Björk é uma das artistas mais únicas da história da música e, ao longo de
sua extensa e prolífica carreira, remodelou as inflexões artísticas fonográficas a seu bel-prazer. A artista islandesa sempre trouxe algo de novo para cada um de seus álbuns, afastando-se dos convencionalismos que dominavam épocas determinadas para apostar fichas em um vanguardismo excêntrico e propositalmente excessivo, tornando o trabalho de colocá-la em uma caixinha ou restringi-la a um rótulo impossível. Agora, cinco anos depois do lançamento de ‘Utopia’, ela retorna com um ambicioso e terapêutico compilado de originais intitulado ‘Fossora’ – cujas concepção e entrega transforma a produção em uma das melhores de sua discografia. Analisar o trabalho de Björk não é uma tarefa fácil, ainda mais pelo fato de ela não seguir quaisquer estéticas engessadas pelo mainstream ou até mesmo pelo cenário alternativo – que vem se mostrando cada vez mais cheio de emulações e homenagens. É claro que a cantora e compositora não deixa de trazer elementos familiares para essa nova produção, mas prefere arquitetar uma linha de pensamento que dialogue com suas próprias incursões predecessora, como se pudesse encontrar o que precisa dentro de território conhecido. E o resultado é, sem surpresa alguma, diferente de qualquer coisa que já ouvimos neste ano – e digo isso como um elogio, principalmente considerando o processo de construção do disco e as importantes temáticas trazidas pelas canções. A artista escolheu “Atopos” como a faixa de abertura dessa inesperada jornada e como lead single – e a própria nomenclatura da música já indica o que podemos esperar do álbum. Se você nunca ao menos cruzou caminho com uma canção composta por Björk, digo que nenhuma das escolhas é por acaso e que cada engrenagem pertence a uma macroestrutura que rompe com as barreiras sonoras e expande-se para teoremas filosóficos e análises sociológicas sobre o homem em si e dentro da sociedade. É a partir daí (e resgatando o conceito de atopia e da efemeridade das sensações de Roland Barthes) que a primeira track insurge, como um arauto do nada e do não- lugar: “estas não são apenas desculpas para se conectar?”, ela pergunta a um interlocutor invisível, destacando a fugacidade de um relacionamento cujos problemas não importam. De certa maneira, é possível enxergar a visão de Björk como um enfrentamento pessimista da realidade – mas seria essa visão, de fato, pessimista? Ou um bruto realismo que toma forma em cada uma das canções? Afinal, para além de uma imagética sensorial que traz aspectos das múltiplas áreas do conhecimento, ela utiliza a plataforma da música como um espaço confessional e declamatório, em que lida com o luto de perder a mãe – como podemos ver em “Ancestress”, um notável e longo processo de cura, em que as ambiguidades entre o piano e os vocais da cantora erguem-se como uma reflexão memorialística do que se foi e do que não irá mais voltar (uma compreensão tocante que é transposta inclusive para a emocionante rendição da performer). [falar de Mycelia e Sorrowful Soil]