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Consciência, coragem e amor na FAP. Buscar… 

Por Mônica Camoleze Sex, 23/12/2016, Às 12h01 AM


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 1

Consciência, coragem e amor constituem o modelo ACL – awareness, courage,


love – da Psicoterapia Analítica Funcional (FAP). A FAP já foi abordada ricamente
em outros textos do site Comporte-se, a respeito do que é este modelo de
psicoterapia, quais são os comportamentos clinicamente relevantes (CRBs) do Mais Recentes
cliente em sessão, quais são as regras que orientam o comportamento do terapeuta
em sessão, dados de pesquisas, e outros tópicos que o leitor pode encontrar
digitando “FAP” ou “Psicoterapia Analítica Funcional” no campo de busca do site.
Assim, por já estarem bem apresentados, não abordarei os conceitos mais básicos
da FAP neste texto. O foco é dar seguimento ao artigo “FAP – o modelo ACL e a
mudança de comportamentos na vida do cliente”, abordando mais detalhadamente
o que é este modelo e como ele é aplicado na psicoterapia.
Queixas de ansiedade e o trabalho clínico
O modelo ACL se articula com as cinco regras da FAP, orientando o
Curso Terapia de Casal: Dos aspectos
comportamento do terapeuta, e influenciando as aprendizagens do cliente (Ferro- históricos às intervenções na clínica

García, 2016).

A compreensão integral do
Regra 1: Observe os CRBs (awareness – consciência) comportamento

O cliente se comporta em sessão de forma semelhante à maneira como ele age em


sua vida. Então, o terapeuta pode, em certa medida, observar e lidar com os Possíveis impactos da FAP nos
atendimentos de um terapeuta
comportamentos relevantes ao vivo, observando os comportamentos do cliente na analítico-comportamental
relação terapêutica, estando consciente do impacto que eles têm no terapeuta e na
relação terapêutica, e que situações em sessão evocam esses comportamentos.
Assim, o termo consciência se refere à observação e identificação dos
comportamentos clinicamente relevantes em sessão, e os eventos antecedentes e
consequentes que os controlam (Tsai, Kohlenberg, Kanter, Kohlenberg, Follette &
Callaghan, 2011).
Mais Vistos Hoje
Terapeuta: Observa que enquanto o cliente fala sobre como é tímido em seus
relacionamentos, ele também age timidamente em sessão, desviando o olhar,
abaixando a cabeça, ficando períodos longos em silêncio.

Regra 2: Evoque CRBs (courage – coragem) 1

Trabalhar com os comportamentos problemáticos do cliente ao vivo, pode gerar Recursos Terapêuticos no Atendimento com
Adolescentes
desconforto ou medo no terapeuta. Por isso, a regra dois prescreve que o terapeuta
seja guiado pelas melhorias do cliente e seja corajoso para emitir comportamentos
que evoquem tais melhorias (Tsai et al., 2011).

Terapeuta: Parece que esses comportamentos que você está relatando sobre sua
2
timidez em seus relacionamentos, também estão acontecendo agora, como
desviar o olhar e permanecer de cabeça baixa. Você está se sentindo tímido Economia de Fichas: de nição e aplicação
comigo também?
Cliente: Sim, eu não havia percebido que estava desviando tanto o olhar. Me
desculpe, vou prestar mais atenção para olhar para você enquanto conversamos.

O terapeuta fala abertamente e corajosamente sobre o problema em sessão para o 3


cliente, e quando o terapeuta se coloca vulnerável nessa interação, ele aumenta a Conceitos Básicos I: Paradigma Respondente – O
probabilidade de que o cliente também se coloque vulnerável, e emita o Re exo Incondicionado
comportamento desejado, neste caso, ser corajoso para olhar diretamente para o
terapeuta enquanto conversa.

Regra 3: Reforce CRBs2 (love – amor)


4
A palavra amor está relacionada à regra três porque se refere à empatia do
Regulação Emocional: Compreendendo as
terapeuta ao abordar cuidadosamente as dificuldades do cliente, e também ao
emoções e a importância de equilibrar suas
reconhecer os pequenos progressos dele, a fim de reforçar naturalmente e manifestações
diferencialmente cada aprendizagem ou melhoria (Tsai et al., 2011).

Cliente: Sim, eu não havia percebido que estava desviando tanto o olhar. Me
desculpe, vou prestar mais atenção para olhar para você enquanto conversamos.
Terapeuta: E que bom que, ao perceber, você ficou mais atento ao seu 5
comportamento, e tentou olhar diretamente para mim. Imagino que manter esse
Autismo: O treino de habilidades motoras nas e
olhar não seja fácil, mas assim, de cabeça erguida e olhando para mim, eu grafomotor
consigo te ver melhor, te ouvir melhor, e te entender melhor.

O terapeuta buscou reconhecer tanto a dificuldade do cliente como o enfretamento


que ele fez ao tentar manter o olhar direto para o terapeuta, assim, o terapeuta foi
empático tanto com as dificuldades como com as melhorias, e ao ser empático há
uma probabilidade maior de que o comportamento do terapeuta funcione como © 2008 ~ 2021 Portal Comporte-se: o maior portal de
psicologia e análise do comportamento do Brasil. Todos
reforço natural para o comportamento de melhora do cliente em sessão, além de os direitos reservados.

servir de modelo ao cliente de como agir empaticamente nos relacionamentos.

Regra 4: Avalie o efeito (awareness – consciência)

Depois que o terapeuta buscou reforçar naturalmente o comportamento alternativo


do cliente, é preciso avaliar se de fato o comportamento foi reforçado, é preciso ter
consciência do impacto da intervenção no comportamento do cliente. O terapeuta
pode fazer isso de, ao menos, duas formas (Tsai et al., 2011):

1) Observando o comportamento subsequente do cliente:

Terapeuta: Observa que o cliente permanece olhando diretamente ao terapeuta


enquanto conversa.

1
2) Perguntando diretamente ao cliente para avaliar o impacto: Como foi para
você isso que aconteceu agora? Como foi para você agir dessa forma? O quanto
você acha que isso pode acontecer nas suas relações no dia-a-dia?
Terapeuta: O quanto você acha que conseguiria tentar manter a cabeça erguida,
olhando para a pessoa com quem você conversa, em outras relações do seu dia-a-
dia?
Cliente: Acho que é importante tentar, posso começar com as pessoas mais
próximas, talvez seja mais fácil.

Assim, o terapeuta se torna mais consciente do impacto de sua intervenção no


comportamento do cliente, e também tem a possibilidade de melhorar a
consciência do cliente sobre a possibilidade de suas aprendizagens também
ocorrerem em contextos fora da terapia.

Regra 5: Interprete funcionalmente e implemente estratégias de


generalização (behaviorism – seja behaviorista)

Interpretar funcionalmente é uma estratégia que torna mais evidente ao cliente as


variáveis que controlam seu comportamento. Então, na medida em que o terapeuta
analisa uma contingência com o cliente, ele se torna mais consciente do que
controla seu comportamento e, assim, há uma probabilidade maior de que ele
identifique comportamentos alternativos a serem emitidos em sua vida. Sugere-se,
também, que o terapeuta tenha um foco maior em ensinar o cliente a analisar o
próprio comportamento, ao invés de fornecer as análises prontas, a fim de torna-lo
mais autônomo nas análises dos seus comportamentos e, assim, possa identificar
mais facilmente comportamentos alternativos com probabilidade maior de reforço
(Villas-Bôas, Meyer, Kanter & Callaghan, 2015).

Terapeuta: Você consegue identificar em que situações você buscou olhar mais
para mim hoje?
Cliente: Ah, acho que quando você estava contando coisas eu busquei mostrar que
estava atento, olhando diretamente para você.
Terapeuta: E como você se sentiu ou o que você percebeu que mudou ao agir
assim?
Cliente: Um pouco tímido, mas ao mesmo tempo satisfeito por estar agindo
diferente.

Uma vez que o cliente foi capaz de analisar funcionalmente seu comportamento em
sessão, o terapeuta pode investir em paralelos funcionais sobre situações em que
esses comportamentos alternativos poderiam ser emitidos na vida dele para
produzir consequências reforçadoras (Villas-Bôas et al., 2015).

Terapeuta: Em que situações semelhantes você acha que seria importante tentar
agir assim na sua vida?
Cliente: Em todas em que houver relacionamento, mas principalmente com as
pessoas que são importantes para mim.
Terapeuta: E que impacto você acha que agir assim – conversar olhando
diretamente para a pessoa – pode ter nessas relações com pessoas que são
importantes para você?
Cliente: Talvez elas percebam que eu realmente me importo com elas e com o que
elas têm a dizer.

As tarefas de casa têm sido propostas na FAP como uma estratégia que pode
facilitar a extensão de aprendizagens obtidas em sessão para a vida diária do
cliente, com as seguintes funções: 1) testar os comportamentos aprendidos; 2)
praticar esses comportamentos; 3) e aumentar a probabilidade de reforço natural
para tais comportamentos, em contextos variados da vida do cliente (Tsai et al.,
2011).

Terapeuta: Então parece que pode ser bem interessante tentar agir desse modo
com elas. Sabendo disso, o que você acha que poderia tentar fazer nessa semana,
com relação ao que trabalhamos hoje?
Cliente: Acho que posso começar com a minha namorada, vou ficar atendo para
olhar mais para ela enquanto conversamos.

Apesar de a regra 5 propor que o terapeuta invista em estratégias de generalização,


o processo de transposição das aprendizagens obtidas em sessão para a vida diária
ainda não está bem definido. A generalização pressupõe que estímulos com
propriedades físicas semelhantes evoquem um mesmo comportamento. Mas, o que
parece ocorrer na FAP é diferente, parece que o cliente passa a emitir os
comportamentos aprendidos em sessão, em contextos da vida diária que são
funcionalmente semelhantes ao contexto de terapia (Haworth, Kanter, Tsai,
Kuczynski, Rae & Kohlenberg, 2015).

Em síntese, o modelo ACL se refere tanto aos comportamentos emitidos pelo


terapeuta como aos comportamentos a serem aprendidos pelo cliente. Isso quer
dizer que o terapeuta intervém com consciência dos comportamentos clinicamente
relevantes e das variáveis de controle, com coragem para evocar aprendizagens do
cliente, e com amor para abordar as dificuldades e reforçar os progressos dele.
Quanto ao cliente, quer dizer que ele aprende a estar mais consciente sobre sua
forma de se comportar no mundo e sobre as variáveis que controlam seus
comportamentos, que ele aprende a ter coragem para sair da zona de conforto e
agir diferente em prol de melhorias em sua vida e em seus relacionamentos, e que
ele aprende a ser mais amoroso, gentil ou respeitoso ao lidar com o outro nas
relações interpessoais (Ferro-García, 2016). Ademais, consciência, coragem e amor
são termos genéricos, mas o terapeuta comportamental tem, ou deveria ter,
condições de operacionalizar os comportamentos que ele espera do cliente, com
relação estar consciente, ter coragem e agir com amor.

OBS.: O exemplo clínico exposto neste texto é fictício, não se trata de


um caso clínico real.

REFERÊNCIAS
1

Ferro-García, R., Valero-Aguayo, L., & López Bermúdez, M. Á. (2016).


Fundamentos, características y eficacia de la Psicoterapia Analítica
Funcional. Análisis y Modificación de Conducta, 42 (165-6).
Haworth, K., Kanter, J. W., Tsai, M., Kuczynski, A. M., Rae, J. R., & Kohlenberg, R.
J. (2015). Reinforcement matters: A preliminary, laboratory-based component-
process analysis of Functional Analytic Psychotherapy’s model of social
connection. Journal of Contextual Behavioral
Science. http://doi.org/10.1016/j.jcbs.2015.08.003

Tsai, M; Kohlenberg, R. J.; Kanter, J. Kohlenberg, W.; B.; Follette, W.; Callaghan,
G. M. (2011). Um guia para a Psicoterapia analítica funcional (FAP): consciência,
coragem, amor e behaviorismo. Santo André: ESETec.

Villas-Bôas, A., Meyer, S. B., Kanter, J. W., & Callaghan, G. M. (2015). The use of
analytic interventions in Functional Analytic Psychotherapy. Behavior Analysis:
Research and Practice, 15 (1), 1–19. http://doi.org/10.1037/h0101065

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Escrito por Mônica Camoleze


Psicóloga (CRP 08/15023), graduada pela Universidade Positivo. Especialista em terapia
analítico-comportamental pelo Instituto de Análise do Comportamento de Curitiba.
Formação em psicoterapia analítica funcional e terapia de aceitação e compromisso pelo
Instituto Continuum. Cursou terapia comportamental dialética, pelo Dialectica Psicoterapia
Baseada em Evidências. Mestre em psicologia pela Universidade Federal do Paraná, com
pesquisa sobre psicoterapia analítica funcional. Atua como psicóloga clínica em Curitiba,
atendendo crianças, adolescentes, adultos e casais.

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1 COMENTÁRIO   Oldest 

Claudia  1 ano atrás

O texto fornece muitas informações de maneira clara e objetiva, impossível não


compreender. Gostei muito!!!

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