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Ele desafiou sua sanidade.

Ela quebrou a realidade dele.

Eles provocaram um ao outro...à beira da loucura.

Um labirinto escuro e distorcido aguarda a psicóloga criminal


London Noble quando ela se apaixona por seu paciente, o
serial killer condenado Grayson Pierce Sullivan.

Ao desvendar as armadilhas, sua sanidade testada a cada


momento, ela é forçada a reconhecer o verdadeiro mau no
mundo ao seu redor.
Que loucura esperar o mal antes que ele chegue.

~Lucius Annaeus Seneca


London

Mãos.

Não as consideramos suficientes.

Tomadas como garantidas, nossas mãos não recebem a


atenção e o reconhecimento que merecem. Ao invés disso, nós
abusamos delas. As usamos para violentar. Apalpamos nossa
pele gorda, odiando nosso corpo, especialmente as mulheres.
Dedilhamos e puxamos nosso rosto, amaldiçoando os anos.
Nunca reconhecendo sua beleza e força – são instrumentos
preciosos que nos permitem fazer quase tudo.

Agora eu reparo nas minhas. Tremendo e frias. As


ranhuras chanfradas feias de envolver meus dedos com
barbante ao longo dos anos. Eu uso meu polegar para limpar

1Essa frase é mencionada em Lucas 4:23. Tal é o significado do provérbio comum: o médico deve
começar por si mesmo e pelos que estão imediatamente conectados a ele, antes que ele demonstre
sua habilidade em curar os outros. A quantidade da objeção é que Cristo age de maneira imprópria,
não respeitando seu próprio país, enquanto ele torna outras cidades da Galiléia ilustradas por seus
milagres. E isso foi considerado pelos habitantes de Nazaré como uma boa desculpa para rejeitá-lo.
a sujeira que a transpiração não suou completamente,
revelando a tinta preta desbotada ao longo da minha palma.

Minha voz falha com uma risada. Eu olho para a chave


tatuada na minha pele até que meus olhos se turvem. O suor
escorre pelos cantos, uma picada cortante como uma agulha
perfurando minha visão claramente.

Então, olho para todas as chaves penduradas.

Um dossel de prata e bronze reluzentes e metais


enferrujados sustentados por um cordão vermelho – um tecido
manchado de sangue no céu. As chaves batem, tocando uma
melodia sombria e vibrante que me arrepia até os ossos.

Ele me conhece.

Por minha vaidade, escondi o feio e o vil. E ainda assim


ele viu.

Na minha profissão, seu passado pode ser tão terrível


quanto um diagnóstico errado. A vergonha é a concepção da
maioria dos pecados contra nós mesmos.

Um lamento rasga o dossel e posso sentir a agonia em


sua brutalidade. Um grito arrancado de um abismo de dor sem
fim. Isso força minha mão no ar.

Balanço na pedra, os pés descalços agarrando a borda


serrilhada da pedra, enquanto procuro a primeira chave.

Perdoe-me.
London

— Dra. Noble, você pode nos dizer o que o culpado estava


pensando quando ele fez isso? — O advogado aponta para uma
tela de projeção ao longo da parede do tribunal. Ampliada para
a sala de audiência, a imagem em destaque exibe os restos
carbonizados do corpo mutilado de uma mulher.

Pressiono meus dedos no meu joelho atrás do banco das


testemunhas. Minhas unhas prendem minhas meias
transparentes, e mentalmente amaldiçoo, desejando sentir
meu barbante. Voltando-me para a tela, abrindo minha boca.

— Objeção, Meritíssima. A testemunha não pode saber o


que o réu estava pensando.

Meu olhar se volta para o juiz. — Sua réplica, Sr. Alister,


— incita o advogado do réu.

Terno Armani tão escuro quanto seus olhos, ele alisa a


gravata ao longo da camisa. — Dra. Noble é uma testemunha
especialista, Meritíssima. Ela foi convocada porque é uma
expert em sua área, que é o discernimento da mente de
indivíduos criminosos.

— Pessoas perturbadas, — disse o promotor em voz alta


o suficiente para que o tribunal ouvisse.

— Não me faça bater meu martelo, Sr. Hatcher. — A juíza


levanta seu martelo em advertência. — Objecção rejeitada. A
Dra. Noble foi solicitada a fornecer testemunho de sua opinião
profissional sobre o estado de espírito do réu. Já que ela veio
até aqui... — a juíza Gellar me concede um sorriso eloquente,
suas feições sombrias são mais jovens quando não fixadas em
uma carranca. — ...eu gostaria de ouvir seu comentário.

O promotor pigarreou antes de se sentar. Minhas unhas


afundam em meu joelho novamente enquanto me viro em
direção à tela. Sou uma das melhores psicólogas no campo da
psicologia criminal – não uma oradora. Não importa quantas
vezes eu tenha prestado depoimento, isso nunca fica mais fácil.
Odeio tanto falar em público hoje, quanto odiava na faculdade.

— Depois de examinar o réu, Charles Reker, acredito que


ele exibe sinais clássicos de esquizofrenia paranoica. Em
especial, sofre de um delírio específico: alucinação de Capgras.
Charles Reker, em meio a essa ilusão, acreditava que sua
esposa era um clone...

— Objeção...

— Sente-se e cale a boca, Sr. Hatcher, ou eu o reterei por


desacato.
O advogado parece abatido. — Com base em quê? —
Rapidamente recuou, — Meritíssima...

A juíza Gellar gira seu martelo de maneira ameaçadora.


— Com o fundamento de que as interrupções me irritam. Deixe
a testemunha terminar seu depoimento.

Pressionando minhas mãos no assento da cadeira, firmo


minha voz. — Na minha opinião profissional, o réu acreditava
que sua esposa havia sido substituída por um clone pelo
governo como meio de espioná-lo. Ele acreditava que ao
queimar o clone, destruiria a capacidade do governo de
controlá-lo.

Sr. Alister contorna a mesa e coloca a mão no ombro do


cliente. — Então você não acredita – em sua opinião
profissional – que Charles pretendia matar sua esposa com
quem foi casado há vinte e quatro anos.

— Não, — eu digo, reforçando minha voz uma oitava


acima. — Charles foi incapaz de distinguir a realidade de sua
ilusão. Sua intenção era destruir um clone de sua esposa. Não
sua esposa. Ele se sentiu ameaçado no meio de seu estado
delirante.

— Obrigado, Dra. Noble. Sem mais perguntas.

Um sentimento de afundamento arrasta-me ao fundo da


mente, mas eu suprimo essa fraqueza. Ocorreu um
assassinato brutal, mas o homem sentado à minha frente na
mesa do réu – agora medicado sob meus cuidados – não é mais
capaz da brutalidade que demonstrou quando matou
violentamente sua esposa. Seus olhos refletem remorso. Sua
doença não permitiria que a culpa se manifestasse; ele é
incapaz de fingir isso.

— Você gostaria de interrogar esta testemunha, Sr.


Hatcher? — a juíza pergunta.

— Sim. Obrigado, Meritíssima. — Enquanto o advogado


se levanta atrás da mesa da promotoria, endireito minhas
costas.

A posição enfia cada músculo ao longo da minha coluna


com uma dor incandescente. Eu separo minha boca para
inspirar e expiro a dor, visualizando a dor como um objeto
físico que posso ejetar do meu corpo.

Hatcher avança para o computador sobre a mesa e ajusta


a imagem. Recebemos um close da mutilação de Margot Reker.
Os membros do júri reagem fisicamente, alguns evitando seus
olhos.

— Dra. Noble, — ele começa com um movimento vão de


sua cabeça. Eu levanto uma sobrancelha. — Já que sua
opinião de especialista é tão procurada, você explicaria por que
acredita que Charles Reker cortou sua esposa com uma faca
de açougueiro após ter ateado fogo.

— Objeção, — a defesa interrompe. — Há uma pergunta


aqui, Meritíssima? A testemunha já prestou depoimento de
seus pensamentos sobre o estado de espírito do réu.
A juíza olha para Hatcher com expectativa.

— Dra. Noble forneceu o raciocínio especulado quanto ao


assassinato, mas não a mutilação, Meritíssima. Na minha
opinião...

— Cuidado, advogado, — avisa a juíza.

— Foi declarado que o réu matou sua esposa para


eliminar a ameaça de conspiração do governo, — ele analisa.
— No entanto, eu só pretendo descobrir por que, então, a
necessidade do exagero após a morte.

A juíza Gellar considera sua refutação e acena com a


cabeça. — Prossiga com cuidado, Sr. Hatcher.

Ele novamente focaliza seus olhos penetrantes em mim.


— Preciso elaborar?

A dor nas costas é suficiente para colocar a pessoa mais


forte de joelhos. Eu? Fico irritada quando estou no meio de
uma crise. — Fui capaz de acompanhar, obrigada. O que você
vê na tela parece um exagero, que pode ser interpretado como
um crime passional.

— Exatamente, — diz o advogado. — Um crime passional.


— Ele se vira e declara isso ao júri.

— No entanto, — continuo, sem me deixar abater. — Eu


analisei Charles Reker por um período de um mês antes de ser
capaz de decifrar claramente o porquê. Ele estava procurando
uma prova.
Hatcher inclina a cabeça. — Prova?

— Sim. Ele estava procurando o chip de computador que


transmitia suas informações ao governo. Durante sua busca,
ele foi detido pela polícia.

— Sua busca? — Ele apoia uma das mãos no quadril e


marcha para a tela. O advogado estudou muitos filmes de
tribunal. — Você está me dizendo que isso... — ele aponta para
a pele queimada e esfolada pendurada nos ossos da vítima —
...também fazia parte de sua ilusão? Que Charles Reker cortou
e esfaqueou sua esposa mais de trinta vezes, tudo por um
chip?

— Sim.

— Dra. Noble. Sinto muito, mas para mim, e


provavelmente para todos os outros no tribunal, isso parece o
crime violento e destrutivo de um homem enfurecido. Um
homem furioso com sua esposa traidora. — Ele acena para o
júri. — Como provamos de antemão.

— Objeção, — diz a defesa. — O advogado está


testemunhando, Meritíssima.

— Deferido. Faça uma pergunta, Sr. Hatcher, ou conclua.

Furioso, o advogado se aproxima do banco das


testemunhas. — Você, de alguma forma, considerou o caso da
Sra. Reker em sua avaliação? Como uma traição tão dolorosa
de uma esposa casada a mais de vinte anos pode levar um
homem já desequilibrado ao limite?
Respondo olhando em seus olhos. — Eu fiz.

Sua cabeça é jogada para trás, os braços abertos. — Quer


compartilhar, doutora?

— Você tem medo de sua esposa, Sr. Hatcher?

Minha pergunta desafiadora tira o sorriso de seu rosto. —


Desculpe?

— Sua esposa... — Aceno para a mão dele que mostra


uma aliança de ouro. — ...você teme por sua vida quando ela
descobrir seu caso com sua assistente jurídica? — Olho para
a loira sentada à mesa da promotoria. — Porque, de acordo
com seu provocante argumento sobre o Sr. Reker, deve estar
completamente aterrorizado.

Um suspiro coletivo rola pela sala do tribunal.

Seus lábios se curvam em irritação, mas ele faz um


trabalho fantástico em educar o resto de suas feições. — Além
de ser uma tentativa descarada de mudar o foco deste
julgamento, sua avaliação não poderia estar mais errada, Dra.
Noble. O que deveria provar que a psicologia dificilmente tem
credibilidade em um caso de assassinato.

— Quando você entrou no tribunal pela primeira vez, —


eu digo, levantando meu queixo. — Guiou sua assistente até a
mesa pelas costas. — Ele começa a interromper e eu levanto
um dedo. — O que pode ser desculpado como um simples
cavalheirismo à moda antiga. Perturbador, mas desculpável.
No entanto, você não precisa ser um psicólogo para detectar
seu caso; qualquer um neste tribunal pode ver os sinais óbvios.
A sua assistente tem uma linha de bronzeado onde deveria
estar a aliança de casamento. Você girou sua aliança durante
o julgamento. E cada vez que você a gira, verifica seu telefone.
O que pode ser um hábito nervoso, mas nosso subconsciente
revela o que mais queremos esconder.

O advogado olha para a juíza. — Meritíssima, você não


pode permitir isso...

— Você abriu a porta, Sr. Hatcher. — A juíza Gellar ergue


os ombros em um encolher de ombros sem remorso.

— Além disso, — eu continuo. — O tempo todo em que


me interrogou, ela ficou checando seu telefone de forma
intermitente. — Ele se vira para olhar. — Suspeito que vocês
dois estão esperando uma resposta de sua esposa. Uma
possível confirmação de que poderão passar um período
prolongado de tempo juntos.

A loira se encolhe quando o telefone de Hatcher vibra na


mesa.

A juíza Gellar suspira. — Quer verificar suas mensagens,


Sr. Hatcher?

Ele se vira para encarar a juíza, seus olhos estreitos me


examinando. — Não, Meritíssima. Eu não me importo de
brincar com a teatralidade na sala do tribunal. — Então, para
mim: — Não consigo ver como a tentativa de me desonrar prova
que sua avaliação de Charles Reker foi meticulosa, Dra. Noble.
Eu mudo minha posição, aliviando a pressão latejante na
base das minhas costas. Estou oficialmente cansada de ficar
sentada aqui. — Um crime passional sugere um ato imediato.
Charles Reker, após análise cuidadosa, provou estar ciente da
infidelidade de sua esposa por mais de um ano. Como você, Sr.
Hatcher, a Sra. Reker foi óbvia em suas tentativas de esconder
o caso. Então, se você está sugerindo que um caso é motivo
suficiente para assassinato... então eu seria muito cautelosa
em relação aos seus planos de fim de semana.

Em seu silêncio intenso, acrescento: — Minhas


descobertas e diagnóstico estão todos documentados nos
arquivos que enviei a sua assistente. — Aceno para a
montanha de arquivos na mesa da promotoria. — Se tivesse
investido tanto neste caso quanto está com suas atividades
extracurriculares, teria lido meus relatórios e não apresentado
um caso tão fraco para a acusação.

Um flash de raiva mancha seu rosto, então ele dá passos


medidos para sua mesa. — Terminei, Meritíssima. Sem mais
perguntas.

A juíza Gellar balança a cabeça. — Eu concordo, Sr.


Hatcher.
Uma hora após meu testemunho, o julgamento é
concluído e o júri é convocado para deliberação. Infelizmente,
os casos de grande visibilidade não podem ser mantidos fora
da mídia. A juíza Gellar está fazendo o que pode para dar a
Charles um julgamento justo.

Estou confiante de que fui capaz de ajudar o júri a ver


além do horror do crime de Charles ao indivíduo doente que se
encontra mais abaixo. E, tenho certeza, o Sr. Hatcher nunca
me chamará para depor no futuro. O que eu considero uma
dupla vitória.

O cheiro fresco da primavera me cumprimenta quando eu


saio do tribunal. Maine é tão fresco na primavera, como se
todos tivessem uma lousa limpa. Inalo o jasmim no ar,
deixando-o limpar o julgamento do meu organismo. Desço os
degraus, tomando cuidado para não disparar outro surto, e a
dor lampeja em meu braço.

É aguda e não é a norma. Ao girar, o líquido frio me abala


– o choque prende meu fôlego. Largo minha pasta e limpo meu
rosto, removendo a substância espessa.

Minhas mãos estão cobertas de vermelho.

— Você libertou um assassino! — uma mulher grita. Ela


joga um balde de metal em mim, seus traços envelhecidos
enrugados de raiva. — Aquele demônio matou minha irmã. Ele
a queimou viva e a retalhou. O sangue dela está em suas mãos,
seu animal.
Minha boca se abre e é imediatamente preenchida com o
gosto metálico de sangue. Eu engasgo. Tenho apenas um
momento para processar o que está acontecendo antes que ela
fuja escada abaixo ao som de sirenes.
London

Sangue de porco. De acordo com um amigo patologista


que teve a gentileza de testar uma amostra na delegacia, a irmã
de Margo Reker me encharcou com sangue de porco. Acho que
para ela sou tão ruim quanto um policial2. Porque essa é a
única correlação que posso conceber de por que ela escolheu o
sangue de um porco.

Isso, ou ela tem uma fazenda de porcos...

O que não traz nenhuma boa conclusão à minha mente,


por isso vou com a teoria do policial e acesso fácil a um
açougue.

No final, eu não apresentei queixa. Não há razão para que


essa família sofra mais do que já sofreu. E, ao renunciar ao
longo processo de prestar queixa, consegui preservar minhas
sessões da tarde.

2 Porco: gíria depreciativa para policial.


Duas horas no chuveiro e depois de imersão, e um pouco
mais de chuveiro, e ainda sinto como se houvesse uma camada
transparente de membranas de porco cobrindo minha pele.
Não adianta tentar salvar meu terno de grife; ele está
destruído, bem como minha dignidade. E eu realmente amava
aquele terno, também.

Mesmo dez anos depois, o pensamento de quanto


dinheiro gastei na marca, apenas para jogá-lo fora, pesa em
meu estômago como um peso de chumbo. Ugh. A sensação
desagradável é uma prova de nossas raízes – a forma como nos
vemos tão profundamente enraizados que nenhuma quantia
de dinheiro pode mudar nossa autoimagem.

Embora eu faça um belo trabalho ao vestir a peça,


quando me olho no espelho, ainda vejo aquela mesma pobre e
pequena garota de cidade pequena. Sua pele desbotada, seus
olhos tristes e afundados e seu cabelo mal descolorido.

Jogo meus ricos cachos escuros por cima do ombro agora


enquanto abro a porta do meu prédio. Passei anos ajudando
outras pessoas a se erguerem, a abraçar um futuro livre de seu
passado, então você imaginaria que este conhecimento me
beneficiaria. No entanto, ainda luto com meu próprio psicólogo
particular para superar aquela garota carente de Hallows,
Mississippi.

Ser encharcada em sangue de porco com certeza não me


ajuda a esquecer.
Na subida do elevador, eu uso os poucos segundos que
tenho sozinha para prender meu cabelo e tomar um relaxante
muscular. Os repetidos banhos não ajudaram minha crise. A
água quente só serviu para agravar a inflamação. Tanto que eu
virei a válvula até esfriar, num ataque de raiva.

Foi uma má mudança na minha rotina matinal de terapia


quente e fria, que já tinha sido interrompida pelo julgamento.
O que é um pouco de sangue de porco para encabeçar tudo
isso? Farei com que Lacy marque uma consulta com meu
quiropraxista3.

As portas do elevador se abrem para o sexto andar. Meu


andar. A madeira reciclada se encontra a cada passo, e meus
saltos de novecentos dólares batem contra a superfície polida.
As paredes do meu consultório são de um cinza calmante. A
arte decorativa pende estrategicamente ao nível dos olhos para
evitar que meus clientes altamente remunerados fiquem
olhando para os criminosos algemados na sala de espera.

Eu deveria ter redecorado após ter alugado o andar,


projetado uma sala de espera separada – uma onde os guardas
pudessem acomodar os presos – mas fazer isso teria me
parecido uma aceitação, permitindo-me continuar em uma
direção que eu não desejo mais seguir.

Encolho os ombros quando me aproximo da recepção. —


Deus, você está bem? — Lacy pergunta em forma de saudação.

3Forma de medicina alternativa para o diagnóstico e tratamento de condições do sistema músculo-


esquelético, principalmente da coluna vertebral.
Obviamente, a fofoca já se espalhou. — Estava no noticiário,
— ela responde à minha pergunta silenciosa. — Sinto muito,
London. Por que você não tirou o dia de folga?

Um sorriso forçado tenciona minhas feições. Admito que


um banho de sangue matinal é uma forma extrema de saudar
o dia, até mesmo para mim – mas eu já lidei com coisas piores.
Já fui cuspida, estrangulada, praticamente defecada...então
pelo menos desta vez não precisei de uma injeção de penicilina.
Ainda assim, provavelmente eu deveria fazer o papel de médica
ofendida, para o bem dos outros.

— Eu estou bem, obrigada. Nada que eu não possa


controlar. Você precisa lembrar o diretor de não trazer os
detentos até sua consulta.

Lacy é inteligente. Melhor da turma em Yale. Não estou


repreendendo-a; ela está acostumada com meu humor
exasperado. Ela mexe no celular, desviando as notificações. —
Acredite em mim, — ela diz, olhando para baixo, — Eu o
lembrei. Não os quero aqui por mais tempo do que você.

Além de inteligente, Lacy também é linda. Cabelo loiro


comprido e peituda. Os detentos não têm vergonha de olhá-la
com olhos esfomeados. Eu empurro meus ombros para trás e
ajusto meus óculos. — Eu cuido disso.

O Diretor Marks é um homem alto, magro e com traços


afiados. Ele me lembra os espantalhos lá em casa, e emite uma
vibração assustadora semelhante à dos demônios do meu
passado.
Ele está sentado na cadeira estofada ao lado da porta do
meu consultório, seu sapato preto batendo forte no piso. Dois
condenados de laranja estão sentados um de cada lado dele, e
três agentes penitenciários montando guarda. Os detentos
talvez não seriam tão perceptíveis se o diretor lhes permitisse
usar uma cor menos distinta. Embora, os pulsos algemados
acorrentados aos tornozelos possam ser mais reveladores do
que os macacões laranja cafonas.

Mais um ano.

Meu compromisso com o Centro Correcional de


Cotsworth será cumprido dentro de um ano. Embora meu
trabalho com assassinos condenados seja o que lançou minha
carreira – a fascinação mórbida do público em geral por
assassinos em série foi um trampolim gigante – estou me
afastando dessa área. Tenho a Marks e a outros como ele uma
dívida de gratidão, pois minha pesquisa e métodos agora são
ensinados em quase todas as academias de justiça criminal em
todo o país, mas oficialmente acabei.

Após sete anos de intenso estudo da mente dos


criminosos insanos, cheguei a apenas uma conclusão:
infratores em série não podem ser reabilitados.

Há, é claro, o raro sujeito que encontra o caminho de


Deus ou outro ser divino e transcendente além de suas
compulsões. Mas sem a oportunidade de ser monitorado em
um ambiente civilizado sem a segurança máxima para garantir
que essas compulsões permaneçam controladas, nunca se
pode provar uma reabilitação efetiva.

Ao contrário, meus métodos simplesmente tornam a vida


dentro da prisão mais suportável para os guardas, carcereiros
e médicos que lidam diariamente com estes infratores. Não, eu
não acredito que a reabilitação seja possível. Especialmente
para os Bundys e Dahmers do mundo4.

Eles são governados por seu Id5 – e o Id é o monstro


supremo.

— Diretor, — eu digo enquanto me aproximo do meu


consultório. — Eu não deveria ter que te lembrar que os presos
não podem usar a sala de espera.

O diretor Marks se levanta e fecha o paletó. — Olá,


London. Lamento ver o infeliz acontecimento no tribunal no
noticiário. Espero que isso não afete suas sessões de hoje, mas
entendo se precisar...

Eu levanto a mão. — Onde está Riley?

Irritado com minha interrupção, ele franze os lábios finos.


— Riley foi transferido. Ele não estava progredindo no
programa.

Pego a chave da bolsa e me viro para o diretor. Poderia


argumentar em nome de Riley, alegar que eventualmente

4 Referência a Ted Bundy e Jeffrey Dahmer – Serial Killers americanos, famosos por seu ato de
crueldade nos assassinatos, clinicamente diagnosticados como psicopatas.
5 Sistema básico da personalidade, que possui um conteúdo inconsciente, por um lado hereditário e
inato.
veríamos um avanço, mas esta manhã me deixou esgotada e
letárgica. Riley é um excelente exemplo de reabilitação
fracassada.

Considerando isso, eu olho entre os dois internos


sentados na minha sala de espera. Um está olhando
abertamente para Lacy, com baba escorrendo de sua boca. O
outro simplesmente encara o piso de madeira.

Sinto uma risada sardônica borbulhar. — Não, — eu digo.


— Não vou aceitar dois novos pacientes de forma alguma.

Os policiais se movem para escoltar os condenados para


fora, mas o Diretor Marks os encara. — London, — ele começa,
meu nome um apelo irritante em seu tom nasalado de
repreensão. — O financiamento exige que você cumpra sua
cota. Agora que Riley se foi... — ele para, deixando o resto por
dizer.

Eu pressiono meus dedos na minha testa, irritada com a


crescente dor em minhas têmporas. Meus pacientes pagantes
são suficientes para manter minha clinica mais do que
lucrativa. Se o financiamento for retirado antes do final do ano,
aceitarei minha reprimenda. — Um, — eu declaro, levantando
um dedo para dirigir minha seriedade em seu crânio grosso. —
Vou cuidar de um paciente. Podemos discutir um recurso
alternativo para o outro. Não posso aceitar mais pacientes e
estar dentro dos regulamentos. — Isto é verdade.
Com um suspiro de derrota, o diretor acena com a cabeça
para o oficial mais próximo do condenado babando. — Traga o
Billings.

— Espere. — Faço outra varredura rápida nos dois


homens. — Ele não. Ele. — Aponto para o homem de cabelos
escuros que não olhou para cima nenhuma vez durante a
nossa conversa.

Marks ri. — Garanto a você, se sua carga de trabalho está


tão caótica, você não quer Sullivan. É uma causa perdida. Ele
está aqui apenas como último recurso, antes de ser transferido
para uma penitenciária de segurança máxima em New Castle.
— Seu olhar endurece no preso. — Está sendo julgado por
pena de morte. Injeção letal.

Retorno meu olhar para ele. — E ainda assim você estava


tão ansioso para desperdiçar meu tempo.

Ele encolhe os ombros. — Preciso prestar contas aos


assistentes sociais.

Quando o agente penitenciário começa a conduzir


Sullivan em direção ao elevador, olho para Lacy e decido que
um caso perdido é melhor do que ela se sentir desconfortável
pelos próximos meses.

— Eu gosto dos meus desafios. — Eu me viro para


destrancar a porta. — Quando é a data do julgamento?
O diretor pigarreou. — Daqui a três meses. Você será
obrigada a falar em nome dele. Tem certeza de que quer fazer
isso?

— Sou obrigada a dar meu testemunho honesto. O que


eu sempre faço, — digo enquanto entro no consultório. —
Traga-o. Vou começar a papelada.

Eu ligo o interruptor de luz, e a sala é iluminada com o


brilho quente da iluminação. Um difusor no canto emite o
cheiro de sândalo, uma fragrância calmante para realçar o
aquário de água salgada ao longo do corredor estreito ao lado
da minha sala de terapia. Toda a sala é decorada com cores
suaves e frias, mas é desprovida de detalhes.

Acho que é melhor manter os condenados o mais calmos


possível durante as sessões, e o ambiente em branco é
intencional, projetado para não desencadear memórias ou
episódios indesejados. Além disso, meus outros pacientes
também apreciam o ambiente.

Depois de guardar minha bolsa na gaveta da escrivaninha


e trancá-la, conduzo os homens para a sala de terapia e olho o
tapete sob a cadeira de couro contemporânea. O oficial
conhece o procedimento. Ele empurra a cadeira para o lado e
puxa o pequeno tapete, revelando uma algema aparafusada no
assoalho.

A instalação personalizada não foi barata e saiu do meu


próprio bolso, mas a solução para esconder um contêiner no
chão era mais atraente do que ter um banco de contenção no
meio da minha sala.

Depois de preencher os formulários, Marks assina seu


nome e o oficial mantém meu mais novo paciente algemado ao
chão. Ele só tem folga suficiente para ficar de pé ou sentado.
Sem circulação durante as sessões.

Como precaução extra, todas as canetas e objetos


pontiagudos estão trancados dentro da minha mesa.

Certa vez um prisioneiro conseguiu sair com um lápis que


prontamente alojou-se no pescoço de um oficial durante uma
tentativa de fuga. Com infratores violentos, nenhuma
vigilância pode ser suficiente.

O diretor dirige-se ao consultório. — Sinto a necessidade


de avisar que Sullivan é um recluso de nível três. — Sua testa
franze enquanto ele observa minha reação. — Vou deixar
Michaels com você.

Empurro minha cadeira até a linha marcada a um metro


de distância do homem algemado na sala. — Agradeço a
preocupação e estou ciente do risco, mas não conduzo as
sessões dessa forma. Michaels pode esperar do lado de fora,
como sempre. — Eu encontro seu olhar semicerrado. — Tenho
certeza de que se Sullivan fosse muito arriscado, estaríamos
conduzindo esta sessão em uma cela ao invés daqui. Correto?

E ele sabe com certeza absoluta de que isso não está


acontecendo. No meu primeiro ano fora da faculdade, passei
todos os dias da semana trancada em uma cela com
prisioneiros. Ainda tenho pesadelos – o som da porta de uma
cela se fechando, o barulho de pés e correntes contra o chão
de concreto. O fedor de urina e fezes – às vezes sendo jogado
em mim. As vaias e tumultos.

Essas barras de ferro me perseguem.

Se o diretor quiser continuar meu contrato com a


instalação, as sessões continuarão a ser conduzidas sob meus
termos.

Com um aceno de mão desdenhoso, o diretor vai embora.


O policial me dá um breve aceno de cabeça antes de sair da
sala de terapia. Alguns segundos depois, o som da porta do
meu consultório fechando ecoa ao nosso redor. O zumbido do
tanque de peixes preenche o silêncio repentino e absoluto.

Sem olhar para cima, abro o arquivo no meu colo e


examino os detalhes. — Recluso número seis-um-quatro.
Grayson Pierce Sullivan. Como você gostaria que fosse
chamado?

O silêncio se estende, me forçando a olhar para cima. Ele


não está mais olhando para o chão; seus olhos estão fixos em
meu rosto. Nessa iluminação, não posso dizer se eles são azuis
ou verdes, mas suas íris brilhantes e de aço são cercadas por
uma franja espessa de cílios. Seu cabelo curto é o corte padrão
para todos os presidiários e permite ver várias cicatrizes
brancas ao longo de seu couro cabeludo.
— Vou precisar me referir a você por algo, — eu solicito.

O homem na minha frente não responde. Eu uso sua falta


de comunicação para ler rapidamente seu arquivo.
Normalmente, recebo uma semana para aprender sobre meus
pacientes; gosto de ter um plano de tratamento antes da
introdução. Mas, considerando as circunstâncias, terei que
avaliá-lo primeiro.

Tudo bem. Fecho o arquivo e coloco no apoio de braço. —


Não precisamos fazer apresentações, mas você deve saber que
meu nome é Dra...

— Eu sei quem você é.

O baixo profundo de sua voz atinge meu peito. Ele fecha


novamente com a mesma rapidez, aqueles olhos fixos olhando
através de mim com confiança desinibida. Há muito tempo que
um paciente não me irrita.

Eu limpo minha garganta. — Então você teve o privilégio


de me pesquisar antes que eu pudesse saber sobre você. Isso
me coloca em desvantagem, Grayson.

Escolho chamá-lo pelo primeiro nome, algo diferente do


que o diretor e os guardas se referem a ele. Não é muito uma
reação, mas um músculo salta ao longo de sua mandíbula com
seu nome de batismo.

— Seu arquivo diz que você foi condenado por cinco


assassinatos, — eu continuo mantendo contato visual. —
Cumpriu um ano de prisão perpétua.
Ele não nega os assassinatos. Pelo menos isso é um
começo. Metade dos condenados que chegam ao meu escritório
ainda estão defendendo seus casos. Pesquisando a lei e
assediando advogados.

— Não havia corpos, — diz ele.

Concordo. — Então, você tem esperança de uma


apelação. — O que não importa muito no Maine, já que
Delaware é o estado com o qual ele deveria se preocupar.

— Apenas afirmando os fatos, Dra. Noble.

Meu nome sai de sua língua em uma cadência suave,


flexionando um leve sotaque. Estou tentando localizar quando
o que ele disse é registrado. Cinco condenações por
assassinato sem corpos. Uma lembrança vem à mente e inclino
a cabeça. — Corpus delicti. Corpo do crime.

— É verdade.

— Nenhuma vítima encontrada nas cenas, mas havia


sangue e evidências suficientes para provar que os
assassinatos ocorreram, — eu digo, relembrando os detalhes.
— Aí, durante a investigação, foram descobertos vídeos.
Filmagem das vítimas assassinadas. Os vídeos vazaram e
viralizou.

Foi assim que um detetive ligou as evidências ao homem


que acabou sendo processado. As câmeras de vídeo, as mais
antigas, têm uma marca de identificação na fita. Foi rastreado
até a pessoa que comprou a câmera.
— A matança do Anjo do Maine.

Suas narinas dilatam-se. — Eu pensei que os apelidos


eram desaprovados.

— Eles são. Pela aplicação da lei. — Cruzo meus


tornozelos, acomodando-me de volta na minha cadeira. — Eu
não sou agente da lei. Acho que um apelido ou nome dá ao
público uma maneira de se conectar – por falta de uma palavra
melhor – com algo que eles não conseguem entender, mas os
fascinam.

O olhar de Grayson se estreitou. Ele me analisa tão


intensamente quanto eu o analiso. Se for verdade, e o Anjo do
Maine realmente é o homem sentado aqui agora, então tenho
a chance de avaliar uma das mentes psicopatas mais confusas.

Sua identidade foi escondida da mídia durante o


julgamento. Uma tentativa de impedir que a imprensa o
transforme em um vigilante. Tentei, sem sucesso, durante
meses, conseguir uma consulta.

Um zumbido de emoção espirra em minha corrente


sanguínea. Aquecido e eletrizante. Já faz um tempo ainda mais
longo desde que um assunto me entusiasmou.

Pego meu telefone e envio uma mensagem para Lacy:


Cancele o resto dos meus compromissos de hoje.

— Então me diga, — oficialmente começo nossa


apresentação, — por que você se recusou a me ver um ano
atrás? E por que está aqui agora?
O olhar fixo continua, mas eu realmente não preciso de
uma resposta. O que o diretor Marks revelou sobre seu
julgamento que se aproxima é o suficiente para que eu faça
uma suposição bem fundamentada.

Grayson está prestes a ser condenado em outro estado –


um estado que tem pena de morte.

Ele quer que eu salve sua vida.


Grayson

London Noble tem peculiaridades. Gostos e desgostos.


Medos. Todos os pequenos detalhes intrincados que compõem
sua personalidade. E amo dissecá-la.

Ela usa óculos em vez de lentes de contato. Ela trança


seus longos cabelos escuros, enrolando-os em um coque, em
vez de cortá-los curtos. Ela não pinta as unhas. Ela sempre
deixa um botão irritante aberto em sua blusa. Ela cruza os
tornozelos em vez das pernas. Isto é, até o momento em que
falamos de minhas realizações, então eu a vejo cruzar aquelas
longas pernas, com as coxas apertadas. Ela não gosta de
barulho. Ela gosta de confusão. Seus sorrisos são raros. Sua
aprovação é ainda mais difícil de ganhar. Ela sofre de dores
nas costas devido a alguns ferimentos, mas finge que isso não
a afeta. Ela é pequena. Praticamente do tamanho de uma
boneca em comparação aos meus um metro e oitenta e cinco
centímetros. Mesmo assim, não permite que ninguém a olhe
de cima abaixo. Ela tem medo de envelhecer, de se tornar
arcaica. Mas a coisa mais interessante sobre minha psicóloga
é esta: eu a deixo curiosa.

Não em um sentido profissional – embora eu tenha


certeza de que foi assim que tudo começou, uma pequena
chama surgiu – mas a curiosidade profunda e assustadora. O
tipo de curiosidade que deixa as boas meninas más.

Eu adoraria emaranhar ela em minha teia e banquetear-


me com ela.

— O que você vê?

Dedos macios e finos espreitam na borda de uma placa.


Na frente, uma mancha de tinta preta e vermelha salpica
contra o branco. Você. — Vejo uma borboleta.

London abaixa, sua expressão ilegível. Pelo menos, ela se


esforça para ser neutra. Mas eu vislumbro a irritação por trás
de sua máscara. Está desesperada para me quebrar. Mexa
dentro da minha cabeça gatinha.

Uma semana juntos e ela ainda não entendeu. Não há


nada a ser encontrado. Não estou aqui para resolver minhas
tendências psicóticas. Para ser reabilitado com a esperança de
reingressar na sociedade.

Estou aqui por ela.

— Você gosta de jogos? — ela pergunta, colocando a pilha


de respingos de tinta de lado.
Um sorriso surge em meus lábios. Eu gosto de jogar com
ela. — Depende do jogo.

— Você vê nosso tempo juntos como um jogo?

Perguntas. Sempre perguntas enfadonhas com ela. Cada


resposta ela a transforma em uma só. Recusando-se a me
deixar entrar em sua cabeça. Ajusto meus pés, o guizo das
algemas soando ruidosamente na sala. — Este não é realmente
o nosso momento, é?

Sua testa se enruga. — Você sente que não estou


comprometida com o seu tratamento?

— Não, — eu digo, sentando para frente, tanto quanto


minhas correntes permitem. — Eu sinto que você está muito
comprometida. Apenas com a coisa errada. Acredita que a
reabilitação é possível?

Seus olhos escuros piscam por trás dos óculos. — Não


vou mentir para você, Grayson. Eu tenho minhas dúvidas. Mas
não saberemos se é uma possibilidade para você, a menos que
leve nosso tempo juntos a sério.

Interessante. — Gosto quando você responde às minhas


perguntas.

Ela tenta esconder um sorriso. Cruza as pernas. Eu inalo


uma respiração profunda, tentando provar sua excitação. —
Minhas respostas não vão te ajudar.

— Como você sabe?


Suas mãos vão para o colo. Ela mantém o olhar fixo em
mim, mas vejo a necessidade ansiosa de enrolar o cordão em
volta do dedo. Ela esconde bem – quase tão bem quanto
esconde a tatuagem em sua mão – mas eu a peguei uma vez.
Uma linha preta que ela mantém enfiada dentro do bolso. A
pele de seu dedo exibe as marcas de ranhura de onde ela o
envolve, apertando a linha repetidamente.

Eu me pergunto por que faz isso; onde ela pegou a


compulsão.

— Você disse que tinha dúvidas, — digo, mantendo a


conversa aberta. — Mas e se não for dúvida. E se não quiser
que a reabilitação funcione.

Sua boca se abre. Antes que ela possa deixar escapar


uma réplica experiente, repete. — Por que eu não gostaria que
funcionasse?

Encolho os ombros enquanto relaxo na cadeira. — Porque


buscar a resposta sobre como consertar o doente e desviante é
enfadonho. Está realmente tentando entender por que é tão
atraída por isso. O que é muito mais interessante.

Ela deixa um leve sorriso escapar. — É um salto lógico. É


claro que sou atraída por isso e fascinada com minha pesquisa.
Entendendo sua compulsão de punir e matar pessoas...

— ...eu nunca matei pessoas. — Nenhum deles era


humano.
Seus lábios se estreitam. — Por que as armadilhas,
Grayson?

Sua pergunta endurece meus ombros. Não é sobre isso


que quero falar. — Por que não armadilhas? Não somos todos
vítimas de algum tipo de armadilha? Uma esposa presa em um
casamento infeliz. Uma criança presa em uma família sem
amor. Uma mulher presa em uma carreira lucrativa e
insatisfatória. — Meu olhar cai para sua boca. Lábios rosados
de cetim se contraem.

— São teóricos. E não são uma ameaça à vida.

— Eles podem ser…

— Mas suas armadilhas são projetadas para tirar vidas,


Grayson. Suas vítimas são forçadas a participar contra sua
vontade.

Eu solto um longo suspiro. — Nunca é contra a vontade


deles. Suas escolhas os levaram até lá. Eles são responsáveis
e devem ser responsabilizados por suas ações. Apenas forneço
uma resolução. Ofereço a eles uma escolha final, uma maneira
de se redimirem, que é mais do que qualquer Deus lhes
concederia.

Sua mão avança lentamente em direção ao bolso, mas


então ela o descansa no braço da cadeira. — Você se vê como
um Deus? Conceder redenção às suas vítimas?

Ela pode fazer melhor do que isso. Ela é melhor do que


essa conversa psicológica cansada. — Não, eu me vejo como
um caçador. Eles não são vítimas, são predadores perseguindo
a floresta em busca de presas. Se caíram na armadilha do
caçador, então eles estavam em um lugar que nunca deveriam
estar.

Ela molha os lábios. Sua língua aparece para me


provocar. Um de seus pecados: sedução.

— Esta sala foi projetada como uma armadilha, — eu


continuo. — Você atrai os doentes mentais com promessas de
recuperação e liberdade. Talvez não liberdade física, mas
liberdade de seus demônios. Uma vez que eles estão
algemados... — eu puxo minha restrição — ...você se
banqueteia em suas histórias de terror em nome da psicologia.
Você se alimenta deles, saciando suas próprias curiosidades
distorcidas. E então publica seus artigos sobre as pobres
almas que nunca tiveram uma chance. Colhe a glória dos
assassinos e das próprias vítimas.

Seu suspiro é pesado e ofegante. Desliza sobre minha


pele, tornando a distância entre nós insuportável. — Sempre
foi tão crítico assim?

Essa linha de questionamento não está nos levando a


lugar nenhum. — Não, mas sempre gostei de quebra-cabeças.

— Quebra-cabeças, — ela repete. — Por quê?

Uma memória da minha infância pisca em minha visão,


sem ser convidada. Eu a afasto. — Gosto da mecânica, do jeito
que cada peça tem um propósito, um lugar. A forma como ela
simplesmente pertence.

London descruzou as pernas e endireitou as costas,


sentando-se mais ereta na cadeira. Ela é tão pequena, que
poderia se enrolar nela. — Onde você acha que pertence,
Grayson?

Oh, se ela soubesse o quão carregada é essa pergunta.


Mas não é o propósito por que estou aqui, não se trata da
minha história. Isso é sobre ela. Onde se encaixa no quebra-
cabeça. É hora de começarmos a descascar suas camadas.

Mantenho seu olhar, sem piscar. — Com você, Dra. Noble.


Eu pertenço bem aqui com você.

Uma tensa batalha de vontades trava entre nós, onde


nenhum dos dois está disposto a ser o primeiro a desviar o
olhar.

Se eu for muito firme, se ela se tornar muito consciente,


então poderá solicitar minha transferência. Decido que é
melhor não arriscar, provocando-a e desviando meus olhos
para a corrente que descansa contra minha perna.

— Recusei sua consulta há um ano, — digo, finalmente


dando a ela a resposta à sua pergunta durante nossa primeira
sessão, — porque não confiava em você. — Eu olho para cima.

Suas sobrancelhas escuras arquearam. — E você confia


em mim agora?
Dra. London Noble tem a reputação de conseguir uma
pena mais leve ou reduzida para assassinos condenados. Ela
humaniza monstros. Ela doma o indomável. Ela é a resposta
para todos os seriais killers no corredor da morte – seu anjo da
misericórdia.

Mas sob essa fachada, um diabo se esconde.

Levei meses para aceitar que ela foi colocada no meu


caminho por um motivo. No início, recusei qualquer conexão.
Não poderíamos estar mais distantes no espectro – e, ainda
assim, o nome dela continuava vindo para mim, um canto que
minha maldita alma reconhecia como semelhante.

Eu me inclino para frente, ficando tão perto dela quanto


minhas restrições permitem. — Eu confio no inevitável.

Minha resposta a enerva. A delicada coluna de sua


garganta salta enquanto ela mantém uma expressão afetada.
— Em algum ponto, todos os destinos de suas vítimas eram
inevitáveis para você. Você me vê como uma vítima? Eu cometi
algum pecado que não conheço?

Suas palavras tortas trazem um sorriso verdadeiro ao


meu rosto. Ela está ciente? Ou o estratagema faz parte de sua
sedução? Eu não tenho a resposta. Ainda não. Preciso de todas
as peças do quebra-cabeça dela primeiro.

Tudo o que sei com certeza é que temos uma história.


A nossa não é uma história de amor – somos muito
voláteis, muito explosivos para a monotonia. Não, nossa
história vem com um aviso.

Cuidado.

— Você está torcendo as coisas, — eu digo. — Mas não


está errada. Todos os pecadores são primeiro vítimas. Todos os
que se atormentam, causaram sofrimentos a si mesmos. — Eu
corro minhas mãos sobre minhas coxas, olhando para o metal
reluzente de minhas algemas. — É um simples yin yang,
escuridão e luz alimentando cada lado e devorando. Uma cobra
comendo sua própria cauda. Um ciclo vicioso.

London não usa um bloco de notas para anotar nossas


sessões. Ela as grava, e as observa depois. Ela é uma
observadora. Um voyeur. Utiliza o aqui e agora para processar
minhas palavras. O silêncio se constrói entre nós enquanto
leva seu tempo ordenando meus pensamentos vocalizados.

— Você se sente impotente contra o ciclo?

Meu olhar se fixa no dela. Minhas mãos coçam para


arrancar os óculos de seu rosto para que eu possa olhar em
seus olhos sem obstruções. — Nenhum de nós é impotente. A
escolha é a coisa mais poderosa neste mundo. Todo mundo
tem uma escolha.

Ela puxa o lábio inferior entre os dentes, aquela pequena


ação inflamando minha pele. Enrolo minhas mãos em punhos
enquanto espero sua próxima pergunta.
— Essa é uma declaração poderosa por si só, — diz ela,
me surpreendendo. — No entanto, se você tornar suas vítimas
indefesas, forçadas a fazer apenas as escolhas que fornece a
elas, então não são verdadeiramente livres para escolher, são?

Abro minhas mãos. Meus dedos espalmados em meu


colo. Perfurei um centímetro sob sua pele. Posso vê-la no modo
como ela toca seu dedo, ansiosa por seu pequeno barbante. —
Muito parecido com nossas sessões, — eu digo.

Suas sobrancelhas se juntaram. — O que você quer dizer?

Levanto meus braços e sacudo as correntes. — Se


estivéssemos em terreno equilibrado, capazes de expressar
nossos pensamentos com sinceridade, minhas respostas
poderiam ser diferentes. — Eu a olho atentamente. — E suas
perguntas, aposto, que seriam muito diferentes.

Ela está tão parada, se eu piscar, eu poderia perder o leve


tremor de suas mãos. Eu mantenho meu olhar treinado em
seu rosto. Somos a inevitabilidade um do outro – uma certeza
que nenhuma quantidade de correntes, grades e guardas vão
impedir.

Ela interrompe a conexão primeiro desta vez e olha para


o relógio da parede. — É o suficiente por hoje.

A decepção puxa meus ombros. Onde está a psicóloga


durona? Onde está sua determinação em me fazer ver o mundo
do jeito dela? A Dra. Noble é uma narcisista. Passei o último
ano estudando-a e elaborando minha estratégia sobre uma
mulher que ainda não conheço.

Liberto a raiva crescente com uma exalação vigorosa.


Amanhã.

Temos uma infinidade de amanhãs.


London

Uma tela em branco me encara, desafiando-me a apertar


o Play.

Pego meu reflexo na tela panorâmica escura e me viro


para o lado, analisando minhas pernas, a forma como minha
saia na altura do joelho abraça minhas coxas. Um pensamento
passa pela minha mente – um segundo de curiosidade sobre
como Grayson me enxerga – então é seguramente apagado
quando eu encaro a TV e aperto o botão para reproduzir.

A imagem de uma sala de metal enferrujada ganha vida.


Um zumbido baixo zumbe em meus ouvidos. Eu clico no
volume mais alto, então paro quando alguém entra no modo
de exibição. Um homem alto com uma barriga saliente e um
terno cinza desgrenhado.

Sua gravata está puxada para longe de seu pescoço, como


se ele estivesse puxando. Seu cabelo loiro sujo uma bagunça
desordenada, como se tivesse sofrido o mesmo tratamento
duro que sua gravata. Ele está apressado enquanto procura a
sala mal iluminada. Suas mãos apalpam as paredes
manchadas, procurando incansavelmente conforme uma série
de maldições silenciosas caem de sua boca.

Com a respiração suspensa, eu o vejo cobrir cada


centímetro da sala, e quando cai de joelhos, agarrando seu
cabelo, é quando eu vejo. Descendo de cima, apenas espiando
na tela, estão os cabos. Cabos pretos grossos. No final de cada
uma, uma algema. Um grande arnês repousa entre as algemas
pendentes.

Enfio a mão no bolso e retiro o barbante que mantenho


em mãos. Eu aperto o fio em volta do meu dedo indicador
enquanto assisto. Uma voz distorcida soa pela sala.

— Brandon Harvey. Você tem a chance de se libertar da


prisão que criou. Você é culpado por molestar crianças.
Embora tenha vencido o sistema e seja um homem livre aos
olhos da lei, agora é hora de pagar por seus pecados. Os olhos
da justiça não são cegos.

— Foda-se! — o homem grita.

— Prenda-se no arnês. Em seguida, algeme seus pulsos e


tornozelos nas algemas.

O homem sai da sala e, enquanto grita obscenidades, um


barulho alto zumbe no sistema de alto-falantes. Um a um,
painéis ao longo das paredes se viram. As faces das crianças
surgem – crianças pequenas – em um efeito dominó cobrem a
sala.

Ai, meu Deus. Tropeço para trás, encontrando


desajeitadamente meu assento, minhas pernas incapazes de
sustentar meu peso.

— Os rostos de suas vítimas serão o seu lembrete, — diz


a voz. — Esta é sua única chance de se redimir. Escolha.
Redenção ou morte.

Tento imaginar o homem em meu consultório de apenas


algumas horas atrás como a pessoa escondida atrás da
câmera. O homem que estive examinando na semana passada
não parece abrigar tendências sádicas, mas a prova diante de
mim é inegável.

Grayson é um sádico.

Além disso, ele é um expert em trapaças.

Antes de me envolver demais, pego meu diário e anoto


minhas observações. Um barulho alto recupera minha atenção
e sou forçada a assistir – não consigo desviar o olhar da tela.

O homem de terno obedece às instruções, xingando o


tempo todo em que se algema nos arreios e nos punhos.
Quando está efetivamente contido, os cabos se esticam,
levantando-o do chão. O ruído oco que ouvi antes é revelado
quando o chão embaixo dele se move para o lado para expor
um painel aberto. Um banquinho sobe para dentro da sala.
Não é apenas um banquinho... Estreito os olhos enquanto
tento discernir o assento em forma de pirâmide, e muito em
breve, a compreensão surge. Alguma lembrança distante da
aula de história ressurge para me dar o nome do dispositivo de
tortura.

— Um berço de Judas, — eu suspiro.

Um dispositivo de tortura medieval fora de contexto neste


cenário ergue-se abaixo do homem que se debate, com sua
ponta pontiaguda apontada diretamente entre suas pernas
abertas. Já sei o que está prestes a acontecer, mas mesmo
quando percebo isso, não consigo deixar de observar.

O barbante em volta do meu dedo corta minha circulação,


a pulsação abalando em sincronia com o aumento da minha
frequência cardíaca. Conforme os cabos descem, o homem é
esticado e abaixado, seus membros puxados em todos os
ângulos. Sua luta é inútil enquanto lentamente cai na pirâmide
de metal. Seus gritos se transformam em gritos de dor quando
a ponta pontiaguda do dispositivo de tortura faz contato com
seu reto.

— Passe neste teste, — diz a voz distorcida, — e estará


livre para ir. Você terá sofrido a mesma dor excruciante que
forçou suas vítimas. Como você, eles foram amarrados contra
sua vontade, incapazes de lutar. Tudo que precisa fazer é durar
doze horas – uma hora para cada uma de suas vítimas – para
ser resgatado.
Meus olhos se fecham brevemente. Doze horas. Pego a
caixa do CD da mesa e leio o rótulo, observando a duração do
filme copiado. São seis horas de filmagem gravada.

— Eu não aguento! — o homem grita. — Me deixe ir! Eu


sinto muito, sinto muito.

Uma corda cai do teto, balançando perto do rosto do


homem. — Você pode parar a tortura a qualquer momento, —
a voz anuncia. — Mas para acabar com seu sofrimento
imediato, tem que estar disposto a acabar com sua vida.

O zumbido fica mais alto, abafando os gritos. Os cabos


prendem seu corpo enquanto a gravidade o segura, forçando-
o a se abaixar na ponta. Estou paralisada pela cena. Querendo
saber se Grayson assistiu a totalidade da tortura.

Grayson é extremamente inteligente. Seu arquivo afirma


gênio. Com um QI de 152, ele vê o mundo de forma diferente
de pessoas comuns. Ele vê as pessoas de maneira diferente.
Ele me vê de forma diferente.

Seguro o controle remoto estendido, pronta para avançar


até o fim, mas mudo de ideia. Para conhecer meu indivíduo –
para entrar na cabeça deles e compreendê-los, é preciso
aprender suas motivações – eu tenho que suportar o que eles
suportaram.

A maior parte do tempo, me limito em até que ponto posso


me aproximar de um paciente. Grayson gravando suas
"sessões" com suas vítimas apresenta uma oportunidade
única de descascar as camadas e estudar seus impulsos. Isto
é o que digo a mim mesma enquanto me sento durante horas
de filmagens, incapaz de tirar meus olhos do pedófilo
torturado.

Sob minha curiosidade profissional, sou um ser humano


e me retraio diante do ato revoltante – mas sinto pouco remorso
por este homem quando olho para os rostos das crianças ao
redor da sala. Será que uma vida inteira na prisão é um castigo
adequado para seu crime? Não tenho certeza disso. Pelo menos
em nível pessoal. Grayson justifica-se com seu método para
punir onde a lei falhou? Simplesmente, essa é uma pergunta
para outra pessoa. Não diz respeito ao seu diagnóstico.

E ainda há a questão de como Grayson sabia da culpa do


homem. Ele o perseguiu? Pegou-o em flagrante? Ou é uma
fantasia da realidade? Aquela que consiste em um estado
delirante no qual percebe aqueles que considera culpados,
independentemente dos fatos.

Esfrego minha testa no ponto de pressão e depois faço


uma nota para pesquisar a vítima. Os corpos nunca foram
encontrados. Como é que os descartou? Por que os descartou?
Uma tática contra forense para se proteger, ou ele destrói os
restos mortais da vítima para insultá-los ainda mais,
impedindo que seus entes queridos lhes deem um enterro
adequado?
A extensão a que Grayson foi para examinar sua vítima,
validar seu propósito e conceber uma punição igualmente
adequada, e depois executá-la...

Bem, isso requer convicção. Independentemente de seu


estado mental anterior, durante e depois, o sistema de crenças
de Grayson será nosso maior desafio.

Indo mais fundo ainda, por que ele tem esse desejo de
punir tão cruelmente? O que impulsiona seu propósito? De
onde vem isso e quando agiu pela primeira vez por impulso?

Uma imagem das cicatrizes cruzando seu couro cabeludo


passa rapidamente por meus pensamentos.

Tortura. Auto infligida ou ele foi abusado?

Para saber as respostas, eu preciso ter acesso a


informações vitais não fornecidas em pastas genéricas de
cartolina. Seus pais, seu ambiente familiar, onde ele foi criado
– todos estes fatores devem se unir para criar um perfil legal e
aceitável para uma psicopatia adaptada a Grayson Pierce
Sullivan.

Explorando à distância profissional, é simples o


suficiente para traçar seu perfil criminal. Mas e quanto ao
homem?

O sotaque que ouço ocasionalmente que insinua uma


herança irlandesa.
Aqueles olhos azuis e penetrantes que me olham
fixamente até a medula.

Seu cheiro masculino que permeia nossas sessões.

Sua voz – a forma gutural e rouca que faz minhas coxas


se apertarem para compensar a dor.

Minha reação subliminar ao seu apelo sexual é


perturbadora por si só, mas ainda tenho que incluí-la em
minhas observações. É parte de sua natureza, carisma e
determinação trabalham juntos para atrair sua presa. Ele é
um caçador. Como admitiu durante nossa sessão.

E, sinceramente, nunca fiquei tão fascinada por um


paciente. Fascinada. Eu poderia rir. Minha atração é mais
profunda do que o fascínio... para alguma parte de mim que
anseia por sua crueldade. Ele é livre de uma forma que a
maioria das pessoas só sonha – um sonho sombrio e
imperdoável, onde não se aplicam regras.

Sacudo minha cabeça, percebendo que tenho esfregado a


palma da mão. Um hábito subconsciente, e a razão pela qual
eu iniciei minha terapia com barbantes em primeiro lugar. Já
desfiz a maquiagem, a chave tatuada agora visível. Sob a tinta
preta desbotada, uma cicatriz profunda estraga minha pele.

Camadas de minha juventude – as maneiras como tentei


esconder minha dor ao longo dos anos. Cada uma tão
reveladora quanto o crime.
Afasto o pensamento junto com meu barbante e recupero
o controle remoto. Monólogo interno suficiente para um dia,
decido pular para a marca de seis horas da filmagem. Ao longo
das últimas quatro horas de tortura extenuante, Grayson
permaneceu em silêncio. Ele não está me dando nada. Onde
ele está? O que está fazendo?

O homem na tela está encharcado de suor. Seu terno


rasgou suas pernas, e o sangue escorrendo de seu reto é
evidente, pois cobre o tecido cinza e o berço de Judas. Deve ter
decidido que já sofreu o suficiente ou que merece a morte – ou
talvez acredite que é um blefe – porque estende a mão para
pegar a corda.

Eu me encolho.

Um puxão forte no cabo liberta os cabos. O grito do


homem estala nos alto-falantes quando a ponta do banco o
empala. Outros poucos segundos de agonia torturante se
estendem até eu ouvir um estalo agudo.

A cabeça do homem se desconecta de seu corpo.

Clico em Voltar e, em seguida, pauso na imagem. Eu


chego mais perto, olhando para a tela. Um cabo faz contato
com seu pescoço e, quando clico na imagem à frente, posso ver
claramente onde ele corta, separando sua cabeça de seu corpo.

— Jesus Cristo.

Eu ejeto o disco e coloco dentro da caixa para ser


devolvido ao detetive. Olho para a pilha de casos na minha
mesa, as mortes registradas das vítimas de Grayson que o
Detetive Lux me emprestou – não muito de boa vontade – para
ajudar na minha pesquisa.

Antes que eu possa me convencer do contrário, coloco as


caixas na minha bolsa. Há algum tempo, optei por não levar
meu trabalho para casa comigo. Tentar ter uma vida fora da
minha carreira.

Hobbies parcialmente tentados lotam meu apartamento,


abandonado.

Salpico comida de peixe no aquário e tranco meu


consultório. Na minha caminhada para casa, as imagens no
disco tocam em um loop, meus olhos cegos enquanto seguem
o caminho memorizado para meu apartamento.

Se a promotoria tiver imagens semelhantes das mortes


em New Castle, qualquer testemunho que eu possa fornecer
não importaria. Depois de assistir a uma morte tão torturante
e horrível – não importa o crime da vítima – qualquer júri
condenaria Grayson. Suas ações são premeditadas.

Ele é um caso perdido.


London

Ajusto o gravador de vídeo, centralizando a imagem no


rosto de Grayson. — Diga-me o que você está pensando.

Quando ele não diz nada, eu me viro e saio de vista. —


Vamos tentar algo diferente, — digo. — Não vou fazer
perguntas. Só quero que você fale sobre o que está em sua
mente.

Ele passa as palmas das mãos no topo da cabeça. Seu


cabelo começou a crescer. Ordenei aos agentes penitenciários
que não raspassem sua cabeça até que ele tivesse alta da
terapia. Quero ver se esconder suas cicatrizes tem algum efeito
em seu comportamento geral e nas reações a mim.

Até agora, ele não revelou a origem de suas cicatrizes, ou


se elas aparecem ou não em qualquer outro lugar de seu corpo.
A julgar pelas mangas longas que escolhe usar sob seu
macacão, apesar do clima de primavera quente e fora de época,
acho que é uma suposição segura que esteja escondendo mais.
Existem muitas maneiras de esconder cicatrizes, tanto
físicas quanto emocionais. As cicatrizes físicas são fáceis de
disfarçar. Eu sei disso por experiência própria. Não estou tão
interessada nisso, mas sim em suas feridas emocionais –
aquelas que provavelmente levaram ao seu distúrbio.

— Eu recebo meu diagnóstico oficial hoje, doutora? — O


sotaque de Grayson está pesado esta manhã. Ele parece
cansado.

Depois de nosso primeiro mês, aumentei as sessões para


três vezes por semana. Quanto mais cedo eu determinar um
plano de tratamento para Grayson, mais cedo poderei retornar
aos meus outros pacientes em tempo integral. Temo que
alguns possam começar a sofrer com minha negligência, mas
é melhor concentrar minha atenção em Grayson em vez de
arriscar sua saúde mental enquanto é desviado.

Com menos de dois meses para o julgamento, há muito


pouco que posso oferecer em forma de defesa. Eu deveria
encerrar as sessões... mas sou gananciosa. Um serial killer no
corredor da morte com presença na mídia é um estudo de caso
interessante, sim – mas é mais do que isso.

Ele tem respostas.

Antes da descoberta das fitas de vídeo, ele era capaz de


se integrar perfeitamente à sociedade. Tinha um emprego
estável. Relacionamentos românticos incitados. Embora
nenhum fosse sério, o disfarce era de um adulto masculino
normal e funcional. Ele alimentou suas necessidades e
compulsões sádicas sem tirar uma vida. Não por suas próprias
mãos; ele forçou suas vítimas a matar por ele.

Ele tem respostas e as está guardando para si.

Coloco meus braços em meu peito. Depois de um mês de


entrevistas intensas, ainda estou relutante em rotulá-lo. —
Dar-lhe um diagnóstico faria alguma diferença durante as
nossas sessões?

Ele estala com um aceno de cabeça. — Você fez uma


pergunta.

Mantenho minha expressão severa no lugar.


Ultimamente, tenho gostado muito do meu trabalho. Uma
espécie de conforto se instalou entre nós, onde essa
brincadeira confortável começou a se desenvolver.

O charme de Grayson é desarmante. É parte de seu


estratagema. A meca de sua personalidade. Mas é raso; apenas
a ponta do iceberg. Eu quero escavar abaixo dessa superfície.
Mesmo que eu tenha que cortar o gelo aos poucos.

— Não vou perguntar mais nada. Você pode ir em frente


e começar onde quiser.

— O que você mais quer saber?

Uma respiração presa revela o quanto eu quero fazer a ele


uma pergunta em particular. Seu olhar se arrasta pelo meu
corpo, lento e intenso. Se eu não o tivesse estudado tão
atentamente, poderia assumir que é uma leitura sexual – mas
é assim que Grayson lê as pessoas. Ele lhes dá uma amostra
do que desejam para analisar seus relatos.

Faz isso de forma tão intuitiva, estou em um estado


constante de consciência tentando controlar minhas micro
expressões. É como uma partida de pingue-pongue enquanto
eu continuamente tiro seu foco de mim e de volta para ele.

— Que tal começar por sua carreira, — sugiro.

Ele parece desinteressado na minha escolha de assunto,


mas eu só preciso que ele relaxe na conversa. O objetivo desta
sessão é registrar suas expressões faciais. Eu quero uma
comparação básica para seu nível de conforto e pistas
emocionais. À medida que mergulharmos mais fundo em sua
psique, precisarei ser capaz de lê-lo tão facilmente quanto ele
me lê.

Suas correntes batem no chão de madeira quando ele se


acomoda na cadeira. — Trabalhava com as mãos, — afirma
simplesmente.

Tenho que me conter de pedir a ele que desenvolva sobre


isso.

Seus lábios se transformam em um sorriso consciente.


Grayson não sorri; ele se deixa levar. Tenho certeza que no
mundo exterior, onde seu charme é uma arma, seu sorriso
pode derreter as calcinhas de uma mulher. Já vi uma covinha
estourar em sua bochecha nas ocasiões em que o pego
desprevenido, e posso imaginar como é um sorriso cheio de
cem watts de Grayson. Acredito que o termo calcinha derretida
é o que a maioria das mulheres usa.

Seus olhos percorrem meu corpo novamente e, desta vez,


sinto sua intrusão. Selecionei meticulosamente uma saia lápis
justa que acentua minhas curvas. Minha blusa está
desabotoada até o volume dos meus seios. Eu fiquei na porta
do meu closet por um longo tempo, pensando sobre qual roupa
distrairia Grayson.

Esta é uma tática estritamente psicológica; para enganá-


lo na esperança de que revele mais durante a sessão de hoje.
E ainda assim, isso não impede que o calor se acumule entre
minhas coxas enquanto seu olhar me devora avidamente.

Ele leva seu tempo. Quando seu olhar pousa em meu


rosto, diz: — Soldagem. Próximo da costa. Solda hiperbárica,
ou solda subaquática, como é mais comumente conhecida. Eu
trabalhava em navios e oleodutos.

Sei muito sobre isso. Todas as informações facilmente


alcançáveis que eu gravei em minha mente. Espero que ele
continue, mas estou ficando impaciente. Por que um homem
com um QI de 152 escolhe trabalhar com as mãos?

Ele solta um suspiro pesado. — Sim, eu gostava, — ele


responde à minha pergunta não dita, e permito que um
pequeno sorriso escape.

Espero. Vejo a língua dele viajar sobre seu lábio inferior.


Um sorriso sobe o canto da sua boca. — Olha como você está
tensa, — diz ele. — A necessidade de fazer suas pequenas
perguntas apertando todos os músculos de seu corpo.
Principalmente essas coxas. — Seu olhar cai para minhas
pernas e eu deslizo para trás da minha cadeira, removendo
minhas pernas de sua linha de visão. — Vá em frente.
Pergunte.

— Por que soldagem?

— Quer dizer, por que não fui para a faculdade e persegui


uma carreira mais adequada ao meu nível de inteligência?

Levanto meu queixo. — Na verdade, é exatamente isso


que eu quero dizer. Seus pais não encorajaram sua educação?
— Ele se recusou a discutir seus pais comigo até hoje. Não vou
parar de pressionar para obter as respostas.

Ele revira os ombros. — Meus pais me encorajaram o


mínimo possível.

Eu levanto uma sobrancelha, antecipando mais sobre o


assunto, mas ele desvia o olhar. — O oceano é calmo, — diz
ele. — Quando você está lá embaixo, nem mesmo seus
pensamentos estão altos. Tudo desaparece no plano de fundo
deste cenário marinho tranquilo.

Olho para o tanque de água salgada por impulso.

— Acho que você deseja a mesma coisa, — diz ele,


chamando minha atenção para ele.

Não confirmo ou nego sua afirmação.


— Você não vai perguntar, doutora?

Balanço minha cabeça lentamente. — Isto não é sobre


mim. Não estou interessada em saber quais são os meus
pensamentos sobre o assunto, apenas os seus.

— Mas não está morrendo de vontade de saber o que eu


acho que você deseja?

Sim. A resposta queima através de mim, queimando a


parte de trás da minha garganta enquanto a seguro lá.

Ele sobe as calças até as coxas enquanto se senta para


frente. — Aposto que você mantém esse aquário aqui porque
deseja o mesmo momento de solidão.

Uma risada leve me escapa. — Então você é o médico


agora?

Sua expressão se abre, roubando meu fôlego. — Eu


adoraria fazer perguntas a você. Gostaria muito desse jogo.

Se é isso que vai deixar sua guarda baixa – mesmo que


por uma fração de segundo para que eu possa capturá-la –
então vou jogar. — Tudo bem, eu aceito. — Sento-me na
cadeira e cruzo as pernas na altura do tornozelo. — Não,
Grayson. Não anseio por solidão, porque eu fico sozinha todos
os dias. — E levanto minhas sobrancelhas desafiadoramente.

— Não é a mesma coisa, — ele rebate. — Ser solitário e


solidão são duas coisas diferentes.
Eu forço meus pulmões a se expandir além do aperto. —
É assim que você me vê? Solitária?

Ele balança a cabeça. — Eu sou o médico hoje. Estou


fazendo as perguntas. Você se sente solitária?

Passo minha língua sobre os dentes em uma tentativa de


esconder minha carranca reativa. — Às vezes, sim. Todo
mundo se sente solitário de vez em quando. Essa é a natureza
humana.

Ele fica absorto no jogo, em seu desempenho. — Acha que


lida com isso melhor do que a maioria, no entanto. Não é?
Porquê? Porque você é psicóloga?

Eu mordo uma risada. — Não, porque eu não gosto... —


Eu me interrompo abruptamente.

Sua cabeça se inclina. — Você não gosta de quê?


Relacionamentos? Muito complicado? Muito íntimo?

— Eu particularmente não gosto de pessoas, — confesso.

O canto de sua boca se levanta. — Uma psicóloga que não


gosta de gente. Como você gerência isso?

Eu bufo. — Interesso-me em examinar as pessoas, não


no que elas podem fazer ou ser em relação a mim, — esclareço.
— Essa é a diferença entre a pessoa comum e autoindulgente
e aquela que tem consciência de si mesma. Como psicóloga que
teve o benefício de anos de educação da mente, eu entendo as
pessoas em um nível que a maioria não entende. No geral, as
pessoas são egoístas e enfadonhas. Simplesmente prefiro
analisá-las em vez de buscar uma relação íntima.

Ele entrelaça as mãos no colo, seu olhar me contempla


intensamente. — Essa é a resposta mais verdadeira ou a mais
evasiva. O que, de qualquer forma, revela seu medo.

Um respingo frio na nuca congela todos os movimentos.


— Meu medo. Você vai me diagnosticar, Dr. Sullivan?

Ele se recosta, quebrando o contato visual. — A esta


altura já não se diagnosticou?

— Essa é uma suposição lógica. — E uma hipótese


errada. Nunca me analisei. Nem mesmo na faculdade, quando
cada estudante de psicologia estava dissecando seu próprio
cérebro. Naquela época, eu tinha uma teoria de que antes de
um ser capaz de diagnosticar outro, é preciso primeiro exercer
seus demônios mentais.

Uma tarefa muito difícil. Logo percebi que era mais fácil
coexistir com meus demônios do que expulsá-los. Uma vez que
aceitei esse fato, foi fácil o suficiente seguir em frente, até
mesmo para ter êxito. E eu consegui. Cheguei ao topo da
minha turma.

— Uma suposição lógica, — Grayson repete. — É uma


suposição lógica, então, você é uma mentirosa patológica?

Ele quer me atrair. Obter uma reação. Endireito minhas


costas, tentando ignorar a dor na minha lombar. As
sobrancelhas de Grayson se juntam. Não o suficiente para
denotar preocupação, mas apenas ligeiramente para revelar
que ele percebe meu desconforto.

— Acha que menti para você? — pergunto.

— Não, — ele diz. — Eu não acho que você mente para


seus pacientes. Eu acho que você mentiu para si mesma.
Especialmente sobre seus medos.

Mantenho meu tom baixo e sem emoção. — Essa é uma


avaliação severa. Mesmo assim, todos nós mentimos para nós
mesmos até certo ponto. É a maneira como nossa mente nos
protege. Se percebermos o quão insignificantes somos, bem...
— Eu rio— ...então podemos perder a vontade de viver.

— Perder a vontade de viver. Isso é interessante. — Ele se


aproxima, me encarando como se estivesse me intrigando. Ele
gosta de quebra-cabeças.

Pressiono mais para trás na cadeira. Toco minha testa,


desejando que a dor repentina vá embora. — Você pensou
muito no resultado do julgamento? — Pergunto.

— Do que você está tentando se proteger?

— O quê?

— Você disse que mentir para si mesma é um mecanismo


de defesa. Eu quero saber o que está tentando tanto evitar. Do
que precisa se proteger?
Agarro os braços da minha cadeira e me levanto para ficar
de pé. — Não estou jogando seus jogos mentais, Grayson. O
tempo indulgente acabou.

— Quem a machucou? — Ele se levanta de sua cadeira


tão rapidamente que reajo, recuando quando suas correntes
se esticam.

Meu olhar vai para minha mesa, onde o botão de pânico


escondido está posicionado abaixo de sua borda. Grayson
segue minha linha de visão, então ele olha para mim. — Vá em
frente. Pressione-o, — ele ousa.

Eu levanto meu queixo, controlando minha respiração. —


Se eu fizer isso, então esta será nossa última sessão.

O desânimo enche seus olhos antes que ele consiga


mascarar sua expressão. Eu me lembro que não é uma emoção
verdadeira; ele é um manipulador.

Provou isso quando dá um passo para trás e esfrega o


pescoço. — Sentiria falta do nosso tempo juntos, Dra. Noble.
Você está me ajudando.

Quer saber quando alguém está mentindo para você?


Procure o sinal manipulador: um puxão de orelha, um
toquezinho no cabelo. Esfregando o pescoço. Somente com
Grayson, estou indecisa se ele está mentindo sobre a minha
ajuda ou se vai sentir saudades de nós – sentirá minha falta.

— Você quer que eu acredite que não fez isso de


propósito?
Ele tenta um semblante confuso, mas não consegue
segurar por muito tempo. Seu sorriso se estende largo, e
aquela covinha surge na sua bochecha. Minhas pernas tremem
sob seu encanto. — Talvez eu queira que você questione qual
parte de tudo isso é verdade.

— Missão cumprida. Se você se propôs de propósito a


manipular estas sessões, então eu tenho que acreditar que
deseja morrer. Pergunto-lhe novamente, isto é um jogo? Seu
último gracejo antes de sua execução? Está desperdiçando
intencionalmente meu tempo porque o seu acabou?

Suas mãos se enrolam em punhos. Sua contenção física


agita as correntes, seus músculos tensos evidentes sob seu
macacão. Sinto um tremor de raiva fluindo dele. É a primeira
reação real que testemunhei, uma verdadeira emoção.

Eu o ameaço.

— Você não é um jogo, — diz ele com os dentes cerrados.

Respiro forte. — Tenho treinamento contra fraudes. Você


pode ser hábil na arte de enganar, mas eu sou hábil em
detectar isso, Grayson. Eu quero a verdade.

— Mentir para você não me beneficiaria. Eu quero que


você experimente a verdade.

A maneira como ele diz isso... o termo – experimente a


verdade, em vez de simplesmente querer que eu saiba – é
deliberado. Minha pele formiga.
— Você gostou de fazer suas vítimas sofrerem? Você
gostou de torturá-los, das suas mortes? — Minhas palavras
são tão seletivas. Preciso entender se é um sádico ou se é uma
fachada. Com suas defesas abaixadas, vou ter uma leitura
clara.

— Gostei, — ele admite. — Eu gostei. Nem um pingo de


remorso.

Libero uma respiração tensa. — Não pode sentir culpa ou


arrependimento se obtém prazer com o sofrimento e a dor dos
outros. Então, é prazeroso? Fica excitado quando suas vítimas
sofrem? Alcança satisfação e liberação sexual?

Sua expressão se transforma em puro êxtase enquanto


seus olhos ficam vidrados, como se ele estivesse relembrando
suas memórias. E quando me encontra além da neblina,
aqueles olhos azuis vívidos se concentram em mim, sinto isso
no meu núcleo – sua intensidade – uma dor pulsante que
obriga minhas coxas a se unirem. — É injusto que você
conheça meus segredos, — diz ele, — e eu não tenho nenhum
dos seus.

— Isso é uma admissão? — Pressiono o assunto.

Ele acena com a cabeça uma vez, uma confirmação. —


Eu nasci assim. Passei anos tentando descobrir o porquê.
Então fiquei entediado e cansado. O que importa agora é como
escolho canalizar minha... natureza sádica. Se é isso que você
deseja rotular.
Levanto minha cabeça, com a mandíbula cerrada. — Eu
o rotulo assim. Você também está delirando se acredita que
está canalizando seu sadismo para o melhor. Que você é um
herói, usando sua desordem para punir os culpados. Não é
assim que funciona, Grayson. Não pode ser o juiz, o júri e o
executor.

— E ainda assim sou, — ele diz, afundando na cadeira.


— É possível se identificar. Canaliza sua enfermidade através
de seus pacientes.

Um respingo ártico de medo rouba o ar de meus pulmões.

— É por isso que estou aqui, — continua ele. — Por que


você me escolheu em vez daquele babão na sala de espera. Fez
uma escolha. Uma que a beneficia. Basta confessar. Admita
que você nasceu tão livre quanto eu para que possamos
superar esta insignificância e descobrir do que somos
realmente capazes.

Dou um passo para trás, colocando mais distância entre


nós para que eu possa respirar sem estar atada com seu
cheiro. — O que você quer? — Uma pergunta simples, mas a
resposta determinará tudo.

Seu olhar de aço se fixa em mim. — Eu quero viver. E eu


quero você.

O tempo está suspenso. É a honestidade que compreendo


em seus olhos que me mantém presa a este momento tortuoso.
Estou ciente de que estou me tornando parte de sua desordem;
sou a única fonte externa que ele tem para formar uma
conexão – mas me recuso a fechá-la. Eu posso usá-la. Ético?
Não. De forma alguma. Mas não há mais ninguém como
Grayson. Não vou ter esta oportunidade novamente.

Eu jogo meu cabelo, limpando minha franja da visão, e


tiro meus óculos. — Em sua circunstância, você só pode ter
uma tentativa. Já que valoriza tanto as escolhas, sugiro que
escolha sabiamente. — Interrompo a conexão ainda mais
virando-me para a escrivaninha e pego meu caderno. —
Sinforofilia. Você conhece este termo?

— Parafilia é desvio sexual. — Ele sorri, seu olhar


expectante. — Eu fiz minha lição de casa antes de nosso
primeiro encontro. Rotular-me como depravado não é
novidade.

Levanto uma sobrancelha. — Mas o seu desvio particular


é, — eu contraponho. — Não há pesquisa empírica sobre o
tema da sinforofilia. — E é em parte por isso que não vou
interromper as sessões. Uma documentação sobre um assunto
confirmado seria a primeira de seu gênero, e a única pesquisa
a apresentar um serial killer. Minhas outras razões são minha
própria motivação pessoal.

— Posso sentir sua empolgação, — Grayson diz, o sorriso


se esticando. — Ou isso é excitação? — Ele fareja o ar, me
fazendo enrubescer.

Eu lambo meus lábios e abro meu caderno. — A definição


ampla é simples: você experimenta a gratificação sexual com a
encenação de desastres. Isso é muito simples, no entanto. Sua
psicopatia particular é a sinforofilia sádica. Vamos nos
aprofundar, descobrir por que você se voltou para a
teatralidade psicodramática em vez de provocar incêndios ou
encenar acidentes de trânsito. E sua vitimologia... seu
processo de seleção de vítimas é a chave.

A maioria dos psicopatas ficaria aliviada quando


finalmente tem uma explicação, alguma medida de
compreensão de por que são do jeito que são, mesmo que se
revoltem contra a reforma.

Não Grayson. As bordas curvadas de sua boca e


sobrancelhas denotam sua insatisfação.

— Você não concorda com o meu diagnóstico?

Sua respiração regular é audível no espaço silencioso


entre nós. — Cada fechadura tem uma chave.

Franzindo a testa, respondo. — Era figurativo.

Sua boca pressiona em uma linha firme. Não dando nada.


Eu decido que isso é aceitação suficiente e termino a sessão
cruzando a sala e abrindo a porta para alertar o policial.

Fico pairando no corredor enquanto Grayson é solto da


restrição no chão e preso para ser transferido de volta para
Cotsworth. É um processo tedioso e barulhento que me irrita
cada vez que as correntes batem e as fechaduras clicam.
Quando ele está pronto, o agente penitenciário o
acompanha para encontrar os outros policiais armados na sala
de espera. Quando Grayson passa, sua mão roça a minha.
Apenas uma leve pincelada que pode ser percebida como um
acidente, mas a franqueza do toque, o ponto de contato, aquece
minha pele. O toque de seu dedo ao longo da palma da minha
mão é poderoso o suficiente para capturar todos os meus
sentidos.

Não foi por acaso.

Fecho a porta e coloco minha mão sobre o local que ele


tocou.
Grayson

As portas das celas da prisão não fecham como nos


filmes. Instalações atualizadas como Cotsworth usam um
painel grosso de acrílico sobre a única porta gradeada para
impedir que presidiários de nível três como eu tenham
qualquer contato externo.

Recebo ordens para ficar dentro da minha cela branca e


de frente para a cama de grades. De costas para os oficiais, um
deles solta minhas algemas, depois a porta da cela desliza no
lugar com um bip e um clique oco. Uma vez trancada a porta e
selada por dentro, eu me viro.

Cotsworth se livrou do confinamento na solitária. Agora é


chamado de confinamento de segurança reforçada. Durante o
ano passado, eu tive este quarto de seis por oito só para mim.
Meu espaço é escassamente decorado com as únicas coisas
que eu tenho de valor nesta vida.
Não preciso de muitos bens. Muita coisa tende a
bagunçar a vida, prejudicar o que é essencialmente
importante.

Caixas de quebra-cabeça são empilhadas em uma mesa


de plástico montada. O mais recente completado, uma vista
panorâmica da costa do Maine. Enviada por uma de minhas
fãs. Tenho uma série delas. As groupies de assassinos são
como os guardas as chamam.

No meio da minha cela, uma barra suspensa pré-


fabricada se estende do teto. Especialmente projetado para
evitar que os presos se machuquem. E ao longo da parede mais
longa, dois grandes cartazes: Kells Castle6 e um labirinto. Eu
mesmo comprei o labirinto. O outro foi um presente das
groupies.

As luzes se apagam e a fraca trilha suspensa ilumina a


cela com um brilho laranja mais assustador. Tempo de
inatividade por uma hora antes do breu. Tiro meu macacão,
jogo no canto e arregaço as mangas. Deito na minha cama e
olho para os redemoinhos de laranja ao longo do teto.

A prisão tem tudo a ver com horário e ordem. A maioria


dos detentos vem de um lugar caótico, tornando o tempo na
prisão um doloroso castigo. Regras rígidas não me afetam da
mesma forma. Cresci sendo informado quando comer, quando

6 Kells Castle é um monumento nacional e de motte-e-bailey em Kells, no Condado de Kilkenny, na


Irlanda.
dormir, quando cagar. Estar aqui é como estar de volta em
casa, e eu estou passando meu tempo como se estivesse lá.

Nada permanece o mesmo.

A mudança é a única constante com a qual podemos


contar.

Ou você se adapta ou não se adapta. Essa escolha é o que


diferencia os detentos. Aqueles que esperam, e aqueles que se
rebelam. Um homem inteligente me disse uma vez que a espera
por algo pode enlouquecer um homem racional. E este lugar
está cheio de loucura.

Como não tenho que me preocupar em ficar louco, estou


esperando.

O guarda passa pela minha cela em sua ronda, dando-


me trinta minutos para mim mesmo.

Eu pulo da cama. O pôster do labirinto é facilmente


removido para revelar o verdadeiro tesouro abaixo.

A coleção de imagens e artigos que acumulei nos últimos


nove meses está organizada em uma colagem em espiral na
parede, desde quando comecei minha análise até seu último
julgamento. O recorte de jornal de sua agressão nos degraus
do tribunal. O primeiro dia em que nos conhecemos, e minha
confirmação de que London estava precisando de mim.

Passei meu dedo pela bochecha de London, a imagem tão


real que posso lembrar a sensação de sua pele macia e quente.
A pele da palma de sua mão manchada por uma cicatriz que
ela tenta esconder, e a tinta que por vezes espreita para me
insultar com seus segredos.

No exterior, as informações são escassas, provenientes


das águas mais profundas da web. Uma garota com cabelos
loiros tingidos. Uma oficial da lei condecorada. E o naufrágio
que mudou o resultado da vida dessa garota.

Arranco a imagem mais recente de London com seus


cabelos soltos da parede e a aproximo, inspecionando cada
sarda preciosa que posso discernir em seus olhos. Antes que a
escuridão leve a escassa luz, eu colo a imagem no meio da
minha colagem e dou alguns passos para trás até que eu esteja
sob a barra de tração.

Sou um homem obcecado. Eu sabia que ela iria me pôr à


prova. Quando pediu uma consulta inicialmente, eu questionei
sua intenção, seus argumentos, sobre a razão pela qual tanto
desejava isso. Os sanguessugas desistiram facilmente, mas ela
não – persistiu. Não considerei seu esforço desesperado na
época, mas isso ainda me deixava curioso. Quanto mais eu
olhava para ela, mais eu percebia seu frenesi, e então senti em
seu escritório.

Agora eu posso sentir o cheiro dela, aquele cheiro doce de


lilás misturado à sua excitação.

Qualquer um que esteja desesperado por respostas tem


demônios para alimentar.
E oh, os demônios dela estão vivos e pulsando em nossas
sessões. É quase cruel continuar provocando-a, mas ela
precisa ser libertada de seu estilo de pensamento treinado a
fim de aceitar a verdade.

Se estou obcecado, ela está apaixonada – uma


combinação explosiva.

Abaixo minha boxer e a chuto para o lado, em seguida,


agarro a barra acima. Eu puxo meu corpo para cima,
enrolando meus braços até meu queixo bater na barra. Repito
três de cada vez: para cima, para cima, para cima e seguro.
Fico olhando para London, seus olhos castanhos vazios, seu
corpo curvilíneo em forma de ampulheta que ela não consegue
esconder nem com seus trajes caros. Vejo ela cruzando suas
pernas bem na minha frente, aplicando pressão sobre a dor
que pulsa entre aquelas coxas macias e convidativas.

A cada aumento da barra, meu pau fica mais duro. A


tensão em meus músculos viaja pelo meu corpo até chegar à
ponta do meu pau, implorando por liberação. Uma
queimadura ardente veda todos os tendões sob minha pele
enquanto eu acelero as repetições. A adrenalina corre pela
minha corrente sanguínea, acelerando minha pulsação. Quase
posso ouvi-la...saboreá-la...imaginando-a lutando contra as
amarras enquanto sua voz frenética chama meu nome...

Um gemido profundo ressoa quando eu termino outra


repetição. Eu seguro meu corpo para cima, o queixo
pressionado com força contra a barra fria enquanto a liberação
me leva. Meu pau lateja, meu estômago fica tenso, conforme
eu empurro meus quadris para frente para levar a sensação de
libertação até minhas panturrilhas. O som da minha
ejaculação atingindo o cimento se mistura com a minha
respiração pesada, aumentando o orgasmo, antes de eu soltar.

Caio de joelhos, as palmas das mãos espalmadas contra


o chão frio. Ela já está sumindo da minha mente enquanto eu
respiro fundo. Alcanço atrás da minha cabeça e puxo minha
camisa para cobrir minha bagunça, meus olhos se espremem
apertados, e depois me acomodo novamente nos calcanhares.
Eu me agarro à minha cabeça.

Cada cicatriz no meu corpo está em chamas.

Minha carne exige punição, mas agarro os fragmentos


remanescentes do rosto de London até que a compulsão
diminua. Com a cabeça leve e formigando, saboreio essa
sensação antes que ela seja arrancada. Com ela, não desejo o
abuso. Eu apliquei isso por tanto tempo que é quase impossível
parar – mas ela é minha resposta. Ela é minha salvação.

Meu sangue está quente. O ar frio toca minha pele lisa


como uma carícia cruel, e eu acolho isso. Corro minhas mãos
sobre as cicatrizes levantadas ao longo do meu peito, sentindo
cada vida que testemunhei sendo tirada. Cada um deles está
gravado em mim, uma marca que cimenta meu destino, uma
penitência que me infligi pelo prazer que experimentei durante
seu sofrimento.

Não estou sozinho.


Essa percepção inicial foi o primeiro elo quebrado em
minhas correntes.

Não vou aceitar nada menos do que ela. Ela é minha outra
metade.

Recoloco o pôster, sem me preocupar em me vestir. Antes


que a luz se apague, trago a foto dela para a cama comigo. Eu
rastreio suas características, memorizando-as novamente.

A cela escurece e coloco a imagem embaixo do travesseiro.


Passo minhas mãos sobre meus antebraços, tocando uma
tinta que não consegue disfarçar completamente as cicatrizes.
Meu lembrete de que os segredos não podem ficar enterrados.

London quer respostas, posso dar a ela. A única questão


é até onde está disposta a ir para obtê-las.
London

Vidro quebrando. Metal torcido. Esmagando no asfalto. O


cheiro de vazamento de gás.

Relaxo minhas pálpebras, tentando não forçar a


memória. — É escuridão depois disso, — eu digo, entrelaçando
meus dedos no meu colo. — Posso abrir meus olhos agora?

Ouço Sadie respirar fundo. — Vamos tentar um pouco


mais. Pratique sua técnica de respiração. Deixe a escuridão
cair sobre você.

Com um aceno resignado, eu encho meus pulmões.


Prendo a respiração por cinco segundos e, em seguida, expiro.
Faço isso três vezes. Cada inalação envia uma dor aguda na
parte inferior das minhas costas. Minhas mãos se fecham em
punhos enquanto eu libero outra golfada, liberando uma
maldição.
Abro meus olhos. — A dor está muito forte hoje, —
flexiono meus dedos para trabalhar o estresse. — Lamento que
você tenha vindo até aqui.

Ela inclina a cabeça. — Eu não lamento. Não importa se


resolvemos algo nesta sessão ou não, ainda posso visitar
minha amiga. — Seu sorriso é caloroso, mas forçado. Isso não
me incomoda, porque não significa que ela sinta o contrário do
que está dizendo. Sadie não é capaz de expressar seus
sentimentos da mesma forma que uma pessoa comum.

Na faculdade, descobrimos cedo que Sadie tinha


tendências sociopatas, resultantes de um sequestro que ela
sofreu quando era adolescente. Foi torturada durante dias, e
depois testemunhou a morte de seu sequestrador durante seu
resgate. Ela foi capaz de canalizar este incidente em uma
carreira passional como analista de comportamento criminal.

Somente pessoas mais próximas a ela sabem que seu


comportamento praticado é um desempenho para se encaixar
na sociedade. É também por isso que eu pedi que ela viesse
aqui hoje, para me ajudar a superar algumas complicações
residuais de meu próprio passado que eu nunca fui capaz de
enfrentar. Ou melhor, recusei-me a confrontar. A franqueza e
a perspicácia de Sadie podem ser desconfortáveis para mim,
mas ela também pode me dar o incentivo que eu preciso.

— Você realmente se tornou muito boa nessa coisa das


emoções, — eu digo, sorrindo. — Mas não precisa disso
comigo. Você sabe.
Suas feições relaxam em seu estado natural. — Faço isso
com tanta frequência agora, eu não percebo. Virou um reflexo.
Como se eu fosse um ser humano de verdade ou algo assim.
— Ela ri.

Quase estendo a mão para ela, mas decido puxar meu


barbante do bolso em vez disso. Sadie é uma das únicas
pessoas em quem confio o suficiente para baixar a guarda. —
Você é tão real quanto possível.

Sua expressão muda, fica mais séria quando percebe


uma mudança de assunto. — Seu paciente mais recente, — ela
diz, — fale-me sobre ele.

Eu levanto uma sobrancelha. — Belo truque. — Ela


encolhe os ombros, sem remorso. — Bem, já que não posso
discutir nossas sessões... o que você quer saber? — Aperto o
barbante em volta do meu dedo.

— Como você está lidando com isso e por que de repente,


depois de todos esses anos, está pensando na cirurgia.

— Causa e efeito. — Desenrolo o barbante. — É simples


assim, não é?

— Isto é.

Enterro meu barbante no bolso e coloco minhas mãos


juntas, escondendo a cicatriz ao longo da palma que começou
a latejar. — Estou passando por uma contratransferência7, —
admito.

Sadie não reage. A contratransferência é uma ocorrência


normal em nossa área. — Portanto, esta é a verdadeira razão
pela qual estou aqui.

— Estou pensando em fazer a cirurgia... mas também


preciso saber se devo interromper as sessões desse paciente
em particular.

Sadie senta-se à frente, e eu noto pela primeira vez que


ela está usando um decote em V, permitindo-me um vislumbre
da cicatriz ao longo de sua clavícula. Algo que ela tem
escondido desde o dia em que nos conhecemos. — Você fica
irritada durante as sessões?

Balancei minha cabeça. — Não.

— A sua dor nas costas a está distraindo? A dor poderia


ser a fonte externa das emoções projetadas em seu paciente?
Agitada? Ansiosa?

Novamente, eu balanço minha cabeça. — Gostaria que


fosse tão simples. Já lidei com isso antes. — Faço uma pausa,
organizando mentalmente as palavras antes de ser capaz de
pronunciá-las. — Estou atraída por ele. — Mas é mais do que
isso...

7 Para Freud, a contratransferência define-se por ser a transferência do analista em relação ao


paciente ou a resposta do analista à transferência do paciente, ou seja, a reação emocional,
controlada, consciente e adequada do terapeuta ao paciente.
Não há julgamento nos olhos verdes de Sadie. — É
puramente físico?

Eu lambo meus lábios. — É físico... e emocional, em


parte. Grayson é inteligente. Autoconsciente. Intenso. — Inalo
profundamente. — Ele pode ser o primeiro paciente que eu
realmente acredito que posso ajudar a reabilitar.

— E você quer isso para ele.

— Claro. — Pensamentos sobre nossa última sessão


surgem. — Ele é um manipulador. Eu reconheço o perigo com
os manipuladores, mas testemunhei um avanço durante nossa
última sessão. Só preciso trabalhar através do que estou
vivenciando, porque tenho medo de que sem mim ele seja
condenado à morte.

Sadie se inclina para trás. Ela está sentada na minha


cadeira. Eu sou a paciente hoje. — Você disse medo. O medo é
uma emoção forte. Do que mais você tem medo?

Balancei minha cabeça rapidamente, uma risada fingida


presa na base da minha garganta. Eu conheço essas táticas,
conheço o processo, mas isso não torna mais fácil estar na
berlinda. — Quer saber se há alguma correlação entre meus
pensamentos sobre a cirurgia e meu paciente estar no corredor
da morte?

Ela balança a cabeça para o lado em um meio encolher


de ombros. — Existe?
Puxo meu lábio inferior entre os dentes. — Eu não acho
que haja. Os motivos pelos quais adiei a cirurgia não têm nada
a ver com a forma como estou reagindo ao meu paciente.

— London, nós nunca tratamos totalmente da culpa do


seu eu sobrevivente, — diz ela. — Está tomando alguma
providência para finalmente enfrentá-lo?

— Estou considerando a cirurgia, não estou? — Olho para


o tanque de peixes. — Desculpe. Estou mal-humorada hoje.

— Não, você está certa. É um grande passo para


finalmente enfrentar o fato de que você não é responsável pela
morte de seu pai.

Como um tapa na cara, suas palavras batem forte e


rápido. Minha resposta reflexiva é tão nítida. — Nunca admiti
que me culpo...

— Você recusou a cirurgia que corrigirá seus ferimentos


L-cinco e L-três desde o acidente, — ela insiste. — Você convive
com a dor diariamente porque estava dirigindo o carro naquela
noite. Não é preciso ser um profissional para ver a culpa que
você sofre, que se obriga a sofrer, London. E agora que um
paciente, que acredita poder fazer progressos em favor, está
prestes a ser sentenciado à morte, você quer sofrer também
essa culpa. Está projetando seu dolo8 sobre um paciente que –
se não salvar – arcará com a culpabilidade de sua morte.
Pretende arriscar sua carreira porque se recusa a lidar com

8 Em direito penal, a deliberação de violar a lei, por ação ou omissão, com pleno conhecimento da
criminalidade do que se está fazendo.
essa responsabilidade? Já se perguntou por que você sente
esta necessidade de buscar misericórdia para os assassinos
em primeiro lugar?

Honestidade brutal. A razão pela qual permiti que Sadie


entrasse em minha mente. Limpo a transpiração da minha
testa. Quando eu olho para minha mão, vejo a mancha com
tinta abaixo da camada de maquiagem. Minhas têmporas
batem em sincronia com o aumento do meu batimento
cardíaco.

— Eu preciso de um tempo. — Levanto-me e vou em


direção ao frigobar para pegar uma garrafa de água. Eu tomo
um longo gole antes de levar uma garrafa para Sadie.

Ela aceita e põe a água no chão. — Muito profundo para


uma sessão de reintrodução?

Eu bufo uma risada. Depois, mais séria, olho para o seu


olhar amparador. — Eu matei meu pai.

Nunca disse essas palavras em voz alta.

Sadie não recua. — O acidente de carro matou seu pai.

Aceno, embora eu saiba disso. — Eu me identifico com


ele, — digo. Que estou me referindo a Grayson é entendido. —
Meu paciente é o Anjo do Maine. Ele mata cruelmente. Sem
piedade, embora seu apelido sugira o contrário. E não há um
único osso em meu corpo que possa encontrar falha em sua
lógica. Todas as suas vítimas mereciam punição. E me
identifico com ele, porque estou feliz por eles estarem mortos.
O silêncio cai entre nós, o silêncio ficando muito alto até
que eu não aguento mais ficar olhando para o chão. Eu olho
para cima. A expressão de Sadie ainda não contém nenhum
indício de julgamento e, de alguma forma, isso torna tudo pior.

— Eu sei. — Afasto minha franja da minha visão. —


Preciso parar as sessões com ele.

— Não, — ela diz, me chocando. — Precisa se aprofundar,


confiando em si mesma para explorar a transferência e a
contratransferência para você e seu paciente.

Minha testa franze. — Psicanálise? Achei que você


concordou há muito tempo que eu não era boa com os métodos
freudianos.

— Você é terrível com eles. — Seu sorriso é sincero. —


Mas seria uma pena permitir que um desafio a impeça de uma
grande descoberta apenas por causa de um pouco de medo.

— Desafiar-me, — repito, ouvindo o medo distintamente


em minha voz. — Isso é ordem da médica?

Suas sobrancelhas escuras se erguem. — Na verdade, é.


Não precisa que eu diga o que fazer ou dê permissão. Se o seu
paciente for condenado à morte, você tem que aceitar isso, e
aceitar que não é um reflexo sobre você ou sua vida. O perigo
não é se está desenvolvendo ou não sentimentos pessoais por
ele. Isso pode ser remediado. Algumas sessões e nós
resolveremos e continuará com sua carreira.
Seguro suas últimas palavras, digerindo o resto. Sempre
há uma desvantagem.

Ela se inclina mais perto. — O perigo está em descobrir o


porquê. Existem certas portas que nossas mentes fecham para
nos proteger. Quer sejam memórias apagadas ou negação... —
seu olhar não vacila — ...nós trancamos aquelas portas por
uma razão. Depois de quebrar as fechaduras, não há como
voltar atrás. Você pode ter que aceitar uma nova realidade para
si mesma, e isso pode ser perigoso.

Eu sabia que, ao convidar Sadie, não seria capaz de


continuar escondendo a verdade. Ela dominou suas
habilidades. — Estou com medo de já ter começado o processo.

Ela estende o braço para pegar minha mão e eu a deixo.


É o tipo de conforto que você oferece a alguém quando perde
um ente querido – a pura desolação da alma. Embora Sadie
esteja aqui comigo, estou embarcando nesta jornada sozinha.

Não tenho medo do que está além da escuridão. Eu sei o


que está espreitando, esperando. Ameaçando. Tenho medo de
que, uma vez que eu liberte a verdade, vou perder o que resta
da minha humanidade.

— Diga-me o que aconteceu antes do naufrágio. Deixe-me


ser sua âncora. — A mão de Sadie se fecha sobre a minha,
segurando-me com mais força.

A pergunta dela chicoteia como um açoite, quebrando as


costuras do tempo, e o passado sangra no presente. Primeiro,
um vermelho turvo nos cantos, depois o sangue cobre minhas
memórias.

Muito sangue.

Se Sadie soubesse a verdade – se ela soubesse toda a


história – então seu conselho para buscar uma conexão mais
profunda com meu paciente perturbado poderia ser diferente.
Sob minhas obrigações profissionais, uma voz sussurra dos
recônditos escuros de minha mente. Um aviso. Para me
proteger, tenho que escapar de Grayson.

Ele é um perigo.

Engulo em seco. Depois de começar, não paro até não ter


mais fôlego para contar a outra alma. — Ele usava uma chave
no pescoço...
London

Há leis que podemos violar, e então há leis que devemos


obedecer. Como uma pessoa decide o destino de outro ser
humano com base nessas leis?

Com essa pergunta em mente, uma espécie de contagem


regressiva interna começou dentro de mim, uma espécie de
ponteiro de tic-tac com o cronômetro de Grayson. Com menos
de um mês para formar minha análise, o problema das leis
apresenta-se:

Quais leis devemos obedecer? Do homem ou do universo?

Em uma linha de tempo suficientemente longa, as leis do


homem se modificam, e elas mudam com bastante frequência.
O que antigamente era considerado um pecado punível com a
morte é agora uma simples atualização das mídias sociais,
uma expressão de preferência sexual, política, crença religiosa.
Daqui a cem anos, o pecado em seu estado atual pode ser
considerado uma piada ridícula, a maneira como olhamos para
nossos ancestrais que antes acreditavam que o mundo era
plano. Ou a forma como nos ressentimos com a ignorância dos
Julgamentos das Bruxas de Salém9.

Nosso sistema de justiça e nossas crenças são um reflexo


direto de nossa política, com base no que estamos dispostos a
aceitar – o que a sociedade como um todo pode aceitar. Mas
existem regras contra as quais não podemos contestar, como
as que governam nossa existência.

Há um fenômeno natural, uma força, que atrai qualquer


coisa massiva uns para os outros. A atração gravitacional que
tomamos por garantida todos os dias é uma lei obedecida sem
questionamento.

Gravidade.

Dois objetos colidindo, incapazes de impedir que o


acidente aconteça, porque a regra é inquebrável.

Relativamente, as ações de Grayson, seus pecados,


criaram um buraco negro no sistema de justiça. Ele está
avançando em direção ao seu destino a uma velocidade
supersônica, e não há nenhuma força externa forte o suficiente
para detê-lo.

Nem mesmo eu.

9 Refere-se a uma série de audiências e processos de pessoas acusadas de bruxaria na Massachusetts


colonial, entre fevereiro de 1693 e maio de 1694. Mais de duzentas pessoas foram acusadas. Trinta
foram consideradas culpadas, dos quais dezenove foram executadas por enforcamento e pelo menos
cinco pessoas morreram na prisão. Tem sido usado na retórica política e na literatura popular como
um vívido conto de cautela sobre os perigos do isolacionismo, extremismo religioso, falsas acusações
e lapsos no devido processo.
— London?

A voz preocupada de Lacy me tira dos meus pensamentos


e eu levanto os olhos do meu telefone para a minha
recepcionista.

— O Diretor Marks já está saindo das instalações, — diz


ela, parecendo tão cansada quanto eu. Ela abaixa o telefone da
mesa no gancho. — Sinto muito.

Eu coloco meu celular na minha bolsa com um suspiro.


— Terá que dizer a ele pessoalmente, então. Você pode lidar
com isso. — Dou a ela um sorriso tenso. — Apenas diga que
há uma emergência com um paciente que preciso atender.

Desviei o olhar de sua expressão duvidosa. Não sou do


tipo que foge. Apesar do meu avanço com Sadie, considero que
a continuação das sessões de Grayson é o caminho errado.

Sadie quer que eu mergulhe mais fundo. Eu não quero


me afogar.

E eu estou me afogando nele.

Até recentemente, fui capaz de enterrar meu passado sem


nenhum medo de que ele se infiltrasse em minha vida
profissional, e sei que Grayson é o catalisador para explicar
por que isso está acontecendo agora. Não quero enfrentar
meus medos, quero que eles voltem para seu canto escuro e
apodreçam.
Posso completar sua análise para julgamento revisando
nossas sessões gravadas. Vou preparar minha conclusão,
depois vou seguir em frente com este caso e paciente,
trancando tudo naquele mesmo canto escuro da minha mente
a que pertence.

Uma vez que tomei uma decisão, sou firme em minha


determinação.

— Isso é tudo? — Pergunto a ela, virando-me para sair.


Eu preciso sair daqui antes que eles cheguem.

Ela levanta um dedo. — Só mais uma coisa. Um detetive


Foster deixou inúmeras mensagens. Você quer retornar sua
ligação?

Não reconheço o nome. — Não. Pelo menos não agora. Se


ele ligar novamente, diga a ele para entrar em contato comigo
por e-mail. — Recebo muitas solicitações de investigadores e
funcionários da lei e simplesmente não consigo responder a
todas.

— Farei, — diz Lacy. — Tente aproveitar seu dia de folga,


London.

— Obrigada. Entrarei em contato. — Endireito meus


ombros enquanto sigo em direção ao elevador, determinação e
convicção ganhando força a cada passo seguro em minha nova
direção. Apertei o botão de descer, com uma sensação de alívio
se instalando sobre mim quando as portas prateadas se
abrem.
Meus olhos encontram os dele.

É apenas um segundo, um único lapso no tempo, mas no


momento em que nosso olhar se conecta, toda determinação e
segurança se esvai como o invertebrado sem espinha em que
me tornei. Estou fugindo. Estou em fuga. Grayson sabe que
seus olhos azuis enxergam através de mim, me chamando para
fora.

O diretor Marks está falando, mas não ouço nada. Meu


olhar está preso no homem que se recusa a me deixar ir.
Conforme me torno ciente do que está ao meu redor, noto que
a camiseta longa de Grayson está faltando.

Seus braços estão nus, exibindo desenhos em preto e


cinza pintando sua pele. As tatuagens são um escudo. Você
tem que olhar mais de perto para ver o que está por baixo. As
cicatrizes brilhantes que a tinta não consegue esconder
completamente. Eu carrego a mesma máscara.

Quando a gravidade se dá a conhecer, não temos como


impedir a colisão. Saber que você está sendo arrastado para
um buraco negro faz pouco para evitar o inevitável.
Exatamente como Grayson disse uma vez: somos uma
inevitabilidade.

— London, você está saindo?

Eu pisco, me dando alguns segundos para me concentrar


no homem à minha esquerda. Eu giro para enfrentar Marks.
— Hoje, não.
A confusão de suas sobrancelhas é sua única resposta
quando me viro para o meu consultório. Hoje, não. Como se
Grayson tivesse a intenção de impedir a minha fuga, ele
derrubou a barreira para me puxar de volta para dentro.

Devo prestar atenção ao alarme disparando na minha


cabeça. Mas a verdade é que não posso. Ele me deixa
imprudente.

Desapareço no banheiro do meu consultório enquanto os


agentes penitenciários prendem Grayson no meio da sala de
terapia. De pé na pia, as mãos agarradas à bacia de mármore
imaculada, espero que os sons de correntes e fechaduras
parem.

Eu me dou tempo suficiente para colocar minha guarda


no lugar, então eu levanto meu queixo quando entro na sala e
aceno para o policial persistente. Ele sai. O clique vazio da
porta se fechando tensiona minhas costas, o som alto e
definitivo, como se eu estivesse sendo trancada por dentro.

Abandonando o gravador, ando até a beirada da minha


mesa e me inclino contra a madeira sólida. Uma distância
maior dele do que quando estou sentada na cadeira, e a força
de que preciso para suportar meu peso.

— Sem câmera, — comenta Grayson.

Ele não está perguntando, mas posso ouvir a pergunta


em sua voz. Eu limpo minha garganta. — Quando faço um
exame psicanalítico, prefiro não registrar. Descobri que, ao
praticar a livre associação, os pacientes respondem melhor
quando não estão sendo monitorados tão de perto.

Grayson me observa atentamente, seu olhar rastreando


meus movimentos. Ele está esperando minha reação aos seus
braços expostos. Eu não dei a ele uma resposta suficiente
antes, quando estava muito absorta em minha própria atração
emocional. Sei que ele sentiu essa conexão também.

Eu poderia esperar que ele abrisse a discussão, para


descobrir seu raciocínio sobre porque escolheu hoje para
revelar suas cicatrizes para mim, ou posso começar a sessão
bem no meio do fundo do poço.

Estou me afogando.

— Por que a mudança repentina de método? — Ele


pergunta, me forçando a encontrar seu olhar frio. — Não
estava cooperando, doutora?

Lambo meus lábios. Respiro fundo para me acalmar. — A


livre associação é apenas mais uma ferramenta que podemos
usar para desvendar quaisquer emoções ou memórias
reprimidas. Seu propósito não é tratar, mas sim aprender.

Sua cabeça se inclina. — O que falta aprender? A menos


que essa técnica de aprendizado funcione nos dois sentidos.
Há tanto que adoraria aprender sobre você, London. Eu quero
aprender qual é a sensação de você abaixo de mim. Eu quero
aprender como seu cabelo fica emaranhado em minha mão...

— Pare.
Ele para. Pressiona seus ombros contra a cadeira, com os
braços em exposição total. Estava enganada – e raramente me
engano – ao pensar que ele escondeu suas cicatrizes por
vergonha. A inteligência de Grayson sempre foi meu maior
obstáculo. Fui inútil em acreditar que poderia simplesmente
enganá-lo. Ele nunca me ofereceu nada de seu passado ou de
si mesmo.

Ele é quem está reunindo e coletando informações. De


mim.

Isso acaba agora.

— Você vai aprender sobre mim durante esta sessão,


também, — eu digo. — Este método funciona nos dois
sentidos, entre o paciente e o psicólogo.

Ele se senta para frente. — Não precisamos desses


métodos evasivos. Qualquer coisa que você queira saber é só
perguntar. Vou te contar.

— Tudo bem. — Empurro a mesa e puxo meu assento


para frente, passando a linha amarela. — Isso requer
confiança, Grayson. Confiança entre o paciente e o médico, e
estou confiando em você para não me prejudicar com suas
ações ou palavras, e você pode confiar em mim para não fazer
o mesmo.

Ele fica imóvel, nem uma contração muscular ou tique


facial para indicar que minha proximidade o provoca. Mas é
em sua tranquilidade que eu leio sua ansiedade. Depois há a
mais leve ondulação de sua mão em um punho, enquanto
repousa sobre a cadeira.

— Posso sentir o cheiro da sua loção corporal, — diz ele.


Seus olhos se fecham enquanto ele inala. — Lilás. — Um
sorriso levanta o canto de sua boca. — Pedi a uma das minhas
fãs que me enviasse algumas flores frescas para colocar na
minha cela.

Ignorando o comentário provocador, permaneço calma. —


Parece estar na defensiva hoje.

Seu sorriso desaparece. — Isso não é uma pergunta.

— Estamos praticando a livre associação. Sou capaz de


expressar meus pensamentos assim como você, sem ter que
protegê-los.

Ele olha para a câmera novamente. — Você está


preocupada com o que pode revelar?

Olho para os meus tornozelos cruzados. — Na verdade,


estou. — Quando levanto meu olhar, seu comportamento é
muito diferente. Mais intenso. Mais sério. Como se não
sentisse necessidade de atuar.

— Podemos começar com uma simples associação de


palavras, — começo. — Eu direi uma palavra, e você dirá a
primeira coisa que vier à mente. A questão não é demorar
muito ou pensar na sua resposta. Posso confiar que fará isso?
— Você pode confiar que farei qualquer coisa que me
pedir.

Eu engulo com força, mantendo meu olhar fixo nele. Não


afetado. — Vamos começar com algo simples. Animal.

— Porco.

— Sal.

Ele espia o peixe. — Tanque.

— Flores.

— Lilás.

— Dedo.

— Fragmento.

— Voltar.

— Dor.

Faço uma pausa. — Você está associando cada palavra a


mim.

Ele levanta uma sobrancelha. — Estou fazendo errado?

— Não. Não se for sua resposta natural. Nosso objetivo é


que você transfira suas emoções e desejos para mim. É
chamado de transferência. A menos que esteja
propositalmente selecionando palavras para as quais acha que
me deixam desconfortável...
— Você pediu honestidade. Não duvide que estou lhe
dando nada menos.

Eu pressiono meus lábios. — Ok. Dinheiro.

— Carreira.

— Fome.

— Voraz.

Eu cruzo minhas pernas, observando a forma como seu


olhar segue minha ação. — Errado.

— Certo.

— Morte.

— Pena.

— Amor.

— Doença.

— Mulher.

Ele faz uma pausa aqui. — Você.

— Sexo.

Suas narinas dilatam. — Foda-se.

— Pecado.

— Salvação.

— Felicidade.
Ele avança. Não tenho tempo para reagir. Estou
paralisada, esperando o que acontece a seguir. Ele não me
toca, mas está perto – perto o suficiente para eu sentir o cheiro
de sua loção pós-barba. — Não existe tal coisa, — diz ele. —
Pare de fazer perguntas de um psicólogo e obtenha suas
respostas.

Permaneço no meu lugar, não recuo. Estou tremendo,


mas não é de medo. Cada molécula do meu corpo está lutando
para me aproximar.

Tocá-lo.

Eu libero a respiração que estou prendendo, e a ingestão


aguda de Grayson, como se ele estivesse roubando para si
mesmo, desperta uma emoção primitiva dentro de mim.

— Uma resposta por uma resposta, — eu finalmente digo.

Isso arranca um sorriso dele. — Ok. — Ele se acomoda


em sua cadeira sem ter me tocado. Não tenho certeza se estou
aliviada ou desapontada. Ambas as reações são
desconcertantes.

Eu cruzo minhas mãos, reunindo meus pensamentos. —


De onde você é?

Ele não hesita. — Delaware.

Levanto uma sobrancelha.

Sua covinha aparece. — Originalmente, Kells. Irlanda do


Norte.
— O que o trouxe aos Estados Unidos?

Ele balança a cabeça. — Minha vez. De onde você é?

Meus ombros murcham. Ele pergunta isso como se já


soubesse a resposta. — Hollows, Mississippi.

— Esse não é realmente um lugar.

— É tão real quanto possível, — eu rebato.

— Comunidade agrícola? — ele pressiona. — Ou é


conhecido por algo... diferente.

Eu cavo meus cotovelos em minhas coxas, me aterrando.


— Conte-me sobre as cicatrizes, Grayson.

Minha pergunta faz o que eu quero. Seu foco muda do


meu passado para o dele. — Quais?

Por reflexo, eu olho para seus braços.

Seus dedos percorrem seu antebraço com tinta. Ele me


observa, do jeito que sigo seu movimento. — Algumas foram
uma dádiva e outras um castigo. Meu padrasto tinha uma
maneira particular de distinguir ambas.

Esta é a primeira vez que ele me fala sobre um padrasto.


— Seu padrasto era abusivo, então.

Um sorriso divertido ilumina seu rosto. — Você não gosta


de seguir suas próprias regras.

— Touché. Pergunta à vontade.


Ele morde o lábio inferior enquanto pensa. Minha
respiração se torna moderada, muito alta, muito reveladora. —
A dor em suas costas. Diga-me o que aconteceu.

Eu tiro minha franja da minha testa. Em seguida,


apresento a resposta prática que criei anos atrás. — Eu sofri
um acidente de carro quando era adolescente. Fraturou
minhas costas em vários lugares. Minha região lombar foi a
que sofreu mais danos. Eu nunca me recuperei totalmente.

A decepção vinca seus olhos. — Isso não é tudo.

— Isso é tudo, Grayson. Isso é tudo que existe.

— Por que você cobre a tatuagem em sua mão? Me fale


sobre isso. Por que a fez em primeiro...?

— Está fora dos limites, — eu interrompo. — Minha vez.

— Não. Você não me deu uma resposta honesta antes. Eu


quero saber.

Respiro rapidamente. Minha agitação crescendo. — Eu fiz


quando era jovem...

— Mais ou menos na época do seu acidente?

Eu hesito. — Sim. E como qualquer adolescente, fiz isso


impulsivamente. Escondo agora por profissionalismo.

— Por que não apenas removê-la, então?

Meu coração bate irregularmente, a pulsação em minhas


têmporas disparando uma teia aguda de dor na minha cabeça.
Esfrego minha nuca. — Eu não sei por que, — digo, não tendo
outra resposta para oferecer a ele.

Isso parece saciar sua curiosidade por enquanto. Ele não


pressiona.

— Todas as suas cicatrizes são do seu padrasto? — Eu


pergunto. — E a sua mãe?

— Não. Nem todas.

Quando bato meus dedos no apoio de braço, ele suspira.


É justo que divulgue mais se espera mais de mim em troca.

— Minha mãe gostava de assistir. Mas não estamos


falando sobre isso. Você não está pronta.

— A própria definição do meu trabalho é estar pronta


para falar sobre isso exatamente, Grayson.

— Mas não hoje. — Ele toca uma cicatriz extensa ao longo


de seu antebraço, uma expressão dura mascarando seu rosto.
— Há algumas que eu mesmo esculpi, — confessa. — A dor
que inflijo a mim mesmo serve de punição quando fico excitado
enquanto vejo seu sofrimento.

Seu sofrimento. Suas vítimas. Se alguma vez houve


qualquer dúvida se meu paciente é ou não um sádico, Grayson
acabou de eliminar todas as incertezas.

— Você parece... surpresa.


Abro a boca, mas não consigo reunir palavras para
transmitir o que estou sentindo. Aversão. Fúria. Enjoada.
Essas são respostas aceitáveis, mas não sinto nenhuma delas.
Alarmada. Curiosa. Cativada – o canto escuro da minha mente
me chama para mais perto. Eu posso sentir o empate.

Toco minha testa, me dando um momento para enterrar


minha cabeça e me desconectar dele. — Não estou surpresa,
apenas processando. Raramente encontro esse nível de
franqueza. — Eu olho para ele. — E sem remorso.

A atmosfera fica mais espessa com seu olhar intenso. —


Do que devo sentir remorso? Eu poderia ser fraco como Bundy
ou BTK10, e infligir minha doença aos inocentes. Ao contrário,
aprendi a controlar meus impulsos e direcioná-los aos ímpios.
Até aprendi como administrar meus desejos, escolhendo me
mutilar a mim mesmo ao invés de me perder na liberação de
tirar dos outros. E deixe-me dizer a você, Bundy e muitos deles
sofreram por essa libertação. Eles festejaram e depois se
purificaram. Satisfação e arrependimento, repetidamente. O
que é um ciclo muito mais vicioso do que aquele que eu
desenvolvi.

Sinto a força de suas palavras, a isca me enrolando – e


sou impotente contra isso. Eu quero mais. Eu quero fechar as

10Dennis Lynn Rader é um assassino em série americano conhecido como BTK ou "Estrangulador
BTK". Entre 1974 e 1991, Rader matou cerca de dez pessoas nas cidades de Wichita e Park City, no
estado do Kansas, e enviou cartas provocadoras à polícia e jornais locais descrevendo os detalhes de
seus crimes.
cortinas e bloquear o mundo que julga e só existir nesta hora
onde a vergonha não vive.

Ao encontrar a gravidade de um buraco negro, uma força


tão poderosa que nem mesmo a luz consegue escapar de seu
vórtice, você não tem chance contra a escuridão. Qualquer luz
que fui capaz de reunir neste mundo escuro, ele certamente
irá devorar se eu continuar nesta rota de colisão.

— Então agora, me diga, — diz ele, esticando os braços


ao longo dos apoios de braço, — como você conseguiu seu
nome? London é muito incomum, especialmente para uma
pequena cidade no Mississippi.

— Disseram que minha mãe me deu o nome de... — Eu


paro. Sorrio. — Ela me deu o nome de sua novela favorita.

Sua sobrancelha se franze. — Disseram a você, — ele


repete, enfatizando meu erro.

Ele não perde nada. Prestar atenção a cada deslize da


língua e inflexão. Minha vez de desviar. Eu olho para o relógio.

— Então, estamos de acordo, — diz ele, ganhando minha


atenção. — Sem discussão sobre mães hoje, doutora.

Endireito minhas costas. — Isso pode ser um assunto


para outro dia. — Um no qual não vou aumentar, já que não
tenho nenhuma lembrança da minha. Apenas algumas fotos
borradas que meu pai salvou e o jardim dela no quintal. — A
maioria dos meus pacientes passam anos nesse assunto. Não
temos muito tempo.
A menção de seu tempo cada vez menor esculpe suas
feições em ângulos rígidos. — Para que temos tempo, então?

— Não há muito mais hoje, infelizmente.

Quando começo a me levantar, ele se senta para frente.


— Somos muito parecidos, — diz.

É hora de encerrar a sessão – é inteligente parar agora –


mas a curiosidade me obriga a reclinar e ficar. — Como assim?

Ele olha para a câmera. — Nós dois gostamos de gravar


nossas sessões. Eu as uso para reflexão.

Balancei minha cabeça. — Eu não compararia as duas


coisas, Grayson. Não é o mesmo.

— Mas, não é? Estou curioso. Para que você usa todas


essas gravações? Te excita?

— Acabamos.

— Você se toca enquanto as observa?

Eu me levanto.

— Você assistiu meus vídeos?

Empurro a armação dos meus óculos para cima,


posicionando-os. — Sim.

— Todos eles?

A vergonha se contorce em nosso espaço sagrado.


Profissionalmente falando, uma ou duas ou mesmo três
gravações das sessões de tortura de Grayson teriam bastado
para pesquisar seu diagnóstico. Mas assim como agora, apesar
dos alertas, a atração para experimentar... para sentir essa
conexão proibida entre nós era muito grande.

— Sim, — respondo honestamente. Eu sou uma


profissional. E, como profissional, tenho todo o direito de
conduzir pesquisas extensas sobre meu paciente.

Mas o desafio em seus olhos brilha, um desafio para


desmascarar aqueles desejos sombrios que espreitam sob
minha superfície. — Qual deles é o seu favorito?

As regras da psicanálise são simples: não existem regras.


Neste porto seguro, posso confessar minha excitação, minha
inquietação ao ver a mulher ser amarrada e torturada até que
seus membros quebrassem. Mas não vou admitir isso em voz
alta. Eu me recuso a ceder a ele.

— Essa é a nossa sessão de hoje, — eu anuncio. Endireito


minha saia enquanto caminho em direção ao corredor,
esquecendo minha proximidade com o interno em meu
escritório.

Grayson não se esqueceu.

Minha marcha em direção ao outro lado da sala é


frustrada quando ele agarra minha saia. Cada músculo do
meu corpo fica tenso, os pelos da minha pele se arrepiam,
todos os sentidos capturados por ele e seu aperto na minha
saia.
Em um instante, eu percebo que ele propositalmente me
irritou por esse resultado exato.

O barulho das correntes aumenta minha ansiedade,


então sou puxada para trás. Forçada a ficar diante dele, eu fico
olhando para onde agarra a bainha da minha saia, fechando o
tecido em um punho apertado.

— Me solte, — exijo, de alguma forma controlando o


tremor em minha voz.

Seu olhar vagueia deliberadamente pelo meu corpo para


encontrar meus olhos. — Você quer tocar minhas cicatrizes.

O calor de sua pele toca minha coxa nua, seus dedos


ásperos uma fricção abrasiva e atraente. Eu engulo. — Isso
seria inapropriado.

— Mas você ainda quer. — Ele libera o tecido um dedo de


cada vez, até que eu esteja livre dele. Mas eu não estou. O
desafio em seus olhos ainda me mantém cativa. — Eu quero
que você toque.

Devemos ser como dois polos semelhantes de um ímã;


deveríamos repelir um ao outro. Mas nossos campos
magnéticos se atraem, encaixando-se com força.

Como se temesse que eu seja uma criatura assustada,


gentilmente pousa as mãos em meus quadris e um arrepio me
atinge. — Mas se você fizer isso, eu toco em você, — ele desafia.

Isso é mais do que proibido. É perigoso.


Respiro profundamente, inalando seu perfume
masculino, me torturando pelo que estou prestes a fazer.
Apesar de meu coração disparar em um aviso claro, coloco
minha mão sobre a dele. Eu deixei minha palma viajar sobre
seus dedos ásperos para seu pulso e para seu braço. Onde as
cicatrizes chanfradas envolvem sua carne. Como faixas rígidas
inseridas sob sua pele, o tecido da cicatriz é liso e cruel.
Algumas mais recentes do que outras, e o pensamento dele
infligindo as feridas enquanto arrebatado pelo desvio erótico...

Minha respiração fica presa quando seus dedos fazem


contato com a parte interna da minha coxa.

Fecho meus olhos contra o ataque de emoções – a


maneira ilícita e erótica que me faz sentir enquanto sua palma
áspera roça minha coxa, minha saia contra seu pulso.

— Olhe para mim.

A demanda corre em meu sangue, queimando minhas


veias. Eu abro meus olhos por impulso.

O olhar azul elétrico de Grayson me mantém presa


enquanto sua mão marca minha pele. Ele sobe lentamente, as
pontas abrasivas de seus dedos explorando, me mapeando,
enquanto avalia minha resposta.

Um gemido escapa, e eu tenho que morder meu lábio para


conter outro. Um músculo salta ao longo de sua mandíbula,
então ele se move mais alto, tortuosamente lento. Estremeço
sob seu toque íntimo. Quanto mais forte se torna, mais eu
desejo cavar minhas unhas em sua pele. Meus dedos formam
garras em seus braços.

Como se soubesse o que estou pensando, ele lambe os


lábios e diz: — Faça isso.

O desafio desliza sobre meu corpo, o calor pulsante entre


minhas coxas o convida a me tocar, e quando eu me rendo,
seus dedos roçam a costura da minha calcinha. Um choque de
consciência rouba minha respiração e eu dou um passo para
trás, quebrando a conexão.

Não paro de andar até estar segura atrás da linha


amarela. O olhar aquecido de Grayson me rastreia, seu peito
se movendo para cima e para baixo com sua respiração
irregular. Suas feições tensas como se ele estivesse sentindo a
mesma dor sufocante que queima meus pulmões. A sala pulsa
com cada uma de suas respirações, em harmonia com as
batidas do meu coração.

Estou perdendo minha cabeça.

Perturbada, eu viro minhas costas para ele e corro


minhas mãos sobre minha saia enquanto corro para fora do
consultório. Em poucos minutos, os oficiais têm Grayson
algemado e transportado. Ele não falou, não disse uma
palavra. Sem dar nenhuma pista sobre a tempestade que se
formava entre nós.

Fico no centro do meu consultório, sentindo o peso do


que transpareceu pesado e urgente. O piso de madeira se move
sob meus pés. A gravidade só precisa de um leve empurrão
para me enviar em espiral para baixo.
Grayson

O zumbido sinaliza o fechamento da porta da cela. Fico


de pé com as mãos nas costas até que os passos dos guardas
se afastam no corredor. Movendo-me em direção a minha
cama, eu inalo profundamente, sentindo o cheiro persistente
de lilás. As flores secaram. Pétalas mortas enquadram meus
quebra-cabeças.

Sou paciente, mas até eu tenho meu ponto de ruptura.

Um ano na prisão era mais fácil do que os segundos


torturantes gastos a tocando.

Não está na hora.

As luzes diminuem, dando-me minha privacidade


regulada. Levanto minha língua e desenterro o objeto que alojei
lá na sala de terapia de London. Com apenas cinco centímetros
de tamanho, a trava de metal da fivela do cinto não foi fácil de
obter, mas era um desafio agradável.
Eu sorrio enquanto coloco o pino de prata sob uma aba
de papelão na minha caixa quebra-cabeça. Estou ficando sem
esconderijos.

Em breve.

Raspo as peças do quebra-cabeça sobre a mesa e


desdobro o artigo antigo, aliso os vincos. Já o li muitas vezes,
mas cada vez que leio, recebo outra peça. Assim como juntar
meus quebra-cabeças, London deixou pequenos detalhes,
pequenas pistas, para eu desvendar e encaixar.

Hollows, Mississippi não existe. Mas Sullivan's Hollow


sim, embora não esteja em nenhum mapa. Eu não a culpo nem
a nenhum dos habitantes de lá por quererem esquecer seu
passado. Novos nomes e novas histórias. Isso é tudo o que é
necessário para criar uma identidade diferente.

De quanto ela se lembra? Gostaria de saber se ela a


reescreveu completamente. E suas memórias são um pesadelo
distante que sonhou há muito tempo.

Nove jovens mulheres de dezesseis a dezenove anos


desapareceram ao longo de doze anos. Isso pode não parecer
muito, mas para uma pequena população como essa, é uma
coisa assustadora. A maior parte foi classificada como fugitiva,
afirma o artigo. Adolescentes são conhecidos por serem
promíscuos. E, em uma cidade pequena, o julgamento
prevalece sobre a verdade. É mais fácil de engolir. O artigo está
cheio de suspeitas e pensamentos retrógrados. Eles não
tinham sequer um detetive no caso.
Mas há uma peça significativa que me incomoda há
meses. Não o que está no artigo, não o que foi mencionado...
mas o que foi omitido.

A data em que os desaparecimentos pararam


repentinamente.

Coloco o artigo embaixo do meu quebra-cabeça mais


recente. Está apenas metade concluído, mas já está revelando
muito da imagem. Raspo uma peça recortada da mesa e giro-
a em torno dos dedos, visualizando as manchas douradas em
seus olhos.

Ela tem vivido duas vidas por muito tempo. Meu objetivo
é separá-las. Como o quebra-cabeça para o qual olho agora, a
mulher que eu preciso esconde-se nos detalhes. Ela está
enterrada sob as mentiras.

Enterrada. Eu gosto disso. E assim revelo o modelo


tridimensional sobre a mesa. Há meses venho juntando
camadas. Não é uma boa alternativa para minhas ferramentas
de solda e conjuntos de moldes em casa, mas quase aprecio o
desafio de criar praticamente do nada. Papel em camadas e
papelão formado. Uma construção de armadilha improvisada
que ainda não foi realizada.

Como uma criança brincando com uma casa de boneca,


o modelo 3D me permite alimentar minha obsessão. Rasgo um
canto de uma das minhas caixas do quebra-cabeça e dobro o
papelão em um retângulo. Não é o ideal, mas a caixa serve.
Deslizo a caixinha para a modelo com um sorriso.
É apenas uma questão de tempo até que todas as peças
se alinhem e a imagem esteja completa.

Pego o modelo e coloco-o sob a mesa, depois volto ao


quebra-cabeça. Um retrato de London que cortei habilmente
para alinhar perfeitamente no topo do quebra-cabeça. A peça
encontra seu lar, deslizando facilmente no lugar para revelar
aqueles olhos que me cativam. Eu roço meus dedos sobre as
feições de London, excitado pela sensação tentadora das
bordas chanfradas das peças do quebra-cabeça conectadas.

Ela está quase completa.

Ela é quase minha.

As luzes se apagam, deixando-me no meu vazio escuro


para sonhar com ela até de manhã.
London

As memórias enganam.

A maneira como a mente funciona quando se recorda do


passado distorce nossa realidade. Nossas mentes formam e
moldam uma memória sempre que analisamos o passado,
mudando detalhes sutis, alterando fatos. Não há duas pessoas
que se recordam de eventos passados da mesma forma, quer
ambos estivessem presentes no momento ou não.

A maioria das pessoas não sabe disso, e pode ser


assustador quando descobrem a verdade.

Um casal continuamente discutindo os mesmos pontos,


noite após noite, ambos jurando inflexivelmente que o outro
está errado, que estão enganados.

Ambos estão certos. Suas memórias estão distorcidas


para perceber o mundo ao seu redor de uma forma que
estruture e defina quem eles são e no que acreditam.
Eu escrevi um artigo sobre isso uma vez, no meu primeiro
ano. Saindo da faculdade, eu estava decidida a atacar as
origens da mente de um assassino. Foi a educação e as
experiências que criaram um assassino, ou foi como sua mente
considerou aqueles primeiros anos cruciais e impactantes que
o formaram?

A maioria argumentaria que são a mesma coisa. Não há


diferença entre como nos lembramos de nosso passado e nosso
verdadeiro passado – que o resultado, de qualquer forma, cria
um monstro.

Isto é sobretudo verdade. É difícil separar qualquer fato


da ficção. Então, por que se preocupar em debater as teorias e
analisar os detalhes?

Eu era jovem e, na minha juventude, inclinei-me para a


psicologia das massas. Nunca mais pensei em minha tese, ou
como ela pode ser pertinente aos meus pacientes. Era
irrelevante para minha área de estudo, pois promovi minha
carreira com seriais killers e sua reabilitação.

E, para dar prosseguimento, era imperativo que eu


parasse de relembrar minhas próprias memórias do passado.
Quantas vezes eu havia revisto os detalhes? Quantas vezes
minha mente distorceu esses eventos? Minhas memórias
ainda eram reais, ou apenas fragmentos da verdade
emaranhados com meus pesadelos? Como uma velha fita
cassete sendo gravada continuamente, minhas memórias
agora reproduzem uma música deturpada11 e distorcida.

Enfiei minhas mãos nos bolsos do meu casaco e segui a


trilha sinuosa através do exuberante jardim do aviário. Os
pássaros cantam ao som da música na minha cabeça, seus
gritos agudos pontuando os picos de minha ansiedade.

Esperava que o passeio por um dos meus lugares


favoritos acalmasse minhas preocupações, pois ao longo dos
anos tenho usado muito esta fuga para apaziguar minha
mente. Mas os pássaros voam mais altos, como se estivessem
cientes do meu segredo, compartilhando-o um com o outro em
código gorjeador.

Eu bufo uma risada silenciosa da minha paranoia. Os


pássaros não se importam comigo ou com o que eu fiz. Estou
perdendo a cabeça.

Um arrepio toca minha pele e eu solto a presilha,


deixando meu cabelo cair e dando uma sacudida em minhas
mechas para cobrir meu pescoço. Recordei a memória da
minha última sessão com Grayson muitas vezes agora,
analisando-a, dissecando-a, recordando os detalhes. As
sensações e emoções que ele evocou. O anseio... e tenho medo
de que, toda vez que me lembro, estou alterando o que
realmente ocorreu.

11 Que foi corrompido; que teve seu conteúdo danificado, alterado ou modificado.
Nossas mentes são tão poderosas, construindo conexões
e sentimentos para uma única ocorrência, transformando algo
consideravelmente insignificante em um momento
significativo. Cheio de paixão e euforia. Quando, na verdade,
qualquer colega que olhasse simplesmente concluiria que a
contratransferência está inibindo minha capacidade de fazer
valer meu papel de médica em vez de meu paciente.

Cedi aos desejos de Grayson, e você nunca pode dar ao


seu paciente tudo o que ele deseja – independentemente de
esses desejos refletirem o seu. Não, risque isso. Especialmente
quando os desejos deles refletem os seus.

É mais do que perigoso, é antiético.

Mas a sensação de suas mãos ásperas na minha pele...


fechei os olhos, apenas por um segundo, permitindo que a
memória me reivindicasse mais uma vez antes de eu enterrá-
la. Inalo uma respiração profunda cheia do poder de limpeza
do jardim, e o céu da noite escurece, com nuvens de trovão se
aproximando.

O som dos pássaros desapareceu. A súbita quietude do


aviário consome meus sentidos e noto que não estou sozinha.

Eu me viro. — Você está me seguindo, detetive...?

Usando um sobretudo preto sobre um terno barato, o


homem ligeiramente acima do peso é fácil de ser identificado
como policial. Tendo sido criada pelo xerife da cidade, tenho
experiência nisso. Seu sorriso confirma minha teoria. —
Foster. Detetive Foster, — diz ele. — Eu só estava curtindo a
paisagem. Achei que poderíamos conversar quando
estivéssemos sozinhos.

Lembro-me vagamente de Lacy mencionando um detetive


com esse nome. Envolvo meus braços em volta da minha
cintura e olho para trás. O aviário fechará em breve. Começo a
me encaminhar em direção à saída. — Você pode dizer o que
precisa no meu consultório. Durante o horário comercial.

— Eu tentei, Dra. Noble. Você é uma mulher difícil de


entrar em contato. — Enquanto tento passar, ele empurra uma
pasta de papel para mim. — Precisa ver isso.

Independentemente da minha compreensão dos truques


da mente, a curiosidade ainda é uma ferramenta poderosa.
Este detetive sabe disso e usa seu conjunto de habilidades
habilmente. Eu pego a pasta.

— Você não é a primeira psiquiatra que ele abusou.

Aperto os olhos para sua escolha de palavras, em


seguida, abro a pasta. Quando eu olho para baixo, minha
respiração fica presa na base da minha garganta. Altero
minhas feições enquanto avalio a imagem, não permitindo que
o nojo se registre em meu rosto.

Eu viro para a próxima página e examino o perfil da


vítima.

— Doutora Mary Jenkins.


Continuo lendo as páginas. Por que esse nome me parece
familiar?

— Uma neurologista do Hopkins. Ela foi acusada de


práticas antiéticas com seus pacientes, — ele continua
preenchendo as lacunas. — Mas nunca processada.

Meu estômago embrulha. Práticas antiéticas são uma


terminologia geral que não transmite as crueldades acusadas
contra ela. Os detalhes voltam para mim de uma
neurocientista de Maryland que ressuscitou a prática bárbara
da lobotomia.

As imagens da falecida Dra. Jenkins capturam o


horripilante procedimento. Feridas de punção pontilhadas
acima de suas pálpebras indicam que ela foi vítima de seus
próprios métodos mórbidos. Seus olhos mortos estão fixos na
câmera, cavos e vazios. Eu me pergunto se as fotos foram
tiradas peri-mortem12 ou post-mortem13, pois retratam uma
vítima de lobotomia com bastante precisão.

Então, um pensamento ocorre. — De onde vieram essas


imagens? Foram tiradas no local?

As sobrancelhas do detetive Foster franzem. — Eu mostro


fotos de uma médica torturada e assassinada e é isso que você
quer saber?

12 O período peri-mortem, corresponde ao período da morte e o início dos processos de deposição.


13 O período pos-mortem, que corresponde ao período de deposição até sua recuperação/exumação.
Eu fecho a pasta. — Suponho que você percorreu um
longo caminho para me mostrar isso, então está antecipando
minha reação. Lamento desapontá-lo. — Como não foram
encontradas vítimas de lobotomia relacionadas a Grayson no
Maine, o detetive tem que estar aqui em uma missão da
promotoria em Delaware. — Caso contrário, você
simplesmente teria me enviado isso por e-mail. — Devolvo a
pasta para ele. — Está aqui para me convencer a não tomar
posição em New Castle.

Ele endireita os ombros. — Eu li sobre você, Dra. Noble.


Sei como você trabalha. E sei que se apresentar ao júri e falar
alguma coisa psicológica sobre a infância abusada de Sullivan,
então aquele monstro poderia fugir da pena de morte.

Eu ergo uma sobrancelha. O detetive está bem ciente de


que a adulteração de testemunhas é crime. Mas, pela minha
experiência, os oficiais da lei são normalmente os que quebram
as regras com mais frequência.

— Mas, respondendo à sua pergunta — ele tira um maço


de cigarros do bolso, — Sullivan nem sempre se desfaz dos
corpos. Este foi descoberto no local. Ele está aperfeiçoando
seus métodos.

Inclino minha cabeça para longe enquanto ele acende e


solta uma exalação esfumaçada. Correspondente, que ele é
para a pena de morte e escolhe um hábito que o leva mais perto
de seu túmulo a cada tragada. — Eu diria que ele parou de
aperfeiçoar seus métodos há um ano. Isto é, se o perpetrador
foi de fato preso. — Olho para a pasta em sua mão. — Você
tem evidências que o ligam ao assassinato?

Grayson admitiu os assassinatos para mim. Não irei a


julgamento declarando sua inocência. Simplesmente gosto de
observar a maneira como os olhos do detetive ticam com o
pensamento.

— Você é bem-vinda a toda e qualquer evidência, Dra.


Noble. Vou encaminhá-la para você.

— Obrigada. — Começo a sair, sentindo que este é o lugar


certo para encerrar a discussão, mas ele agarra a manga do
meu casaco para me impedir.

— Espero que, depois de revisar as evidências, saiba a


coisa certa a fazer.

Eu me afasto dele e cruzo os braços. — A coisa certa a


fazer, detetive, é meu trabalho. E nenhuma quantidade de
coerção de você ou de qualquer outro oficial da polícia de New
Castle vai me deter disso.

Ele levanta as mãos em defesa. — Ninguém está


ameaçando você, doutora. Estamos todos do mesmo lado, não
estamos? O lado que quer justiça para as vítimas? — Ele joga
o cigarro no chão e o apaga com a ponta da bota.

Eu bufo uma risada vazia. — Querer justiça para as


vítimas não nos dá licença para matar, detetive. Agora, por
favor, entre em contato em meu consultório para mais
perguntas.
Então, eu saio. Ele espera até que eu faça a curva da
trilha para gritar. — Ele enfiou um palito de gelo em seu crânio.
Mas ela não morreu disso.

Meus passos ficam lentos, mas não paro.

— Ela sangrou até a morte, — ele grita.

A saída está à vista. Empurro a porta de treliça e chego à


calçada, na qual me deparo no meio de uma passagem privada
entre os edifícios. Pressiono minhas costas contra o tijolo e me
arrasto para respirar. Uma dor se aloja na minha cabeça, dor
que irradia da parte de trás do meu pescoço.

Não sou facilmente abalada. Já lidei com policiais muito


mais agressivos ao combater a acusação em casos. Fui pega
desprevenida, digo a mim mesma. Momentos antes de sua
intrusão, eu já me sentia vulnerável.

Só que não sou tão convincente. A Dra. Jenkins e seu


picador de gelo se sentem presunçosos enquanto eu evoco a
imagem de memória. A morte devido a lesão cerebral é uma
forma lenta e especialmente cruel de morrer. Você não sangra
até a morte essencialmente – não como o Detetive Foster
retratou. Ao contrário, o inchaço dentro do crânio esmaga o
cérebro, cortando a função dos órgãos vitais.

E, no entanto, posso ver a genialidade de sua morte, sua


morte projetada para coincidir com seu crime. Não tenho
dúvidas de que Grayson inventou uma armadilha para
assassinar a médica, mas isso não me assusta. Não da
maneira que o detetive esperava.

Minha conexão com Grayson é mais profunda que a


simples transferência.

Quando eu olho em seus olhos, eu me vejo. Não é um


reflexo da mulher – mas o eco vazio da minha alma manchada
de sangue.

Se ele é mau, então estou em perigo de me apaixonar pelo


diabo, ou sou eu o próprio diabo?

Encosto minha cabeça contra o tijolo, apenas com força


suficiente para partir o pensamento. Então, parto em direção
a minha casa.

Ainda estou no controle de minha mente e emoções,


apesar dos meus medos. E me recuso a admitir que estou me
apaixonando por um paciente. Recuso-me a me apaixonar por
um assassino.
London

Quantas pessoas podem dizer que olharam nos olhos de


um assassino?

Para a maioria, isso nunca é uma realidade para


enfrentar. É uma ficção vivida apenas pela televisão, afastada
com segurança de qualquer ameaça ou corrupção. Para mim,
é um desafio diário.

O primeiro par de olhos que me lembro de ter olhado


abrigava a alma de um assassino.

Os olhos que eu olho agora – que posso discernir


claramente como o mais pálido azul-aço – olham de volta para
mim. O olhar ciente de Grayson reflete minha verdade, e cada
molécula do meu corpo se rebela em negação, querendo
desafiadoramente extinguir essa verdade.

Ele não sabe... Ele não pode saber. Mas a paranoia está
corroendo em meus pensamentos.
— O homem que apoia sua loucura com assassinato é um
fanático, — diz Grayson, perturbando meus pensamentos. —
Você se consideraria uma fanática, Dra. Noble? Ou você está...
apaixonada?

Sento-me mais ereta, respirando fundo para aliviar a


pressão nas minhas costas. Desde minha fuga do detetive
ontem à noite, estive em um surto em grande escala.

Ajusto minha posição novamente e digo, — Voltaire.

O sorriso de Grayson atinge aqueles olhos glaciais. — Isso


mesmo.

— Mas você só o citou parcialmente. A primeira parte


afirma que um entusiasta toma êxtase e projeções, fazendo dos
sonhos sua realidade. Na sua opinião, qual é a diferença entre
um entusiasta e um fanático? O que você acha que Voltaire
estava tentando dizer?

— Não se trata de uma aula avançada de literatura


clássica. Eu lhe fiz uma pergunta.

Meus lábios pressionam. Não tenho que considerar


minha resposta por muito tempo. — Sou apaixonada pelo que
faço.

Ele balança a cabeça. — Essa é uma resposta pronta.

— O que é que você quer?

Seu olhar se volta para o meu rosto, me assustando com


a intensidade que vejo lá.
— Ainda não estamos prontos para o que desejo, — diz
ele. — Vamos começar com o que eu não quero. Nenhuma
psicanálise treinada ou ensaiada. Dê-me sua honestidade.

Solto um longo suspiro, sentindo o cansaço de nossas


sessões. Supõe-se que o paciente é quem está quebrando, não
o médico. Suas paredes estão tão eretas quanto no dia em que
ele entrou na minha terapia.

Pego sua pasta do chão e coloco no meu colo. — Você quer


uma conversa direta?

— Sim.

— Porque você não tem inibição em dizer o que está


pensando, exige o mesmo de mim.

— Sim.

Eu olho para ele. — Como é libertador ter o poder, a


franqueza, apenas deixar escapar o que quer que esteja em sua
mente e não dar a mínima para como isso é recebido. Diga-me,
Grayson. Como você se sente?

O canto de sua boca sobe. — É libertador.

Eu lambo meus lábios. Minha boca seca demais para


falar, permiti que ele me irritasse e está gostando da minha
agitação.

— Isso é considerado loucura? — ele pergunta. — Isso


perturba a boa complacência de todas aquelas merdas chatas
para as quais não damos a mínima?
— A liberdade de fazer e dizer o que se quer sempre
incomodou os outros, — admito, imediatamente prosseguindo.
— Pode parecer absurdo para você, mas é por isso que a
sociedade escolhe proteger seus pensamentos mais íntimos.
Uma pessoa empática não quer machucar ninguém ou
incomodar as pessoas ao seu redor. Para... nos misturamos,
por falta de uma palavra melhor, devemos... — paro, incapaz
de completar meu pensamento.

— Nós, doutora? — Grayson se senta para frente. — Diga-


me o que devemos fazer.

Tiro a franja dos olhos e ajusto os óculos. — Dominar


nossas paixões.

Seu olhar é invasivo, aquele olhar desarmante


endurecendo como se ele estivesse me dissecando. — É assim
que você fez isso?

Uma onda de medo gela meu corpo. — O quê?

— Misturando. Você dominou suas paixões ou está


apenas delirando?

Fecho a pasta. — Esta sessão saiu do caminho


oficialmente e acabou. — Eu me levanto da minha cadeira.

— Mas só nos resta uma depois dessa.

A dor em sua voz soa tão genuína que me impede. Eu me


viro para ele. — Eu já tenho sua avaliação concluída. Você não
precisa de outra sessão. — Pego a papelada da pasta e recuo.
— Droga. Corte de papel.

Gotas vermelhas na ponta do meu dedo.

No segundo, que avalio o ferimento, Grayson se move. Ele


captura minha mão e me puxa para frente. Seu aperto de
morsa serve a dois propósitos: me impedir de fugir e forçar o
sangue para minha mão.

Ele leva meu dedo à boca. Um rugido enche meus


ouvidos, meu coração troveja com a sensação dele sugando o
sangue. Eu sinto na parte de trás dos meus joelhos, uma
corrente elétrica correndo pelo meu corpo e deixando minhas
pernas fracas.

— Pare. — A palavra é quase inaudível, mas é o suficiente.

Grayson se afasta e solta minha mão. Ele puxa a corrente


do chão, deslizando-a sobre a palma da mão, depois esfrega
um padrão na fechadura. — Eu temo que, quando se trata de
você, London, nunca vou dominar esse tipo de controle.

Dou um passo para trás, separando-nos. — Não importa.


Isso acabou, de qualquer maneira.

A raiva inflama seus olhos pálidos. — Suas mentiras não


funcionam comigo. Você sente tudo o que eu faço.

Balanço minha cabeça e dou mais um passo para longe.


— Eu não. E você não pode sentir. Você não é capaz. — Sob a
adrenalina aumentando minha corrente sanguínea, eu sinto
um distinto escárnio de hipocrisia.

Minha escrivaninha com o botão de pânico está a poucos


metros de mim. No momento em que ele se levanta, eu corro
para ele. Ouço o barulho de correntes e sei que estou segura –
que ele não pode me alcançar – apenas para ser jogada contra
a borda da mesa enquanto me agarra por trás.

Minhas costas esmagam seu peito, ele fecha a mão sobre


minha boca. Pego o botão, mas a outra mão está lá primeiro.
Seu aperto puxa meu pulso para trás e, em seguida, planta
minha palma na madeira, prendendo-me na mesa. Minha
respiração queima meu peito.

— Não vamos sair daqui até que você admita a porra da


verdade uma única vez. — Seu hálito quente toca meu pescoço.
Sua boca repousa contra minha orelha.

Pisco com força quando ele coloca um pedaço fino de


metal na mesa. Eu o reconheço como um fecho prateado de
uma fivela de cinto. Eu me amaldiçoo mentalmente. Fiquei tão
extasiada naquele momento que ele me manteve cativa. Sua
mão deslizando pela minha coxa... sua outra mão ancorada na
minha cintura. Ele me usou, porra, fui cega. Ingênua.

— Nunca teria sido tão descuidada, a menos que quisesse


essas correntes fora. — Ele aumenta seu aperto, deixando-me
sentir a corrente ainda algemada em seus pulsos. O metal frio
dos elos esfrega nas minhas costas. — Agora diga a verdade.
Então sua mão se foi. Suspiro em uma respiração,
minhas unhas arranhando a mesa. — Irei gritar, — ameaço.

Ele puxa a corrente pela minha cabeça e a prende em


volta do meu pescoço, forçando minhas costas com mais força
contra seu peito. — E vou esmagar sua traqueia.

Os elos beliscam minha pele quando ele mostra seu


ponto. Mas então, de repente, ele afrouxa a corrente,
permitindo-me tomar uma respiração desobstruída. Só
quando o medo de ser estrangulada desaparece, um novo me
domina. Grayson empurra minha saia pelas minhas pernas.

— Toda a sua conversa sobre controle e moralidade... —


Ele chuta meus pés enquanto seus dedos se espalham ao longo
da minha coxa. — Você é uma depravada, London. Eu sei onde
você mora – aquele canto escuro onde você se esconde.

Eu choramingo e balanço minha cabeça contra ele. —


Você está errado, Grayson. Você construiu isso em sua
mente...

— Pare. — Ele enfia a mão no meu cabelo e puxa. Meu


cabelo se solta e ele se pressiona mais perto para me inalar. —
Eu quero que você prove o quão bem você domina suas
paixões. — Sua outra mão está alguns centímetros mais alta.
Minha barriga treme com a sensação. — Se não estiver
excitada, vou me algemar no chão e nunca mais tocar em você.
Mas se você estiver... então você vai confessar todos esses
pecados sujos para mim.
Ele puxa minha perna, espalhando-me ainda mais,
enquanto percorre minha coxa. Seu corpo me prende, a borda
da mesa cavando em meu estômago, mas a dor só serve para
aumentar a sensação sensual de cada lugar que ele está
tocando. Uma dor floresce no fundo do meu núcleo, a pulsação
enviando calor entre minhas pernas... e eu sei que ele pode
sentir isso. Fecho meus olhos com força.

Quando ele atinge a articulação da minha perna, eu


recuo. Seu dedo traça ao longo da costura da minha calcinha,
uma ameaça tentadora, antes que me agarre totalmente. Eu
resisto com o domínio, então ele arrasta os dedos sobre mim,
evocando uma pressão erótica.

Um gemido baixo vibra de dentro dele. — Posso sentir


você através da fina camada de tecido, London. Você está
molhada.

Suas palavras ricocheteiam em mim, cada ponto de


impacto detonando como uma explosão. Cada golpe inflama
minha pele como o acendimento de um fósforo, e não tenho
mais o poder. O controle desliza pelos meus dedos tão
facilmente quanto minhas mãos espalham sobre a mesa,
liberando minha vontade.

— Você está excitada, — diz ele. — Exatamente como


quando assistia meus vídeos. — Ele agarra minha garganta
com força. — Admita.

Uma respiração instável se solta. — Não.


— Que mentirosa. Você não conseguia tirar os olhos da
tela, não é? Diga-me como ficou excitada quando testemunhou
a tortura de Giselle. Seus membros amarrados, seu corpo
esticado... até que ela confessou seus pecados.

Ele nunca nomeou suas vítimas antes. Parece tão íntimo,


e essa intimidade desperta um desejo carente dentro de mim,
despertando uma fome.

— Admita, — sussurra em meu ouvido. Ele aperta seu


braço em volta da minha garganta, forçando minha cabeça
contra seu ombro. — Admita a verdade, London.

Luto para segurar meu último pedaço de controle,


recusando-me a admitir que sou parecida com ele, até que
enfia a mão por baixo da minha calcinha – me tocando sem
nenhuma barreira. A corrente se arrasta pelos meus seios,
estimulando cada pico do meu corpo. — Não posso, — eu forço.

— Seu corpo diz a verdade, mesmo que você não diga.

Ele desliza para dentro de mim então, seus dedos


afundando habilmente, como se tivesse passado os últimos
três meses me memorizando. Suspiro e empurro de volta
contra ele, incapaz de impedir meu corpo de responder. Ele
atinge a dor dentro de mim, e tudo que posso fazer é agarrar
seu pescoço e me agarrar a ele. Salvar-me de cair.

— Estou dentro de você agora... — Seus dentes roçam


meu ombro. — Sob sua pele. Eu quero quebrar você, para que
eu possa colocá-la de volta no lugar. — Sua mão aperta e a
falta de oxigênio faz minha cabeça girar, mas estou hiper
consciente de todas as zonas erógenas do meu corpo – e quero
que ele as domine todas.

Não tenho que expressar a verdade, ele tem razão. Meu


corpo me trai a cada gemido e ondulação enquanto procuro a
liberação. E quando ele rasga minha blusa, eu não o impeço.
Eu arqueio contra seu peito e pressiono mais perto enquanto
empurra meu sutiã para baixo para me tocar – pele com pele.

Somos um emaranhado de membros e carne, todos


procurando se conectar. Vislumbro a tinta em seu braço e,
desta vez, tão perto, traço o desenho das peças do quebra-
cabeça. Uma emoção passa por mim, enviando um arrepio
correndo pela minha pele.

— Eu sou o quebra-cabeça que você está montando, —


sussurro.

Ele solta um rosnado. Seus dedos buscam mais


profundamente, me trabalhando mais duro, sua restrição
liberada. Ele me empurra para baixo na mesa, meu peito
achatado contra a superfície de madeira fria. E quando seus
dedos mergulham ainda mais fundo, a estimulação em meus
mamilos me leva ao limite.

Ouço o rasgo do material, sinto a pressão estalar em meu


quadril, enquanto ele rasga minha calcinha. Então, suas mãos
estão me agarrando pela cintura. Ele me vira, onde não há
como negar que isso está acontecendo entre nós.
Nossos olhos se encontram.

Ele se abaixa sobre mim. Afasta meu cabelo dos olhos. A


ação é tão suave que rouba meu fôlego. — Você é meu igual.

Estremeço com suas palavras.

— Isso te apavora? — ele pergunta.

— Sim.

Um sorriso cruel se inclina em sua boca. — Mas ainda


quer isso.

Eu engulo. — Sim.

Com toda a permissão que ele precisa, puxa minha perna


por cima do ombro e me leva em sua boca. Eu arqueio para
fora da mesa, o desejo queimando todas as inibições. Anseio
ser tão livre quanto ele – e tudo o mais que não importa ir
embora.

O toque de Grayson... ele me provando, tão selvagem e


desinibido... é inebriante. Nunca estive tão exposta a alguém.
Deus, a euforia e o prazer puro e carnal são demais. É tudo
que posso sentir – tudo que quero sentir.

É bem-aventurança. E é o inferno.

Estava condenada muito antes de Grayson me encontrar,


e foi essa nota sombria da minha alma que o chamou.

Estou queimando.
Incendiei todo o meu mundo para ceder a este momento,
e enquanto ele me devorava, consumindo minha força de
vontade, eu queimaria tudo por ele – de novo e de novo.

Ele sente no segundo em que me liberto e se levanta. —


Olhe para mim, — exige. Se movendo acima de mim, sua mão
encontrando meu pescoço e forçando meus olhos sobre ele.
Seus dedos empurraram dentro de mim, seu polegar
pressionado com força no meu clitóris. — Diz. Diga quem você
é. Admita sua verdade.

Seus dedos nunca param de acariciar, acariciando a dor


que aquece minha carne, enquanto sua outra mão se fecha em
volta da minha garganta. As sensações eróticas me engolem. O
orgasmo pendente me puxa para baixo. Eu quero provar a
liberdade apenas uma vez.

— Uma assassina.

Uma vez que a verdade é descoberta, o prazer puro me


invade. O fogo queima meus músculos e meus ossos, me
consumindo como um incêndio. Eu ouço o gemido sombrio de
Grayson, então sua boca está na junção entre meu pescoço e
ombro. Seus dentes afundam em minha pele enquanto eu
esfrego sua mão, cavalgando a última onda de euforia.

Quando volto, nossa respiração está pesada e alta na sala


silenciosa. Meus sentidos voltam para mim. Onde estamos, o
que fizemos. Ele bate forte e rápido, como uma colisão
conforme eu chego de volta à realidade.
Grayson acaricia meu pescoço, inspecionando as marcas
que certamente deixou para trás. — Eu te vejo. Não há nada
do que se envergonhar. — Ele me beija, seus lábios suaves e
exigentes, em completo contraste com a crueza que acabamos
de experimentar.

Crua. Minha pele e minha mente parecem muito


sensibilizadas. Raspados em carne viva por seu toque
abrasivo.

Eu permito que nossas línguas se enredem, minha palma


pressionada em seu peito, contando seus batimentos cardíacos
estrondosos. Ele tem um gosto hipnótico. Como uma droga.
Como liberdade. Sinto sua ereção enquanto empurra sua
dureza entre minhas pernas, acendendo minha excitação
novamente... eu me afasto, quebrando o beijo.

Eu o empurro de volta. Empurrando minha saia pelas


minhas pernas, e digo: — Você tem que ir.

Deslizo para a beira da mesa, mas suas mãos prendem


cada lado das minhas coxas. — Eu sei o quanto você está
assustada, — diz ele. — Aquele momento em que você fala pela
primeira vez em voz alta... não há como voltar atrás, London.
Você já o manteve enterrado por muito tempo. Depois de
liberado, não pode trancar o monstro de volta.

Apesar de Sadie ter avisado sobre essa inevitabilidade


assustadora, eu olho em seus olhos, desafiadoramente. — Me
observe.
Eu o empurro de lado e corro para o banheiro, pegando
minha calcinha esfarrapada no caminho. Eu jogo água fria no
rosto, evitando o espelho. Se eu olhar, verei aquelas memórias
assombradas, e ainda estou muito fraca, muito vulnerável
neste estado para enfrentá-las.

Quando estou composta, coloco minha blusa e entro na


sala de terapia, onde Grayson está algemado ao chão mais uma
vez. Tudo parece tão... imperturbável. Como se a última meia
hora só existisse em uma fantasia.

Ele olha na minha direção. — Mesmo horário amanhã,


então?

Um vazio assume a residência onde eu estava tão


realizada, tão segura. Deixo a sala para chamar o oficial.
Grayson

Gen pop14, também conhecido pelo público desconhecido


como população em geral, tem seus benefícios na prisão. É
menos restrito e, portanto, um vigarista pode adquirir certos
itens difíceis de serem obtidos por um preço justo.

É um pouco mais complicado tirar proveito dessa moeda


quando sancionada em confinamento de segurança reforçada,
mas não impossível. Tudo se resume a oferta e demanda. Na
prisão, as coisas que consideramos normais no mundo exterior
têm muito mais valor interior. Lá fora, se precisar de receita,
você vai na farmácia. Aqui, você tem que pagar ao guarda certo.

Com menos de 48 horas até minha transferência, o tempo


é meu inimigo. Trancado nesta cela é como estar selado dentro
de uma tumba. Já estou morto para o mundo exterior.

14Gen pop, abreviação de população em geral, é uma pena de prisão para o corpo principal de
prisioneiros que não foram segregados em moradias especiais para medidas disciplinares ou de
proteção.
E assim como um homem morto não precisa de bens, eu
fiz preparativos. Minha cela é uma lousa em branco, pronta
para um novo ocupante. Tudo foi jogado fora em preparação
para a transição para New Castle – tudo exceto o quebra-
cabeça de London.

As fotos, a pesquisa, a evidência da minha obsessão...


tudo se foi. Está trancado dentro de mim. Trancado, reservado.
Apenas um outro detém a chave.

Olho para o retrato completo de London, cada peça curva


do quebra-cabeça encaixada perfeitamente, as costuras de seu
rosto um labirinto delicado que mapeei repetidamente.

Eu toco as bordas chanfradas, lembrando seu gosto,


como lilás doce. A sensação dela em minhas mãos. Seu corpo
macio moldando-se ao meu, desfazendo-se sob meu toque.
Quando as peças se encaixam, é uma satisfação inebriante
como nada mais neste mundo.

Somos uma combinação perfeita.

Depois de experimentar essa perfeição, essa gratificação


totalmente sedutora, você não pode viver sem ela. Ela está se
tornando uma necessidade, parte do meu vício, e assim como
eu não consigo acalmar as compulsões, sua ausência desperta
uma inquietação, o medo de não a ter é uma loucura se
contorcendo dentro da minha mente.

Eu ando na minha cela. Um animal enjaulado esperando


o portão abrir.
Estamos sendo testados. Ela não pode engarrafar o que
foi desencadeado e eu não posso voltar ao homem que fui. Esse
homem só conhecia uma maneira de sobreviver: sozinho. O
isolamento é um instinto de sobrevivência. Mas não anseio
mais pela solidão para sofrer minha penitência – encontrei a
única coisa que pode me libertar e matarei por isso.

Ouço passos perto da minha cela. O barulho de botas


batendo no cimento aumenta minha adrenalina. Eu quero
muito isso.

— Entrega do gen pop, — diz o guarda enquanto enfia um


pacote na fenda. Ele o segura ali ao seu lado, seu olhar se
estreitando em mim. — Isso não foi barato, vigarista.

Fico longe da porta. — Vou dobrar o pagamento e


transferi-lo para sua conta.

Ele ri. — Acho que você não vai passá-lo quando estiver
morto. — Joga o pacote.

Pego o pacote e o seguro nas costas. Eu posso sentir o


conteúdo.

— Na minha opinião... um desperdício de dinheiro.


Poderia simplesmente pegá-lo na enfermaria. — Ele continua
a resmungar para si mesmo enquanto se afasta.

Assim que as luzes diminuem, desembrulho a embalagem


do saco de papel. Um pequeno saquinho contém três
comprimidos grandes e brancos. Eu li a impressão com um
sorriso. Penicilina.
Não será fácil transportar os remédios na viagem. Abro a
caixa de quebra-cabeças vazia e descasco o papelão ao longo
da lateral, depois selo as pílulas dentro. Receio saber onde terei
que guardar os comprimidos quando chegar a hora.

Antes de perder o brilho alaranjado das luzes suspensas,


arranco minha camiseta de manga longa e ajoelho-me diante
de um espelho de mão apoiado na mesa. Inclino minhas costas
para ver a tinta fresca entre minhas omoplatas.

O esboço foi a parte mais difícil; certificando-se de que as


curvas estejam alinhadas, que as linhas sejam uniformes.
Retiro a tinta e pego no compartimento oco na base da minha
cama. Não é uma tarefa fácil, manter os guardas ignorantes do
contrabando. Enquanto meu dedo indicador, a lasca de um
banco que peguei no quintal é usada como alça para as pontas
finas e afiadas que consegui arrancar da cozinha. Outra
vantagem da minha conexão gen pop.

Utilizo as pontas tipo agulha para sombrear a tinta preta.


Mergulhar e perfurar. Repito. É um processo tedioso, mas os
resultados valem o esforço. Eu imagino a mão dela – a
tatuagem que ela se esforça tanto para esconder – conforme eu
fecho no espaço vazio.

Depois de uma repetição cansativa, o elemento mais vital


é colocado dentro do sombreado. Não posso levar o modelo
comigo, mas posso tomar as medidas e as características. A
fórmula. Todos os detalhes críticos necessários para serem
planejados com antecedência. Os suprimentos. Lista de
verificação de itens. Plano de execução.

E o mais fundamental de tudo: London.

Sem ela, isto falhará.

Minha mão treme, a antecipação alimentando minha


adrenalina.

London afirma que sou incapaz de sentir – que sou um


psicopata sem empatia.

Não discordo da avaliação dela.

No entanto, existem diferentes tipos de psicopatas. E o


que ela deixa de reconhecer – como tantos de seus colegas – é
que um tipo pouco empático pode e existe.

Eu sou a prova.

"Círculo restrito de empatia" é como é definido, porém o


mais fácil de entender em comparação com uma árvore morta.
Imagine se a árvore tivesse todos os membros cortados. Esta
árvore esteve no escuro durante toda sua vida, morrendo
lentamente, decaindo, até que o sol brilha sobre ela e um
pequeno raminho se liberta. O caule alcança a luz, crescendo
em direção ao único raio de sol que já conheceu.

Um galho vivo em uma árvore morta.

London é a luz do sol e esse novo membro são os


sentimentos que só consigo sentir por ela.
O amor é difícil para minha espécie, mas não impossível.

Com cada rachadura em minha pele, cada mancha que


tinge minha carne, vou contra a minha natureza para provar
isso a ela. Como tantas estradas não percorridas, a estrada do
amor e da empatia tem sido um caminho raro para os
neurônios em minha mente. Se você não nutrir, ele morre. Eu
nasci com a habilidade, como todo ser humano nasce com a
habilidade de sentir, ter empatia, amar – só que nunca fui
obrigado a exercitar essas emoções. Eles são fracos e
negligenciados.

As mãos ociosas são o playground do diabo... e tudo o que


isso acarreta.

Sorrio para mim mesmo.

Então, havia ela. Sinapses disparadas, despertando uma


estrada esquecida e adormecida. Nunca senti nenhuma
conexão com uma única pessoa...

Até ela.

Eu cobiço esta raridade. Ansioso para cultivar esta


pequena semente sombria que ela plantou em minha alma.
Meu próprio projeto de amor pode ser uma criatura distorcida,
mas essa criatura está com fome e exige ser alimentada.
London

Eu tirei todas as saias da minha mala. Uma pilha de


calças pretas e cinza enche minha cama enquanto tento
desenterrar um figurino que não vai me fazer, ou Grayson,
pensar sobre a sessão de hoje.

Uma risada simulada sai dos meus lábios. Jogo uma


calça velha na mala aberta. Sessão. Então é assim que estou
chamando. Permitindo que um paciente – um paciente muito
doente – me masturbe na minha sala de terapia.

Fecho a mala com uma maldição.

Já me senti atraída por pacientes antes. Como admiti à


Sadie, já lidei bastante com a transferência... só que nunca a
este nível. Nunca com tanta intensidade e tentação. E nunca
me submeti a essas tentações, nunca permiti que acontecesse
o que aconteceu no meu consultório atualmente.

Fecho meus olhos e caio na cama. Minha pele ainda


formiga, ainda sinto o calor do seu toque. Fiquei mais do que
tentada a me perder naquele momento de êxtase, a correr esse
risco... e esse é o perigo. É por isso que estou partindo cedo
para New Castle. Para deixar 600 quilômetros entre nós e
acabar com este julgamento.

Meu celular vibra na minha mesa-de-cabeceira.

Franzo a testa para o telefone antes de rolar e pegá-lo. —


Dra. London Noble.

— Alô, Dra. Noble. É o procurador-geral Richard Shafer.


Você tem um momento para conversar?

Eu me sento — Tenho sim. Como posso ajudá-lo, Sr.


Shafer?

— Eu só queria estender o proverbial tapete de boas-


vindas e ter certeza de que recebeu o material que meu
escritório encaminhou para você.

Afasto a franja de meus olhos. — Obrigada. Recebi,


embora não imaginasse que o senhor mesmo estaria à frente
da acusação. — Meu laptop está ao pé da cama. Eu o puxo em
minha direção e abro a tela.

Honestamente, entre a conclusão da avaliação de


Grayson e nossas sessões, eu não olhei para as provas. Outro
psicólogo argumentaria que eu estou subconscientemente
evitando, incapaz de lidar com o resultado provável, e isso
poderia ser verdade.
Enquanto o procurador-geral explica por que está
liderando este caso pessoalmente, eu examino as evidências.
Eles têm seu próprio perito, um terapeuta local especializado
em criminosos insanos, que está testemunhando que Grayson
será um perigo na prisão. Para si mesmo e para os outros.

Eu zombo.

— Desculpe? — Sr. Shafer interrompe.

— Eu aprecio suas convicções neste caso, — eu me


recupero, — mas ter o testemunho de um especialista
atestando que Grayson Sullivan será um encarceramento
perigoso? Sr. Shafer, com todo o respeito, ele passou mais de
um ano na prisão sem nenhum registro disciplinar. Ele tem
sido um presidiário modelo.

O advogado pigarreia. — Sim, um presidiário modelo...


em confinamento solitário. Sem interação com outros
prisioneiros. A Penitenciária de New Castle não tem o
financiamento que Maine tem, infelizmente, para fornecer a
Sullivan o tipo de monitoramento de que ele precisa. — Ele
para um segundo. — Você é a psicóloga-chefe em sua área.
Seu parecer é uma prova em casos de homicídio em
julgamento...

Minhas costas ficam tensas. Desconfie de quem elogia


muito cedo, antes mesmo de conhecê-lo – eles estão baixando
suas defesas em preparação para o ataque.
— E foi você quem declarou que não se pode provar a
reabilitação sem antes testar um sujeito em um ambiente não
regulamentado.

E aí está. Ele fez sua lição de casa.

— Então você pode apreciar a hesitação do Estado aqui.


Sullivan é simplesmente muito pouco provável, muito
arriscado. — Ele solta um suspiro audível. — E depois há as
famílias, Dra. Noble.

— E eles?

— Você sabia que a Suprema Corte só recentemente


revogou a decisão de banir a pena capital15 em Delaware?
Principalmente antecipando este caso. Isso diz muito, doutora.

— Isso significa medo e ignorância, Sr. Shafer. Sullivan


não é, na minha opinião profissional, uma ameaça para
ninguém lá de dentro. A esse ambiente estruturado falta o caos
que ele deseja manter no mundo.

Há uma longa pausa antes de ele continuar. — Como


psicóloga, tenho certeza de que você entende a necessidade de
encerramento. Essas famílias merecem e precisam desse
encerramento.

Ele está definido em seus pontos de vista. Nada do que


eu disser agora ou no estande vai mudar. — Tenho a mais

15 Pena de morte ou pena capital é um processo legal pelo qual uma pessoa é morta pelo Estado como
punição por um crime cometido.
profunda simpatia pelas famílias. Sempre me esforço para
transmitir isso durante os julgamentos.

— Mas esta é sua posição final.

Endireito meus ombros. — É. Eu estaria prestando um


péssimo serviço à minha profissão, caso contrário.

— Eu entendo. Bem, obrigado pelo seu tempo, Dra. Noble.


Boa viagem.

A linha fica muda, encerrando a chamada.

Eu coloco meu telefone de lado e olho para a pasta de


papel que contém a avaliação de Grayson.

Independentemente de meus sentimentos pessoais,


profissionalmente falando, colocar um paciente no corredor da
morte é um fardo pesado para qualquer médico. O peso do
julgamento de Grayson repousa sobre meus ombros, sua vida
está em jogo. Esta segunda tentativa de me influenciar pela
acusação prova isso.

Com o Procurador-Geral pessoalmente vendo que


Grayson está sendo condenado à morte por seus crimes, a
balança da justiça não vai dar uma gorjeta favorável para ele.

Abrindo a pasta, começo minha revisão. Meu medo de


amar um homem capaz de tais atrocidades não pode
atrapalhar o que eu inerentemente acredito ser o correto.
Em breve, Grayson será encarcerado longe de mim.
Nunca mais o verei nem falarei com ele novamente. O que há
a temer?

Os sons dos meus pesadelos ganham vida quando entro


no Centro Correcional de Cotsworth. Fico diante de uma porta
com grades enquanto um guarda varre um detector de metal
portátil sobre meu corpo.

— Limpo.

Ele dá um passo para o lado e um zumbido alto precede


o barulho do mecanismo da porta sendo destrancada. A porta
se abre e eu forço meus pés para frente, me impulsionando
para dentro da prisão. Enfio minha pasta debaixo do braço,
grata por esta seção das instalações não estar perto dos presos
em geral, onde os assobios costumavam me receber.

Solicitei uma sessão privada com meu paciente antes de


seu julgamento. O diretor não teve dúvidas em me conceder
esse acesso privilegiado.

Fui conduzida a outra porta trancada, onde um segundo


guarda passa um cartão-chave para entrar. A porta se abre
para revelar Grayson do outro lado. Meu coração salta para
minha garganta, o zumbido que enche meus ouvidos
momentaneamente me desorienta.

Eu não esperava que ele já estivesse aqui. Queria mais


tempo para... me preparar. Eu entro na sala e me viro para o
guarda. — Não irei precisar de você. Obrigada.

Ele me lança um olhar desdenhoso, então encara


Grayson. — Eu sou obrigado a estar a menos de dois metros
dele o tempo todo. Estarei postado bem do lado de fora desta
porta. — O guarda ajusta seu cinto, fazendo com que surja um
Teaser à disposição.

Uma vez que estamos sozinhos, a porta se fecha, nos


trancando, eu encaro meu paciente. Dentro dos confins
fortemente protegidos desta sala, ele não é obrigado a ser
algemado a um banco de contenção, mas seus tornozelos e
pulsos estão algemados e acorrentados. Ele está sentado no
centro, com as mãos penduradas entre as pernas.
Observando-me.

O espaço entre nós parece tênue, o ar muito rarefeito, a


distância muito fácil de cerrar.

— Não há câmeras aqui, — diz ele. — Ninguém está


assistindo. Se você pensou que isso iria mantê-la segura de
mim.

Eu coloco a pasta sobre a mesa, o único escudo que


tenho. — Eu sei que estamos sozinhos. Eu pedi por isso. Mas
estando aqui... sou mais responsável por minhas ações.
Ele sorri. — Não demorou muito para a culpa se
estabelecer. Huh, baby?

Ajusto meus óculos, ignorando seu comentário


provocador. — Eu vim ver você hoje, não como uma médica,
não para nossa última sessão, mas como uma mulher para lhe
dizer que isso – seja o que for que haja entre nós – acabou.
Ficou fora de controle e talvez seja meu... não, eu sou a
profissional. A culpa é só minha. Eu não fui ética, e o que
aconteceu ontem...foi inapropriado.

Seu sorriso se estende, encontrando seus olhos azuis


frios. — Inapropriado? Dificilmente acho que isso o expressa.
Aquilo abalou tudo. Se você quer romance, vá procurar um
simpático garoto de programa. Mas você não quer isso – eu
provei o que você almeja. Eu posso sentir isso em você agora.
Essa obsessão obscura que te torce, te faz minha.

Eu coloco minhas mãos na borda da mesa. Amá-lo vai me


mandar direto para o limite da sanidade. Tenho que me livrar
disso, dele.

— No julgamento, vou defender a clemência, Grayson.


Levando em consideração o abuso que você provavelmente
sofreu quando criança, juntamente com as condições de sua
educação, você tinha um ambiente ideal – isto é, um livro
didático – para o desenvolvimento de um transtorno psicótico.

— Essa é sua opinião profissional ou pessoal?


— Ambas. Com a medicação e aconselhamento
adequados, poderá assimilar uma vida normal.

— Uma vida normal... atrás das grades.

— Claro.

— Isso é absolutamente sádico. E afirma que não é nada


como eu. Por que você não me neutraliza no processo? Isso
seria menos cruel e muito menos torturante.

— Não tenho certeza do que mais você quer de mim. É


tudo o que tenho a oferecer para ajudá-lo.

— Eu quero você. Você é minha médica. Então seja a


porra da minha médica.

— Isso não é possível. Estou aqui apenas como cortesia


antes do julgamento. Depois do meu testemunho, nunca mais
me verá.

Ele pula de pé. Minha reação é retardada, lembrando


tarde demais que não está completamente contido. Dou um
passo para trás enquanto se move em minha direção.

— Grayson, isso acabou. — Levanto minhas mãos. As


algemas do tornozelo retardam seu avanço, mas não o detém.

— Isso nunca acaba. — Ele se posiciona entre a porta e


eu. — Para que isso acabe, um de nós tem que morrer.

O medo me domina. — Deixe-me sair.


— Nós dois não podemos carregar seu segredo por aí,
London. Isto é, a menos que possamos trabalhar com isso
durante nossas sessões. — Ele traça os nós dos dedos pela
curva do meu peito.

— Do que você está falando? — Tenho que inclinar minha


cabeça para trás para encontrar seus olhos. Quanto mais perto
ele chega, menor eu me sinto em comparação.

Ele me prende contra a parede. — Pode ser difícil nas


cidadezinhas o pessoal ter a mente aberta o suficiente, para se
oporem a um dos seus habitantes. Ninguém deseja pensar que
um assassino se esconde entre eles.

Minhas costas se achatam contra o tijolo enquanto ele se


eleva sobre mim.

— Mas você sabia a verdade e fez o que é tão boa em fazer.


Você mentiu. Você tem mentido desde então. Até para você
mesma.

Eu engulo. — Eu vou gritar.

— Vá em frente, — ele ousa. — E direi ao primeiro


jornalista que puder anunciar que seu pai era um monstro que
você matou.

O ar da sala é sugado. As luzes fluorescentes piscam e


zumbem, minha respiração muito acelerada enquanto eu
suspiro pelos meus pulmões contraídos.
Ele lambe os lábios, seu corpo pressionado perto do meu.
— As peças do quebra-cabeça estavam todas lá... elas só
precisavam ser conectadas.

— Você está louco. Você está delirando. Construiu uma


realidade alternativa em torno de mim que está muito longe da
verdade...

Seus lábios capturam os meus, me silenciando. O beijo é


duro, carnal e cru. Eu gemo nele antes de apoiar minhas mãos
no alto de seu peito e empurrar, me separando.

— Eu queria provar a mentira em seus lábios, — diz ele.


— Tem um gosto amargo. Nada como aquela doçura que
experimentei ontem. — Então ele se afasta ainda mais,
permitindo-me respirar e endireitar minha blusa.

Ele se senta novamente, seu olhar nunca deixando meu


rosto. — Todas aquelas garotas desaparecidas. Você as viu?
Testemunhou sua tortura? Quanto tempo você fez parte dela
antes de decidir matar seu pai?

As paredes da sala branca oscilam no canto da minha


visão. Vermelho emendas nas bordas. Eu fecho meus olhos. A
tinta em minha mão queima. Eu seguro minha palma, esfrego
na carne escaldante. — Três meses.

Uma sensação de alívio cai sobre mim com a admissão. A


pressão na minha cabeça diminui um pouco. Eu abro meus
olhos. Espero ver a arrogância no rosto de Grayson, tendo me
despido até minha medula sombria e alcatroada, mas ele está
ameaçador. Olhando para mim com os olhos maravilhados e
assustadores.

— Para sua sorte, o legista estava bêbado. Não foi possível


dizer a diferença entre lesões peri e post mortem. Aquele
acidente de carro não matou seu pai. Ele já estava morto
quando você decidiu bater na árvore.

Olho para a porta, ansiosa. — Nada do que você tem é


fato.

— Não precisa ser. A especulação por si só será suficiente


para destruí-la.

Ele tem razão. Uma investigação sobre meu pai agora,


com tecnologia avançada e procedimentos policiais, poderá
provar que ele era o Hollows Reaper. Dizem que um bicho-
papão roubou garotas no meio da noite. O que as mães diziam
às filhas para impedi-las de vagar pela cidade.

— O que ele fez com os corpos?

— O que você fez com os corpos? — Eu rebato.

Um sorriso brutal se inclina em seu rosto. — Eu os


enterrei, é claro.

Minhas mãos tremem. A casa de minha família ainda está


em meu nome. Mantive uma casa abandonada com um jardim
morto e um milharal árido. Apodrecendo até a fundação. Eu
possuo a escritura de um cemitério.
— Você deve dizer às famílias onde seus entes queridos
estão localizados, Grayson. O tribunal estaria mais sujeito à
clemência se você o fizesse.

Ele levanta uma sobrancelha. — Eu vou se você for.

Eu me afasto da parede. Enfio minhas mãos no meu


cabelo. — Isso é loucura. Não serei ameaçada.

— Onde você está indo?

— Estou indo embora.

— Não. Nós não terminamos. — Suas feições endurecem.


— Volte aqui, London.

Só preciso bater na porta. Eu olho entre Grayson e a


porta, e o medo se apodera de mim. Quão grande desastre
poderia Grayson criar na minha vida?

Eu ando em direção a ele lentamente. — Transformar


minha vida em um circo da mídia iria te tirar do sério, não é?

— É tentador, — ele agarra minha cintura e me puxa para


ele — mas eu tenho coisas maiores em mente.

— Solte... — Eu me afasto de seu colo.

— Eu preciso saber como você se sentiu, — ele sussurra.


— Naquele momento. Quando você o matou... como se sentiu?
O que você usou?

Atordoada, eu olho para ele. — Você é um monstro.


— Eu sou seu monstro. Diga-me, e você me possuirá.
Completamente. — Ele acaricia o lado da minha mão. O
barulho de suas correntes força meus olhos a fecharem.
Memórias despertadas. — Você quer me dizer.

Meu corpo está tenso, ele guia habilmente a confissão.


Minha mente se desliga, como um interruptor que ele pode
alternar à sua vontade, e eu permito que me puxe de encontro
a ele. Dou um passo ao homem que ameaça a tudo. Minha
liberdade. Minha moralidade. Minha sanidade.

— Uma chave, — eu sussurro com os lábios trêmulos. —


Ele usava uma chave ao redor do pescoço de... um porão
escuro onde ele as guardava. Eu arranquei e a levei direto em
sua jugular.

Seus dedos movem suavemente meu cabelo dos meus


olhos, e remove meus óculos. Seu toque suave contrasta
fortemente com a dureza que sinto embaixo de mim. Ele está
excitado.

— O que você sentiu? — ele pergunta. Sua boca paira


perto da minha, provando minha respiração desesperada.

— Eu me senti... livre, — eu admito. — Desincorporada.


Como se eu pudesse fazer qualquer coisa.

— Você pode, — ele persuade. — Está em sua natureza.

Uma dor aguda espinha meu peito. Não. Meu alarme


interno soa, sinalizando minha saída da realidade. Tento ficar
de pé, mas ele ancora mãos fortes nas minhas coxas. O toque
dele tão forte, tão carente, pressionado à parte mais íntima do
meu corpo. O desejo incendeia qualquer apreensão que eu
tivesse sobre a razão.

Sacudo minha cabeça. Forço meus óculos. — Não


podemos fazer nada do que queremos. Tem que haver limites,
regras.

Ele encosta sua testa na minha. — Podemos fazer nossas


próprias.

Minhas mãos deslizam sobre seus antebraços. Sentindo


ternamente que as cicatrizes que ele tem por fora combinam
com as minhas interiores. É inebriante a maneira como ele
seduz minha dor, como se realmente comandássemos nosso
próprio mundo.

Sem dor.

Estou aqui com ele e seria tão simples apaixonar-me


completamente. Apenas deixar ir. Sem esconder, sem
vergonha. Ele me encontrou. Ele descobriu meu segredo vil, e
isso o excita, o que poderia significar se eu apenas soltasse a
corda que me amarrava a uma vida tão rígida.

Mas isso é o ofício. Eu arrisco perder o que me torna


humana. A dor é humana, e isso significa que ainda sinto.

— Não. Não estou me condenando novamente. — Eu


afasto seu aperto e fico de pé, recuando até meus ombros
baterem na parede.
— Não irei desistir, — diz ele, mas não me persegue. —
Fomos projetados um para o outro. Não sente dor quando
estamos separados? Não quer que isso pare?

Eu engulo. Ele está muito dentro da minha cabeça, tenho


que ir embora. — Guarda.

— Você é minha, London. Podemos dançar essa dança


violenta até sangrarmos um ao outro, ou podemos nos render.
Sua escolha. Mas eu terei você.

— Aquele monstro nascido do pecado e da morte morreu


em um acidente de carro. Ela se foi.

— Então é minha missão ressuscitá-la.

Eu bato na porta até que ela se abra. Eu me jogo pela


porta, passando pelo guarda e suas perguntas, e saio para o
campo aberto. O ar fresco encharca minha pele aquecida, mas
a dor se agarra a mim, cravando um ferro em minhas costas.

Eu grito.
Grayson

Eu só tinha teorias. Pedaços da verdade. Recortes de


jornal e um relatório de um médico legista antigo. Mas o medo
de algo faz com que ele chegue à cabeça muito mais
rapidamente. Ameaçá-la foi tudo o que foi preciso para que
London retornasse no tempo, e reviver aquele momento de
êxtase que ela se permitiu.

Ela é uma assassina nata.

Está em nosso DNA. Um roteiro genial de um


exterminador.

Parece uma atrocidade tão grande – admitir ser uma


assassina. Mas todos nós nascemos com um propósito. Alguns
para serem médicos e salvar, outros para serem advogados e
defensores. Então, o que há de errado com nossa vocação? O
mundo está superpovoado e cheio de sujeira que precisa ser
colhida.
Nos dias de hoje, é uma vocação adequada para o poço
tórrido do inferno.

E, no entanto, pode ser lindo. Uma forma de arte.

Descanso minha cabeça contra o encosto do banco,


imaginando uma London mais jovem e mais livre dirigindo
uma réplica perfeita de sua tatuagem no pescoço de seu pai. A
força necessária para fazer isso – o poder absoluto, o desejo de
matar. Uma emoção eletriza meu sangue.

O homem que deu a ela a única vida que conheceu, e ela


extinguiu a dele em um instante. Seu cabelo desgrenhado, a
pele encharcada de suor, os olhos brilhando. E então o olhar
sereno em seu rosto que se seguiu. O mesmo que eu vi quando
seu corpo rolou com tremores de prazer.

Eu quero isso de volta. Eu quero testemunhar isso


repetidamente.

Minhas calças apertam. Eu me ajeito, situando à força o


membro dolorido do meu corpo que recuso o alívio até que
minha bela London se submeta.

— Meia hora até pousarmos. — O oficial Michaels olha


por cima do ombro. — Quando chegarmos ao chão, me dê uma
desculpa para colocar uma bala na sua cabeça.

Ele diz isso mais baixo, só para que eu possa ouvir. Sua
raiva honesta traz um sorriso ao meu rosto. Ele também foi
feito para matar, mas negou a si mesmo essa indulgência. Em
vez disso, escolheu uma profissão que o provoque, com o dedo
no gatilho sempre à mão.

Que existência dolorosa.

Sento-me para frente e ele fica visivelmente tenso. —


Quando chegar a hora, não será você quem terá esse prazer.

Seus lábios se curvam em repulsa. — Afaste-se.

Eu obedeço, voltando minha atenção para a janela do


avião. Logo acima da minha cabeça, uma caixa com meus
poucos pertences contém minha passagem para fora desta
vida. Não, Michaels não terá sua chance, porque muitos outros
estão competindo por sua oportunidade.

Eu me inclino perto da janela para ver a curva no


horizonte. Tudo o que parece contínuo e interminável tem uma
reviravolta, e sempre há um fim.

New Castle me dá as boas-vindas ao meu lar.

— Todos se levantem. O tribunal está em sessão. O


honorável Juiz Arthur Lancaster está presidindo agora.

Um barulho alto ressoa pela sala do tribunal. Os bancos


lotados de curiosos. O juiz é um homem magro e envelhecido,
seu manto negro o engole. Ele ordena que o tribunal se sente,
e eu levo um momento para olhar ao redor, procurando os
olhos dela.

London não está aqui.

Meu advogado nomeado pelo tribunal me cutuca para


olhar para frente. Ele entregou um terno preto e gravata azul
na minha cela esta manhã. Exigindo que minhas tatuagens
fossem cobertas, e meu cabelo bem aparado. Como se minha
aparência apresentável tivesse qualquer influência sobre o
júri.

Posso ver em seus rostos: nojo. Este caso precisaria ser


ouvido do outro lado do mundo, em um local remoto, para
encontrar um júri que ainda não conheça os detalhes terríveis.

— Não faça contato visual com eles, — instrui meu


advogado. — Ainda não. Aconselho.

Não é um problema. Só há um olhar que preciso


examinar. Ela estará aqui. Seu testemunho profissional não
será ouvido até mais tarde, mas London normalmente está
presente para seus pacientes durante o julgamento. Não sou
um paciente típico, no entanto. Ela está me castigando pelo
meu comportamento – por conhecer seus pecados.

Ela estará aqui.

Minhas mãos se fecham sob a mesa.


Meu advogado olha para mim. — Não vou trazer à tona a
filmagem usada no julgamento anterior, a menos que seja
necessário, — diz ele. — Isso pode ou não funcionar a seu
favor. Mas só para ficar claro... — seus olhos fixam-se nos
meus — ...não há gravações dessas vítimas, correto?

Nenhuma que foi recuperado pela polícia. — Não há


gravações.

— Ótimo. — Ele ajeita a gravata e se levanta.

Apenas alguns minutos após o início do julgamento, e a


promotoria não perde tempo para chegar ao choque e à parte
terrível desta produção. Imagens ampliadas das vítimas são
apoiadas ao longo de uma parede, exibindo as fotos da cena do
crime. Vítimas, o promotor continua enfatizando, batendo na
cabeça dos jurados.

Referir-se às vítimas como depravados seria muito


irônico.

Mas isso é supérfluo, eles já tiveram seu julgamento e


suas consequências.

Ninguém pode tirar isso.

— Detetive Foster, como essa nova evidência foi


descoberta? — o advogado pergunta ao homem corpulento no
banco dos réus.

O detetive olha para o júri quando ele responde. —


Tecnicamente, era uma evidência antiga. Simplesmente não
tínhamos base para comparação. O réu não estava em nenhum
banco de dados na época.

Admito, que fui desleixado. Minha primeira tentativa foi


feita sob um esforço ansioso e tributário. Já estava
praticamente derrotado na época em que cedi. Exausto,
cansado de lutar contra a necessidade. Era uma compulsão
que exigia uma resposta – uma ação a ser tomada para fazer
com que o desejo terminasse. Nunca imaginei que seria tão
emocionante, um vício em fazer, que eu teria que alimentar o
desejo novamente.

Uma vez que matei as pessoas que se referiam a si


mesmas como meus pais, pensei que os pensamentos
sombrios iriam finalmente cessar. Eu era sua criação, e essa
parte de mim morreria com eles. Mudar o cenário para um
cenário americano na minha tenra juventude não cessou os
desejos, também. Nada aconteceu.

Eu lutei por muitos anos. Cansado e vazio.

O primeiro aconteceu muito rápido. Só no segundo é que


me tornei cauteloso. Tinha que ser para prosseguir. Sempre
soube que meu primeiro intento me perseguiria, e aqui estou
eu, sendo julgado pelo ato descuidado.

Mas, oh, que pressa.

Você nunca pode replicar o seu primeiro. Como dois


amantes no auge da paixão, sentindo desajeitadamente o
caminho durante aquele primeiro encontro estranho, ainda é
tão erótico, tão carnal.

— O perpetrador deixou uma impressão palmar na arma


do crime. — O detetive aponta para a imagem ampliada de um
eixo de polia. A evidência não poderia ser mais contundente.
Lembro-me da noite em que montei a engenhoca, minhas luvas
ficaram presas no eixo.

— Depois de tantos anos, o caso foi arquivado, — avisa o


advogado. — O que fez você decidir fazer a pesquisa novamente
da impressão da palma da mão?

— O MO16. Ou seja, o método e o padrão distinto dos


assassinatos do Anjo do Maine eram semelhantes aos
assassinatos aqui em New Castle. Valeu a pena tentar, para
ver se havia uma correspondência.

— E havia, detetive? Uma combinação?

— Sim. — Ele volta sua atenção para um diagrama da


impressão palmar em questão. Os pontos de comparação
numerados provam que é de fato uma correspondência com a
minha impressão.

— Sem mais perguntas, Meritíssimo.

Meu advogado se levanta da mesa. — Detetive, não há


dúvida se esta impressão é ou não compatível com o réu e,

16 Modus Operandi. Modo de agir da pessoa.


portanto, ele pode ter sido implantado no local. Porém, você
tem alguma outra evidência?

O detetive franze a testa. — O que você quer dizer?

— Sinto muito. Deixe-me esclarecer. Houve alguma outra


evidência descoberta nas cenas que podem ligar o Sr. Sullivan
aos crimes pelos quais ele está sendo julgado aqui hoje? Ou
esta é a única evidência que o liga a todos os quatro homicídios
com base nas semelhanças dos assassinatos?

— Esta é a principal evidência, correto.

— Você quer dizer, sua única evidência, — rebate meu


advogado.

— Objeção, — interrompe o Procurador-Geral.

— Deferido. O júri irá desconsiderar essa declaração.

— Peço desculpas, Meritíssimo. Mas, Detetive Foster,


estou tendo dificuldade em entender esta lógica, este processo,
por assim dizer. Vamos fazer com que o júri passe por ele,
certo?

O detetive acena com a cabeça. — Tudo bem.

Fico entusiasmado ao ver Allen Young avançar na sala de


audiências. Ele é um novo advogado de julgamento que posso
acreditar que o estado pensou que me condenaria. Sua
teatralidade é divertida, mas é a capacidade dele de ganhar a
confiança do júri que é fascinante. Eles gostam dele, mesmo
que me desprezem.
— A impressão da palma do Sr. Sullivan foi encontrada
na roldana, mas já sabemos que meu cliente trabalhava no
mesmo distrito de pesca que a vítima. É possível que o Sr.
Sullivan tenha usado a roldana para carregar seu equipamento
de mergulho em um barco ao mesmo tempo?

— É possível, mas improvável, — responde o detetive


Foster. — O barco fretado que o Sr. Sullivan usou para
trabalhar tem seu próprio equipamento de doca de carga.

Young não perde tempo. — Mas é possível, considerando


que o barco fretado tinha inúmeros relatos de equipamentos
com defeito na época.

O detetive franze as sobrancelhas. — Uma pequena


possibilidade.

— Obrigado. Agora vamos discutir as diferenças entre os


casos. Quando você foi chamado pela primeira vez ao local,
detetive, seu relatório inicial afirmava que a morte da vítima
era mais do que provável ser um acidente? Que parecia que a
vítima se enforcou pela alegação de defeito no equipamento?

— Eu fiz essa declaração, mas rapidamente a alterei após


a descoberta do médico legista.

— Certo. O médico legista relatou contusões, ou seja,


hematomas, no pescoço da vítima, o que justifica a causa da
morte por asfixia. Como se fosse estrangulado por uma corda.

— Sim, está correto. Mas o exame também revelou várias


contusões repetidas nas ligaduras. Como se a corda fosse
esticada, afrouxada e depois apertada novamente. Como se
alguém estivesse torturando a vítima antes de sua morte.

— Não é possível que esse padrão de contusão tenha sido


causado pela vítima lutando contra a corda, tentando soltá-la
do pescoço?

— Objeção, Meritíssimo. A testemunha não é um médico


ou perito.

— Deferida, — diz o juiz. — Eu concordo. O detetive


Foster não está qualificado para responder a essa pergunta.

O detetive parece irritado por ter sua resposta suprimida.

Young avança rapidamente. — Mas ao contrário das


outras cenas de crime, onde ficou claro que um assassinato
hediondo foi cometido, esta primeira cena – a cena que fornece
sua única suposta evidência – tem uma série de diferenças,
correto? Como as armadilhas que o perpetrador armou para
cometer os assassinatos? A polia nunca foi confirmada como
uma armadilha, certo?

— Isso não é incomum para um primeiro homicídio, —


rebate o detetive. — Os infratores reincidentes ficam melhores,
mais ousados, conforme seu método de matar avança. A
diferença entre a primeira cena do crime e as outras é apenas
a de um amador versus um proficiente.

Meu advogado sorri. — Na sua opinião?


— Sim. Na minha opinião, com base em quinze anos de
trabalho de detetive.

— A esposa da vítima alguma vez foi interrogada em


relação à sua morte?

— Claro. Todos ligados à vítima foram interrogados.

— Mas só depois que a segunda cena do crime foi


descoberta, e após a declaração inicial declarando a morte da
vítima, um acidente foi retirado.

O detetive Foster ajusta sua postura. — Está correto.

— Então, recapitulando os fatos, você não tem nenhuma


evidência de acusação ligando o réu aos outros assassinatos,
e o próprio assassinato ao qual você pode vinculá-lo, o método
é indiscutivelmente diferente dos outros crimes. Você mesmo
disse que não era tão metódico e, no entanto, foi a única cena
de crime em que algum tipo de evidência foi descoberta. Isso
em si é um desvio do MO, não concorda, detetive? Que um
assassino metódico cometeria um erro tão evidente? E ainda
assim você quer processar o réu por todos os quatro
assassinatos e condená-lo à morte por injeção letal?

— Objeção, Meritíssimo! O Sr. Young está atormentando


a testemunha.

O detetive tenta responder, mas Young fala antes da


decisão. — Está tudo bem. Nada mais, Meritíssimo.
— Ainda estou dando minha decisão para que a última
declaração seja eliminada dos registros, Sr. Young, — disse o
juiz.

Tenho um novo respeito pelo estado de Delaware. Allen


Young quase me faz duvidar de minhas próprias memórias.

— E aí está nossa dúvida razoável, — sussurra o


advogado para mim enquanto se senta.

Dúvida razoável. Para as outras mortes. Não o suficiente


para me impedir de cumprir a sentença de prisão perpétua...,
mas talvez o suficiente para me manter longe do corredor da
morte.

Sinto uma estranha leveza na cabeça, uma sensação de


quase esperança. É tão estranho quanto minhas novas
emoções por London.

— Agora, se sua psicóloga apenas trabalhar sua mágica,


eu diria que você tem uma boa chance de implorar pela
clemência do tribunal.

— Ela vai, — eu asseguro a ele. Ele está tão comprometido


com este caso por seu próprio bem quanto pelo meu. Um caso
como esse pode alavancar sua carreira. E investi meu tempo
com sabedoria em London. Ela estará aqui. Eu tenho certeza
disso.

— O tribunal está encerrado, — anuncia o juiz. — Vamos


retomar às nove amanhã de manhã.
— É melhor você ter certeza. Faça o que for preciso para
colocá-la nessa posição. — Young reúne seus documentos em
sua pasta e sai, deixando os policiais me algemando e me
escoltando até a prisão do tribunal.

Eu olho ao redor da sala mais uma vez, notando a


ausência de London com uma mandíbula rígida. Ela estará
aqui. Não é apenas meu destino que depende do testemunho
dela.

Sua vida depende disso.


London

A primeira prisão que vi foi no porão da casa da minha


família.

Meu pai havia transformado o ventre de nossa casa em


um inferno. Uma cela onde ele guardava as meninas que havia
roubado – onde ele as torturava. Até que elas não tivessem
mais utilidade, então elas ficariam naquela masmorra,
morrendo de fome no escuro breu, até que ele acabasse com a
vida delas.

Ele as enterrou sob o jardim da minha mãe.

Ela estava morta, ele me disse quando perguntei por


que... como ele poderia fazer isso. Uma mulher morta não se
importa e nem nós devemos, foi sua resposta simples.

A primeira garota encontrei por acidente. O aniversário


da morte de minha mãe significou tristeza. Eu queria alegrar
suas flores abandonadas. Meu pai ficou indignado quando lhe
mostrei o corpo em decomposição... foi assim que eu soube.
Não era a resposta racional que uma pessoa – um policial –
deveria ter quando descobre um cadáver em seu quintal.

E então me lembro do brilho reluzente da chave. Aquela


maldita chave que sempre ficava pendurada em seu pescoço.
Foi tudo correndo junto, um choque de elementos ao redor de
minha vida que eu nunca observei muito de perto, mas que de
repente desmascarou um quadro muito feio e malévolo.

O porão.

Minha mente saltou de detalhe em detalhe, juntando


conexões, e entendi porque fui banida de seu santuário
particular. De repente, soube o que se passava lá embaixo.

Durante três meses, eu escutei. No silêncio da noite,


rastejei pela casa, plantei meu ouvido para o chão, com medo
de ouvir o que minha mente não me permitia acreditar.

O mais leve grito rasgou o chão e agarrou minha alma.

Havia outra garota lá embaixo.

Fecho os olhos agora, só por um momento para me


concentrar. O ar está abafado e úmido nesta parte do tribunal
enquanto o oficial me conduz às celas, para onde Grayson está
sendo mantido sob forte guarda e vigilância.

— Por favor, verifique sua bolsa e quaisquer pertences


pessoais, — o oficial instrui, colocando um recipiente de
plástico próximo. — Então, caminhe até lá.
Descarrego meus itens e, em seguida, passo pelo detector
de metais. Fui liberada e instruída a seguir um pequeno
corredor até a última cela à direita.

Ando por todo o corredor em direção a Grayson da mesma


maneira que desci aqueles degraus anos atrás. Meu coração
apertou. Meu pulso disparando em meu sangue.

Não tenho acesso a ele, só posso falar com ele através das
grades. O mesmo ferro frio que encheu o porão de meu pai.

— Você não estava lá hoje.

Enfio as mãos nos bolsos da jaqueta. — Não. — Isso é


uma mentira. Fiquei parada do lado de fora das portas do
tribunal, com minhas costas pressionadas contra o tijolo
enquanto ouvia o desenrolar do julgamento. Mas Grayson já
sabe que sou uma mentirosa.

Ele me encara do outro lado da cela, com aqueles olhos


vigilantes descobrindo a verdade. — Meu advogado acha que
posso vencer a pena capital.

Respiro fundo. — Você está realmente com medo de


morrer?

O canto de sua boca se levanta. — Será que todo mundo


não tem medo da morte?

— Isso não é uma resposta.

— Não estou mais no seu consultório, doutora.


Fico em silêncio e espero que ele fale. Essa discussão deve
ser rápida, pois nosso tempo está se esgotando. Mas há uma
estranha calma nos cercando.

— Eu não temo a morte, — ele finalmente diz. — Não da


maneira que a maioria das pessoas. Eu tinha a mentalidade de
que, uma vez que eles me matassem, minha vida, meu
propósito... estaria feito. Acabado. Não há nada a temer nisso.
Praticamente acolhi com satisfação, a chance de descansar as
implacáveis compulsões. — Seu olhar me segue, predatório e
invasivo. — E depois havia você.

— Não consigo ver como tenho alguma coisa a ver com


isso.

Ele inclina a cabeça. — Você não pode ter medo de perder


o que você nunca soube que existia. Você mudou tudo,
London. Agora eu não posso simplesmente parar – porque eu
quero você demais. Eu quero o que podemos significar juntos.

— Isso é delirante. Mesmo se você viver...

— Se?

Eu engulo. — Grayson, nós nunca ficaremos juntos. Você


é um serial killer atrás das grades. Para toda a vida. — O eco
da minha voz se espalha, refletindo a verdade dessa afirmação
de volta para mim. — Além disso, como eu disse antes, você
está experimentando transferência. Seus sentimentos por mim
não são reais.

— Porque sou incapaz de sentir.


— Sim. Você é um manipulador. Manipula emoções e está
confundindo os dois.

Ele pula para fora da cama. — Disempático17, — ele


pronuncia lentamente. — Eu fiz minha pesquisa. Por que você
não citou isso em sua avaliação? Por que você não mencionou
isso uma vez, quando está claro como o cristal?

Eu zombo com uma risada. — O tipo disempático é um


mito. É o sonho de esposas e namoradas de psicopatas em
todos os lugares – uma maneira de lidar com isso. Convencer-
se de que os homens que amam realmente as amam em troca.

Seu rosto endurece. — Admita que é possível para mim.

— Nunca farei isso.

Seu olhar se torna calculado enquanto ele observa


minhas feições. Lendo na minha cara o que não vou exprimir.
— Então e você, Dra. Noble? Se você não sente nada por mim,
por que está aqui?

— Eu não sei, — admito.

Mas isso é outra mentira.

Seu sorriso torto revela aquela covinha perversa em sua


bochecha. — Eu sei. Você veio descobrir se vou contar ao
mundo o seu segredo.

17Sociopata Desimpático - É capaz de sentir uma conexão emocional com um grupo restrito de
pessoas. Este grupo pode incluir amigos, animais de estimação ou familiares... normalmente, as
pessoas têm um amplo círculo de empatia pelos outros; no entanto, muitas pessoas podem não sentir
compaixão por certas pessoas, como assassinos ou criminosos.
Eu molhei meus lábios. — Estou cansada dessa dança,
Grayson.

Ele se aproxima, e coloca as mãos nas grades. — Conte-


me a verdade sobre o que aconteceu e ninguém jamais saberá.

Posso sentir sua excitação. A forma como seu olhar pálido


brilha com antecipação. Ele está ansioso para me testemunhar
reviver o passado, para experimentar minha morte através de
mim.

— Como você descobriu? — ele pergunta.

Pressiono minha mão na minha testa, aperto meus olhos


fechados, mentalmente desejando que a dor na minha cabeça
vá embora. — Eu seria muito tola em confiar em você.

— Mas isso faz parte da terapia, — diz ele. — Confiança.


Paciente e médico. Confiar um no outro.

Uma risada fraca sai dos meus lábios. Os detalhes são


insignificantes. Eu as recito como se estivesse lendo uma lista
de compras. Removendo qualquer traço de emoção da minha
voz que ele possa extrair algum prazer.

— Fui para o porão e havia uma garota, — eu digo. — Ela


tinha minha idade, muito desidratada para chorar, tremendo
e coberta de chicotadas vermelhas e irritadas, sua pele com
bolhas e machucada. — Eu olho para ele, abraçando a
memória. — Ela era linda. Tentei libertá-la, — eu sussurro. —
Eu sabia que era a coisa certa a fazer. Mas eu não tinha a
chave. Nunca pensei em chamar a polícia ou correr para um
vizinho...

— Porque seu pai era o xerife, — ele diz.

— Isso, e eu não queria que ninguém soubesse. Ninguém


teria acreditado em mim, de qualquer maneira. Provavelmente.
— Balancei minha cabeça. — Eu realmente não acreditei até
que a vi. A essa altura, já era tarde demais para voltar.

Aproximei-me mais das barras e a mão de Grayson agora


cobre a minha. Seu dedo acariciando o meu. Seu toque minha
âncora. — Você sabia que iria matá-lo.

— Sim, — eu digo. — Eu estive fantasiando sobre isso


durante aqueles meses. Obcecada com as diferentes
maneiras... como seria... — Eu me interrompi. — Não me
esgueirei lá embaixo. Eu sabia que ele estava ciente e que me
seguiria até o porão. Eu o levei lá de propósito. — Eu viro
minha cabeça.

Grayson alcança através das grades e força meu rosto em


direção ao dele. — Como você planejou matá-lo, London?

— Eu ia jogá-lo escada abaixo.

Seu dedo trilha meu queixo. — Mas você falhou na


primeira vez.

— Ele era maior. Mais forte. E eu vi em seus olhos. Esse


brilho. Como se ele estivesse esperando por mim.
A vergonha me envolve. Eu não tenho que dizer isso em
voz alta, ele não me obriga. Eu tinha dezesseis anos. A idade
da garota na jaula. Meu pai estava esperando por mim.

— Ele a estrangulou, — eu digo. — Ele não a matou


imediatamente. Ele brincou com ela. Seus olhos me
observaram enquanto ele a sufocava. Minha punição por
ameaçá-lo, suponho. Eu seria a próxima, — digo, a sala fria de
repente cheirando o mesmo cheiro úmido daquele porão. — Eu
simplesmente sabia. De alguma forma eu entendi. Ele ia me
matar. Então, em vez disso, tirei a vida dele.

Seu polegar traça o contorno da minha bochecha antes


de tocar a cicatriz ao longo da palma da minha mão. — Mas
não antes de ele tirar algo de você.

Minha humanidade.

Olho para a pele marcada, manchada com tinta preta e


maquiagem. — Ele queria que eu fizesse parte disso. Pensei na
hora que ele estava tentando salvar... — Eu olho para cima e
amaldiçoo. — Eu queria acreditar que ele me amava. Do seu
jeito doentio, ele queria me tornar parte de seu segredo para
que pudéssemos compartilhá-lo. Ou que eu não seria uma
ameaça para ele. A reflexão ao longo dos anos clarificou o
momento em que ele colocou aquela faca na minha mão e me
usou para acabar com a vida daquela garota. Anos estudando
doenças e distúrbios mentais revelaram que isso o excitava.
Isso é tudo. Nada mais.
Seu olhar passa rapidamente pelo meu rosto. — Você
estava animada?

Eu mordo meu lábio até que o cheiro metálico de sangue


enche minha boca. — Naquele momento, experimentando o
poder bruto de tirar uma vida... sim. Eu não era apenas um
voyeur, — eu admito. — Eu senti cada golpe da lâmina. A
forma como a faca cortou a carne, a vibração quando atingiu o
osso. Eu estava perdida na sensação antes de querer voltar –
arrancando minha mão da dele. A lâmina cortou minha mão
aqui. — Eu viro minha palma, revelando a cicatriz curada. —
Ele me deixou matá-lo. — Eu puxo minha mão de volta. —
Talvez ele tenha ficado abalado por eu ter recusado, ou talvez
no final estivesse cansado de sua doença..., mas eu nunca
deveria ter sido capaz de dominá-lo.

— Mas você fez.

— Ele veio atrás de mim. Havia deixado a faca para trás.


Ele não tinha arma. Eu o deixei envolver suas mãos em volta
da minha garganta. Cheguei perto o suficiente... antes que
agarrasse a chave e a dirigisse no único lugar que me daria
tempo. Procurei a faca, mas não foi necessária. Eu rasguei sua
jugular. Ele sangrou rapidamente.

Eu olho para minhas mãos, lembrando do sangue.

— Então você escondeu a matança.

Balancei minha cabeça. — Não. Não encenei o acidente


para esconder meu crime. Eu tinha planejado morrer naquele
naufrágio. Para acabar com o legado depravado, mas quando
acordei no hospital, ferida, mas viva, foi... um renascimento.
Uma nova vida. Uma nova chance. — Eu olho em seus olhos.
— Não era mais aquela garota. Ela morreu, Grayson. Eu a
matei também. E não há nada que você possa dizer ou fazer
para trazê-la de volta. Meu próprio pai falhou e, portanto, não
há esperança para você. Minha vontade é mais forte do que
minha doença.

Ele se afasta, interrompendo a conexão. — Sua dor não


morreu com seu pai, e nem sua compulsão em matar. Você foi
capaz de canalizar essa necessidade por meio de seus
pacientes, mas está ficando mais difícil, não está?

Eu limpo meu rosto. — Eu disse a você o que queria


saber. Agora eu preciso saber que não vai além daqui.

Seu sorriso desapareceu há muito tempo, ele olha para


baixo e traça o desenho de uma peça de quebra-cabeça ao
longo de seu antebraço. — Talvez você se justifique. Talvez até
seja considerada uma heroína pelo que fez. Mas você ainda fez
justiça com suas próprias mãos, o que, inerentemente, neste
sistema de justiça é errado. Não é melhor do que qualquer um
dos assassinos que tratou. Você é uma hipócrita e uma
narcisista. Me detesta, mas despreza mais a si mesma.

— Jure para mim! — Eu grito.

Seu olhar aquecido acende. — Nunca poderia


compartilhar você com outro, London. Sou muito egoísta.
Com o queixo levantado, endireito minha jaqueta,
alisando as pregas com as mãos. — Então este é um adeus,
Grayson. Vejo você no tribunal amanhã pela última vez.

Eu me afasto da cela e dele, deixando para trás um


pedaço de mim mesma. Ele tem meu segredo, aquele monstro
sombrio e assustador que mantenho escondido não apenas do
mundo, mas de mim mesma. Se ele vai ficar com ele ou não,
não sei. Ele sofre de sinforofilia sádica, é um psicopata que
adora encenar e assistir a desastres.

E me destruindo? Isso seria o desastre final para um


sádico como Grayson.
London

Aninhado entre uma fileira de carvalhos vermelhos, um


pinheiro solitário ergue-se em meio ao distrito do tribunal no
centro de New Castle. Sento-me nos degraus do tribunal,
observando os galhos finos do pinheiro esvoaçar com a brisa
leve.

Ele não pertence aqui. Não tenho certeza de como a


árvore chegou aqui, como ela brotou no meio de tanta
civilização, e muito provavelmente será cortada em breve.
Substituída por outro carvalho ou bétula vermelha para
alinhar perfeitamente a rua.

Mas ela está aqui.

Costumava ficar olhando para os pinheiros pela janela


saliente da minha casa. Tínhamos alguns finos, altos e
compactos, que se curvavam nas tempestades. E eu olhava,
apenas olhava para o vazio denso de tudo – a maneira como os
pinheiros balançavam para frente e para trás, balançando-se
ao som de alguma melodia. Como se estivessem se acalmando
em meio a toda a violência.

Essa visão deveria ter sido um conforto. Não deveria ter


me assustado.

Mas porque há conforto, há turbulência. Você teme mais


intensamente quando a ameaça está pendente, quando está
perto – a antecipação de nossos piores medos é mais
paralisante do que o impacto.

Não há abrigo contra a tempestade.

Pego meu copo de café e minha pasta e vou para o


tribunal, onde espero ser chamada. Meu terno está quente em
minha pele por causa do sol, a sala com ar-condicionado me
fazendo tremer. Esvazio e jogo meu copo no lixo quando o
oficial de justiça chama meu nome.

Sinto seus olhos em mim no momento em que entro no


tribunal. Aponto meu olhar à frente enquanto sigo o oficial de
justiça. Ele mantém o portão aberto para mim, e eu dou um
breve aceno de cabeça antes de ficar ao lado do juiz.

— Levante sua mão direita.

Sou juramentada e sento-me ao púlpito. Já fiz essa


mesma ação tantas vezes que é um hábito. Previsível. No
entanto, tudo sobre isso desta vez é diferente. Posso sentir o
julgamento da acusação de uma forma que nunca senti antes.
Estou amarrada ao réu, amarrada a ele com uma conexão que
grita para ser rasgada.
As luzes são amplificadas. O som está muito alto. O ar
muito espesso.

— Olá, Dra. Noble.

O advogado de defesa bloqueia minha linha de visão de


Grayson antes que eu fique tentada a olhar.

— Como você está hoje? — ele pergunta.

— Vou bem, obrigada.

— Ótimo. Fico feliz em saber. — Depois de um breve


resumo das minhas credenciais, ele pergunta: — Pode nos
dizer por quanto tempo você avaliou o Sr. Sullivan?

O advogado é jovem e atraente. Percebo a forma como o


júri se inclina para a frente, atento a ele. Seu rosto fresco e
maneirismos divertidos são uma distração bem-vinda para o
peso desta provação.

— Quase três meses, — eu respondo.

— E esta é uma quantidade de tempo suficiente para


diagnosticar um paciente?

— Sim. Geralmente, posso fornecer um diagnóstico


completo e um plano de tratamento para os pacientes em um
período de duas semanas.

— Então por que o Sr. Sullivan exigiu um período de


avaliação mais longo?
Endireito minhas costas. — No meio da minha avaliação
inicial, percebi sinais de grave delírio que senti que precisava
de uma avaliação mais detalhada.

Estou saindo do script. O Sr. Young me encara com


curiosidade, então caminha até a mesa da defesa e pega a
pasta que contém a avaliação de Grayson.

— Qual é o diagnóstico oficial do Sr. Sullivan? — ele


pergunta.

— Sr. Sullivan exibe transtorno de personalidade


antissocial. Ele pontuou no extremo mais alto do espectro para
esse transtorno de personalidade, que o classifica como uma
personalidade perigosa. Ele sofre de sinforofilia sádica, o que
significa que obtém satisfação sexual ao encenar e assistir a
desastres brutais. Como um sádico, o Sr. Sullivan obtém
prazer com o sofrimento dos outros, e sua psicopatia particular
permite que seja um manipulador altamente habilidoso.

O advogado pisca, olha para a promotoria, como se


esperasse alguma objeção. Não haverá objeções daquele lado
do tribunal durante meu testemunho.

Sr. Young começa de novo, tentando encontrar um fio de


nossa correspondência original. — Dra. Noble, você não
declarou verbalmente que o Sr. Sullivan é um presidiário
modelo. Que apesar de seu distúrbio, ele não era uma ameaça
para ninguém na prisão, já que faltava o caos para alimentar
sua psicopatia particular?
Eu sorrio. Ele tem boa memória, relembrando o que
contei a ele sobre minha conversa com o procurador-geral. —
Sim, está correto. Eu disse essas palavras para a promotoria.
Mas isso foi no meio da minha avaliação final. Como afirmei, o
Sr. Sullivan é um manipulador especialista e, portanto, é
necessário mais tempo para diagnosticá-lo com eficácia e
determinar o nível de perigo que ele apresenta.

O advogado folheia a avaliação que redigitei apenas na


noite anterior. Ele estava tão confiante em minha avaliação
verbal que nunca pediu para receber o relatório antes do
julgamento.

— O plano de tratamento que você originalmente achou


melhor adaptado para o Sr. Sullivan era ser medicado sob seus
cuidados, receber sessões de terapia contínuas e integrá-lo
lentamente aos presidiários comuns, onde ele pode ser um
membro produtivo da sociedade correcional. — Ele me encara,
com uma ameaça em seus olhos. — Você ainda acha que o Sr.
Sullivan pode se beneficiar com este tratamento?

— Deixe-me colocar da forma mais simples possível, —


eu digo, me fortalecendo. — As vítimas do Sr. Sullivan eram,
como ele acreditava, culpadas de crimes. Os crimes que ele
achava que mereciam uma justiça vigilante extrema e
desconcertante. Assimilá-lo a uma população de criminosos
soa como uma boa ideia para você, Sr. Young?

O choque no rosto do advogado só é superado pela onda


coletiva de acordo que rola pela sala.
— Ordem, — exige o juiz.

Faço contato visual com Grayson, então. Não há malícia


em seu rosto, apenas a sugestão de um sorriso malicioso.
Esses olhos astutos me perfuram.

Eu rolo meus ombros. — Além disso, descobri que o Sr.


Sullivan sofre de um distúrbio delirante não caracterizado em
conexão com sua psicopatia. Ele acredita que tem conexões
grandiosas com suas vítimas, que se desenvolvem em uma
fixação nelas onde sua ilusão cria uma realidade alternativa.
Em outras palavras, as táticas de manipulação que ele usa em
suas vítimas servem para influenciar seus próprios delírios,
resultando em sua crença em suas próprias mentiras. Isso lhe
dá a convicção de punir, mutilar e matar sem culpa ou
remorso. — Eu respiro antes de prosseguir. Eu tenho que
avançar. — Qualquer pessoa com quem Grayson Sullivan
entra em contato corre o risco de se tornar parte de seus
delírios e, assim, sofrer danos físicos ou mentais. Ele é uma
das pessoas mais perigosas com quem entrei em contato e
sinto que não posso continuar seu tratamento. Não acho que
a reabilitação seja uma perspectiva para o Sr. Sullivan.

O silêncio cai sobre o tribunal e o Sr. Young pigarreia. —


Obrigado, Dra. Noble. Nada mais, Meritíssimo.

Após um momento de acusação, o juiz olha para o


Procurador-Geral. — Você gostaria de interrogar, Sr. Shafer?

O advogado se levanta brevemente. — Não, Meritíssimo.


A acusação está encerrada.
— Por favor, escolte o Dra. Noble para fora do púlpito, —
o juiz instrui o oficial de justiça. — O tribunal está suspenso
por um recesso de uma hora, então ouviremos os argumentos
finais.

Eu vacilo com a comoção crescendo ao redor da sala


enquanto as pessoas se levantam. A finalidade disso balança
através de mim, e eu agarro a borda da arquibancada para me
ajudar a me levantar. Passo por Grayson com as pernas
instáveis, a necessidade de olhar em seus olhos uma exigência
insuportável e dolorosa. A corda que me amarrava a ele se
estica.

Quando me entrego ao desejo e nossos olhos se


encontram, nenhuma palavra é necessária. Eu vejo em seu
rosto, a compreensão do que fiz. Eu garanti minha mentira ao
diagnosticar um paciente em tribunal aberto. Ninguém vai
ouvir ou acreditar em suas afirmações sobre mim.

Eu sabotei não apenas minha carreira ao fazer isso, mas


qualquer chance que ele tinha.

Acabei de condenar Grayson à morte.

Meu segredo morrerá com ele.


Grayson

— Todos se levantem.

Fico ao lado do meu advogado e endireito minha gravata,


dando um puxão para soltá-la da minha garganta apertada.

— Pelo menos não havia vídeos para defender desta vez,


— sussurra Young em minha direção. — Boa sorte.

A sorte não está do meu lado. London certificou-se disso.


Meu advogado perdeu toda a esperança entusiástica que tinha
desde o início em ganhar sua oportunidade. Seu testemunho
chocou a todos aqui. Provavelmente todos os profissionais de
sua área. A única pessoa que não está surpresa com sua
dramática mudança de salvadora para condenadora sou eu.

Reprimo um sorriso. Eu amei cada segundo de vê-la


abraçar seu instinto assassino.

Quando o júri entra, eu olho ao redor da sala, em vez de


para eles. Não preciso ver suas cabeças pendentes e
expressões graves. Eu sabia o resultado deste julgamento
antes de começar. Estou procurando por London. Ela é tudo o
que importa agora.

Ela não está aqui para testemunhar sua vitória, no


entanto. Imagino que esteja sentada sozinha em algum quarto
de hotel, esperando o veredicto. Sua culpa mantendo sua
companhia. Coisa engraçada sobre a culpa, é uma emoção
complicada, muitas vezes confundida com vergonha.

London não tem do que se envergonhar. Quem não


defenderia sua vida? Sou uma ameaça que ela não pode
permitir. Eu não dei a ela outra escolha.

— No caso de Delaware versus Grayson Sullivan, para a


acusação de assassinato em primeiro grau, como vocês
consideram o réu?

— Culpado, Meritíssimo.

Isso atrai minha atenção e eu olho para o juiz. Seus olhos


estreitos já estão em mim. Ele analisa a lista de acusações,
finalizando o veredicto de culpado do júri para todos, então
agradece ao júri por seus serviços e os dispensa.

— Tenho minhas próprias declarações a proclamar antes


de sua sentença, Sr. Sullivan, — disse o juiz. — Se não fosse
pelo processo dolorosamente lento de nosso sistema de justiça,
eu pessoalmente faria com que sua execução fosse entregue
rapidamente. Os assassinatos pelos quais você foi considerado
culpado são atos grosseiros e hediondos da pior espécie. Em
meus trinta anos como juiz, nunca testemunhei um desprezo
mais flagrante pela vida humana. Você tem algo a proclamar
ao tribunal antes de ser sentenciado?

Meu advogado bate no meu pé, dando-me a deixa para


me levantar e entregar meu apelo praticado por clemência.

Então eu faço. Eu me levanto e ergo meu queixo. — Sim,


meritíssimo. Eu proclamo que o Inferno está vazio e todos os
demônios estão aqui. — A sala do tribunal explode. O juiz bate
o martelo, tentando acalmar a explosão. Meu advogado abaixa
a cabeça.

Sorrio. Esperei a vida inteira para citar Shakespeare.

— Grayson Pierce Sullivan, — o juiz diz sobre a comoção.


— Você é considerado culpado e sentenciado a não mais do
que cem anos de prisão por cada vida que você tirou. Será
encarcerado em segurança máxima no Centro Correcional New
Castle, onde aguardará para ser executado por injeção letal. —
Ele se inclina sobre o banco. — Nenhum Deus terá
misericórdia de sua alma.

— De nada, — eu digo a ele com uma piscadela.

Ele me encara, mas não confuso. O juiz Lancaster


condenou a maioria dos casos de pena capital em Delaware à
morte. Trinta anos matando com a lei como arma do crime. Ele
é um assassino que usa a lei para assassinar suas vítimas e
está aproveitando cada momento disso – um último suspiro
antes que o Estado acabe com a pena capital para sempre.
— Remova este monstro do meu tribunal. — Ele bate o
martelo uma última vez, a nota final em minha vida.

As algemas circundam meus pulsos. Meu sangue corre


pelas artérias contraídas, a tontura se instalando. As luzes
piscam em minha visão. Minha respiração sai ofegante e eu
luto para puxar uma respiração cheia de ar que passa pelo nó
na minha garganta. Meus pulmões estão queimando.

Young percebe primeiro. — Sullivan, está tudo bem.


Vamos apelar. Este não é o fim... — Ele é cortado quando a
convulsão começa.

Minha mandíbula trava quando o tremor toma conta dos


meus músculos. Sinto a espuma de vômito escorrer pelo meu
queixo.

— Precisamos de um médico! — Young grita.

O oficial permite que meu corpo caia no chão. As algemas


mordem minha pele enquanto meu corpo treme. Mas antes que
o mundo diminua, lá está ela. Olhando para mim. Meu anjo de
misericórdia para tirar a dor.

London se inclina sobre mim e pressiona seus dedos


macios no meu pescoço. — Ele está entrando em choque.
Anafilaxia.

Seus profundos olhos castanhos estão arregalados


enquanto ela olha para baixo. Tento contar as especificações
douradas. Eles ficam borrados e escurecidos até que eu a perco
de vista. Consigo dizer uma palavra a ela antes que as luzes se
apaguem.

Assassina.
London

— Penicilina. — Examino o prontuário de Grayson. —


Importa-se de explicar como o Sr. Sullivan recebeu um
medicamento que seu arquivo afirma claramente que ele é
alérgico?

Esta pergunta é dirigida ao oficial de correções


encarregado das refeições de Grayson na prisão do tribunal.
Fiz essa pergunta a todos os policiais que entraram em contato
com ele nas últimas 48 horas. Não sou detetive e, oficialmente,
não sou mais a psicóloga de Grayson, mas exijo uma resposta
de alguém.

O oficial balança a cabeça. — Sinto muito, senhora. Não


sei.

Eu inalo uma respiração forte. — Ok. Obrigada.

Eu sigo em direção ao corredor para deslizar o gráfico de


volta para a sala de emergência, e o detetive Foster está lá para
me impedir. — Você não deveria estar aqui. Levarei isso. — Ele
confisca o gráfico.

— Eu estava saindo. — Tento fazer exatamente isso, mas


o detetive volumoso novamente entra no meu caminho.

— Por que você está aqui?

Eu cruzo meus braços. — Um dos meus pacientes deu


entrada no hospital, detetive. Estou aqui fazendo a mesma
coisa que você, tentando descobrir como isso aconteceu e, mais
ainda, para determinar como isso afeta meu paciente.

Ele acena lentamente. — Sabe, o registro de visitantes na


prisão lista apenas uma pessoa. Você. Acho isso muito
interessante.

— Cuidado, detetive. Alguém pode pensar que você está


insinuando que um médico respeitável envenenou seu próprio
paciente.

— Não estou insinuando nada. Estou perguntando sem


rodeios se você deu penicilina a Sullivan para atrasar sua
transferência.

— Inacreditável, — murmuro baixinho. — Detetive Foster,


fico ofendida por não ter apenas que fazer o trabalho dos
médicos neste hospital retrógrado, mas agora o seu também.
Quantas pessoas você acha que querem ver Grayson morto?
Família das vítimas, policiais... como você...

— Ele já estava sendo condenado à morte, — interrompe.


— Ele não estava sendo sentenciado ontem, — eu rebato.
— Quando o julgamento parecia estar indo a seu favor. — Eu
levanto minhas sobrancelhas.

Ele bufa um suspiro. — Não volte para o Maine tão


rapidamente, doutora. Talvez eu precise interrogá-la
novamente.

Eu jogo minhas mãos para cima. — Ok. Agora, posso ver


meu paciente?

— Absolutamente, não. Sullivan está sob vigilância


estrita. Funcionários e pessoal médico apenas.

Ele me acompanha até a sala de espera. Encontro a


cadeira que reivindiquei como minha nas últimas oito horas.
Um cansaço tenso pressiona atrás dos meus olhos, e eu os
fecho por um momento.

Demorou muito para transferir Grayson para uma


ambulância. O hospital ficava a apenas cinco quilômetros do
tribunal, não deveria ter passado de quinze minutos para
colocá-lo nos cuidados. Esses quinze minutos custaram a
Grayson sua consciência.

Uma voz ansiosa sussurra daquele canto escuro da


minha mente, zombando de mim. Você queria isso. Eu queria
– eu queria a morte de Grayson. Eu queria a ameaça eliminada.
Minha perseverança é mais forte do que meus sentimentos por
ele.
Eu pisco a secura dos meus olhos. Eu não conseguiria
deixar cair uma lágrima nem mesmo se tentasse.

A maioria dos psicólogos é capaz de diagnosticar e tratar


seus pacientes porque eles se importam. Eles têm essa fonte
de empatia de onde puxam para dar de si e ajudar aqueles que
o mundo, de outra forma, evitaria.

Eu não posso relacionar.

Não tenho empatia com meus pacientes, tenho pena


deles.

Grayson e eu compartilhamos uma conexão... estamos


unidos por alguma força sombria... e ainda assim sei que
somos diferentes. Eu sou melhor que ele. Sou melhor porque
sou mais forte e mereço ser aquela que segue e continua a
ajudar as pessoas. E para que isso aconteça, ele deve ser o
único a falhar.

Então, sim, eu queria sua morte. Mas não assim. Eu


queria que o sistema judiciário o matasse. Eu queria ser
justificada e livre de culpa. Odeio sentir essa pontada vazia no
peito e quero que pare.

— Dra. Noble.

Meus olhos se abrem. O médico do pronto-socorro está


diante de mim. — Sim?

— Posso falar com você por um momento? — ele


pergunta.
Pego minha bolsa. — Claro, Dr. Roseland.

O arquivo médico de Grayson ainda não foi transferido.


Se a equipe tivesse perdido tempo com testes, não tenho
certeza se Grayson estaria vivo. Eu joguei meu título elevado
ao redor para ter certeza de que o Dr. Roseland sabia o que
testar imediatamente.

Sou levada para a ala de emergência onde Grayson está


sendo monitorado. — Não se preocupe. Eu consegui permissão
para você. — O médico olha na minha direção. — Um médico
deve ser capaz de ver seu paciente.

— Obrigada.

— Ele está acordado, — diz ele. — Tenho certeza de que,


depois de liberá-lo para interrogatório, você não terá outra
chance de falar com ele. Ele está pedindo para ver você desde
que acordou.

Minha testa franze. — Dr. Roseland, você está se


arriscando muito ao me permitir o acesso. Não acho que o
detetive Foster vai apreciar seus esforços.

Ele acena com a mão com desdém. — Foster é um cabeça


dura. Deixa que eu cuido dele.

Eu ofereço a ele um sorriso. Parece que o médico do


pronto-socorro mantém relações regulares com o detetive. —
Bem, eu agradeço isso. Sullivan é um... paciente singular.
Ele concorda. — Eu percebi isso. Suas varreduras
cerebrais foram impressionantes. É uma pena que alguém com
tanto potencial recorreu a... Bem, é uma pena.

Abaixo minha cabeça enquanto passamos pelos dois


policiais que guardam o corredor. — Nós sabemos como ele
recebeu o antibiótico? — Eu pergunto.

Assim que chegamos à sala de emergência, ele para na


porta e olha para mim. — Sim. Ele administrou a droga a si
mesmo.

Meu coração bate com força contra meu peito. O duplo


bah-dah-bump rouba o ar dos meus pulmões e sou capaz de
respirar com antisséptico antes que a porta do quarto se abra.

Um oficial fica de guarda do lado de fora da porta, outro


dentro da sala ancorado perto de Grayson. Seus tornozelos
estão algemados na maca. Um par de algemas prende seu
braço esquerdo à grade da cama.

Ele está acordado. E me olhando com olhos turvos


enquanto eu entro.

— Quão medicado ele está? — Eu pergunto ao Dr.


Roseland.

O médico está parado na porta. — Muito, — ele diz. —


Mais alguns minutos e o Sr. Sullivan poderia não ter
sobrevivido. O EMT18 disse que você realizou os primeiros

18Estimulação Magnética Transcraniana (EMT) é uma técnica de neuromodulação usada para


modular a atividade cerebral.
socorros até que eles pudessem transportá-lo. — Ele me dá um
sorriso tenso. — Ele tem que agradecer a você por sua vida.

Meus olhos se fecham brevemente. A pontada oca penetra


mais profundamente.

— Vou te dar um momento, — diz o médico enquanto


fecha a porta.

Dou um passo à frente e o oficial estende a mão. — Você


tem que ficar a um metro e meio de distância dele o tempo
todo.

Larguei minha bolsa, dando a mim mesma algo para fazer


além de olhar para o homem que traí.

— Obrigado, — Grayson diz, — por salvar minha vida,


doutora.

Respiro fundo e o encaro. — Você tentou tirar sua própria


vida?

— Isso te machucou?

— O quê?

— Salvar minha vida machucou você? — Ele acena para


mim. — Você voltou. E está mancando.

Nem tinha percebido que estava com dor. — Não, — eu


respondo. — Eu não estou ferida. Agora me diga a verdade.
Você fez...?
— Não, eu não tentei tirar minha própria vida. — Seu
sotaque fica mais forte com o sedativo.

Levanto meu queixo. — O médico do pronto-socorro disse


que você se administrou com mais de mil miligramas de
penicilina. Pode-se considerar isso uma tentativa de suicídio.
Especialmente quando está bem ciente de que metade dessa
dosagem é suficiente para matá-lo.

Ele pisca os olhos sonolentos e encolhe os ombros contra


o apoio de travesseiros. — Talvez eu tenha feito isso só para te
ver mais uma vez.

Eu pressiono meus lábios. — Corta essa merda, Grayson.


Você queria ser o único a acabar com sua vida. Entendo esse
raciocínio. Se você fosse morrer, seria em seus próprios
termos. — Não é o meu. — Estou correta? — Eu me aproximo.

— Desculpe, doutora. Com isso, não poderia estar mais


errada.

Acontece rápido. O guarda estende a mão para me deter.


A mão livre de Grayson agarra o pulso do guarda e o puxa para
cima da maca. Ele acerta o protetor na nuca com o cotovelo. A
arma aparece na comoção.

Grayson está com a arma apontada para a têmpora do


oficial. — Solte-me, — ele exige. Mas não está olhando o
guarda. Ele está olhando para mim.

— Não.
Seu olhar endurece. — Em cinco segundos, vou puxar o
gatilho. Você quer mais uma vida em sua consciência?

Eu molhei meus lábios. Grayson nunca matou uma


pessoa diretamente. Que eu saiba. Meu instinto grita que ele
não vai fazer isso agora – que vai contra suas compulsões, suas
crenças..., mas nunca esteve em uma posição como esta antes.

Eu tirei a vida dele e ele vai se certificar de que terá a


minha antes que acabe.

Escolho salvar o homem.

Tiro as chaves do cinto do oficial e começo a soltar os


tornozelos de Grayson da maca. — Deixe-o ir.

Grayson espera até que eu liberte seu pulso, então


cuidadosamente se levanta, manobrando o guarda com ele. O
guarda lança ameaças, tentando alertar o policial fora da sala
sobre o condenado com a arma. Grayson o acerta na nuca. O
policial não cai com o primeiro golpe, ou o segundo, e eu tenho
que desviar o olhar enquanto Grayson o espanca até que ele
finalmente cai no chão.

— Você é um animal, — eu digo.

Um sorriso aparece no canto de sua boca. — É preciso


um para reconhecer o outro, baby.

A porta da sala de emergência se abre.

Eu me viro e puxo contra o peito de Grayson. Sinto a


pressão do aço sob meu queixo. Estou tremendo, mas a arma
força minha cabeça erguida e me recuso a deixar o medo
transparecer em meu rosto.

— Largue a arma! — o oficial grita.

Grayson não obedece. Ele cava o cano mais fundo, me


segurando no lugar. — Duvido que tenha mais a perder do que
você, então não seja um herói por um salário mínimo, oficial.
Vou matar essa mulher aqui, então vou disparar até que o
pente esteja vazio, matando o máximo de pessoas possível
antes de cair. — O policial aponta para Grayson. — Agora,
feche a porta e abaixe sua arma.

Depois de um tenso impasse, o policial fecha a porta da


sala. Ele mantém sua arma apontada para Grayson e eu por
mais alguns segundos, então a coloca no chão.

— Deslize, — Grayson ordena.

O policial o faz com relutância. — O reforço estará aqui


em breve, — ele tenta me assegurar.

Grayson cutuca minhas costas. — Tire do policial, — diz


ele. — Calça e camisa. Agora.

Eu mordo meu lábio enquanto me abaixo em direção ao


homem inconsciente, então lentamente tiro seus sapatos. Meu
olhar vai para a arma no chão, mas Grayson a confisca
primeiro. Ele usa as algemas do oficial para prendê-lo na grade
da cama antes que o acerte na cabeça com a arma.
Eu amaldiçoo, sabendo que é agora-agora. Tenho que
escapar. Ele está completamente desequilibrado.

Resmungo enquanto puxo as calças pelas pernas do


homem. — Se você me matar, nunca terá sua vingança de
verdade. Não pode destruir uma pessoa morta.

Grayson agarra minha nuca e me puxa para cima, me


trazendo para perto. — Eu gostaria que você tivesse falado tão
sujo durante nossas sessões.

A raiva atinge meu sangue, alimentando uma onda de


adrenalina. Tento dar uma joelhada nele, mas ele está lá para
bloquear minha tentativa. Ele geme e agarra meu cabelo com
mais força. Vejo uma seringa na bandeja e pulo para pegá-la,
ignorando a dor que me custa escapar de seu alcance. Ouço o
rompimento do meu cabelo ceder.

Tenho a agulha em mãos trêmulas, apontada para o


pescoço dele. — Vou rasgar sua jugular antes de você apertar
o gatilho, juro por Deus.

Ele me observa atentamente, seus dentes capturam seu


lábio para conter um sorriso. — E eu sei o quão boa você é
nisso. Estou ansioso para mais tarde, — ele diz, então sua mão
cobre a minha, forçando meu braço para trás até que eu solte
a agulha. — Mas agora, eu só quero que você relaxe.

Estou respirando com dificuldade. — Faça rápido.

— Tudo bem. — Ele agarra meu rosto e me encosta na


parede. Meu coração salta na minha garganta enquanto seu
olhar escurece. Então sua boca se fecha sobre a minha, o beijo
roubando o que resta da minha respiração. Ele se afasta com
um brilho nos olhos. — Mas eu não vou tirar sua vida.

— O que diabos você quer, então?

Termino de tirar as roupas do oficial às pressas. Ele


desliza sobre a calça e o cinto do uniforme, em seguida, tira a
bata do hospital antes de colocar uma camiseta branca pela
cabeça. Eu vejo a tatuagem em suas costas e praguejo. Eu
recuo em direção à porta, mas ele percebe minha retirada.

Eu paro.

— Você acha que eu quero te matar por causa do que você


fez comigo, — ele diz enquanto agarra o rádio do policial e o
prende em seu cinto. — Mas isso é apenas sua culpa. Você se
treinou para sentir a fim de se encaixar. — Ele cospe a palavra
para mim. — Deixe isso ir. Isso atrapalha seu caminho. Eu
teria feito o mesmo com você.

Ele pega minha bolsa e meu telefone. E o larga no chão e


pisa nele, em seguida, coloca minha bolsa sobre meu ombro.
— Você precisa de seus óculos para ver?

Eu apertei os olhos. — Eu tenho um astigmatismo. Então,


sim... e não.

Ele remove meus óculos e os coloca na minha bolsa.


Então vira minhas costas para seu peito e pressiona o cano da
arma na minha cabeça.
— Porra. Grayson, o que diabos você quer de mim?

— Seja uma boa refém e abra a porta.

Através da adrenalina, faço a conexão. Ele desliza junto


como uma peça de quebra-cabeça encaixando no lugar. E eu
sou a peça do quebra-cabeça que ele moldou para garantir sua
liberdade.

— Você me usou, — eu acuso.

— Honestamente, usamos um ao outro.

E abro a porta.
Grayson

Trinta e dois degraus para o elevador de serviço. Em uma


planta baixa, essa distância parece curta e fácil. Na vida real,
com um refém e enfermeiras gritando e policiais apontando
armas para sua cabeça, cada passo pode muito bem ser um
quilômetro.

— Nenhum de nós vai conseguir sair dessa com vida, —


diz London. — Eles vão atirar em mim para chegar até você,
Grayson. Você é um serial killer condenado duas vezes. Não
vai sair deste hospital.

Eu respiro seu perfume. A doce nota de lilás aumenta


minha coragem e me liberta do sedativo, fazendo com que
minha adrenalina bombeie com mais força. — Eles não estão
atirando em uma médica renomada. O Estado não quer esse
processo.
Sua risada é vazia. — Então você me usou. Esse era o
plano. De alguma forma, percebeu que me trazer aqui seria
sua melhor chance de escapar.

Eu a puxo para mais perto e nós avançamos mais um


passo para trás. — Esta é uma conversa para mais tarde.

— Sullivan. — O detetive Foster aponta sua arma para


cima. — Estou baixando minha arma. — Ele levanta uma das
mãos e se inclina para colocar a peça no chão. Então ordena
que o outro oficial faça o mesmo. — Não estamos fazendo isso
aqui, ou em qualquer outro lugar. Se você liberar o Dra. Noble,
todos nós esqueceremos que isso aconteceu. Não é como se
você pudesse ser processado mais pesadamente do que já foi.

Eu sorrio. — Esse não é um argumento muito bom,


detetive.

Sua testa franze quando ele percebe meu ponto. — Mas


você realmente não quer machucar sua médica, quer? Ela tem
sido a única do seu lado.

Dou mais dois passos em direção ao elevador. —


Novamente, não é um bom argumento. Ela me deu de comida
aos lobos. Ou você perdeu seu testemunho fascinante?

— Sullivan, não – não dê mais um passo..., — ele avisa.

Ouço o tom elevado em sua voz; ele sabe que perdeu esta
rodada. Puxo London em direção à parede, usando-a para
proteger a nossa direita para que eu possa me concentrar nos
policiais à nossa esquerda no corredor adjacente enquanto
avançamos em direção à soleira do elevador.

— Aperte o botão, — digo a ela. Ela o faz, e quando as


portas se abrem, eu a empurro para dentro. — Vejo você lá
embaixo, — digo a Foster antes que as portas se fechem.

Aperto o botão do saguão e conto os segundos. Em dez,


aperto o botão Pare. O elevador para.

— O que você está fazendo?

— Confie em mim, — eu digo, e oh, a bela aparência de


puro ódio no rosto de London aquece meu sangue. Ela é de
tirar o fôlego quando está lívida.

— Não somos uma equipe, — ela resmunga. — Eu


diagnostiquei você como delirante em tribunal aberto. Deus,
eu estava certa.

— Eu sei. Foi brilhante, aliás. — Coloco a arma nas


minhas costas e levanto uma parte do teto do elevador,
deslizando-a para trás. — Você deveria se sentir orgulhosa
disso – do jeito que insensivelmente levou o júri a matar sem
remorso. Eles têm que agradecer a você por não perder o sono
por causa disso. Demorou menos de duas horas para me
condenar.

Eu subo e me iço pelo teto.

— Eu não...
— Você fez. Pode parar de mentir. — Eu olho para ela. —
Dê-me seu barbante. — Estendo minha mão. Suas
sobrancelhas se juntam em confusão. — Agora, London. Dê-
me o maldito barbante no seu bolso.

Ela amaldiçoa e desenterra o fio preto.

— Tudo, — eu exijo. — Eu sei que você guarda mais.

Ela entrega o rolo de barbante. Desvencilho e entrego a


ela uma das pontas. — Amarre isso ao redor do botão
vermelho.

Ela faz. — Você disse que não quer me machucar. Está


me deixando ir?

Eu mostro a ela a arma. — Não gaste esse seu cérebro


afiado ainda. Me dê sua mão.

Eu a puxo para o topo do elevador, e estamos a segundos


de descobrir se esse plano vai funcionar. Eu a guio em direção
à escada na lateral do poço e, em seguida, fecho-me em torno
dela.

E puxo o fio.

O elevador sacode e impulsiona para baixo, continuando


sua jornada até o saguão. — Escale, — eu ordeno.

Chegamos ao telhado do hospital. Assim que tiro London


do poço, descarto a arma. Ela olha ansiosamente para onde
escondi a arma atrás de uma claraboia.
— Nunca gostei delas, — digo. — Nenhuma arte em atirar
em alguém.

Seus pés se movem para trás. — Estou saindo agora,


Grayson.

Olho para o céu escuro. — Que horas são? — Quando ela


não responde, agarro seu braço e arranco o relógio de mil
dólares que ela usa. Ligo o rádio, avaliando o quão perto a
busca está de nós. — Você tem menos de um minuto para fazer
sua escolha, — digo a ela. — Em dez minutos, eles terão o
centro da cidade protegido e bloqueado. Então, temos vinte
minutos para sair do Estado. Então você tem um desses
minutos. Decida.

Ela passa as mãos pelos cabelos. — Você está me dando


uma escolha?

— Dou a todos uma escolha. Você tem feito escolhas


desde o primeiro dia em que nos conhecemos. — Ofereço a ela
minha mão. — Pode voltar, tentar se inserir de volta em sua
vida de mentiras ou pode vir comigo e descobrir até onde vai a
toca do coelho para obter suas respostas.

Ela balança a cabeça. — Eu não posso.

Respiro com dificuldade. — Você pode. Você pode fazer o


que quiser e eu prometo que vou deixar você ir.

Ela solta uma risada maníaca. — Isso é loucura “pra”


caralho. Você é louco!
— Essa é a sua opinião profissional, doutora?

Com o olhar fixo no horizonte, ela balança a cabeça. —


Não vou a lugar nenhum com você.

— Mesmo que isso signifique descobrir a verdade? — Eu


digo, e seu olhar me acerta. — A certeza absoluta de descobrir
tudo o que seu pai escondeu de você?

Está lá em seus olhos pensativos, a saudade, o desejo de


desmascarar aquilo que a apavora. A curiosidade por si só não
é suficiente – para uma narcisista como London, essa é a
promessa de sua história. Ela. Ela. Ela. Isso alimenta sua
vaidade.

Ela segura a bolsa no pescoço. — Eles vão matá-lo. E eu


juro por Deus, Grayson... estarei lá para assistir.

Ela pega minha mão.

Fecho meus dedos em torno de sua palma, sentindo a


cicatriz chanfrada. — Eu espero que você esteja.

Mas não antes de terminarmos.

Eu a puxo atrás de mim enquanto saio em direção à


borda do edifício. Sua dor vai nos atrasar. Já pensei nisso, em
como nos tirar do centro da cidade o mais rápido, com o
mínimo de esforço.

O som das hélices do helicóptero cortando o ar paira


perto.
Eu a deixei descer pela saída de incêndio primeiro. — Não
olhe para o chão, — instruo. Ela amaldiçoa todo o caminho
descendo a lateral do prédio, mas consegue.

As sirenes da polícia ricocheteiam no cimento e nos


tijolos, o hospital quase fechado. Eu agarro seu braço e a levo
para o mato espesso de árvores e arbustos onde paramos antes
da rodovia.

— Temos um minuto para chegar à ponte antes que os


cães encontrem nosso rastro. — Eu olho para baixo em ambas
as pistas, medindo o tráfego. A escuridão nos dará alguma
cobertura, mas não por muito tempo.

— Por que você está fazendo isso…? — ela pergunta em


voz alta, mas não é intencionalmente dirigida a mim.

Eu seguro seu rosto. — Você sabe por que – você sabe por
que está aqui. Para exigir as respostas que ele escondeu de
você.

Uma lágrima escapa e ela pisca para afastar a umidade.


Ela não está chorando; sua adrenalina está alta. Ótimo. Isso
ajudará a esquecer sua dor.

— Estamos indo embora, London. Agora.

A corrida até a ponte é nosso maior desafio. Deixamos os


sons da busca para trás enquanto cruzamos a rodovia. Carros
param no meio da rua, buzinas soam. Faltam trinta segundos.
Acelero o passo quando estamos no meio. Seus suspiros
de dor picam meus ouvidos. Eu sinto sua dor por ela, e eu
aguentaria se pudesse. O destino está à vista. Mais cinco
segundos e estamos lá. — Pare.

Ela se dobra para recuperar o fôlego. — Estamos abertos!

Eu olho para o lado da ponte. — Estamos caindo.

Seus olhos se arregalam e ela balança a cabeça. — Não.


Eu não estou morrendo por você...

Eu a agarro pela cintura e a puxo de volta contra mim.


Ela chuta e luta enquanto eu relaxo contra a grade de cimento.
— Você já fez sua escolha.

Eu a levo comigo até a borda.

A água do riacho nos atinge com um banho gelado. Uma


pedra rasga meu ombro. Eu mirei na parte mais profunda do
Brandywine19, mas ainda é uma piscina rasa.

— Oh, meu Deus! — Ela gagueja e enxuga o rosto. — Eu


te odeio.

Eu círculo meus braços em volta dela e a puxo para perto.


— Você age como se nunca tivesse nadado em um riacho,
garota do interior.

Seus punhos bateram em meus braços, espirrando água.


— Isso é loucura...

19 Um riacho do sudeste da Pensilvânia e do norte de Delaware


Eu a viro em minha direção, segurando seu rosto em
minhas mãos para que eu possa olhar em seus olhos
castanhos. — Isso é muito mais do que uma loucura. Isso é o
que a obsessão faz a uma pessoa. — Engulo em seco. —
Acredite em mim, eu tentei de todas as maneiras tirar você da
minha cabeça... eu não posso. Estou apenas tentando
entender o absurdo. Estamos conectados e pertencemos um
ao outro. Já sou um homem morto. Então, se eu morrer em
busca do inatingível... essa é uma morte que posso honrar.

Ela pisca através das gotas de água, seu olhar passando


rapidamente sobre minhas feições. — Você está fazendo isso
porque acredita que pode o quê...? Amar? — Ela balança a
cabeça contra o meu aperto. — Jesus, Grayson. Isso é insano.
E impossível. Você está confuso e doente.

— Então ficaremos doentes juntos.

Eu empurro o chão do riacho para ficar de pé, trazendo


London comigo. — Fique na margem. Siga pela água. Os cães
não podem nos farejar na água.

Ela está se controlando, mas posso sentir sua letargia.


Ela está desaparecendo rápido. Assim que a adrenalina
passar, ficará em agonia demais para continuar. Eu só tenho
que nos tirar do centro da cidade. Então posso assumir o lugar
dela.

Sorrio para mim mesmo. A criação é uma coisa estranha.


Meu objetivo ao longo do ano passado nem sempre foi
claro. Quanto mais pesquisei e aprendi sobre London, mais
meu objetivo se modificou. Mas houve um remanescente que
se manteve sempre o mesmo.

Ela.

Ela é a resposta ao meu propósito.

Com o corredor da morte como minha única certeza para


o futuro, uma curta pena perpétua de penitência não é mais
uma opção. Paguei minhas dívidas para com este mundo, um
mundo que me roubou cedo, que me transformou num
assassino e agora quer me punir por isso. Não devo nada a ele.

Mas por ela...eu posso ser mais. Eu posso ser inteiro. A


completude que representamos juntos é uma satisfação para
as compulsões que me consumiram durante meses. Exigindo
ser alcançado.

Ela é minha salvação. E eu sou sua tão esperada


consequência.
London

Caminhar por um riacho lamacento com um assassino


condenado em fuga não é como eu imaginava que minha vida
acabaria. E vai acabar. Muito mal. Não há outro resultado
lógico para esta insanidade. O detetive Foster já deve ter me
escrito como cúmplice de Grayson, e quando ele localizar a
arma que Grayson descartou, ele deduzirá que eu o ajudei a
escapar voluntariamente.

Serei processada como cúmplice e facilitadora, se eu não


acabar morta.

Ainda estou tentando processar o que exatamente estalou


dentro de mim no momento em que coloquei minha mão na
dele.

Sei que ele é um assassino. Sei que ele é um psicopata.


Sei que quando sua ilusão for provada errada, ele se tornará
ainda mais perturbado, e eu muito provavelmente me tornarei
sua próxima vítima.
E, no entanto, por um único momento, todos os avisos
foram deixados de lado, e eu queria a clareza que ele dominou.
O poder de ser livre sem vergonha. Em retrospecto, essa
clareza é um provável efeito colateral de distanciamento de sua
incapacidade de processar emoções... e ele não tem mais nada
para contê-la.

E vou para o inferno por invejá-lo.

Não é por juramento de um médico que estou aqui com


meu paciente; não estou aqui para salvá-lo. Não inventei
completamente a verdade no banco das testemunhas quando
condenei qualquer probabilidade de que ele pudesse ser
reabilitado. Ele é disfuncional no nível mais perigoso.

Estou aqui por um motivo simples: eu. Sou egoísta.

A atração que senti por Grayson durante nossa primeira


sessão persuadiu todas as escolhas que fiz desde então. Ele
não está errado sobre isso. Estou amarrada com tanta força a
ele que posso senti-lo em minhas veias. Ele é veneno em meu
sangue. Estou bêbada dele.

Estou presa na minha própria ilusão de acreditar que


posso ressuscitar meu passado e encontrar alguma resposta
para me libertar do legado de meu pai... e oficialmente perdi a
cabeça.

— Não posso fazer isso, — eu digo, meus pés se


arrastando. Meus saltos se foram. — Eu não posso continuar.
Não tenho certeza se estou falando sobre meu estado
emocional ou o inferno ardente de dor consumindo meu corpo.
Ambos têm o mesmo peso no momento, e eu caio de joelhos.

Grayson se ajoelha ao meu lado e puxa minha bolsa de


ombro sobre minha cabeça. — Você tem remédios aqui?

Eu concordo. — Mas eles não vão ajudar. Já está muito


adiantada. — A única coisa para ajudar a aliviar a dor neste
momento seria me deixar inconsciente. Seria um bom
desligamento dessa realidade também.

Percebo o sangue manchando sua camisa encharcada


enquanto ele vasculha minha bolsa até encontrar analgésicos.
Ele pega dois e os entrega para mim, forçando minha boca a
abrir. — Mastigue-os, — ele ordena.

Não estou ciente o suficiente para discutir. Eu quebro


cada comprimido ao meio com os dentes e engulo os pedaços
amargos até que os comprimidos se dissolvam. — Você está
ferido.

Ele não reconhece a ferida em seu ombro. Em vez disso,


Grayson me pega em seus braços, me carregando contra seu
peito como um herói.

Uma risada simulada cai para fora. — A maioria das


mulheres acaba com homens como seus pais. Eu costumava
julgá-las com bastante severidade. Acho que não sou diferente.

Ele não comenta enquanto atravessa o riacho raso.


— Você tem alguma ideia de para onde está indo? — Eu
exijo.

— Sim, — ele finalmente diz. — Lá.

Inclino meu pescoço para ver um complexo de compras


próximo ao riacho. As lojas são reformadas, casas de várias
cores. — Não acho que teremos o melhor atendimento ao
cliente. Tenho certeza de que nossos rostos estão estampados
em todos os noticiários agora.

— Não estamos fazendo compras. — Ele sobe a margem


e me coloca no chão. — Fique aqui.

Como se eu tivesse escolha. O fogo líquido envolve todos


os músculos. A náusea se instalou.

Corra. O pensamento assalta minha cabeça, e estou a


segundos de falar comigo mesma quando ouço o motor de um
carro girando. Ele está roubando um carro. Claro que ele está.
É a única maneira de sairmos do Estado em seu prazo
estimado.

Fecho meus olhos e conto até dez.

Eu bloqueio a dor e meu desejo por Grayson, e tento


apenas pensar nas consequências. Quando não estivermos
mais fugindo, o que acontecerá? Se eu não posso me afastar
dele em um telhado com o mundo pronta para nos destruir,
como serei forte o suficiente para negar a ele... qualquer coisa?
Em todo relacionamento disfuncional, geralmente há um
parceiro codependente. Tenho que decidir agora quem está no
controle: eu ou ele.

— Vamos.

Os braços fortes de Grayson me cercam, então sou


novamente levada em uma direção que só ele conhece. A porta
do carro de um Ford Taurus desatualizado está entreaberta, o
motor funcionando. Ele me coloca no banco do passageiro e
afivela o cinto.

O ar frio da noite nos cobre com escuridão suficiente para


cobrir nossa fuga, e eu me entrego ao esparso conforto disso.
Estamos sozinhos. Estou cansada de lutar contra o inevitável.

Eu fecho meus olhos.

Uma intensa pontada de dor me desperta.

Tento alcançar minhas costas, mas meu braço não se


move. O formigamento morde minha mão e eu gemo. Abro os
olhos para ver meus pulsos algemados na maçaneta da porta.
O pânico estilhaça minha cabeça enquanto eu puxo a
restrição.
Temo que tenhamos sido pegos, até que percebo que
Grayson está dirigindo. À medida que o torpor passa, faço um
balanço do que me rodeia. É noite. Faróis iluminam o para-
brisa sujo.

— Por que estou algemada? Onde você as conseguiu?

Ele mantém o olhar à frente. — Estamos quase lá. E as


algemas vieram com meu novo traje. — Ele ainda está vestido
com o uniforme de policial.

Eu me viro no assento para encará-lo. — Não foi isso que


perguntei. Por que estou algemada, e onde é lá?

Ele alcança o console e pega uma garrafa de água. —


Beba isso.

Com um suspiro de frustração, puxo as algemas até meu


pulso sangrar.

— Terminou? — ele pergunta.

— Foda-se! — Mas de repente a sede aperta minha


garganta. Eu inclino a garrafa com minha boca e bebo. Quando
me afasto, ele coloca a água no porta-copos. — Você disse que
me libertaria a qualquer momento.

— Eu nunca disse isso. — Ele me dá uma olhada. — Eu


disse que iria libertar você. E irei. Mas temos um longo
caminho a percorrer primeiro.

— Eu não sou uma refém, Grayson.


— Não, você não é uma refém. Você é uma vítima hostil
de sua própria prisão. Assim que estiver livre disso, poderá ir.
Mas não antes de você passar no teste.

A maneira como ele diz teste faz meu sangue gelar. — Eu


não vou fugir. Eu fiz a escolha de estar aqui.

— Você tentará fugir, independentemente de sua escolha.


Todo mundo foge de sua verdade. Não posso deixar isso
acontecer.

Eu me recosto no assento. Avalio meu estado e situação.


Minha pele está pegajosa e coça do suor seco. Estou descalça,
minhas pernas e pés cobertos de lama empoeirada. Minha dor
está presente, mas não insuportável. Estamos em um carro
roubado.

Para todos os efeitos, pareço e estou me comportando


como uma prisioneira.

Sou uma psicóloga que precisa agir como tal e raciocinar


com o paciente.

— Como você conseguiu o carro? — Eu pergunto.

— Lugar certo, hora certa, — diz ele evasivamente. Ao


meu olhar impaciente, continua. — Os modelos mais novos são
projetados para evitar roubos. Só precisava encontrar o modelo
certo para fazer ligação direta.
Por tudo que aprendi sobre sua psique, percebo que não
sei nada sobre o homem. — É uma coisa que você aprendeu
na infância? Seu padrasto?

Ele sorri. — Nem todo espaço confinado pertence a você,


London. Você pode parar de tentar me diminuir. Nunca esteve
no controle.

O calor sobe ao meu rosto. A raiva aguda de que ele possa


estar certo me irrita. — Há quanto tempo você está tramando
isso?

Ele segura o volante com as duas mãos. — No começo,


aceitei meu destino. Acho que você se refere a ele como o
período do arrefecimento. Mas depois você pediu uma
consulta.

— Então é minha culpa por que estamos aqui?

— Não, — ele diz, sua voz baixa e comedida. — Não há


culpa. É como culpar o céu por ser azul. A cor não existe; é um
fenômeno formado por camadas de ozônio e oxigênio. Somos
apenas camadas de moléculas, nossos cérebros programados
para formar nossa personalidade, nossa identidade. Está
predestinado. Nenhuma quantidade de incentivo ou abuso
poderia mudar qualquer um de nós.

— Isso não é verdade, Grayson. Esse é um debate


demorado que vem sendo discutido há décadas. Essa é a sua
opinião.
— É mesmo? — Ele olha para mim. — Quantos anos e
quantos sujeitos você já tentou reabilitar?

Eu mantenho seu olhar, incapaz de responder.

— Você me escolheu naquele dia na sala de espera não


porque acreditasse que talvez, apenas talvez, eu fosse a
resposta à sua pergunta sobre se isso era possível. Você me
escolheu porque eu fui sua prova de que não é.

Balancei minha cabeça. — Não.

— Sim, London. Eu não poderia ter planejado todos os


detalhes disso sem a sua ajuda. Eu sou bom. Muito bom e sim,
inteligente – mas esta foi uma estratégia complexa durante um
longo período de tempo que precisou de todas as peças certas
para se encaixar no lugar. Você nos capacitou.

Em algum nível, essa é uma probabilidade provável.


Como um mestre da manipulação, Grayson descobriu minhas
fraquezas e as usou para alcançar o resultado desejado. E eu
sou a psicóloga vaidosa que tentou controlar um
relacionamento volátil com meu paciente.

Eu falhei.

— Não era isso que eu queria.

— É o que você queria, — diz ele. — Você tem gritado no


vazio, exigindo sua resposta, e o vazio ouviu você. Isso é
predestinado.
— Você é absolutamente, fodidamente psicótico, — eu
digo.

Saímos da rodovia. Depois de alguns quilômetros, o carro


bate em uma estrada de terra e minha ansiedade aumenta.
Tento me libertar das algemas de novo, mas logo estamos
entrando em uma calçada escura.

Ele coloca o carro no estacionamento. — Chegamos. —


Ele olha para mim então.

Abaixo minha cabeça para ver além do visor. Um cenário


arborizado nos envolve. E no meio das árvores densas, uma
grande casa de estilo contemporâneo enfeita o horizonte
noturno.

Se ele me trouxe para uma casa, ninguém sabe que ela


existe. A maioria dos meus pacientes tinham localizações
furtivas. Segundas casas. Trailers. Unidades de
armazenamento. Era o local de morte deles. Seu lugar secreto
para levar suas vítimas.

O pânico congela minhas veias. Pânico real. À medida que


a realidade da minha situação se instala.

Grayson me levou para seu local de matança.

O que eu fiz.

Minha respiração acelera quando ele enfia a mão no bolso


e tira um molho de chaves. — Lembre-se durante a nossa
sessão quando eu disse o quanto eu gosto de um quebra-
cabeças. Há algo de gratificante em encaixar as peças. Eu as
juntei minha vida inteira, em busca de uma que acabasse com
meu sofrimento. Você era um enigma, London. E uma vez que
o quebra-cabeça se apresentou, eu não pude deixar de juntar
as peças. Você criou uma variável desconhecida na minha vida
que eu tive que decifrar. Você era a chave.

— A chave para quê?

Ele não responde. Em vez disso, se aproxima para


destravar as algemas.

— A chave para o quê, Grayson? Deus, você sabe o quão


louco isso parece? Eu nunca teria diagnosticado você como
delirante, mas está me fazendo questionar minha integridade
como psicóloga.

Ele mantém meus pulsos unidos. Minha pele pica, a


pressão que ele exerce sobre os meus braços é pulsante. A
distância entre nós é tão grande, o rosto dele tão próximo ao
meu que eu prendo minha respiração.

— Você esquece que eu provei você, — ele diz, suas


palavras um sussurro quente contra meus lábios. — Estive
dentro de você. Senti seu desespero e sua carência. A dor que
você carrega não é física. Está agonizando pela punição que
nunca recebeu, mas sabe que merece.

Eu pisco com força. Meu coração se aperta no meu peito.


— Eu quero ir. Agora. Agora, Grayson. Me deixar ir.
Ele descansa a palma da mão na minha bochecha. —
Deus, você é linda.

Então seus lábios provam os meus. Lento e hesitante no


início, ele me beija profundamente, e eu acolho isso. Nossos
movimentos tornam-se frenéticos quando coloco todas as
emoções no beijo, implorando a ele. Quando se afasta, eu digo
novamente: — Por favor, me solte.

Ele lambe os lábios enquanto seu olhar passa pelo meu


rosto. — Não está acontecendo, doutora. Você tem sido uma
garota muito, muito má.

Ele me puxa pelo console. Meus pés descalços chutam a


porta enquanto luto contra ele. Meus gritos rasgam a noite.

Enquanto ele me puxa para fora do carro, o único som


são meus apelos frenéticos estalando contra os pinheiros.
Grayson

É o medo do desconhecido que assola a maioria de nós.


Mesmo London, com seu conhecimento e habilidades para
desafiar a mente, é afligida pelo terror de não saber o que a
espera do outro lado. Seu corpo treme em meus braços. Sua
adrenalina dispara através de seu sistema. Meu toque, um ato
malicioso em vez de um conforto para ela.

Eu corro meu dedo por seu cabelo, tentando acalmá-la.


Ela precisa ficar calma para a próxima parte.

O cheiro de terra da floresta se mistura com seu leve


cheiro de lilás, e parece certo. Como se pertencesse aqui. Como
se ela estivesse em casa. — Tenho que acorrentá-la agora, —
digo a ela.

Ela tenta lutar, mas seus músculos estão cansados. O


corpo dela sofreu privações e esgotamentos. Este poderia ser o
seu ponto de ruptura, se ela o permitisse.
Ela relaxa contra mim. — Grayson, por favor. Eu só quero
entrar. Estou desidratada e com fome, suja. Eu sei que não é
isso que você quer fazer. Você pode lutar contra a compulsão.
Não quer me machucar.

Eu pressiono meus lábios no topo de sua cabeça. — Não


se trata apenas de sua punição. — Também é minha. — Por
que você acha que a única pessoa por quem desenvolvo esses
sentimentos impossíveis é uma sociopata narcisista?

— Por favor, — ela sussurra.

Balanço minha cabeça enquanto a levanto do meu peito.


— Nós dois temos algumas coisas para descobrir, London. Só
há uma maneira de fazer isso.

Seus pulsos estão sujos e machucados. Círculos


vermelho-escuros de sangue seco marcam sua pele sob as
correntes. Eu a arrasto em direção a um pinheiro fino e amarro
a corrente ao redor do tronco. Seus gemidos estão começando
a me agitar.

— Você não é uma vítima fraca e infeliz. Sabe por que está
aqui.

Ela solta um grito. É um grito de frustração, não de medo.


Afasta a franja emaranhada da testa com o ombro. — Quando
eu ficar livre... — ela para a ameaça evidente em seu tom
insensível.

Eu pego a pá e a encaro. — Estarei esperando por você.


— Empurro a pá na terra. — Não tenho tudo que eu queria
aqui, — eu digo a ela enquanto jogo terra na pilha. — Tive que
fazer a maioria das coisas mentalmente. Algumas exceções
tiveram que ser feitas. Mas eu construí este belo modelo
tridimensional para você. Seu próprio quebra-cabeça. Sua
própria armadilha, London. — Eu olho para ela. Ela está
tremendo contra a casca, joelhos puxados para o peito. — Mal
posso esperar para você experimentar isso.

— Você não pode continuar com isso, — diz ela. — Está


fazendo desordenadamente. Não há câmera. Eu sei quem você
é. Onde está o medo, Grayson? Onde estão as fotos das minhas
vítimas? — Sua voz aumenta de raiva. — Não há nenhuma.
Você não pode continuar com isso porque desafia suas crenças
e sistema.

Eu paro para olhar para o céu noturno. — Como eu disse,


algumas exceções tiveram que ser feitas. — Lanço a pá
novamente, amando a sensação da madeira estilhaçando
contra minhas palmas. — Você tem uma longa trilha de
vítimas, London. Deixarei você relembrar seus rostos por conta
própria.

— Seu filho da puta sádico, não há vítimas!

Quando o buraco termina, o sol está começando a


aparecer por entre as árvores. Os grilos ficaram quietos. A
floresta está parada e perfumada com a nota nítida da manhã.
Jogo a pá no chão e arrasto a caixa de madeira para a terra
recém cavada. O contêiner de envio terá que servir. Não é um
caixão por si só, mas será suficiente.
Prego mais algumas tábuas nas laterais para cobrir as
lacunas, então saio e me ajoelho diante de London. Suas
roupas cobertas de sujeira, sua pele estremecendo. Sua cabeça
pende e eu coloco minhas mãos em cada lado de seu rosto para
levantar seus olhos para mim.

— Você pode acabar com a nossa dor, — eu digo. Esfrego


meus polegares em suas bochechas, limpando os rastros de
lágrimas secas. — Confesse, London. Desabafe. Admita a
verdade sobre quem você é e o que fez, e tudo isso acaba.

Seus olhos se concentram em mim. Então ela cospe na


minha cara. — Você não é meu padre de merda.

— Tudo bem. — Solto seus pulsos e a coloco de pé. —


Vejo você no inferno, baby.

Seus gritos aumentam conforme ela ganha um segundo


fôlego. Eu a arrasto para a caixa. — London Grace Noble, você
é culpada de abrigar um assassino. Você profanou as vítimas
de seu pai enterrando a última garota e mantendo os restos
mortais de todas as vítimas em segredo. Você se escondeu
atrás da lei, usando-a como escudo. Como tal, receberá o
mesmo destino que as vítimas de seu pai.

— Seu desgraçado! — Ela se afasta de mim. — Você é um


hipócrita delirante. Você matou pessoas e as enterrou. Tal
como ele fez.

— Não. Aquelas não eram pessoas, eles eram monstros.


As garotas que seu pai tirou tão arrogantemente deste mundo
eram inocentes. Garotas que não viveram o suficiente para
fazer mal a ninguém. E você as manteve em segredo todo esse
tempo. Só por isso, merece sua punição. Você deve ser
enterrada e esquecida, assim como elas foram.

Eu desci e a capturei pela cintura, jogando-a por cima do


ombro. Ela bate os punhos nas minhas costas enquanto eu
pulo no buraco. Seu corpo pequeno é fácil de jogar dentro da
caixa, e eu fecho a tampa.

— Vai se foder, — ela grita. — Você me enganou. Você


mentiu para mim. Me deixe sair! Por favor. Deus, Grayson...
não faça isso.

Minhas mãos tremem enquanto coloco o primeiro prego,


selando-a por dentro. — Não, sou eu o mentiroso, London. Eu
disse isso no primeiro dia. É hora de você conhecer e abraçar
seu verdadeiro eu, a mentirosa que sempre foi.

Os gritos se transformam em múrmuros abafados


quando cubro o caixote com terra. Eu encho o buraco mais de
um quarto. Peso suficiente para mantê-la selada abaixo. Seus
gritos estão enterrados e, quando jogo a última pá cheia de
terra sobre seu túmulo, me deito na terra fresca.

E espero.
London

Fui enterrada viva.

O pânico é um ser vivo dentro desta cova comigo – a única


coisa que me diz que ainda estou viva na escuridão. Pressiono
minhas mãos na madeira. Minha respiração salta para mim da
tampa, meu peito em chamas enquanto o ar é sugado para
longe.

Lascas prendem minha pele. A dor aguça meus sentidos.

Ele não pode me deixar morrer.

Mas eu assisti aos vídeos. Testemunhei o que Grayson fez


para entregar suas punições.

O medo surge dentro de mim novamente, e eu bato contra


a madeira, desesperada para sentir o gosto de ar fresco. —
Socorro!

Uma corrente da madeira manda sujeira para minha boca


e meus olhos. Eu limpo meu rosto em pânico. Meus cotovelos
batem nos lados do caixote. Sinto esses lados se aproximando.
A caixa está encolhendo, engolindo-me. Merda. Empurro com
mais força contra a tampa, meus antebraços queimam devido
ao esforço.

Mais terra chove. Sinto o gosto da areia entre os dentes e


viro a cabeça para cuspir. Entre respirações ansiosas, ouço o
som de coisas rastejando ao lado da caixa. Movendo-se pela
terra solta, tentando encontrar uma maneira de entrar.
Esperando a comida apodrecer.

Oh, Deus. Não posso morrer assim.

O fardo de uma vida inacabada é um peso denso que pesa


sobre meu peito. A compressão dolorosa aumenta minha
ansiedade até que estou hiperventilando.

Cada respiração rápida e difícil é puxada com o


conhecimento de que pode ser a última. Cada suspiro é
misturado com cada vez menos do oxigênio vital que meus
pulmões desejam.

Acalme-se.

Clamo isso em minha cabeça enquanto prendo a


respiração, me forçando a relaxar – para acalmar todos os
músculos e órgãos protestando por ar.

Respire.

Respiro superficialmente. Lento e constante, meus lábios


tremendo. Lágrimas escorrem pelos cantos dos meus olhos e
meu corpo formiga, a adrenalina inundando meu organismo.
A tontura transita para uma tranquilidade eufórica.

Fico assim por um tempo. Ouvindo minha respiração


lenta. A escuridão era um pesadelo espesso e desencarnam-te.
Uma teia de algodão transparente em minha mente, separada.
Durante o que pareceram horas, eu alterno entre dois estágios.
Pânico e aceitação dócil.

Enquanto meus pensamentos vagueiam, todas as coisas


que eu adiei vêm à frente. Metas não cumpridas. Sonhos.
Felicidade.

Uma risada fraca escapa. Orientei meus pacientes a não


buscar algo tão frágil e sem sentido como a felicidade – é uma
ideia, não um objetivo. E, no entanto, aqui estou, olhando a
morte de frente, desejando ter sido um pouco mais frívola e
feliz.

Mas também nunca houve uma resposta para essa


pergunta. Aquela que todos se perguntam: o que vai me fazer
feliz? Um marido? Uma criança? Eu zombo de mim mesma. Eu
também não me arrependo, não de verdade. Nunca poderia ter
compartilhado meu tempo ou a mim mesma com algo tão
exigente como a maternidade.

Ainda assim, o fato de que a chance está sendo roubada


balança através de mim, um lembrete cruel de que escolhi
Grayson. Eu escolhi esse destino.
Respiro fundo para encher meus pulmões e pestanejo
contra a escuridão. O arrependimento é uma fraqueza. Eu não
posso me dar ao luxo de me sentir fraca.

Além disso, há realidades mais assustadoras para


enfrentar do que meus arrependimentos superficiais.

Os corpos enterrados no quintal da terra em meu nome,


que eu sempre planejei transferir, eliminar...e agora isso
também está sendo resolvido para mim. As meninas serão
encontradas. Alguém comprará a casa da minha família e a
demolirá. A reconstrução será feita. Eles cavarão aquele jardim
vazio e meu legado será lembrado como uma história de terror,
em vez do trabalho ao qual dediquei minha curta e inútil vida.

Com essa percepção, vem um ataque de pânico que


consome todos os sentidos. A escuridão se fecha, arranhões e
sons aumentados, a sensação de insetos rastejando sob minha
pele lança um grito feroz de minha garganta.

As águas calmas da minha aceitação se rebelam. Uma


tempestade troveja através de mim enquanto eu bato contra as
tábuas. Meus braços se agitam, meus pés se agitam. Meus
dedos agarram a armadilha mortal de madeira, removendo
lascas sob minhas unhas. Quase posso sentir o cheiro metálico
do sangue no ar rarefeito e bolorento, e me torno um animal
raivoso lutando pela liberdade.

Determinada, luto contra minha prisão e meu pé chuta


um objeto. Não registrei de imediato, meu pânico foi longe
demais, agarrando meu corpo e mente em um torno
constrangedor. Eu me viro de lado e apoio meu ombro contra
a tampa, então eu paro de me mover. E ouço o som da minha
respiração, amplificada no espaço confinado. Pense. Pense.
Pense.

Analisei Grayson por meses. Eu entrei em sua cabeça. Eu


o entendo. Tenho uma vantagem sobre o resto de suas vítimas.
Ele tem regras e sua desordem exige que as cumpra.

Com três respirações profundas, eu sufoco o medo e


desacelero minha respiração. Reservando oxigênio. Então
calmamente uso meu pé para empurrar o pequeno objeto para
cima. Uma vez que está perto do meu joelho, eu me abaixo e o
agarro.

Um telefone.

Ai, meu Deus. O alívio empurra minha ansiedade. Abro o


dispositivo e a tela ilumina o interior da caixa. Eu rapidamente
uso a luz para olhar ao redor, procurando por uma trava ou
prego solto ou qualquer coisa – uma saída. — Droga.

Não estou arranhando meu caminho para fora da terra.


Mesmo se eu pudesse, o que aconteceria?

Com as mãos trêmulas, disco 911 e clico em Enviar.

Três bipes longos me respondem.

— Merda... — O topo da tela pisca sem serviço.

Ele está brincando comigo. Mas não, é mais do que isso.


Tem que haver algo... aqui. Grayson registra suas vítimas. Ele
os observa. Dá a eles escolhas, caramba. Onde estão as
minhas?

A estática irrompe do dispositivo. Então: — Uma vez você


disse que não gostava das pessoas porque eram egoístas. Eu
me pergunto se é mais porque o egoísmo deles é um reflexo do
que você não gosta em você. — A voz de Grayson preenche a
escuridão úmida. — Algo que você gostaria de mudar, mas não
pode. Isso é um enigma, um quebra-cabeça. Está cheia dessas
pequenas peças de quebra-cabeça, London.

Eu procuro no telefone. É um rádio com um botão na


lateral. Pressiono o botão. — A única coisa que eu quero mudar
é minha opinião. — Eu engulo uma respiração pesada. — Se
você fizer isso, Grayson... se você me matar, nunca ficará
satisfeito. Sabe que isso vai torturá-lo.

Segue-se uma longa pausa, onde espero sua resposta.


Aperto meus olhos fechados. Grayson é muito inteligente para
ser enganado tão facilmente. Ele me estudou nestes últimos
meses, assim como eu o estudei. Ele conhece minhas falas,
minhas mentiras. Minha verdade. Quer que eu jogue seu jogo,
mas há uma parte maior dele que quer que eu ganhe.

Onde todas as suas outras vítimas falharam, eu tenho


que ter sucesso.

— Você disse que me daria respostas, — tento


novamente. — Eu te segui aqui. Deixei tudo para ficar com
você. Para obter essas respostas. Não pode me deixar ir sem...
— Você queria ver até onde ia a toca do coelho, — diz ele.
— Alice gostou de sua aventura no País das Maravilhas? Não,
ela estava apavorada. E pensar, que estava tudo em sua
mente. As coisas mais assustadoras neste mundo geralmente
estão.

— Grayson, por favor me ajude...

— Eu não tenho suas respostas, London. Assim como


Alice, está tudo em sua mente. Estou simplesmente dando a
você os meios, as ferramentas, para desenterrá-las.

Desenterrar…

Repito suas palavras, procurando a pista – a peça do


quebra-cabeça que Grayson está me alimentando.
Desenterrar... desenterrar... desenterrar.

Desenterrar.

Eu seguro o botão. — Desenterrar, — eu sussurro.

Ele espera que eu faça a conexão.

Uma lágrima rola pelo meu rosto. A adrenalina corre


espessa e quente em minhas veias. — Desenterrá-las. — Eu
bati na tampa. — Desenterrá-las! — Ele quer que eu liberte as
meninas.

O silêncio se estende. O ar úmido gruda em minha pele,


extinguindo minha vida. A escassa luz do telefone se apaga. Os
rostos das vítimas me provocam, zombando de mim por me
tornar igual a elas.
Então eu ouço um arranhão. O som fraco fica mais alto,
puxando a aparência de minha sanidade, até que um baque
oco detona.

A tampa se abre. A sujeira cai em cima de mim, mas há


uma mão para me puxar para fora.

Grayson limpa a sujeira do meu rosto enquanto eu


suspiro no ar limpo, faminta por oxigênio. — Seu bastardo, —
eu xingo. Minha mão voa em direção ao rosto dele. Ele impede
que faça contato.

Sua mão circunda meu pulso, segurando minha mão


estendida. — Economize sua energia. O primeiro teste é
sempre o mais fácil.

Primeiro teste.

A desidratação e a privação de sono finalmente cobram


seu preço. Meu corpo fraco cede e eu caio.
London

A luz pisca contra minhas pálpebras. A pressão fria de


um pano úmido contra meu rosto me puxa das sombras.

Minhas pálpebras estão pesadas, como se eu tivesse


dormido muito, sofrendo de uma ressaca mórbida. Quando
consigo abrir meus olhos, Grayson está perto. Eu recuo. Na
penumbra, noto que ele está limpo e barbeado. O cheiro de
shampoo e sabonete fresco permeia meus sentidos, um
conforto acolhedor, antes que meu alarme interno me desperte
totalmente.

— Onde estou? — Eu exijo.

Mas uma olhada ao redor do banheiro me dá uma pista.


Velas acesas iluminam o pequeno ambiente, tornando-a
aconchegante. Romântico, até. Meu estômago embrulha.

— Vou ligar o gerador em breve, — Grayson responde à


minha pergunta silenciosa sobre as velas.
Minhas costas estão apoiadas na parede. Grayson segura
uma toalha molhada na minha testa. — Eu ia deixar você
dormir, mas estava começando a feder.

Pego o pano de sua mão. — Isso tende a acontecer quando


você é enterrada viva, — eu estalo.

Ele não hesita. Sua boca se inclina para aquele meio


sorriso presunçoso. — As toalhas estão no armário. Tudo que
você precisa já está no chuveiro. — Ele se levanta. — Vou
deixá-la sozinha.

Eu o vejo sair, fechando a porta de painel de madeira


atrás dele. Eu jogo o pano e fico de pé, e imediatamente
estremeço. Usando a parede para me endireitar, rastejo em
direção à porta e verifico a maçaneta. Bloqueada.

Por fora.

Cristo. Estou em uma casa projetada para reféns.

Encontro uma garrafa de água no balcão e bebo metade


antes de racionalizar que pode estar drogada. Espero sentir
quaisquer efeitos desorientadores. Uma vez que a névoa
começa a clarear do meu cérebro, eu bebo o resto e tento me
lembrar de como cheguei aqui. Nós cruzamos o limite do
Estado? Sim, Grayson disse que isso fazia parte de seu plano
– sair de Delaware em vinte minutos. Mas há quanto tempo foi
isso? Quão longe nós dirigimos?

Uma batida soa na porta. — Eu coloquei roupas para você


no quarto de hóspedes. Pode descartar as que está vestindo.
Eu coloco minhas mãos no balcão. Não posso cometer
outro erro. Não posso subestimá-lo novamente. — E comida?
— Preciso de energia.

— Eu terei algo pronto para você.

Espero até que seus passos diminuam. Então desabotoo


minha blusa suja e tiro minhas calças sujas. Todas as minhas
roupas vão para uma lixeira perto do banheiro. A água demora
muito para esquentar. Eu mergulho em uma ducha fria, grata
por sentir algo limpo contra minha pele.

No meio do banho, a água começa a esquentar, e presumo


que isso seja devido ao gerador que Grayson mencionou.
Enquanto eu lavo meu cabelo, filtro cada pedaço de informação
que ele me deu, processando suas palavras, o cenário, minha
situação. Eu preciso de mais informações.

Preciso suprimir meu medo e fazer o que fui treinada para


fazer: ouvir.

Fecho a torneira e piso no piso frio de madeira. Toalha


enrolada firmemente em torno de mim, procuro por pistas. O
banheiro inteiro é revestido de madeira reciclada, clara e
escura. O chuveiro e a pia são de porcelana branca com
luminárias modernas. A luz da vela reflete de um espelho alto,
colocando o espaço em uma luz ambiente que eu apreciaria se
não fosse pelo fato de eu estar presa.

Em circunstâncias normais, jamais toleraria usar o


estado de mal-estar de um paciente para enganá-lo..., mas esta
não é uma circunstância normal. E meu paciente tem
perturbações específicas.

Eu tenho que ficar alerta. Tenho que ser mais esperta que
ele. Com isso em mente, quando a porta do banheiro se abre,
eu estou preparada. Pronta para enfrentar Grayson com a
única arma que tenho.

Não estou preparada para o impacto, no entanto.


Grayson está parado na porta sem camisa, indecoroso. Suas
tatuagens e cicatrizes à mostra. Uma bandagem de gaze
envolve seu ombro e um par de jeans de cintura baixa
pendurado em seus quadris, acentuando o corpo tonificado
que eu só senti antes.

Eu puxo minha toalha mais para cima, envolvo-a com


mais força.

— Certifique-se de que essas coxas estejam apertadas


com a mesma força, — ele comenta.

Eu me arrepio, mas mordo minha língua, me forçando a


não reagir.

Ele cruza os braços. — Você é muitas coisas, London.


Recatada não é uma delas. — Seu olhar viaja pelo meu corpo
e eu sinto a pressão dele como se estivesse fisicamente tocando
minha pele exposta.

Limpo minha garganta. — Eu preciso de roupas.


Ele empurra o batente da porta e segue em frente. Recuo,
mas ele me alcança antes que eu tenha a chance de recuar.
Nós só passamos um curto período de tempo juntos, onde ele
não estava algemado em uma cadeira, e quando se eleva sobre
mim, lembro-me de como ele é muito mais alto do que eu.

Passa o dedo pelo meu ombro, pelo meu braço, deixando


um rastro de arrepios em seu caminho. Então ele agarra meu
pulso e o levanta para inspecionar. Bandas vermelho-escuras
envolvem cada um dos meus pulsos de onde as algemas
picaram.

— Sente-se no balcão, — diz.

Levanto uma sobrancelha. — Roupas, — exijo.

Sem aviso, ele agarra minha cintura e me coloca no


balcão. Eu cavo minhas unhas em seu braço, mas ele
facilmente me ergue, virando minha mão entre nós. Ele usa a
luz suave das velas para inspecionar meus arranhões e
hematomas.

Uma corrente carregada eletrifica o ar entre nós. Seu


toque é muito íntimo, muito familiar, meu corpo em alerta
máximo, tão ciente dele e de cada carícia de seus dedos sobre
minha pele. Eu luto para respirar.

Ele fica em silêncio enquanto se estica acima da minha


cabeça para juntar álcool e gaze atrás da penteadeira. Sua
colônia invade meu espaço. É um perfume fresco e náutico – e
imagino que este seja o cheiro dele; a maneira como ele
cheirava antes da prisão. O pensamento é tentador.

— Primeiro você me machuca, depois me conserta, —


digo, balançando a cabeça. — Seu diagnóstico está sempre
avançando, Grayson.

Seus dedos traçam a pele sensível sob meus pulsos


arranhados. — Até um caçador sádico prefere presas
saudáveis.

Tento arrancar minha mão, mas seu aperto fica mais


forte. — Segure firme.

Endireito minha espinha. — Você está gostando disso.


Aproveitando a minha dor.

— Nada nunca me deixou mais excitado. — Um sorriso


tortuoso torce seus lábios, aniquilando o que resta da minha
resistência.

Minha pulsação acelera quando permito que ele trate e


enfaixe meus pulsos. Tento pensar, processar, mas seu peito
nu está a apenas alguns centímetros de mim, e tudo que posso
fazer é olhar para suas cicatrizes. Uma barra diagonal em cima
da outra – onze ao todo. Ele me pega olhando. — Esses são
auto infligidos, — eu digo, e ele olha para baixo.

— Sim.
Lembro durante nossas sessões, as peças que ele revelou
sobre si mesmo e sua punição auto imposta. — É esse o
número de vidas que você tirou?

— Sim.

Ele foi condenado por nove assassinatos. Ele exibe duas


cicatrizes adicionais. Eu engulo uma dor. — Vou me tornar o
número doze? Apenas mais uma cicatriz em sua pele?

Um músculo penetra em sua mandíbula travada. — Eu


não vou deixar isso acontecer.

Ele termina de envolver meu pulso esquerdo e eu aperto


minha mão em um punho. — Como você pode impedir que
aconteça quando não consegue controlar suas compulsões. É
por isso que estou aqui, não é? Porque você ficou obcecado por
mim – por alguma conexão, nossa 'inevitabilidade'. E então
fantasiou sobre sua fuga até que fez isso acontecer.

Ele descansa as mãos em cada lado das minhas coxas,


seu rosto muito perto do meu. Sombras dançam em seu rosto.
A luz bruxuleante da vela projeta suas feições em uma beleza
sombria e predatória. — Há muitos imprevistos para
contabilizá-los todos. Eu tinha que me concentrar nos mais
prováveis, mas nós – você e eu, London – nós sempre fomos
um risco. O que estamos trabalhando agora são as variáveis
para determinar nosso resultado exato.

Eu mantenho seu olhar. Encontro e enrolo um fio solto


da toalha em volta do meu dedo. — Uma pessoa menos
inteligente com o seu transtorno seria simplesmente insana.
Eles teriam sido presos há muito tempo com o resto dos
criminosos insanos. Mas você... seu QI distorce a loucura,
Grayson. Pode parecer brilhante, até mesmo imitá-lo, mas
ainda é uma loucura.

Sua cabeça se inclina ligeiramente, trazendo-o ainda


mais perto. — A loucura de um homem é a genialidade de
outro. É isso que você está dizendo?

Meus ombros ficam tensos, sua proximidade enervante.


— Você me enterrou, — eu digo, a acusação clara em minha
voz rouca. — Onde está a sua genialidade nisso?

— Paciência, amor. Você vai perceber isso em breve. —


Ele abaixa a cabeça e inala profundamente, respirando na
minha pele. A pulsação de sua respiração contra meu ombro
vibra ao longo do meu corpo como uma corrente, zumbindo
com um alerta.

Grayson se afasta, colocando um pequeno espaço entre


nós. Então, alcançando a vela branca, ele lentamente passa
um dedo pela chama. — Tocar em você é como desafiar o fogo
para me queimar.

Ele provoca o fogo, brincando deliberadamente com o


pavio até que a chama esteja quase apagada. Então ele se
move. Suas mãos deslizam ao longo do balcão, diminuindo a
distância que nos separa. Seus polegares fazem contato – o
menor toque nas minhas coxas, mas eu sinto a rocha do
impacto através de mim.
— Você sempre foi muito tentadora, — diz ele. —
Sedutora, fascinante... me fazendo questionar. A sedução é um
dos seus pecados, sabia disso? Você está ciente do seu poder?

Lambo meus lábios, completamente ciente da maneira


como ele está observando minha boca. No entanto, este é um
assunto complicado; quão longe provocá-lo sem ir muito longe,
sem levá-lo além do limite. O tiro poderia facilmente sair pela
culatra.

Estou disposta a correr esse risco.

— Nunca me senti fraco até que você apareceu, — diz ele,


avançando minha toalha pelas minhas coxas. — Isso pode
deixar um homem louco. O desejo. A necessidade. Desejar o
que você sabe ser ruim para você.

Eu paro de resistir e deixo seus quadris separarem meus


joelhos. — Eu sou tão culpada, — eu admito. — De desejar
essa coisa ruim, de querer você.

Sua mão viaja ansiosamente pelas minhas costas, então


ele empurra os dedos no meu cabelo úmido. Com a contenção
liberada, ele agarra meu cabelo e puxa, expondo meu pescoço.
Eu fecho meus olhos contra a sensação de sua boca tocando
para baixo, seus lábios e língua me persuadindo a ceder
enquanto ele beija uma trilha sobre a junção do meu pescoço
e ombro.

Ele faz uma pausa quando alcança meu ouvido. — Você


é a coisa ruim.
Meus olhos se abrem. Excitação esquecida, eu me afasto
e olho em seu olhar pálido. — Estou cansada deste jogo,
Grayson.

— Então pare de jogar e me mostre você. — Ele segura


meu cabelo com mais força enquanto agarra minha coxa com
a outra, me forçando contra ele.

O atrito abrasivo de sua calça jeans entre as minhas


pernas me faz ofegar e eu empurro minhas mãos. Planto
minhas mãos em seu peito, mantendo um espaço de ar entre
nós. — Deixe-me ir... — Sua boca captura a minha em um beijo
implacável, engolindo meu apelo.

Empurro seu peito, odiando notar a tensão em seus


músculos, a forma como meu corpo responde à dureza
pressionando contra minha coxa. Seus dedos cavam na carne
da minha bunda, me puxando com mais força para ele, minha
luta apenas alimentando o fogo.

Minhas unhas encontram proteção em sua pele, e eu


busco a liberdade, da mesma forma que eu arranhei a caixa.
Ele absorve o ataque como se estivesse se alimentando da dor.
Encontro o curativo em seu ombro e aperto a ferida com meu
punho. Seu rugido gutural preenche a caverna da minha boca
antes que ele se rompa, respirando pesado.

— Eu quero sair, — eu exijo. — Eu quero sair deste jogo


doentio.
Ele pega minha mão e a alisa em seu peito, cobrindo os
arranhões de vermelho. — Você está aqui – bem aqui – porque
você escolheu estar. É aqui que você pertence.

— Eu não escolhi ser sua prisioneira... sua vítima.

— O que você queria ser, então? Minha escrava


apaixonada? Minha amante secreta? Foder como animais
entre as visitas intimas? — Sua risada é vazia. — Dificilmente
acho que isso seria bom o suficiente para a respeitável Dra.
Noble. Ou talvez seja o contrário. Achou que eu seria seu
segredinho sujo. Seu animal de estimação. Levar-me para sair
quando quiser jogar, depois me trancar de volta quando
terminar. — Ele se aproxima, empurrando sua ereção com
força contra minha costura. — Diga-me. Sobre o que você
achou que se tratava?

Eu o odeio – odeio a maneira como suas palavras


quebram minha mente. A maneira como seu toque queima
minha carne. Eu odeio a maneira como meu corpo arqueia em
direção ao dele contra a minha vontade, a dor no fundo do meu
núcleo, um calor pulsante que exige ser saciada.

— Eu te odeio, — eu sussurro.

— Você odeia tudo, menos eu.

— Pare de foder com minha cabeça... — Minhas mãos se


tornam punhos que batem em seu peito. Socos cegos acertam
em qualquer lugar que eu possa atacar.
Grayson geme e me puxa para fora do balcão. Seus
braços fortes me puxam para frente, então estou contra a
parede. Minhas costas fazem contato enquanto seu corpo me
imobiliza, suas mãos prendendo as minhas acima da minha
cabeça. Meus pulmões lutam por oxigênio.

— Esta é a sua tentativa de dominar suas paixões? — ele


diz contra meus lábios. — Vamos ver como você é dominada.

Mantendo meus pulsos unidos, Grayson libera uma de


suas mãos. Ele desliza pelo meu braço até alcançar a toalha.
Com um puxão rápido, minha única barreira dele cai no chão.

Estou mais do que nua; estou exposta. Desvendada.


Vulnerável.

Sua pele tocando a minha, o calor de seu corpo, nosso


desejo cru... é real. E está dizimando. O ar ao nosso redor está
carregado com uma corrente alarmante que ameaça queimar
todas as moléculas do quarto.

Seu joelho separa minhas pernas e meu corpo não luta.


A dor se intensifica ao sentir sua mão me tocando
instantaneamente. Eu tremo sob seu toque e arqueio da
parede, meus seios buscando contato com sua pele áspera.

— Negue, — ele sussurra enquanto habilmente desliza


seus dedos entre minhas coxas. — Faça uma afirmação de que
não é isso que você quer e eu vou parar.

Mas ele já sabe a verdade sobre mim. Pode sentir o quão


molhada estou enquanto seus dedos deslizam sobre meu
clitóris, ouve meu desejo nos gemidos sem fôlego que tento
segurar.

— Diga-me que você quer isso – diga. Diga que você nos
quer.

Mordo meu lábio, me recusando a ceder completamente.


— Posso querer satisfação física, — eu finalmente digo quando
meu corpo atinge o pico. — Essa não é uma revelação
devastadora. Não significa nada.

O som de seu zíper baixando envia uma emoção correndo


por minhas veias. Querer é uma emoção perigosa. Quando é
forte o suficiente, todas as outras emoções desaparecem em
segundo plano. Eu quero Grayson, e minha aversão não está
presente o suficiente para me impedir.

Sua mão se move contra a minha pélvis enquanto ele se


retira. O toque sedoso e suave de seu pênis ao longo do meu
estômago acelera meu pulso, meu coração bate dolorosamente
contra a parede do meu peito.

— Você é tão forte, London. Tão forte e teimosa. — Posso


senti-lo se acariciando e meus olhos se fecham. A dor se
transforma em uma forte pulsação entre minhas pernas. — Eu
amo tudo em você – até mesmo sua doença. Isso me excita e
me deixa louco. As coisas ruins que fez. Eu deveria desprezar
o que você é, mas me apanhou em sua teia, e lhe imploro que
me sangre até secar, é assim que me retorceu.
Eu suspiro por ar, minha pele queima em todos os
lugares que ele toca.

Abro os olhos e, no espelho da penteadeira, vejo a


tatuagem entre suas omoplatas. O buraco da fechadura com
tinta é escuro e fresco, desenhado à mão. Dentro do sombreado
estão números e fórmulas – uma equação que não consigo
decifrar, mas sei que é importante. O que isto significa?

— Olhe para mim.

Eu faço. Fico olhando diretamente para ele, observando o


olhar aquecido que vejo em seus azuis claros. Como seus
braços se flexionam com seus movimentos seguros enquanto
ele continua a se acariciar. Não posso mais lutar contra a
necessidade. — Foda-me.

Um sorriso aparece no canto de sua boca. A maneira


como suas feições mudam, tão sutil, eu me arrepio. Ele se
inclina, empurrando seu corpo totalmente contra o meu. —
Diga isso de novo, — ele sussurra em meu ouvido.

Engulo meu batimento cardíaco irregular. — Foda-me.

Ele morde meu ombro, provocando um grito em mim,


enquanto desliza seu pau entre meus lábios escorregadios –
provocando, mas não entrando. Ele puxa para trás com a
mesma rapidez e empurra seu pau com golpes rápidos e fortes.
Seus movimentos são dolorosos para minha parte mais
necessitada. Seu gemido percorre todo o comprimento do meu
corpo, então eu sinto o calor revestindo meu estômago.
Em seguida, ele me libera. Meus braços caem para os
lados, meus músculos ficam fracos, meu corpo anseia por
satisfação de gratificação negada. Minha barriga está fria por
causa de seu sêmen, e eu ofego ao ver seu pau pulsando após
o orgasmo.

Grayson não diz nada enquanto ele se dobra e pega a


toalha. Ele a joga em mim.

Mal consigo pegá-la e tento me cobrir. A realidade afunda.


— Você me usou.

Ele puxa a calça jeans para cima e fecha o zíper antes de


se aproximar. — Agora estamos quites.

Eu o empurro para longe de mim, meu corpo um ataque


de frustração reprimida. — Se estamos mantendo a pontuação,
então você tem outra chegando. Dois metros abaixo.

Seus lábios roçam meu queixo, e estou exausta demais


para afastá-lo novamente. — Eu realmente amo sua boca suja.
Mas você deve trabalhar um pouco mais para dominar suas
paixões.

Eu o vejo sair do quarto com uma carranca. Eu me limpo


e sopro uma das velas, minha vergonha muito perceptível,
mesmo na penumbra. Eu quero apagar o mundo para que eu
possa me esconder nas sombras.

Tenho apenas um momento antes de ouvir um barulho.


Meus sentidos ficam em alerta, e eu me arrasto em direção à
porta, mas Grayson entra no meu caminho. Ele me agarra pela
cintura e prende as algemas em meus pulsos enfaixados.

— Não...

A escuridão está em toda parte. A casa de Grayson sem


luz. Ele me segue enquanto me arrasta pelo quarto escuro.
Grayson

Para quebrar uma pessoa segundo sua vontade, você tem


que quebrar o seu domínio sobre sua própria vida. London
sabe disso tudo muito bem. Ela emprega esta mesma tática
com seus pacientes. Pouco a pouco, tira-lhes toda a esperança.

Esperança.

É a esperança que dá a uma pessoa a força para lutar,


para perseverar, para superar. Para viver. Tire a esperança, e
você fica com uma concha perfeitamente maleável de uma
pessoa para moldar e modelar. Não tenho que concordar com
essa psicologia para apreciar o processo, a estrutura. É
brilhante.

Poderia dizer que agrada ao soldador em mim e ao


quebra-cabeças. Gosto mais da parte da construção do que da
demolição, e é por isso que London e eu somos uma
combinação perfeita.

Juntos, estamos completos. Estamos inteiros.


Todos esses anos, perdi um aspecto importante do
processo. A tortura não é suficiente. A dor física não é
suficiente. É o elemento psicológico – a destruição mental total
– que destrói uma pessoa. Como um galho, quando a mente
está dobrada até o ponto de ruptura, a menor pressão externa
a quebrará completamente.

Admito que esta é uma revelação recente. Sou propenso


a me ater ao que sei, aos métodos experimentados e
verdadeiros de minha arte. Em sua presença, isso me falta.
Mas espero que ela venha a apreciar meus métodos da mesma
forma que eu admiro os dela.

Eu giro a chave, trancando a porta da cela, em seguida,


coloco meu chaveiro no bolso. London está enrolada em uma
bola no meio do quarto, parecendo derrotada. Mas eu sei
melhor. Ela está vestida com uma das minhas camisetas e um
par de meus moletons. Ela está desgrenhada e bonita.

Não construí esta masmorra para ela – construí-a com a


intenção de que um dia ela serviria a um propósito. O que
prova o quanto somos virtuosos. Um projeto distorcido pelo
próprio destino.

É perfeito.

— Seu pai tinha luz? — eu pergunto a ela. Eu reacendo a


vela que se apagou durante nossa briga para colocá-la na cela.

— Você fez esta cela para mim? — ela rebate. — Há


quanto tempo está planejando me levar?
Eu me agacho e deslizo um prato de comida por baixo do
balcão. Espaguete e dois analgésicos. — Leve-os com
moderação. — Não é a refeição mais fresca, mas não muito
mais que possa ser guardada por muito tempo sem estragar.

— Responda-me.

— Acredite ou não, London. Nem tudo é uma conspiração


contra você. Essa é sua paranoia entrando em ação. — Eu toco
minha têmpora. — Eu soldei esta cela porque sou um soldador.
É o que eu faço. Eu mesmo passei um tempo aqui, olhando
para as barras, me acostumando com elas. — Passo a mão no
ferro frio. — Passei um ano encarcerado em confinamento
solitário. Posso ser um homem muito paciente. Vou esperar
por você o tempo que for preciso.

Ela se senta, tira o cabelo do rosto. — Você pode pelo


menos me dizer onde estamos.

— Não é isso que você está realmente perguntando. Nossa


localização não serve a você. — Eu me sento, ficando
confortável em frente a ela. — Você está perguntando qual é a
probabilidade de as autoridades a encontrarem. Esta casa não
está em meu nome. Tecnicamente, não pertence a mim ou a
ninguém que possa estar conectado a mim. Vai demorar um
pouco até você ser encontrada.

Uma centelha de esperança acende em seus olhos


escuros.
Dei a ela apenas o suficiente para continuar. Ela vai
precisar dessa pequena centelha de esperança para sobreviver
em sua masmorra.

— Eu tenho que me livrar do carro. — Eu me levanto e


limpo minha calça jeans. É libertador estar sem o macacão
laranja. — Não posso arriscar que seja descoberto. Isso seria
irresponsável.

— Não me deixe.

Sua voz é baixa e frágil. Ela parece quase indefesa no


chão, cercada por barras de ferro forjado. Ela parece perdida.

Outro de seus pecados: o engano. Ela domina a arte da


duplicidade. Para enganar os outros, tem que viver as
mentiras. Como narcisista, ela até acredita nelas. A estrutura
de seu mundo depende de suas falsidades. Quando London
estiver realmente em seu ponto de ruptura, só então a represa
dará, e a verdade se libertará.

No entanto, não tenho uma quantidade infinita de tempo


com ela. Não estou iludido o suficiente para pensar que isso
não vai falhar totalmente. Sua mente é seu atributo mais forte.
E, novamente, essa é a especialidade dela, não a minha. Ela
precisa de um empurrão.

Apoiando minhas mãos nas barras, eu digo: — É


estranho o que nos afeta. O que nos define. As pessoas não se
lembram do bom. Eles se lembram do que os incutiu.
Ela fica de joelhos. Mantendo-se abaixo de mim, me
dando a possibilidade de assumir o poder. Ela é uma
especialista. Eu sorrio.

— Fui estripada, Grayson. Minha vida não é um conto de


fadas. A punição que você está me infligindo...eu já sofri.
Quaisquer pecados que eu tenha cometido ao longo da minha
vida, eu já paguei por eles.

— Entendo.

Ela aperta os olhos para mim. — Você sabe que sim.

Pressiono minha testa nas barras. — Seus pacientes


também sofreram. É verdade, eles eram indivíduos doentes.
Onde pudemos canalizar nossa doença, controlar nossas
compulsões e nos esconder à vista de todos, eles não foram tão
talentosos. Eles não têm controle de impulso. Mas é aí que
entra o bom médico. — Sorrio para ela. — Você é a melhor em
sua área.

Ela se levanta. — Vá para o inferno.

Eu ri. — Qual deles?

Uma expressão de nojo puxa suas feições em uma


carranca. — Eu me esforcei para ajudar meus pacientes apesar
de um mundo que os veria executados, exterminados. Como
vermes. — Ela tira o cabelo dos olhos. — À medida que a
reabilitação se tornava cada vez mais improvável, ainda lutei
pelos meus pacientes.
— Você tem um pouco de Florence Nightingale20, não é?
Você se apaixona um pouco por todos os seus pacientes – que
dão e recebem, se sacrificam e consomem, como um casal
apaixonado. Exceto para você, é tudo sobre tomar.

Ela me olha com cautela. — Do que você está falando?

— Você é uma artista, London. Sua prática é como uma


dança. Um balé sangrento onde você distorce e quebra a mente
de seus pacientes como o corpo de um dançarino. Devora seus
dons, e quando eles são usados e quebrados, descarta-os para
o manicômio mais próximo.

Ela fica parada, com seus olhos me medindo. Não é ela a


presa; ela é a caçadora. — Você fabricou uma história muito
rica para mim, Grayson. Nada disso é real.

Inclino minha cabeça. — Quando as dores de cabeça


começaram?

O desenho confuso de suas sobrancelhas é sua única


resposta.

— Aposto que têm acontecido com mais frequência


ultimamente. Tornando-se mais doloroso, durando mais
tempo.

Florence Nightingale foi uma reformadora social inglesa, estaticista e fundadora da enfermagem
20

moderna.
— Trabalhei mais duro este ano do que em qualquer outro
momento da minha carreira. Claro que vou sofrer fisicamente
por isso.

— Você com certeza tem trabalhado duro. E quanto a


Thom Mercer?

Ela balança a cabeça. — E quanto ao Thom?

— Estando dentro da prisão, você encontra muitos tipos


desagradáveis. Muitos deles eram seus pacientes. Thom era
um indivíduo muito perturbado. As coisas que ele disse... —
Eu tsk. — Se você não o tivesse destruído, ele poderia ter
acabado como um dos meus.

— Do que diabos você está falando? Thom Mercer foi


internado na ala psiquiátrica de Cotsworth como um
esquizofrênico funcionalmente medicado. Ele foi um dos meus
estudos de caso mais aclamados.

— Que se enforcou com o lençol.

Seu rosto empalidece em choque. — Por que você está


fazendo isso. Por que você está mentindo?

— Porque você está mentindo? Mentir faz parte do meu


distúrbio?

Ela desvia o olhar, anda de um lado para o outro na cela.


— Não, mas criar uma catástrofe elaborada é. Não irei ser
vítima disso. Não vou me tornar seu próximo desastre.
— Oh, London. — Eu amo o gosto do nome dela, como
lilases frescos. — Por que você acha que eu fiquei tão tentado
desde o início? Você já veio para mim como um belo desastre.

Ela corre pela cela. Como um animal selvagem, agarrando


as barras e jogando seu corpo em um ataque violento para
sacudir sua prisão. Eu fico imóvel do outro lado. As barras não
cedem. — Foda-se você. Foda-se... — Diz isso sem parar, um
canto ofegante caindo de seus lábios.

Respirando pesadamente, ela cede contra o ferro, seu


aperto nas barras mal a mantendo em pé. Eu descanso minhas
mãos sobre as dela. — Há apenas uma saída, — eu digo. —
Você é inteligente o suficiente para descobrir como.

Seu olhar se fixa em mim. — Será que antes – entre nós


– significou alguma coisa para você?

Pressiono minha boca em seus dedos, inalo seu perfume.


— Significou tudo.

— Então você não pode fazer isso, Grayson. Você está


confuso... acha que isso é amor? Os disempáticos não
torturam seus entes queridos. Você deveria estar me
protegendo de sua doença, não infligindo isso em mim.

Uma risada explode livre. — Mas isso é um mito, certo?

Suas sobrancelhas se franzem. — E eu sou uma


mentirosa, certo?
Eu alcanço as barras e agarro a parte de trás de sua
cabeça, arrastando-a para mim para que eu possa prová-la.
Eu fico lá, apenas sentindo sua respiração pulsar contra mim,
antes de soltá-la. — Porque eu te amo, vou te dar o que eu
nunca dei a ninguém antes. — Seus olhos se arregalam
enquanto eu me afasto da cela. Ela se apega à esperança,
esperando ouvir a palavra liberdade. Mas não posso conceder
isso a ela. Está exclusivamente em seu poder ser libertada.

— Aqui está sua única dica, London, — eu digo, e pego a


vela. — Pense nisso como seu confessionário. O que a Dra.
Mary Jenkins era muito orgulhosa, muito vaidosa para
admitir, você pode divulgar em segredo. Apenas a cela para
ouvir seus sussurros.

Uma risada histérica sai de sua boca. — E uma câmera,


certo? — Com o ritmo, ela se acomoda ao lado de seu prato e
olha para a comida. — Eu não sou como a Dra. Jenkins. Eu
não lobotomizei meus pacientes.

— Não, você não fez. Isso teria sido muito óbvio. Você é
mais esperta do que isso. Melhor no controle de impulso. Mas,
ainda assim, aqui está você, assim como os outros, presa em
uma teia de seu próprio projeto. — Eu me movo em direção à
porta. — É hora de admitir seus pecados, London. Você
torturou seus pacientes. Retalhou suas mentes. Brincou de
Deus, tentando encontrar uma cura para si mesma. Assim que
você puder admitir isso, a porta da cela se abrirá.
Ela levanta os olhos do prato. — É isso que você quer que
eu confesse?

— Sim.

Ela levanta as mãos em sinal de rendição. — Muito bem.


Eu confesso. Agora abra a porra da porta.

Eu paro na porta. — Você sabe que não é tão simples,


amor.

É fugaz, mas por um segundo, o pânico desliza em seu


rosto. Está prestes a ser abandonada. Em uma gaiola como
seu pai mantinha suas meninas. Ela agarra suas roupas,
procurando por um fio solto, seu cabelo desgrenhado e
bagunçado. Selvagem e frenético. — Quero ver o arquivo de
Thom Mercer, — diz ela.

Esfrego minha nuca. — Essa é uma demanda difícil de


atender aqui...

— Eu quero ver, — ela rebate.

Eu expiro pesadamente. — Eu farei acontecer. — Então


eu me viro para sair.

— Não, — ela diz, me parando do lado de fora da porta.


— Meu pai não permitia luz em seu porão. Ele as mantinha no
escuro.

Eu mantenho seu olhar. Prometi libertá-la e o farei.


Liberte-a da dor e de sua humanidade incapacitante. Mas
primeiro ela tem que enfrentar a escuridão. Até ela sabe disso.
Desde o início, as pessoas dividiram o bem e o mal. Dois
seres lutando pelo domínio. Não acredito em seres divinos. A
vida é mais simples do que isso. Somos nossos próprios deuses
e demônios. Capaz do mal mais vil e da justiça mais sagrada.
Nós fazemos nossas próprias regras e criamos nossos próprios
céus e infernos.

Nós os escolhemos todos os dias.

Apago a chama e fecho a porta, apagando a luz. Deixando


London para a guerra com seus demônios em seu inferno
pessoal.
London

Certa vez, aconselhei uma mulher que tinha medo de ficar


sozinha. Seu marido a trocou por uma mulher mais jovem, sua
filha saiu de casa para a faculdade e ela se sentia inquieta o
tempo todo. Incapaz de dormir, incapaz de lidar com isso. Ela
sofria de ataques de pânico diários.

A casa está muito quieta, muito quieta, disse ela durante


uma de nossas sessões. Eu odeio o silêncio.

Foi essa paciente no início de minha carreira que me


impulsionou em direção à minha paixão e para longe das
donas de casa entediadas e dos maridos em crise de meia-
idade. Lembro-me do quanto a detestava quando me sentava
em frente à mulher que torcia as mãos. Não conseguia
simpatizar com ela; nunca odiei o silêncio. Nunca tive essa
necessidade ansiosa de estar rodeada de pessoas.

A solidão é um teste, eu disse a ela.


A solidão revela quem somos. O isolamento não é solidão;
é a ausência de ruído e distração. Isso o força a reconhecer o
seu valor. Se você precisa se cercar de pessoas, atrai distrações
de uma pessoa que merece seu tempo: você.

Sinceramente, eu acreditava que ela era uma mulher


vazia e sem valor que poderia muito bem estar tricotando
guardanapos na frente da TV durante o dia. Ela estava
perdendo meu valioso tempo com sua existência patética,
simplesmente porque não suportava ficar sozinha consigo
mesma. Ela era egoísta. Ela não gostava de quem ela era, então
ela iria me sujeitar à sua monotonia também.

Essa foi minha última sessão como psicóloga de clínica


geral.

As sessões anteriores tendiam a aumentar quando o


silêncio ficava muito alto. Quando tenho muito tempo para
pensar. Como agora, o silêncio é quase tangível, a escuridão
silenciando o mundo.

A solidão é um teste.

Sempre apreciei meu tempo sozinha, nunca temendo


ficar realmente isolada – mas talvez eu tenha sido muito dura
com minha paciente. Talvez este tenha sido o tipo de solidão
que ela sentiu. A privação absoluta em todos os sentidos.

Em parte, eu a compararia à morte, se ainda não tivesse


experimentado ser enterrada viva.
Estendo minha mão para fora da gaiola, em direção a
uma lasca de luz que sangra pela janela escurecida. Não tenho
noção de tempo, mas deve ser dia. Passei o que parecem horas
neste quarto escuro, encolhida em um canto, tentando esperar
Grayson sair. Mas o tempo é relevante, certo? Para Grayson,
talvez tenham se passado apenas alguns minutos.

Ele está me testando. Este é um teste no qual não posso


falhar.

Essa lâmina de luz do dia está fora de alcance, mas eu


ainda estendo a mão para pegá-la, imaginando seu calor
tocando meus dedos. É um conforto estranho.

Eu puxo minha mão de volta. Em algum lugar desta sala


está uma câmera. Grayson está me observando da mesma
maneira que observou suas vítimas anteriores. Se fosse
qualquer outra pessoa, eu lhes ofereceria dinheiro. Eu tenho
muito dinheiro. Posso até oferecer meu corpo. Tenho muito
pouca vergonha ou conexão emocional com toque físico e sexo.
Uma risada ofegante me escapa. Exceto quando se trata de
Grayson, aparentemente. Eu admito isso; estar com ele...
aquele fogo tão tentador... eu anseio por essa coisa ruim.
Tenho fome dele.

É como um vício em drogas do qual você não consegue se


livrar. Puxo sua camiseta para cima e inalo seu cheiro no
tecido. É como a ânsia entre os consertos. Minhas mãos ficam
trêmulas, com a pele úmida, esperando a próxima dose.
Portanto, tão prejudicial a você – mas absolutamente
satisfatório quando recebe aquela primeira pancada.

Eu deixo cair a camisa. Grayson não pode ser comprado


ou subornado. Ele tem seus próprios desejos para alimentar,
e eu tenho que satisfazer seus desejos depravados se vou
conseguir sair daqui viva. Tenho que encontrar uma maneira
de dar a ele o que ele quer sem sacrificar muito.

O cheiro do espaguete roí no meu estômago. Tentei


ignorá-lo, até mesmo empurrá-lo para fora da cela. Poderia
estar impregnado com algo. No entanto, se arriscar, me
aproxima um passo deste buraco infernal...

Aproximo a comida e pego um comprimido do prato. Eu


o quebro em dois e engulo a metade, em seguida, embalo o
resto. Como o macarrão e o molho de tomate com minhas mãos
em vez do garfo, rindo conforme me lembro quando uma
mulher me ensopou com sangue de porco e me chamou de
animal. Lambo o prato como o animal engaiolado em que me
tornei.

Então, deslizo o prato em direção à porta da cela. Atinge


a barra de canto com um ruído estridente. — Satisfeito agora?
— Eu pergunto. Faminta demais para me importar, inalei cada
macarrão, desconsiderando o fato de que provavelmente está
drogado. Provavelmente com um alucinógeno para melhorar
minha experiência. Eu rio alto com o pensamento. As
armadilhas de Grayson nunca são tão simples a ponto de
trancar apenas uma de suas vítimas em uma cela. Eu assisti
horas de tortura, as armadilhas elaboradas sempre tendo uma
reviravolta horrível. Suspeito que vou começar a ter
alucinações em breve, um colapso frenético onde esta gaiola se
torna o porão do meu pai.

Porque é isso que ele quer, certo? Assim como o túmulo,


devo sofrer como sofreram as vítimas de meu pai. Devo ser
punida no lugar do Hollows Reaper por seus crimes.

Apenas com o passar dos segundos, nada acontece. —


Estou desapontada com você, Grayson. Você perdeu uma
excelente oportunidade. Esta poderia ter sido sua melhor
armadilha.

Mas o pensamento se mantém. Meu porão de casa se


manifesta em minha mente, como se eu tivesse dado vida à
memória simplesmente pensando nela para existir. O
pensamento se agita na minha cabeça, deslizando dos cantos
escuros. As emendas da cela se dobram e se deformam. As
sombras pregam peças.

Aperto meus olhos fechados contra a escuridão. Maldito


seja aquele raio de luz escasso. Gostaria de saber se Grayson
permitiu que ele entrasse aqui de propósito para foder comigo.

Uma vez plantada a semente, não posso desarraigá-la. Eu


acompanho o comprimento da cela. Para frente e para trás.
Tento arrancar o pensamento da minha cabeça, enfim, me
canso.
Talvez eu nunca tenha conseguido sair do porão do meu
pai. Talvez eu tenha vivido uma vida inteira dentro de uma
ilusão e, na realidade, ele me encurralou naquela prisão úmida
todo esse tempo.

— Foda-se isso. — Eu me agacho no canto e envolvo meus


braços em volta das minhas pernas. Eu posso esperar ele sair.
Ele não pode simplesmente me manter aqui. Eu tenho que
comer. Eu tenho que usar o banheiro. Com um súbito lampejo
de medo, lembro-me de ter visto algo do outro lado da cela.

Eu rastejo até lá, sentindo minhas mãos diante de mim,


até que eu encontro. Eu círculo minhas mãos em torno da
borda. Um balde. — Oh, meu Deus.

Eu pulei e gritei. Eu grito até meus pulmões pegarem fogo


e meu estômago doer com o uso excessivo dos músculos. Eu
grito através das lágrimas de raiva, e quando minha voz falha
e cede, eu amaldiçoo Grayson com sussurros acalorados.

Ele não tem respostas.

O silêncio aumenta até que meus ouvidos zumbam com


a perda de som.

Eu mudo de posição. Eu ando. Eu faço meus exercícios


de rotina para aliviar a dor nas minhas costas. Tento não
tomar a outra metade da pílula. Eu falho e pego de qualquer
maneira. Então eu pego o segundo. Tento dormir e tento
contar. Eu bebo a única garrafa de água que ele me deixou. Eu
seguro minha bexiga, me recusando a usar a porra do balde.
Faço essas coisas repetidamente. Eu mudo a ordem,
fazendo-os aleatoriamente, tentando acionar algo... uma
mudança.

Até onde Grayson vai se livrar do carro? Uma hora... um


dia... dias? O silêncio fica mais denso e pesado, pesando sobre
mim no escuro. Estou ficando desorientada. Meus sentidos
confusos. Com o que sobrou da luz, tento ver minhas mãos.
Uma umidade fria as cobre – a mesma sensação que senti
naquele dia. Lembro-me do vermelho espesso... como revestia
minha carne, infiltrando-se em cada fenda da minha pele. O
sangue mancha até o osso.

Passando minhas mãos pelo cabelo, tento limpá-los.


Livrar-me da sensação. A imagem me vem muito clara agora.
A garota no espelho com cabelo manchado de sangue e roupas
sujas. Eu jogo a garrafa de água na imagem, esperando ouvir
o vidro estilhaçar.

Mas o único som a seguir o baque da garrafa batendo no


chão é o estrondo de um trovão. Eu viro minha cabeça. A luz
se foi.

— Maldito seja, inferno.

Eu pulo e alcanço as barras superiores. Meus dedos os


roçam e eu caio com uma dor aguda nas costas. Dobrada,
respiro com firmeza, me envolvendo mentalmente. Depois
tento novamente. Com um gemido, agarro as grades. Meus
braços queimam, mas eu me agarro e começo a balançar
minhas pernas. Construindo o momento, eu balanço para
frente e para trás, falando comigo mesma, antes de bater meus
pés descalços na porta da cela.

Teias de dor atravessam meu corpo. Bati no chão, a


respiração latejou de meus pulmões. Uma náusea aguda me
agarra antes que eu possa gritar, e eu me atiro de lado. Eu
tento o balde, mas está muito longe. Despejo meu estômago
bem aqui no chão.

Eu me desespero até que meu estômago esteja tão vazio


quanto o quarto, e não haja mais nada além de bile. As chamas
lambem minha garganta e eu mentalmente me amaldiçoo por
jogar a água. Quando rolo de costas, a dor é um demônio vivo
e respirando dentro de mim. Ele se enfurece, abrindo caminho
até minhas omoplatas. Minha respiração entra e sai. Eu pisco
para conter as lágrimas contra a oscilação repentina que cobre
minha visão.

Os flashes se intensificam, e não posso ter certeza se é da


dor ou da tempestade. Uma sequência de trovões se acende
com o tempo a cada volta da luz. Luz e escuridão. Meu coração
capta o batimento, meu sangue pulsando dolorosamente em
ritmo, sincronizando-se com a cintilação. Como uma bobina de
filme de 8mm, imagens arranhadas sangram através da névoa
da dor. Minha mente está perdendo a batalha.

A chuva martela nosso telhado de zinco. Os plinks vêm


mais rápido, com mais força, criando um ultrassom de
vibrações contra minhas pálpebras. Tento me afastar, mas a
tempestade lá fora não me deixa ir. Isso me lembra que ele
estará em casa em breve.

O riacho de pinheiros sussurra do meu passado. Vozes


flutuam pelos galhos finos para me insultar. Você sabe.

Balanço minha cabeça contra o chão. O movimento


inclina meu corpo para um penhasco, e estou caindo em
espiral, sem lugar para pousar, nada para agarrar. — Pare.

O riacho fica mais alto. Não está mais vindo das árvores.
Eu vejo suas botas descendo os degraus, seu peso curvando
as tábuas. Ouço o tilintar da chave entrando na fechadura,
então o rangido da porta se abrindo.

Ela está em pânico. Perguntando-me o que fazer. O que


vamos fazer?

Olho para a garota ao meu lado. — Sejam boazinhas.

Meus olhos se abrem de repente.

Não, não, não, não.

Rastejo para longe da memória, em direção a essa faixa


de luz. Cadê? Deus, onde diabos está?

A queda sacudiu algo dentro de mim. Uma das portas


lacradas saiu das dobradiças.

Eu ouço a voz de Sadie: uma vez que você quebra as


fechaduras, não há como voltar atrás.

A que distância vai a toca do coelho?


É a voz de Grayson me guiando em direção a essa luz
agora enquanto meus dedos arranham o chão. Cada impulso
para a frente envia um látego de dor quente como fogo pela
minha medula espinhal. Posso absorver as chicotadas, até
mesmo recebê-las, porque a dor é real. Eu sei que ela existe e
por quê.

Mas as lembranças que inundam minha mente estão


fluindo muito rápido. Extremamente esmagadoras. Minha
mente se fratura, tentando separar a verdade da ficção.

Ele me drogou. Grayson deve ter me drogado. Eu me


agarro a essa esperança, desesperada para que as imagens que
assaltam minha cabeça se dissolvam de volta no abismo. Mas
onde antes havia escuridão, uma luz brilha, iluminando
aqueles cantos assombrados.

Alcanço as grades e seguro firme enquanto desço o túnel.

Eu não sou filha do meu pai.

Não por sangue. Não por uma mulher sem nome e sem
rosto que morreu depois que eu nasci. Esse não é o jardim
dela. Essa não é a nossa casa. Nasci no dia em que ele me
roubou. Trouxe-me para seu mundo de fechaduras, chaves e
grades. Nasci em um mundo escuro – depois que fui arrancada
da luz.

— Ele me roubou.

Mesmo quando me aprofundo, a psicóloga em mim nega


tudo. Memórias reprimidas não são confiáveis. Elas raramente
são precisas. Elas são a maneira que a mente usa para
reapresentar memórias, classificando muitos momentos que
não podemos catalogar. Eu quero continuar a negar, mas é
como se uma mortalha tivesse sido levantada. Tudo tão claro,
tão vívido.

Tão real.

E eu nunca me senti tão só.

Você sabe.

Eu sei. Sempre soube das meninas, porque já fui uma


delas. Até que ele me puxou da cela e me manteve para si. Ele
era um policial. Ele era a porra do xerife. Claro, ele também
era meu protetor. Fiquei em seu hospício de boa vontade e
deixei o outro mundo para trás, trancando-o para sempre.

O homem que matei não era meu pai. Mas os pacientes


que torturei para entender quem eu sou, o que sou... de
repente, eles são muitos. As portas se quebram no meio, a luz
se estilhaçando nas sombras e a sobrecarga aciona o
interruptor de desligamento.

Eu desliguei.
Grayson

Quarenta e seis horas na jaula e London perde a luta.

A mente é um lugar fodido.

Aperto o botão Parar no gravador e registro o tempo com


minhas anotações. A primeira metade foi gasta me
amaldiçoando, me culpando, listando as maneiras pelas quais
eu deveria morrer – gostei dessa parte. Ela não percebe o quão
talentosa ela é – e espera pela reviravolta. Eu sorrio enquanto
anoto sua suposição sobre as drogas. Não é uma má ideia.
Talvez na próxima vez.

Suas últimas quatro horas... Essas foram as mais


difíceis. E a mais reveladora. Mesmo uma mulher obstinada
como a Dra. Noble não pode manter os demônios trancados
para sempre. Eu a vejo na tela do computador agora, seus
braços embalando seu corpo enquanto ela dorme.

A negação é um exercício mental extenuante. Você tem


que estar completamente, totalmente delirante para não se
curvar quando confrontado com a veracidade em sua forma
mais pura. Independentemente de seu comportamento,
London não sofre de crenças idiossincráticas. Ela não está
delirando. Dominar a arte de mentir era um mecanismo de
sobrevivência para se proteger, para capacitá-la a buscar a
grandeza apesar da mágoa, do dano aos outros.

Só teve que puxar sua linha até que o carretel se


desenrolou, revelando a verdade. Fico satisfeito com a analogia
enquanto minha mão voa sobre a página do diário. Eu quero
me lembrar do nosso momento. Será importante mais tarde.

Posso afirmar que sabia todas as respostas antes de


entrar na sua sala de terapia pela primeira vez? Não, de forma
alguma. Não como eu costumo fazer. Montar uma extensa
pesquisa sobre um assunto antes das apresentações. Mas com
ela – ela era diferente, especial. Havia apenas um sentimento.

Algo que eu desacreditava como sendo uma besteira


durante toda a minha vida. Eu trabalho com fatos e provas,
não com instinto ou intuição. Confio no que grandes mentes
antes de mim testaram e estudaram e produziram provas
concretas disso.

Mas como eu disse, ela é diferente. Senti aquela conexão


semelhante com ela e tornou-se uma compulsão separar nosso
relacionamento, dissecá-lo e juntar as peças de uma forma que
eu pudesse analisar e entender.

Fui contra a minha natureza ao confiar no instinto neste


caso. Confiar nessa nova sensação estranha que aquece meu
sangue sempre que penso nela. O amor – se é isso que
realmente é – decidiu que éramos iguais, e ela ofereceu uma
prova. Finalmente.

Eu viro a página, apoiando a esferográfica no diário


enquanto clico de volta na filmagem. Cabelo em uma bela
desordem sobre o rosto, ela sussurra sem parar, balançando
contra o chão. — Ele não é meu pai.

Aproximo-me de sua imagem, uma emoção ansiosa se


contorcendo dentro de mim. Este momento é muito visceral
para ser uma atuação. A admissão muito específica, explícita.
É a verdade dela – e sua verdade combina com a minha. É o
que me chamou a atenção e por que pertencemos um ao outro.

Somos as crianças roubadas criadas por monstros.

E agora ela sabe disso também.

— Eu quero sair. — A voz de London quase não se ouve.


Aumento o volume. — Deixe-me sair dessa merda de
armadilha.

Ela está tão perto, mas ainda não entende tudo


completamente. Isso não é uma armadilha. O enterro, a cela...
é uma preparação para sua armadilha. Ela não pode entrar até
que esteja preparada, com sua mente aberta e pronta para
aceitar nossa realidade – para nos aceitar.

Ela está tão perto.


Fecho a filmagem e volto para a transmissão ao vivo. Eu
torço meu pescoço, trabalhando para fora a torção, então me
levanto e me estico. Meu corpo está tão sobrecarregado quanto
o de London. Ela não passou por isso sozinha. Eu estive com
ela. E quando ela cair na armadilha, ainda estarei com ela.

Olho pela janela, animado para ela ver nossa obra-prima.

Antes dela, incontáveis horas foram gastas nesta sala


projetando, elaborando. Modelando. É minha casa longe de
casa e, quando acabar, ficarei de luto – mas reconstruirei.
Maior, melhor e mais complexo. Com ela.

Enrolo minhas mangas e alcanço minhas costas, traço as


equações tatuadas entre minhas omoplatas. Então retiro meus
planos, aqueles que desenhei com a tinta gravada em minha
pele. O desenho de sua armadilha começou há nove meses em
uma cela de seis por oito. Com alguns ajustes personalizados
modificados para as especificações atualizadas, agora está
quase completo.

Eu coloquei até a última gota de mim nisso. É meu


coração e minha alma, se é que existe. Eu construí para ela, a
partir de alguma emoção estranha que me consumia, me
atormentava, até que fui forçado a ceder. Há uma linha tênue
entre paixão e obsessão – e cruzei essa linha no momento em
que a vi.

Não dei ouvidos aos meus próprios avisos, no entanto. Ao


longo do nosso enredamento, tornei-me dependente do
sucesso dela. Quanto a mente pode suportar? Mesmo quando
você sabe que o desastre está chegando, não consegue desviar
o olhar. Somos um pouco doentes por causa disso.

Esta armadilha vai testar a todos.

Imaginei o momento ao pôr-do-sol. Algo sobre o


crepúsculo combina com a cena. Com o pó das estrelas
espalhando um céu pálido, o espelho dos grilos no pano de
fundo. Claro, teremos nossa própria orquestra de gritos e
roldanas, uma trilha sonora para o balé perfeitamente
coreografado. A dança de London.

Gancho a última chave, dou-lhe um toque para vê-la


girar. Brilho prateado brilhante ao pôr-do-sol.

Quando estou satisfeito com todos os detalhes no lugar,


viro a tela do laptop na minha direção e habilito o microfone.
— É hora de acordar, amor.

London se agita, então sua cabeça se levanta e ela olha


em volta. — Seu bastardo perverso. Deixe-me sair daqui!

Ainda há muita luta nela. Ótimo. Tê-la completamente


quebrada não funcionaria. — Você está pronta?
Sua mão se levanta para me virar. Suponho que isso seja
resposta suficiente.

Sou como uma criança em uma loja de doces quando me


dirijo para seu quarto. Eu giro meu chaveiro, meus passos
apressados, impaciente. Pelo menos, presumo que é assim que
uma criança normal e saudável se sentiria à espera de seu
presente especial. Tenho pouco a comparar com este
sentimento, o pavor tinha sido minha emoção proeminente
durante minha juventude.

Acendo a luz. O comportamento de London é perturbador


quando me aproximo da cela. Eu não consigo evitar o sorriso
de enrolar meus lábios; estou tão ansioso. — Faz apenas
alguns dias, — eu digo, olhando para sua aparência
desgrenhada. — Você está horrível.

Seu brilho carece daquela certa centelha desafiadora que


passei a adorar. — Estou doente, Grayson. Eu preciso de um
médico.

Destranco a porta da cela com um gemido. Pensei que


agora já teríamos passado pelas mentiras. — Nós já
estabelecemos sua doença, baby. O que você tem... não há
cura. — Eu seguro minha mão na barra, bloqueando a
abertura. — Sou a coisa mais próxima de um médico que você
vai chegar.

Ela está com as pernas trêmulas, os braços abraçando a


cintura. — Estou com febre, seu idiota. Eu preciso de...
— Eu tenho antibióticos. — Entro e penduro o vestido em
uma barra. London nota o vestido de cetim preto pela primeira
vez. — Eu tenho uma variedade de remédios para toda e
qualquer doença. Está ficando tarde. Precisamos limpar você e
se vestir.

Seu olhar não se desvia do vestido. — Que diabos é isso.

— Seu vestido para o jantar. Você está com fome,


presumo.

Ela deixa cair as mãos em punhos ao lado do corpo. —


Não sou a porra de seu jogo.

— London, tenho sido extremamente paciente. Vamos.

Ela levanta uma sobrancelha. — Faça-me.

Passo a mão pelo meu cabelo. Dois dias não foram


suficientes. Mas estamos ficando sem tempo. Para todos os
efeitos, o vestido não é um requisito para sua armadilha. Mas
ela usa seus ternos caros e saias lápis para se proteger como
uma armadura. Eu a quero fora de sua zona de conforto.

Além disso, tentei escolher o traje perfeito para esta noite.


O cetim preto vai aderir às suas curvas, a lingerie roxa por
baixo combina com as contas de vidro fumê do xale de pérola.
Lembrando-me de seu perfume lilás. Minha virilha lateja em
antecipação.

Eu puxo o vestido do cabide e abro o zíper das costas. —


Tire suas roupas.
Ela dá um passo para trás. — Não.

— Mais dois dias na cela, então?

Ela solta uma risada. — Você não tem muito tempo. —


Ela cruza os braços. — Posso estar com febre, mas você se
esquece de que ainda sou sua médica. Posso ver em seus
músculos saltados. Seus movimentos ansiosos e sua
respiração agitada. O que me espera fora desta cela é muito
pior do que o que eu sofri dentro dela. E sabe que eles estão
me procurando. Eles estão se aproximando, não estão?

Jogando o vestido no chão, eu me movo. — Se você não


se despir, eu o farei por você. E me certificarei de desfrutar
disso.

Suas feições endurecem. — Você foi sequestrado quando


criança, — ela acusa, dando mais um passo para trás. — É por
isso que você se recusou a falar sobre seus pais durante as
sessões.

Eu paro na frente dela. — Os jogos mentais são para mais


tarde. — Eu disparo para ela, dando a ela um segundo para
reagir e virar antes de envolver meus braços em torno de sua
cintura.

Ela está fraca demais para lutar muito. Eu luto com ela
no chão e de costas, prendendo seus pulsos sob meus joelhos.
— Esperava que pudéssemos trabalhar em algumas
preliminares antes do jantar. — Ela se contorce debaixo de
mim enquanto agarro a camiseta e a rasgo ao meio.
— Está doente...

— Já estabelecemos isso também. — Relaxo para chegar


ao seu moletom.

Sua mão escorrega. Antes que eu possa recuperá-lo, ela


brandiu um garfo. — Você pode jantar com o diabo, seu
bastardo cruel.

O garfo se aloja em meu estômago, mergulhando sob


minhas costelas, do jeito que ela uma vez esfaqueou outro
homem que se atreveu a trancá-la em uma cela. Eu rio da
ironia enquanto agarro o utensílio.

Ela usa os joelhos para me empurrar, então rasteja em


direção à porta, ficando de pé quando ela sai da cela.

Eu rolo e me preparo. Rangendo os dentes, eu puxo o


garfo. Minha mão fica vermelha, minha camisa absorvendo o
sangue. Coloco a palma da mão na ferida. É doloroso, mas não
fatal.

Estou seguindo seu rastro pelo corredor quando a ouço


gritar. Não demorou muito para localizá-la. Ela está
esparramada no chão, seu pé pendurado em um arame.

Eu pego a parte de trás de sua calça e a levanto do arame


antes de rolar e montar suas pernas. — Vou presumir que você
pretendia acertar órgãos vitais.

Ela cospe na minha cara e adoro a forma como o


movimento faz os seus seios saltarem.
Eu corro minha língua sobre meu lábio inferior,
provando-a. Em seguida, fechando minhas mãos em volta do
pescoço, eu me inclino. — Bons sonhos, London. — Eu aperto.

Seus suspiros por pulsação de ar contra meus dedos.


Suas unhas arranham minhas mãos. Eu vejo seus olhos
ficarem vermelhos enquanto os vasos estouram com a pressão.
Quando suas mãos caem, eu estrangulo com mais força e
pressiono meus lábios nos dela, provando seus apelos rasos
antes que ela desmaie.
London

O pânico explode no momento em que a consciência me


arrebata de volta ao mundo.

Não abro meus olhos. Eu os mantenho selados enquanto


imploro pelo retorno daquele esquecimento pacífico – aquele
nada abençoado. Mas assim que ele roubou o mundo, ele me
força a recuar, agitando sais aromáticos sob meu nariz.

Eu viro minha cabeça, grogue. — Por que não consigo me


mover?

Minha voz está rouca, minha garganta áspera e pescoço


dolorido. Uma onda de náusea percorre meu estômago. Não
consigo mover minha cabeça sem que a dor atinja meus
ombros. — Você me sufocou. Por que você simplesmente não
me matou?

Ouço um som de raspagem, então quando ouso abrir


meus olhos, Grayson está sentado ao meu lado.
Conforme minha visão clareia, o resto dos meus sentidos
também. Estamos sob uma varanda, a noite fresca com o sabor
do ar fresco da montanha. O brilho das luzes drapeadas
preenche o espaço, mantendo a escuridão além do meu olhar.
O cheiro da comida me atinge, fazendo minha boca encher de
água e meu estômago doer de fome. Então eu noto a falta de
sensibilidade em meus membros, e o medo me assusta de
forma coerente.

— A corda não fazia parte do projeto original, — diz


Grayson, pegando um copo d'água. — Mas não pude resistir
ao simbolismo.

Eu olho para baixo. Estou amarrada com um barbante


preto grosso. Ele atravessa meu corpo, corta minha pele.
Também estou usando aquele maldito vestido.

— Contida por seus próprios dispositivos, — ele continua.


— Suas próprias limitações auto induzidas. Como você vai
escapar das restrições que você impôs à sua carne?

Eu pisco para ele, impressionada.

Ele dá de ombros e leva o copo aos meus lábios. —


Multidão resistente. Achei que a metáfora era adequada.
Aquele barbante sempre enrolado com tanta força em torno de
seus dedos, cortando o fluxo sanguíneo, do jeito que você se
isola de viver. Então entra no labirinto, seguindo os gritos, para
encontrar o teste final.
Labirinto? Escuto então – o som que estava no fundo até
que ele mencionou, trazendo-o para frente. Gritos vêm do
escuro, alcançando meus ouvidos.

— Quem é esse? O que você fez, Grayson?

Ele me faz beber a água e luto para forçá-la a passar pela


minha garganta apertada. Mas algo mais está... errado.

Viro minha cabeça para longe na recusa, e noto meu


cabelo úmido enquanto ele se arrasta sobre meus ombros nus.
— Você me drogou, — acuso.

— Eu não queria, se isso faz diferença.

— Não faz. O que você usou? — Minha cabeça está


confusa. Preciso saber se sofrerei algum efeito colateral.
Preciso pensar. Preparar-me.

— Clorofórmio. — Ele afirma isso de forma tão casual,


indiferente. — Precisava de um banho e, por mais atraente que
pareça, lutar com você na banheira teria consumido muito
tempo. — Então ele agarra minha mão. — Você está assustada.

— Não tenho medo de você.

Ele envolve minha mão entre as suas. — Você está com


medo, London. As mãos ficam frias quando o sangue flui das
extremidades. É uma resposta psicológica reveladora. — Ele
me solta. — Vamos comer.

Desliza um prato para mais perto, depois corta um


pedaço de bife de um filé. Tento esticar a cabeça na direção dos
gritos, mas é doloroso, e a noite mascara a paisagem além da
varanda.

— Nunca perguntei, mas presumi que você não fosse


vegetariana.

Muito faminta para me importar, eu me inclino para


frente e mordo a carne do garfo.

Ele corta outro pedaço. — Quanto da sua memória você


recuperou? — ele pergunta, me oferecendo o bife.

Pego a comida, mastigando devagar. Eu não quero voltar


lá. Permiti que minha mente escorregasse uma vez... Não posso
me dar ao luxo de perder o controle novamente. — Eu me
lembrei o suficiente.

— Você se lembra de quantos anos você tinha quando foi


levada? — Grayson seleciona uma cenoura cozida no vapor
desta vez. — Eu me lembro bem. Eu tinha sete anos. Muito
velho para aquela coisa de memória seletiva, onde a mente
reprime coisas ruins para se proteger. — Ele me alimenta com
a cenoura. — Você devia ser mais jovem.

— Eu não sei, — admito. Nem sei se o que experimentei


na gaiola foi real ou alguma viagem induzida por drogas. — Por
que você não me conta? Parece já saber tudo sobre mim.

— Se eu soubesse de tudo, não estaríamos aqui. E se nós


dois soubéssemos todas as respostas, estaríamos muito além
dessa besteira de cortejo.
Eu rio. Não consigo evitar, estou completamente louca. —
Cortejando. Suponho que isso seria considerado namoro com
um psicopata. Um jantar romântico depois de algumas
preliminares de estrangulamento.

Os gritos diminuem, quase inaudíveis agora. Ele limpa


um guardanapo de pano sob meus lábios. — Então você
prefere algo mais mundano, como jantar e um filme. Onde eu
aborreço você com minhas realizações profissionais. E você se
força a me bajular, acariciar meu ego, o tempo todo eu espero
que fique bêbada o suficiente para uma foda rápida e
desleixada no final da noite.

Eu olho para ele.

Seus lábios se curvam em um sorriso. — Você gosta da


sua tortura, não é?

— Sabe do que eu gosto mais? Pessoas que cumprem sua


palavra. Você disse que uma vez que eu confessasse os maus
tratos e a conduta imprópria de meus pacientes, então me
liberaria. — Levanto meu queixo. — Tenho certeza de que tem
uma gravação disso escondida em algum lugar... então, o dano
está feito. Minha carreira certamente será arruinada. Meus
arquivos foram confiscados. Especialistas ligaram para
reavaliar meus pacientes e tratamentos. Você ganhou,
Grayson. Outra punição bem-sucedida aplicada e sofrida.

Ele empurra o prato e eu lamento a perda de comida. —


Eu tenho suas confissões gravadas, mas elas não vão adiantar
nada. Você estava meio delirando, claramente sob coação em
meio ao seu sequestro nas mãos de um louco. — Ele se levanta
e olha para mim. — Não é por isso que você teve que resistir e
passar no teste.

A ansiedade envolve meu peito como uma cobra enquanto


ele empurra a mesa para trás, criando um espaço para ele se
ajoelhar na minha frente. Percebo a mancha de sangue em sua
camisa. Onde eu o esfaqueei. Eu olho a faca na mesa.

Tento me afastar, mas minhas pernas estão presas com


tanta força quanto meus braços. Meus pés descalços
arranham o concreto.

Ele coloca as mãos nas minhas coxas, provocando uma


reação visceral. O contraste do cetim frio e o calor de seu corpo
inflama minha pele. Quero fugir e estar mais perto dele de uma
vez.

— Você sabe quem era a garota? — ele pergunta. A


sensação de seu toque rouba o ar dos meus pulmões enquanto
suas mãos sobem, o vestido de seda sussurrando sobre minha
carne. — A garota na gaiola com você. Quem era ela?

Suspiro com a pressão crescente. — Eu não posso ter


certeza, — eu digo. Seu rosto sujo pisca diante dos meus olhos,
espontaneamente. — Mas eu acho... acho que a amava.

A honestidade é tudo que nos resta. O que quer que


Grayson tenha planejado para mim, meu único recurso é a
verdade. Ele vê através do meu disfarce, a fachada que eu exibo
para o mundo, e ele não me julga da maneira que faz. Admitir
as facetas mais sombrias e perturbadoras de minha psique
pode me dar tempo.

E se estou sendo completamente honesta comigo mesma,


quero dizer a ele. Ele foi roubado – ele tem toda essa
experiência e vida como uma criança sequestrada, criada pelas
pessoas que o levaram... e isso é fascinante. Mas também é
sagrado para quem ele é e as respostas que ele guarda com
esse conhecimento.

Ele desliza as palmas das mãos sobre minhas pernas.


Posso sentir a ameaça abrasiva de seu toque áspero sob o
material frágil. Eu quero isso – e me detesto por querer. —
Amor, — ele repete, como se estivesse soando, provando, da
mesma forma que estou na minha cabeça.

— Ela parecia familiar, — eu digo. — Como família. Como


uma…

— Irmã. — Ele olha para mim.

Assim que ouço a palavra, o reconhecimento desperta


uma memória. — Mia. — Pequenos detalhes, vislumbres
rápidos de nossa vida, gotejam em minha mente. Seu cabelo
loiro sujo fazendo cócegas em meu rosto. O sorriso dela. Suas
lágrimas. A risada dela.

Então...

Ele a tirou de mim. A corrente constrói, um fluxo de


lembranças me inundando. Ela foi arrancada através das
grades, para fora do porão e para longe de mim. Eu não preciso
recuperar todas as minhas lembranças para saber a verdade.

Ela está enterrada com as outras.

— London, respire. — A voz de Grayson me persuade para


longe do canto escuro, e eu engulo uma respiração ardente.

— Não quero me lembrar, — confesso. E eu não quero. Se


ele a torturasse na minha frente, se a matasse... minha mente
me protegeu, protegendo-me de um mal que nenhuma criança
poderia processar. Mesmo agora, a dor apertando meu peito é
tão estranha que não consigo suportar o aperto. Eu não quero
sentir. — Ela não pode ser minha irmã, — eu sussurro.

— Só há uma maneira de descobrir.

Com isso, meu olhar pousa em Grayson, preso em sua


declaração. — Desenterrá-las, — eu digo. Só que dessa vez,
quando sai da minha boca, o significado é diferente, claro. O
teste de DNA provaria se eu tivesse uma irmã. Provaria tanto...

— Você nunca obterá respostas dele, — diz Grayson. —


Mas se passar no teste final, não precisará mais delas.

Ele enterra a cabeça no meu colo e o reflexo de tocá-lo


acerta como um fósforo. O anseio flameja duro e negro entre
nós. Fortaleço minha força de vontade, esforçando-me para
manter alguma aparência de mim mesma.

Pense. A única pergunta que eu exigiria que meu pai


respondesse é por quê.
Mas também sei disso, não é? Estudei e analisei seu
distúrbio ao longo dos anos. A menina, minha irmã, Mia – ela
era muito mais velha do que eu. Ela era tão velha quanto as
meninas enterradas em nosso quintal. Ela tinha sua idade
alvo, e eu? Eu simplesmente atrapalhei.

Então a questão é: por que ele me manteve?

— Ele não me amava, — raciocino em voz alta. — Não da


maneira como um pai ama seu filho. Ele estava me
preparando. Eu era um projeto. E quando eu falhei com ele,
era apenas mais uma adolescente desobediente que precisava
de punição.

Grayson agarra minhas pernas, me aterrando. E eu o


deixei. — Ele ia me matar, — digo, sabendo que agora era
absolutamente verdade. Meu pai – o único pai que conheci –
estava esperando que eu atingisse a maioridade.

— Se você não o tivesse matado primeiro. — Ele encontra


meu olhar enquanto alivia o vestido acima dos meus joelhos.
— O sentimento, a emoção que chamamos de amor é apenas
uma substância química no cérebro. Um produto químico ao
qual nunca tivemos acesso, mas isso significa que somos
demônios? — Ele fuça minhas coxas, seus lábios puxando meu
vestido mais para cima. O calor queima minha carne. — Nós
nos amamos ou somos apenas loucos um pelo outro? Eu sei
que estou louco – irritantemente louco por você. A obsessão é
uma emoção muito mais evocativa do que o amor.
O fervor de seu toque aumenta, envolvendo-me em
chamas. A sensação sensual de suas palmas nas minhas
coxas, pele com pele, desperta um desejo carnal dentro de mim
que pode ser apenas semelhante ao amor. Eu quero Grayson,
apesar – ou talvez por causa – das coisas que ele faz comigo
que ninguém mais ousaria.

— Eu não nasci assim. — Viro minha cabeça, meus dedos


procurando desesperadamente pelo barbante.

— Não nascemos no dia em que respiramos pela primeira


vez. Nós nascemos no momento em que o roubamos.

Fecho meus olhos, sentindo a verdade crua e dolorosa de


suas palavras. — Somos monstros. — Olho para ele então, sem
fôlego e dilacerada. — E nosso amor é essa coisa monstruosa
que vai nos devorar.

— Pode ou pode levar embora toda a incerteza e dor, —


diz ele. — Isto é certo, London. Nascemos sem remorso ou
culpa, porque fomos projetados para tirar a vida. A vergonha
que você sente, a culpa... não é real. Treinou a si mesma para
sentir emoções que não existem. Sua mente se desapegou de
certas áreas da realidade para protegê-la do que você
realmente é.

— Uma assassina, — eu sussurro. Uma dor lateja na base


do meu crânio e fecho os olhos. — Não. Você está doente. Eu
estou doente. Nós precisamos de ajuda.
Sua risada profunda vibra contra minhas pernas. —
Estou doente. Eu estou apaixonado. Mas todo amor é uma
doença. As pessoas fazem coisas umas com as outras... casais
empregando táticas enganosas para tentar mudar um ao
outro. Transformá-los em uma versão melhor de si mesmos em
nome do amor. Somos apenas mais honestos sobre isso. Não
precisamos adoçar o processo.

Eu balancei minha cabeça. — Estava bem antes de você


aparecer.

Ele dá um beijo na minha coxa e se levanta, pairando


sobre mim. — Você não estava bem, London. Você estava se
afogando.

Eu o vejo caminhar até o fim da mesa e tento novamente


me libertar do fio grosso. Não posso perder o controle da
realidade. Tenho que permanecer mentalmente forte, mas não
tenho mais certeza de nada – não tenho certeza de mim
mesma.

Grayson retorna com uma pasta. Ele a deixa cair sobre a


mesa, o conteúdo derramando-se sobre a toalha branca. —
Não consegui acessar os arquivos dos pacientes. Não sem nos
entregar. Isso é muito perigoso. — Ele tira uma página da
pilha. — Mas consegui tirar isso da Internet. Espero que seja
suficiente.

Ele coloca a página no meu colo, a manchete ousada


demais para se enganar.
— Serial Killer condenado, é encontrado enforcado em
instituição mental, — ele lê em voz alta. Outra página é
colocada no topo. — Assassino incendiário encontrado morto
na cela. — Então outro. — O suicídio tira a vida do estuprador
condenado.

As páginas continuam a se empilhar, cada título um peso,


cada nome um rosto. Aumenta até que a dor na minha cabeça
grita, e eu grito: — Chega...

Ele ajoelha-se diante de mim, Grayson estende a mão e


toca meu cabelo. — Eu adoro quando você usa esse cabelo
solto. — Ele coloca os fios sobre meus ombros nus, situando o
xale frisado, seu toque calmante, gentil. Eu me concentro em
me aterrar enquanto uma onda de náusea passa por mim.

— Eu não os matei, — digo, tão baixo que mal posso


distinguir minha própria voz.

— Não, — ele diz, removendo as páginas impressas do


meu colo. — Você não os matou. Apenas deu a eles os meios
para se matarem.

O mundo se inclina.

— Assim como seu paciente ou vítima mais recente, Dale


Riley.

Eu pisco com força, implorando ao mundo para se


endireitar. — Não. Riley foi transferido para fora do programa.
Um sorriso enviesado aparece em seu rosto. — É assim
que você chama? Transferindo para fora. Eu gosto disso. Você
é excepcional, London. A maneira como você é capaz não só de
conduzir uma vida profissional, mas também de prosperar
nela. Todos ao seu redor, o mundo inteiro, investiram em sua
mentira. A verdade é que Riley enfiou uma bala em sua cabeça.
Roubou a arma de um oficial e aqui... — ele angula dois dedos
sob o queixo— ... pow.

Eu viro minha cabeça, incapaz de olhar em seus olhos


frios por mais tempo.

— Você vê, London. Agora que a verdade lhe foi mostrada,


nunca mais verá a mentira. Você está liberada.

— Liberada, — repito, tentando entender o significado. A


palavra parece bizarra.

— Ninguém entende você melhor do que eu. Não há


ninguém que a conheça mais intimamente, que irá amá-la com
mais paixão. — Ele acaricia meu rosto, em seguida, coloca sua
mão sobre a minha, acariciando a cicatriz tatuada ao longo da
minha palma. — Nós até nos marcamos da mesma forma.
Nossas mortes gravadas e marcadas em nossa carne.

Eu engulo. — Eu só tirei uma vida.

Suas sobrancelhas se erguem. — Tirou seis vidas. Não


com suas próprias mãos, você quebra suas mentes, planta
uma semente sombria e ajuda-a a crescer, até que suas vítimas
tenham apenas uma escolha. — Ele pega a faca. — Nós somos
iguais.

Minhas pálpebras estão pesadas demais para mantê-las


abertas. Eu as deixo cair enquanto um movimento oscilante
me embala para algum plano superior de consciência. Se eu o
deixar me matar, apenas acabar com minha vida, não terei que
enfrentar essa verdade novamente amanhã. Isso pode terminar
aqui.

Um movimento repentino me empurra de volta. Eu ouço


um grande rasgo, e meu braço é liberado quando o fio é
arrancado. Abro os olhos enquanto Grayson usa a faca para
cortar meu outro pulso. Ele coloca a faca na minha mão.

— Você tem negado a si mesma a honestidade de quem


você é, — diz ele. — E eu tenho sido fraco. Eu tenho tanto a
responder quanto você. Minhas vítimas não mereciam a
misericórdia que eu mostrei a elas, mesmo dando a elas a
escolha de se redimirem. Fomos colocados aqui por um motivo,
projetados para um propósito. Agora que nos encontramos,
não precisamos mais nos submeter às suas leis.

Eu fico olhando para ele, um Deus lindo e sombrio


elevando-se sobre suas próprias criações insanas. — Você está
absolutamente louco.

Seu sorriso está estilhaçando. — E mal posso esperar


para você se juntar a mim.

Eu agarro a faca, com minha adrenalina aumentando.


— Mas, estou lhe dando uma escolha. Depois disso, não
há mais opções. Este é o nosso fim.

Olho para a escuridão, então para ele. Meu peito formiga


com antecipação. — Quais são as minhas opções?

— Um ano atrás, eu estava perseguindo um homem antes


de ser levado sob custódia. Ele seria minha próxima vítima.
Agora ele é seu. Meu presente para você.

Os gritos pararam, mas com um choque de consciência


assustadora, agora sei por que eles existem. — Não. Grayson,
por favor. Você não pode fazer isso comigo.

— Eu não fiz nada para você além de revelar a verdade.


Mas estou forçando você a finalmente escolher, parar com as
mentiras, London. Não posso lhe dizer o quanto quero que você
faça exatamente isso.

— Não vou jogar este jogo. — Eu jogo a faca para baixo,


enfatizando meu ponto.

— Então você vai voltar para o seu mundo e... o quê?


Confessar sua má conduta? Perder sua licença e possivelmente
até mesmo cumprir pena de prisão?

Não. Eu me recuso a sofrer da maneira que a sujeira


debaixo de mim sofre. Afasto esse pensamento.

— Imaginei que não. — Ele pega a faca e a coloca nas


minhas mãos mais uma vez. — Então escolha. Depois de tudo
que descobrimos, tudo que agora você sabe. Acha que está
acima de tirar uma vida?

— Sim.

— Vamos descobrir.

Ele se vira em direção à escuridão. — Você tem até de


manhã para decidir. Liberte-se da corda, passe pelo labirinto e
faça sua escolha. Pode libertar nossa vítima por meio de
reabilitação ou pode acabar com sua vida.

Oh, Deus.

— Comece.
London

O que significa ser liberada?

Durante minha carreira como psicóloga profissional,


aconselhei muitos pacientes, cada um mentalmente
acorrentado de uma forma ou de outra, acorrentado e limitado
por obstáculos. Mesmo as personalidades mais perturbadas
que se acreditavam livres eram governadas por uma psicose
paralisante.

Tire nossa matéria e existimos apenas em pensamento.

Todos nós somos pensamentos nascidos do caráter. Cada


novo momento, cada nova direção que tomamos e jornada que
nos aventuramos é primeiro gerado pelo pensamento. Este
pensamento aqui, esta é a minha transformação.

Estou sendo batizada pelas trevas.

Olhei para o meu reflexo e vislumbrei a verdade nua e


crua. Não distorcida pela imagem que nossa mente cria.
Quando confrontado com essa franqueza, você pode aceitar ou
quebrar.

Ninguém pode sobreviver à destruição absoluta de sua


mente. Não somos vidro temperado, somos fragmentos
delicados e estou quebrando.

Usei minhas habilidades para distorcer as mentes de seis


homens? Fui a arma do crime em suas mortes? Ou Grayson
destruiu minha mente?

Qual realidade é verdadeira?

Meus pés descalços batem na terra enquanto corro em


direção à borda da floresta. A casa de Grayson ergue-se alta e
ameaçadora contra o céu noturno, suas luzes cintilantes um
halo refratado no ar fresco. Uso a luz esparsa para me guiar
até a cerca. Estou quase lá.

A estática explode, estalando contra a escuridão. — Tocar


na cerca vai encerrar o jogo muito cedo, amor. Você não quer
fazer isso.

Eu ofego, meu peito aperta, enquanto olho para o arame


farpado. Posso ouvir o zumbido de eletricidade zumbindo ao
longo da cerca de metal. Bastardo. Olho em volta, desesperada
por outra fuga.

— Há apenas uma saída, — a voz desencarnada de


Grayson diz. — E já está lá dentro.
A entrada do labirinto do jardim está diante de mim,
rodeada de altos muros de vegetação.

— Isso é uma loucura, — sussurro para mim mesma. —


E se eu recusar? — Eu grito. — E se eu ficar aqui sentada a
noite toda?

O chiado dos grilos é minha única resposta. — Merda. —


Enterro minha cabeça em minhas mãos, respirando
pesadamente, cansada até os ossos. A dor nas minhas costas
é como se eu tivesse partido em duas – a metade inferior do
meu corpo é uma teia de dor.

A reparação é outro pensamento. Chega-me numa nota


frenética, um grito soando durante toda a noite. Em algum
lugar no meio do labirinto, um homem espera seu destino.
Uma das vítimas de Grayson. O que ele fez para estar aqui?
Ele é digno de salvação?

Quem tem o direito de fazer essa escolha?

Não sou uma salvadora. Definitivamente não sou um


heroína. Mas eu me recuso a ser essa criatura vil que Grayson
pintou que eu sou. Não sou a coisa ruim – não posso ser. O
sangue do meu pai não corre nas minhas veias.

Eu tenho uma escolha

Arrasto a saia do vestido para cima, liberando meus


tornozelos, e corro em direção à abertura do labirinto. Fiz um
juramento como médica e não posso deixar a gravidade me
puxar para o buraco mais sombrio... ainda não.
Fogo serpenteia uma trilha de bolhas em meus pulmões
quando alcanço a abertura de treliça, parando apenas dentro
para agarrar uma respiração. Encontro apoio na parede verde,
sustentando meu peso. Os espinhos pressionam minha palma
e eu me afasto.

Os gritos são mais altos aqui. Minha pele estremece com


arrepios. Um brilho cobre a noite acima das sebes altas, e sei
que esse é o meu destino. Eu entro.

Um suor frio cobre minha pele, meus dentes batendo.


Quanto mais fundo eu vou serpenteando um caminho em
torno de paredes verdes sombrias, mais frio fica o ar noturno.
A temperatura cai conforme a noite escurece.

— Droga, — amaldiçoo quando chego a um beco sem


saída. Eu giro ao redor, mãos agarrando meu cabelo
emaranhado. — Para onde estou indo?

O silvo distorcido do sistema de alto-falantes irrompe e


eu giro em direção ao som.

— Você é muito impaciente. Vá para o leste. Encontrará


seu paciente no centro.

— Maldito leste, — respiro fundo, minha respiração


embaçada. Para onde é o leste? Em vez disso, persigo a luz,
navegando no labirinto pelas sombras e por instinto.

Um tilintar de som perturba o silêncio que tem sido meu


companheiro até agora. Um leve tilintar sussurra em meus
ouvidos. Sigo o sino, arrastando a bainha do vestido atrás de
mim sobre o trajeto desgastado. O buraco do labirinto se
ilumina quando eu viro uma curva. O choque agarra meu peito
com um espigão afiado.

Não.

No começo, eu me recuso a olhar – ver – então eu fico


olhando para minhas mãos. Meus pensamentos perdidos em
um vazio enquanto sou sugada pela ressaca.

Depois olho para cima, para as chaves.

Um dossel de prata e bronze reluzentes e metais


enferrujados sustentado por um cordão vermelho – um tecido
manchado de sangue no céu. As chaves batem, tocando uma
melodia sombria e vibrante que me arrepia até os ossos.

Minha voz falha com uma risada. Eu olho para a chave


tatuada na minha pele até que meus olhos se turvem. O suor
escorre pelos cantos, uma picada cortante como uma agulha
perfurando minha visão claramente.

Ele me conhece.

Em minha vaidade, escondi o feio e o vil. E ainda assim


ele viu.

Na minha profissão, seu passado pode ser tão terrível


quanto um diagnóstico errado. A vergonha é a concepção da
maioria dos pecados contra nós mesmos.

Girando e cintilando como estrelas dançantes em um céu


negro, as chaves brilham com o reflexo dos holofotes. Duas
luzes brilham em um recipiente de vidro no meio da clareira do
labirinto. Um tanque cheio até a borda com o que parece ser
água. Um homem seminu suspenso acima.

Ele grita enquanto luta contra sua restrição. — Socorro!

Tento me virar, voltar, mas a voz de Grayson corta a noite


para me deter. — Abaixo de seu paciente está um composto
mortal contendo uma grande concentração de ácido sulfúrico.
Uma quantidade letal que pode dissolver carne e ossos. Para
ajudá-lo, London, você tem que seguir as regras. Se considerar
a vida dele digna de ser salva, isso é.

— Vai se foder! — Eu giro em círculos, procurando.


Arranco as contas amarradas nos ombros, puxando-as até que
o colar se rompa, derramando os orbes de vidro no chão. —
Como faço para salvá-lo?

— Há um trajeto que você deve seguir. As pedras guiam


o caminho. Fique de pé em cada uma delas e selecione uma
chave. Para cada chave que você escolher, seu paciente será
abaixado ou levantado acima. — Ele faz uma pausa. — Há
duas chaves especiais que selecionei para você. Uma irá
libertar o demônio, a outra é o interruptor de eliminação.

Como sei qual é qual?

Respiração queimando meu peito, eu olho para o


recipiente. Um labirinto de tubos se enrola e se conecta. Cristo.

— Muitas escolhas erradas e seu paciente sofrerá uma


morte muito próxima à de suas vítimas. Mas, para cada
confissão sincera que pede a ele, redimindo sua alma sombria,
você o moverá mais além de sua morte fatídica.

Passo a mão por meu cabelo. — O que ele fez? — Eu grito.


— Qual é a doença dele?

— Eu sou inocente! — o homem chora.

— Cale-se! — Eu olho para as chaves. — Diga-me,


Grayson, ou não saberei como ajudá-lo.

Espero, o ar frio pinicando minha pele, antes que sua voz


retorne. — A parafilia particular de Roger é o distúrbio
pedofílico, embora eu tenha certeza de que descobrirá uma
infinidade de outras sob sua carne podre.

Aceno para mim mesma. Embora pedofilia não seja


minha especialidade, tive dois pacientes diagnosticados como
tal. Meu estômago embrulha. Existem poucas parafilias que
me incomodam tanto. Grayson escolheu sabiamente. Não
posso fazer isso.

— Pelo menos sete crianças sofreram devido à doença de


Roger, — diz Grayson. — E quatro foram assassinadas, tiradas
deste mundo pelas mãos de Roger. Seus restos mortais foram
dissolvidos e enterrados. Ele foi acusado por apenas um, seu
sobrinho, mas o tribunal não o processou devido a evidências
insuficientes.

Com as pernas fracas e trêmulas, ponho-me na primeira


pedra. — Por que você simplesmente não deu as provas às
autoridades?
— Porque este homem não teve misericórdia de suas
vítimas inocentes, ele não merece nenhuma demonstração.

Certo. Estou tentando argumentar com um psicopata. —


Eu não posso fazer isso. Você sabe que eu não posso fazer
isso...

— Uma última coisa, — Grayson interrompe. — Deve


saber que a vítima mais recente de Roger, um menino chamado
Michael, ainda não foi recuperado.

Eu olho para o homem pendurado sobre o recipiente de


ácido. Ai, meu Deus.

O sistema de alto-falantes dispara com um guincho


enquanto eu me equilibro na pedra, ganhando equilíbrio.

Um lamento rasga o dossel e posso sentir a agonia em


sua guturalidade. Um grito arrancado de um abismo de dor
sem fim. Isso força minha mão no ar.

Balanço na pedra, os pés descalços agarrando a borda


serrilhada da pedra, enquanto procuro a primeira chave.

Me perdoe.

As pontas dos meus dedos roçam nas chaves antes de


agarrar uma. Fecho meus olhos e puxo para baixo.

Um ruído de esmagamento ecoa através da clareira, e


então o corpo de Rodger se sacode e cai. Ele grita, um gemido
descuidado que chocalha meus dentes. — Para, para! Não faça
isso. Você vai me matar.
Respiro através da náusea revestindo meu estômago. —
Se eu não tentar, ele vai te matar de qualquer maneira. — Eu
passo para a próxima pedra e me estico na ponta dos pés,
minha mão vacilando sob as chaves suspensas. As chamas
lambem minha parte inferior das costas. Não há lógica no jogo
de Grayson. Uma das chaves poderia libertar este homem, ou
todas poderiam condená-lo.

Pego uma chave mestra de bronze e a puxo.

Roger cai mais um centímetro.

Merda. Em pânico, pego a próxima pedra e carrego o


tanque. É mais alto do que eu. Tem cerca de um metro e oitenta
de altura e parece um aquário vertical.

Cristo. Grayson levou cada aspecto de mim para projetar


meus testes. Agora ele transformou algo que usei para
tranquilidade em uma armadilha mortal.

Ignorando os apelos do homem, inspeciono o resto. Uma


viga de madeira montada mantém Roger no alto, grossos cabos
de metal suportam seu peso, seu torso embalado por um arreio
de couro. — É a forca de um carrasco. — Uma estrutura
simples, mas de construção sólida e robusta. Ando pelo
perímetro, estudando a armadilha de Grayson. Procurando
uma maneira de libertar Roger sem jogá-lo direto no tanque de
ácido.

— Por favor, me ajude, — ele implora.


Mesmo se eu fosse forte o suficiente para balançar o
andaime e puxá-lo para longe do tanque, Grayson não
permitiria. Como se estivesse lendo meus pensamentos, uma
engrenagem na armadilha ronca e Roger se aproxima da
superfície.

— Deus... porra... — Ele soluça, seu corpo flácido e leitoso


balançando com seus gritos miseráveis.

— Cristo. Cale-se. Apenas cale a boca. — Empurro meu


cabelo do rosto. — Por que você não me explica isso, Roger, —
digo, decidindo seguir meu caminho de volta à terceira pedra.
— Fale sobre você. Está aqui por um motivo, assim como eu.
Estamos nisso juntos, ok?

— Ok, — ele admite.

Enquanto ele fala sobre seu trabalho em um


supermercado local como empacotador de carne, conto as
pedras à minha frente: três. E avalio quantos centímetros mais
Roger tem até que seus pés encostem no ácido sulfúrico. Talvez
cinco... não tenho certeza.

Há mais chaves penduradas ao longo do dossel de cordas,


fora do alcance das pedras. Siga as regras. Mas Grayson não
obedece às regras. Ele as quebra. Desafia as leis da sociedade.
Tudo com Grayson é um teste.

Eu me afasto da pedra e pulo, acenando com a mão no


ar.

— O que você está fazendo?


— Calma, Roger. — Pulo de novo e puxo uma chave
comigo.

Um gemido profundo vindo das engrenagens, então Roger


desce. Ainda mais baixo do que da última vez, ele desce, os
dedos dos pés roçam o topo. Seus gritos de fúria mexem com
meus nervos e eu grito. Mãos no meu cabelo, eu agarro as
raízes, rasgando a ansiedade.

Com o peito arfante, estou perdida em um mar de chaves,


todas brilhando com uma melodia zombeteira enquanto elas
ressoam juntas acima. Existem muitas.

Pressiono a mão na minha barriga, o cetim preto também


está preso, enquanto puxo o ar para os meus pulmões
apertados. Você acha que está acima de tirar uma vida? A
pergunta de Grayson me assombra. Ele escolheu esta vítima
em particular por um motivo – por quê?

Piso na pedra, meus pés descalços com bolhas, ardendo.


— Conte-me sobre suas vítimas, Roger.

Além das sombras, vejo sua imobilidade. Sem meus


óculos, ele está embaçado a esta distância, mas posso ler seu
comportamento, a forma como seu corpo rígido se sustenta. —
Por quê? Que importância têm?

Sem negação. Sem remorso. Que importância têm. Se esse


homem estivesse sentado na minha sala de terapia, eu
registraria uma nota para explorar o espectro antissocial, para
distinguir se há uma psicopatia em particular. Mas não
estamos na minha sala de terapia e só há tempo para
reconhecer que existe uma.

— Sou psicóloga, — digo, parando um pouco antes de


pegar a próxima chave. — Posso te ajudar. Bem, em teoria.
Sinceramente, eu realmente não me importo se você vive ou
morre. Só não quero sua morte em minhas mãos.

Aí. Honestidade brutal. Onde quer que Grayson esteja,


tenho certeza que aquele sorriso diabólico inclina seus lábios.
— Se for verdade, e você cometeu os crimes cobrados contra
você... então aquele homem pelo sistema de alto-falantes não
vai deixar você sair daqui vivo. Não tenho certeza se há algo
que posso fazer para salvá-lo.

— O que diabos há de errado com você? — ele grita


comigo. — Jesus, você é tão fodida quanto ele.

Eu encolho os ombros. Pode ser. Provavelmente. Mas a


adrenalina seguiu seu curso, e o cansaço está esgotando
minha paciência. Antes de Grayson entrar em meu
consultório, eu estava decidida, que a reabilitação não era
possível para os verdadeiramente sádicos.

Se eu tivesse uma infinidade de noites para transformar


este homem, não teria sucesso.

Em algum lugar no fundo da minha mente, uma voz


sussurra. Já estive aqui antes, à beira do precipício. No
momento em que percebi pela primeira vez que estava lutando
uma batalha impossível, travando uma guerra mental sem fim.
Durante essa descoberta, essa aceitação, quebrei a mente
de um homem. Virei sua psicose contra ele e pedi para devorá-
lo. Para acabar com ele.

Meu peito pega fogo, minha respiração irregular. Eu


respiro uma golfada de ar frio, apagando a queimadura. Agora
que a verdade lhe foi mostrada, você nunca mais verá a mentira.
Você está liberada.

Liberada. Livre para falar e agir sem remorso.

— Não tenho vergonha do que fiz, — digo, firmando-me


na pedra. — Tenho vergonha de ter escondido de mim mesma.
— Uma fraqueza que aceitei no segundo em que acordei
naquela cama de hospital. Uma negação que transformei em
ilusão porque não podia – não queria – aceitar a verdade.

Olho para o homem suspenso. — Onde está Michael,


Roger?

Ele se contorce, lutando sem esperança. — Não sei do que


você está falando.

Eu tiro minha franja de meus olhos, as mãos ancoradas


em meus quadris, impaciente. — Você sequestrou um menino.
Você o tem escondido em algum lugar. Se quer que eu te salve,
vai me dizer onde. Michael está vivo?

Minha mão empurra no ar. Eu aperto a chave


provocativamente.

Ele grita: — Sim! Tudo bem. Sim. O menino está vivo.


Eu puxo a chave. O corpo de Roger é elevado. Um soluço
de alívio percorre seu corpo.

A percepção de que Grayson está jogando de acordo com


suas próprias regras me atinge. Ele está controlando o
mecanismo. As chaves estão amarradas às cordas, as cordas
presas à engenhoca e Grayson está trabalhando nos controles.
Ele está no controle.

Estamos no controle.

A vida de Roger depende apenas dele.

Nós damos a eles os meios para tirar suas próprias vidas.

Se eu quiser salvar este homem, tudo o que tenho que


fazer é liberar suas confissões. Tem que haver um problema –
Grayson nunca deu a nenhuma de suas vítimas uma chance
legítima. Ele está fazendo isso por mim.

— Onde está Michael? — pergunto.

Ele não responde. Então, quando pego uma chave, ele diz:
— Espere. Eu não estou preparado.

— Nem as crianças que você roubou e matou. — Eu


agarro e puxo a chave.

Roger cai. Seus dedos do pé atingiram o ácido e ele grita.

— Agora, onde o menino está?

— Foda-se... — Ele dobra os joelhos, tentando manter os


pés acima do ácido. — Se eu te contar... então vou para a
prisão. Você sabe o que eles fazem com homens como eu na
prisão?

— Teme isso mais do que a morte? — Eu desafio. — Se


for assim, diga-me. Se a morte for sua escolha, eu conheço o
homem que está fazendo isso. Ele vai lhe conceder essa
liberdade.

— Liberdade? — ele cospe a palavra para mim. — Você é


louca.

— Essa é a segunda vez que você insulta meu estado


mental. — Eu pulo da pedra com pouco ou nenhum impacto
nas minhas costas. Eu respiro uma respiração de limpeza. —
Você está se defendendo mal, Roger. E só tem algumas horas
para decidir.

Incapaz de se manter em posição, com o corpo cansado,


ele deixa cair as pernas. Seu grito ensurdecedor ecoa pelo
labirinto enquanto seus pés submergem. — Deus, por favor –
eu não quero morrer assim.

Eu piso em uma pedra. — Como suas vítimas morreram?

Sua respiração embaça o ar ao redor de sua cabeça. —


Vá para o inferno.

Já estou lá. Estico-me na ponta dos pés e pego uma


chave. O metal frio é satisfatório contra minha pele aquecida.
— Espere, — diz ele novamente, esforçando-se para
manter seus pés grotescos e comidos de ácido sobre o tanque.
— Eu não pude evitar. É uma doença.

— Como? — Eu exijo.

— Merda. Tudo bem. Porra. Ok. Eu os sufoquei. — Ele se


contorce, tentando balançar seu corpo para longe do contêiner.

Uma memória cruel das mãos de meu pai em volta do


meu pescoço me assalta. O nojo se transforma em raiva.

— Sim. Eu os sufoquei, — ele repete, mais fácil desta vez,


como se a admissão fosse boa. Desta forma, Roger também
está sendo libertado.

Eu fecho minha mão em torno da chave. Então puxo.


Novamente, Roger é levantado mais alto. Ele estende as
pernas, aliviado.

Vou para a última pedra. Eu entendo como isso funciona,


mesmo que Roger ainda não tenha entendido. Não importa o
número de chaves penduradas acima da minha cabeça; minha
seleção de uma chave é minha escolha. Grayson me conhece –
ele me entende, me antecipa.

Uma chave irá libertar o pedófilo. Uma chave acabará


com sua vida.

Estudo as chaves. Bronze reluzente, metais enferrujados,


prata brilhante. Elas são lindas. Nunca admiti isso – nem
mesmo naquela época – mas quando eu tinha uma chave sobre
minha cicatriz, eu estava marcando minha morte. Era o meu
troféu. Posso admitir isto agora.

O dossel de cordas e chaves vermelho-sangue toca uma


melodia sombria que fala à minha alma. Não, eu não nasci
assim. Fui roubada, preparada e nascida em outro reino que
as pessoas comuns só vislumbram em pesadelos. Nunca temi
o monstro, porque o monstro já estava dentro de mim.

— Quero saber onde está o menino, — friso para Roger.

O suor sai de sua cabeça fosca e careca. Ele é tão patético


aqui, agora, como é em sua vida. Ele abana sua cabeça. — Eu
não posso.

— Você pode e você vai. — Minha mão oscila entre duas


chaves. A primeira é dourada. Sem mancha e nova. A segunda
está corroída. Seus dentes retorcidos, a prata desgastada e
desbotada. É uma réplica da chave que uso na minha pele.

Grayson escolheu para mim.

— O que você vê quando pensa em Michael? O que você


sente, Roger? — Minha mão se estende no ar.

Roger encontra forças para rasgar o arnês. Suas


maldições salgam a noite enquanto ele agarra o couro. — Ele é
especial, — ele finalmente diz. — Eu o observei por mais tempo.
Deus, ele é lindo. Olhos azuis bebê. Seu cabelo loiro fino. Sua
pele é macia e delicada.
Enquanto ele está perdido em suas memórias, sua cueca
mostra a verdadeira falta de remorso. Uma ereção tinge o
material sujo. Advirto meus olhos com repugnância.

Tenho que saber, no entanto, se este homem é capaz de


mudar. Forço meu olhar de volta para Roger. — Você pode
soltá-lo? — Ele não vai soltar o menino. Mas pode. As duas
palavras não são intercambiáveis para um homem vil como
este.

Sua boca se contorce enquanto ele tenta formar as


palavras. É uma micro expressão reveladora. Minha visão está
prejudicada, especialmente no escuro, e ainda assim ele é
incapaz de mascarar seus verdadeiros sentimentos.

— Sim, — ele grita. — Tudo bem? Eu vou soltá-lo. Deixe-


me ir e vou levá-lo até ele.

Mentiroso.

— Mas e os outros? — Insisto. — Todas as futuras


crianças que você planeja prejudicar. Como podemos confiar
que está reformado e nunca mais machucará ou matará outra
criança?

Sua risada salta sobre a clareira. — Você está falando


sério? — Ele me encara. — Você é uma porra de terapeuta.
Sabe como minha doença funciona. — Ele solta um longo
suspiro. — Vou tentar, certo? Vou buscar ajuda. Irei às
reuniões. Vou colocar um maldito cinto de castidade no meu
pau! — Ele luta mais com o arnês. — Agora me tire daqui sua
boceta de merda.

Sim, Roger tem muitos outros distúrbios para resolver. O


misógino que odeia mulheres está nessa lista. Não há reforma
em seu futuro. Se ele for libertado, pode cumprir pena na
prisão. Mas ele será liberado eventualmente. Livre para atacar
vidas inocentes.

Nosso sistema de justiça falha quando se trata de


predadores de crianças. As mesmas vidas que precisam de
mais proteção e abrigo. Grayson foi vítima de um monstro
como Roger, assim como minha irmã e eu. Agora, não há
reabilitação para nenhum de nós.

— O que você está esperando? — Roger grita. — Faça!

Uma o libertará. Uma é o interruptor de eliminação.

Eu puxo a chave enferrujada.

O grito de Roger se espalha pelo labirinto antes que seu


corpo mergulhe com os pés no tanque de ácido.

Ele afunda no fundo do recipiente. A água borbulha e


espuma, sangrando primeiro em um tom rosa, depois em um
profundo vermelho-sangue. A carne balança e atinge os lados,
depois flutua para a superfície. Não vou desviar o olhar – não
posso. Vejo a morte horrível se desenrolar.
Minutos se passam, ou talvez apenas segundos. O líquido
engrossa em uma substância pastosa, espessa demais para
discernir Roger por mais tempo.

Meus pensamentos são um vazio. Santificado fora de mim


e respingado contra a noite. Eu apenas sou – o mais puro senso
de aceitação se funde com a ordem natural. Minha existência
em equilíbrio.

Então eu sinto braços em volta da minha cintura.

Grayson me puxa contra seu peito. Inclino minha cabeça


para trás, sentindo seu coração disparar no mesmo ritmo que
o meu. Seu corpo sólido me envolve quando ele diz: — Nossa
primeira morte.
Grayson

Um zumbido preenche o ar da noite, uma corrente


carregada acariciando, abraçando. Sinto a pulsação elétrica
disso vibrando ao longo da pele de London.

Nossa primeira morte.

Sou atraído pelo seu calor como uma mariposa para a


chama, como se seu corpo pudesse afastar os demônios de
nosso passado. Ela é meu templo e eu quero ajoelhar-me a
seus pés e adorar.

— Estou pegando fogo, — ela diz. A adrenalina ainda


corre em sua corrente sanguínea, sua carne fervendo sob meus
braços. Os tendões dos meus antebraços ficam tensos
enquanto eu anseio por esmagar o corpo dela contra o meu.

Ela não precisa explicar. Entendo o que está sentindo.


Estou aceso com a emoção de nossa morte – não consigo parar
de tocá-la. Cada textura entre nós é um prazer erótico
tentador.
— Você é linda, — eu sussurro em seu ouvido. — Tão viva.
— Encontro o fecho do vestido e arrasto o zíper para baixo em
suas costas. Meus dedos percorrem sua pele, todo o meu ser
em chamas, desesperado para tocá-la.

— Posso ter passado no seu teste, mas falhei no meu. —


Seu corpo fica rígido.

O menino. Não posso evitar o sorriso que rouba meu rosto.


Estamos tão perto de ser um. — Saber que o menino estava
fora de perigo mudaria o resultado para você? Você teria
escolhido de forma diferente?

Ela se vira em meus braços, seus olhos buscando a


verdade. — Como?

Coloco uma mecha solta de cabelo atrás da sua orelha. —


Confiança, London. É o que vem a seguir. Você tem que confiar
em mim. Acha que eu gostaria que você sofresse a morte de
uma criança inocente?

Ela pisca para mim. — Ele estava seguro o tempo todo.

Pressiono meus lábios em sua testa, incapaz de negar o


gosto dela. — Não somos aqueles monstros, — digo, minhas
mãos traçando um caminho em suas costas e cintura,
segurando o vestido de cetim. — Mas também não somos
mundanos. Estamos famintos e temos que nos alimentar.

Ela está me tocando também – suas mãos traçando as


tatuagens e as cicatrizes em meus antebraços, as palmas
procurando atrito ao longo do meu peito, os dedos
entrelaçando meu cabelo e acariciando minha nuca. Cada
busca íntima para chegar mais perto envia um choque
excitante para minha pele.

Estamos desinibidos. Soltos.

— Não teria mudado nada, — ela admite. — E agora, eu


nunca estarei saciada. Como vamos parar? Preencher o vazio
é um ciclo sem fim. Sempre precisaremos de mais e mais até
que nos consuma.

Coloco a palma em seu rosto e encaro aqueles olhos


escuros. As manchas douradas brilham com o brilho reflexivo
das chaves. — Nós nunca temos que parar. Nunca. Não tenho
mais minha penitência para suportar, assim como você não
tem mais que viver uma mentira. A vergonha não existe entre
nós. Quanto à necessidade enlouquecedora... — Arrasto o
vestido por seu corpo, deixando-o cair no chão. —
Encontraremos uma maneira de nos satisfazer.

Banhado pela luz das estrelas, seu corpo é dolorosamente


belo. Uma provocação tentadora finalmente ao alcance. Estou
bêbado ao vê-la. Abaixo minha boca em seu ombro, sentindo o
gosto de lilás em sua pele – meu afrodisíaco, minha droga. Ela
é meu vício.

Sua respiração engata quando agarro sua cintura fina em


minhas mãos. Então, quando inclina a cabeça para trás,
rendendo-se ao feitiço, dou beijos em sua pele. Avidamente
tomando cada centímetro dela para mim.
Seu olhar desliza para a armadilha, onde nossa vítima se
transforma em nada. — É demais – continue me tocando,
Grayson. Estou queimando. Eu preciso de mais.

— Deus, eu adoro quando você fala sujo. Diga-me todas


as coisas ruins que vamos fazer. — Meus joelhos bateram no
chão. Eu chupo uma trilha sobre a pele macia de sua pélvis,
amando a maneira como ela agarra meus ombros, suas pernas
tremendo de necessidade.

— Nós podemos fazer qualquer coisa, — ela diz, a


rouquidão de sua voz rasgando meu controle.

Passo meus dedos por suas coxas, em seguida, coloco


uma de suas pernas sobre meu ombro e enterro minha boca
contra a carne tenra de sua coxa. Ela estremece ao sentir meus
dentes e eu gemo quando seu calor toca meu rosto. Suas mãos
afundam em meu cabelo enquanto eu beijo e mordo até sua
coxa, seus gritos entrecortados e ofegantes deixando meu pau
tão duro que dói contra meu jeans.

Eu a provo então. Agarro sua bunda e forço seu doce


centro na minha boca, minha língua deslizando entre seus
lábios sedosos. Ela está molhada e com calor e posso sentir
cada contração de seus músculos enquanto ela se esfrega
contra meu rosto.

— Grayson... — Meu nome é uma oração em seus lábios.


Isso me deixa louco. A necessidade dela insuportável. Meu
desejo vagueia selvagem, provando-a até que esteja latejando
contra a minha língua.
Eu me afasto, a levanto em meus braços, sentando-a
contra o membro dolorosamente duro do meu corpo que anseia
apenas por ela.

— Leve-me, — ela respira sobre minha boca antes de


beliscar meu lábio inferior. Eu gemo, enfiando a mão em seu
cabelo e puxando-a contra mim. — Foda-me até que eu implore
para você parar... até que estejamos à beira da morte.

— Merda. — Estremeço enquanto a abaixo na terra, todos


os músculos e tendões tensos em antecipação. — Cristo, você
é tão fodidamente perfeita. Eu nunca vou me conter com você.
Isso seria um pecado.

Suas mãos lutam para remover minha camisa, suas


unhas cravando em minha pele. É agonizante, prazeroso e não
adulterado. Eu assobio uma respiração tensa quando seus
dedos atingem a ferida recente no meu estômago.

— Faça de novo, — eu digo.

Ela acaricia o ferimento que infligiu com mão firme,


possuindo-me. — É assim que nosso amor é?

Anseio por sua dor como meus pulmões anseiam por


oxigênio. — É assim que nosso amor é.

— Então me faça uma pecadora, Grayson. Eu não quero


redenção. Quero você.

Eu beijo os cortes em seus pulsos. As marcas que


coloquei lá. Isso aumenta o desejo de marcar seu corpo ainda
mais, de torná-la minha de uma forma que ela não pertencesse
a mais ninguém. Passo os dentes por cima do seu ombro,
depois afundo em seu pescoço, provocando um grito suave e
sem fôlego.

Tiramos minhas roupas em um frenesi de toques


roubados e declarações acaloradas, impacientes. Voraz.
Selvagens. A dor que constrói uma batida de martelo entre nós
pulsando com uma necessidade insaciável. Para estar mais
perto. Ser pele a pele. O duro chão de terra debaixo de nós
amplifica minha consciência, a noite clara e sem falhas. Nada
impuro para nos deter.

Eu a enrolo em cima de mim, olhando para o seu corpo


nu, seios expostos a mim sem nenhum vestígio de vergonha
em seus olhos sem o menor vestígio de pudor. Deslizo minha
mão ao longo de seu estômago enquanto ela se levanta,
puxando uma série de elementos de mim enquanto mói seus
lábios escorregadios contra o eixo do meu pau.

— Porra. Você está me matando. — Eu me levanto para


encontrar cada uma das voltas sensuais de seus quadris.

Ela cai sobre mim, seu cabelo caindo em cascata por seus
ombros e criando uma cortina para nos proteger do mundo.
Eu a deixei me prender, o poder inegável fluindo de seus
membros aumentando minha frequência cardíaca. Ela usa seu
pecado lindamente.

— E se eu pudesse? — ela sussurra na concha do meu


ouvido. Seus dentes cortam minha carne enquanto ela
encontra apoio no chão para empurrar com força, dizimando
minha restrição.

Um grunhido sai livre e eu pego seu pulso. Eu levo sua


mão à minha garganta e aperto seus dedos na minha jugular.
— Se você vai provocar, é melhor estar disposao a fazê-lo.

Um brilho depravado acende seus olhos. — Você está


falando sério.

— Eu sofreria qualquer tortura de boa vontade se viesse


em suas mãos. Minha doença corresponde à sua. — Movo seus
dedos para a minha boca e chupo as pontas, saboreando sua
excitação febril. — Toque-se, — eu ordeno.

Ela faz. Arqueando-se para trás, ela empurra aqueles


dedos delicados em seu clitóris, esfregando e aumentando seu
desejo. Eu gemo ao sentir sua carne aquecida deslizando sobre
mim. A tortura não começa a descrever o quão punitiva é a
sensação dela. Seu orgasmo crescente se agarra, e suas coxas
me seguram, seus músculos se apertam para se soltar.

Selvagem e sem restrições, com controle zero me


amarrando, eu me levanto e coloco um braço em volta da parte
inferior de suas costas. Eu a ancoro em mim, engolindo seu
suspiro, enquanto afundo nela. Nossos olhares se conectam.
Cada segundo torturante que mantenho dentro dela é uma
eternidade.

Suas unhas cortam minhas costas, e essa ação simples


faz com que seu corpo se flexione em torno de mim, detonando
uma resposta explosiva. Eu bato nela. Agarrando a sujeira
atrás de mim, eu empurrei para o centro perfeito dela, sem
restrições. Seus gritos ofegantes caem perto da minha boca.
Eu provo seus apelos, respondendo a cada um com outro
impulso desprotegido.

A sensação de estar dentro dela aniquila cada crença que


eu tinha antes.

Isso é o céu. O único céu que gostaria de testemunhar.

Ela é minha verdade agora – as regras que devemos fazer.

Ela atinge o auge, eu atinjo o auge. Nossos corpos se


elevam e descem em paralelo, se cristalizam mais alto,
descendo mais longe. A emoção que atinge nossos corpos é
quase insuportável. O desejo de infligir e experimentar a dor é
quase avassalador. É demais. O sentimento é demais. É
enlouquecedor.

— Me machuque, — ela implora.

Um arrepio violento percorre meu corpo.

Quando a dor é a única emoção que você já conhece, é


tudo o que você deseja. Isso permite que você saiba que está
vivo.

Minhas mãos estão se tocando, vagando por cada região


delicada de sua pele. Eu raspo meus dedos em sua pele,
marcando seu corpo com a sujeira de minhas mãos. O grão
abrasivo esfrega entre nós enquanto transamos. Não há nada
de terno neste momento, pois todo desejo voraz exige ser
saciado. Estamos imundos. Fodendo como dois animais
selvagens insaciáveis que estão morrendo de fome um pelo
outro.

Eu mordo o pico firme de seu mamilo, e ela joga a cabeça


para trás, dando boas-vindas à dor aguda. Muitas maneiras
pelas quais eu posso machucá-la atacam meus pensamentos,
rasgando meu controle enfraquecido.

Seguro seus ombros por trás, forçando-a a arquear e


mostrar seus seios para mim. Enquanto entro nela, a
necessidade de ser mais profundo toma conta da minha
sanidade. — Não é o suficiente.

— Porra, faça isso o suficiente, Grayson. Me machuque.

Rosno e a forço no chão, arrastando sua perna por cima


do meu ombro e batendo nossos quadris. Seus dedos se
espalham sobre a placa rígida de músculos ao longo do meu
estômago enquanto eu a penetro. A necessidade ainda exige
mais.

Seu corpo pequeno se encaixa perfeitamente contra o


meu, me implorando para empurrá-la em qualquer posição
que eu quiser. Com um rosnado baixo, eu a viro e deslizo a
mão por baixo de sua pélvis, inclinando sua bela bunda para
cima. Então agarro seus pulsos e prendo-os em suas costas.

A posição a torna vulnerável e nua, meu pau latejando


enquanto eu me coloco atrás dela, com meu coração
trovejando. Empurro dentro dela ao máximo. Seu corpo resiste
com a pressão, mas então ela está ondulando aqueles quadris
sexy, implorando por mais.

— Puta que pariu, — suspiro enquanto empurro mais


fundo, forçando seus pulsos em direção ao meio de suas costas
esguias.

Ela libera uma maldição gutural, seu núcleo pulsando e


apertando em torno de mim. Sou um animal faminto sem
remorso, meu desejo de preenchê-la e tomá-la de uma vez se
desdobra na mais doce agonia.

Eu fodo com ela violentamente. Eu fodo com ela


brutalmente. Contra a terra fria e implacável, sob o céu
noturno aberto, faço amor da única maneira que conheço com
a mulher que domina meu ser desde que a provei pela primeira
vez.

Enquanto o prazer mais devastador me reivindica, estou


perdido. Seu nome é um cântico rasgando livre.

Ela goza descaradamente. Ela goza com abandono. Ela


goza com tanta força que quase me empurra para fora, mas eu
bato de volta nela, quebrando contra seu prazer.

Por alguns tenros segundos enquanto London e eu


descemos, a felicidade etérea suspende a dor, e eu caio contra
ela, respirando pesadamente, passando minha boca sobre ela
para que eu possa consumir cada pedacinho dela e este
momento.
Euforia.

Ela se liberta do meu peso e me empurra para o chão,


onde se enrola em cima do meu corpo. — Paz, — ela sussurra.

Envolvo meus braços em torno dela. Nunca senti paz


antes. Eu a embalo para mim, permitindo que essa emoção
estranha me possua da mesma forma que ela me possui
inteiramente. Ficamos deitados assim sob o dossel vermelho
até que sua respiração se equilibre.

Não quero que isso acabe.

Mas muito em breve, o mundo e sua limitação constante


me lembram que ainda há trabalho a ser feito. Só há uma
maneira de London ser completamente livre.
London

Um calor escaldante como uma fornalha aquece o lado do


meu rosto. O contraste surpreendente de quente e frio me
arranca de um sono sem sonhos, a consciência me
arremessando para fora do meu casulo calmo e saciado.

Pela primeira vez, minha mente está felizmente reprimida


de todos os pensamentos do passado e do presente. Então, a
realidade se infiltra, levando-me a um novo reino de ansiedade.

Um laranja e um vermelho aquecidos piscam contra


minhas pálpebras. Eu alcanço Grayson e ouço um tilintar
quando meu pulso é beliscado e o beijo frio de metal arrasta
pelo meu braço. Olhos se esforçando para abrir, um alarme
soa dentro de mim, meu coração bate em meus ouvidos
enquanto o sangue corre pelas minhas artérias.

Eu me sinto desconectada. Tonta. Pisco algumas vezes


para clarear minha visão, e a visão esvazia meu peito. O fogo
arde alto no céu da manhã. Chamas costuram as bordas de
um azul profundo, misturando-se ao mosaico de nuvens
vermelhas e laranja, incapazes de separar as duas entidades.

— Grayson... — eu digo, o pânico envolvendo minha voz.


Então, quando começo a gritar seu nome, a compreensão de
onde estou e do que está acontecendo me atinge.

Puxo as algemas. Uma corrente circula o andaime, me


acorrentando à armadilha que Grayson e eu usamos para
matar um homem. Além do labirinto, a casa está envolta em
fogo. O estouro e estalo de vigas acesas chegam aos meus
ouvidos antes da sirene fraca.

Frenética, examino meu corpo. Estou novamente usando


o vestido de cetim preto que Grayson escolheu para mim. Um
pensamento irracional circula minha mente – que este deve ser
outro teste. Olho para cima. Uma das chaves deve me libertar.
Só que as chaves sumiram.

Meu peito dói com uma dor vazia e ressonante.

Grayson disse que me deixaria ir.

Oh, Deus. Eu não imaginei isso. Eu não inventei o que


aconteceu entre nós. Não, minhas memórias estão firmes no
lugar, imperturbadas. Tudo o que aconteceu ainda está
comigo, uma parte de mim – o mundo mais transparente do
que nunca.

Apenas Grayson está faltando.

Ele me soltou.
Eu puxo as algemas, desesperada para fugir e encontrá-
lo e...

O quê?

Correr para o pôr do sol como os malucos Bonnie e Clyde?


Fugindo da lei, vivendo de amor e perigo e... ressentimento.
Esse é o capricho de uma menina. Não é a realidade para uma
mulher.

Caio contra o andaime. Meus ossos estão cansados, meus


músculos letárgicos. A realidade é um buraco negro.

Eu não conseguia ver além da gratificação imediata e


instantânea – mas Grayson podia.

Ainda assim, ele não me deu escolha. Ele decidiu por


mim.

O flash das luzes da polícia bate nos pinheiros. À medida


que as chamas aumentam, a fumaça subindo pela manhã
insensível, os gritos dos bombeiros e das autoridades se
chocam. Uma melancolia se instala na boca do meu estômago.
Miséria aguda e condenatória.

Em seguida, vozes derivam em direção à clareira.

— Dra. Noble?

As garras opacas da melancolia me arrastam para baixo.


Não consigo responder. Não consigo respirar.

— Dra. London Noble. Eu a encontrei! Você está bem?


Meu olhar cego se fixa em um detalhe significativo. O
terno escuro diante de mim exibe um distintivo do FBI preso à
gravata cinza. — Eu sou o Agente Especial Nelson. Você está
segura agora.

O agente coloca a mão no meu ombro nu em uma


demonstração de conforto. — Vamos buscar ajuda, aqui! — Ele
grita.

Meu corpo se enrola em torno do andaime. Apegando-se


à solidez. Apenas alguns momentos antes, eu estava livre. Livre
de uma forma que nunca ousei imaginar, com cores e texturas
vibrantes. E em um piscar de olhos, fui empurrada de volta
para o mundo opaco e cheio de culpa.

A dor abre uma fenda dentro de mim, e uma dor obstrui


minha garganta. Eu me engasgo com a bile da amargura. Mas
eu fungo forte, empurrando a dor para baixo. Eu preciso.

Eu já atuei. Eu posso atuar novamente. Pelo menos


agora, eu sei a diferença.

Enquanto o agente caminha pelo perímetro do tanque,


ergo meu escudo. Ele murmura um palavrão quando termina
sua ronda. — Santa Mãe de Deus.

— Por favor, tire isso de mim, — consigo dizer.

O agente Nelson dirige sua atenção para mim. — Claro.


— Ele calça um par de luvas de látex. Enquanto ele está
trabalhando no mecanismo de algema, mais agentes e policiais
entram na clareira.
Em questão de segundos, uniformes e legistas em trajes
de Tyvek21 têm a clareira com fita amarela e marcada como
cena de crime. Lençóis de plástico cobrem o que era – poucas
horas atrás – o paraíso sagrado meu e de Grayson.

— Lamento ter que perguntar isso, London. — O agente


procura meu olhar. Ele não lamenta nada. — Mas vou precisar
que você faça um exame médico.

O calor queima meu peito. — Você quer dizer um kit de


estupro.

— Sim. — Com um clique retumbante, as algemas liberam


meus pulsos. Ele sacode um saco de evidências e os coloca
dentro. O único indício de seu remorso é o leve vinco nos
cantos dos olhos. Somos ambos profissionais. Isso é padrão.
— Eu também vou precisar de sua declaração logo depois.

Esfrego meus pulsos, as cristas chanfradas de arranhões


são uma lembrança dolorosa do que perdi. O agente Nelson
tenta me ajudar a levantar, mas eu o afasto com a mão
estendida. — Eu estou bem, — asseguro. E eu estou. A dor que
normalmente me atormenta não voltou, desaparecendo no
momento em que a aceitação se enraizou.

Posteriormente, analisarei esse fenômeno. Mas não


consigo pensar nisso agora.

21 Consistem em tecido de polietileno fiado por alta tecnologia com costuras ultrapassadas, ajudando
a oferecer proteção contra baixas concentrações de soluções ácidas, alcalinas e salinas, além de
fornecer proteção limitada contra poeiras orgânicas perigosas.
— Estou pronta, — eu anuncio.

O agente me guia para fora do labirinto em direção a uma


ambulância estacionada longe do incêndio. O caos envolve a
floresta antes pacífica enquanto os bombeiros lutam contra o
inferno antes que ele se espalhe.

Encaro o fogo, deixo o calor tocar minha pele. Sinto no


fundo da minha medula, aquela pulsação elétrica de caos e
desastre. A arte de Grayson emoldurada por uma tela pálida
de céu. Observo as chamas dançarem e provocarem mais alto,
até que o agente me força para longe.

— Qualquer evidência deve estar lá, — diz um dos agentes


ao passar, seu olhar fixo na casa em chamas. — Não
recuperamos nada até agora.

Agente Nelson acena com a cabeça. — Continue


procurando.

Fecho meus olhos. Só por um segundo para me orientar.


Eu não posso fazer isso. Não sem ele. Grayson disse que eu era
a chave – mas foi ele quem me destrancou. Agora estamos
ambos condenados.

Uma equipe médica envolve um cobertor quente em volta


de mim, me direcionando para mais longe da cena. Agente
Nelson segue. — Dra. Noble, ele está aí? — ele pergunta.

Meu olhar se volta para os ossos enegrecidos e


carbonizados da casa. O fogo ainda queima, laranja e vermelho
brilhante e furioso, lambendo os galhos dos pinheiros e
enviando brasas para o céu escuro.

Grayson queimou tudo por mim.

Ele me libertou de várias maneiras.

E ao fazer isso, ele destruiu meu caminho até ele. As


respostas para o homem agora são cinzas.

Algumas coisas devem permanecer envoltas em mistério,


suponho. Onde você não está alimentado com a resposta. Você
tem que procurar por isso.

Eu arranco uma resposta para o agente da escória da


minha alma. — Sim, — eu digo. — Ele está.

Um leve aceno de cabeça do agente revela sua descrença.

— Como você me achou? — pergunto.

Ele tira sua atenção do fogo e volta a se concentrar em


mim. — Uma chamada anônima, — ele diz simplesmente.

Uma jovem paramédica me pede para sentar na parte de


trás da ambulância. Ela me faz perguntas padronizadas sobre
meu bem-estar, depois começa a trabalhar curando cortes
óbvios, sendo o mais cuidadosa possível para não perturbar
nenhuma evidência potencial.

Ocorre-me então que o vestido será confiscado.


Eu cheiro minha raiva de volta e olho para o agente. —
Não existe ligação anônima, — digo, sem tentar esconder a
acusação em meu tom.

Suas sobrancelhas claras criam um sulco entre os olhos.


— Não. Não tem, — confessa. — A ligação levou as autoridades
a um menino sequestrado que estava detido em um depósito.
Eles então rastrearam a chamada de volta para um número
sem fio em nome de Grayson Sullivan. Este endereço foi listado
na conta.

Viro minha cabeça para esconder minha indignação.


Grayson sabia que seria apenas uma questão de tempo antes
que eles descobrissem o local, uma vez que fizessem a conexão.
É tão flagrante que é quase estúpido. Não o ato de um homem
altamente inteligente ou criminoso. Certamente o FBI vai
checar isso.

— O menino está bem? — pergunto.

Nelson acena com a cabeça. — Sim. Os pais estão com ele


no hospital.

Eu puxo o cobertor mais apertado em torno de mim. — O


homem que o sequestrou está naquele recipiente rançoso.

— Jesus. — O agente passa a mão pelo cabelo


desgrenhado. — Você testemunhou isso?

Eu considero a questão. Grayson não está dentro da casa


em chamas. Eu sei disso assim como o agente sabe desse fato.
Os testes que suportei e passei me disseram todas as
respostas que sempre busquei. Sem mais se esconder. Não há
mais supressão. Sem mais mentiras. Grayson ateou fogo em
sua vida por mim, para que eu possa recomeçar. Para que
quando eu estiver pronta – realmente pronta – possamos
começar de novo.

Eu confio nele.

Ele me encontrou juntando as peças do quebra-cabeça.


Então é assim que vou encontrá-lo. Este agente e qualquer
funcionário que trabalha na caça ao homem Sullivan são meus
novos melhores amigos.

— London? — o agente pede minha atenção,


pressionando a pergunta.

Eu me viro em direção ao fogo. — Sim, eu testemunhei o


assassinato. Eu tenho suas respostas.

Depois de um minuto carregado, ele pergunta em um tom


mais moderado: — Há alguém para quem eu possa ligar para
você?

Normalmente, essa pergunta me provocaria. Um lembrete


doloroso de como estou sozinha. Mas estar sozinha e solitária,
como uma vez expressei ao meu paciente, são duas coisas
diferentes. Não escolho mais ficar sozinha e a pessoa de que
preciso está lá fora. Esperando por mim.

Olho para o agente do FBI. — Sim. Ligue para a imprensa.


Eu tenho um anúncio a fazer.
Desenterrá-las.

Ele não é meu pai.

Lições que devo colocar em prática, ou o resto das


respostas nunca serão desbloqueadas.

Agora eu sei onde pertenço.


Grayson

Se o inferno tivesse um ponto de entrada, seria Mize,


Mississippi.

Eu acionei o ar-condicionado e enxuguei o suor da nuca,


enojado com o calor. Então aumento o volume para que eu
possa ouvir sua voz sobre a explosão das aberturas. Vinte e
quatro horas após seu resgate, London está dando um
discurso de imprensa para a mídia.

Meu dedo traça a curva delicada de seu rosto, a tela plana


um substituto pobre para sua pele macia. Eu largo minha mão.
Ele se fecha em um punho na minha coxa.

— Embora este anúncio pese muito em meu coração, não


posso suportar seu fardo por mais um dia, — diz London ao
microfone. O flash das câmeras não a intimida. Ela é uma atriz
nata para este mundo.

Sorrio enquanto me sento no sofá do meu trailer. Para


todos os outros, o Dra. Noble é uma alma verdadeiramente
oprimida. Uma sobrevivente. Uma heroína. Para mim, ela é
uma deusa das trevas que deve ser temida.

— Durante as longas e difíceis horas do meu cativeiro, sofri


um colapso mental. O colapso – que não é mais reconhecido por
meus colegas ou por mim – é a única maneira que posso
descrever o que aconteceu. — Ela faz uma pausa para olhar
para o chão. Tão recatada. — Devido à coação, memórias
reprimidas foram recuperadas do homem que me raptou.

Uma emoção vibra através de mim. À medida que


aumenta o ataque dos repórteres, com perguntas gritadas em
uníssono, pulo do sofá, incapaz de conter minha excitação.

Confiar.

É tão novo para mim quanto para London.

Com grande dificuldade, saio do trailer. A voz dela


permanece no fundo, me chamando, mas eu me afasto,
sabendo que é apenas uma questão de tempo até que
estejamos juntos agora.

A casa dilapidada fica em um acre de terra morta. Cascas


de milho cobrem o jardim da frente. A tinta rachada descasca
ao longo do revestimento. Uma janela de sacada quebrada
sugere um interior mofado e degradado. As entranhas estão
aqui, a base, mas tudo o que estava vivo desbotou.

A casa da infância de London.


Entro, na porta da frente quase caindo das dobradiças
enferrujadas. As tábuas do assoalho rangem sob minhas
botas. Este foi o seu começo. Onde suas memórias começaram.

Eu tenho que ver a cela.

Uma porta com cadeado bloqueia a entrada para o porão.


É a única porta da casa que permanece intacta, como se ela
voltasse periodicamente para se certificar de que ninguém
conseguisse entrar. Eu me pergunto quantas vezes por ano ela
visita este porão, suas verdades a assombrando, temendo ser
descoberta.

Esse medo já não a mantém cativa.

Arranco a fechadura com bastante facilidade, em


seguida, coloco-a no bolso, removendo qualquer evidência de
seu conhecimento e envolvimento. Quando eu passo para a
tumba escura e úmida, a visão das barras acelera meus
batimentos cardíacos. É lindo. Todo em ferro forjado gótico e
medieval. Uma prisão sombria cheia de pesadelos.

Passo um tempo aqui, sentindo sua presença.


Certificando-me de que não há nada aqui para ligá-la aos
crimes de seu pai. Então deixo para trás uma pista que só ela
entenderá antes de eu voltar para o trailer.

As boas autoridades estarão aqui em breve. Escavando e


socavando. Desvendando as garotas e os segredos sombrios de
London.
Agora que ela está livre, posso ser paciente. Estou
disposto a ser tudo que ela precisa. Deixei suas pistas, peças
do meu quebra-cabeça. Minha história vai desvendar a
verdade para ela.

Ela vai me encontrar.

Não, a nossa não é uma história de amor. A nossa vem


com um alerta.

E ainda não acabou.

Claro, ninguém dá ouvidos aos alertas. Se a nossa


começou com um cuidado, minha história começa com uma
ameaça.

Não entre.

Fui gerado no próprio inferno.


Obrigada por:

Meu amigo e parceiro de crítica incrivelmente talentoso,


P.T. Michelle, por ler tão rapidamente, dando-me conversas
estimulantes e conselhos, notas maravilhosas e por sua
amizade.

Meus leitores beta super-humanos, que lêem na hora e


oferecem muito incentivo. Eu não poderia escrever livros sem
o seu brilho. Honestamente, vocês são minhas meninas!
Melissa e Michell (meus M&M's), e também Debbie por ler
rapidamente e me dar uma visão útil como sempre. A todas as
garotas do Wolfe Club por lerem o ARC e oferecerem sua ajuda
e apoio para dar forma a este livro. Eu realmente não consigo
expressar o quanto todos vocês significam para mim – apenas
saiba que eu não poderia fazer isso sem vocês.

Um grito especial para as meninas que me mantêm sã no


Wolfe Club, onde é perfeitamente aceitável ser qualquer coisa,
menos;) Vocês são as melhores. Você me faz rir, me mantém
motivado e oferece tanto apoio que você não tem ideia. Eu
adoro cada um de vocês. E um agradecimento especial ao meu
grupo de leitores The Lair por seu apoio incrível.

Outro agradecimento especial a Gemma James e Annika


Martin – duas das minhas autoras favoritas (sério, morrendo
de inveja por aqui!) Por seu incentivo e pela leitura de uma
cópia antecipada para fornecer feedback. Vocês são estrelas do
rock!

A todos os autores que compartilham e gritam. Você sabe


quem você é, e você é incrível.

Para a minha família. Meu filho, Blue, que é minha


inspiração, obrigado por ser você. Eu amo Você. E ao meu
marido, Daniel (minha tartaruga), por seu apoio e por possuir
seu título de “marido” em todos os eventos do livro. Aos meus
pais, Debbie e Al, pelo apoio emocional, chocolate e amor
incondicional.

Najla Qamber da Najla Qamber Designs, muito obrigada


por não apenas criar esta capa deslumbrante e de tirar o
fôlego, mas também por arrasar tanto! Você é muito divertido;
você tirou o estresse da tarefa muito estressante de criação da
capa da série, e mal posso esperar para trabalhar com você
novamente em projetos futuros. Esta capa é tudo que eu
imaginei e muito mais.

Há muitas, ah, tantas pessoas a quem devo agradecer,


que estiveram ao meu lado durante esta jornada e que
continuarão a estar lá, mas sei que não posso agradecer a
todos aqui, a lista continuaria e sobre! Portanto, saiba que eu
te amo muito. Você sabe quem você é, e eu não estaria aqui
sem o seu apoio. Muito obrigado.

Para meus leitores, vocês não têm ideia do quanto eu


valorizo e amo cada um de vocês. Se não fosse por você, nada
disso seria possível. Por mais clichê que pareça, falo sério do
fundo do meu coração negro; Eu te adoro, e espero publicar
sempre livros que te façam sentir.

Devo tudo a Deus, obrigada por tudo.

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