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“D.

Fernando, infante de Portugal”

Análise Interna:
Este poema situa-se na I parte da Mensagem, intitulada “Brasão”, na subdivisão
“As quinas”, cujos poemas abordam as figuras que representam os lutadores e
mártires da nação.

Neste poema de Pessoa, ouvimos a voz do Infante Santo, assim apelidado por
ter morrido nos cárceres de Fez, na maior escravatura que é possível imaginar.
Na versão inicial de Mensagem, este poema intitulava-se Gládio e alguns críticos
literários consideram que este herói mártir se identifica com o próprio poeta, investido
de uma dimensão messiânica, um eleito de Deus para conduzir uma santa guerra
contra a morte do sonho, sacrificando-se desse modo, pela sua pátria.

O poema é, portanto, um autorretrato de D. Fernando, visto que o seu discurso


se encontra na 1ª pessoa. Temos como exemplo o uso de “me” nos versos 1,3,6,8,
“eu” nos versos 1 e 11 e as formas verbais na 1ª pessoa do singular “vou” (v.11) e
temo (v.13), entre outros.

O poema pode ser dividido em três partes: a consagração do infante (dos


versos 1 a 7), a vontade de mudança e conquista (dos versos 8 a 12) e determinação e
coragem (dos versos 13 a 15).

Na primeira parte é referido um gládio, que é uma espada, que foi dada ao
sujeito poético por Deus. Isto significa, portanto, o poder que Deus investe no herói
para que este cumpra o seu destino. Este poder foi concebido na forma de uma
espada, com o objetivo de evangelizar os mouros ao cristianismo, sem causar dor ou
sofrimento, originando uma “Santa guerra”.

Temos por isso, D. Fernando como um protótipo do cavaleiro de Cristo, um


instrumento da vontade de Deus, que está destinado a sacrificar-se pelo mesmo (como
se pode ver em “Sagrou-me”, “seu gládio” e “Deu-me”). Além disto, com os versos
(“um frio vento passa/Por sobre a terra fria”) podemos também observar que há um
presságio de dor, para o herói, que vem com esta consagração, apesar de ser suposto
esta trazer felicidade. No final da 1º parte Deus indica, ao herói o caminho certo,
moldando-lhe o olhar (“Pôs-me as mãos sobre os ombros e doirou-me/A fronte com o
olhar”).

A primeira parte encontra-se escrita no pretérito perfeito, o que sugere que a


consagração do infante se concretizou no passado.

Ao entrar na segunda parte em consequência da ação divina o sujeito poético é


consumido por uma “febre de Além”, que no fundo é um desejo de grandeza, de
descobrir, criar e fazer cumprir o destino que Deus lhe deu. (E esta febre de Além, que
me consome, /E este querer grandeza são seu nome/Dentro em mim a vibrar.)

Estes versos apresentam formas verbais no presente do indicativo, o que


remete para que esta parte do poema seja o presente do sujeito poético e que este
ainda não concretizou o seu destino, mas anseia fazê-lo.

A febre de além é algo que lhe é dado, faz parte da sua condição sobre-humana
e faz com que este aja por vontade divina, impelindo-o à ação - o que se concretiza na
terceira estrofe.

No inicio da terceira estrofe, o herói esta confiante e calmo, pois tem o espírito
de Deus ao seu lado, a olhar pela sua missão. A sua fé em Deus permite-lhe enfrentar o
futuro sem medo e a sua lealdade a Portugal e a Deus mostram que este possui
verdadeiramente uma alma digna.

Os últimos três versos(3ºparte) mostram que não importa se a ação se


concretiza ou não em obra feita, o que interessa é a própria ação. Adicionalmente,
estes versos são os que mais remetem ao mito sebastianista, pois tal como D.
Sebastião, D. Fernando apela à loucura e à capacidade de sonhar que impede o
homem de não temer nada.

Análise Externa:

O poema é constituído por três quintilhas.

O seu esquema rimático é ABAAB, apresentando rima cruzada, interpolada e


emparelhada.
Quanto à métrica os versos são predominantemente decassilábicos e hexassilábicos.

Figuras de Estilo:

“A sua santa guerra” – Paradoxo

“Sagrou-me seu em honra e desgraça” – Antiteseb

“E esta febre de Além, que me consome,


E este querer grandeza são seu nome” – Anáfora ( repetição da palavra este) realçar o
desejo que o herói tem de realizar o destino que é cumprido através dele

“Em minha face calma,” – Hipálage (realçar a coragem do herói e o facto de ele ser
destemido pois tem Deus ao seu lado

Este poema tem ainda marcas do discurso épico ao apresentar um acontecimento


histórico cometido por um protagonista de alta estirpe (social e moral), que concretiza
uma ação heroica e admirável, com ajuda de um ser sobrenatural.

Apesar de ambos os textos falarem de D. Fernando, no poema de Pessoa, o herói ainda


não partiu para África e, portanto, sente-se cheio de confiança e é visto como um instrumento
de Deus, o que contrasta com o poema de Camões, onde o poeta faz referência a D. Duarte, o
irmão do herói e a D. Fernando, quando este partiu para África, onde foi colocado em
cativeiro. Neste texto temos uma visão diferente de D. Fernando, em que este suportou todos
aqueles conflitos, não por amor à Pátria, mas porque não teve escolha.

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