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FOSSORA (2022)

Björk é uma das artistas mais únicas da história da música e, ao longo de


sua extensa e prolífica carreira, remodelou as inflexões artísticas
fonográficas a seu bel-prazer. A artista islandesa sempre trouxe algo de
novo para cada um de seus álbuns, afastando-se dos convencionalismos que
dominavam épocas determinadas para apostar fichas em um vanguardismo
excêntrico e propositalmente excessivo, tornando o trabalho de colocá-la
em uma caixinha ou restringi-la a um rótulo impossível. Agora, cinco anos
depois do lançamento de ‘Utopia’, ela retorna com um ambicioso e
terapêutico compilado de originais intitulado ‘Fossora’ – cujas concepção
e entrega transforma a produção em uma das melhores de sua discografia.
Analisar o trabalho de Björk não é uma tarefa fácil, ainda mais pelo fato de
ela não seguir quaisquer estéticas engessadas pelo mainstream ou até
mesmo pelo cenário alternativo – que vem se mostrando cada vez mais
cheio de emulações e homenagens. É claro que a cantora e compositora não
deixa de trazer elementos familiares para essa nova produção, mas prefere
arquitetar uma linha de pensamento que dialogue com suas próprias
incursões predecessora, como se pudesse encontrar o que precisa dentro de
território conhecido. E o resultado é, sem surpresa alguma, diferente de
qualquer coisa que já ouvimos neste ano – e digo isso como um elogio,
principalmente considerando o processo de construção do disco e as
importantes temáticas trazidas pelas canções.
A artista escolheu “Atopos” como a faixa de abertura dessa inesperada
jornada e como lead single – e a própria nomenclatura da música já indica
o que podemos esperar do álbum. Se você nunca ao menos cruzou caminho
com uma canção composta por Björk, digo que nenhuma das escolhas é por
acaso e que cada engrenagem pertence a uma macroestrutura que rompe
com as barreiras sonoras e expande-se para teoremas filosóficos e análises
sociológicas sobre o homem em si e dentro da sociedade. É a partir daí (e
resgatando o conceito de atopia e da efemeridade das sensações de Roland
Barthes) que a primeira track insurge, como um arauto do nada e do não-
lugar: “estas não são apenas desculpas para se conectar?”, ela pergunta a
um interlocutor invisível, destacando a fugacidade de um relacionamento
cujos problemas não importam.
De certa maneira, é possível enxergar a visão de Björk como um
enfrentamento pessimista da realidade – mas seria essa visão, de fato,
pessimista? Ou um bruto realismo que toma forma em cada uma das
canções? Afinal, para além de uma imagética sensorial que traz aspectos
das múltiplas áreas do conhecimento, ela utiliza a plataforma da música
como um espaço confessional e declamatório, em que lida com o luto de
perder a mãe – como podemos ver em “Ancestress”, um notável e longo
processo de cura, em que as ambiguidades entre o piano e os vocais da
cantora erguem-se como uma reflexão memorialística do que se foi e do
que não irá mais voltar (uma compreensão tocante que é transposta
inclusive para a emocionante rendição da performer).
[falar de Mycelia e Sorrowful Soil]

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