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Era cinco de maio de 1888, na fazenda Tanque Novo, Bom Conselho. Passava das
onze horas da noite quando Martinho, escravo pertencente a Maria Francisca de Jesus, se
dirige à Fazenda Olaria, de propriedade de Raimundo Correia de Souza (Tio de Correinha
da zabumba), é noite alta e a maioria das pessoas já estavam dormindo. Martinho chega
a uma pequena casa de palha onde dorme tranquilamente Sérgio, escravo de Raimundo
Correia de Souza.
A história que você acabou de ler está detalhadamente descrita no processo crime
07/225/17, manuscrito de 198 páginas, sob a guarda do Arquivo Público do Estado da
Bahia.
Ora, com por esse procedimento, o denunciado incorreu no sansão penal do art.
192, do código criminal, para que seja punido [trecho ilegível] o promotor público dá a
presente denúncia e apresenta como testemunha a senhora [palavra ilegível] Rodrigues
dos Santos, Pedro Francisco dos Santos, Saturnino Viana Nunes, Amâncio dos Reis de
Alcântara, José Calazans da Silva, Manoel Cardoso dos Santos, todos moradores nessa
vila. Ilmo° Promotor Público.
Digo em aliança [trecho ilegível] D. Maria Francisca de Jesus que [trecho ilegível]
escravo de nome Martinho, de idade de 46 anos, mais ou menos, ao qual concedeu
liberdade, que, de hoje em diante, ciente do crime contra [trecho ilegível] o presente de
minha livre [trecho ilegível] porém em mão [trecho ilegível] a João Nunes da Silva, que
este por mim [trecho ilegível] em presença de duas testemunhas.
Bom Conselho, 15 de maio de 1888.
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Martinho foi comprado por Francisco Correia de Souza, pai de Raimundo Correia,
ainda muito jovem. Sabe-se que o escravizado nasceu em Inhambupe por volta de 1846.
O comprador, Franciso, foi homem influente em seu tempo, possuía a patente de alferes
e em 1876, foi eleito vereador na primeira legislatura da recém-criada Vila de Bom
Conselho, ao lado de Cícero Dantas Martins, o Barão de Jeremoabo.
O assassinato de Sérgio parece ter sido algo marcante para toda a comunidade,
tanto é que a história foi passada de geração em geração, gerando, inclusive, um livro
intitulado Bom Conselho dos Montes do Boqueirão, escrito por uma bisneta de Raimundo
Correia, Telma Antonieta, em 1989.
Curioso é ver como a memória é falha e muitas partes da história foram distorcidas
ao longo dos anos, o assassino é tratado no livro como Tobias e diversas passagens do
trágico incidente foram ressignificados, sendo somente esclarecido com a leitura do
processo na íntegra.
Martinho foi réu confesso, durante o julgamento não fez questão de se defender,
apenas narrou que matou Sérgio por ele ter ele ter zombado dele e limitou-se a responder
questões pontuais. As testemunhas se revezam em breves relatos, todos contavam a
mesma versão dos fatos com pouquíssimos acréscimos.
Martinho seria condenado a 20 anos de reclusão com trabalho, pegando uma pena
mínima, já que o código penal da época previa o enforcamento. O fato foi noticiado pelo
jornal gazeta de notícias do Rio de Janeiro, o recorte está disponível no site da hemeroteca
digital e foi encontrado pelo pesquisador cícero-dantense Marcelo Reis, que também me
cedeu um trecho do livro Bom Conselho dos Montes do Boqueirão e outras valiosos
informações que me ajudaram a compor essa história.
O processo crime que apura o assassinato de Sérgio, é uma boa amostra de como
se encarava a justiça por essa região no final do século XIX. De acordo com Fagner
Andrade, pouca coisa do modus openrandi mudou, alguns termos são empregados no
direito ainda hoje, contudo, a aplicação da lei mudou muito nesse último século. Para se
ter uma ideia, o código penal da época, que vigorou de 1831 a 1891, previa, no seu artigo
192, a pena de morte, a galés perpétua (trabalho forçado) e a pena de vinte anos de prisão
em seu grau mínimo para o caso de assassinato. Martinho, como se viu, foi condenado
com a pena mínima prevista no mesmo artigo.
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