Você está na página 1de 2

DEPOSIÇÃO DE UM MAGISTRADO

Gravíssimo é o atentado que, tristes e compungidos somos forçados a registrar


nestas colunas.

Quando julgávamos banidas e proscritas, por uma vez, do nosso meio social, as
deposições, eis que de uma das Comarcas do centro surge-nos, inopinadamente, a
afirmadora notícia de haver sido “deposto” de sua Comarca, um honrado Juiz de Direito.

Desta vez, não foi a anarquia popular, ou a multidão cega em seus delírios que se
agrupou para depor um Juiz verdugo, partidário e falso sacerdote da justiça.

A deposição aqui nós vamos referir, foi praticada pelos dinossauros do poder, a
ordens superiores que deram execução a um conluio perdido e imoral.

Achando-se o honrado juiz de direito Dr. Antônio Pedreira de Cerqueira em sua


casa na tarde de 28 de agosto, próximo findo, na Vila do Bom Conselho rodeado da
virtuosa esposa e de 6 inocentes filhinhos, viu-se violentamente cercado por mais de 40
clavinoteiros, tendo à sua frente o comissário de polícia Pedro Correia de Souza, tio da
senhora do promotor público doutor João Mendes da Silva.

Em ato contínuo aquela autoridade intimidou ao seu superior o juiz de direito, que
se monta em um cavalo que trouxera preparado, pois não convinha a continuação de sua
residência naquela Vila.

Dispensamo-nos de descrever o horror, as lágrimas da esposa aflita, os gritos e


lamentos das pobres criancinhas arrancadas dos braços do esposo e pai extremoso, não
tentaremos pintar o quadro da tamanha desolação que se seguiu como nos foi fielmente
referida, deixando que julgada seja pelo poder dos homens de bem e principalmente seus
colegas de magistratura.

O doutor Pedreira de Cerqueira ao que consta fora levado para o engenho


Camunciatá.

Sua desolada família abandonou 2 dias depois sua residência, recebendo de todos
os habitantes daquela Vila as maiores provas de apreço e pesar.

O fim da deposição foi arrancar o honrado juiz daquela comarca obrigando a pedir
remoção ou permuta por outra.
A aprovação deste moral e violento conluio aqui não pode se dizer que foi estranho
o Governador do Estado não se fez esperar.

Tendo-se dado o despótico fato, na tarde de 28 de agosto, por decreto de 9 do


corrente, já estava removida a vítima do canibalismo, a pedido para a comarca de Salinas
para se acomodar no do Bom Conselho o doutor José Dantas Martins Fontes.

Julguem agora os homens sisudos e honestos, mas esta façanha de quem tanto tem
rebaixado esta nobre Terra.

O doutor Pedreira tinha o pecado de não ser magistrado político e de não ter
requerido se alistar no rol dos instrumentos do poder e daí proveio a situação dolorosa em
que se achou envolvido.

Ainda assim felicitamos a sua Senhoria porque pior podia ser a encomenda, ficar
em seus filhinhos na orfandade!...

Correio do Brasil (Rio de Janeiro). Publicado no dia 14 de setembro de 1903.

Você também pode gostar