cada gás nesta composição. No entanto, entre todas as composições possíveis,

claramente a que mais nos interessa é justamente a composição referente ao estado de equilíbrio. Como no

equilíbrio, ∆r G = 0, a Eq. (6.18) toma a forma de:

0 = ∆r G−

+ RT ln Q ∴ −∆r G−

= RT ln Keq (6.29)

para a qual o símbolo Q foi substituído por Keq para diferenciar a composição do estado de equilíbrio, que é única

para um certo par T, p, de qualquer outra composição imaginável. O quociente de reação para a composição do

equilíbrio é conhecido como constante de equilíbrio termodinâmica:

[C]γ [D]δ
   

(aγC )eq (aδD )eq c−



eq c−

eq [C]γ [D]δ
Keq = β
≈ α β
= (6.30)
[A]α [B]β
  
(aα
A )eq (aB )eq
[A] [B]
c−

eq c−

eq

sendo que a aproximação é válida para soluções diluídas, mas não para concentradas. Para ns de economia,

os subíndices eq serão omitidos, mas estarão implícitos sempre que se tratar de K; além disso, vamos omitir as

divisões pelas concentrações padrão, tendo em mente que os valores usados devem ser sempre adimensionais.

Se a solução for concentrada e, claro, não for ideal, o uso de atividades é imprescindível. No entanto, como

atividades e concentrações se relacionam através do coecientes de atividade (Eq. (5.178)), podemos escrever

que:

(aγC )(aδD ) [γC ]γ [γD ]δ [C]γ [D]δ


Keq = β
= α β
× = Kγ × K[j] (6.31)
(aα
A )(aB )
[γA ] [γB ] [A]α [B]β

e, claramente, o mesmo vale para constantes de equilíbrio escritas em termos de pressões e fugacidades. Trocando

em palavras, a aproximação dada na Eq. (6.30) tornase uma igualdade através de uma razão entre os coeentes

de atividade das espécies presentes.

A constante de equilíbrio é o parâmetro mais importante na denição do estado de equilíbrio. Diversas

reações químicas possuem seus valores de constante de equilíbrio tabelados, muito embora possamos calculálos

a partir de outros dados termodinâmicos. Por exemplo, a constante de equilíbrio para uma reação com as

espécies em seus estados padrão é dada por:

−∆r G−

−∆r H −

+∆r S −

     
RT RT T
Keq = e =e e (6.32)

Propriedades matemáticas da constante de equilíbrio


1. A constante de equilíbrio depende do sentido da reação. Para a reação 2 N O2(g)
N2 O4(g) , a

constante de equilíbrio é expressa como:

aN2 O4 pN2 O4
Keq = 2
≈ (6.33)
(aN O2 ) (pN O2 )2

Mas se invertermos o sentido da reação, escrevendoa como N2 O4(g)


2 N O2(g) , a constante de equilíbrio
passa a ser escrita como:

(aN O2 )2 (pN O2 )2
Keq = ≈ (6.34)
aN2 O4 pN2 O4

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É fácil perceber que a Equação (6.34) é nada mais que o inverso da Eq. (6.33). Ou seja, se o sentido da
−1
reação é invertido, a constante de equilíbrio é matematicamente invertida (Keq ) também.

2. A constante de equilíbrio depende dos coecientes estequiométricos usados. Se multiplicarmos

todos os coecientes da reação 2 N O2(g)


N2 O4(g) por 2, escrevendoa como 4N O2(g)
2N2 O4(g)
(notação que efetivamente representa a mesma informação química), a constante de equilíbrio passa a ser

escrita como:

(aN2 O4 )2 (pN2 O4 )2
Keq = ≈ (6.35)
(aN O2 )4 (pN O2 )4

É fácil perceber que a Equação (6.35) é nada mais que a Eq. (6.33) elevada ao quadrado. Ou seja, se

todos os coecientes estequiométricos da reação são multiplicados por uma constante c, a constante de
c
equilíbrio é elevada à potência c, ou seja, (Keq ) .

3. Constantes de equilíbrio de reações acopladas podem ser acopladas também. Observe as

seguintes reações:

(pN O2 )2
2 N O(g) + O2(g)
2 N O2(g) K1 =
(pN O )2 (pO2 )
pN2 O4
2 N O2(g)
N2 O4(g) K2 =
(pN O2 )2
pN2 O4
2 N O(g) + O2(g)
N2 O4(g) K3 =
(pN O )2 (pO2 )

Embora cada uma delas possa acontecer separadamente, vemos que a reação (3) pode ser racionalizada

como o resultado líquido das reações (1) e (2) ocorrendo em sequência. Tal como visto em Cinética

Química, as reações (1) e (2) compõe etapas de uma reação global com a forma da reação (3). Da mesma

forma, a constante de equilíbrio K3 se relaciona matematicamente com as duas anteriores, na forma de

K3 = K1 × K2 . Independente de quantas etapas sejam, a constante de equilíbrio da reação global será o

produto das constantes de equilíbrio das diversas etapas nas quais ela pode ser escrita.

4. A constante de equilíbrio não depende das unidades de concentração e pressão usadas.


Pode parecer que a constante de equilíbrio aproximadas em termos das pressões e/ou concentrações terão

valores diferentes dependendo das unidades adotadas. Na realidade, isso não acontece por dois motivos:

primeiro, a verdadeira constante de equilíbrio é sempre denida em termos de atividades, ou seja, não

há como escrever duas atividades diferentes para um mesmo estado de um sistema, de modo que sempre

existirá apenas um valor verdadeiro para a constante de equilíbrio; segundo, mesmo quando escritas

aproximadamente em termos de concentrações e/ou pressões, estas concentrações/pressões são calculadas

relativamente aos valores de pressão/concentração padrão (1 bar ou 1 mol/kg [se molal] ou 1 mol/L [se

molar]), fazendo a unidade desaparecer.

Exemplicando: se um sistema gasoso em equilíbrio apresenta um dos componentes com pressão 0, 5 bar,
a introdução deste valor no cálculo da constante será via:

0, 5 bar 0, 5 bar × 750 bar


mmHg
pA = = = 0, 5 (6.36)
1 bar 1 bar × 750 bar
mmHg

As constantes de proporcionalidade sempre irão se cancelar mutuamente. O valor de pressão relativo


independe da unidade adotada.

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6.4 Inuência da pressão sobre a constante de equilíbrio


Inúmeras reações do nosso interesse estabelecem equilíbrios químicos longe das condições padrão. O efeito

da pressão, por exemplo, é dado por:

−∆r G−

   !
∂K ∂ RT
= e =0 (6.37)
∂p T ∂p
T

pois embora ∆r G dependa da pressão, ∆r G−



não depende, pois é denido sempre na mesma pressão


padrão, p = 1 bar.

6.5 Inuência da temperatura sobre a constante de equilíbrio


Já a inuência da temperatura será claramente não nula, uma vez que esta propriedade aparece explici-

tamente dentro da expressão de K:

−∆r G−

∆r G−

     
d ln K d 1 d
= =− (6.38)
dT p dT RT p R dT T p

Usando novamente a Equação de GibbsHelmholtz ( Eq. (5.13) ), obtemos:

−∆r H −

   
∂ G H ∂ ∆r G
=− ∴ = (6.39)
∂T T p T2 ∂T T p T2

Então,

−∆r H −

∆r H −

   
d ln K 1
=− 2
= 2
(6.40)
dT p R T RT

que também é chamada de Equação de Van't Ho, mas que não deve ser confundida com a homônima
que apareceu na dedução da pressão osmótica.
32

Para calcular K em uma temperatura de interesse, conhecendo K em outra temperatura, multiplicamse

ambos os lados da equação anterior por dT e, em seguida, integrase (assumindo que ∆T é pequeno e que

∆r H −

é independente de T neste intervalo de temperatura.

∆r H −

d ln K = dT (6.41)
RT 2
Z ln K2 Z T2
∆r H −

d ln K = dT (6.42)
ln K1 T1 RT 2
◦ Z T2
∆r H − 1
ln K2 − ln K1 = 2
dT (6.43)
R T1 T

∆r H −

     
K2 1 1
ln = − − − (6.44)
K1 R T2 T1

∆r H −

   
K2 1 1
ln = − (6.45)
K1 R T1 T2

Vale a pena recordar que supor ∆r H −



independente da temperatura é, na realidade, uma inverdade, pois

inclusive já calculamos a dependência deste valor com a temperatura via Lei de Kirchho.
33

32 Notese, no entanto, que ambas as equações de Van't Ho têm deduções similares e passam por utilizações muito parecidas da
Equação de GibbsHelmholtz.
33 Relembre a Lei de Kirchho para variações na entalpia, vista na seção 3.2.

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6.6 Deslocamento do equilíbrio e o Princípio de Le Chatelier


O equilíbrio químico é algo dinâmico, ou seja, pode ser manipulado quando certas ações são realizadas no

sistema. As manipulações do equilíbrio normalmente seguem um princípio qualitativo de validade bastante

geral chamado Princípio de Le Chatelier:


Se um sistema, inicialmente em equilíbrio, for perturbado de tal forma que o equilíbrio seja perdido,
o sistema reagirá no sentido contrário à perturbação, em direção ao reestabelecimento do equilíbrio.
O Princípio, na verdade, é resultado da observação de que todos os processos químicos naturais se dirigirem

sozinhos para o estabelecimento do equilíbrio. Se um sistema reagir até encontrar o equilíbrio e depois for

perturbado, é como se um novo estado fosse criado, e este também tentará ir na direção ao equilíbrio para ali

permanecer até que uma nova perturbação seja feita. Seu enunciado encara o sistema químico como um sistema

mecânico, que irá buscar o equilíbrio de forças atuando sobre ele.

Por exemplo, considere um tubo em U contendo água em seu interior, como os três tubos da esquerda (1,

4 e 7) a seguir:

Figura 16: Analogia mecânica do Princípio de Le Chatelier envolvendo vasos comunicantes.

Mesmo sem ver eles, só de imaginar um tubo em U com água basta para visualizarmos que o nível da água

nos dois lados do tubo é o mesmo. Também é óbvio que esse nivelamento não irá se modicar sozinho; isto é, os

dois níveis estão em equilíbrio um com o outro. O que acontece, então, se água for adicionada no lado esquerdo

(tubo 2)? Subitamente aquele nível será aumentado, e terá sido criado um desbalanço entre as forças que atual

no sistema. A tendência natural é que água do lado esquerdo ua para o lado direito até que o nivelamento seja

reestabelecido (tubo 3). A recíproca, ou seja, o aumento do nível do lado direito (tubo 5) causa o mesmo efeito

na direção contrária, ou seja, a água vai uir do lado direito para o esquerdo até que o equilíbrio dos níveis

seja alcançado. Por m, se ao invés de adicionarmos água, nós retirarmos ela de algum dos lados (tubo 8), será

criado um desbalanço qualitativamente idêntico aos anteriores. Nesse caso, a água retirada do lado direito do

tubo 8 deverá ser reposta, e o uxo será, portanto, do lado esquerdo para o direito.

111
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O Princípio de Le Chatelier indica que a mesma coisa acontecerá com as reações químicas. Imagine, por

exemplo, o processo HaberBosch para síntese da amônia:


34

N2(g) + 3H2(g)
2N H3(g) (6.46)

Imaginar o sistema químico como um sistema mecânico é pensar que os reagentes são um dos lados do tubo, e

os produtos o outro.
35 Se o sistema, inicialmente em equilíbrio for perturbado pela adição de reagentes/produtos,

ou pela subtração de reagentes/produtos, ele responderá de maneira similar ao sistema mecânico do tubo com

água.

Supondo a reação (6.46) já em equilíbrio, vale o seguinte:

(a) A adição de mais hidrogênio deslocará o equilíbrio no sentido esquerda → direita, isto é, favorecendo a

produção de mais produtos. Dizemos que o equilíbrio foi deslocado para a direita ;

(b) A adição de mais nitrogênio também deslocará o equilíbrio para a direita, no sentido de mais produtos;

(c) A adição de amônia, no entanto, deslocará o equilíbrio na direção inversa, ou seja, favorecendo a regeneração

dos reagentes;

(d) A subtração (diminuição na concentração) de algum reagente (hidrogênio ou nitrogênio) deslocará o equi-

líbrio para a esquerda;

(e) A subtração de amônia deslocará o equilíbrio no sentido de produção de mais amônia.

O leitor mais atento perceberá que o sistema sempre fará o contrário do que fazemos a ele:

 Se adicionamos reagentes, ele consumirá aquele reagente excedente, formando mais produtos;

 Se adicionarmos produtos, ele consumirá aquele produto, formando mais reagentes;

 Se reduzirmos os reagentes, ele irá regenerar os reagentes perdidos;

 Se reduzirmos os produtos, ele irá produzir mais produtos para repor o que foi perdido.

Embora esse raciocínio seja absolutamente válido para entendermos qualitativamente as respostas do sistema

às perturbações no equilíbrio, é preciso um modelo um pouco mais elaborado para prevermos com mais segurança

o que está acontecendo. Podemos fazer isso manipulando algebricamente a própria constante de equilíbrio da

reação estudada.

A reação (6.46) possui a seguinte expressão para a constante de equilíbrio:

[N H3 ]2 (pN H3 )2
KP = 3
= = 4, 51 × 10−5 (450 ◦ C) (6.47)
[N2 ][H2 ] (pN2 )(pH2 )3

Reexaminando as perturbações já apresentadas anteriormente, observamos que:

a. Quando adicionamos nitrogênio gasoso, subitamente o valor de pN2 aumenta. Como ele esta no denominador

da fração, o valor da fração como um todo diminui, e deixa de ser igual a 4, 51 × 10−5 . Se o sistema não

encontrase mais no equilíbrio, essa fração passa a ser descrita pelo símbolo QP (o quociente de reação).

Vimos que a adição de nitrogênio gasoso desloca o equilíbrio na direção dos produtos, então vale o seguinte:

quando QP < KP , passa a prevalecer a reação direta (ou seja, a formação de mais produtos);

34 O livro Química, a ciência central, (Brown), faz uma extensa discussão do equilíbrio baseada neste processo.
35 É preciso cuidado, no entanto, ao interpretar esse aforismo ao pé da letra. Diferentemente do exemplo do tubo com água, os
sistemas químicos não necessariamente precisam conter as mesmas quantidades de reagentes e produtos para estarem em equilíbrio.
O exemplo do tubo apenas nos indica o sentido das mudanças no sistema após as perturbações, mas não reete as reais proporções
entre reagentes e produtos naquele sistema. De fato, ao invés de iguais, as proporções entre reagentes e produtos nos sistemas
químicos são, com fequência, bem diferentes entre si.

112
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b. Quando acrescentamos hidrogênio gasoso, ocorre uma perturbação do mesmo tipo. O valor de p H2 aumenta,

fazendo o denominador da fração aumentar e, consequentemente, o valor da fração como um todo diminuir.

Uma vez que QP < KP , passa a prevalecer a reação direta;

c. Se for feita a adição de amônia, o valor que subitamente aumenta é pN H 3 , aumentando o numerador da

fração e também seu valor líquido. Agora, então ocorre o contrário das perturbações anteriores: QP > KP ,
prevalencendo a reação inversa;

d. A subtração de amônia faz pN H 3 diminuir, e como resultado temos QP < KP ; logo, prevalece a reação direta;

Agora, no entanto, podemos fazer previsões um pouco mais precisas sobre a extensão da perturbação.

Digamos, por exemplo, que tanto a pressão de hidrogênio como a de nitrogênio sejam dobradas. A extensão da

perturbação sobre o equilíbrio será a mesma nos dois casos? não, pois o efeito numérico será diferente. Se, na

equação (6.47), a pressão de nitrogênio for dobrada, teremos:

(pN H3 )2 (pN H3 )2 1
QP = = = × KP (6.48)
(2 × pN2 )(pH2 )3 2 × (pN2 )(pH2 )3 2

Por outro lado, se a pressão de hidrogênio for dobrada, teremos:

(pN H3 )2 (pN H3 )2 1
QP = = = × KP (6.49)
(pN2 )(2 × pH2 )3 8 × (pN2 )(pH2 )3 8

O efeito da adição do hidrogênio é 4 vezes maior que o efeito da adição de nitrogênio. Vemos, portanto,

que a perturbação depende do expoente ao qual aquela concentração (ou pressão) está sendo potencializado.

Diminuir pela metade a pressão de amônia, por exemplo, causa uma perturbação no equilíbrio mais intensa que

no caso do nitrogênio, mas menos intensa que no caso do hidrogênio:

( 21 × pN H3 )2 1 × (pN H3 )2 1
QP = 3
= = × KP (6.50)
(pN2 )(pH2 ) 4 × (pN2 )(pH2 )3 4

Neste ponto cabe uma observação de vital importância para a correta utilização do princípio de Le Chatelier.

Uma vez que líquidos e sólidos puros não são contabilizados na expressão da constante de equilíbrio, é natural

que eles também não sejam capazes de perturbar o equilíbrio químico. Por exemplo, na reação:

C(s) + 2Cl2(g)
CCl4(g) ∆H = −95 kJ/mol (6.51)

Para a qual a constante de equilíbrio tem a forma:

[CCl4 ] (pCCl4 )
KP = = (6.52)
[Cl2 ]2 (pCl2 )2

Podemos traçar as seguintes conclusões a respeito de perturbações genéricas:

a. A adição de CCl4(g) resulta em QP > KP , deslocando o equilíbrio para a esquerda (produção de reagentes);

b. A adição de gás cloro resulta em QP < KP , deslocando o equilíbrio para a direita (produção de mais

produtos);

c. A adição de carbono sólido não perturba o equilíbrio, pois esta espécie não faz parte da constante de equilíbrio.

Dessa forma, variações na quantidade de carbono sólido não resultam em QP 6= KP , então o equilíbrio

mantémse estabelecido.

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O efeito da temperatura pode ser previsto de maneira análoga. Na reação (6.51), a variação na entalpia é

positiva, o que indica uma reação exotérmica. Nesse tipo de reação, o calor ui de dentro para fora do sistema,

ou seja, há liberação de energia na forma de calor. O calor pode, então, ser categorizado como um produto das

reações exotérmicas, e então ele toma parte na constante de equilíbrio como tal:

[CCl4 ][Calor] (pCCl4 )(Calor)


KP = 2
= (6.53)
[Cl2 ] (pCl2 )2

Um aumento na temperatura fará com que mais calor seja adicionado ao sistema. Como o calor é um pro-

duto, a adição, oriunda de uma fonte externa, de mais calor é equivalente à adição de um produto. Logo, para

reações exotérmicas, o aumento da temperatura desloca o equilíbrio para a esquerda (pois QP > KP ). Se o

sistema fosse resfriado, o consumo de calor seria favorecido, diminuindoo. Nesse caso, a reação seria deslocada

para a direita, no sentido de produção de mais calor.


36

Além de variarmos a pressão de cada um dos constituintes do sistema individualmente, podemos arquitetar

uma mudança na pressão total do sistema. Há dois modos de se fazer isso: variando o volume total do sistema

ou adicionando um gás inerte (que não participa da reação).

Por exemplo, se nosso sistema reacional contendo N2(g) , H2(g) e N H3(g) estiver encarcerado em um cilindro

em que uma das paredes é um pistão móvel, a variação na altura do pistão irá fazer variar o volume total do

sistema:

Figura 17: Cilindro com êmbolo móvel para estudos envolvendo variações de volume e/ou pressão.

Deslocando o pistão da posição h1 para h2 , cuja altura em relação à base é a metade, fazemos o volume
1
reduzir pela metade (V2 = 2 V1 ). Se essa compressão for isotérmica, ou seja, sem variação de temperatura, então
necessariamente a pressão de cada um dos gases contidos no cilindro deverá dobrar. Colocando estes valores

dobrados na constante de equilíbrio, teremos:

(2 × pN H3 )2 4 × (pN H3 )2 1
QP = = = × KP (6.54)
(2 × pN2 )(2 × pH2 )3 16 × (pN2 )(pH2 )3 4

Uma vez que QP < KP , o deslocamento do equilíbrio acontecerá no sentido de formação de mais produtos.

Mas por quê? Ora, como o volume do sistema está sendo diminuído, as pressões vão invariavelmente aumentar.

Como o sistema quer sempre fazer o contrário do que fazemos com ele, o aumento da pressão faz com que o

sistema caminhe na direção onde há menos produtos gasosos, de modo que o aumento de pressão seja minimizado.

36 Considerações análogas porém contrárias, seriam obtidas para um exemplo considerando uma reação endotérmica.

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A adição de um gás inerte (como argônio, Ar), também causa um aumento na pressão total do sistema. No

entanto, como o argônio não faz parte da constante de equilíbrio, ele não altera a posição do equilíbrio. Uma

conclusão semelhante poderia ter sido traçada usando a Lei das Pressões Parciais de Dalton:

A pressão total de um sistema gasoso é a soma das pressões parciais de cada gás no sistema. Todo
gás é transparente aos outros, isto é, um gás não percebe a presença de outro.

Como os gases não notam uns aos outros, a adição de um novo gás não altera as pressões individuais de

cada um dos gases já presentes, e consequentemene também não perturba o estado de equilíbrio já presente.

6.7 Equilíbrio químico em células eletroquímicas


Uma pilha é um dispositivo onde ocorre um processo espontâneo, logo deve haver uma relação entre alguma

propriedade da pilha e a variação da energia de Gibbs de seu processo. Sabemos que uma pilha produz corrente

elétrica que pode ser aproveitada na forma de trabalho em um motor elétrico, por exemplo. Logo, a pilha produz

trabalho do tipo não volumétrico, e já vimos que o trabalho máximo do tipo não volumétrico a ser extraído de

um sistema é igual ao abaixamento na sua energia de Gibbs:

∆G = −wnv = −νe F ∆E (6.55)

sendo νe o coeciente estequiométrico dos elétrons envolvidos na reação redox da pilha, F a constante de Faraday

(a carga, em Coulombs, correspondente a um mol de elétrons: 96.485 C/mol) e ∆E é a variação no potencial da

pilha. Uma vez que n e F são sempre positivos, toda pilha cujo ∆E é positivo funciona espontaneamente pois

o ∆G associado à ela será negativo. Da mesma forma, uma pilha com ∆E negativo apresenta ∆G positivo, o

que indica que ela não funciona espontaneamente, mas sim com algum consumo de energia proveniente de uma

fonte externa. O processo inverso, no entanto, será espontâneo.

Já vimos que a espontaneidade de um processo em termos da energia de Gibbs não depende apenas das

espécies envolvidas, mas também do estado em que se encontram. A energia de Gibbs do processo supondo todos


os reagentes e produtos em seus estados padrão (∆G ) relacionase com a energia de Gibbs de um processo

arbitrário (∆G) através de:

∆r G = ∆r G−

+ RT ln Q (6.56)

para a qual R é a constante dos gases, T é a temperatura absoluta e Q é o quociente de reação para aquele

estado especíco. Combinando as duas últimas equações apresentadas:

−νe F ∆E = −νe F ∆E −

+ RT ln Q (6.57)

sendo a notação análoga, ou seja, ∆E −



é o potencial da pilha operando com todos os reagentes e produtos em

seus estados padrão, enquanto ∆E referese a pilha operando em uma condição qualquer. Dividindo todos os

termos por −νe F , temos:

RT
∆E = ∆E −

− ln Q (6.58)
νe F

Esta é conhecida como Equação de Nernst, e permite o cálculo do potencial de uma pilha operando fora
das condições padrão. Como R e F são constantes, e admitindo que a temperatura seja T = 298 K , podemos

chegar a uma forma mais simplicada da equação, combinando todos estes valores em uma única constante.

Hoje em dia, com as calculadoras elétricas, calcular ln ou log pode ser indiferente, mas na época de Nernst o

log em base 10 era muito mais facilmente computado. Pos isso, usando a constante de transformação entre os
log(x)
logaritmos na base natural e na base 10 (ln(x) = 2,303 ), chegamos à segunda forma, que é a forma originalmente
proposta por Nernst:

115
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0, 02570
∆E = ∆E −

− ln Q (6.59)
νe
0, 05916
∆E = ∆E −

− log Q (6.60)
νe

Vamos considerar novamente conhecida Pilha de Daniell. A reação e as duas semirreações que as compõe são:


Zn(s)
Zn2+
(aq) + 2 e E−

= +0, 76 V (6.61)


Cu2+
(aq) + 2 e
Cu(s) E−

= +0, 34 V (6.62)

Zn(s) + Cu2+ 2+
(aq)
Zn(aq) + Cu(s) ∆E −

= +1, 10 V (6.63)

Consequentemente, a Equação de Nerst para esta pilha tem a seguinte forma:

0, 02570
∆E = ∆E −

− ln Q (6.64)
νe
 
0, 02570 aCu(s) aZn2+
(aq)
∆E = 1, 10 − ln   (6.65)
2 aZn(s) aCu2+
(aq)

0, 02570 [Zn2+ ]
∆E ≈ 1, 10 − ln (6.66)
2 [Cu2+ ]

Notese que, no caso de todos os coecientes estequiométricos serem mutiplicados por 2, a reação química

e a Equação de Nerst para ela modicamse para:

2 Zn(s) + 2 Cu2+ 2+
(aq)
2 Zn(aq) + 2 Cu(s) (6.67)

0, 02570 [Zn2+ ]2
∆E ≈ 1, 10 − ln (6.68)
4 [Cu2+ ]2

0, 02570 [Zn2+ ]
∆E ≈ 1, 10 − × 2 ln (6.69)
4 [Cu2+ ]

0, 02570 [Zn2+ ]
∆E ≈ 1, 10 − ln (6.70)
2 [Cu2+ ]

ou seja, a multiplicação da equação por um coeciente qualquer não altera o potencial da pilha. Enfatizouse

também que o potencial desta pilha só seria +1,10 V no caso de todos os reagentes estarem em seus estados

padrão, o que implica atividade unitária para as espécies aquosas. Isso ca evidente com base na Equação,

pois se todas as atividades forem unitárias, o próprio quociente de reação será unitário (independentemente dos

coecientes estequiométricos), de modo que ln 1 = 0, fazendo ∆E = ∆E −



. Mas qual seria o potencial da pilha

operando com [CuSO4 ] = 0, 600 mol/L e [ZnSO4 ] = 0, 030 mol/L, ou seja, fora do estadopadrão?

[Zn2+ ]
 
0, 02570
∆E = ∆E −

− ln (6.71)
2 [Cu2+ ]
 
0, 02570 [0, 030]
∆E = 1, 10 − ln (6.72)
2 [0, 600]
∆E = 1, 14 V (6.73)

O valor maior também faz sentido do ponto de vista conceitual. Além da tendência natural dos elétrons

uírem do zinco para o cobre, há ainda uma tendência das soluções, inicialmente com concentrações diferentes,

igualaremnas. Como a solução que está mais diluída é a de Zn2+


(aq) , que está nos produtos, a reação química ten-

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derá a caminhar na direção de produção de mais Zn2+


(aq) (e consumo de Cu2+
(aq) ) a m de igualar as concentrações
das espécies aquosas. Isso é conseguido com a reação caminhando no sentido direto, e a espontaneidade deste

processo de diluição está relacionada ao 0,04 V adicional na pilha. A mesma conclusão poderia ser delineada

para uma pilha onde os reagentes estão mais diluídos. Nesse caso o potencial real seria menor que o padrão,

pois a tendência de diluição iria se contrapor à tendência de uxo de elétrons.

O parágrafo anterior nos permite concluir algo muito pouco intuitivo sobre pilhas eletroquímicas: qual

seria o potencial de uma pilha operando com dois eletrodos da mesma substância? Vamos exemplicar usando

eletrodos de prata; as reações, no cátodo e no ânodo, seriam, respectivamente:

+
Ag(aq) + e−
Ag(s) E−

= +0, 80 V (6.74)

+
Ag(s)
Ag(aq) + e− E−

= −0, 80 V (6.75)

Claramente, se os dois eletrodos estiverem operando em condiçõespadrão, o potencial global da pilha

será zero. No entanto, fora das condiçõespadrão, poderemos ter os eletrodos mergulhados em soluções de

concentrações diferentes, digamos 1,000 mol/L e 0,001 mol/L. Digamos que o eletrodo com solução 1,000

mol/L seja rotulado como o eletrodo dos produtos; nesse caso:

[Ag + ]
 
0, 02570
∆E = ∆E −

− ln (6.76)
1 [Ag + ]
 
0, 02570 [1, 000]
∆E = 0, 000 − ln (6.77)
1 [0, 001]
∆E = −0, 18 V (6.78)

O resultado não ser zero já indica que esta pilha funciona. De fato, ela é um exemplo de uma pilha de
concentração. Já o resultado ser negativo indica que o sentido espontâneo é o inverso do que foi convencio-

nado, ou seja, a reação deve acontecer de modo que o eletrodo com concentraçãode 1,000 mol/L corresponda

aos reagentes. Novamente isso tem lógica uma vez que a reação acontecendo nesse sentido caminhará, com

o tempo, no sentido de igualdade das concentrações. Quando isso ocorrer, independentemente de qual seja a

concentração de prata neste estágio, o quociente de reação será 1, log(1) = 0 e o potencial da pilha será zero

também. Uma vez atingido este estágio, não haverá tendência espontânea de uxo de elétrons em nenhuma das

direções.

Quando uma pilha eletroquímica apresenta potencial nulo (∆E = 0), a Eq. (6.55) requer que ∆G = 0, o

que indica reação em equilíbrio. No caso anterior isso é bem simples de ser vericado conceitualmente, isto é,

eletrodos iguais com concentrações iguais não podem apresentar diferença de potencial que favoreça os elétrons

a uírem em um ou outro sentido.

A situação muda de gura quando consideramos uma pilha comum. Novamente exemplicando com a Pilha

de Daniell, o que acontece se substituírmos, para ela, ∆E = 0 na Eq. de Nernst? Essa situação indica que a

reação da Pilha de Daniell atingiu o equilíbrio químico, e portanto o quociente de reação (Q) que aparece na Eq.

(6.59) corresponde verdadeiramente à constante de equilíbrio daquela reação (Keq ). Assim, podemos calcular a

constante de equilíbrio da seguinte forma:

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0, 02570
∆E = ∆E −

− ln(Keq ) (6.79)
2
0, 02570
0 = 1, 10 − ln(Keq ) (6.80)
2
2 νe F ∆E −

ln(Keq ) = 1, 10 × = 85, 60 = (6.81)
0, 02570 RT

eln Keq = Keq = e85,60 (6.82)

 
aZn2+
Keq = 1, 50 × 1037 = 
(aq)
 (6.83)
aCu2+
(aq)

Trocando em palavras, quando a razão entre as atividades dos íons zinco e íons cobre for 1, 50 × 1037 ,
a diferença de potencial referente às concentrações será grande o suciente para impedir a reação química

de prosseguir, implicando em equilíbrio químico. Isso signica que, na teoria, a reação não pode continuar

indenidamente, pois há uma composição de equilíbrio que a faz estacionar. No entanto, percebese que a razão

entre as atividades possui valor maior do que se houvesse apenas 1 íon cobre e 2,00 mol de íons zinco:

[Zn2+ ] 2, 00
= = 1, 20 × 1024 (6.84)
2+
[Cu ] 1, 66 × 10−24

Concluímos que, embora o equilíbrio exista na teoria, na prática a reação caminha até que se complete,

ou seja, até que todo o zinco metálico seja consumido. Para que o equilíbrio possa, de fato, ser estabelecido,
12
seriam precisos 25 trilhões (25 × 10 ) de mols de zinco metálico e uma solução de íons cobre com concentração

de 25 trilhões de mol/L, para que no m houvesse um íon cobre (em 1 L de solução) e 25 trilhões de íons

zinco (também em 1 L de solução), de modo que a razão resulte em 1, 54 × 1037 ; sem dúvidas isso é algo

completamente fora de realidade, o que nos permite dizer que na prática, as reações eletroquímicas, se deixadas

reagir por tempo suciente, se completam.

Por m, cabe explorar uma situação relacionada com casos anteriormente vistos, mas com abordagem um

pouco diferente: o que acontece com potenciais de eletrodo de reações encadeadas? Por exemplo, dadas três

semirreações relacionadas entre si, é possível obter o valor do potencial de uma delas a partir dos potenciais

duas duas outras (mais ou menos como se fazia no tópico de Lei de Hess, Seção 3.3, página 55 )? A resposta

é sim mas, para explicar, usaremos de cara um exemplo: considerando os dois estados de oxidação possíveis

para o cobre e suas rotas de redução até o cobre metálico, perguntase: qual o potencial de eletrodo para a

semirreação Cu2+ − +
(aq) + e → Cu(aq) ?


Cu2+
(aq) + 2e → Cu(s) E−

= +0, 34 V (6.85)


Cu+
(aq) + e → Cu(s) E−

= +0, 52 V (6.86)

Notase imediatamente que não podemos aplicar um raciocínio absolutamente idêntico ao da Lei de Hess

com os potenciais, uma vez que a segunda reação (que representa metade do caminho da primeira) envolve um
potencial 50% maior que a primeira; isso ocorre porque o potencial de eletrodo não é uma função de estado,
isto é, percorrendo os mesmos estados inicial e nal por caminhos diferentes envolverá potenciais diferentes nos

diferentes trajetos. Felizmente existe uma relação entre ∆E ↔ ∆r G (e entre ∆r E −



↔ ∆r G−

) que permite

contornar este problema, haja vista G ser uma função de estado. Portanto, transformando ambos os valores,

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teremos:

∆r G−
◦ −

Cu2+ /Cu0 = −νe F ∆E = −(2 mol)(96.485 C/mol)(0, 34 V ) = −65.609, 8 C.V = −65.609, 8 J (6.87)

∆r G−
◦ −

Cu+ /Cu0 = −νe F ∆E = −(1 mol)(96.485 C/mol)(0, 52 V ) = −50.172, 2 C.V = −50.172, 2 J (6.88)

Usando o encadeamento de reações tal como feito na Seção sobre Lei de Hess, teremos:


Cu2+ − +
(aq) + e → Cu(aq) ∆r G−

1 




Cu+ −
(aq) + e → Cu(s)


∆r G2 ∆r G−
◦ −
◦ −

3 = ∆r G1 + ∆r G2 (6.89)



Cu2+ −
∆r G−
◦ 

(aq) + 2e → Cu(s) 3

Uma vez que conhecemos os valores de ∆r G−



2 e ∆r G−

3, calculamos aquele que falta:

∆r G−
◦ −
◦ −

1 = ∆r G3 − ∆r G2 = (−65.609, 8 J) − (−50.172, 2 J) = −15.437, 6 J (6.90)

Retornando este valor para volts usando o procedimento inverso, teremos:

−∆r G−◦
−(−15.437, 6 C.V )
∆E −

= = = 0, 16 V (6.91)
νe F (1 mol)(96.485 C/mol)

Tal como esperado, (0, 34 V ) + (0, 52 V ) 6= 0, 16 V , o que corrobora nosso cálculo feito via ∆r G .

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