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CRÍTICA MUSICAL

No âmbito da disciplina: Análise e Crítica


Musical

Professor da disciplina: Hedisson Mota

Realizado por: Filipe Silva

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Música, um ofício deveras subjetivo, encontra-se obstinadamente a ser

delimitada a uma conjugação de palavras. Apesar da sua complexidade

inigualável, onde há uma peça musical irá haver uma crítica. Por mais sapiência

e perícia que se possa deter é, por vezes, hermético dissecá-la. Mas, o

fundamento da crítica nem sempre é discernir o aprazível do intolerável. A crítica

serve também como uma forma de dar visibilidade à música, e quando

argumentada eximiamente, esta asseverar-se-á determinante ao consumo

desse ofício. Albergar conhecimento em matérias como Evolução do

Pensamento Musical, Sociologia da Música, Teoria Musical, Etnomusicologia,

Produção Musical, entre várias outras, é basilar numa crítica sólida e congruente.

Neste contexto, e no âmbito da cadeira Análise e Crítica Musical, irei debruçar-

me sobre dois projetos musicais, que considero um sucesso e um fracasso,

respetivamente, analisando-os e criticando-os, focando-me em uma música de

cada, com base nos conhecimentos albergados em aula.

Os anos 80 foram marcados pelo hair metal, um subgénero do heavy

metal, e pelo hard rock, subgénero do rock. Estes entraram em voga,

conquistando com facilidade as massas. Bandas como Guns ‘n Roses ou Bon

Jovi, utilizavam refrões repetitivos, porém cativantes, com letras igualmente

retumbantes e frívolas, que abordavam temas triviais e pacatos como amor, sexo

e droga, de forma a serem facilmente memorizadas. Os elementos das bandas

carregavam, ainda, um vestuário bastante extravagante, inspirado no glam rock

dos anos 70. Era uma onda musical que parecia que iria perdurar. Porém, nos

anos que se seguiam, este panorama transmutou-se.

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Na década de 90 surgia um novo subgénero do rock, denominado de

grunge. Musicalmente falando, o grunge não tem um som característico e

definido, pois as principais bandas como Nirvana ou Alice In Chains,

apresentavam um som e estética distintos umas das outras. Contudo, é possível

traçar semelhanças para as enquadrar no “panorama grunge”. O género

apresentava instrumentos alusivos ao heavy metal dos anos 70, uma estética

lírica e musical aproximada ao punk, conquanto as músicas tinham um

andamento mais lento. As guitarras tinham um som sórdido, estando repletas

com fortes distorções e, simultaneamente, sendo acompanhadas por letras que

retratavam temas como angústia, depressão, apatia e desejo por liberdade. Isto

espelhava o sentimento vivido pela juventude da época. Esta lidava com

problemas de austeridade, começando a sentir os problemas de uma sociedade

com expectativas capitalistas, e que enfrentava problemas de opressão social

como segregação racial, homofobia, misoginia, etc. Esta situação contrastava

com o lifestyle proferido pelas bandas de hair metal e, o grunge, serviu como

antítese desse gênero musical.

O primeiro álbum é um LP publicado a 24 de setembro de 1991, pela

gravadora DGC Records e produzido por Butch Vig. Este projeto encarregou-se

de trazer para o mainstream o estilo de música grunge, que na época era

convencionalmente visto como underground, vendendo 300 000 cópias por

semana. “Nevermind”, o segundo álbum de estúdio da banda estadunidense

Nirvana, liderada por Kurt Cobain, Krist Novaselic e Dave Grohl, é considerado

um dos álbuns mais bem-sucedidos e influentes.

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O álbum arranca com a música “Smells Like Teen Spirit”. Esta viria a

tornar-se num dos maiores clássicos do rock, retirando Michael Jackson do topo

das paradas da Billboard. Tornou-se, simultaneamente, uma das canções que

sumariza a cena musical dos anos 90. Sendo o primeiro single utilizado para a

promoção do álbum, este atrai imediatamente a atenção do público com o seu

‘riff’ icónico de guitarra, representando claramente o “hook” e ponto focal da

canção, destacando-se na mistura. Esta abre a música desacompanhada, com

as panorâmicas ao centro e bastante dry a nível de efeitos. Logo após as

primeiras duas repetições, é recebida por um fill de bateria que expande a

música para o stereo, cria uma acentuada elevação a nível de contorno dinâmico

e introduz os restantes instrumentos ao ouvinte. A guitarra é acolhida por um

efeito de distorção e compressão, estando agora colocada de forma wide a nível

panorâmico e provavelmente duplicada, de forma a soar mais poderosa. Esta é

agora complementada por uma linha de baixo minimalista, que acompanha as

notas feitas pela guitarra, e uma seção rítmica energética. A opção de permitir a

guitarra abrir a música sem efeitos e, consecutivamente, criar uma bisarma

elevação dos contornos dinâmicos com a introdução de vários novos elementos

em sequência, concebe, a nível da psicologia musical, uma sensação de euforia

e sobressalto a quem a ouve pela primeira vez, e gera um sentimento de

ansiedade para um ouvinte recorrente.

Após esta explosão sonora, o baterista utiliza o snare como transição

para o Verso da música, que nos é oferecido de um modo bastante mais sereno,

dry tight e melancólico, executando um contraponto em relação à introdução.

Este é complementado pelas vocais de Kurt Cobain, cujo timbre vocal é bastante

melancólico, que é acompanhado por uma linha de baixo semelhante (apenas a

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quantidade de notas é alterada). São adicionadas uma linha de bateria

igualmente trivial e uma guitarra bastante simples e desprovida de distorção que,

a nível panorâmico, está ao centro e é complementada por reverb e delay que a

abrem para os lados, expandindo assim as panorâmicas do tema.

O Pré-refrão volta a fornecer a distorção à guitarra (não tão compacto

quanto o da introdução), colocando a guitarra de forma wide. Assim, são abertas

as panorâmicas da música. A linha de baixo mantém-se idêntica, conquanto, a

bateria é ligeiramente transmutada. Esta assinala com os pratos a nova fase da

música, adicionando-os, posteriormente, a cada 4 repetições e executa uma

linha rítmica praticamente homóloga à da bateria no verso, sofrendo outra

pequena alteração após a segunda repetição. A voz cita uma letra repetitiva,

efetuando um jogo no espaço stereo, movendo-se da esquerda para a direita e

vice-versa a cada repetição. Os pratos acrescentam frequências agudas, criando

uma certa tensão pelo ansiado verso. Por conseguinte, executam

satisfatoriamente o papel de pré-refrão, levando a música ao clímax. O contorno

dinâmico é, indubitavelmente, mais intenso que o verso e menos poderoso que

o refrão.

O Refrão traz consigo a energia presente na Intro, reintroduzindo o já

mencionado riff de guitarra, o baixo a copiar a melodia da guitarra e a bateria

frenética com a utilização dos vários pratos, desta vez acompanhados por uns

vocais roucos e poderosos, como se quem está a cantar quisesse libertar toda a

raiva através da sua voz. Este punch na voz é obtido através de uma duplicação

da mesma, o que exige ao vocalista 2 takes semelhantes que, segundo Butch

Vig, forma obtidos com destreza, fornecendo um aumento do dynamic range da

música. A letra é enigmática e de difícil compreensão, devido à forma como Kurt

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Cobain articula as palavras, não tirando mérito à sua escrita que, na minha

opinião, é formidável.

Em seguida, com o regressar ao verso, o contorno dinâmico desce

abruptamente, envolvendo o ouvinte num sentimento de soturnidade e dissabor.

Este volta a ascender no Pré-refrão e a atingir o clímax no segundo refrão, de

forma equipolente ao primeiro. Desta vez, após ao Refrão, há um Solo bastante

elementar de guitarra, onde Cobain murmura a melodia através do instrumento

enquanto a bateria e o baixo são executados da mesma forma que no Refrão.

O Solo usufrui do mesmo nível dinâmico do Refrão, prolongado o apogeu

introduzido pelo mesmo. Aqui constatamos, a nível de produção, o aspeto mais

criativo da canção, pois no findar do solo o feedback da guitarra é conservado,

transitando a música para o Terceiro Pré-refrão. A música cresce uma última

vez no terceiro e último refrão, segando com uma Outro que marca o auge da

canção.

“Smells Like Teen Spirit” é composta com base num ‘riff’ de quatro

acordes, sem qualquer bridge, com uma produção que, apesar de se denotar ser

feita de acordo com a música, é similarmente frívola.

Apesar da sua composição musicalmente simplista, esta joga de forma

eximia com os contornos dinâmicos da música, estabelecendo diferentes layers

sonoros em cada parte. A nível performativo, a execução dos músicos é vigorosa

e sublime, contribuindo para um culminar perfeito entre atuações poderosas e

uma mistura igualmente rija. Quer os vocais, quer a letra, transportam-nos para

um lugar hipotético onde toda a nossa raiva está em sincronia com as suas

palavras e no qual a nossa solidão e as nossas inseguranças são

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compreendidas, como se tivéssemos acabado de sair de uma consulta com um

psicólogo.

Introdução Verso 1 Pré-Refrão

PAN Tight e wide Tight Wide


(Wide/Tight)
SFX Dry Wet Wet
(Dry/wet)
Fx type Distorção Reverb Distorção
Reverb Delay Chorus
Contorno Após duas Decresce em relação à Cresce em relação
dinâmico repetições, este intro. ao verso.
aumenta.
Observações Esta é tight quando O reverb e o delay Perde-se o delay
se inicia, mas, expandem a música na voz. Esta é,
depois de duas para os lados. também,
repetições, torna-se duplicada.
wide.

Refrão 1 Verso 2 Pré-Refrão Refrão 2

PAN Wide Tight Wide Wide


(Wide/tight)
SFX Wet Wet Wet Wet
(Dry/wet)
Fx type Distorção Reverb Distorção Distorção
Delay Delay Chorus Delay
Reverb Reverb
Contorno Cresce em Decresce em Cresce em Cresce em
dinâmico relação ao pré- relação ao refrão. relação ao relação ao
refrão. verso 2. pré-refrão.
Observações A voz volta a A guitarra perde Idêntico ao Idêntico ao
ganhar reverb e a distorção. pré-refrão primeiro
delay. Esta é, antecedente. refrão.
também,
duplicada.

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Solo Pré-Refrão Refrão 3 Outro

PAN Wide Wide Wide Wide


(Wide/tight)
SFX Wet Wet Wet Wet
(Dry/wet)
Fx type Distorção Distorção Distorção Distorção
Modulação Coros Delay Delay
harmónica. Reverb Reverb

Contorno Mantem-se em Decresce em Cresce em Mantém-se


dinâmico relação ao relação ao solo. relação ao pré- em relação
refrão. refrão ao refrão.
Observações Utiliza feedback Idêntico aos pré- Idêntico aos Na última
da guitarra para refrões refrões repetição,
transitar para o anteriores, com anteriores. uma voz fica
próximo pré- exceção do bastante dry
refrão. feedback da e upfront.
guitarra, que se A música
mantém durante acaba em
algum tempo. fade out.

Em suma, “Nevermind” teve um enorme impacto cultural. Para além de

ter alterado a cena musical, foi igualmente impactante nas mudanças estilísticas

(tal como havia acontecido com o movimento ‘hippie’ e ‘punk’). Várias bandas de

grunge da época, começaram a ganhar uma enorme tração após o sucesso de

“Nevermind”. A sua capa indelével, que retrata um recém-nascido em busca de

um dólar, ficou carimbada nas mentalidades da época. Musicalmente, e a nível

de produção, o álbum é bastante rudimentar, tendo como base alterações

abruptas no contorno dinâmico, que criam uma sensação de êxtase. Contanto,

considero que esta simplicidade tenha sido a razão do seu enorme sucesso a

nível de massas, sendo um álbum fácil de digerir e bastante energético.

“Nevermind” surgiu num contexto em que a música que era feita servia para

encher estádios e arenas, com letras que não dispunham de qualquer significado

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ético ou moral. Para além de “Smells Like Teen Spirit”, de Nevermind nasceram

hits como “In Bloom”, “Come as You Are”, “Lithium” e “Stay Away”. Pode concluir-

se que Kurt Cobain cantava para as pessoas que se sentiam deprimidas e

oprimidas, criando nelas uma sensação de pertença e compreensão.

No dia 26 de janeiro de 2006, a banda Arctic Monkeys abalou a Inglaterra

com o seu primeiro álbum,“Whatever People Say I Am That’s What I’m Not”,

sendo até hoje o álbum com mais vendas no seu dia de estreia no Reino Unido.

O grupo é umas das bandas contemporâneas do rock alternativo mais bem

sucedidas e aclamadas, tendo sido pioneira na utilização de redes sociais como

promoção da própria música. A banda transmutaria o seu estilo de forma

cuidadosa até 9 de setembro de 2013, data de lançamento do seu álbum “AM”.

Apesar de subtil, a mudança para uma estrutura composicional similar à da

música pop comercial sente-se de forma clara neste álbum (algo que

desagradou alguns fãs). Este tornou-se um sucesso comercial, fazendo com que

a banda angariasse uma enorme legião de fãs e, consequentemente, elevando

a fasquia para o álbum seguinte.

A banda entraria no hiatus mais longo das suas carreiras depois de “AM”

e, só em 2018, lançaram “Tranquility Base Hotel & Casino”, sucessor de

“AM”. O álbum foi recebido com opiniões divididas. Contudo, denota-se

claramente que acabou por ter um impacto imensamente inferior ao do seu

antecessor, não correspondendo às expectativas estipuladas pelos fãs. Este

insucesso deveu-se, claramente, a más escolhas de produção:

• Com o lançamento de “AM”, a banda ganhou o estatuto de “banda de

massas”, abrangendo um público alvo maior, dada a infusão de um estilo

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pop nos seus temas. Porém, a banda optou por não jogar pelo seguro,

concebendo um álbum com uma sonoridade bastante dissemelhante de

“AM”, com estruturas musicais incoerentes e desconexas.

• O álbum é concebido em torno de um único instrumento, dando-lhe uma

característica unidimensional, sendo por vezes difícil distinguir entre cada

faixa. A falta global de variedade instrumental faz com que o álbum seja

muito tedioso.

• A mistura é excessivamente claustrofóbica, estando os instrumentos,

especialmente a voz, sempre demasiado upfront. Também a performance

vocal é um aspeto bastante negativo. É possível denotar isto em músicas

como “American Sports” ou “Tranquility Base Hotel & Casino”

• A nível métrico, as frases são, muitas vezes, excessivamente longas,

prejudicando o flow dos instrumentais e acarretando consequências a

nível estrutural. Um exemplo disso é a faixa de abertura do álbum “Star

Treatment”.

• Os refrões são monocórdicos e, culminando com as estruturas irregulares

e inconsistentes, fazem com que o álbum se torne pouco memorável.

Na minha opinião, estes aspetos são alguns dos que contribuem para o

insucesso do álbum e que seriam facilmente resolvidos com uma produção mais

ponderada:

1. Incorporar uma instrumentação maior e variada, de forma a colorir o

álbum e criar um ambiente pujante.

2. Estabelecer estruturas mais simples, de forma a criar refrões impactantes

e poderosos na mistura.

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3. Encurtar as frases, de forma a que não pareçam excessivamente longas

e que assentem melhor com a métrica, para não criar um pace tão lento

e vigoroso.

4. Ingressar pelo bem-sucedido pop/rock alternativo estipulado pelo álbum

anterior, jogando assim de forma mais segura.

5. Melhorar a performance vocal e misturar a presença da mesma, de modo

a não estar sempre tão upfront.

Bibliografia
• https://songmeanings.com/songs/view/3530822107858542352/

• https://www.musicontherun.net/2015/10/discos-para-historia-
whatever-people-say-i-am-thats-what-im-not-arctic-monkeys-2006.html

• https://odisseiapop.com.br/a-explosao-sonica-dos-arctic-monkeys-em-
whatever-people-say-i-am-thats-what-im-not/

• https://www.youtube.com/watch?v=ErcJ2kUC4Wg

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