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O fato aludido tratado a seguir se deu no século XIX, trata-se de um

caso de violência contra a mulher, sendo o autor o Desembargador Pontes


Visgueiro, 62 anos, de vida ilibada, possuía apenas uma filha e apresentava a
deficiência da surdez, morava, solitariamente, em um sobrado em São Luís do
Maranhão.

O ato homicida se deu em 1873, na residência do autor, sendo que o


mesmo com a participação de seu empregado, matou, esquartejou e enterrou
no quintal de sua casa, a jovem Mariquinhas, uma prostituta que na época
contava com 15 anos e vivia sob os cuidados de sua mãe e cafetona.

Segundo sugere os autos, o crime teria ocorrido sob a alegação de que


ela foi surpreendida com um tenente do exército num primeiro momento e
depois com um estudante.

Tomado de ciúmes e fúria, o então desembargador José Cândido


Pontes Visgueiro, um homem sexagenário, mata a jovem Maria da Conceição,
de 15 anos, com a qual mantinha um relacionamento, com requintes de
crueldade, jogando na lama a sua honra e a sua reputação, manchando de
sangue juvenil a toga do Judiciário maranhense.

Descoberto o crime, exumado o corpo, o desembargador Pontes


Visgueiro foi preso, tendo a população se amotinado contra ele, a exigir pena
de morte. Foi julgado pelo Supremo Tribunal de Justiça, perante o qual o
procurador da Coroa, Francisco Baltazar da Silveira, pediu a condenação
máxima.

Analisando o auto de qualificação e interrogatório de Pontes Visgueiro,


perante o Supremo Tribunal de Justiça, o mesmo confessou que matou Maria
da Conceição “porque a amava muito”. “Com essa afirmação, fica claro que o
velho desembargador, que possuía 62 anos de idade, cometeu o delito movido
por ciúmes e irrefreável paixão, fatores que vinculados à sua própria história de
vida implicariam, em tese, na avaliação de sua conduta sob o ponto de vista da
demência senil, coisa que os juízes da suprema corte imperial não levaram em
consideração, notadamente porque não dispunham de elementos técnicos e
legislativos à época”.
O que mais sobreveio na defesa de Franklin Dória, o advogado de
defesa de Pontes Visgueiro, foi a novidade da tese: Pontes Visgueiro não era
propriamente um criminoso; tratava-se de um irresponsável. A paixão violenta
conturbara-lhe o cérebro, gasto na solidão do celibato e da surdez. Alienou-se
o amor a uma rapariga de mais costumes, e como a surdez o distanciou do
mundo, a paixão o distanciou de si mesmo.

A decisão dos ministros do Supremo foi tomada por unanimidade,


abstendo-se de votar um dos juízes, o Barão de Montserrat, avô da esposa do
advogado de defesa, que se deu por suspeito. A sentença reconheceu que o
réu incidira no artigo 193 do Código Criminal, com agravantes, condenando-o
às penas de galés perpétuas, pena que foi transformada na de prisão perpétua
com trabalhos, por ser o réu maior de 60 anos. Foi recolhido à Penitenciária da
Corte, onde aprendeu o ofício de encadernador. Perdera também os proventos
da aposentadoria.

Ao analisarmos o enquadramento jurídico penal, baseou-se a sentença


no antigo Código Penal Brasileiro à morte do assassino, mas devido à idade,
ele não foi executado e cumpriu prisão perpétua até sua morte.

Notamos que muitos doutrinadores culpam o Supremo pela


condenação, tendo em vista que Visgueiro estava demente, portador de
demência senil, além disso se consta nos autos que Visgueiro é réu confesso.

A autoria fora reconhecida, porém negada a ocorrência de


circunstâncias que, nos termos do art. 192 do Código, permitiriam, no grau
máximo, a aplicação da pena de morte ; de galés perpétuas no médio e de
prisão com trabalho por vinte anos, no mínimo. Tais circunstâncias eram as
previstas no art. 16, nºs 2, 7, 10,11,12,13,14 e 17. Quanto ao mérito, a defesa
sustentava a existência de um “estado de desarranjo mental ” e assim
concluia a sua exposição: “Provado esse desarranjo, ficará cabalmente
reconhecido que o homicídio, cuja realização aparentemente nivelou com o
mais cruel scelerado, não foi filho da perversidade e da de gradação moral,
mas das ultimas consequencias do mais violento ciúme, inspirado por uma
mulher perdidíssima”.
Interessante notar que antes de se falar de feminicídio (Lei 13.104/15)
já existiam crimes contra a mulher, eram os chamados crimes passionais
(artigo 121, §1º do Código Penal), onde tinha como motivo o amor, a paixão
contrariada. Além disso outra tese utilizada nesse julgamento como defesa foi a
legítima defesa da honra, nosso antigo Código Penal (que vigorou entre 1890 e
1940), previa em seu artigo 27 que se excluía a ilicitude dos atos cometidos por
aquelas pessoas que “se acharem em estado de completa privação de
sentidos e de inteligencia no acto de commetter o crime”.

O apontamento pessoal pelo desfecho é a que integra grande parte


dos juristas, pois Pontes Visgueiro não estava dono de suas faculdades
mentais, um homem que viveu até tão longa idade de forma ilibada e correta,
sem nada que o desabonasse, realmente, de uma hora para hora tornar-se
assassino não condiz com os atos de alguém dono de suas faculdades
mentais. Afinal ele “jogou para o alto” uma carreira brilhantíssima na
magistratura, além do seu prestígio, fortuna e o nome de família. Logo o correto
seria aplicar-lhe o que dispõe o Código Penal vigente (é ainda o de 1940), ao
qual foram feitas algumas alterações através da Lei de Execuções
Penais 7.209/84. No entanto, ainda permanece a mesma diretriz no que se
refere à atuação frente ao doente mental delinqüente. Se manteve, a
inimputabilidade e irresponsabilidade do doente mental e a semi-
responsabilidade dos que apresentam "perturbação da saúde mental" se
encontram nos mesmos termos, agora no artigo 26.

Segundo o grande doutrinador Nelson Hungria (1953, p. 334), o


conceito de doença mental não seria nada mais nada menos que:

[...] doença mental abrange as psicoses, que poderão ser constitutivas


(esquizofrenia, psicose maníaco-depressiva, epilepsia genuína, paranoia, parafrenias
e estados paranoicos) ou adquiridas (traumáticas, exóticas, endotóxicas, infecciosas e
demências por senilidade, arteriosclerose, sífilis cerebral, paralisia geral, atrofia
cerebral e alcoolismo). E o desenvolvimento mental retardado será encontrado nas
várias formas de oligofrenia (idiota, imbecilidade, debilidade mental).

Analisando o caso, se vê que a data da morte de Maria da Conceição,


vítima desse brutal homicídio, simboliza o marco da violência de gênero em
solo maranhense. E que a fim de que seja evitada a incidência de conduta
agressiva à integridade física ou psicológica da mulher maranhense, bem como
à sua dignidade, qualquer que seja sua condição humana.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Caso de feminicídio que abalou São Luís no século XIX vira livro
Disponível em: imparcial.com.br/entretenimento-e-cultura/2018/11/caso-de-
feminicidio-que-abalou-sao-luis-no-seculo-xix-vira-livro/ . Acesso em
29/09/2020

O Caso Pontes Visgueiro. Disponível em


https://www.oabsp.org.br/sobre-oabsp/grandes-causas/o-caso-pontes-
visgueiro. Acesso em 30/09/2020

A doença mental no direito penal brasileiro: inimputabilidade,


irresponsabilidade, periculosidade e medida de segurança. Disponível em:
https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
59702002000200006. Acesso em: 30/09/2020

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