Você está na página 1de 5

Entrevista: quem são os irmãos Pavone,

responsáveis pelo design da Volkswagen no


Brasil e no mundo
Gêmeos tinham 12 anos quando começaram a enviar desenhos para
o chefe de estilo da Volkswagen

Por Michelle Ferreira


09/02/2020 11h40 Atualizado há 6 meses

Marco mora na Alemanha, enquanto José Carlos fica no Brasil (Foto: Ana
Carolina Negri) — Foto: Auto Esporte

Imagine ter o compromisso de desenhar a próxima geração do VW Gol. Os


responsáveis por desafios assim são brasileiros, e o melhor, irmãos
gêmeos. José Carlos Pavone é chefe de design da VW para a América
Latina e responde pelas linhas do Jetta, Passat e do novo Nivus. Marco
Pavone é chefe de design exterior do grupo e tem no currículo projetos como
Polo, up!, Tiguan e o exterior de todos os elétricos, como o ID.3.
A história do começo do interesse dos irmãos pela profissão é ainda mais
intrigante. Em 1991, viram no jornal uma reportagem com Luiz Veiga,
então gerente de Design da VW. A dupla preparou um pacote de desenhos
e enviou ao executivo, pedindo informações sobre a carreira, além de
"avaliações" sobre seus trabalhos.
Semanas depois, Veiga respondeu. “Para nossa surpresa, ele estava bem
impressionado com a qualidade dos desenhos, pois tínhamos só 12 anos.”
Por conta dessa e de outras histórias curiosas, estive no escritório da VW em
São Bernardo (SP) para entrevistar a dupla. “É muito difícil a gente se
encontrar. Geralmente, é preciso alinhar Júpiter e a Lua.” Dei sorte.
AUTOESPORTE: Como foi o começo da profissão para vocês?
MARCO PAVONE Meu pai se preocupava com nosso futuro. Dava papel e
caneta para pararmos de brigar ou nos entreter com alguma coisa. A gente
terminava logo as provas e ficava desenhando atrás da folha.
Desenvolvemos muito rápido. Desenhávamos só em linhas, após um tempo
em perspectiva, depois com cores. E começamos a progredir, um competindo
com o outro.

Irmãos desenhavam para se distrair ou acabar com as brigas quando


crianças (Foto: Ana Carolina Negri) — Foto: Auto Esporte

AE Qual foi o primeiro emprego?


JOSÉ CARLOS PAVONE Começamos a trabalhar com 18 anos. Era um
estágio em uma empresa que fazia vinhetas publicitárias. Estava começando
o lance de computação gráfica. Entramos juntos. A vaga era para ganhar R$
200 por mês; a gente chegou para o cara e falou: ‘Não dá para pagar R$ 100
para cada um?’, e ele topou. Duas cabeças, um salário e fomos aprender
tudo, sem noção nem de Photoshop.

AE Como foi entrar na Volkswagen?


MP Em 1997, fim do ano, recebi um telegrama, um convite da Volkswagen
para participar de um processo para estágio. Quando cheguei, o designer que
me entrevistava tinha um calhamaço de cartas minhas dos 11 até quase 20
anos. Ele falou que só queria me conhecer pessoalmente, ‘porque das três
vagas, uma já é sua’. Tudo isso aos 19 anos.
JCP Fiquei cinco anos na Mercedes, dois como estagiário e três como
profissional, desenhando grades, estribos. Queria sair de lá de qualquer jeito,
porque designer de veículos comerciais é um tanto limitado. Desenhar carro é
muito mais legal. Queria muito vir para cá. Tinha muitas cartas minhas na
Volkswagen também. No fim de 2001 abriram três vagas, e pensei: ‘Vou me
matar para conseguir uma’. Pedi férias na Mercedes, fiquei 30 dias em casa
trabalhando das 6h às 19h no portfólio. Entreguei ao Veiga e, em 2002, fui
chamado.

AE Como é a rotina de um dia normal de trabalho?


MP Tenho um time de 80 pessoas. Chego às 6h30, mas até 8h tenho
liberdade mental para organizar o dia e pensar em estratégias. Depois,
começam as reuniões: há dias que tenho 14 reuniões, e isso vai até 18h. Das
18h às 19h30 é que sento e avalio o dia. Analiso projetos e consigo ser
criativo de novo. São as partes mais divertidas. Nós trabalhamos com
projetos do mundo inteiro. É assim todos os dias: trabalho em 60 projetos ao
mesmo tempo.
JCP Meu time é um pouco menor, 60 pessoas. Diferentemente do Marco,
além de cuidar do exterior eu trabalho com interior, cores e acabamento. E
são muitas reuniões diferentes por dia. Quer um exemplo? Salão do
Automóvel. Quando se é designer de empresa, pedem opinião para tudo, até
cor da gravata de alguém. Desenhar é 10% do trabalho de um designer de
carros, o resto é execução.

AE Vocês sentem falta de desenhar?


MP Sinto. Não tenho mais tempo de desenhar, preciso dar direções para as
pessoas. É meu papel hoje. Propor uma ideia e ficar duas horas desenhando,
nunca mais...
JCP Sinto falta de desenhar, muita. Consigo suprir isso um pouco melhor.
Divido meu horário de almoço em dois. Às vezes não vou, trago comida e fico
desenhando na minha sala.

Hoje os gêmeos dificilmente têm tempo para desenhar (Foto: Ana Carolina
Negri) — Foto: Auto Esporte

AE A equipe de design desenha muito ou fica projetando uma coisa só?


MP Hoje não há espaço para enrolação, tem que ser certeiro. Os
competidores estão cada vez mais rápidos. Quando era estagiário, ficava
semanas desenhando. Após quatro semanas tinha uma coisa
chamada sketch review. Hoje fazemos tudo mais rápido, virtualmente. O
desenvolvimento de um carro, do papel ao fim, encurtou muito. Não tem mais
espaço para poesia. A história romântica que o designer fica desenhando,
testando, não existe mais.

AE Mas isso não pode ser ruim?


JCP Os dois. Ganhamos em eficiência e os designers erram menos. Por
outro lado, é preciso ser um pouco autocrítico e entender que a indústria tem
um grau de exigência enorme. A ideia de que está tudo muito parecido
também resulta dessa pressão, do tempo mais curto, da competição, dos
asiáticos fazendo carro mais rápido. Antes, o designer ficava seis meses
desenhando. Hoje, dá para ter um carro em 3D em cinco dias. A parte
romântica não existe mais. Tudo que é novo, tudo que surpreende, demanda
maior elaboração. Nunca vai sair algo totalmente novo, legal, do nada.
MP Outra coisa que dificulta a criatividade são normas técnicas — como
proteção ao pedestre. Para fazer um carro hoje há uma série de leis. Para
não matar um cara a 30 km/h, a dianteira é desenhada para bater em alguém
e projetar para a frente, evitando quebrar seus ossos. São vários fatores,
como o tempo mais curto de desenvolvimento, normas técnicas muito mais
afiadas, emissões, aerodinâmica e por aí vai. Trabalhei no ID.3, com
coeficiente aerodinâmico fantástico, mas ganhei 200 mil fios de cabelos
brancos.

AE Qual foi o projeto mais difícil que vocês lideraram?


JCP Os orientados por custo são os mais difíceis. Estamos trabalhando em
um carro de custo limitado. No tempo de fazer esse, fizemos outro inteiro
novo, é inacreditável. Porque é custo, é fornecedor, é a quantidade de tinta
que vai no para-choque... Para mim, é o grande desafio.
MP Para mim foi o do up! Aprendi muito em relação a custo. O design que
queria em primeira instância não era possível. Tive inúmeras reuniões com a
engenharia para desenvolver o vidro da tampa traseira, por exemplo.
JCP Desenvolver um carro pequeno, barato, é algo 1 milhão de vezes mais
difícil do que desenhar um novo Lamborghini Aventador. E para você ferrar
com um carro desses, tem que ser um designer muito ruim [risos]. O carro já
vem abençoado pela engenharia — o esqueleto dele, baixo, largo, roda
grande. Estragar isso é difícil. Agora, vai fazer um Voyage novo! Além de
tudo, o carro tem uma importância enorme. Imagina desenhar o Gol? Você
não pode estragar um carro como esse. Resumindo: ser criativo com pouco
tempo e pouco dinheiro é muito mais difícil do que trabalhar para marcas
premium.
Desenvolvimento de um carro novo leva quatro anos, segundo os Pavone
(Foto: Ana Carolina Negri) — Foto: Auto Esporte

AE Quanto tempo demora para um projeto totalmente novo aparecer nas


ruas?
MP No passado, seis anos. Atualmente, quatro anos em média, e tende a
ficar menor. Hoje o processo é muito mais virtual. O designer faz desenhos e
já manda para a engenharia, que faz análises técnicas, até testes de colisões
virtuais. Tudo em paralelo. Antes era linear. Primeiro o design estava pronto,
depois a construção do protótipo virtual, depois o real. Se desse problema,
voltava-se para trás. Todo mundo está aprendendo a ser mais eficiente. A
interação com outras áreas é muito maior.

AE Como vocês lidam com críticas?


MP Nunca falo que tem certo ou errado no design. Não posso falar que não
gosto de um carro, é só minha opinião, e isso não importa. O cara que fez tal
coisa não quis errar, teve motivos. Não sei sobre a parte técnica ali atrás, que
problemas ele teve. A gente se abstém desses comentários.
JCP Na internet está cheio de design. Quando fizemos o Gol GT para o
Salão de 2018, nunca recebi tanto elogio na vida. Todos falaram que foi o
carro do salão. Você vai meio que treinando, aprende que nem tudo agrada
todo mundo e que não deve entrar na pilha.

AE Como foi mudar o logo da Volkswagen?


MP Decidimos mudar o logo faz uns dois anos. Lembra do logo Das Auto?
Esse jargão, essa pseudoarrogância, isso foi deixado de lado, e a ideia era
trazer algo mais humano. Antes, tudo era muito pesado. Essa leveza que a
Volkswagen quer levar para os seus carros chegou até o logo. Uma mudança
total — não adianta só mudar o carro.

Você também pode gostar